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A ÁGUA NA CIDADE DO CRATO - CE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O
PLANEJAMENTO E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS EM ÁREAS URBANAS Maria Edilmeire Alves Tavares
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ [email protected]
RESUMO O trabalho caracteriza e analisa a presença e o comportamento da água na cidade do Crato – Ceará, no
semi-árido nordestino, destacando aspectos como sua circulação, armazenamento e as interações sócio-ambientais. Dois fatores principais são considerados no diagnóstico: a ocupação urbana desordenada, desde o século XVIII, ao longo do rio Grangeiro e a recente maior expansão da cidade sobre as vertentes. A metodologia visou integrar o levantamento e a análise da evolução urbana da cidade, com trabalhos de campo e a obtenção de dados primários por meio de inquéritos junto à população (862 entrevistas), que foram tabulados e geraram classificações de indicadores, representativos das condições sócio-ambientais da população da cidade e de cada bairro, envolvendo: destino do lixo e esgoto, tipo de moradia, presença da água, habitantes, instrução e renda. Foram construídos (16) cartogramas para a espacialização dos resultados por bairros. O trabalho indica, entre outros resultados, que o abastecimento de água é satisfatório em todos os bairros e que a disponibilidade acaba reduzindo as práticas da população de armazená-la. A falta de saneamento básico é o principal problema constatado. Não há um sistema geral de tratamento para o esgoto que é lançado na rede de drenagem. São analisadas ocorrências de enchentes, assim como os processos erosivos em encostas e nas margens urbanizadas do rio Grangeiro. As informações da população foram instrumentos importantes para nortear o diagnóstico da situação da água na cidade, pois mostraram as semelhanças e desigualdades nas condições ambientais. A metodologia e os resultados obtidos poderão orientar iniciativas a serem tomadas para o planejamento e gestão municipal, em direção da melhoria das condições de vida na cidade. Palavras Chaves: Água. Semi-árido. Enchentes
ABSTRACT
This work analyzes and characterizes the presence and the behavior of the water in the city of Crato, Ceará, an area located in the northeast semi-arid. The work focus on aspects such as the water circulation, storing and socio-environmental interactions. Two main factors are considered in the diagnosis: the disordered urban expansion of the referred City, which occurred along of Grangeiro River; and the recent expansion of irregular inhabitation in slopes. We use a methodology that integrate the data The methodology integrates fieldwork, a historical review of the urban evolution and the up rise of primary data through interviews. We tabulate the primary data and generate classes of indicators, which represent socio-environmental conditions of the population of the City as a whole and of each district individually. The indicators check the following conditions: the destination of garbage and sewage, kinds of houses, the presence of water, education and income. Sixteen cartograms are constructed to spatialize the results by district. Among other results, our research indicates that the water supply is not satisfactory in all districts. Moreover, the water availability reduces the water storing practices of the population. The lack of sanitation is the main problem. There is not a sanitary sewage system that cover all the urban area. The fieldwork has also shown that there are erosion problems in the urbanized borders of the Grangeiro River as well as the occurrence of floods. The information provided by the population are important tools to guide the diagnose the current situation of the water in the City. This information shows the similarities and inequalities of the environmental conditions. The methodology and results can guide initiatives to be taken to the municipal planning and management, towards the improvement of living conditions in the city. Palavras Chaves: Water . Semi-arid . Floods
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1. INTRODUÇÃO
A cidade do Crato, área da pesquisa localiza-se no sopé da Chapada do Araripe (Figura 1), a
420m de altitude, o que lhe confere uma fisiografia favorável à agricultura, uma vez que é beneficiada
por fontes que ressurgem nas bordas da Chapada, além de solos propícios a esta atividade econômica.
Faz parte, da chamada região do Cariri Cearense, que se localiza na porção sul do estado do Ceará na
região Nordeste do Brasil, com uma população segundo o IBGE (2000) de 104.377 habitantes.
O Crato devido a Chapada é possuidor das principais fontes de água da Bacia Sedimentar do
Araripe.
Figura 1: Localização da cidade do Crato/CE- Fonte: Lima Neto (2006).
A cidade do Crato, inserida nessa área, apresenta um regime pluviométrico marcado por
extrema irregularidade de chuvas no tempo e no espaço. Nessa paisagem, a água constitui um bem
natural de elevada limitação ao desenvolvimento socioeconômico desta região e, até mesmo, à
subsistência da população. A ocorrência cíclica de secas e seus efeitos catastróficos no âmbito regional
são por demais conhecidos e remontam aos primórdios da história do Brasil.
Entretanto o Cariri Cearense apresenta características fisiográficas peculiares que o torna
diferente dos outros lugares inseridos no cenário do semi-árido nordestino. A dinâmica da paisagem
desta região é marcada pelas condições naturais mais úmidas devido entre outros fatores, o substrato
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geológico sedimentar que lhe propicia grande capacidade de armazenar água e pelo aumento
considerável da população na última década.
A cidade do Crato, apesar de estar no semi-árido nordestino é considerada como um “oásis”
devido à presença de diversas fontes naturais que se associam à Chapada do Araripe, fator fundamental
de sua localização. Entretanto, as atividades urbanas, aliadas ao crescimento desordenado da
população em áreas de encosta, vêm provocando problemas para a circulação da água na cidade. Outro
fator agravante é a relação entre o sítio da cidade e sua planta urbana que acentuaram as direções de
escoamento das águas nas encostas que se limitam com sua área central. Essa característica física causa
problemas de drenagem quando das chuvas nos bairros em áreas mais altas, o que muitas vezes provoca
enchentes no Centro da cidade.
Dentro desse contexto, o principal objetivo desta pesquisa é caracterizar a presença e o
comportamento da água na cidade. Essa caracterização leva em consideração aspectos como a
circulação, o armazenamento e as interações sócio-ambientais dos recursos hídricos. Nessa
perspectiva, este trabalho buscou constituir-se em uma efetiva contribuição para o planejamento e gestão
dos recursos hídricos da cidade do Crato, bem como de outras áreas urbanas com características
similares.
Assim, foram destacados os seguintes objetivos específicos:
Caracterizar a cidade do Crato: História, evolução urbana e a importância da água, com os modos
de obtenção e utilização pela população ao longo do tempo;
Caracterizar o fluxo das águas induzidas por processos naturais e antrópicos;
Identificar o processo de ocupação urbana e demonstrar o processo desordenado existente.
Caracterizar e analisar a situação atual da área urbana da cidade do Crato e de seus principais
bairros em relação ao saneamento urbano (abastecimento de água e esgotamento sanitário), bem
como examinar as políticas públicas;
Identificar os principais problemas relacionados à drenagem urbana da área de estudo;
Obter uma espacialização dos dados e informações sócio-ambientais, coletadas por bairro, para
destacar e analisar as condições da vida da população urbana em relação à água, buscando
apresentar uma abordagem geográfica ambiental.
O trabalho é baseado na integração das informações históricas e atuais, coletadas em planos
institucionais e a partir de entrevistas aplicadas para os bairros da cidade. Este estudo aborda a
identificação, mensuração e análise de problemas relacionados à água provocados pelas mudanças
ocorridas no ambiente urbano.
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2. METODOLOGIA
Visando atender aos objetivos propostos e por compreender um grande leque de questões, este
trabalho apoiou-se em Amante (2006), que oferece uma contribuição na criação de metodologias de
análise da água em áreas urbanas ao preconizar a importância de obter e utilizar, de modo sistemático,
dados e avaliações fornecidos pela própria população.
O processo de urbanização é um fator essencial, para compreender a relação do homem com a
natureza, e a forma como os recursos hídricos são apropriados, modificados, degradados ou
valorizados pela ação antrópica e assim, a sua circulação no ambiente urbano. O estudo do processo da
urbanização foi realizado com visitas ao campo e dados recentes e antigos cedidas pela Prefeitura
Municipal do Crato, Biblioteca Municipal, Museu da cidade e a Universidade Regional do Cariri.
Na bibliografia buscou-se a relação do homem com a água desde a fundação da cidade no
Século XVIII até os dias atuais. Assim como, também, sobre a drenagem urbana, os recursos hídricos,
meio urbano, o semi-árido, as enchentes urbanas e um resgate histórico e ambiental da utilização da
água na cidade.
A metodologia visou integrar o levantamento e a análise da evolução urbana da cidade, com
trabalhos de campo e a obtenção de dados primários por meio de inquéritos junto à população com
(862 inquéritos), que foram tabulados e geraram classificações de indicadores, representativos das
condições sócio-ambientais da população da cidade e de cada bairro, envolvendo: destino do lixo e
esgoto, tipo de moradia, presença da água, habitantes, instrução e renda.
Com base numa perspectiva de abordagem sistêmica, que procurou ver a cidade, bairros e água
de forma integrada, empregou uma metodologia que se fundamentou num levantamento bibliográfico
e um levantamento realizado com inquéritos respondidos pela população, cujos resultados foram
vistos, avaliados e complementados pelos trabalhos de campo.
As informações obtidas com as respostas aos inquéritos foram tomadas como oriundas de
amostras representativas da população e, ainda, de sua distribuição nos bairros da cidade. Os trabalhos
de campo puderam verificar o nível de adequação das respostas com a realidade encontrada,
ratificando esta afirmativa.
A caracterização dos bairros da cidade do Crato foi realizada de três formas: (1) efetuando-se
consultas ao Plano Diretor da Cidade (2000); (2) realizando-se pesquisas de campo em fevereiro de
2007 e abril de 2008, com o objetivo de obter informações mais diretas e detalhadas, bem como
comprovar as informações existentes no Plano Diretor e (3) aplicação de 900 inquéritos a partir das
escolas, numa amostragem aleatória, buscando a visão do habitante urbano sobre o seu bairro. Em
parceria com a Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal da cidade do Crato e a Secretaria de
Educação do Estado do Ceará. Dentre as escolas participantes, encontram-se: escolas municipais,
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estaduais e particulares. A escolha dessas escolas levou em conta principalmente, a importância delas
na cidade, a suas localizações e abrangências nos bairros (figura 01).
Figura 2: Localização das escolas participantes e os bairros caracterizados.
A amostragem consistiu em um universo de 900 inquéritos que cobriram os principais bairros
da cidade (vinte e dois) com um total utilizado de 862 inquéritos. Foram descartados trinta e oito
inquéritos que não traziam todas as informações solicitadas ou continham indícios claros de
inconsistências. Os demais inquéritos foram considerados bem sucedidas e mostraram-se importantes
na caracterização das questões.
3. RESULTADOS
A circulação da água na cidade do Crato foi estudada, desde as entradas: o abastecimento, o
escoamento das águas, durante os períodos de chuvas mais fortes e as saídas: As águas servidas das
residências.
Ao analisar o traçado da cidade do Crato, é perceptível ao entendimento que as enchentes do
Centro (fotos 1 e 2) são também atribuídas, a ortogonalidade do plano da cidade que gerou a ocupação de
vertentes acentuadas, de difícil acesso, que se limitam com o Centro e provocam problemas de drenagem
quando das chuvas cujas águas dessem dos bairros localizados em áreas mais altas: Seminário, Novo
Crato, Vila Alta e Alto da Penha.
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Foto 1 – Enchente na cidade do Crato em 24/03/2009 - Canal do rio granjeiro com grande volume de água
Foto 2 – Inundação na rua da vala. (Foto da autora)
A urbanização desordenada nessas encostas impede a infiltração das águas no solo,
prevalecendo o escoamento superficial em direção ao Centro da cidade. Assim, a topografia do local
gerou duas cidades distintas e segregadas: Cidade Alta, ao norte do Rio Granjeiro e Cidade Baixa ao
sul, com dificuldades de acessos e disparidades sócio-econômicas. Na parte baixa da cidade, o
crescimento é linear, ao longo do Rio Granjeiro, com ramificações perpendiculares ao eixo leste-oeste.
Esse modelo de crescimento foi incentivado pelos eixos de acesso à cidade: a leste as avenidas Padre
Cícero e Teodorico Teles, que conduzem à CE-292, que liga Crato a Juazeiro do Norte e, a oeste, a
estrada de acesso aos distritos.
A cidade foi fundada às margens do Rio Granjeiro, entre os morros do Seminário e do Barro
Vermelho. As primeiras casas desenvolveram-se ao longo do rio, faceando as antigas estradas de
acesso, o que pode ser constatado na antiga Rua das Laranjeiras (atual Rua José Carvalho) e na Rua D.
Pedro II, as quais obtiveram configurações tortuosas, típicas de uma estrada, Menezes (1984). Esse
fato evidencia a grande relação do homem com a água desde a fundação da cidade.
A chapada do Araripe, que circunda a cidade do Crato, sofre um processo de destruição
promovido por constantes queimadas, falta de controle do desmatamento e poluição de suas águas, que
fogem ao controle das instituições governamentais, desprovidas de aparato técnico-administrativo e
recursos humanos para fins de fiscalização. Tudo isso aliado às ocupações urbanas irregulares nas
encostas que circundam a cidade, contribui para o escoamento superficial em direção ao Centro da
cidade, em períodos de chuvas e dessa maneira podendo causar as enchentes.
O sistema de drenagem de águas pluviais no Crato é problemático, devido às ocupações das
áreas marginais e encostas, além dos talvegues funcionarem como emissários finais dos esgotos
coletados inadequadamente. Os problemas de drenagem na cidade tornam-se ainda maiores por causa
dos lançamentos clandestinos de esgoto nas galerias de águas pluviais, oriundos do sistema irregular
de esgotamento sanitário existente. A população lança seus esgotos nos canais fluviais, e nas poucas
galerias de drenagem de águas pluviais existentes, provocando a proliferação de insetos e de doenças.
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No estudo através dos inquéritos, foi abarcada característica como: escolaridade, tipo de
moradia, tempo de moradia, quantidade de pessoas, abastecimento d’água, destino do esgoto, destino
do lixo e outros itens importantes nessa caracterização.
Ao tomamos esses valores obtidos para a cidade (figuras 4 a 15) Pode-se verificar quais os
bairros que apresentam valores acima e abaixo dos valores obtidos para a cidade e conseqüentemente
analisar, também espacialmente, que bairros apresentam melhores ou piores condições que a cidade,
em cada uma das características consideradas. Em caso de maior ou menor diferença teria maior e
menor homogeneidade na condição considerada para a cidade.
No que diz respeito ao tipo de moradia (Figura 4), a cidade obteve uma média relativa de
95,9% dos entrevistados que moram em casa, enquanto 2,8% moram em apartamento, 1,0% em
estabelecimento comercial e 0,2% não respondeu. Esses números mostram que a cidade do Crato está
inserida no que chamamos de cidade horizontal, existindo uma pequena parcela de prédios no bairro
Centro e no bairro Pimenta.
Figura 3: Tipo de moradia – Base: SEINFRA/2003
Em relação ao tempo de moradia, na cidade foi demonstrado que 56,1% dos entrevistados
moram até 10 anos na mesma residência e 38,6% moram na mesma residência a mais de dez anos e
5,2% não respondeu (Figura 4). Essa característica poderá ser indicativa de uma provável mobilidade
da população em busca de uma melhor qualidade de vida.
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Figura 5: Tempo de moradia até 10 anos – Base: SEINFRA/2003
Com relação à quantidade de pessoas residentes na mesma casa, (Figura 6) foi verificado que
um número grande de pessoas mora na mesma casa, principalmente nos bairros mais longe do centro
da cidade e como também nos bairros de classe de renda mais baixa. Na grande maioria dessas
residências, existe apenas uma caixa pequena de recebimento de água potável conforme verificado
durante a pesquisa. Não existindo o hábito de armazenar água em outro lugar que não seja na caixa de
recebimento ou de recolhimento da água da chuva.
Figura 6: Quantidade de pessoas na residência com quatro ou mais pessoas – Base: SEINFRA/2003
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Em relação à água potável, ficou evidenciado na pesquisa que 94,2% dos entrevistados
respondeu que recebe água encanada, enquanto 4,3% não recebem e 1,5% não respondeu (Figura 7).
Figura 7: Recebe água encanada – Base: SEINFRA/2003
Isso é explicado por a cidade ter características favoráveis a esse perfil, como por exemplo: a
sua localização, onde desde o século XVIII foi formando o Centro histórico em particular o bairro
Centro, em torno do rio Granjeiro. Esse fator tem uma grande contribuição quanto à fartura da água.
Isso, explica a sua abundancia, razão determinante na escolha do sítio da cidade.
Ficou evidenciado pela análise dos dados obtidos que uma grande e significativa parcela de
toda a população da cidade do Crato é provida diretamente, em suas residências, de água potável.
No entanto, quanto mais água encanada na cidade, maior será a necessidade de uma rede de
esgoto eficaz, devido a maior quantidade de água que será devolvida pelas residências. Nessa
perspectiva a cidade do Crato não tem uma rede de esgoto eficaz. Na pesquisa esse problema ficou
bastante expressivo.
Ao fazer o levantamento histórico da cidade um ponto logo ressaltado é que, embora situada
dentro de uma região semi-árida, sua localização nas proximidades da borda da Chapada do Araripe
lhe conferiu uma efetiva disponibilidade de água, que ao longo do tempo sempre tem sido fundamental
para seu crescimento e desenvolvimento atual. Essa disponibilidade é ainda uma garantia da
possibilidade do atendimento pleno da demanda por água da cidade, mesmo considerando volumes
maiores necessários para o atual crescimento da população e da expansão das atividades produtivas,
que vão ocupando novos espaços inclusive os presentes nos novos bairros.
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Entretanto, embora ainda grande, o potencial de recursos hídricos disponíveis, vem diminuindo
quantitativamente e qualitativamente, pela expansão da ocupação, inclusive urbana, por processos de
desmatamento das áreas das bacias fluviais e pela poluição causada pelo lançamento de esgotos nos
rios.
Verificou-se também que na cidade a água chega em suas residências com pouca dificuldade
ou nenhuma, na qual obteve 83,5%, enquanto para 16,0% a água não chega ou chega com muita
dificuldade e 0,5% não respondeu a esse item (Figura 8). Esta situação está ligada ao local da fundação
da cidade e as características favoráveis da presença da Chapada do Araripe, ou seja, a proximidade e
abundancia de suas fontes de água.
Figura 8: Água chega com pouca dificuldade ou nenhuma – Base: SEINFRA/2003
Essa explicação está diretamente relacionada com as características da região do Cariri que é
caracterizada por duas unidades geomorfológicas (Costa & Gatto, 1981): o Planalto Sertanejo e a
Chapada do Araripe. O Planalto Sertanejo apresenta-se em forma semicircular bordejando o alto relevo
da Chapada do Araripe, com cotas em torno de 400m.
A Chapada do Araripe, formada por camadas sedimentares, apresenta relevo de topo plano,
com índice de dissecação variando de 250 a 750m e drenagem de fraca intensidade. Limita-se em toda
sua extensão por escarpas erosivas, fazendo contato através de rampas com a depressão sertaneja na
parte norte. Tal forma de relevo configura-se no principal condicionante da umidade da Região do
Cariri, fazendo ocorrer o que chamamos de chuvas orográficas. A litologia, a disposição das camadas e
o suave mergulho (≈ 5º) de sul para norte favorecem a ocorrência de fontes naturais responsáveis pela
alimentação dos rios e riachos da Região do Cariri.
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Segundo Lima (2007) o Crato possui uma grande área de baixo declive situada no topo da
chapada e na planície fluvial. O topo da chapada é coberto por um solo arenoso e permeável
responsável pelo fornecimento de água para o aqüífero, o que confere a região, uma excelente fonte de
água para abastecimento humano e de alta declividade na porção norte da cidade, já na área de
embasamento cristalino.
No que diz respeito à qualidade da água recebida em suas residências, foi caracterizado que
63,1% dos entrevistados considera de boa á ótima, (Figura 5). Isso demonstra existir uma
confiabilidade por parte da população nos gestores dos recursos hídricos. A confiabilidade da
população fica ainda mais evidente quando observamos que 75,5% não tem, o hábito de ferver a água
para beber (11,0% ferve a água para beber e 13,5% não respondeu).
Figura 10: Qualidade da água – Base: SEINFRA/2003
Observou-se também que 60,3% dos entrevistados não guardam a água, isto é, ela é guardada
somente na caixa de recebimento de água encanada e não além dela (Figura 11). Eles acham que a
caixa já é um armazenamento e não tem a preocupação em armazená-la. Mesmo em um ambiente
semi-árido, a população não costuma armazenar a água. Compreendido pelo fato de 94,2% da cidade
recebe água encanada, de dois em dois dias. Devido a sua localização no sopé da Chapada do Araripe,
o Crato é uma cidade singular pela maior disponibilidade de água, diferente de outras cidades do sertão
cearense.
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Figura 11: Armazenamento da água – Base: SEINFRA/2003
No que diz respeito à capacidade de armazenar água na caixa, (Figura 12) como resultado a
cidade tem 65,2% dos entrevistados possuidores das caixas com capacidade de até 500litros, (21,7%
têm caixa de mais de 500litros e 13,1% não respondeu a esse tópico).
Figura 12: Capacidade de armazenar água da caixa – Base: SEINFRA/2003
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Isso é mais um indicativo de que a população do Crato não cultiva o hábito de armazenar água,
caso possa existir falta dela no futuro.
Verifica-se também que o abastecimento de água se faz presente com regularidade em todos os
bairros da cidade, transmitindo certa confiança quanto à disponibilidade desse recurso, Corrobora este
fato a regularidade e a freqüência em que é feito o abastecimento, a grande ocorrência de caixas d’água
de menor tamanho nas casas que quase sempre abrigam um número elevado de pessoas e a informação
de que não é freqüente a presença de mais de um modo de guardar água. Ressalta-se nas informações
obtidas que a população paga pela água recebida, já há algum tempo, mas o seu baixo custo talvez não
induza atitudes de economia e de armazenamento.
Com relação ao recolhimento da água da chuva (Figura 13) uma grande parcela da população
da cidade do Crato também não cultiva o hábito de recolher a água da chuva, da mesma maneira que
também não tem o hábito de armazená-la além das caixas pequenas de recebimento.
Figura 13: Recolhe água da chuva – Base: SEINFRA/2003
Quanto ao destino do lixo residencial, (Figura 14) foi caracterizado por 59,7% dos
entrevistados que é feito pelo serviço de limpeza pública da cidade, 21,9% por caçamba pública 9,0%
é queimado na propriedade, 7,0% é jogado em terreno baldio, em rio ou em vala; 0,8% tem outro
destino (1,5% não respondeu).
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Figura 14: Destino do lixo – Base: SEINFRA/2003
A cidade do Crato em relação à rede de esgoto (Figura 15) mostra que 36,2% tem rede de
esgoto, 57,4% dos entrevistados respondeu que o destino do esgoto é na rua/rede fluvial ou fossa.
Cabe lembrar que a rede de esgoto não tem como estação de tratamento, apenas retira do espaço
urbano as valas, mas o destino também são as ruas.
Essa realidade ainda é pior quando se analisa os seguintes bairros: Seminário, Ossian Araripe,
Gizélia Pinheiro, Lameiro, Novo Crato, Muriti, Zacarias Gonçalves, Vila Lobo, Barro Branco, São
José, São Bento, Franca Alencar e o bairro Cacimbas que é visível, a falta de uma rede de esgoto.
Nesses bairros a média foi muito alta em relação à cidade dos que responderam que o destino do
esgoto é na rua/rede fluvial ou fossa e isso o torna pior. Isto demonstra ou até mesmo confirma que a
cidade do Crato precisa melhorar o seu sistema de esgotamento.
Entretanto, do ponto de vista dos padrões sanitários ideais, não existe sistema de esgotamento
sanitário na Cidade do Crato, visto que, o que se verifica é a existência de soluções individuais, com
funcionalidade precária, aproveitando as galerias do sistema de drenagem de águas pluviais da cidade
para lançamento do esgoto que vai direto para o Rio Granjeiro, sem tratamento.
O saneamento básico é o principal problema constatado na cidade. Não havendo sistema de
tratamento, a grande diferença se dá entre os bairros em função dos esgotos. Em uns há a presença de
calçamentos encobrindo as galerias das redes que levam as águas servidas aos rios e em outros há a
presença de valas, a céu aberto, que levam o esgoto para o mesmo destino, principalmente o rio
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Granjeiro que corta a cidade. Evidentemente, uma primeira demanda a ser atendida deve ser a
implantação de rede de esgoto, nesses bairros que abrigam populações de mais baixa renda e que
convivem com essas valas. Cabe ressaltar que a maior disponibilidade de água nos domicílios também,
paradoxalmente, acaba sendo responsável por um maior despejo de esgoto e comprometimento dos
aqüíferos.
O canal do rio Granjeiro, além do recebimento das águas que não são infiltradas das encostas e
descem em direção ao canal, recebe as águas servidas das residências, contribuindo com a poluição
dos recursos hídricos e as enchentes no bairro Centro. Outro aspecto, que merece consideração é que
essas águas chegam nas cidades vizinhas completamente poluídas.
O sistema de drenagem de águas pluviais no Crato é problemático, devido às ocupações das
áreas marginais e encostas, além dos talvegues funcionarem como emissários finais dos esgotos
coletados inadequadamente. Falta de um sistema de esgotamento sanitário na cidade do Crato faz com
que a população transforme fontes de recursos hídricos (riachos, córregos, açudes e lagoas) e as
galerias de águas pluviais existentes em receptores de esgotos, poluindo estes recursos hídricos e
causando a proliferação de insetos e, conseqüentemente, doenças, enchentes e assim a sua escassez.
Figura 15: Destino do esgoto – Base: SEINFRA/2003
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4. CONCLUSÃO
Ao se analisar as características levantadas quanto à presença da água na cidade e em seus
bairros, com informações a partir da própria população e complementadas pelos trabalhos de campo,
ficaram destacados alguns pontos importantes. Quanto ao abastecimento de água não há bairros que
apresentem situações significativamente muito discrepantes entre si. Quanto às águas servidas as
diferenças se apresentaram de forma mais efetiva.
Pelas características analisadas:
Os bairros Granjeiro, São Miguel, Seminário, Alto da Penha, Ossian Araripe, Mirandão,
Pimenta, Pinto Madeira, Santa Luzia, Zacarias Conçalves, Sossego, Novo Horizonte e São José são os
que apresentam melhores condições, podendo ser destacado o bairro Granjeiro. São bairros mais
antigos, espacialmente estão mais próximos do núcleo inicial da cidade, com populações de renda mais
alta.
Os bairros Centro, Gizélia Pinheiro, Lameiro, Novo Crato, Muriti, Vila Alta, Vila Lobo, Barro
Branco e São Bento são os que apresentam piores condições, podendo ser destacado o bairro Vila
Lobo. São bairros mais novos (ou que recentemente se expandiram) com populações de renda mais
baixa.
Outro aspecto fundamental referente à água na cidade do Crato é o relacionado ao seu
escoamento, durante os períodos de chuva sobre a superfície da cidade e sua concentração ao longo do
canal fluvial do Rio Granjeiro. Desse escoamento decorrem problemas de enchentes e erosão.
Foi possível verificar que as condições do terreno e da topografia do sítio da cidade aliados à
disposição das ruas que descem paralelamente ao declive das encostas, principalmente nas áreas
próximas ao centro urbano, favorecem um maior e mais intenso escoamento das águas, durante os
períodos de chuva mais fortes, tendo como resultado a ocorrência de enchentes nas áreas mais baixas
do centro da cidade.
Na cidade, além das enchentes que periodicamente vêm ocorrendo, o aumento do volume das
águas que escoam, durante os momentos de chuva, têm favorecido a concentração delas nos canais de
drenagem e ampliando a energia dos fluxos produzindo erosão. A voçoroca existente no bairro
Seminário atesta este fato e em função da expansão da ocupação do solo ela continua tendendo a
crescer, colocando em risco a população residente no local, conforme foi visto nos trabalhos de campo.
Também no canal do rio Granjeiro constata-se a presença de processos erosivos. As obras de
urbanização de suas margens e de retilinização do seu curso vêm sofrendo problemas de erosão que
causam prejuízos pelos gastos necessários para recuperação dos locais afetados. É ainda importante
reafirmar que a cada novo trecho de margem de canal urbanizada, que é acrescentado a existente, é
resolvido o problema de erosão de um local transferindo-o para uma posição mais adiante, no final
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dessa nova obra, tornando-se nova área de risco caso existam edificações nas proximidades, pois não
têm sido construídas necessárias obras de dissipação de energia.
O trabalho procurou também abordar as políticas públicas buscando mostrar o envolvimento
das ações governamentais para a solução dos problemas relativos à seca na região. Nessa direção
também colocou-se em reproduzir os conteúdos das legislações que tratam da questão da água,
mostrando com isso o envolvimento e a necessidade de participação conjunta em ações das três
esferas da administração: a federal, a estadual e a municipal.
Para o planejamento e a gestão do território, pela abordagem empregada, foi possível
demonstrar que os levantamentos realizados junto à população foram instrumentos importantes para
nortear o diagnóstico da situação da água na cidade, assim como espacializá-los pelos bairros
resguardando as suas singularidades que indicam maiores ou menores desigualdades nas condições das
características avaliadas, norteando as iniciativas a serem tomadas para a melhoria das condições de
vida na cidade.
5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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