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ELIZABETE MIQUELIN COSTA A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A IMPRENSA PARANAENSE NO FINAL DO SÉCULO XIX CURITIBA 2000

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ELIZABETE MIQUELIN COSTA

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A IMPRENSA PARANAENSE NO FINAL DO SÉCULO XIX

CURITIBA 2000

ELIZABETE MIQUELIN COSTA

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A IMPRENSA PARANAENSE NO FINAL DO SÉCULO XIX

Monografia de conclusão de curso

apresentada ao Departamento de História

do Departamento de Ciências Humanas

Letras e Artes da Universidade Federal

do Paraná.

Orientadora: Profª Judite Trindade.

CURITIBA 2000

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................

2 IMPRENSA PARANAENSE ...................................................................

2.1 O DEZENOVE DE DEZEMBRO ..................................................

2.2 GAZETA PARANAENSE .............................................................

2.3 PROVÍNCIA DO PARANÁ ...........................................................

3 A ABOLIÇÃO E LIBERDADES GERAIS ............................................

3.1 A LEI DOS SEXAGENÁRIOS ......................................................

3.2 ALFORRIAS ...................................................................................

4 ABOLICIONISMO E IMIGRANTISMO NA PROVÍNCIA

PARANAENSE .............................................................................................

4.1 IMIGRANTISMO ...........................................................................

5 CONCLUSÃO ...........................................................................................

6 FONTES ....................................................................................................

6.1 PERIÓDICOS .................................................................................

6.2 RELATÓRIOS DE PRESIDENTE DE PROVÍNCIA....................

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................

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2

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem o propósito de analisar a conjuntura abolicionista no

Paraná, utilizando-se da imprensa paranaense do final do século XIX, que

desempenhou uma função proeminente ao registrar a trajetória desse processo,

constituindo-se em fonte principal desse trabalho.

É sabido que a imprensa como fonte tem sido amplamente utilizada entre os

historiadores. Assim, optei não somente em fazer uma revisão crítica da vasta bibliografia

disponível, mas, sobretudo em explorar o tema através dos anúncios dos jornais.

Foi a partir de fins da década de setenta e início dos anos oitenta, período

privilegiado de desestruturação do trabalho escravo, no qual o movimento

abolicionista ganha mais força, criando inclusive clubes abolicionistas cujas idéias

enfatizam um maior engajamento à sua causa. Na década de setenta, os abolicionistas

começaram a se destacar na Câmara dos Deputados do Império, passando a atuar

com mais liberdade, inclusive institucional, para lutar por seus ideais. A partir daí

delimitei o recorte temporal, que se estende de 1870 a 1888.

Observa-se pelos trabalhos já realizados sobre este tema, no Paraná, como no

de Márcia Graf, que entre esse período - 1870 a 1888-, circulavam na Província

paranaense mais de cem periódicos1. No início o objetivo da pesquisa era o de

trabalhar com toda a imprensa do Paraná. Todavia, do decorrer da pesquisa

percebeu-se a dificuldade do trabalho com este tipo de fonte, já que estas se

encontram em microfilmes, sendo que alguns se encontram em péssimo estado de

conservação, alguns contendo falhas, o que dificulta a compilação dos dados. Diante

3

das dificuldades, tive que optar pela utilização de três periódicos: "Dezenove de

Dezembro", "Gazeta Paranaense" e o "Província do Paraná". A escolha desses jornais

deve-se ao fato que, verificada as possibilidades, ambos mantiveram suas

publicações durante quase todo o período estudado, enquanto que muitos dos outros

periódicos existentes tiveram duração efêmera.

A proposta de em estudo sobre a Abolição requereu a verificação sobre

determinadas questões que nortearam o processo abolicionista, tais como: as leis que aos

poucos libertavam os escravos, em que propunham a liberdade gradual, como a lei

promulgada em 1871, isto é, a Lei do Ventre Livre, e a outra sancionada em 1885 e que

ficou conhecida como Lei dos Sexagenários; a libertação por particulares, ou seja, as

cartas de alforrias concedidas; e por fim, o movimento abolicionista no contexto da

década de oitenta, com o anseio pelo fim do regime escravocrata de forma pacífica e

com propostas de disciplinar o escravo para a liberdade. Acrescentando ainda o

otimismo gerado em virtude da imigração européia, acreditando que o elemento servil

era um retrocesso frente à necessidade de modernização do país. Cumpre ainda uma

breve verificação de tais efeitos após a abolição.

Num primeiro momento com vistas à efetivação da pesquisa, foi realizado

uma breve caracterização dos jornais escolhidos como fontes. Após, através de

bibliografia inerente ao assunto e das fontes citadas, foi verificado a questão da

Abolição e das leis promulgadas para tanto, e ainda como alguns escravos

conseguiram liberdade antes da lei de 1888, ou seja, por meio de cartas de alforrias.

1GRAF, Márcia. Imprensa periódica e escravidão no Paraná. São Paulo: Tese de doutorado. Universidade de São Paulo - USP, 1981.

4

Quanto a bibliografia utilizada neste momento da pesquisa, utilizei

basicamente ao estudo de Márcia Graf, sobre a escravidão no Paraná tradicional. O

trabalho de Emília Viotti nos forneceu o referencial teórico de suma importância, a

medida que esta investigou toda a trajetória do movimento abolicionista. Também

utilizei trabalhos consagrados, como o de Maria Lúcia Lamonier, que investigou as

leis que gradualmente libertavam os escravos, fixando sua preocupação em torno da

Constituição e organização do trabalho livre no Brasil. Cabe ainda referenciar o

trabalho de Lilia Moritz Schwarcz que centrou seu tema na imagem dos negros

expressa na imprensa paulistana do final do século XIX.

Uma terceira etapa dessa pesquisa procurou verificar o contexto do

movimento abolicionista no Paraná e todo o seu desenrolar. Assim, como em todo o

país, o Paraná, a partir de 1880, reconhece a necessidade de por fim à escravidão.

Nesse momento surgem as sociedades abolicionistas que, apesar de não serem

numerosas, foram bastante atuantes, como podemos observar nas fontes trabalhadas.

Este aspecto da pesquisa teve por finalidade verificar a visão da imprensa sobre a

atuação do movimento abolicionista paranaense, e também as posturas das

autoridades do Paraná tradicional, que acreditavam que a solução para a 'desordem',

após a abolição, seria a troca do trabalho escravo pelo trabalho do imigrante europeu,

estes com costumes 'morigerados'. Assim, procurou-se analisar as posturas de

repressão às manifestações do escravo e de vigilância no âmbito social, não só do

elemento servil, como também dos libertos, vistos pelas autoridades como "vadios e

ociosos", e que acreditavam que a única solução para o controle social e progresso da

Província, seria a substituição do trabalho escravo pelo dos imigrantes.

5

Na elaboração desta parte da pesquisa foram utilizadas obras de referência ao

conteúdo, como o estudo de Eduardo Spiller Pena, que investigou a experiência da

convivência entre escravos, imigrantes e libertos nas ruas curitibanas2. É neste

contexto que destaca-se o estudo de Magnus Roberto de Mello Pereira, que

pesquisou o ordenamento jurídico e econômico da sociedade paranaense entre 1829 e

1889, o que nos permitiu entender melhor as posturas das autoridades sobre o

elemento servil3.

O período estudado foi marcado por profundas transformações, que refletiram

diretamente na dinâmica da sociedade paranaense. Contudo, a historiografia tende a

abordar o processo histórico da abolição da escravatura, se contrapondo ao horror do

trabalho escravo, todavia, a liberdade surgiu de diferentes modos, inclusive sendo

diferenciada entre as regiões. Sendo assim, buscamos desvendar as particularidades

desse contexto na Província do Paraná.

Por fim, é fundamental alertar o leitor que a ortografia das fontes foram

atualizadas, sendo mantido somente o nome dos periódicos.

2PENA, Eduardo S. Escravos, libertos e imigrantes; fragmentos da transição em Curitiba na segunda metade do século XIX. História Questões & Debates, 1988. 3PEREIRA, Magnus. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da sociedade paranaense; 1829-1889. Curitiba: Editora da UFPR, 1996.

6

2 IMPRENSA PARANAENSE

A imprensa surge no Brasil com a vinda da Corte Portuguesa no ano de 1808,

com a criação da Imprensa Régia por D. João VI. Logo, o primeiro periódico feito no

Brasil, era, antes de tudo, um órgão oficial4.

Num contexto mais amplo, tomamos como referencial teórico, Nelson Werneck

Sodré, que descreve toda a história da imprensa brasileira e com isso os fatos mais

divulgados nos momentos marcantes da história. Seu estudo compreende momentos da

superação dos jornais. Segundo Sodré “a imprensa perderá com o tempo essa

exclusividade em termos de veículo de comunicação, mas ganhará novas características,

o jornal se transformará em empresa capitalista de maior ou menor porte” 5.

A imprensa como fonte histórica tem sido amplamente utilizada entre os

historiadores. E para o estudo da Abolição no Paraná, constitui-se em fonte principal,

visto que, salvo os órgãos oficiais, é difícil encontrar uma documentação tão

completa, pois, esta registrou toda a trajetória desse movimento, e a transformação da

sociedade paranaense na conjuntura de transição do trabalho escravo para o trabalho

livre. Assim, contribui sobremaneira para a análise objetiva de como fora praticada a

Abolição na Região do Paraná, de como conseguir liberdades antes de ser sancionada

a lei de 1888, e como desenvolveu-se a ideologia abolicionista.

Márcia Graf, concluiu, em seus estudos sobre escravidão no Paraná tradicional,

que entre 1871 e 1888, circulavam na Província do Paraná mais de cem periódicos6.

Contudo, neste trabalho, só foi possível a utilização de três periódicos: O Dezenove de

4SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1987. p.55.

7

Dezembro, 1854; Gazeta Paranaense, 1882; e Província do Paraná, 1876. A escolha

desses três periódicos deve-se ao fato que estes fornecem variadas informações sobre a

escravidão no Paraná e o desenvolvimento da ideologia emancipacionista e abolicionista,

além de manterem sua publicação durante todo o período estudado.

Ao trabalhar com as fontes, chama-se a atenção à semelhança entre elas, seja

na composição gráfica, ou no formato, como também na distribuição das notícias,

que se encontram misturadas, podendo encontrar lado a lado anúncios sobre os

produtos da época, como as “pílulas milagrosas”, e dos chapéus, bem como relatórios

oficiais do governo da Província, notas de venda e compra de escravos, suas fugas, e

sem o menor destaque notícias internacionais.

Porém, se aparentemente são muitos semelhantes, no aspecto político são

bastante divergentes, deixando claro suas tendências. O Dezenove de Dezembro

como órgão do Partido Liberal e o Gazeta Paranaense como órgão do Partido

Conservador. Esses jornais afirmavam-se defensores de seus partidos, marcando sua

especificidade, como será caracterizado a seguir.

5 SODRÉ, Nelson W. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 300 6GRAF, Márcia. Op. cit., p. 13.

8

2.1 O DEZENOVE DE DEZEMBRO

Dezenove de Dezembro apareceu pela primeira vez em 1o de abril de 1854,

sendo instalado à Rua da Flores, nº 13. Era de propriedade de Cândido Martins

Lopes, que recebeu todo apoio do presidente da Província recém instalada, 1853,

Zacarias de Góes e Vasconcelos. De início era publicado com uma edição semanal,

aos sábados, sendo que a assinatura era de 8$000 réis, e seu proprietário recebia

subvenção do governo para divulgar atos oficiais. Na primeira edição do jornal,

Cândido Lopes traçou o perfil do periódico, afirmando que

“seus objetivos eram o de informar o público dos procedimentos do Governo da Província, divulgando os atos oficiais e também os de apontar e discutir as medidas que fossem mais adequadas para o progresso da Província, para o que aceitava a colaboração de quem estivesse em condições de prestá-la, abstendo-se completamente de questões políticas”7.

Segundo Osvaldo Pilotto, no ano de 1861 o Dr. José Francisco Cardoso, então

presidente da Província paranaense, fora combatido tanto pelo Partido Conservador,

quanto pelo Partido Liberal, e quis utilizar-se do Dezenove de Dezembro para

justificar seus atos, apoiando-se no contrato e na subvenção oficial, mas como não

foi atendido, suspendeu a subvenção e criou o Correio Oficial para substituí-lo na

tarefa de divulgar os atos oficiais8. Assim, o periódico ficou suspenso até maio de

1861, reiniciando sua circulação em 1862. Na década de setenta aprimorou seu

formato, mantendo este até sua extinção.

7 DEZENOVE DE DEZEMBRO. V. 1, 1º abril de 1854, p. 2 8PILOTTO, Osvaldo. Notícias sobre a imprensa no Paraná. Bol. Inf. da Fund. Cult. de Ctba, 1º abril 1975.

9

Em 27 de dezembro de 1871, faleceu Cândido Lopes, deixando a empresa sob

a responsabilidade de sua esposa, Gertrudes da Silva Lopes, que continuou o

empreendimento sendo auxiliada pelo tipógrafo João Luis Pereira, que assumiu a

função de editor até que o filho do casal Lopes assumiu a direção do jornal9.

No ano de 1871, quando o Dezenove de Dezembro já tinha modificado seu

formato passou a ser publicado duas vezes por semana, nas quartas e sábados. Em

janeiro de 1884 tornou-se o primeiro jornal diário da Província, e continuou

afirmando que manteria “neutralidade política na sua redação e colaboração,

liberdade nos a pedidos , menos se forem injuriosos ou acusarem o governo,

enquanto houver contrato com este para a publicação de seus atos e obriguem o

jornal àquela restrição”10. Contudo, em 5 de setembro de 1885, fundiu-se com o

Jornal Província do Paraná, transformando-se em órgão oficial do Partido.

A história deste jornal durou 36 anos, de 1854 a 1890, quando em 9 de abril publicou

um decreto de 29 de março que determinava à imprensa obediência ao Decreto n. 83 de 23 de

dezembro de 1889, que limitava a liberdade das publicações. “A vista desse decreto, o

Dezenove de Dezembro suspende sua publicação até que se restabeleça a plena liberdade de

imprensa”11. Nesse sentido, o jornal que marcou sua especificidade por ser o único que

manteve sua publicação durante todo o período provincial do Paraná, sai de circulação.

Quanto à questão da Abolição da Escravatura, este periódico, enquanto veículo

noticioso, é de extrema importância pois, podemos acompanhar através de suas colunas, toda a

trajetória desse momento de transformações da sociedade rumo a uma nova forma de trabalho.

9 PILOTTO, op.cit., p. 13 10DEZ. DEZ. 1º janeiro de 1884, p. 1. 11IBID. 9 de abril, 1890, p. 1.

10

2.2 GAZETA PARANAENSE

O segundo jornal que optamos em utilizar como fonte, é a Gazeta Paranaense,

que foi continuadora do 25 de Março e d’O Paranaense12. É importante destacar que

este periódico era órgão do Partido Conservador, constituindo-se em um jornal

político partidário, permitindo que se faça uma análise da libertação dos escravos

através deste viés, além de fornecer em suas colunas variadas informações sobre o

processo de Abolição no Paraná.

A Gazeta Paranaense surgiu em 25 de fevereiro de 1882, sendo continuadora

d’O Paranaense, como declarou explicitamente no seu primeiro número

“Consultando conveniência real do Partido Conservador, resolvemos deixar de

publicar O Paranaense, apresentando em seu lugar aos nossos correligionários de

toda a Província a Gazeta Paranaense”13. Assim, começou a ser editado duas vezes

por semana, às quartas-feiras e aos sábados, sendo que em 1883 tornou-se semanário,

e em 22 de setembro de 1885 passou a ser diário, com exceção das segundas-feiras.

Segundo Osvaldo Pilotto, a coleção mais completa da Gazeta Paranaense, faz

parte do Museu Paranaense, sendo o último número do periódico de 27 de junho de

1889, quando foi substituído pelo jornal A Tribuna, que começou a ser editada em 13

de julho de 188914.

12GRAF. op.cit., p. 25. 13GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 25 março 1882, p. 1. 14PILOTTO, O. Cem anos da imprensa paranaense. Curitiba, 1976, p. 13.

11

2.3 PROVÍNCIA DO PARANÁ

O periódico Província do Paraná começou a ser editado em primeiro de

janeiro de 1876. Em seu primeiro número declarava o propósito de seu programa:

“Trabalhamos para fortalecer a liberdade do pensamento, a liberdade da imprensa, a

tolerância religiosa, e bem assim para que sejam iguais os direitos de todos os

homens, qualquer que seja a nacionalidade deles sua cor ou ou sua religião”15. Nota-

se que este jornal era liberal, tendo como proprietário editor, José Ferreira Pinheiro.

No início, sua publicação foi semanal, e mais tarde, em 1879, passou a ser bi-

semanal. Não há precisão de até quando foi editado, mas observa-se que em 5 de

setembro de 1885, o Dezenove de Dezembro anunciou a fusão com o Província do

Paraná, sendo que, a partir desta data há um único periódico editado a treze de agosto

de 1885, que indica ser o último.

Logo, é importante salientar que estes três periódicos constituem-se em fonte

principal da pesquisa, e que sua utilização deu-se da seguinte forma: o primeiro

procedimento foi a leitura dos jornais, que se encontram microfilmados no arquivo

da Biblioteca Pública do Paraná. Num segundo momento foi realizado a coleta de

informações em ficha desenvolvida para este fim. Posteriormente foram selecionadas

de forma a facilitar o manuseio e a reconstrução dos registros da imprensa no

processo abolicionista na Província do Paraná, e que subsidia a presente monografia.

15PROVINCIA DO PARANÁ. Curitiba, 1º janeiro 1876, p. 1.

12

3 A ABOLIÇÃO E LIBERDADES GERAIS

A abolição constituiu um problema de difícil solução pois, se de um lado era

necessária para a modernização do país, de outro perturbaria a economia pública, visto que

esta era quase toda mantida pela mão-de-obra escrava. Mas, a escravidão desde o século

XVIII, já era criticada pelo pensamento revolucionário que na época, segundo Emilia Viotti,

“passou a criticar a escravidão em nome da moral, da religião e da racionalidade econômica. Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão; o trabalho escravo menos produtivo do que o livre, e a escravidão uma instituição corruptora da moral e dos bons costumes”16.

Todavia, apesar das muitas críticas a esse regime, a principio a abolição deveria

ser lenta e gradual, sendo realizada através de leis sucessivas, mesmo porque para a elite

da época o trabalho escravo era imprescindível. Contudo, a partir de 1870, a luta em

favor da abolição toma novo impulso. O movimento tendeu a fortalecer-se e a abolição

era vista como inevitável, pois as relações escravistas já não se sustentavam, sendo

necessário mudanças, rumo a um novo contexto de relações de trabalho.

Um dos passos para promover a abolição gradual, foi a Lei do Ventre Livre

sancionada em 28 de setembro de 1871. Esta lei declarava livre os filhos nascidos da mulher

escrava a partir daquela data, isto permitiu que, pela primeira vez, o governo interviesse nas

relações entre senhores e escravos com o intuito de organizar as relações de trabalho.

Proporcionou um incentivo para os abolicionistas e a intensificação da propaganda

emancipacionista com maior engajamento político para o problema da escravidão. Nas

palavras de Emilia Viotti pode-se notar que para os senhores de escravos esta lei significou

16COSTA, Emilia Viotti. A abolição. São Paulo, ed. Global, 1982, p. 18.

13

“uma intromissão indébita do governo na atividade privada. Argumentavam que o projeto

ameaçava o direito de propriedade garantido pela Constituição”17. Para Maria Lúcia

Lamonen, a aprovação desta lei visava a seguinte resolução:

“as disposições aprovadas em setembro de 1871, e os decretos que as seguiram marcaram não só a data e a maneira pela qual se faria a extinção da escravatura no país, mas simultaneamente, apontaram os moldes de organização e controle de um mercado livre de trabalho”18.

A Lei do Ventre Livre acabou por consagrar em seu artigo 3o o Fundo de

Emancipação, ou seja, foi criado um órgão para libertar anualmente em todas as

províncias do Império, tantos escravos quanto correspondesse a quota anual

disponível no Fundo.19 Além disso o Fundo facultava a possibilidade da formação de

um pecúlio para o escravo, e determinava a obrigatoriedade da realização de

matrícula especial de todos os escravos a serem libertados nas províncias, isto dentro

das conformidades estabelecidas por essa medida. Márcia Graf demonstra em seus

estudos como foram estabelecidas as prioridades do Fundo de Emancipação:

“Para a libertação pelo Fundo de Emancipação dava-se prioridade às famílias sobre os indivíduos e em relação as unidades familiares libertavam-se preferentemente: - os cônjuges que fossem escravos de diferentes senhores; - os cônjuges que tivessem filhos nascidos livres em virtude da lei e menores de 8 anos;- os cônjuges que tivessem filhos menores de 21 anos; - os cônjuges com filhos menores escravos; - as mães com filhos menores escravos; - os cônjuges sem filhos menores. Na libertação de indivíduos, a seqüência prioritária seria: - a mãe ou pai com filhos livres; - os de 12 a 50 anos de idade começando pelos mais moços do sexo feminino e pelos mais velhos do sexo masculino”20.

17COSTA, Ibid., p. 46. 18LAMONIER, Maria L. Da escravidão ao trabalho livre: a lei de locação de serviços - 1879. Campinas: Papirus, 1988. p. 110. 19GRAF. op.cit., p. 154. 20GRAF, Ibid, p. 60.

14

Entre esses teriam ainda prioridade os que contribuíssem com certa quota

para sua libertação, e também os mais morigerados, a juízo dos proprietários.

Para a classificação dos escravos a serem libertos pelo Fundo de

Emancipação foi criada uma Junta de Classificação composta por um coletor,

presidente da Câmara, e pelo promotor público. É interessante notar que esse projeto

foi apresentado por um Ministério Conservador e foi votado tanto por conservadores

- alguns votaram contra -, quanto por liberais, ou seja, mesmo sendo da oposição

votaram a favor, o que significava serem a favor da emancipação gradual.

Observa-se, no entanto, que para a execução da referida lei o governo

mandava que matriculasse todos os escravos. Porém, por falta de organização das

juntas, pelos poucos recursos do Fundo, pela omissão e pouco interesse por parte dos

proprietários de escravos, o regulamento teve que ser alterado em 1876, e estabelecia

que seriam libertados somente os escravos que a quota destinada a cada município

permitisse. Em 1885 houve outra determinação por parte do governo para que

realizassem novas matrícula de escravos.

Contudo, apesar da agitação em torno do projeto, este revelou-se de início

ineficaz. Não somente na Província de São Paulo e outras, na verdade ocorreram

muitas irregularidades nas matrículas, os proprietários demoravam para registrar seus

escravos e as juntas contavam com número reduzido de pessoas, chegando mesmo a

não existir em algumas regiões promotores públicos e coletores destinados a essas

funções. Além disso faltava também livros para a classificação dos escravos a serem

libertos, tanto que foram substituídos por folha comum.

A aplicação do Fundo de Emancipação no Paraná, segundo edital publicado

no Dezenove de Dezembro, determinava que “os trabalhos deveriam ter início na

15

primeira dominga do mês de abril de 1873”21, mas até o começo de 1875 haviam

dificuldades em vários municípios paranaenses em executar a classificação dos

escravos. Neste ano o Dezenove de Dezembro publicou a seguinte circular:

“Circular aos presidentes das camara municipais exigindo com urgência os seguintes esclarecimentos: 1o - se funçionou no municipio a junta de classificação de escravos, expondo, em caso contrário, os motivos que concorreram para que não se instalasse ou prosseguissem os respectivos trabalhos. 2O Qual o numero de escravos classificados no municipio em 1873 e 1874. 3o Qual o procedimeto que têm tido os senhores e as autoridades em relação às juntas classificadoras no que entende com as condições peculiares dos escravos.”22

Tal era a desorganização na instalação e funcionamento das Juntas, que em

dois de junho de 1875, o Dezenove de Dezembro publicou nova circular do governo:

“Para que o governo imperial possa promover a libertação dos escravos pelo Fundo de Emancipação, recomendo a VM. Que não deixe de reunir a junta classificadora deste municipio no tempo marcado pelo decreto n. 5135 de 13 de novembro de 1872 sendo proposito do governo dar começo à alforria dos escravos no ano proximo futuro pelos meios prescritos na lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871 e seus regulamentos, e aproximando-se a época em que as referidas juntas devem funcionar, urge esta presidência, contra os menbros recalcitrantes, das medidas coercivas estatuídas no artigo 26 do citado decreto - Idêntico aos presidentes das câmaras municipais de Antonina, Paranaguá, Morretes, Portode Cima, Lapa, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Guarapuava, Tibagi, Rio Negro e Guaratuba”23.

Muitos foram os anúncios publicados na imprensa paranaense para divulgar as

reuniões nas quais se daria a aplicação do Fundo de Emancipação, e para convocar os senhores

e seus respectivos escravos para realizarem o acordo da indenização que se pagaria. Em 29 de

abril de 1876, o Dezenove de Dezembro publicou um quadro demonstrando a distribuição da

primeira quota do Fundo de Emancipação destinado à Província do Paraná (ver anexo 1).

21DEZENOVE DE DEZEMBRO. Curitiba, 2 abril de 1873, p. 4. 22 DEZENOVE DE DEZEMBRO. Curitiba, 29 março 1875, p. 1.

16

Neste quadro podemos notar que a quota destinada ao Fundo era insuficiente

para libertar os escravos. Somente em 1880 foi destinada a segunda quota para o

Paraná. Conforme circular do Ministério dos Negócios da Agricultura, publicada em

19 de junho, o valor era de 33:181$857 réis24.

Observa-se nas fontes que, a partir de 1880, a distribuição da quota foi mais

regular. Em 1881, a 3a. quota foi de 16:590$92925, em 1882 de 24:000$00026, em

1883 de 14:400$00027, em 1884 foi de 12:000$00028, e em 1886 a sétima quota foi

de 10.000$00029. Como podemos observar, a partir de 1882 houve uma queda nos

valores destinados ao Fundo, isso porque a quota era destinada de acordo com o

número de escravos. Como já haviam sido libertados um certo número, essa quota

consequentemente era mais baixa. Porém, os recursos destinados eram quase sempre

insuficientes, como demonstra o Dezenove de Dezembro em março de 1881, sobre as

irregularidades em Rio Negro:

“Declaro a V. Ex. em solução à dúvida que, constando da referida ata que a junta deixara de proceder à classificação de conformidade com o art. 27 do regulamento de 14 de novembro de 1872 nos ser insuficiente a última quota distribuida, e tomara o alvitre de auxiliar com a mesma, reunida ao resto da distribuição de 1875, a libertação de dois escravos solteiros que tinham pecúlio.”30

23 IBID. 2 junho 1875. 24 IBID. 19 junho 1880, p. 1. 25 PROVINCIA DO PARANÁ, Curitiba, 28 fev 1882, p. 2 26 DEZENOVE, 24 fev. 1883. 1, p. 1. 27 IBID, 13 dez. 1883, p.3. 28 IBID, 12 out. 1883, p.1. 29 IBID, 16 abril 1886, p. 1. 30 IBID, 9 março 1881, p. 1.

17

Na Gazeta Paranaense, de 20 de outubro de 1884, podemos verificar a

ineficiência da aplicação do Fundo no Paraná. Até aquela data teria libertado apenas

214 escravos (ver anexo 2)31.

De maneira geral, podemos concluir que o projeto da Lei do Ventre Livre e a

aplicação do Fundo de Emancipação, não surtiram o efeito desejado pelos abolicionistas, tanto

assim que a pressão e os debates desses intensificou-se, e passaram a criticar a ineficiência da

lei procurando medidas mais drásticas que acabassem de vez com a escravidão.

3.1 A LEI DOS SEXAGENÁRIOS

Por ocasião da aprovação da Lei do Ventre Livre, ao que parece, tanto para o

Imperador, quanto para os ministros, a Abolição seria uma questão de tempo. Ora,

desse modo, entre 1871 e 1879 o governo e o parlamento não deram a devida atenção

ao problema da escravidão. Porém, no final da década de setenta e início dos anos

oitenta o ‘movimento abolicionista’ ganha novo ímpeto.

Sem dúvida, o início dos anos oitenta foi o momento privilegiado para o

encaminhamento da Abolição. Esse momento foi marcado pela euforia dos abolicionistas

e pela agitação popular. Podemos vislumbrar esse período nas palavras de Emilia Viotti:

“Pessoas levando cartazes em favor da emancipação dos escravos desfilavam pelas ruas das capitais e outros centros urbanos, nas várias províncias. Por toda parte, faziam-se coletas em prol da campanha e promoviam-se comícios e conferências. Alguns chegavam mesmo a incitar escravos à violência e à rebeldia. Improvisavam-se panfletos apregoando que a escravidão era um crime e a propriedade do escravo, um roubo.”32

31 GAZETA, 2 out. 1887, p. 2. 32 VIOTTI, op.cit. , p. 63.

18

A agitação parecia incontrolável e crescente, o que levou o Imperador a

manifestar-se em 1884, quando chamou para compor um novo ministério o senador

Manoel Pinto de Souza Dantas, que assumiu em 6 de junho do mesmo ano33. Mesmo

não sendo totalmente favorável às idéias abolicionistas, Dantas comprometeu-se com

o monarca em encaminhar a questão ao parlamento.

Foi no interior desse clima de tensão que o Projeto Dantas foi apresentado à

Câmara. Esse projeto concedia liberdade às pessoas com mais de sessenta anos, no

entanto, deveriam trabalhar por mais três anos. Na realidade, as pessoas que

conseguiram atingir essa idade já estavam doentes e inválidas para o trabalho. Apesar

de agradar os abolicionistas, gerou reações por parte dos proprietários. Segundo

Márcia Graf, era estabelecida

“uma conciliação entre os princípios escravocratas e abolicionistas, pois, se por um lado concedia aos sexagenários liberdade sem indenização, negando assim o direito de propriedade sobre o escravo, por outro lado conservava o direito de indenização para a libertação dos escravos menores de 60 anos e não fixava qualquer prazo para extinção da escravidão”34

Em face dos debates parlamentares sobre o projeto de Emancipação dos

Sexagenários houve uma mobilização da opinião pública. A imprensa paranaense

mostrou-se favorável ao já citado projeto, como podemos verificar no artigo

publicado pelo capitão Floriano de Castro Lavor:

33GRAF. op.cit., p. 73. 34IBID. p. 73.

19

“Projeto Dantas Este projeto é anárquuico e desumano, dizem-no as duas espécies de escravocratas: de convição e de conveniência. Tanto uns como outros fazem propaganda da negra idéia da escravidão. Os primeiros fazem-no levados por um sentimento mais ou menos justificável, isto é, supõem que libertados de chofre, os escravos de 60 anos, a agricultura perece, senão no todo ao menos em parte; cometem um erro gravissimo, proveniente de uma reflexão má. Os segundos fazem-no pelo resultado bom que lhes possa adivir daí moral ou pecuniário; trabalham pela propaganda da escravidão, não convictos de que praticam um bem à Nação, mas para si ou para outrem. Ambos são criminosos: - um pode ser perdoado, foi levado por má reflexão; o outro, deve ser condenado, - foi levado pelo baixo egoísmo. O grande tribunal que preside os nossos atos, a - consciência - é inexorável, não se dobra a rogos; não cede à compaixão. Onde a anarquia e desumanidade do projeto? Por ventura a sociedade se desorganiza, se desmembra com a lei que determina a libertação de um pobre negro que tem 60 anos de idade e que talvez tivesse sido cativo desde o dia em que deu o primeiro vagido? O trabalho enfraquecerá; a agricultura deixará de florir e a indústria se nulificará por efeito de uma lei que transforma o braço escravo em livre? Eles se transformarão em mendigos - pelas ruas; em salteadores - pelas estradas? Segundo a expressão do projeto, eles, os libertados, não continuam do mesmo modo que dantes, a servirem aos ex-senhores com a diferença porém de serem livres? O escravo que se liberta por efeito de uma lei e que serviu com um mesmo senhor, dez, vinte, trinta anos, quer por acaso mais se retirar da casa onde muitas vezes tem afeições? Os escravos que atualmente existem com 60 anos de idade, no Paraná, ou são resultado de alguma herança, ou foram “comprados” há muito tempo, de maneiras que, o capital empregado (aquele que foi empregado) esta salvo desde há muito; por consequência o projeto não prejudica a ninguém. Portanto, se ele não dá prejuízo, por que razão se refuta uma lei que nos engrandece aos olhos do mundo civilizado. Aconselho aos senhores que têm escravos maiores de 60 anos ou aqueles que os têm proximos de completá-los que libertem, o mais breve possível, os seus escravos, obrigando-se eles a prestarem por meio de um contrato moderado, algum serviço compatível com suas forças. Dou-vos este conselho para previnirdes aquilo que pretendais chamar: males futuros. Que o Projeto - Dantas - tem de ser lei, me parece, que não resta a menor dúvida; por isso, julgo muito acertado que sigais o meu conselho. Quando em 1871 se discutia a Lei do Ventre Livre; que se dizia que ela era um atentado à propriedade e um crime escandaloso que ia praticar no lar doméstico, houve quem (os que contradizem o Projeto Dantas) pedisse instantaneamente que em vez de se votar uma lei libertando aqueles que ainda tinham de nascer, votasse-se uma lei mais justa e caridosa - a que quebrasse os grilhões ao velho - que suavizasse a velhice com um pouco de descanso, ou do menos com a doce e harmonioso som da palavra liberdade”35.

35DEZENOVE DE DEZEMBRO, 7 nov. 1884, p. 2.

20

O Projeto Dantas, foi apresentado por um gabinete Liberal, mas alguns

deputados desse partido mostraram-se opostos e juntamente com deputados

conservadores votaram contra. Com a oposição da Câmara, o Imperador acatou ao

pedido de Dantas (...) e convocou novas eleições.

Mesmo com a realização da eleição, os debates parlamentares, tornaram-se

cada vez mais freqüentes sobre a aceitação do já referido Projeto. A situação de

Dantas era visivelmente difícil. Mais uma vez pediu ao imperador para que

dissolvesse a Câmara, este não concordou com o pedido; portanto, sem o apoio da

Câmara e do Imperador, Dantas retirou-se.

Apesar do Projeto Dantas não conseguir manter-se, abriu caminho para o Projeto

Saraiva que foi reformulado pelo baiano Barão de Cotegipe, um político conservador, que

conseguiu a aprovação do projeto e foi transformado em lei no ano de 1885. Esta ficou

conhecida como a Lei Saraiva - Cotegipe ou Lei dos Sexagenários.

A lei de 28 de setembro de 1885, que determinava nova realização de

matrícula geral dos escravos, e como deveria ser formado o Fundo de Emancipação,

preocupava o governo da província, no sentido de fazer cumprir as determinações

decretadas por esta. Todavia, a imprensa paranaense, em 27 de fevereiro de 1886, já

criticava o modo como a lei estava sendo aplicada na Província do Paraná:

“Enquanto na Província de São Paulo, que dizem ser escravocrata, há muitos estão

libertados centenas de escravos, em virtude da nova lei, entre nós, província

abolicionista, após cinco meses da promulgação da lei, não há um só escravo que

esteja, em virtude dela, no gozo da liberdade”36.

36IBID. 27 fev. 1886, p. 1.

21

A imprensa paranaense publicou, durante todo o ano de 1886, as circulares

solicitadas pelo Presidente da Província, referentes a convocação dos senhores de

escravos para apresentarem seus escravos para serem libertados, como também as

multas àqueles que não cumprissem as determinações da nova lei, conforme pode-se

verificar no auto de declaração de liberdade aos sexagenários de Ponta Grossa:

“Aos oito dias do mês de maio de mil oitocentos e seis, nesta cidade de Ponta Grossa, termo da comarca do mesmo nome Província do Paraná, em casa da camara onde foi vindo o doutor Casimiro dos Reis Gomes e Silva, juiz de orfão deste termo, comigo escrivão de seu cargo adiante nomeado, sendo aí as dez horas da manhã deu ele juiz audiência depois de ser a mesma anunciada ao toque da campainha pelo oficial de justiça Joaquim José dos Santos e nela compareceu Ernesto Guimarães Vilela, e disse que tendo sido intimado o seu tio o capitão Joaquim Gonçalves Guimarães para comparecer na presente audiência acompanhado da escrava de nome Rosa, preta com sessenta e cinco anos de idade, a qual já se acha liberta como prova a carta de liberdade condicional que apresenta. O que ouvido pelo juiz declarou livre para todos os efeitos de conformidade com o Regulamento de quatorze de novembro de mil oitocentos e oitenta e cinco e Decreto de vinte e oito de setembro do mesmo ano a referida escrava Rosa. Ordenou mais que fossem intimados os senhores dos escravos, Bernardo, André, Mariana, Porfírio, Vicente, Ana, Antonio Benedito e Caetano todos maiores de sessenta e cinco anos, assim como Ubaldo, Lúcia, Marcelina, João, Florinda, João, Maria e Luciano maiores de sessenta anos, segundo consta das listas fornecidas pelo coletor desta cidade e que marcava quinze dias, sob pena de serem multados de conformidade com o parágrafo terceiro do artiigo onze do regulamento citado, para comparecerem na segunda audiência deste juizo. Ordenou mais que se extraísse duas cópias deste termo para serem remetidas uma para o governo da Provincia e outra para a coletoria desta cidade; e nada mais havendo na prezente audiência, mandou o juiz encerrá-la; do que fiz este termo em que assina com a parte.”37

Quando os proprietários de escravos não compareciam à convocação do

presidente da província, eram multados e convocados novamente, como verifica-se

nesta nota publicada pelo Dezenove de Dezembro: “Foram multados em 20$000 os

22

senhores, que intimados, não compareceram, e marcou-se tanto a estes, como aos que

ainda não haviam sido intimados, a audiência de 3 de maio próximo futuro para

apresentarem os respectivos escravos”38.

Os dados obtidos nos estudos de Márcia Graf, indicam que até 1887, “foram

matriculados apenas 323 sexagenários com idade entre 60, 64 e 65 anos. Dos

escravos de 60 a 64 anos, 91 eram do sexo masculino e 77 do sexo feminino, dos 65

anos em diante 111 eram do sexo masculino e apenas 43 do sexo feminino e mais

uma da qual não foi registrada a idade”39.

Neste período, podemos ainda observar, por um ‘auto de libertação’,

publicado na Gazeta Paranaense do município de Morretes:

“Auto de libertação de escravos d’este município de Morretes. Aos trinta e um dias do mês de julho do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e oitocentos e oitenta e seis, nesta cidade de Morretes e na sala da Câmara Municipal, onde foi vindo o capitão Rômulo Pereira, juiz de orfãos primeiro suplente em exercício, comigo escrivão de seu cargo, adiante nomeado, e sendo aí dez horas do dia, deu ele juiz audiência depois de anunciada ao toque da campainha por mim escrivão na falta de oficial de justiça e nela compareceram o cidadão Manoel Fidélis Gonçalves Cordeiro, e por ele foi dito que o escravo Manuel matriculado na Coletoria desta cidade há mais de quatro anos é livre sem condição alguma, o que ouvido pelo juiz declarou livre para todos os efeitos de conformidade com a lei n. 3270 de 28 de setembro de 1885. Compareceu mais o cidadão José Ferreira de Loyola representando a sua finada mãe Benedita Maria dos Prazeres e por ele foi dito que o escravo Manuel, matriculado na Coletoria desta cidade é falecido há mais de três anos como prova com o documento que apresenta, o que ouvido pelo juiz determinou que fosse o documento comprobatório junto dos autos para os devidos fins. Compareceu mais o cidadão Manoel Jacóme da Cunha Veiga representando seu sogro Rufino Gonçalvez de Cordeiro, e por ele foi dito que o escravo Hermógenes pertencente àquele seu sogro e matriculado na Coletoria desta cidade há mais de sete anos que é falecido como prova com a certidão que apresenta; o que ouvido pelo juiz determinou que fosse aquele documento junto aos autos.

37GAZ. PAR. maio 1886, p. 2. 38DEZ. DEZ. Curitiba, 4 abril 1886, p. 1. 39GRAF. p. 80.

23

Compareceu mais o cidadão Antônio Gonçalvez Cordeiro, procurador de Dona Maria Narcisa dos Santos Guimarães, viúva do tenente-coronel Ricardo José da Costa Guimarães, e por ele foi dito que o escravo Januário pertencente à sua constituinte, há mais de cinco anos é falecido conforme prova com documento que apresenta, o que ouvido pelo juiz determinou que para os devidos fins fôsse aquele documento junto aos autos. Compareceu mais o tenente Ricardo de Souza Dias Negrão, e por ele foi dito que a escrava Policena matriculada na Coletoria desta cidade há mais de oito anos que é falecida conforme prova com o documento que apresenta o que ouvido pelo juiz determinou que fosse aquele documento junto aos autos para os devidos fins. Compareceu mais o tenente-coronel Antônio Ricardo dos Santos e por ele foi dito que o escravo Adão, matriculado na Coletoria desta cidade, com o n. 581, se acha liberto desde 1º de abril de 1883; o que ouvido pelo juiz declarou livre para todos os efeitos de conformidade com a lei citada. Compareceu mais o major José Fernandes Correa, e por ele foi dito que os escravos José e Tiago que constam da relação fornecida pela Coletoria desta cidade, são falecidos há muitos anos, com os documentos juntos, o que ouvido pelo juiz determinou que para os devidos fins aqueles documentos juntos aos autos. Compareceu mais Manuel Salustiano Gonçalvez, representando a seu finado pai o coronel Manuel Gonçalves Marques e por ele foi dito que a escrava de nome Francisca matriculada na Coletoria desta cidade com o n. 339 faleceu no dia 19 de janeiro do corrente ano, como prova com o documento que apresenta, o que ouvido pelo juiz determinou que fosse o mesmo documento junto aos autos para os devidos fins. Compareceu mais Joaquim Antônio Luiz Pereira representando ao seu finado pai Antonio Luiz Pereira, e por ele foi dito que a escrava Inês matriculada na Coletoria desta cidade com o n. 59 há mais de dez anos que goza, digo que se acha no gozo de sua liberdade plena, o que ouvido pelo juiz declarou livre a referida escrava para todos os efeitos de conformidade com a lei. Compareceu mais o cidadão Antônio Pereira da Silva, representando a seu irmão João da Silva Pereira, e por ele foi dito que o escravo Bento, matriculado na Coletoria desta cidade com o n. 405, há mais de treze anos que é falecido como prova com o documento que apresenta, o que ouvido pelo juiz determinou que fosse o documento junto aos autos para os devidos fins. Compareceu mais o cidadão Icílio Orlandini, representante de D. Maria Cândida Cordeiro e por ele foi dito que por parte de sua constituinte viúva do capitão Manuel Antônio Cordeiro apresentara o escravo Jacinto matriculado na Coletoria desta cidade com o n. 116, pertencente aos orfãos de seu finado pai Manuel da Silva Santos, o que ouvido pelo juiz houve por bem declarar livre o referido escravo com a abrigação de viver em companhia de sua ex-senhora, que o alimentará e cuidará de sua pessoa, atendendo ao seu estado valitudinário, ficando o ex-escravo obrigado a prestar a sua ex-senhora, os serviços compatíveis com a sua idade e forças; e quanto ao escravo Francisco, matriculado na Coletoria desta cidade com o n. 119 é falecido desde 27 de agosto, de 1884 e que sua

24

constituinte fez nessa época as competentes declarações na Coletoria desta cidade, tanto que desde esse tempo pago não tem a respectiva taxa. Compareceu mais D. Clara Gonçalves Cordeiro e por ela foi dito que as escravas Marta e Bárbara matriculadas na Coletoria desta cidade, a primeira com o n. 530 e a segunda com o n. 535, que lhe ficaram por herança de sua finada mãe D. Justina Maria Trindade há três anos mais ou menos que se acham no pleno gozo de sua liberdade o que ouvido pelo juiz, houve por bem declarar as referidas escravas libertas para todos os efeitos da lei citada. Compareceu finalmente o capitão José Ribeiro de Macedo e por ele foi dito que o escravo Francisco matriculado na Coletoria desta cidade com o n. 360, pertencente ao seu finado sogro Antônio de Loyola Silva é falecido desde 1873 como prova com a certidão junta, o que ouvido pelo juiz determinou fosse o mesmo documento junto aos autos para os devidos fins. Nada mais havendo a tratar ordenou o juiz que fossem novamente intimados os que não compareceram a fim de na audiência de dezesseis 16, do mês entrante se apresentarem na mesma para os fins determinados no § 3o do artigo 11 do regulamento que se refere o Decreto n. 9517 de 14 de novembro de 1885, para execução da Lei n. 327 o de 28 de setembro do dito ano sob penas da lei”40.

Sendo assim, podemos dizer que apesar da aparente preocupação do

Presidente da Província, a Lei dos Sexagenários, assim como a Lei de 1871, na qual

ocorreram várias fraudes, não foram satisfatórias no sentido de beneficiar os escravos

para a liberdade.

40 GAZETA PARANAENSE. 13 agosto 1886, p .2.

25

3.2 ALFORRIAS

Como em todo o país, a Província do Paraná, a partir do início da década de

oitenta, reconhece a necessidade de por fim à escravidão, principalmente entre os

anos 1884 e 1885. Este é também o momento em que o ‘abolicionismo’ se organiza e

mobiliza a população, como poderemos verificar no próximo capítulo.

Segundo observou Márcia Graf, “o grande número de alforrias por

particulares registradas nos anos de 1884 e 1885, ao que tudo indica, tiveram muito a

ver com a administração do Dr. Brasilio Augusto Machado de Oliveira, paulista que

ocupou a presidência da província no período de 22 de agosto de 1884 a 21 de agosto

de 1885”.41 Segundo esta autora, o Dr. Brasilio neste período procurou intensificar a

imigração e a criação de núcleos coloniais.

As libertações por particulares foram significativamente divulgadas pela imprensa

local, que incentivava os senhores a libertarem seus escravos, como o exemplo que segue:

“Arraial Queimado - 2o abril de 1885 - Sr. Redator - Não tendo encontrado no seu conceituado jornal de 9 do corrente o Arraial Queimado no número das localidades nas quais bem compreenderam a necessidade da libertação escrava, declaro que também sou um dos pugnadores da libertação, e como tal, dei liberdade a um escravo na administração do Exmo. Sr. Dr. Brasilio Machado, tendo a dois anos concedido liberdade a uma outra escrava. Digne-se dar publicidade a estas poucas palavras. Joaquim Antônio dos Santos Souza”42.

Em todas as localidades da Província foram alforriados escravos no período

da presidência do Dr. Brasilio, como verifica-se na estatística divulgada (ver

41 GRAF. op.cit. , p . 85. 42 DEZ. DEZ. 22 abril 1885, p. 3.

26

ANEXO 3). Tmbém pudemos verificar o entusiasmo da imprensa em divulgar as

cartas de alforria concedidas aos escravos:

“Antonina move-se, agita-se, entusiasma-se; como se fosse fortemente impulsionada por uma pilha voltaica. É que a magma questão do elemento servil penetrou a medula dos ossos daquele pujante organismo social. Centro de uma grande atividade comercial, a formosa cidade marinha compreendeu, enfim, que a escravidão é a ruina economica de um povo. Convencida deste lema profundamente verdadeiro, Antonina após a libertação de 21 escravos, acaba de o conceder mais dez cartas de liberdade”43.

Também os momentos de comemoração, constituíam motivos para alforrias, e

destaque nos jornais paranaenses:

“O Sr. Bernardo José Ribeiro Viana, para comemorar o seu 62o

aniversário natalicio, aliado ao consórcio de sua filha a Exma. Sra. D. Maria Rosa, no dia 17 do corrente concedeu carta de liberdade ao seu último escravo de nome João com a idade de 33 anos e oficial pedreiro”44. “Ontem às 7 horas da tarde começou o explêndido banquete oferecido pelo Partido Conservador de Paranagua ao Exm. Sr. D. Faria Sobrinho e terminou à meia-noite. No decorrer de tão significativa prova de apreço o Exm. Sr. Dr. Faria Sobrinho entregou diversas cartas de liberdade que foram oferecidas pelos amigos de S. Ex. em homenagem a tão distinto cidadão”45.

Durante todo o período estudado, a imprensa paranaense publicou em suas

páginas notas sobre os escravos, sobre as leis promulgadas com o intuito de gradual e

lentamente acabar com a escravidão, mas, sobretudo o período de 1885 a 1888 foi o

momento de entusiasmo da imprensa, que não somente publicava os pedidos de

particulares das cartas de liberdade, como também intensificaram as criticas aos

proprietários de escravos, como este exemplo:

43 IBID. 26 de setembro 1884, p. 2. 44 IBID. 19 de março 1885, p. 2.

27

“O Sr. Salvador José dos Santos libertou o seu escravo Elias de noventa e sete anos de idade. Noventa e Sete! Decididamente o Sr. Salvador é um salvados que salvou o seu (lá dele) Elias de ser abolido pela magra safa, que abolicionista! Francamente, ser abolicionista assim (...) e ser como alguns senhores emancipadores que nos querem emancipar as algibeiras. Alto vareta!”46

Nota-se nas estatísticas e notas publicadas na imprensa, que a libertação por

alforrias, foram mais significativas do que as leis de 1871 e 1885, no entanto, não foi

o suficiente para extinguir de vez a escravidão na província.

45 GAZ. PAR. 11 jan. 1888, p. 2. 46 DEZ. DEZ. 8 outubro de 1884, p. 1.

28

4 ABOLICIONISMO E IMIGRANTISMO

NA PROVÍNCIA PARANAENSE

Como em várias regiões do Império, foi nos primeiros anos da década de

oitenta que surgiram na Província, as sociedades abolicionistas. De acordo com

Márcia Graf, em princípio estas sociedades eram emancipadoras e mais tarde

tornaram-se abolicionistas47. O abolicionismo surgia com novas idéias, questionando

cada vez mais fortemente a instituição escravista. Mesmo em pouco número, estas

associações foram bastante atuantes, inclusive doando cartas de liberdade nas suas

inaugurações, organizando festas e espetáculos teatrais para arrecadar dinheiro em

prol da libertação de escravos.

Dessa maneira, a primeira organização nesse sentido, foi a Sociedade

Emancipadora Paranaense, que segundo notícia no Dezenove de Dezembro, foi

fundada pelo vice-presidente da Província no dia 8 de julho de 1883, com uma

cerimônia solene na qual foram doadas duas cartas de liberdade48.

Neste mesmo ano foi fundada na capital da província, a Sociedade

Libertadora do Paraná, que fora constituida somente por mulheres, contento 86

associadas.49Em 1885, fundou-se o Clube Abolicionista do Paraná, que em sua

instalação deu dez cartas de liberdade50.

Com a fundação desses clubes houve uma agitação na imprensa em favor da

campanha abolicionista, publicou-se inúmeros anúncios, como este:

47GRAF, op.cit. p. 100. 48DEZENOVE DE DEZEMBRO. 11 julho, 1883, p. 3. 49IBID. 29 setembro, 1883, p. 3. 50IBID. 08 jan. 1885, p. 2.

29

"Consta que o Clube Abolicionista Paranaense vai realizar uma série de conferências abolicionistas em um dos salões desta capital, sendo a entrada de 200 réis em favor da emancipação dos escravos. Da primeira dessas conferências esta imcubido o Sr. Lourenço Viana, ilustrado abolicionista tribuno já vantajosamente conhecido do público dessa capital. O orador dissertará sobre o seguinte tema: "Origens do Movimento Abolinista no Brasil"51.

A formação de clubes abolicionistas, surgiram também em outras localidades,

como na Lapa, onde foi criada a União Democrática em novembro de 188452.Tem-se

ainda notícias do aparecimento de uma sociedade em Boa Vista de Palmas, inaugurada

em seis de janeiro de 1885, na qual forram concedidas oito cartas de liberdade53.

No entanto nos estudos de Márcia Graf, observa-se que em 1879 já haviam

em Campo Largo uma Sociedade Emancipadora. Também em Paranaguá existiu a

Sociedade Abolicionista Paranaguense, fundada em 1884, e no mesmo ano em

Antonina surgiu a Redentora, em 28 de Setembro54.

Além do surgimento das sociedades abolicionistas, a imprensa paranaense,

sobretudo a partir de 1884, começa a debater, em suas colunas, artigos defendendo a

Abolição imediata:

"Encetamos hoje uma série de artigos patrióticos sobre a questão palpitante do elemento servil. É este um tema da atualidade. Todos os espíritos cultos, todos os homens sinceramente convencidos do progresso dessa infeliz pátria, onde pululam os escravos, como os cogumelos, dedicam-se energicamente à solução pacifica do problema complicado da substituição do braço escravo pelo braço livre. A onda sobe. De todos os ângulos do Brasil, ouve-se o clamor vitorioso do abolicionismo triunfante. O Ceará e o Amazonas estão emancipados. O Rio Grande do Sul marcha, a largos passos, para a libertação total do seu território. O exemplo rio-grandense é fecundo e grandioso. É uma lição sublime de rasgos modestos e admiráveis da generosidade do carater de um

51IBID. 04 nov. 1884, p. 3. 52IBID. 4 nov. 1884, p. 3. 53IBID. 27 janeiro 1885, p. 54GRAF, op.cit., p. 101.

30

povo, que sabe ser grande sem afetação e nobre e inteligente, sem quebra de dignidade nem ruína econômica. Sigamos os nossos irmãos do Sul e teremos cumprido o nosso dever. O Dezenove de Dezembro, compreendendo que esta é a hora do combate homérica pela liberdade, corre apressado ao posto de honra"55.

Após esta publicação a Gazeta Paranaense publica um anúncio criticando o

periódico:

"O Dezenove de Dezembro não pode dizer-se um jornal neutro e muito menos colocar-se ao lado do jornalismo sem cor política. Este é subvencionado pelo governo, publica os atos oficiais, é escrito sob as aspirações do mesmo governo, que não deixa liberdade nem para os acusados se defenderem nas colunas que se dizem francas ao público.(...) Nós conservadores queremos a emancipação sem abalos da ordem pública sem o desrespeito à propriedade adquirida à sombra da lei, e ainda mais sem a anarquia que necessariamente tras o abolicionismo desenfreado, que se pôs em prática em algumas provincias e que parece pregar-se atualmente nas colunas do Dezenove de Dezembro"56.

Contudo, durante os anos de 1884 e 1885, era então presidente da província, o

Dr. Brasílio Augusto Machado de Oliveira, cuja ênfase na sua administração foi à

causa da emancipação dos escravos e à imigração57. No mais, esses jornais

afirmavam-se defensores de determinadas idéias e partidos, mas ambos enfatizavam

em suas colunas a 'luta' dos abolicionistas, com simpatia ou isenção, como se verifica

nesta noticia da Gazeta Paranaense:

55DEZENOVE DE DEZEMBRO. 11 setembro 1884. P. 1 e 2. 56GAZETA PARANAENSE, Curitiba, 25 out. 57DEZENOVE DE DEZEMBRO. 25 agosto 1885, p. 1.

31

"Reuniram-se anteontem em um salão do prédio onde funciona aquele clube representantes da municipalidade e das sociedades: Clube Curitibano, Clube de Corridas, Arcádia Paranaense, União dos Artistas, Itiberê da Cunha, Beneficiência Italiana, Protetores dos Operários, Clube Dr. Pedrosa, Clube Clarimundo Rocha, Clube Republicano, redação dos jornais: República, Diário Popular, Pionier e Gazeta Paranaense; e sob a presidência do referido Clube Militar, depois de exposto o fim da reunião, cujo era tratar-se da emancipação, primeiro da do Município em seguida de toda, a Província, e apresentados diversas idéias para chegar a este desideratum, resolve-se findar a Federação Abolicionista Paranaense que ficou logo constituida, sendo aclamada sua diretoria" 58.

E também neste comunicado publicado no Dezenove de Dezembro:

"A diretoria da Libertadora do Paraná vai proceder a classificação de escravos que devem ser alforriados pelo fundo social e para isso pede que os interessados façam inscrever na secretaria os nomes dos escravos, idade, valor estimavel, pecúlio existente e todas as declarações precisa de conformidade com os estatutos".59

Segundo constatou-se, a citada Federação Abolicionista Paranaense teve

grande apoio da sociedade: professores, Tesouraria da Fazenda, Caixa Economica e

outras, que dispunham-se a trabalhar pela causa abolicionista60.

Por sua vez, a Federação declarava seus propósitos de trabalho:

"Auxiliar o movimento da abolição da escravatura no municipio e na Provincia, procurando convencer por meios suasórios e apelando para os sentimentos patrióticos e caridosos dos senhores, sempre dentro dos limites legais."61

Apesar de toda a 'luta' desses abolicionistas, e do incentivo da imprensa

efetuando toda uma propaganda, pode-se verificar que não foi o suficiente para dar

58GAZ. PARANAE. Curitiba, 27 março 1888, p. 2. 59DEZ. DEZ. 15/01/1884. 60GAZ. PARANAENSE, 8 abril, 1888, p. 2. 61IBID, 13 abril 1888, p. 2.

32

fim à escravidão na Província, de acordo com Márcia Graf, o número de alforrias

abtidas pelas associações foram somente mais de duas centenas62.

Dentre os abolicionistas paranaenses que se destacaram estavam, o Visconde de

Guarapuava, o Barão do Serro Azul, o Comendador Antônio Alves de Araújo, os

Desembargadores: Vicente Machado, Itaciano Teixeira e Casimiro dos Reis Gomes e

Silva, José Francisco da Rocha Pombo, Nestor Vitor dos Santos, Ciro Veloso, Manoel

Correia de Freitas, João Régis, Brasilino e Eduardo Moura, Joaquim Soares Gomes,

Professor José Cleto da Silva, Joaquim Bittencourt, Manoel do Rosário Correia, João e

José Carvalho de Oliveira, Eduardo Chaves, Fernando Simas, Eduardo Gonçalves,

Albino Silva, Mauricio Sinke, Guilherme Leite e Ernesto Lima63.

Para Maria Stella Bressiane no entanto, a bandeira dos abolicionistas era 'a

conquista do trabalho livre assalariado com o objetivo específico da reabilitação da

nação extremamente degregada pela longa vigência do regime de trabalho

escravo'.64Ou seja, os escravos deveriam ser 'socializados', educados para viver na

sociedade livre. Esta era também a visão das autoridades paranaenses. Porém,

acreditavam que a solução para a desordem após a abolição seria a troca do trabalho

escravo pelo trabalho do imigrante europeu, como discutiremos a seguir.

62GRAF, op.cit. , p. 228. 63MORAES, Evaristo. op.cit.,p. 228. 64BRESSIANE, Maria Stella. op.cit. , p. 806.

33

4.1 IMIGRANTISMO

A historiografia tende a apontar a Província paranaense como uma região

com escasso número de escravos. Contudo, na Curitiba do século XIX, a população

negra e mulata era predominante. Haviam também os imigrantes, que devido ao

anseio das autoridades provinciais, cada vez aumentava mais, justificando desde o

princípio do século XIX por ter poucos homens na agricultura de gêneros primários e

também devido a muitos estarem envolvidos na extração e beneficiamento da erva-

mate. De acordo com Magnus Pereira, a exploração do mate tinha um "caráter de

economia urbana e de livre-mercado, a exploração industrial do mate contribuiu

decisivamente para a desagregação do escravismo no Paraná"65.

Na realidade, as autoridades temiam a reação do escravo após a abolição, pois

a vivência durante anos no regime escravocrata lhes impedia de ter disciplina no

trabalho quando estivessem livres. Além disso, o que contribuiu para a

'marginalização' dos escravos, foi o fato de que as autoridades acreditavam que o

trabalhador europeu já conheciam as regras do trabalho livre, e portanto, seriam

disciplinados. Com a vinda desses imigrantes visavam não somente a disciplina no

trabalho, mas também o branqueamento da sociedade.

Segundo Eduardo Spiller Penna, para "os incentivadores da imigração, os

trabalhadores europeus, com suas qualidades raciais, viriam valorizar o meio social

viciado e impregnado pelo passado da escravidão".66Podemos vislumbrar os anseios

das autoridades, neste relatório do Governo Miranda Ribeiro de 1888:

65PEREIRA, Magnus. op.cit. , p. 12. 66PENNA. Eduardo. op.cit. , p. 86.

34

"Nenhuma dúvida mais, em todos os pontos do país de que a imigração é uma das soluções para a grande questão economica que afeta atualmente o Estado e todas as provincias do Império. Além de sua relevância por este lado, sua importância sobe de ponto se consideradas a imigração como fator etnico de primeira ordem destinado a tonificar o organismo social (...) por vicios de origem e pelo contato que teve com a escravidão"67.

Neste mesmo ano, o Dezenove de Dezembro, 'órgão oficial do governo',

publica esta nota:

"Durante o ano de 1887 entraram em Buenos Aires 121 mil imigrantes em sua maior parte italianos agricultores. Quando poderemos dizer o mesmo de nossa Provincia?" 68

As autoridades dirigiam toda atenção aos imigrantes, com comprova o

relatório do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas citado:

"Immigração. Problema que ha preocupado incessantemente a atenção dos poderes publicos, a immigração estrangeira e principalmente a que tem sido encaminhada para esta provincia ainda não corresponde ao fim desejado. Esta verdade esta anunciada no relatório apresentado à assembléia geral em 26 de Dezembro do anno passado pelo Ministro da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, que assim se exprime: "Adoptado em tão larga escala o systema de colonização por meio de emprezas particulares subvencionadas pelo Estado, cumpre agradar a lição da experiência para pronunciarmos-nos sobre suas vantagens. "Estou convencido de que, si o interesse particular auxiliado pelo Estado não conseguir resolver tão momentoso problema, não terão melhor exito os esforços tentados por conta do governo com o systema colonial até o presente vigor e com os exiguos meios annualmente empregados". E, de feito, quem attender as despezas improductivas que oneram o serviço de immigração, principalmente nesta provincia, não poderá deixar de convir na verdade daquelle enunciado. Deixando de parte a escolha pouco acertada dos immigrantes contratados na Europa, os quaes em sua maior parte são artistas mechanicos do quue lavradores, seria necessario que

67IBID, P. 86. 68DEZENOVE DE DEZEMBRO, 18 jan. 1888.

35

esses individuos encontrassem em sua nova patria aquelles commodos de que não podiam prescindir em seu paiz. Esses comodos infelizmente não existem nesta provincia se não em modestas proporções na colônia do Assungui, para onde são remetidos os immigrantes que para aqui se destinam. A contar do 1º dia de janeiro do corrente anno tem entrado nesta provincia, segundo as informações que me foram transmitidas pelo agente de colonização da capital 800 immigrantes, dos quaes. 355 já se acham estabelecidos na colonia do Assungui. [Sem grifo no original] Por ordem do governo continuam alojados no logar denominado Barigui 370 até que na colonia se preparem os prazos e casas provisórias que lhes são garantidos pelo regulamento de 19 de janeiro de 1867. Não devo occultar a V. Ex. que dessa medida tem resultado em acrescimo de despeza que perdurará emquanto não forem enviados para a colonia os immigrantes existentes na capital. No serviço de recebimento e agasalho dos immigrantes que foi feito com a mehor regularidade, muito contribuiram o zelo e actividade da commição de recepção de immigrantes na cidade de Paranaguá e dos agentes da capital e Antonina, sendo que este ultimo acha-se encarregado dessa commissão desde 14 de Dezembro de 1871 sem remuneração alguma; [sem grifo no original] parecendo me de justiça que, a exemplo do encarregado da capital, fosse arbitrada uma gratificação, como ja solicitou e que julguei nada resolver a esse respeito em vista dos laços de parentesco que me ligam áqquele funcionário69.

Essa preocupação das autoridades com a substituição da mão-de-obra escrava

pelo trabalho do imigrante europeu pode ser verificado nos estudos de Magnus

Pereira. Para este autor 'a política imigratória' no Paraná, assim como observado em

Spiller, "seria uma forma de substituir o negro pelo europeu morigerado e com

qualidades raciais que mudaria o passado negro de Curitiba"70.

Observa-se que a atenção das autoridades estava voltada ao imigrante, e

quanto aos escravos, a questão principal após a abolição era combater a ociosidade e

vadiagem. Inclusive, o discurso oficial omitia a presença de escravos nos espaços

sociais, isso não somente em Curitiba, como em toda a Província. Contudo, no século

69IBID. 2 julho 1873, p. 1. Grifo do autor 70PEREIRA, M. op.cit. , p. 7.

36

XIX, os escravos frequentavam as ruas e tavernas da cidade e também no trabalho -

colheita, serviços domésticos, artesanato-, ou alugando seus serviços71.

Por outro lado, havia uma preocupação crucial das autoridades com relação

aos escravos: era regular seu comportamento e vigiar suas atitudes. Podemos

observar isso na legislação sobre os escravos publicada em 1875:

"Art. 69. Alugar casa a escravo sem autorização escrita do senhor rubricado pelo subdelegado: multa de 15V Art. 70. O escravo que andar na rua depois do toque de recolher sem bilhete de seu senhor ou motivo muito justificado, será prezo para ser castigado conforme determina a lei, podendo ser comutado em 3V a requisição do senhor".72

As posturas também regulavam as manifestações dos escravos nas danças,

batuques, jogos e até mesmo nos trajes, procurando assegurar a disciplina nos

espaços sociais. Pode-se elucidar a legislação sobre os escravos nas posturas do

município:

"Art. 92. Juntarem-se dentro da povoação nas ruas e praças, ou dentro de casa, escravos com tambores e cantorias; penas, sendo dentro de casa de 8$000 de multa, pago pelo inquilino ou senhorio da propriedade que o permitir; e sendo nas ruas serão os mesmos dispersados"73. Art. 101. São proibidas as lavagens de qualquer natureza nas fontes de beber de uso público. Os contraventores encorre na multa de sois dias de prisão"74.

A medida que se aproximava a abolição, essas posturas aumentavam, não só com

o intuito de vigiar os escravos, como a população em geral. Na prática as proibições

estabelecidas deveriam contar contar com a participação da população livre, mas a

71PENA, Eduardo. op.cit. , p. 89. 72DEZENOVE DE DEZEMBRO, 19 maio 1875.

37

população local livre reconhecia o direito dos escravos de frequentar os espaços sociais, e

muitas vezes ajudavam os cativos nas fugas, mesmo sabendo das sanções cabíveis:

"Os que acoitarem nas tavernas, botequins e mesmo casaas particulares, ou qualquer parte, escravos fugidos, incorrerá na multa de 30$000"75.

Ou ainda este outro alerta noticioso:

"Desapareceu desta cidade da casa do Sr. Manoel Gonçalvez dos Santos o escravo Hylario pertencente a minha mãe. D. Virginia Maria dos Santos. As características do referrido escravo são as seguintes: idade 50 anos, cor fula, barba no queixo e bigoce, sobre a parte frantal da cabeça tem um lobinho bem saliente. Quem o aprender gratificar-se-a, e sobre aquele que o tiver acoutado procedecer-se-a com todo o rigor da lei. Curitiba, 28 de abril de 1875. João Ricardo dos Santos."76

O combate à indisciplina também foi dirigido aos imigrantes, como podemos

verificar neste abaixo-assinado de 1875:

"Pedimos ao Exmo. Sr. Dr. Chefe de policia providências no sentido de evitar o ajuntamento de criadas estrangeiras (com especialidades as polacas), nas esquinas, chafarizes, e etc., visto que as mesmas, contando com a valiosa proteção de Santo Antônio, dirigem insultos aos transeuntes e proferem palavras obscenas em altas vozes. Esperamos que S. Excia. Tomando na devida consideração o que acabamos de expor, dê as providências que julgar necessárias, recomendando a Santo Antônio que não faça tantos milagres"77.

73PEREIRA, Magnus. op.cit. , p. 103. 74DEZ.ENOVE DE DEZEMBRO. 22 maio 1875. 75Lei Provincial citada em SPILLER, p. 91. 76DEZ. DEZ. 28 abril de 1875, p. 4. 77IBID. 19 fev. 1881.

38

Notar-se-a que a 'visão' das autoridades, acreditando que o trabalho imigrante

seria eficiente nos seus ofícios e disciplinado, não surtiu os efeitos desejados, pois

estes imigrantes que chegaram em grande número na província foram sujeitos a

trabalhar lado a lado com os escravos, seja como criados ou na construção de

estradas públicas. Como comprova os anúncios dos jornais editados na época. Pode-

se também verificar a convivência entre escravos e imigrantes nas festas, como nesta

passagem citada por Spiller Penna:

"Seria conveniente que a Câmara Municipal criasse qualquer imposição que dificultasse tais ajuntamentos, e em vista da tolerância até hoje havida, nada mais quis providenciar no sentido de proibir esses divertimentos, e unicamente limitei sua duração até meia-noite em que a policia poderá exercer a necessária fiscalização por meio das patrulhas e por ser dessa hora em diante que a desordem ali se manifesta pelo excesso de bebidas alcóolicas"78.

Por fim, mesmo com suas particularidades, a Província Paranaense vivenciou as

mesmas dificuldades na transição do trabalho escravo para o advento do trabalho livre.

No entanto, com relação às autoridades que acreditavam na imagem do imigrante

'morigerado' - se contrapondo aos trabalhadores nacionais, como vadios e ociosos-, que

traria prosperidade e modernidade à Província, não puderam 'assistir' suas aspirações

concretizadas, pois estes imigrantes tiveram que competir com os trabalhadores

nacionais os empregos, cuja oferta não devia ser abundante, portanto a luta pela

sobrevivência conferiu outro rumo ao idealizado pela fala das autoridades provinciais.

78PENNA, p. 99.

39

5 CONCLUSÃO

Sem dúvida, dentre os principais resultados obtidos nesta pesquisa, destaca-se

a confirmação da possibilidade de trabalhar com a imprensa paranaense como fonte

principal. Verificou-se que esta apresenta uma grande riqueza informativa acerca da

trajetória do processo de abolição no Paraná tradicional.

Em contrapartida, a historiografia contemporânea aponta a Província Paranaense

como uma região com reduzido número de escravos, o que facilitaria a abolição.

Contudo, devemos levar em consideração que durante o século XIX, não somente o

número de escravos era reduzido, mas também o era o número da população em geral, e

o Paraná estava claramente inserido no escravismo. O panorama populacional só foi

alterado nas últimas décadas do século, com a chegada de uma grande massa de

imigrantes europeus. Portanto a região paranaense, apesar de secundária aos interesses

imperiais e com suas particularidades, vivenciou as mesmas dificuldades que outras

regiões do império para dar fim à escravidão, como também em relação à emergência do

trabalho livre após a abolição. O aspecto principal para as autoridades era a troca de

trabalhadores nacionais pelos europeus, visando o controle social, o progresso e também

o controle da disciplina, o que não surtiu os efeitos desejados.

A propósito, decorrida a abolição, que em si significou apenas a remoção de um

obstáculo, pois este ato, que na prática deveria renovar o meio social e enquadrar o

trabalho num regime livre, continuou desordenado. A previsão de que os trabalhadores

escravos após se tornarem homens livres, seriam vadios e ociosos, não se confirmou.

Apenas foram entregues à própria sorte, mais pobres do que antes e tendo que disputar

com os imigrantes europeus o mercado de trabalho, que por sua vez era bastante reduzido.

40

Contudo, quando em 13 de maio de 1888, depois de três séculos de opressão,

foi decretado a Abolição em todo o Império, o tema que era restrito ao meio político,

configurou-se em verdadeiramente popular, ou seja, a extinção da escravidão no país

foi sancionada pela vontade e solidariedade da população para com os escravos. A

imprensa assim se manifestou:

"Extincção Da Escravidão A noticia da sanção do projeto de lei que extinguio a escravidão no Brazil, foi recebida nesta cidade com as mais inthusiasticas e patriotas manifestações. Apenas chegados os telegrammas que transmittiram a feliz noticia da libertação da patria, a "Confederação Abolicionista" convidou o povo a illuminar as suas casas e as 6 horas da tarde do dia 14, sahio uma imponente marcha civica, solemninando o faustoso acontecimento. Antes de seguir o prestito e de uma das janellas do Club Militar fallou o Sr. Gabriel Pereira que em frases cheias de patriotico jubilo felicitou o paiz, erguendo vivas à serenissima Regente, ao Gabinete e a todos os trabalhadores pela abolição. Dirigidos ã palacio alli pronunciou um discurso o Sr. Presidente da provincia. Continuaram a marcha pela rua da Imperatriz fallando das janellas do "Club Republicano" o Dr. Mendes Gonçalves, como orador do mesmo club, e o Dr. Vicente Machado, cujos discursos foram muito applaudidos e victoriados pelo povo. No paço da camara municipal falou o presidente do mesmo, o Sr. Ricardo do Nascimento e diversos outros oradores. Da redação desta folha, fallaram os nossos distintos amigos Drs. Menezes Doria e Vicente Machado Da "Gazeta Paranaense" fallou o Sr. Leoncio Corrêa e Dr. Lamenha Lins. Da redação do "7 de março" o Sr. Dr. Justiniano de Mello. Da redação do "Diário Popular" fallou o nosso collega o Sr. Rocha Pombo. Em todas as outras associações falaram diversos oradores. E' - nos impossivel relatar minuciosamente todos os festejos com que o jubilo popular saudou o grande dia. A cidade continúa em festas illuminada garbosamente, e as acclamações do povo sempre calorosas. Hoje houve "Te - Deum Laudamus" em que esteve presente S. Ex. O Dr. Presidente da Provincia, autoridades civis e militares. As festas continuam e no proximo numero daremos dellas conta minuciosamente."79

Assim, os telegramas chegavam de várias localidades da provincia para serem

publicados na imprensa da capital:

79DEZENOVE DE DEZEMBRO 16 maio 1888.

41

"Paranaguá, 14 de maio; preparam-se grandes festejos pela lei da extinção servil" "Ponta Grossa" Grandes manifestações populares pela abolição da escravidão do Brasil. Hontem 6 horas da tarde reunido numeroso concurso do povo no espaço da Câmara, foram proferidos eloquentes discursos pelo digno juiz de direito Dr. Casimiro Silva e outros distintos cidadãos. Em seguida grande marcha ao flambeau percorreu as ruas da cidade acompanhados de duas bandas de música, saudando com delirante entusiasmo a S. M. O Imperador à excelsa Princesa Imperial Regente, ministério 20 de março, Dantas e outros grandes propugnadores da causa da liberdade. Parabéns ao Brasil livre!" "Antonina, 14 maio de 1888, a noticia de ter sido sancionada a lei que extinguiu a escravidão, foi aqui recebida com grandes manifestações de regosijo. A cidade arde em fogos"80

Dessa maneira, por meio das informações contidas nas colunas dos jornais de

fins do século XIX, podemos compreender em pouco sobre os pressupostos de uma

época e os principais que ela se propõe a encaminhar.

80IBID. 16 maio de 1888, p. 3.

42

6 FONTES

6.1 PERIÓDICOS

� O Dezenove de Dezembro, 1854 - 1890;

� Gazeta Paranaense, 1882 - 1889;

� Província do Paraná, 1876 - 1885.

6.2 RELATÓRIOS DE PRESIDENTE DA PROVÍNCIA

� PARANÁ, Governo. Zacarias de Góes e Vasconcellos. Relatório 15 julho, 1854.

Curitiba: Tipografia Paranaense, 1854.

� _____. Lamenha Lins. Relatório 15 fevereiro, 1876. Curitiba: Typografia Lopes, 1876.

� _____ . Miranda Ribeiro. Relatório 30 junho, 1888. Curitiba, 1888.

43

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

� BRESCIANI, Maria Stella Martins. História: conceito e obra. Campinas:

Instituto de Ciências Humanas da Unicamp, 1977.

� COSTA, Emília Viotti. A abolição. São Paulo: Global, 1982.

� GRAF, Marcia Eliza. Imprensa periódica e escravidão no paraná. São Paulo:

tese de doutorado, USP, 1981.

� IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2º ed. São Paulo: Hucitec, 1988.

� LAMONIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre: a lei de locação de

serviços - 1879. Campinas: Papirus, 1988.

� MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista: 1879 - 1888. 2º ed. Brasília:

Universidade de Brasília, 1986. Coleção Temas Brasileiros, 60.

� PENA, Eduardo Spiller. Escravos, libertos e imigrantes: fragmentos da

transição em Curitiba na segunda metade do século XIX. Curitiba: História

Questões & Debates, 1988.

� PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento

jurídico e econômico da sociedade paranaense; 1829 - 1889. Curitiba: UFPR, 1996.

� SCHWARCZ, Lília Moritz. Retrato em branco e negro: jornais, escravos e

cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.

� SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no brasil. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1966.

ANEXO 1

Título: Destino da 1o. quota do Fundo de Emancipação por freguesia

Freguesia

Capital

Arraial Queimado

Votuverava

S. José dos Pinhais Iguaçu

Campo Largo

Palmeira

S. João do Triunfo

Lapa

Rio Negro

Ponta Grossa Castro

Jaguariava

S. J. da Boa Vista

Tibagi

Guarapuava

Palmas

Paranágua Guaraqueçaba

Antonina

Guaratuba

Morretes

Porto de Cima

População Escrava

921

115

252

456 188

518

614

15

1079

107

835 790

447

275

514

576

273

709 132

837

198

466

243

Importância do

Fundo de

Emancipação

26:155$315

Importância para

cada freguesia

2:281$000

285$000

625$000

1:130$000 466$000

1:283$000

1:521$000

35$315

2:672$000

26$000

2:068$000 1:956$000

1:107$000

681$000

1:273$000

1:426$000

676$000

1:756$000 327$000

2:073$000

491$000

1:154$000

602$000

Fonte – Dezenove de Dezembro, Curitiba, 2 junho 1875.

ANEXO 2

Escravos libertados até 1884: por município

Municípios

Capital

Paranágua

Antonina

Morretes

Porto de Cima

Guaratuba

Ponta Grossa

Castro

Lapa

Guarapuava

Campo Largo

Palmeira

S. José dos Pinhais

Votuverava

Tibagi

Palmas

Arraial Queimado

S. José da Boa Vista

Conchas

Pairaí

Guaraqueçaba

Rio Negro

Santo Antonio do Imbituva

Número de escravos alforriados

23

17

20

09

05

06

15

17

23

10

11

10

11

05

06

09

03

03

03

04

02

01

01

Total: 214

Fonte – Dezenove de Dezembro, 16 abril 1886.

ANEXO 3

Título: Estatística dos escravos alforriados até 1885

Localidades Escravos Libertados

Capital

Antonina

Paranaguá

Morretes

Guaratuba

São José dos Pinhais

Lapa

Rio Negro

Assungui

Campo Largo

Palmeira

Ponta Grossa

Guarapuava

Palmas

Castro

Jaguariaíva

São José da Boa Vista

152

68

62

23

04

37

38

6

3

14

104

53

62

110

97

6

10

Fonte: Dezenove de Dezembro, Curitiba, 12 de abril de 1885, p. 3.