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DE UM CURSO A UM DISCURSO | Belo Horizonte | V. 1 | N. 1 | p. 19-20 | 2016 | ISSN 2526-267X | http://npa.newtonpaiva.br/psicologia

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A AGRESSIVIDADE COMO RESPOSTA AO FANTASMA MATERNO

Maria chega à Clínica de Psicologia em outubro de 2015 com a hipótese, levantada pela mãe, de um possível autismo. Segundo relatos maternos durante a sessão de acolhimento, a criança é ex-tremamente agressiva.

Maria tem seis anos. Na escola, apresenta problemas no laço social. O que levou a mãe a procurar atendimento psicológico foi um episódio de agressividade em que Maria quebrara toda a sala de aula.

A história da mãe é atravessada por violência doméstica. Du-rante o primeiro casamento, sofria agressões e, após a separação, encontra-se com Reinaldo (pai de Maria), com quem se casa. A his-tória de agressões se repete.

Quando indagada sobre as condições da vinda da criança ao mundo, a mãe relata que não dormia durante a gravidez e que ti-nha muita ansiedade. O casal planejou antecipadamente a vinda da criança, realizando um plano de saúde com um ano de antecedên-cia para que a gravidez não encontrasse problemas.

Reinaldo, pai de Maria, perdera a primeira esposa no parto e também compartilhava das expectativas de ter uma nova vida e uma nova família. Após três anos de convivência, o casal se separou pelo histórico de brigas e hoje tem uma relação mediada pela justiça por meio de uma medida protetiva.

Durante os primeiros atendimentos, a criança se coloca em uma posição inicial bastante confrontadora, não responde às per-guntas e solicita que os questionamentos cessem.

Em um dos atendimentos, Maria ensina à estagiária como in-tervir. Na recepção, ela afirma: “Não vou entrar”. A estagiária pergun-ta mais uma vez se ela quer entrar ou não. Ela diz com voz agressiva e em tom forte: “Vou entrar, mas vou sair quando eu quiser”.

Ao entrar na sala, a estagiária retoma sua fala: “Maria, você disse que só sairia quando quisesse. Muito bem! Você entendeu o tratamento, se lembra de que eu te disse que esse é o seu lugar,

você pode entrar e sair quando quiser!”.A partir dessa sessão, Maria começa a desenvolver brincadei-

ras em que a estagiária poderia ser a filha, a aluna, posições que tinham sempre a ver com aquela que mente.

O tratamento começou a girar em torno da dialetização da cer-teza que Maria tinha e dessa posição tirana e agressiva de diretora, mãe, professora que sempre pune as mentiras.

Sob supervisão, buscamos interrogar seu desejo. Ela relatou que gosta dos EUA e que gostaria de ir até lá e de falar inglês. Tra-balhamos a hipótese de que esse seu interesse por uma língua es-trangeira poderia nos indicar uma possível tentativa de separação da língua materna.

Maria dá ordens, grita em tom tirano, tento dialetizar sem con-fronto:

Maria: _“Não bata o pé assim”. Estagiária: _“Ah, eu vou bater ele aqui por que ele está cansa-

do sabe, pra ver se para de doer o meu pé”. Durante os atendimentos, Maria tenta localizar-se na partilha

dos sexos, interrogando objetos de menina e de menino. Na recep-ção, ela observa que a estagiária chega com um amigo da faculda-de e interroga: “Você tem amigo menino?”.

Em atendimento com a estagiária, a mãe relata: “Esperei muito essa menina; na barriga, eu pedia pra ela nascer logo todo dia”.

O amor da mãe é comovente, no entanto nada mais é do que o investimento libidinal da mesma na criança. Trata-se de um amor infantil, renascido do narcisismo, que acaba colocando a criança como objeto.

Freud (1914) nos ensina: Se prestarmos atenção à atitude de pais afetu-

osos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescên-

cia e reprodução de seu próprio narcisismo, que há muito abandonaram.

Essa supervalorização, que já reconhecemos como um estigma narci-

sista no caso da escolha objetal, domina sua atitude emocional Assim

LEILA SILVA LEMES1

MARGARET PIRES DO COUTO2

1 Aluna do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.2 Professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG. Psicanalista. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar a partir de um estudo de caso: a agressividade como resposta ao fantasma materno. Para tanto, utiliza-se como base teórica a conceituação de Freud e Laran a fim de elucidar a construção do caso clínico de uma criança de seis anos, atendida durante experiência de estágio realizado em clínica-escola.

PALAVRAS CHAVE: agressividade, fantasma materno, psicanalise.

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A agressividade como resposta ao fantasma materno

LEILA SILVA LEMES | MARGARET PIRES DO COUTO

DE UM CURSO A UM DISCURSO | Belo Horizonte | V. 1 | N. 1 | p. 19-20 | 2016 | ISSN 2526-267X | http://npa.newtonpaiva.br/psicologia

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eles se acham sob a compulsão de atribuir todas as perfeições ao filho e

ocultar todas as deficiências dele. (FREUD, 1914, p.26).

“Maria é um anjo de verdade, Leila!”, diz a mãe.Durante esse semestre, nas sessões com a estagiária, a crian-

ça conta a história de sua cachorrinha que melhorou e parou de bater nos irmãos, porém continua bagunceira. Maria está há sete meses sem apresentar nenhum episódio de agressividade.

A mãe afirma que a criança escreve na pequena lousa do quarto: “Se mamãe morrer, eu quero morrer junto”.

Durante uma das sessões, Maria me conta que sonhou com a morte da mãe.

Em atendimento posterior com a mãe, a mesma começa um movimento de localização da própria história. “O que eu não quero é perder Maria como perdi minhas duas outras garotas”. Ao se se-parar do primeiro marido, ela acabou deixando as crianças com a família paterna.

A mãe de Maria relata que não sente amor pela própria mãe por ter sido abandonada pela mesma. “Não quero me separar dela em nenhum momento, tenho vontade de dormir colado com ela”.

Em uma das sessões, Maria parece devolver as questões da mãe: sonha com a morte da mesma numa tentativa de localizar a mãe na própria historia e dizer a ela que não irá responder ao seu fantasma. A solução é matar a mãe.

Em um desenho que faz para estagiária, afirma: “Leila não te-nha medo Maria”, sem pontuações na frases ela parece dizer a si mesma, ou seja, reconforta se por seus medos.

Sua mãe nos parece uma mulher que está às voltas com o

feminino e que precisa, conforme nos ensina Miller em “A criança entre a mulher e a mãe” (1998), não estar dissuadida de encontrar o siginificante do seu desejo no corpo do homem.

A separação de ambas parece complicada justamente por-que essa mãe abriu mão de ser mulher e, machucada pela relação conturbada com os homens, tenta localizar a criança enquanto seu objeto libidinal. “Maria pra mim é a certeza de que algo deu certo”.

É fundamental que essa mãe deseje algo além dessa criança. Maria parece sinalizar, à sua maneira, que essas são questões da mãe e não suas, parece “matá-la”, porque, no tratamento, tem en-contrado o lugar para fazer emergir seu desejo.

Brincando de mamãe e filhinha, sinaliza: “Mamãe, você não pode morrer, temos muito a fazer juntas”.

“Ok, filhinha, não irei morrer, temos a fazer juntas e separadas, não é mesmo?”.

REFERÊNCIASFerreira, Tânia. A escrita da clínica: psicanálise com crianças. Au-têntica Editora, 1999.

Freud, Sigmund. “Sobre as teorias sexuais infantis.” Edição stan-dard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (1908): 211.

Miller, Jacques-Alain. “A criança entre a mulher e a mãe”. (1998).

Freud, Sigmund. “Sobre o narcisismo: uma introdução” (1914). Obras completas 14 (1996).