a abordagem do texto verbo-visual em livros didáticos de

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A ABORDAGEM DO TEXTO VERBO-VISUAL EM LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO: O QUE SE ESCONDE POR TRÁS DAS LETRAS Erica Poliana Nunes de Souza Cunha (UFRN) 1 [email protected] Rodrigo Luiz Silva pessoa (UFRN) 2 [email protected] Orientadora: Maria da Penha Casado Alves (UFRN) 3 [email protected] INTRODUÇÃO Em um mundo em que as imagens e simbologias são recursos que dizem tanto quanto o verbal dos textos, faz-se necessário formar leitores que leiam não apenas a palavra, mas o texto como um todo. Dessa forma, soma-se às diversas responsabilidades da escola ser esse ambiente de aprendizagem da leitura como uma tomada de posicionamento, que indaga, refuta, compreende os enunciados que são apresentados aos alunos. Dentro desse contexto, entra o livro didático, instrumento, que junto ao professor, auxiliará no direcionamento de uma didática produtiva, significativa e competente para desenvolvimento da leitura proficiente. Mesmo já se existindo essa concepção de que os meios iconográficos significam tanto para compreensão da sociedade, a leitura do texto verbo-visual nas escolas, ainda se mostram ineficientes, visto que os alunos continuam a “não achar graça” das tirinhas e continuam, também, a não identificar os elementos retóricos e de apelo dos anúncios. Junto a essa problemática, desenvolvemos um questionamento que serve para nortearmos a nossa pesquisa. A atividade de leitura realizada nas escolas tem funcionado como roteiros de leitura para a identificação desse texto verbo-visual como elemento constituinte e constituidor da construção de sentido dos textos que possuem a 1 Bolsista da iniciação científica do projeto de pesquisa “Gêneros discursivos: da teoria às práticas de leitura e escrita em sala de aula” e membro do grupo de pesquisa “Práticas Discursivas na Contemporaneidade”. 2 Bolsista da iniciação científica do projeto de pesquisa “A concepção de leitura e de escrita os livros didáticos de História e de Geografia” e membro do grupo de pesquisa Práticas Discursivas na Contemporaneidade. 3 Professora adjunta do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN.

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Analisa o texto verbo-visual em livros didáticos

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  • A ABORDAGEM DO TEXTO VERBO-VISUAL EM LIVROS DIDTICOS DE ENSINO MDIO: O QUE SE ESCONDE POR TRS DAS LETRAS

    Erica Poliana Nunes de Souza Cunha (UFRN)1

    [email protected] Rodrigo Luiz Silva pessoa (UFRN)2

    [email protected] Orientadora: Maria da Penha Casado Alves (UFRN)3

    [email protected] INTRODUO

    Em um mundo em que as imagens e simbologias so recursos que dizem tanto

    quanto o verbal dos textos, faz-se necessrio formar leitores que leiam no apenas a

    palavra, mas o texto como um todo. Dessa forma, soma-se s diversas

    responsabilidades da escola ser esse ambiente de aprendizagem da leitura como uma

    tomada de posicionamento, que indaga, refuta, compreende os enunciados que so

    apresentados aos alunos. Dentro desse contexto, entra o livro didtico, instrumento, que

    junto ao professor, auxiliar no direcionamento de uma didtica produtiva, significativa

    e competente para desenvolvimento da leitura proficiente.

    Mesmo j se existindo essa concepo de que os meios iconogrficos significam

    tanto para compreenso da sociedade, a leitura do texto verbo-visual nas escolas, ainda

    se mostram ineficientes, visto que os alunos continuam a no achar graa das tirinhas

    e continuam, tambm, a no identificar os elementos retricos e de apelo dos anncios.

    Junto a essa problemtica, desenvolvemos um questionamento que serve para

    nortearmos a nossa pesquisa. A atividade de leitura realizada nas escolas tem

    funcionado como roteiros de leitura para a identificao desse texto verbo-visual como

    elemento constituinte e constituidor da construo de sentido dos textos que possuem a

    1 Bolsista da iniciao cientfica do projeto de pesquisa Gneros discursivos: da teoria s prticas de leitura e escrita em sala de aula e membro do grupo de pesquisa Prticas Discursivas na Contemporaneidade.

    2 Bolsista da iniciao cientfica do projeto de pesquisa A concepo de leitura e de escrita os livros didticos de Histria e de Geografia e membro do grupo de pesquisa Prticas Discursivas na Contemporaneidade.

    3 Professora adjunta do Departamento de Letras e do Programa de Ps-Graduao em Estudos da Linguagem da UFRN.

  • imagem em seus modelos composicionais, visto que os alunos quase sempre continuam

    a no ter uma compreenso responsiva-ativa nas atividades de leitura?

    com a compreenso de que a leitura dos textos verbos-visuais tm sua

    importncia para a vida cidad, que nos propomos a analisar como se delineia a

    abordagem do livro didtico quanto leitura de gneros discursivos que apresentam em

    sua forma composicional elementos visuais. Focamos, para esta pesquisa, o anncio e a

    tirinha. Para efeito de anlise, o corpus se constitui da coleo de livros do ensino

    mdio que circulam nas escolas pblicas de Natal/RN, aprovados pelo PNLD-

    Programa Nacional do Livro Didtico, cujos autores so Cereja & Magalhes (2010).

    Para tal pesquisa, utilizamos como embasamento terico os estudos de Bakhtin (2003)

    quanto anlise dialgica do discurso e ao texto verbo-visual, conforme Brait (2005),

    alm de fazer algumas reflexes sobre o ato de leitura, segundo Freire (1982). Este

    trabalho de natureza qualitativa-interpretativista e se insere na rea de Lingustica

    Aplicada e faz parte de um projeto maior intitulado Gnero Discursivo: circulao,

    produo e anlise em sala de aula que visa a fazer uma anlise dos livros didticos de

    Lngua Portuguesa que circulam nas escolas pblicas de Natal desenvolvido por

    integrantes do Grupo de pesquisa Prticas discursivas na contemporaneidade.

    A LEITURA: INSTRUMENTO INERENTE S PRTICAS SOCIAIS

    A leitura do mundo precede a leitura da palavra (FREIRE, 1982.). As palavras

    do grande educador brasileiro so sbias, e devemos escut-las. Indo mais alm,

    podemos at dizer que as duas leituras so interdependentes, dentro de uma sociedade

    atravessada por signos, carregados de valores sociais, os quais vo nos formando como

    sujeitos agentes no meio social.

    Literatura, outdoors, textos acadmicos e at mesmo aquela notcia do jornal da

    manh, todos esses textos necessitam da leitura para a sua compreenso. Porm quando

    falamos em leitura, no est sendo posta em pauta a simples decodificao, mas sim um

    processo mais complexo, que envolve no s o olhar para as palavras do texto, mas

    tambm para o que est supostamente em seu entorno, bem como o que est induzindo

    aquele leitor a ler aquele determinado texto, em tempo e local definidos. Resumindo, a

    prtica de leitura (assim como a de escrita) situada, e no acontece aleatoriamente, e

    sim como uma construo social que vai se constituindo ao longo das vivncias do

  • sujeito. Essa concepo de leitura apresentada comum a autores como Sol e Geraldi

    (2006).

    A sua importncia no est delimitada a uma rea, podendo at dizer que ela

    incomensurvel. Ela possui efeitos como: aguamento da sensibilidade humana, uma

    maior percepo das prticas sociais exercidas pelos homens, uma conscincia do que

    est a acontecer no mundo (tomando uma posio responsiva ativa), entre outras.

    Quando lemos, abrimos a cabea para novas percepes e novos olhares sobre as

    prticas sociais, trazendo uma experincia mais rica e nos ensinando como proceder

    durante as nossas vivncias.

    A leitura de enunciados requer que o sujeito j tenha um repertrio anterior

    deles, possibilitando a produo de outros enunciados, j que nas palavras de

    BAKHTIN (2003) Cada enunciado um elo da cadeia muito complexa de outros

    enunciados, portanto, essa leitura essencial para que a engrenagem da enunciao

    continue girando e a sociedade continue a construir conhecimentos.

    A afirmao que vir a seguir faz parte de um discurso genrico, cristalizado e

    muitas vezes at clich, mas no nem por isso perde o seu fundo de verdade: a leitura

    imprescindvel para qualquer prtica proficiente que se queira realizar na nossa

    sociedade atual. Nenhum ser humano est isento dessa prtica, pois mesmo os que no

    so alfabetizados formalmente, sabem ler outros signos que no sejam necessariamente

    lingsticos e se conduzem com desenvoltura socialmente. O foco do presente texto est

    na leitura de signos (verbais e visuais), considerados essenciais para que o indivduo

    esteja em comunho com as prticas sociais atuais, como j dito anteriormente.

    A leitura desses enunciados que chamamos de verbos-visuais se mostra to

    essencial quanto a dos enunciados unicamente verbais, j que somos acompanhados por

    eles praticamente todos os dias. Isso pode ser exemplificado por anncios publicitrios

    (que encontramos em outdoors, revistas, etc) e tirinhas (encontradas em jornais e em

    livros didticos, principalmente). Os suportes nos quais esses gneros so encontrados

    se qualificam como frequentes, ou seja, esto muito enraizados no cotidiano, por isso,

    necessrio fazer alguma considerao sobre como se d a leitura desses gneros.

    LOPES-ROSSI (2010) faz algumas consideraes sobre como devemos fazer a

    leitura do gnero denominado de anncio publicitrio (ou propaganda), a saber:

    [...] dois objetivos podem ser sempre propostos para a leitura da propaganda impressa: 1) Leitura atenta com o objetivo de verificar se

  • h aspectos grficos usados como recurso (apelo) para sensibilizar o pblico-alvo em relao necessidade que a propaganda se prope a satisfazer; 2) Leitura do texto verbal com o objetivo de verificar se ele tambm est sendo usado como apelo para sensibilizar o pblico-alvo em relao necessidade que a propaganda se prope a satisfazer. (LOPES-ROSSI, 2010, pgs. 8/9).

    Dentro das caractersticas da tirinha, vemos que a maneira como ela produzida

    feita com o objetivo no de apenas retratar um humor atual nem especfico, mas sim

    tratando de uma questo que pode ser encarada como universal e atemporal, como

    podemos ver nas palavras de NICOLAU (2010):

    A tirinha tem como caracterstica bsica o fato de ser uma piada curta de um, dois, trs ou at quatro quadrinhos, e geralmente envolve personagens fixos: um personagem principal em torno do qual gravitam outros. Mesmo que se trate de personagens de pocas remotas, de pases diferentes ou ainda de animais, representam o que h de universal na condio humana. A estereotipia dos personagens facilita sua identificao por parte de leitores das mais diversas culturas. (NICOLAU, 2010, pg. 9).

    Essas consideraes feitas sobre esses dois gneros servem para ilustrar o que

    foi dito anteriormente, sobre o fato de que a leitura no exclusividade apenas das

    palavras, mas tambm das imagens que nos rodeiam (aliadas s palavras ou no) e

    servem para confirmar o que foi dito durante o texto, sobre a pertinncia da leitura na

    nossa sociedade. Afinal, esses gneros permeiam o cotidiano de nossas vidas.

    ENUNCIAO: SITUAO DE CONCRETIZAO DA COMUNICAO

    A atividade comunicativa no acontece por meio de frases ou oraes, mas, sim,

    por enunciados. O conjunto de signos no constri enunciados por si ss, a

    concretizao do enunciado s possvel se existir uma cena enunciativa, criada a partir

    da necessidade dos sujeitos envolvidos em determinadas situaes. Segundo a teoria

    bakhtiniana, a construo desses enunciados compreende um estilo, contedo e modelo

    composicional, sendo eles, os elementos constituintes do gnero discursivo e essenciais

    para alcanar suas intenes comunicativas. Esses enunciados so elaborados

    intencionalmente para um outro que pode ser um participante-interlocutor direto do

    dilogo cotidiano ou pode ser tambm um outro totalmente indefinido, no

    concretizado, mas presumido.

  • Junto a todos os elementos constituintes do enunciado, apresentados acima, a

    enunciao possui papel essencial para construo da real unidade da comunicao

    discursiva. O tempo e o espao da composio dos enunciados determinam o sujeito

    enunciador, scio-historicamente situado, pois cada poca, cada situao tm suas

    especificidades, ideologias e discursos que as constituem. Dessa forma, compreendemos

    a leitura da enunciao como elemento tambm de elaborao para a significao do

    todo discursivo. com essa compreenso que Beth Brait (2008) conceitua enunciao.

    O que designarei por esse termo (enunciao) o acontecimento constitudo pelo aparecimento do enunciado. A realizao de um enunciado de fato um acontecimento histrico: dado existncia a alguma coisa que no existia antes de falar e que no existir depois. esta apario momentnea que chamo enunciao (p.65)

    Essa conceituao nos leva a inferir que o verbo-visual, elemento indispensvel

    do modelo composicional de alguns gneros, no pode ser escusado para a tomada de

    uma compreenso responsiva, visto que este elemento passa a ser a situao

    enunciativa, nica e irrepetvel que constitui o sujeito enunciador, assim como diz

    Grillo (2009) em seu trabalho Enunciados verbo-visuais na divulgao Cientfica:

    A forma arquitetnica compreende a individualizao do objeto esttico pelo autor- criador e pelo leitor, processo que envolve valores cognitivos e ticos da vida e acabamento esttico. A forma composicional realiza uma forma arquitetnica, na organizao do material semitico (verbal, iconogrfico, sonoro, etc.) em um todo, do qual cada uma das partes dirige-se a um fim. (p.217)

    Sendo assim, compreendemos que os signos, como palavras e imagens, devem

    ser vistos como elementos ideolgicos advindos de uma concepo individual de estilo

    de cada sujeito, ou seja, de composio intencional para atender suas intenes

    comunicativas.

    ANLISE DO CORPUS

    A coleo de livros dos autores Cereja & Magalhes apresenta-se com uma

    proposta de colocar os alunos diante de uma maior variedade de gneros, no apenas os

    gneros literrios, mas tambm os gneros orais e outros. Porm, os gneros que tm

    mais destaque, na prtica, so as tirinhas e os anncios. Essa coleo de livros

    organizada por captulos de acordo com a sua temtica, subdivididos em: captulos

    destinados literatura, produo de texto, a aspectos de lngua e interpretao de

  • texto. Aps conhecer a forma de organizao dos captulos, abaixo est delineado como

    os textos verbos-visuais so explorados em cada captulo.

    O incio dos captulos que visa a tratar dos contedos formais da lngua e sempre

    se introduz por um anncio ou uma tirinha, denominado construindo o conceito. Esse

    tpico para que o aluno, a partir da visualizao do assunto que est sendo estudado,

    perceba como acontece o seu uso e assim possa criar hipteses para um conceito que

    posteriormente ser teorizado no tpico Conceituando. Abaixo est uma

    exemplificao com o gnero tirinha:

    1 No 1 quadrinho, o gol faz uma declarao de amor. No contexto, por que a cesta de

    basquete acha que a declarao foi para ela?

    2 Leia, em voz alta, as palavras sexta e cesta.

    a) Quantas slabas tem cada uma delas? E quantas letras?

    b) Ao pronunciar cada uma dessas palavras, quantos sons voc emite: quatro ou

    cinco?

    c) Quais so eles?

    d) Que letras representam o som s /s/?

    4 Na tira, o humor criado a partir de palavras que apresentam o mesmo som, porm

    sentidos diferentes. Cite outras palavras ou pares de palavras da lngua portuguesa

    cujo uso pode gerar ambiguidade, dependendo do contexto em que forem empregadas.

    Nas atividades de apresentao desses captulos, observa-se apenas o trabalho do

    texto como objeto exemplificador do contedo gramatical desenvolvido, que no captulo

  • da exemplificao acima sobre o uso do aspecto sonoro e de escrita das palavras, no

    buscam fazer uma correlao discursiva com texto, apenas um trabalho abstrato de

    lngua. Embora haja antes da tirinha o comando Leia esta tira, de Loro Verz, no

    houve direcionamentos que contribussem para uma leitura proficiente. Apenas na

    quarta questo, h uma explicao ao leitor de como construdo o humor na tirinha,

    visto que uma das intenes desse texto provocar do riso, mas, logo depois, se pede

    para que o aluno retire palavras que possuem a mesma sonoridade, voltando ao trabalho

    dos aspectos lingusticos.

    J dentro dos captulos destinados aos aspectos de lngua, Lngua: uso e

    interao, os gneros anncios e tirinhas so os mais utilizados, sendo colocados na

    introduo do captulo para primeira exemplificao do tema a ser tratado, para os

    tpicos de exerccio, para os tpicos destinados a trabalhar o elemento lingustico na

    construo de sentido, denominado (...) na construo do texto e Semntica e

    interao.

    No captulo de lngua, mais especificamente, na seo intitulada As figuras de

    linguagem na construo do texto, a qual traz um anncio publicitrio a ser explorado

    pelas questes. Esse ttulo sugere uma concluso prvia (a ser confirmada ou no) de

    que o LD ir usar o gnero discursivo para fazer questionamentos apenas sobre o

    contedo abordado. Porm, quando analisamos o exerccio como um todo, percebemos

    que o livro traz uma abordagem mais completa, isto , no usa o gnero apenas como

    pretexto para fazer questionamentos sobre o contedo que est explicando, mas tambm

    considera a linguagem como prtica social situada, pensando que aspectos no podem

    deixar de ser explorados, como podemos ver em uma das questes do exerccio:

  • 4. Esse anncio foi publicado na revista Exame, especializada em negcios, economia

    finanas, gesto empresarial, marketing, etc.

    a) No lado direito da segunda parte do anncio l-se: Vamos abolir de vez essa

    vergonha. Considerando-se o pblico leitor dessa revista, qual a inteno

    comunicativa do anunciante?

    b) Na sua opinio, coerente a publicao do anncio nesse tipo de revista? Por

    qu?(SIC)

    O que se pde notar nessas perguntas foram aspectos que exploram o gnero em

    si, ou seja, ele no usado apenas como pretexto para se explicar sobre as figuras de

    linguagem, mas sim toma as circunstncias de produo do enunciado como essncias

    para o entendimento geral e a construo de sentido do texto, como nota-se quando ele

    pergunta a inteno comunicativa do gnero ou quando o situa em um suporte

    especfico, por exemplo. Esse questionamento indica uma preocupao do LD em

    mostrar ao seu leitor que o texto que ele est vendo foi fruto de uma situao de

    comunicao: o autor escreveu o texto com uma determinada inteno, porque sentiu

    alguma necessidade, direcionando-o a um determinado pblico-alvo, moldando-o para

    as suas intenes, etc.

    Na letra b da questo, percebe-se que o LD questiona o estudante sobre a

    pertinncia do gnero no suporte em que ele foi colocado, demonstrando uma

    preocupao com o sentido construdo quando do enquadramento do texto em um

    determinado suporte.

  • O que se pde notar na seo como um todo foi uma preocupao do LD tanto

    com o contedo em questo quanto na construo de sentido do gnero apresentado,

    tornando esse tpico do livro interessante para o professor, no sentido de que trabalhar

    com esse tipo de exerccio extremamente importante para a formao leitora

    proficiente dos seus alunos.

    Assim como na anlise anterior, o exerccio abaixo tambm se encontra em um

    captulo de Lngua: uso e reflexo. O gnero selecionado (tirinha) foi encontrado na

    seo do LD intitulada de Exerccios. Essa denominao deixa o leitor com a

    expectativa de que as questes propostas tm como fim exclusivo questionar o contedo

    abordado (para efeito de registro, o contedo trabalhado nesse captulo do livro so os

    sons e letras da nossa lngua). A expectativa criada pelo leitor confirmada quando ele

    parte para a leitura do texto. Vejamos algumas questes propostas pelo livro, logo

    depois que ele mostra uma tirinha:

    6. Identifique na tira duas palavras que contm dgrafo.

    8. H, na tira, alguma palavra proparoxtona?

    Nesse caso, o LD adota uma abordagem completamente distinta da que pudemos

    notar na anlise anterior. Quando vemos as perguntas apresentadas ao estudante,

    percebe-se que elas contemplam apenas os aspectos estruturais da lngua, usando um

    gnero que pode dar muito mais informaes. As questes conduzem o estudante para

    um pensamento limitado sobre o gnero. As tirinhas pelo seu carter ldico e mais

    atrativo so utilizadas como objeto de exemplificao de estrutura da lngua, fugindo de

    uma perspectiva de gnero a qual ele se prope a fazer no manual do professor. As

    respostas de ambos os itens apontados esto no nvel da simples identificao de

    informaes explcitas no texto, ou seja, a simples transcrio de palavras para o

    caderno ou para o livro. Essa caracterstica refora a ideia de que o aluno deve apenas

  • identificar as palavras, sem ser levado reflexo ou a uma abordagem efetiva da leitura

    dos gneros discursivos verbo-visuais, mantendo a leitura desses gneros na

    mecanizao de identificao e de observao de informaes j dadas.

    Dentro ainda dos captulos que esto sendo analisados (Lngua: uso e reflexo),

    existem alguns exerccios que efetivam uma leitura que pode contribuir para uma

    compreenso no mecanizada do gnero. O exerccio se d em um captulo de lngua

    intitulado texto e discurso- intertexto e interdiscurso, motivo que pode ter levado a

    uma abordagem mais discursiva dos elementos constituintes de um gnero, como

    intencionalidade, pblico alvo e estrutura composicional. Segue o exemplo:

    3 Considerando que todo discurso envolve interlocutores e guarda uma

    intencionalidade, isto , um propsito comunicativo, responda:

    a) Quem so os interlocutores envolvidos nesse anncio?

    b) Qual a finalidade do anncio?

  • 4 O anncio, como texto, constitudo por outro texto: o desenho que est na parte

    superior. Levante hipteses: Quem supostamente fez esse desenho? Para quem?

    5 Abaixo do desenho, h indicaes sobre o nome da obra, o tipo de material utilizado

    e o nome do autor.

    a) Geralmente, que tipos de trabalhos so acompanhados de informaes como essas?

    b) Que relao a frase S um pai sabe reconhecer uma obra de arte to bem quanto a

    gente tem com o desenho?

    6 Para que o anncio publicitrio seja bem sucedido, necessrio que ele chame a

    ateno do pblico e conquiste sua simpatia para o produto anunciado. Para isso, os

    publicitrios costumam fazer uso de diferentes estratgias de persuaso.

    a) Quais so as estratgias utilizadas pelo anncio so boas? Por qu?

    b) Do seu ponto de vista, as estratgias utilizadas pelo anncio so boas? Por qu?

    As questes acima possuem comandos bem direcionados que auxiliaro os

    alunos a identificarem os elementos constituintes do gnero discursivo para uma viso

    maior de seu sentido que a persuaso dos ouvintes para adquirir o produto que est

    sendo oferecido. Na questo 3, o livro didtico pede para que os alunos identifiquem o

    interlocutores e a partir dessa percepo descobrirem qual a intencionalidade do texto

    publicitrio em foco. J as questes 4 e 5 indagam o discente sobre os significados das

    imagens junto a todos os outros elementos de construo do texto, como: legendas,

    slogans, informaes da empresa qual o anncio est relacionado. Nesse caso, o texto

    verbo-visual bem explorado, visto que no trata o texto apenas como um

    conglomerado abstrato de palavras. E nesta atividade ainda, a questo 6 pede para que

    o aluno identifique os elementos retricos e de apelo utilizados pelo criador do anncio

    para convencer os seus ouvintes a conhecer e comprar o produto oferecido.

    Como perceptvel, esses gneros aparecem quase que exclusivamente nos

    captulos de lngua. Os captulos destinados interpretao de texto no utilizam o texto

    verbo-visual como objeto de explorao do seu sentido, usa-se, quase que

    exclusivamente gneros, apenas textos verbais para esse fim. Tambm no aparecem

    nos captulos de literatura e de produo de texto, salvo um caso em que ele traz um

    captulo especfico para elaborao do anncio. Nesse captulo, antes de colocar a

    proposta de escrita do anncio, ele traz um exerccio para induzir o aluno a perceber os

    elementos constitutivos do anncio, segue um desses exerccios:

  • 1 O anncio publicitrio um gnero textual que tem a finalidade de promover uma

    ideia, a marca de um produto ou o nome de uma empresa. Os anncios publicitrios

    mais conhecidos so os comerciais, que circulam na TV, no rdio, em jornais e

    revistas.

    a) O anncio lido promove uma ideia ou a marca de um produto?

    b) Que produto ou ideia ele promove?

    c) Quem o locutor desse anncio, ou seja, de quem foi a iniciativa de publicar esse

    anncio? Justifique sua resposta com elementos do prprio anncio.

    Neste captulo, o destino do anncio exclusivamente a sua compreenso no

    contexto real, pois o livro traz informaes tanto do modelo composicional, como de

    contedo, como de objetivo nos quais eles so utilizados, esses conhecimentos

    adquiridos vo auxiliar na elaborao. Dessa forma, conclumos que o texto verbo-

    visual no livro didtico apresentado apenas cumprir alguns objetivos especficos, mas

    nem sempre recebe o mesmo tratamento o que compromete a coerncia entre o que se

    prega teoricamente no manual do professor e o que se realiza no livro didtico.

  • CONSIDERAES FINAIS

    Nos Parmetros Curriculares Nacionais h a orientao de que se deve colocar o

    aluno diante das diferentes situaes de comunicao por meio do trabalho com gneros

    discursivos, por isso, a recomendao do uso de tirinhas e anncios. E tentando fazer

    parte das novas recomendaes que os livros se adequam e desenvolvem prticas que

    buscam atender a essas demandas. Assim como se prope Cereja & Magalhes nesta

    coleo analisada no presente artigo. Os autores, no manual do professor, assumem uma

    concepo de gnero como instrumento que possibilita exercer uma ao lingustica

    sobre a realidade e como um mtodo que leva incluso. Os gneros so apresentados

    em sua variedade, mas nem sempre com o tratamento adequado de cada um, pois os

    textos verbos-visuais, na maioria das vezes, so colocados como objeto de

    exemplificao, seja para trabalhar questes de lngua, seja para trabalhar algum

    assunto/contedo e sem a abordagem que considere a especificidade de sua construo

    hbrida. O diferencial da coleo Portugus Linguagens que, em muitos de seus

    exerccios, se consegue fugir desse determinismo de que o ensino de lngua portuguesa

    restringe-se ao ensino de gramtica e passa a trabalhar e buscar compreender o texto

    como um enunciado que faz parte do uso da comunicao real.

    Os textos verbos-visuais so enunciados riqussimos para formar leitores

    crticos, pois sua composio resultado de uma linguagem que mixa elementos

    diferentes. Os signos iconogrficos junto s estratgias retricas do anncio, a ironia e o

    riso da tirinha so constituintes dos gneros que so objetos de pesquisa deste trabalho,

    por isso no devem ser apresentados como exerccio ldico unicamente para as questes

    de gramtica normativa. O gnero tirinha apresentado no livro de forma destacada,

    visto que o texto mais presente para qualquer atividade. Contudo, no geral, quase

    sempre ela utilizada para os contedos de gramtica normativa e se deixa de lado uma

    abordagem que considere a sua composio, temtica e estilo.

    O gnero anncio tambm alvo dessa utilizao sem fim especfico, porm,

    assim como acontece com o gnero anterior, este tambm em raras excees

    trabalhado como gnero de fato, indicando e auxiliando aos alunos a identificarem seus

    elementos persuasivos para um pblico alvo em especfico. Dessa forma, o livro

    didtico objeto dessa anlise, genericamente, desenvolve questes que buscam a

  • reflexo e levam o aluno a reconhecer os diferentes gneros, por meio de uma prtica

    que leva a indagaes sobre situao, intencionalidade, pblico alvo e as especificidades

    de cada gnero, mas inegvel que ainda prepondera uma abordagem que carece de

    coerncia com as concepes tericas assumidas e que, supostamente, fundamentam as

    atividades de leitura.

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