entrevista nuno crato

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Ano XXI nº 74 Jan/Fev 2009 Jornal O Vale 15 Departamento de Matemática No passado dia 31 de Janeiro um grupo vários alunos das tur- mas de 11º ano do curso de Ci- ências e Tecnologias da Escola Cooperativa de Vale S. Cosme - Didáxis deslocaram-se à Facul- dade de Ciências da Universida- de do Porto, FCUP, para assisti- rem à sessão de apresentação intermédia dos trabalhos do Pro- jecto SigMatemática. O Projecto SigMatemática é uma actividade da FCUP direc- cionada para alunos de excelên- cia do 11º ano. Nesta apresen- tação foram dados a conhecer os trabalhos apresentados até agora pelos participantes neste projecto. Para além da mostra dos tra- balhos este evento contou, ainda, com a participação do Presiden- te da Sociedade de Matemática (SPM), Professor Nuno Crato, que apresentou o seu mais re- cente livro da sua autoria, “Mate- mática das Coisas”. Como tal, os alunos da Didá- xis aproveitaram a oportunidade para o entrevistarem e saber a sua opinião sobre certas ques- tões do ensino da matemática. Esta visita foi assim, uma for- ma de incentivar o gosto pela matemática e divulgar o quão abrangente e essencial ela é. PROJECTO SIGMATEMÁTICA ALUNOS VISITAM A FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO Professor Nuno Crato com alunos da Didaxis Pela leitura do livro “Passeio Alea- tório” e “Matemática das Coisas” constata-se que tem um grande inte- resse pela área das ciências, nome- adamente pela Matemática. Qual foi o motivo pelo qual decidiu seguir esta área? Quando? Nuno Crato: É muito difícil saber, mas desde a minha primária, ou seja, desde o actual 1º ciclo, quando tinha 5 ou 6 anos, que já achava engraçadas as Ciências e a Matemática. Ao longo da sua vida recebeu pré- mios, designadamente o prémio do concurso Public Awareness of Ma- thematics pelo seu trabalho de di- vulgação. Neste momento sente-se uma pes- soa realizada? Já alcançou todos os seus objectivos? Nuno Crato: Sim sinto, não tanto pelos pré- mios, mas estou contente, comigo e com o que faço, e fico muito contente quando vejo pessoas como vocês interessadas em Matemática e interessadas na leitura dos meus livros. Fico muito contente! A Matemática é uma das disciplinas em que os portugueses têm mais dificuldades. O que pensa sobre isso? Nuno Crato: Penso que há um grande des- consolo em relação a esse insucesso da Matemática, tanto pela parte dos alunos, como professores e como pais. E é preciso não desistir. As pessoas reconhecem mais hoje do que há 10 anos a importância da Matemática. Mesmo em Portugal, pais, pro- fessores e alunos, acho que a maioria das pessoas, têm mais noção da importância da Matemática do que tinham há 10 anos. E há maior preocupação. Infelizmente, isto ainda não se está a traduzir por melhores resul- tados escolares em Matemática, vai demo- rar um bocadinho… mas é importante não desistir! O que eu digo aos meus alunos e o que digo às pessoas que me perguntam como se pode ter sucesso a Matemática, é sempre o mesmo: é preciso persistência! É muito habitual os jovens estarem a estu- dar matéria e não percebendo, desistirem, passarem a frente e isso não resulta, isso não funciona. É preciso voltar atrás até per- ceber; é esse género de persistência que cada um de nós tem que ter, quando está a estudar Matemática. Eu sei que é difícil, há muitas coisas ao lado que nos atraem e nós estamos cada vez menos habituados a estar muito tempo seguido a olhar para um problema. Mas a Matemática precisa de tempo. Outra coisa que julgo importante é o seguin- te: praticar a Matemática com regularidade! Mais vale estudar meia hora por dia do que 10h num fim-de-semana; é preciso acom- panhar as coisas não deixar que se acumu- lem as dúvidas ou incompreensões, falar com os professores, levantar as dúvidas na altura em que elas aparecem aproveitar as aulas… Enfim, são pequenas coisas que fa- zem a diferença entre o sucesso e a frustra- ção. Está nas mãos de cada um de vocês e de cada um de nós, professores, porque a Matemática não é mais difícil do que as outras disciplinas, a Matemática é uma das disciplinas mais fáceis. A única diferença é que a Matemática exige talvez um pouco de concentração e mais persistência do que as outras disciplinas, mas depois de ter essa persistência, o sucesso está a vista! Como Presidente da Sociedade Por- tuguesa de Matemática, que me- didas deverão ser tomadas para a resolução deste problema? Pensa que o Ministério da Educação tem cumprido o seu papel ou tem vindo a facilitar a vida aos alunos? Nuno Crato: Julgo que há uma série de er- ros nos programas e que há alguns proble- mas em geral na orientação que tem sido dado à Matemática. Na realidade, julgo que a maioria dos professores não segue exac- tamente as orientações que chegam do Mi- nistério, assim como todas as orientações implícitas que estão nos documentos ofi- ciais, porque a maioria dos professores tem o bom senso de perceber, como se explica Matemática. Mas, de facto, de há alguns 20 ou 30 anos tem havido uma serie de orien- tações por parte do Ministério que, em meu entender, têm desorganizado o ensino. Va- mos ver se as coisas se corrigem… José Ricardo Fernandes, Ângela Mendes, Maria João Barroso,Sara Sá, Elisabete Rio, Ana Maria Oliveira, Filipa Fernandes E N T R E V I S T A A O P R O F E S S O R N U N O C R A T O PERFIL Nuno Crato (Lisboa, 1952) é um ma- temático e estatístico português que tem tido uma extensa actividade de divulgação científica. Foi professor na Escola Secun- dária Rainha Dona Leonor, no Ins- tituto Superior de Economia, na Universidade dos Açores, no Ste- vens Institute of Technology e no New Jersey Institute of Technology. Desde 2000 é professor no Instituto Superior de Economia e Gestão. É também pró-reitor da Universidade Técnica de Lisboa. Em 2008 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. O seu trabalho de investigação incide sobre processos estocásti- cos e séries temporais com aplica- ções várias, nomeadamente clima- téricas e financeiras. É Presidente e Coordenador Científico do Centro de Investigação Cemapre. Foi Presidente do Internatio- nal Symposium on Forecasting em 2000. É Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática desde 2004 e membro dos corpos gerentes do Fórum Internacional de Investi- gadores Portugueses (FIIP). É co-autor de Eclipses (Gradiva, 1999), autor de Zodíaco: Constela- ções e Mitos (Gradiva, 2001), co-au- tor de Trânsitos de Vénus (Gradiva, 2004), de A Espiral Dourada (Gradi- va, 2006), de Relógios de Sol (CTT, 2007), de Passeio Aleatório (Gradi- va, 2007), de A Matemática das Coi- sas (SPM/Gradiva, 2008) e de outras obras de divulgação. A Sociedade Europeia de Matemática (European Mathematical Society) atribuiu-lhe, em 2003, o Primeiro Prémio do con- curso Public Awareness of Mathema- tics pelo seu trabalho de divulgação. A União Europeia atribuiu-lhe, em 2008, um European Science Award na categoria de Science Communi- cator of the Year. Intervindo no debate sobre o en- sino, publicou O Eduquês em Dis- curso Directo: Uma Crítica da Pe- dagogia Romântica e Construtivista (Gradiva, 2006), coordenou Desastre no Ensino da Matemática: Como Re- cuperar o Tempo Perdido (SPM/Gra- diva, 2006) e organizou a colectânea Ser Professor, de textos de Rómulo de Carvalho (Gradiva, 2006). “Mais vale estudar meia hora por dia do que 10h num fim-de-semana” “É preciso voltar atrás até perceber; é esse género de persistência que cada um de nós tem que ter”

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Entrevista Nuno Crato

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Page 1: Entrevista Nuno Crato

Ano XXI nº 74 Jan/Fev 2009 Jornal O Vale 15Departamento de Matemática

No passado dia 31 de Janeiro um grupo vários alunos das tur-mas de 11º ano do curso de Ci-ências e Tecnologias da Escola Cooperativa de Vale S. Cosme - Didáxis deslocaram-se à Facul-dade de Ciências da Universida-de do Porto, FCUP, para assisti-rem à sessão de apresentação intermédia dos trabalhos do Pro-jecto SigMatemática.

O Projecto SigMatemática é uma actividade da FCUP direc-cionada para alunos de excelên-cia do 11º ano. Nesta apresen-tação foram dados a conhecer os trabalhos apresentados até agora pelos participantes neste projecto.

Para além da mostra dos tra-balhos este evento contou, ainda, com a participação do Presiden-te da Sociedade de Matemática (SPM), Professor Nuno Crato, que apresentou o seu mais re-cente livro da sua autoria, “Mate-mática das Coisas”.

Como tal, os alunos da Didá-xis aproveitaram a oportunidade para o entrevistarem e saber a sua opinião sobre certas ques-tões do ensino da matemática.

Esta visita foi assim, uma for-ma de incentivar o gosto pela matemática e divulgar o quão abrangente e essencial ela é.

PROJECTO SIGMATEMÁTICAALUNOS VISITAM A FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Professor Nuno Crato com alunos da Didaxis

Pela leitura do livro “Passeio Alea-tório” e “Matemática das Coisas” constata-se que tem um grande inte-resse pela área das ciências, nome-adamente pela Matemática. Qual foi o motivo pelo qual decidiu seguir esta área? Quando?

Nuno Crato: É muito difícil saber, mas desde a minha primária, ou seja, desde o actual 1º ciclo, quando tinha 5 ou 6 anos, que já achava engraçadas as Ciências e a Matemática. Ao longo da sua vida recebeu pré-mios, designadamente o prémio do concurso Public Awareness of Ma-thematics pelo seu trabalho de di-vulgação. Neste momento sente-se uma pes-soa realizada? Já alcançou todos os seus objectivos?

Nuno Crato: Sim sinto, não tanto pelos pré-mios, mas estou contente, comigo e com o que faço, e fico muito contente quando vejo pessoas como vocês interessadas em Matemática e interessadas na leitura dos meus livros. Fico muito contente!

A Matemática é uma das disciplinas em que os portugueses têm mais dificuldades. O que pensa sobre isso?

Nuno Crato: Penso que há um grande des-consolo em relação a esse insucesso da Matemática, tanto pela parte dos alunos, como professores e como pais. E é preciso não desistir. As pessoas reconhecem mais hoje do que há 10 anos a importância da Matemática. Mesmo em Portugal, pais, pro-fessores e alunos, acho que a maioria das pessoas, têm mais noção da importância da Matemática do que tinham há 10 anos. E há maior preocupação. Infelizmente, isto ainda não se está a traduzir por melhores resul-tados escolares em Matemática, vai demo-rar um bocadinho… mas é importante não desistir! O que eu digo aos meus alunos e o que digo às pessoas que me perguntam como se pode ter sucesso a Matemática, é sempre o mesmo: é preciso persistência! É muito habitual os jovens estarem a estu-dar matéria e não percebendo, desistirem, passarem a frente e isso não resulta, isso não funciona. É preciso voltar atrás até per-ceber; é esse género de persistência que cada um de nós tem que ter, quando está

a estudar Matemática. Eu sei que é difícil, há muitas coisas ao lado que nos atraem e nós estamos cada vez menos habituados a estar muito tempo seguido a olhar para um problema. Mas a Matemática precisa de tempo.

Outra coisa que julgo importante é o seguin-te: praticar a Matemática com regularidade! Mais vale estudar meia hora por dia do que 10h num fim-de-semana; é preciso acom-panhar as coisas não deixar que se acumu-lem as dúvidas ou incompreensões, falar com os professores, levantar as dúvidas na altura em que elas aparecem aproveitar as aulas… Enfim, são pequenas coisas que fa-zem a diferença entre o sucesso e a frustra-ção. Está nas mãos de cada um de vocês e de cada um de nós, professores, porque a Matemática não é mais difícil do que as outras disciplinas, a Matemática é uma das disciplinas mais fáceis. A única diferença é que a Matemática exige talvez um pouco de concentração e mais persistência do que as outras disciplinas, mas depois de ter essa persistência, o sucesso está a vista!

Como Presidente da Sociedade Por-tuguesa de Matemática, que me-didas deverão ser tomadas para a resolução deste problema? Pensa que o Ministério da Educação tem cumprido o seu papel ou tem vindo a facilitar a vida aos alunos?

Nuno Crato: Julgo que há uma série de er-ros nos programas e que há alguns proble-mas em geral na orientação que tem sido dado à Matemática. Na realidade, julgo que a maioria dos professores não segue exac-tamente as orientações que chegam do Mi-nistério, assim como todas as orientações implícitas que estão nos documentos ofi-ciais, porque a maioria dos professores tem o bom senso de perceber, como se explica Matemática. Mas, de facto, de há alguns 20 ou 30 anos tem havido uma serie de orien-tações por parte do Ministério que, em meu entender, têm desorganizado o ensino. Va-mos ver se as coisas se corrigem…

José Ricardo Fernandes, Ângela Mendes, Maria João Barroso,Sara Sá, Elisabete Rio, Ana Maria Oliveira, Filipa Fernandes

E N T R E V I S T A A O P R O F E S S O R N U N O C R A T OPERFIL Nuno Crato (Lisboa, 1952) é um ma-temático e estatístico português que tem tido uma extensa actividade de divulgação científica.

Foi professor na Escola Secun-dária Rainha Dona Leonor, no Ins-tituto Superior de Economia, na Universidade dos Açores, no Ste-vens Institute of Technology e no New Jersey Institute of Technology. Desde 2000 é professor no Instituto Superior de Economia e Gestão. É também pró-reitor da Universidade Técnica de Lisboa.

Em 2008 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

O seu trabalho de investigação incide sobre processos estocásti-cos e séries temporais com aplica-ções várias, nomeadamente clima-téricas e financeiras. É Presidente e Coordenador Científico do Centro de Investigação Cemapre.

Foi Presidente do Internatio-nal Symposium on Forecasting em 2000. É Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática desde 2004 e membro dos corpos gerentes do Fórum Internacional de Investi-gadores Portugueses (FIIP).

É co-autor de Eclipses (Gradiva, 1999), autor de Zodíaco: Constela-ções e Mitos (Gradiva, 2001), co-au-tor de Trânsitos de Vénus (Gradiva, 2004), de A Espiral Dourada (Gradi-va, 2006), de Relógios de Sol (CTT, 2007), de Passeio Aleatório (Gradi-va, 2007), de A Matemática das Coi-sas (SPM/Gradiva, 2008) e de outras obras de divulgação. A Sociedade Europeia de Matemática (European Mathematical Society) atribuiu-lhe, em 2003, o Primeiro Prémio do con-curso Public Awareness of Mathema-tics pelo seu trabalho de divulgação. A União Europeia atribuiu-lhe, em 2008, um European Science Award na categoria de Science Communi-cator of the Year.

Intervindo no debate sobre o en-sino, publicou O Eduquês em Dis-curso Directo: Uma Crítica da Pe-dagogia Romântica e Construtivista (Gradiva, 2006), coordenou Desastre no Ensino da Matemática: Como Re-cuperar o Tempo Perdido (SPM/Gra-diva, 2006) e organizou a colectânea Ser Professor, de textos de Rómulo de Carvalho (Gradiva, 2006).

“Mais vale estudar meia hora por dia do que 10h num fim-de-semana”

“É preciso voltar atrás até perceber; é esse género de persistência que cada um de nós tem que ter”