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A ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO COMPARADA NA REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS: SUBSÍDIOS PARA A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NOS MEADOS DO SÉCULO XX António Gomes Ferreira Universidade de Coimbra [email protected] Leziany Silveira Daniel Universidade Federal do Paraná [email protected] Palavras-chaves: educação comparada / sistemas de ensino / perspectivas educativas. Introdução A emergência da educação comparada está relacionada com a procura de compreensão das tendências educativas que se desenhavam em diferentes países tendo em vista o desenvolvimento alcançado pelos mesmos. Ela emerge no contexto do século XIX mas só ganhará dignidade acadêmica no século XX, ainda que sempre muito devedora de contingências ideológicas que perpassam as diferentes décadas de novecentos (Ferreira, 2008). A história da educação comparada é, assim, relativamente curta e tem sido especialmente centrada na preocupação de situar a discussão sobre o rumo das abordagens no domínio dos estudos comparativos da educação. Deste modo tem sido dada especial atenção aos aspectos metodológicos e a pessoas que, por razões de vária ordem mas onde se evidencia também a capacidade de influência das suas instituições e dos seus países, contribuíram para que a educação comparada se afirmasse como domínio de estudo singular. O presente trabalho propõe-se contribuir para a compreensão da história da educação comparada prosseguindo um caminho um tanto diferente. Ele pretende constituir uma tentativa de indagação sobre a recepção da educação comparada no Brasil e como ela dialogava com o contexto político das décadas de 1950 e 1960. Para tanto, cabe-nos deixar claro que pretendemos apenas explorar e analisar algumas das abordagens presentes no cenário educacional brasileiro, destacando entendimentos e concepções acerca da própria realidade educacional. Dos textos já analisados, percebemos que, de uma maneira geral, a indagação da compreensão da educação comparada, neste período, possibilita não só a análise da presença

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A ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO COMPARADA NA REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS: SUBSÍDIOS PARA A COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO NOS MEADOS DO SÉCULO XX

António Gomes Ferreira Universidade de Coimbra

[email protected]

Leziany Silveira Daniel Universidade Federal do Paraná

[email protected]

Palavras-chaves: educação comparada / sistemas de ensino / perspectivas educativas.

Introdução

A emergência da educação comparada está relacionada com a procura de

compreensão das tendências educativas que se desenhavam em diferentes países tendo em

vista o desenvolvimento alcançado pelos mesmos. Ela emerge no contexto do século XIX mas

só ganhará dignidade acadêmica no século XX, ainda que sempre muito devedora de

contingências ideológicas que perpassam as diferentes décadas de novecentos (Ferreira,

2008). A história da educação comparada é, assim, relativamente curta e tem sido

especialmente centrada na preocupação de situar a discussão sobre o rumo das abordagens no

domínio dos estudos comparativos da educação. Deste modo tem sido dada especial atenção

aos aspectos metodológicos e a pessoas que, por razões de vária ordem mas onde se evidencia

também a capacidade de influência das suas instituições e dos seus países, contribuíram para

que a educação comparada se afirmasse como domínio de estudo singular. O presente

trabalho propõe-se contribuir para a compreensão da história da educação comparada

prosseguindo um caminho um tanto diferente. Ele pretende constituir uma tentativa de

indagação sobre a recepção da educação comparada no Brasil e como ela dialogava com o

contexto político das décadas de 1950 e 1960. Para tanto, cabe-nos deixar claro que

pretendemos apenas explorar e analisar algumas das abordagens presentes no cenário

educacional brasileiro, destacando entendimentos e concepções acerca da própria realidade

educacional. Dos textos já analisados, percebemos que, de uma maneira geral, a indagação da

compreensão da educação comparada, neste período, possibilita não só a análise da presença

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de abordagens diferenciadas acerca do campo de estudos da educação comparada como a

construção de um entendimento acerca das tendências e dos pressupostos na organização dos

sistemas de ensino nacionais.

O interesse pela educação comparada, no período estudado, surge muito associado ao

contexto decorrente do pós-guerra, marcado pelo crescimento do “interesse na assistência

tecnológica e no investimento econômico em educação nos países em desenvolvimento,

principalmente sob a impulsão dos economistas” (Malet, 2004, p. 1309). Para tanto,

organismos internacionais, como a UNESCO, aparecem como principais instâncias de apoio à

realização de pesquisas quantitativas sistemáticas, de forma a fundamentar as reformas

educacionais, principalmente as que se deviam fazer nos países em desenvolvimento, tendo

em vista assegurar a consolidação da ordem política ocidental. Assim, a educação comparada

vê, simultaneamente, ampliado seu campo de ação e assumir especial relevância as técnicas

estatísticas dentro dum enquadramento conceptual positivista. Neste período, como era difícil

escapar à ideologia da modernização, que pressupunha que o desenvolvimento tecnológico

requeria um adequado investimento em capital humano, a vertente pragmática em educação

comparada parecia a via prometedora para o reconhecimento da sua importância e os estudos

empírico-quantitativos a consistência metodológica necessária à sua afirmação científica. Mas

convém não esquecer que nada disto se passa sem controvérsias e que algumas delas têm

origem noutros campos do saber ou nas finalidades atribuíveis á educação comparada.

O Brasil, assumindo claramente a sua inserção neste espaço geopolítico ocidental e

dando corpo às ideias que vinham dos países mais desenvolvidos e das grandes organizações

internacionais, verá também instituições como o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

(INEP) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), encarregarem-se de

promover estudos acerca do sistema de ensino brasileiro e a darem espaço a estudos que

partilhavam os dilemas da sociedade e da educação tal como eles se colocavam ao Ocidente.

Para este trabalho, no entanto, interessa-nos, particularmente, uma publicação do INEP, a

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), por constituir fonte interessante para

apreciar a discussão no âmbito da educação comparada, considerando quer os artigos

publicados sobre o saber específico e, portanto, sobre possibilidades de abordagem da

comparação no campo da educação, quer os que se relacionam com discussões sobre a

realidade educacional nacional e internacional. A seleção e a análise dos artigos foi feita

considerando: (i) abordagens de natureza teórica acerca da educação comparada, (2)

abordagens sobre sistemas de ensino estrangeiros por autores igualmente estrangeiros, (3)

abordagens sobre sistemas de ensino estrangeiros por autores brasileiros, (4) textos de autores

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brasileiros sobre o sistema de ensino brasileiro. A primeira análise das fontes possibilitou

construir um quadro (ilustrado abaixo), que mostra a quantidade de artigos encontrados, em

cada um dos critérios elegidos.

Quadro 1 – Artigos selecionados da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos relacionados

com a Educação Comparada (décadas 1950 e 1960).

Como se pode facilmente verificar, a reflexão teórica sobre a educação comparada

mereceu pouca atenção. Nesse sentido, podemos interpretar essa quase ausência de interesse

pela reflexão sobre a educação comparada como uma fragilidade deste saber no contexto do

pensamento educacional brasileiro. Na verdade, a categoria que registra mais artigos é a que

se refere a abordagens sobre o sistema de ensino brasileiro por autores brasileiros, o que

também parece não revelar um especial interesse pelo estudo comparativo propriamente dito.

Bem se pode dizer que, no Brasil, o estudo comparado da educação não suscitava grande

interesse, o que é bem traduzido por apenas se terem recolhido seis artigos de autores

brasileiros sobre sistemas educativos estrangeiros. Todavia, o conjunto dos artigos coloca em

dia a discussão sobre os sistemas educativos que, geralmente, pressupõe diálogos com outras

realidades e requer atenção à reflexão que se produz noutros contextos. Por outro lado, não é

despiciendo o conjunto de artigos que colocando o leitor diante de outros sistemas educativos

remetem para uma reflexão comparativa no âmbito da educação. Para o estudo, eles

representam, desde logo, o interesse da revista pela temática da educação comparada. Para a

presente comunicação, daremos atenção aos artigos de natureza teórica, aos de autores

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brasileiros que escreveram sobre o ensino de outros países e aos artigos de autores

estrangeiros sobre sistemas educativos igualmente estrangeiros. Pensamos que neste conjunto

de artigos podemos encontrar algumas das discussões que atravessavam a educação

comparada desse tempo.

1. Artigos de natureza teórica acerca da educação comparada.

Consideramos artigos de natureza teórica, os que pretendem explicitar sentidos no

âmbito da educação comparada. Isto não significa que artigos mais descritivos não tenham

também uma concepção teórica ou que eles mesmo assim não possam ser considerados no

âmbito de uma análise centrada no levantamento das diferentes abordagens de educação

comparada. Mas dentro da tipologia definida previamente, consideramos apenas textos de

dois autores, o americano I. L. Kandel e o britânico J. A. Lauwerys. O primeiro, professor da

Universidade de Columbia e um dos nomes incontornáveis da história da educação

comparada, tem artigos publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, na segunda

metade da década de 1950 e o segundo, professor da Universidade de Londres, vê dois textos

seus saírem nas páginas da referida publicação, nos primeiros anos da década seguinte.

Isaac L. Kandel segue uma linha de trabalho que lhe é bastante cara. Na verdade,

mostra-se como um dos principais representantes de uma perspectiva de educação comparada

que procura entender como a história influencia os sistemas de ensino nacionais. A sua

análise insere-se numa abordagem interpretativo-histórica, em que não interessa tanto os fatos

educacionais, mas principalmente os factores que os possibilitam (Ferreira, 1999; 2008).

Podemos mesmo dizer que Kandel prende suas análises a uma concepção de educação

comparada baseada no “naciocentrismo”, em que se preocupa em “caracterizar os sistemas

educativos estrangeiros, esperando desvendar as causas históricas do seu desenvolvimento e

de sua organização” (Malet, 2004, p. 1306, grifos do autor). Segundo o próprio Kandel, o

campo de investigação da educação comparada deveria “promover a compreensão dos

sistemas educacionais, à luz de sua cultura, estrutura política e objetivos nacionais” (1956, p.

40).

No seu artigo intitulado “O estudo da educação comparada”, publicado na RBEP, em

1956, Kandel, além de demarcar o campo de estudos da educação comparada, propõe-se

reflectir sobre os tipos de sistemas de ensino, a partir da discussão em torno da constituição

dos Estados-Nação. Neste sentido, estabelece a íntima relação existente entre as idéias

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políticas e a educação, entre o surgimento do Estado-nação e a criação de um sistema nacional

de educação, indicando que para “tal Estado, tal escola”, pois, para ele:

Sob um regime (o autoritário ou totalitário) o Estado vem primeiro e a

função da escola consiste em moldar o indivíduo a determinado padrão,

conveniente ao Estado — "enquadrá-lo na linha justa", como na Rússia

Soviética, o equivalente do Gleichschaltung da Alemanha nazista. Sob o

outro regime (democrático ou liberal), a função da escola consiste em

desenvolver cada indivíduo ao máximo de sua capacidade, como cidadão

inteligente que desempenhará um papel na determinação do caráter do

Estado. Muitas das diferenças existentes nos sistemas nacionais de educação

podem ser atribuídas a diferenças na natureza política do Estado (Kandel,

1056, p. 35, grifos do autor).

Para Kandel, a educação comparada abrangia mais do que o estudo da estrutura dos

sistemas de ensino e dos aspectos em torno da organização e administração, currículo e

métodos dos mesmos, devendo visar “descobrir as causas subjacentes, a fim de explicar

porque os sistemas educacionais dos diversos países diferem um dos outros, quais os

objetivos e os propósitos que os movem, quais as suas fontes, quais os princípios gerais que

emanam” (Kandel, 1956, p. 28). No entender deste autor, à educação comparada cabia

“descobrir como o sistema de educação nacional se enraíza na cultura do país” (p. 29) pelo

que ao “estudar o sistema educacional de uma nação”, tinha que “devotar considerável

atenção à sua organização social, política e econômica e a seus antecedentes culturais” (p. 32).

Neste sentido, Kandel, embora constate que, depois da Segunda Guerra Mundial,

existisse maior interesse pelas equivalências entre os padrões educacionais de cada país e

salientasse a dificuldade de confronto e avaliação dos mesmos, entende que seria possível

realizar uma educação comparada que deduzisse princípios e ideias força, já que o confronto

podia “fazer-se entre os efeitos que as teorias políticas, os recursos econômicos disponíveis e

os padrões culturais exercem sobre os sistemas educacionais, assim como entre os princípios

filosóficos em que se fundam” (p. 28). Para isso, é claro, era necessário equacionar de forma

diferente os trabalhos que interessavam à educação comparada e os que podiam ser

considerados como de educação comparada propriamente ditos. Convinha, portanto,

diferenciar relatórios mais descritivos acerca de sistemas de ensino isolados, daqueles estudos

em que só um autor analisa vários sistemas de ensino. Esses relatórios, no seu entender, não

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se consubstanciavam em verdadeiros estudos de educação comparada mas não deixavam de

constituir importantes fontes para os trabalhos comparativos. Assim sendo, a cooperação

internacional no campo da educação podia propiciar trabalhos que levassem em consideração

as mesmas questões para diferentes sistemas de ensino nacionais e desse modo fomentar o

aparecimento de relatórios ou estudos que possibilitassem avançar de forma mais decidida na

compreensão da relação dos sistemas educativos com os contextos em que estavam inseridos.

Era, exatamente, a especificidade de cada sistema educativo, que os estudos de

educação comparada mostravam, que levava Kandel a admitir que um sistema educacional

não podia ser transplantado de um país para outro. Mais, seguindo Dilthey, reconhece que

forças históricas, culturais e sociais determinam o caráter do sistema educacional, pelo que

não vê possibilidade de criação ou estabelecimento de um sistema universal de educação, a

ser adotado de maneira comum por todos os países. Contudo, ao defender a tese de que os

sistemas de ensino não são susceptíveis de serem transplantados de um contexto cultural para

outro, o autor americano não torna impossível as reformas dos sistemas educativos,

defendendo, até, que as idéias e princípios educacionais, adotados ao longo da história ou

característicos de determinados países, podiam ser modificados e fecundamente adaptados.

Mais, ele admite o que alguns autores consideram o efeito de contágio, isto é, a passagem de

aspectos da educação de um país para outros. Toma como exemplo o ideal norte americano de

“igualdade de oportunidades educacionais”, que também era usado em outros países,

transcendendo, desta forma, as fronteiras nacionais.

Vendo bem, ele entendia que as reformas educacionais ocorridas decorriam das

próprias transformações políticas, como no caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, em que a

busca pela concretização do ideal de “igualdade de oportunidades educacionais” veio na

sequência de necessidades econômicas e técnicas decorrentes do desenvolvimento das

respectivas sociedades. Para ele, as alterações na educação não resultam apenas de vontades

individuais e de atitudes mais ou menos generosas. Elas concretizam-se porque representam

investimento social em seres humanos, rendendo dividendos não só sob a forma de bem-estar

individual, mas também sob a de prosperidade e progresso na sociedade (p. 38). Neste

aspecto, a sua posição está em consonância com teoria do capital humano, que seria tão

valorizada por economistas e por grandes organizações internacionais como a UNESCO e a

OCDE. Todavia, ele está muito mais empenhado na compreensão das particularidades de

diferentes sistemas educativos e como eles podem suportar políticas nacionais nefastas aos

interesses da generalidade da população e ao progresso das sociedades. Kandel parece ainda

muito preocupado com o que se passou na Europa nas décadas anteriores, nomeadamente com

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a influência do nacionalismo na constituição dos sistemas de ensino, pois, de alguma forma,

estes terão contribuído para a sustentação de regimes totalitários e autoritários. Embora ele

acentue que educação comparada pode estudar os sistemas educacionais de diferentes países

de maneira objetiva e que não é função dela criticar as ideologias políticas, entende que ela

pode revelar efeitos destas sobre os sistemas educativos, ressaltando nomeadamente os do

mau nacionalismo, à luz da história, e das consequências sôbre a felicidade do gênero humano

(Kandel, 1956, p. 39).

Os artigos publicados na RBEP por Lauwerys, não possuem propósito tão

especificamente teórico acerca da educação comparada. No entanto, o que saiu em 1963, e

que decorria da palestra realizada pelo autor no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais,

disserta sobre os estudos desenvolvidos no interior do domínio em causa, o que situa as

abordagens, tomando em consideração os períodos de antes e pós Segunda Guerra Mundial.

No primeiro período, o comparatista indica o volume de pesquisas na área produzido por

estudiosos como Fred Clarke, Nicholas Hans, Munford, Schairer, no qual “grande parte desse

trabalho tratava de problemas asiáticos e africanos — uma conseqüência natural do crescente

interesse por aqueles continentes e do estabelecimento em Londres de um grande e poderoso

departamento especializado em problemas educacionais de países tropicais e

subdesenvolvidos” (1963b, p. 27). Já no segundo período, pós Segunda Guerra Mundial, a

educação comparada, na sua visão, era uma área de estudo em rápido desenvolvimento e que

tendia a atender, sobretudo, a três aspectos: “I)A aplicação de métodos comparativos à

elucidação dos determinantes do sistema educacional, como a influência da educação sobre o

desenvolvimento econômico; a situação do professorado como profissão; as finanças da

educação”. Aqui, como ele próprio sublinhava, o Year Book of Education (Londres e

Columbia, New York) representava um papel central. “II) Estudos analíticos da história da

educação em determinados países, tais como: Bahamas, Ceilão, Alemanha, França,

Dinamarca, India”. O propósito destes trabalhos consistia em procurar descobrir por que as

coisas eram como eram e por que motivo aconteceram assim. “III) Estudos sobre o papel da

educação em países subdesenvolvidos”, designadamente sobre “o desenvolvimento de

comunidades na África”. Apesar destas diferentes linhas de acção em Educação Comparada, o

que parecia estar a marcar mais o interesse pela área eram os trabalhos que relacionavam a

educação com a economia. Lauwerys sublinhava isso mesmo demonstrando que o estudo da

Economia da Educação, iniciado através do Year Book of Education de 1954, conhecia um

desenvolvimento especialmente importante, o que se podia ver com o inicio recente de uma

associação internacional neste campo, patrocinada pela OEEC, com a Fundação Ford a

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contemplar um departamento especial para estudar a questão e com diversos governos

nacionais mostrar evidente interesse pelo assunto (1963b, p. 31).

A sua intervenção demonstrava bem a importância duma abordagem pragmática da

educação comparada vinculada ao processo de desenvolvimento econômico dos países e

claramente incentivada por governos e por organismos internacionais de grande influência

política. O artigo põe-nos perante uma perspectiva “intervencionista” da educação comparada,

que se manifesta, principalmente, a partir da década de 1960, e que tem como pressuposto que

“ a comparação tem por principal missão acompanhar os processos de modernização social e

guiar as reformas educativas necessárias no campo da educação” (Malet, 2004, p. 1309).

Independentemente de estes artigos expressarem ou não convicções dos autores sobre

o rumo da Educação Comparada e sobre as finalidades da mesma, eles acabam por, de algum

modo, traçar perspectivas diferenciadas de encarar este domínio de estudo. Tanto Kandel

como Lauwreys viram publicados outros artigos na RBEP, mas tratando fundamentalmente da

análise de sistemas de ensino, em especial o americano, no caso de Kandel, e o inglês, no caso

de Lauwreys, mas falaremos deles mais à frente.

2. Autores estrangeiros versando sobre sistemas de ensino estrangeiros.

Os textos que se debruçam sobre os sistemas educativos na RBEP tendem a

demonstrar a preocupação com a consolidação dos regimes democráticos parlamentares e as

economias capitalistas a eles associados. Independentemente do objeto específico tratado e da

convicção ideológica de cada autor, o tom geral dos artigos que têm os sistemas educativos

sob análise é o de os encarar numa perspectiva de se adequarem às sociedades que se

organizam em democracias parlamentares e se baseiam na economia de mercado. Em alguns

textos perpassa mesmo uma discussão própria de tempo de “guerra-fria”.

Os textos de autores estrangeiros sobre sistemas educativos estrangeiros são

diversificados na sua redação e sobre as realidades que são abordadas. Vendo na globalidade,

os textos publicados na década de 1950 parecem mais claramente ideológicos do que os da

década seguinte, mais centrados na organização do sistema educativo e no desenvolvimento

dos países. Mas isto pode não ter especial significado, porque pode estar mais dependente do

circunstancialismo propiciado pelas relações dos autores com os responsáveis pela publicação

em análise. Todavia, não parece de todo fortuito a forte presença de trabalhos de autores

americanos ou de algum modo ligados à sua influência. Uma coisa é certa, os textos refletem

a conjuntura da sua produção, umas vezes, porque são consequência duma reforma, outras,

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porque estão relacionadas com a iniciativa de alguma organização, outras, ainda, porque

derivam de alguma interpelação polémica.

Num texto, em específico, de George S. Counts (professor da Universidade de

Columbia), intitulado “A educação dos EU através do espelho soviético”, publicado no ano

1953, sente-se a tensão entre mundos que se opõem e se querem impor. Por vezes, mais do

que uma dialética ideológica instala-se a militância acrítica. Apesar do autor atestar que em

outros momentos teceu análises positivas quanto à educação soviética, este artigo

configurava-se como resposta ao artigo publicado na União Soviética intitulado “A Escola e a

Pedagogia norte-america a serviço da reação”, escrito por N. K. Goncharov, em novembro de

1949, na revista Sovietskaia Pedagogika, órgão oficial da Academia de Ciências Pedagógicas.

Counts reage mas sabe que pouco pode fazer para passar a sua mensagem para os países sob

regime comunista. Ele próprio confessa que as retificações que faz “não serão conhecidas do

outro lado da cortina de ferro”. Sendo assim, reconhece Counts, “a caricatura feita por

Goncharov, sôbre a educação e os educadores dos Estados Unidos, provavelmente será aceita

como retrato fiel, por quase todos que vivem sob a foice e o martelo, do Elba ao Mar da

China”. Na primeira parte do artigo, Counts transcreve todo o artigo de Goncharov, tecendo

comentários acerca de informações corretas e imprecisas e equívocos de Goncharov sobre o

sistema de ensino americano. De maneira geral, Counts critica o fato de Goncharov considerar

a situação precária de trabalho dos professores americanos e da realização por parte deles de

atividades subversivas, contra o governo norte-americano, de transformar explicações de

situações locais como sendo universais nos Estados Unidos, de destacar a forte influência

católica nas universidades americanas, de a escola estar sendo militarizada, da falta de

oportunidade educacional para os negros americanos, entre outros. Num trecho, em especial,

Goncharov critica mais fortemente os teóricos da educação americana, representantes do

pragmatismo. Para o autor soviético:

A teoria da educação, nesse país, corresponde a tal prática reacionária. A

reacionária pedagogia norte-americana fornece os"fundamentos teóricos" da

reacionária prática educacional, nas escolas dos Estados Unidos. Os

educadores reacionários esforçam-se nos Estados Unidos, por demonstrar

sua lealdade aos donos de Wall Street, formulando os fundamentos teóricos

do sistema norte-americano de educação. Soltos no palco estão o bisão

endurecido John Dewey, com 90 anos de idade, ex-catedrático da

Universidade de Colúmbia, George Counts, Catedrático da mesma

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Universidade, o Deão William McGucken, da Escola Católica de Educação

de São Luís, Kilpatrick, Phillips e outros. Todos eles sentem um medo

animal da crise do sistema capitalista e se esforçam por encontrar os meios

rnais hábeis e sutis de narcotizar as massas laboriosas. Os membros dessa

"Plêiade" de reacionários filosóficos esqueceram suas antigas divergências e

estão procurando uma plataforma unida, que sirva de base aos objetivos e

tarefas da educação (Goncharov citado por Counts, 1953, p. 65).

Counts, enfim, considera que o artigo de Goncharov era típico dos intelectuais

soviéticos, que teciam determinadas análises, no interior de um sistema totalitário, tecendo

“invenção deliberada” e sendo expressão da política repressiva do Estado Soviético. A

discussão trazida à tona por este artigo mostra questões interessantes. A primeira, o espaço

aberto pela revista brasileira para publicação de um artigo-resposta a uma publicação

soviética sobre o sistema de ensino americano. A segunda, o fato deste artigo colocar em

contraste a discussão em torno de dois sistemas de ensino situados em países com regimes

políticos opostos, em plena guerra fria. A terceira, o fato de através desta discussão, ressaltar

o valor do regime democrático e do sistema de ensino norte-americano. E, por último, de

mostrar, de alguma forma, a articulação entre o sistema de ensino e os regimes políticos.

O mesmo autor publica outros artigos na RBEP e deles ressalta os aspectos positivos

do sistema de ensino americano, colocando este como diretamente relacionado à constituição

da sociedade norte-americana mas tendo como pressuposto que as escolas devem ser

direcionadas para determinado fim, porque de contrário, poderiam servir a regimes

totalitários. Para ele, foi exactamente isso que aconteceu no interior dos regimes autocráticos

do século XX, já que “as escolas, em todos esses Estados totalitários, procuraram inculcar, no

espírito dos jovens, cega e fanática lealdade à ditadura” (Counts, 1957a, p. 68). Da mesma

forma que Kandel, Counts entende que “cada educação é, necessariamente, expressão muito

intima de uma civilização particular” (idem, p. 74).

Mas esta devia ser uma ideia especialmente cara neste espaço acadêmico. Num artigo

de Etzionl (1958), que descreve “O trabalho como método educativo nas escolas de Israel”, a

análise deste sistema de ensino é feita a partir do ponto de vista do método educativo e dos

valores em função da sociedade em que está inserida a educação em causa. Considerando o

caso específico de Israel, mostra que o método baseado no trabalho, sofreu modificações e

alterações, sendo atualizado como técnica educacional, com vistas a acompanhar as

exigências de reestruturação da Estado Israelense. Para este autor “uma sociedade em

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evolução transforma seus métodos educacionais, ajustando-se às novas necessidades sociais,

conservando alguns dos velhos elementos, introduzindo novos, alterando o sentido, a

aplicação e o fundamento dos outros” (p. 14).

Counts concordaria seguramente com a opinião de Etzionl. Ele estava convicto de que

o ensino devia ser direcionado para determinado fim e este tinha de ser forçosamente a

educação do cidadão para a sociedade democrática e progressiva, tanto mais que, como ele

próprio disse, “a educação, adequadamente concebida e administrada, é um instrumento

indispensável para o melhoramento da natureza e da condição do homem” (1957b, p. 39).

Precisamente nesse mesmo ano, também Kandel vê publicado um outro artigo seu na

RBEP. Analisando agora o sistema de ensino americano, em especial, o ensino secundário,

recorre à história da educação para mostrar como de um sistema dual de ensino, se avançava,

naquela altura histórica, para “a igualdade de oportunidades educacionais”, que, de algum

modo, surgia como bandeira do modelo de desenvolvimento americano. Ele entende que esta

situação se sustentava no quadro da evolução tecnológica e da articulação com condições

político-sociais que marcavam a conjuntura dos Estados Unidos. A sua apreciação, no

entanto, oscila entre um posicionamento analítico e uma reacção crítica à forma como via a

institucionalização do princípio educacional em causa. É certo que para ele “foi como

decorrência da combinação das influências sócio-políticas e do adiantamento técnico, que se

tornou realidade a premência pela igualdade de oportunidades educacionais” (p. 52), mas daí

ele não retirava necessariamente uma virtude que servisse para exaltar a democracia existente

nos Estados Unidos e seu ideal educacional. Para Kandel, a “igualdade de oportunidades

educacionais” e a forma de organização do sistema de ensino norte-americano dificultavam a

preparação e a seleção dos melhores indivíduos, em especial, para as áreas tecnológicas e

científicas. De certo modo, ele fazia-se voz daqueles que consideravam que o sistema

educativo devia encaminhar cada um para o ensino que se mostrava mais adequado às suas

capacidades. Ele previa que o caminho que se estava a tomar de uma educação única, levasse

a um ensino generalista pouco consentâneo com a formação de especialistas que

respondessem aos desafios científicos e tecnológicos da forma conveniente. No fundo, o que

Kandel critica é o vínculo exagerado do sistema de ensino com as questões políticas, pois,

para ele “a idéia americana, tendendo a confundir a igualdade das oportunidades educacionais

com a igualdade perante as urnas, e presumindo poderem os ideais democráticos ser

estimulados mediante o encurralamento de todos os alunos na mesma escola”, havia

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“produzido, na realidade, um rebaixamento de níveis e certa identidade de oportunidades

educacionais” (Kandel, 1957, p. 61).

A crítica de Kandel estava, no entanto, em contraposição com a dinâmica da história.

Alguns anos mais tarde, Lauwreys (1963b), analisando a reforma ocorrida em Inglaterra, no

ano de 1944, mostra-se favorável a um ensino que contemplasse a igualdade de

oportunidades. Ele defende a idéia de que o antigo “sistema educacional inglês não só refletia

a estrutura de classes como ajudava a perpetuar a estratificação social” (1963a, p. 40) e

considera que o novo sistema educacional era “tão igualitário e popular quanto em qualquer

parte do mundo” (p. 45).

O sistema de ensino americano, voltará a ser equacionado na revista publicada em

1959, agora numa transcrição de um Relatório do Rockfeller Brothers Fundation sobre as

necessidades educacionais americanas. O importante do documento é que ele procura

conciliar a liberdade individual, tão cara aos norte-americanos com o interesse geral definido

pelo Estado. Da sua leitura também transparece a vontade de mudança em continuidade. Ele

dava conta da necessidade do sistema de ensino americano adaptar-se continuamente à

evolução da sociedade mas de modo a que não divergisse do caminho que havia permitido

garantir a manutenção da ordem política. A determinado momento, o texto apresenta uma

retórica em que se expõe, habilmente, como a própria liberdade do ensino deve ser contida,

nos seguintes termos: “é interessante que seja permitida ampla possibilidade de escolha dos

valores, porém compete-nos admitir a educação como um processo a ser ministrado com

significado e objetivo; que todos possuam convicções bastante firmes; e que todo jovem

americano se prepare para servir aos valores que o fortaleceram e tornaram possível a sua

educação e sua liberdade como cidadão” (1959, p. 219). A mensagem não podia ser mais

clara: a educação dos EU dava liberdade à escolha dos valores desde que eles não atentassem

contra a liberdade tal como ela era vista no país. As necessidades inventariadas tratam-se das

inerentes ao refinamento do sistema. Neste relatório traduz-se na necessidade de maior

investimento nas escolas, maior qualidade de professores, maior busca de talento pelas

empresas, entre outras. Mas a preocupação com os equilíbrios de liberdade individual versus

poder público e de definição e controlo de sistema local e nacional constituem assunto que se

enraíza numa discussão ideológica mais profunda nos Estados Unidos.

Já em 1954, Wilson, um autor americano, apresenta o sistema educacional inglês

como sendo distinto do dos EU, em consequência das “práticas inglesas” evoluírem

“pragmaticamente” e as instituições inglesas tenderem “a adaptar-se, pouco a pouco, às novas

necessidades” (p. 63). Wilson destaca, significativamente, o equilíbrio que há entre o controle

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que emana das autoridades superiores e a liberdade de cada escola, sublinhando que podia se

falar em um só padrão educacional no país, de 5 a 15 anos de vida escolar. Com isto, e

baseando a sua posição numa abordagem histórica, entende que “o sistema americano é muito

mais histórico em sua evolução” do que se podia “inferir de uma exposição filosófica”, já que

encerrava “em si muitos vestígios das ambições e atividades dos pioneiros, quando

estabeleceram as escolas rurais para suas novas comunidades” e que, provavelmente, a

Inglaterra seria “mais lógica do que parece e com certeza mais filosófica também” (p. 63), ou

seja, estava mais organizada em função duma ordem nacional. Esta análise, contudo, assenta

numa convicção que é controversa nos EU. Embora a articulação do sistema de ensino seja,

por vezes, colocada como essencial para consolidar a organização do sistema sócio-

econômico e político norte-americano, não tem sido fácil ultrapassar as divergências sobre o

assunto. Num artigo, publicado no início da década de sessenta, na RBEP, Leys (1963) volta a

apontar a necessidade de se introduzir maior equilíbrio entre os interesses regionais e

universais, pois para ele “o planejamento de âmbito nacional que não recebe participação

local é inútil; o planejamento que não conta com certa supervisão nacional é fútil” (p. 43).

Esta será uma discussão que perdurará mas que não prejudicará a imagem da educação norte-

americana, até, por esta estar caucionada pelo nível de desenvolvimento dos EU.

Na verdade, é interessante ver como muitos destes textos se apresentam tão convictos

do ideal de vida norte-americano. Certamente havia motivos para esta convicção existir mas

ela também transparece uma vontade de organizar consciências e, desse modo, harmonizar o

pensamento e a política ocidental. Isso estava em consonância com a dinâmica política dos

EU e acabava por se traduzir em iniciativas várias de organizações internacionais que agiam

com apoio directo ou indirecto dos norte-americanos. No caso da RBEP, podemos pressentir

esta ligação pelo fato de vermos que a par dos textos referentes aos principais países

ocidentais, com ênfase para os EU, os autores estrangeiros também aparecem com análises

sobre o ensino no espaço latino-americano. Os textos sobre esta realidade, não raras vezes,

traduzem o conteúdo da publicação de documentos originários de congressos realizados pelos

principais organismos internacionais, entre eles a UNESCO e a CEPAL. O teor destes prende-

se a diagnósticos acerca dos sistemas de ensino dos países deste espaço americano, e a

indicações sobre os encaminhamentos necessários para superação de determinados índices

educacionais. Na década de 1960, em especial, os textos apontam para a conveniência de se

fazerem esforços em torno da universalização da educação primária e da expansão do ensino

secundário e superior na região. Estamos perante estudos que se pretendem fundamentados

em dados rigorosos e em quadros explicativos, numa tentativa de credibilizar as propostas em

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função dum aparato de natureza tecnocrática. A ideia explicitada é a de que através duma

atuação planejada a partir de tais estudos se possa fazer com que a educação propicie o

desenvolvimento econômico das nações, em especial, as consideradas em desenvolvimento.

Por vezes, a prosa era bem clara e pragmática quanto ao firme propósito econômico destas

propostas. Num dos textos, por exemplo, pode ler-se: “à proporção que os frutos do ensino se

incorporam à vida social e econômica da América Latina, em quantidade crescente e com

capacidade cada vez maior, demonstra-se confiantemente que o capital aplicado em educação

constitui na verdade capital reprodutivo” (UNESCO, 1962, p. 85).

3. Autores brasileiros versando sobre sistemas de ensino estrangeiros.

Na RBEP, não faltam artigos de autores brasileiros do âmbito da Educação

Comparada. Em geral, podemos dizer que o seu interesse pelos outros sistemas educativos

deriva da sua preocupação com o rumo do ensino no Brasil. Nesse sentido, os textos

debruçam-se fundamentalmente sobre os sistemas educativos de países desenvolvidos, tendo

como referência base as reformas dos últimos anos, e os sistemas de ensino latino-

americanos, tomando como informação importante as discussões realizadas pelos principais

organismos internacionais, que auxiliavam as políticas educativas da região.

Curiosamente, os artigos sobre os sistemas educativos de países desenvolvidos

incidem especialmente sobre o francês e o inglês. Estes pareciam constituir, pelo menos à

partida, os exemplos que se deviam ter em consideração para delinear um caminho mais

promissor para o ensino brasileiro. Seja como for, não há dúvida que serviram de fundamento

a conclusões de estudos realizados por personalidades influentes e que, por isso, terão sido

alvo de atenção em ocasiões que se punha em discussão a educação no Brasil e, em especial,

quando se pensava reformar o ensino no país. Um dos textos mais claros quanto a este

interesse por buscar naqueles países europeus o conhecimento da dinâmica do seu ensino é “O

Relatório do professor Gildásio Amado sobre as reformas da educação na França e na

Inglaterra”, de 1955, apresentado ao então Ministro da Educação e Cultura brasileiro, após

visita do técnico a estes dois países. No caso da França, Amado (1955) escreve um pouco

sobre o movimento reformador da educação, que pensado ainda antes da Segunda Guerra

Mundial veio a influenciar o plano Langevin-Wallon, de 1949, que não se concretizou.

Mesmo assim, Amado (1955) indica alguns aspectos importantes deste projeto como a

obrigatoriedade do ensino até os 18 anos, a educação baseada no conhecimento da psicologia

da criança, a divisão do ensino em dois ciclos, a supressão da barreira na passagem do 1º para

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o 2º graus, o ciclo de orientação de 11 a 15 anos, entre outros. Por fim, o autor fala das reais

mudanças propostas naquele momento para o sistema de ensino francês, em especial para o

ensino técnico e secundário, assim como a renovação pedagógica proposta a partir das

“classes nouvelles”, criadas em 1945, baseada em classes com menor número de alunos,

melhores condições de trabalho dos professores, instituição de uma hora, semanal, de

conselho de classes, extensão do campo cultural a todos os alunos.

Já no caso da Inglaterra, Amado dá particular atenção à aplicação do “Education Act”,

de 1944, relevando aspectos inovadores, tais como maior inteligação entre ensino primário e o

secundário, diferentes tipos de escola secundária, flexibilidade na passagem de alunos de um

tipo de escola secundária para outra e elevação da escolaridade obrigatória para 15 anos.

Incidindo, sobretudo, sobre o ensino secundário, o professor brasileiro sublinha que se

encontram as mesmas linhas da reforma preparada na França na referida lei inglesa,

designadamente com identificação de vários tipos de ensino secundário e destruição de

preconceitos entre ensino técnico ou prático e humanístico. As palavras de Amado (1955, p.

182, grifos do autor) chegam a ser entusiásticas. Diz ele:

O chamado ensino secundário moderno, que é uma inovação na educação

inglesa e se destina à maioria dos estudantes secundários, ministra uma

educação variada, compreende várias modalidades, adaptáveis às aptidões e

capacidades individuais e aos ambientes sociais dos alunos. É um ensino que

se volta para a interpretação do mundo moderno e que prepara para a vida

em seu mais largo sentido. É um ensino misto de cultura geral e de

aprendizado prático educacional, orientado, como sempre e muito

especialmente nesse tipo de mais larga latitude que os outros, de acordo com

os interesses e as feições individuais dos alunos. Um currículo amplo e

equilibrado, pela associação de disciplinas intelectuais e atividades práticas,

estas de várias espécies para que atendam às múltiplas preferências, assegura

a grande flexibilidade, que deve ter esse ramo do ensino.

Mas, como já sublinhamos, o interesse desta análise de Amado tem um sentido

pragmático e isso é bem nítido no final quando tece algumas conclusões, indicando mudanças

a serem realizadas no sistema de ensino brasileiro, a partir das observações realizadas. Para

ele a educação secundária não podia ser privilégio de determinadas classes, pelo que se devia

aumentar o número de anos da obrigatoriedade escolar; a educação devia se basear nos

princípios da psicologia e atender a aptidões individuais; o ensino secundário devia ser

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dividido em muitas modalidades, possuir uma preocupação com a orientação vocacional dar

maior possibilidade de equivalência entre ensino secundário técnico, comercial e industrial e

ver aumentado o número de vagas e de escolas. No seu entender, era também necessário

inovar pedagogicamente, promovendo uma educação integral, abrindo espaço a trabalhos

extracurriculares, dar maior formação cívica, fomentar a educação pelo interesse e valorizar a

cultura geral nos ensinos moderno e técnico. Muito do que recomendava este professor seguia

o que ele presenciou nos referidos países europeus mas não seria fácil de concretizar naquele

momento, tanto mais porque não existiriam recursos humanos devidamente preparados para

isso. Provavelmente, essa seria uma das razões que o levavam a sugerir a organização de uma

inspeção oficial mais técnica e pedagógica. Ele sabia que nem mesmo nos países visitados

tudo tinha corrido de acordo com o pensado. Com uma inspeção mais sábia pedagogicamente

havia maior possibilidade de se avançar numa efetiva modernização do sistema educativo

brasileiro.

Com um propósito semelhante ao de Gildásio Amado, aparecia na RBEP, poucos anos

depois, um artigo de João Roberto Moreira (1959), que também se debruçava sobre o sistema

de ensino francês. A visita à França tinha-lhe proporcionado tomar contacto com a

organização escolar desse país e isso possibilitou-lhe ver que a mudança se fazia sobre uma

prática pedagógica legada pelo passado. Descreve ele a situação desta forma:

a escola pública francesa é modesta, simples, pobre às vezes, mas eficiente.

O mestre trabalha efetivamente seis horas por dia e as crianças permanecem

na escola primária também seis horas por dia, em atividades e exercícios de

aprendizagem dirigida. Não há escola-ativismo, mesmo nas de aplicação,

anexas às escolas normais que visitamos. Trata-se de iniciar as crianças nas

atividades culturais básicas, do ponto de vista da civilização moderna, por

meio de lições racionalmente planejadas, de modo gradativo e contínuo,

mediante exercícios orais, escritos e outros (quer de natureza gráfica, quer

não), conscienciosamente previstos, organizados e dirigidos pelo mestre. O

ensino secundário, quer moderno (sem latim e sem grego), quer clássico, em

nível adequado, obedece aos mesmos princípios didáticos. O professor

organiza as aulas, devidamente graduadas em dificuldades crescentes, utiliza

os processos acessíveis de demonstração e exemplificação, propõe e distribui

exercícios gráficos e orais e dirige e coordena todas as atividades.

Surpreendente, quer na escola primária, quer na secundária, é a utilização de

meios áudio-visuais, sobretudo do cinema, para a complementação do

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ensino. Disse-me um inspetor escolar de província que o ideal de toda a

escola pública francesa, hoje, é ter seu aparelho de projeção cinematográfica

e receber regularmente filmes da Cinemateca Nacional. Aqui, em Paris,

ainda não encontrei uma só escola primária que não o tenha conseguido,

embora, às vezes, suas instalações sejam bastante precárias (Moreira, p. 44).

Na sua perspectiva, a reforma proposta visava dar continuidade aos métodos e

processos já existentes, ainda que alargando o âmbito da educação e admitindo uma ou outra

inovação, reformando o sistema de organização do ensino para melhor seleção das elites

intelectuais e técnicas e maior garantia da laicidade do ensino. Segundo ele, a principal

mudança proposta era a criação de cursos de orientação, como forma de criar um elo de

continuidade entre a escolaridade primária e a secundária, possibilitando que as elites não

resultassem apenas das classes mais favorecidas. O seu interesse por esta inovação pode ser

visto pela descrição que dela faz, nestes termos:

Tal curso médio deve ser, portanto, comum e obrigatório para todos os

alunos de 11 ou 12 a 13 ou 14 anos, em classes de 25, sendo que, no

primeiro ano, dito de "observação", será ensinada uma língua viva, ciência

de observação e atividades construtivas. No segundo ano, dito de "opções", o

aluno terá direito à escolha entre diversas matérias, do latim às ciências

teóricas, do estudo de mecanismos elementares aos trabalhos concebidos em

função da vida prática, etc. Conselhos de professores especializados ajudarão

os pais e alunos na orientação a seguir. Desta forma, julgam os franceses que

terão lançado as bases para colocar todas as crianças, qualquer que seja sua

origem social, em condições de igualdade para o acesso a todas as formas da

cultura, ao mesmo tempo que iniciarão a organização eficaz duma orientação

para os diversificados ensinos ulteriores (tendo em consideração quer as

aptidões e as inclinações dos alunos, quer as oportunidades oferecidas pelo

país). A seleção dos melhores deverá ainda ser acompanhada da promoção

de todos, segundo três tipos de escolas posteriores ao curso médio de

orientação: a) ensino de formação de base para as profissões (cultura geral e

humana e iniciação à vida profissional, graças a uma colaboração entre a

escola e as empresas, por meio de estágios) ; 6) ensino geral, breve, sem

educação técnica, especializada, que assegurará a formação de numerosas

categorias de funcionários, empregados, isto é, dos quadros médios não

técnicos; c) formação geral e técnica em escolas secundárias, em que as

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letras, as ciências e as técnicas, embora constituindo cursos especiais,

distintos, terão igual dignidade. Mas todas essas possibilidades, posteriores

ao curso médio de orientação, serão postas à disposição dos alunos nos

mesmos estabelecimentos, batizados de "polivalentes", de modo a poder

permitir a orientação escolar e profissional e facilitar, nos casos de erro de

escolha ou de fracasso, "mudanças de direção". Com tais estabelecimentos

polivalentes, visa-se, ainda a aproximar o mais possível todos os ensinos de

2.° grau, num amplo sistema de convivência democrática (idem, p. 47).

Roberto Moreira, aborda ainda outros aspectos como, por exemplo, a forma como

eram formados os professores na França, mas o que aqui nos interessa mais é destacar como

estes estudos tinham em vista produzir efeito na organização do sistema educativo do Brasil.

As reformas realizadas nos países desenvolvidos, com o objetivo principal de fazer com que

seu sistema de ensino se adequasse às novas exigências econômicas e sociais eram tomadas

como base para pensar as reformas a serem realizadas no Brasil. Podemos considerar que

estas análises dos sistemas de ensino reforçam, mais uma vez, a presença de uma abordagem

de educação comparada mais positivista e pragmática, procurando tecer reflexões e orientar

decisões de política educacional (Ferreira, 1998). Levando em consideração o conteúdo da

Revista em análise, podemos dizer que os artigos referidos anteriormente tiveram um epílogo

consubstanciado na publicação, em 1959, de um projeto de lei do Ministro da Educação do

Brasil, sobre o prolongamento da escolaridade obrigatória e de dois decretos sobre a reforma

do ensino e reorganização do bacharelado, influenciados pela reforma do ensino na França.

Mas, como referimos já, também na RBEP são publicados artigos de autores

brasileiros, que se debruçam sobre o ensino nos países latino-americanos e que têm

fundamentalmente a ver com a adequação da oferta educativa ao desenvolvimento

económico, com o cumprimento da escolaridade obrigatória e com o problema do

financiamento dos sistemas educativos da região. Utilizando-se de dados estatísticos, os

autores procuram mostrar as deficiências e desafios educacionais dos países em causa para

tentar dar conta das exigências advindas de uma economia em crescimento. Dizia, por

exemplo, Renault (1961), referindo-se à América Latina, “o processo de industrialização não

tem sido acompanhado, até hoje, por um esforço paralelo no sentido da criação de uma base

sólida ou de uma infra-estrutura educacional e, por intermédio dela, de fortes elementos de

execução, sem os quais tudo quanto se empreenda acima do ensino elementar será mais ou

menos inútil” (p. 68). Mas ele também sabia que não era fácil superar este desfasamento e

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suportar os custos de um esforço à medida das necessidades. Assim sendo, ele propõe que se

apoie mais o investimento em educação, nomeadamente, que se avance com a criação de um

fundo internacional de empréstimo, que se dê prioridade a empréstimos aos países em

processo de desenvolvimento e que se criem órgãos financiadores regionais.

Tratando do caso específico do Brasil, Abreu, em 1962, indica a necessidade de se

quadruplicar o dispêndio em educação, para se poder estender a escolaridade a toda a

população, até, pelos menos, ao início da década de setenta, de acordo com indicações de uma

conferência promovida pela UNESCO, em Santiago, no Chile. Mais uma vez, a tarefa é

olhada como extremamente dificultosa. Ela não parece mesmo viável equacionada fora dum

modelo que articule a educação com o desenvolvimento da economia. Como expressivamente

Abreu escrevia: “à luz de uma visão abrangedora, integrada desse processo social global, não

atinamos, em verdade, com outra solução para o cumprimento pelo Brasil do programa de

escolarização primária universal, de seis anos, até 1970, fora de um processo de reforma

estrutural da economia brasileira” (p. 39). Todavia, como quase sempre, o que mais acabava

por se entender como viável para atender ao déficit educacional no espaço latino-americano,

em face dos constrangimentos existentes, era recomendar um maior esforço dos países e

apelar para a cooperação internacional.

Nesta perspectiva, a comparação na análise do ensino latino-americano busca

prioritariamente perceber as deficiências, mediante o recurso a estatísticas e à descrição

organizacional e definir formas de investimento e de políticas necessárias à superação da

situação. Estamos num momento em que a educação comparada tem um caráter de “pesquisa

aplicada” e com isso espera-se que ela suporte recomendações ajustadas às condições

económicas e que sirva para dar consistência técnica às reformas do sistema educativo.

Conclusão

A educação comparada é, obviamente, conhecida e reconhecida na Revista

Brasileira de Estudos Pedagógicos e tudo indica que a publicação acolhe textos que

representam a tendência dominante naquele período. É verdade que são poucos os artigos que

pensam sobre a educação comparada e isso pode significar fragilidade conceitual, tanto mais

que nenhum dos identificados é de autor brasileiro. De qualquer modo, esses textos aparecem

na RBEP, vêm de importantes nomes neste domínio e, de algum modo, representam o

percurso da educação comparada entre o antes e o pós Segunda Guerra Mundial. O número de

textos de autores brasileiros que se debruçam especificamente sobre os sistemas educativos

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estrangeiros também pode ser interpretado como pouca projeção do domínio aqui em causa.

Eles são, obviamente, pouco significativos em número e recaem sobre um pequeníssimo

número de países. A França e a Inglaterra merecem destaque nos trabalhos publicados por

brasileiros, tanto porque são os países desenvolvidos visitados como são também aqueles que

parecem orientar as reformas no ensino brasileiro, nas primeiras décadas da segunda metade

do século XX. Bem mais significativos do reconhecimento da educação comparada são os

artigos sobre os sistemas educativos estrangeiros redigidos por autores de outros países.

Quase duas dezenas de textos apresentam descrições ou informações que remetiam os leitores

brasileiros da revista para outros sistemas de ensino, quase sempre os EU, e isso não podia

deixar de causar uma reflexão sobre a organização da oferta escolar no Brasil. Vendo bem,

muitos dos artigos de autores brasileiros que versavam sobre o sistema educativo do próprio

país dialogam de, algum modo, com dados de outros países, designadamente com os

referentes aos mais desenvolvidos. Isso significa que os estudos do âmbito da educação

comparada suscitavam interesse a vários estudiosos do sistema educativo brasileiro e que

eram mobilizados para a reflexão sobre o mesmo.

Na sua generalidade, os textos analisados revelam que a educação comparada estava

orientada por preocupações que se relacionavam com as reformas dos sistemas educativos e

com a articulação educação desenvolvimento econômico. Atendendo a aspectos mais

específicos, podemos ver que se acentuava muito o problema da expansão da escolaridade

obrigatória e a necessidade de se repensar a organização do ensino secundário, tanto no

sentido de ele poder contemplar um alargamento do público escolar quanto o de ele poder

responder melhor ao desenvolvimento econômico e técnico que se sentia como bastante

evidente naquele período. Associado a estes aspectos estava a causa da igualdade de

oportunidades, grande bandeira das reformas educacionais neste início da segunda metade do

século XX. No entanto, a forma como estava a ser institucionalizada foi alvo de críticas, aqui

expressas de forma mais explícita pelo comparatista norte americano Kandel, que receavam

que uma educação única conduzisse a um ensino pouco consentâneo com a formação de uma

elite de especialistas e, desse modo, prejudicar o tão requerido desenvolvimento. Não foi,

todavia, esse receio que condicionou a organização dos sistemas educativos desse tempo e

outros autores, como Lauwreys, que acusou o antigo sistema inglês de não só refletir a

estrutura de classes como a perpetuar a estratificação social, corporizaram a tendência

prevalecente. Contudo, tudo isto não se mostrava fácil de concretizar nos países em

desenvolvimento, designadamente na América Latina. Por isso, alguns autores acentuaram,

nos artigos publicados na RBEP, quer a necessidade de se fazer reformas nos sistemas

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educativos que levassem em consideração os ditames do desenvolvimento econômico dos

diferentes países, o que devia ser feito através de um cuidadoso planejamento, quer a

necessidade de cooperação internacional, tendo em vista apoiar técnica e financeiramente o

esforço dos países em desenvolvimento. Em face deste panorama dos textos analisados, não

há dúvida sobre o caráter pragmático da educação comparada que perpassa pela Revista

Brasileira de Estudos Pedagógicos.

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