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13 Física na Escola, v. 2, n. 1, 2001 A física é, sem dúvida, um dos mais claros e bem sucedidos exemplos de construção do co- nhecimento humano, mesmo quando não se está falando apenas de conhe- cimento científico. Conseqüente- mente, para formar um cidadão ple- no, consciente e participativo na socie- dade, é necessário proporcionar-lhe acesso a esse conhecimento, não ape- nas no sentido prático do aprendizado escolar, mas também no sentido da física como visão de mundo, como cultura 1 . Sua aprendizagem deve ser facilitada, e isso é feito primordial- mente na escola, em particular no ní- vel médio. No entanto, é possível veri- ficar que este papel não está sendo cumprido. Desde as últimas décadas, a dete- rioração da qualidade do ensino de fí- sica nas escolas, sobretudo da rede pú- blica, é uma situação alarmante. Não é difícil constatar a baixa qualificação acadêmica dos professores, a desmo- tivação dos estudantes, a abordagem excessivamente formulística da física, enfim, uma visão do tipo “colcha de retalhos” dessa ciência, com demasia- da ênfase no ensino da cinemática, a ausência da física moderna e contem- porânea nos currículos escolares, apenas para citar alguns problemas nesta área específica. Transformar esta realidade não é trivial, pois ela está contextualizada em um cenário mais amplo de pouca vontade política de melhorar a educação em nosso país. Pesquisando na área de ensino de física, temos tentado encarar certos desafios através da incorporação de resultados dessa pesquisa à formação do professor. Em particular, estamos investigando a respeito da inserção de tópicos de física moderna e contem- porânea (FMC) em escolas de nível médio e na formação de professores. Parece que essa linha pode contribuir para minimizar alguns problemas acima apontados. O entusiasmo dos estudantes em aprender, na própria escola, assuntos que lêem em revistas de divulgação, em jornais ou na inter- net, justifica definitivamente a neces- sidade da atualização curricular. Além disso, FMC pode ser instigante para os jovens, pois não significa somente estudar o trabalho de cientistas que viveram centenas de anos atrás, mas também assistir cientistas falando na televisão sobre seus experimentos e expectativas para o futuro. Estudar problemas conceituais existentes na FMC envolve os estudantes nos desa- fios filosóficos de alguns aspectos da física. O fato de que nem tudo, no mundo científico, é sabido ou enten- dido, modifica a idéia que os alunos em geral têm de física - um assunto que é uma “massa” de conhecimentos e fatos, um livro fechado. Ou são mostrados aos jovens os desafios a serem enfrentados pela física no fu- turo ou eles não serão encorajados a reconhecer essa ciência como um empreendimento humano e, portan- to, mais próxima a eles 2 . No sentido de proporcionar uma visão de mundo mais atualizada a nossos estudantes, estamos investin- do em mudanças na licenciatura em física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul já há algum tempo. O objetivo é formar professores críticos em relação ao currículo de física e com ferramentas que possibilitem o en- frentamento da questão da atuali- zação curricular. Essa experiência de ensino envolveu, até o presente mo- mento, estagiários da disciplina Prá- tica de Ensino de Física e escolas da rede pública e privada de Porto Alegre, levando a quase seiscentos estudantes de ensino médio temas atuais de física. Um passo importante para a imple- mentação dessas mudanças consistiu Já é hora de temas mais atuais passarem a fazer parte dos currículos de física e ciências em geral. O artigo, descreve um pôster para auxiliá-lo no ensino de um dos mais instigantes temas da física contemporânea: as partículas elemen- tares. O pôster encontra-se na última capa da revista. Fernanda Ostermann Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS e-mail: [email protected] Cláudio J. de H. Cavalcanti Centro Universitário La Salle, Canoas, RS e-mail: [email protected] Física de Partículas

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Page 1: a aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa Fernanda Ostermann Alegre, RS e ... · Pesquisando na área de ensino de física, temos tentado encarar certos desafios através da incorporação de resultados

13Física na Escola, v. 2, n. 1, 2001

A física é, sem dúvida, um dosmais claros e bem sucedidosexemplos de construção do co-

nhecimento humano, mesmo quandonão se está falando apenas de conhe-cimento científico. Conseqüente-mente, para formar um cidadão ple-no, consciente e participativo na socie-dade, é necessário proporcionar-lheacesso a esse conhecimento, não ape-nas no sentido prático do aprendizadoescolar, mas também no sentido dafísica como visão de mundo, comocultura1. Sua aprendizagem deve serfacilitada, e isso é feito primordial-mente na escola, em particular no ní-vel médio. No entanto, é possível veri-ficar que este papel não está sendocumprido.

Desde as últimas décadas, a dete-rioração da qualidade do ensino de fí-sica nas escolas, sobretudo da rede pú-blica, é uma situação alarmante. Nãoé difícil constatar a baixa qualificaçãoacadêmica dos professores, a desmo-tivação dos estudantes, a abordagemexcessivamente formulística da física,enfim, uma visão do tipo “colcha deretalhos” dessa ciência, com demasia-da ênfase no ensino da cinemática, aausência da física moderna e contem-porânea nos currículos escolares,apenas para citar alguns problemasnesta área específica. Transformar estarealidade não é trivial, pois ela estácontextualizada em um cenário maisamplo de pouca vontade política demelhorar a educação em nosso país.

Pesquisando na área de ensino defísica, temos tentado encarar certosdesafios através da incorporação deresultados dessa pesquisa à formaçãodo professor. Em particular, estamosinvestigando a respeito da inserção detópicos de física moderna e contem-porânea (FMC) em escolas de nívelmédio e na formação de professores.Parece que essa linha pode contribuir

para minimizar alguns problemasacima apontados. O entusiasmo dosestudantes em aprender, na própriaescola, assuntos que lêem em revistasde divulgação, em jornais ou na inter-net, justifica definitivamente a neces-sidade da atualização curricular. Alémdisso, FMC pode ser instigante paraos jovens, pois não significa somenteestudar o trabalho de cientistas queviveram centenas de anos atrás, mastambém assistir cientistas falando natelevisão sobre seus experimentos eexpectativas para o futuro. Estudarproblemas conceituais existentes naFMC envolve os estudantes nos desa-fios filosóficos de alguns aspectos dafísica. O fato de que nem tudo, nomundo científico, é sabido ou enten-dido, modifica a idéia que os alunosem geral têm de física - um assuntoque é uma “massa” de conhecimentose fatos, um livro fechado. Ou sãomostrados aos jovens os desafios aserem enfrentados pela física no fu-turo ou eles não serão encorajados areconhecer essa ciência como umempreendimento humano e, portan-to, mais próxima a eles2.

No sentido de proporcionar umavisão de mundo mais atualizada anossos estudantes, estamos investin-do em mudanças na licenciatura emfísica da Universidade Federal do RioGrande do Sul já há algum tempo. Oobjetivo é formar professores críticosem relação ao currículo de física e comferramentas que possibilitem o en-frentamento da questão da atuali-zação curricular. Essa experiência deensino envolveu, até o presente mo-mento, estagiários da disciplina Prá-tica de Ensino de Física e escolas darede pública e privada de Porto Alegre,levando a quase seiscentos estudantesde ensino médio temas atuais de física.Um passo importante para a imple-mentação dessas mudanças consistiu

Já é hora de temas mais atuais passarem a fazerparte dos currículos de física e ciências em geral.O artigo, descreve um pôster para auxiliá-lono ensino de um dos mais instigantes temasda física contemporânea: as partículas elemen-tares. O pôster encontra-se na última capa darevista.

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Fernanda OstermannInstituto de Física, UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, RSe-mail: [email protected]

Cláudio J. de H. CavalcantiCentro Universitário La Salle, Canoas,RSe-mail: [email protected]○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Física de Partículas

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14 Física na Escola, v. 2, n. 1, 2001

na preparação de textos e materiaisdidáticos sobre tópicos de FMC. Dentreesses materiais, elaborou-se um pôs-ter colorido sobre partículas elemen-tares e interações fundamentais(Figura 1). Ele foi criado a partir danecessidade de suprir uma grandeescassez, em nosso meio, de materiaisdidáticos sobre temas de FMC escritosem língua portuguesa3. A seguir, des-creveremos com detalhes o conteúdoe a estrutura desse pôster.

Informações Contidas no PôsterNa Figura 1 vemos o pôster com-

pleto, cujos setores são organizadoscomo mostra a Figura 2. Cada setorestá reproduzido e comentado aolongo do texto.

O esquema central do setor 1 (Fi-gura 3) mostra quais são as partículasfundamentais existentes no universo.Primeiramente foram agrupadas aspartículas que não possuem estrutura

interna (são os “blocos”, até o momen-to considerados indivisíveis, que cons-tituem toda a matéria do universo):quarks, léptons e partículas mediado-ras. Na natureza, os quarks se agru-pam somente de duas maneiras dife-rentes. Esses dois tipos de agrupamentoformam os sistemas chamados de há-drons, que se dividem em bárions(constituídos por três quarks) e os mé-sons (constituídos por um par quark-antiquark). Este esquema encaminhapara as quatro tabelas existentes nosetor. Na parte superior esquerda, vê-se a tabela dos seis quarks e dos seisléptons e nela estão algumas de suaspropriedades (massa de repouso e cargaelétrica). Essas partículas possuem spinsemi-inteiro e são divididas em trêsgerações, sendo classificadas como fér-mions. As duas primeiras linhas corres-pondem à primeira geração, a terceirae a quarta linhas à segunda geração eas duas últimas linhas formam a tercei-

ra geração. A primeira geração consti-tui a matéria estável do universo. Porexemplo, observando os elementos quí-micos em uma tabela periódica, cons-tata-se que eles são compostos dequarks u e d (presentes nos prótons enêutrons) e de elétrons.

Na física contemporânea o concei-to de força dá lugar à idéia de intera-ção via troca de partículas, chamadaspartículas mediadoras. Na parte supe-

Figura 1. Visão geral do pôster. Veja detalhes na última capa.

Figura 2. A estrutura do pôster segundoos seus setores.

Física de Partículas

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rior direita está a tabela das partículasmediadoras das interações fundamen-tais (eletrofraca, forte e gravitacional).Uma boa analogia para compreenderesse mecanismo seria considerar doisjogadores de vôlei, onde a bola é a partí-cula mediadora da interação repulsivaentre eles4. Quando o primeiro jogadorimpulsiona a bola, ele sofre um recuo,por conservação de momentum linear.O segundo, ao receber e devolver a bola,também sofrerá um recuo, resultandoem uma repulsão efetiva entre os doisdevido à troca da bola.

Essa tabela também fornece amassa de repouso e a carga elétrica decada uma das partículas mediadoras.Por possuírem spin inteiro, são classi-ficadas de bósons. No espaço reser-vado ao gráviton existe um símbolo(um olho com um “X” superposto)denotando que ele ainda não foi obser-vado experimentalmente.

A esfera que aparece abaixo destasduas tabelas (quarks & léptons e partí-culas mediadoras) é usada para repre-sentar partículas sem estrutura inter-na.

Na parte inferior esquerda apareceuma tabela com alguns exemplos debárions, que são hádrons formados portrês quarks. Para cada bárion é apre-sentado o seu correspondente antibá-rion (formado por três antiquarks). To-da partícula possui a sua correspon-

dente antipartícula, simbolizada poruma barra acima do símbolo da partí-cula. Partícula e antipartícula têm mas-sa e spin idênticos, mas cargas opostas.Por exemplo, a antipartícula do elétroné o pósitron, que possui mesma massade repouso, mesmo spin e carga elétricade mesmo valor, porém com sinal posi-tivo.

Esta tabela fornece, além das mas-sas de repouso e das cargas elétricas, ospin e a composição de quarks paracada bárion e antibárion. Observe quea massa do próton, por exemplo, émaior que a soma das massas de seusquarks constituintes. Isto se deve àequivalência massa-energia. Parte damassa do próton deve-se à energia deconfinamento dos quarks. O símboloabaixo desta tabela ilustra que os bá-rions são compostos por três quarks.Estes estão unidos através da troca deglúons, simbolizados por uma espéciede “cola”.

Na parte inferior direita apareceoutra tabela com alguns exemplos demésons, que são hádrons formadospor um par quark-antiquark. Para ca-da méson é também apresentado o seucorrespondente antiméson, com asmassas de repouso e as cargas elétri-cas, o spin e a composição de quarkspara cada um deles. O símbolo abaixodesta tabela é usado para mostrar queos mésons são compostos por um par

quark-antiquark. Além disso, apare-cem, neste setor, várias explicações: osistema de unidades utilizado, a rela-ção massa-energia de Einstein, a con-versão de MeV/c2 em kg, uma analo-gia clássica do spin, a unificação dasinterações eletromagnética e fraca e oque são bósons e férmions.

O setor 2 (Figura 4) trata das qua-tro interações fundamentais da natu-reza:

• interação gravitacional;• interação eletromagnética;• interação forte;• interação fraca.Este setor tem na sua parte supe-

rior uma tabela que resume todas asinterações fundamentais e suas pro-priedades principais.

Interação GravitacionalQuaisquer corpos que possuem

massa atraem-se mutuamente. EstaFigura 3. Conteúdo do setor 1 do pôster.

Figura 4. Conteúdo do setor 2 do pôster.

Física de Partículas

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é a chamada interação gravitacional,que diminui de intensidade quantomaior for a distância entre os corpos.É ela que rege o movimento dos cor-pos celestes no universo. Já no campoda física de altasenergias esta intera-ção não será impor-tante quando aenergia cinética dapartícula for muitomaior que sua ener-gia potencial gravi-tacional, o que nor-malmente acontece. Mas é claro quetodos os objetos com massa experi-mentam a interação gravitacional,mesmo quando esta é muito fraca. Apartícula mediadora da interaçãogravitacional é chamada de gráviton,que nunca foi detectada experimen-talmente. A interação gravitacional éuma interação atrativa de longo al-cance (matematicamente, infinito).Na tabela superior do setor 2, vê-sesuas propriedades principais. Estainteração afeta massa ou energia, to-das as partículas experimentam estainteração, sua partícula mediadora éo gráviton (na tabela está indicado porum símbolo o fato desta partícula ain-da não ter sido detectada experimen-talmente) e seu alcance é infinito. Naúltima linha desta tabela é dada a in-tensidade relativa, tomando-se comounidade a interação forte fundamen-tal, no caso em que dois quarks uestão separados por uma distância daordem de 10-18 metros. A interaçãoforte fundamental é 1040 vezes maisforte do que a interação gravitacional,aparecendo o fator 10-40 para a suaintensidade relativa.

Interação EletromagnéticaNa interação eletromagnética está

envolvida a carga elétrica que os cor-pos possuem. Partículas carregadas,tais como o elétrone o próton, experi-mentam uma inte-ração eletromagné-tica atrativa, poispossuem cargas desinais contrários.Partículas com cargas de sinais iguaisse repelem. Já as partículas neutras(como o nêutron e o neutrino), não

interagem eletromagneticamente. Épor meio da interação eletromagnéticaque os elétrons e o núcleo estão unidosformando os átomos. Como no casoda interação gravitacional, a interação

eletromagnética é delongo alcance. Suaintensidade dependeda carga das partí-culas e torna-se ca-da vez mais fraca àmedida que a dis-tância entre as par-tículas aumenta. A

partícula mediadora desta interaçãoé o fóton . A primeira evidência ex-perimental de sua “existência” foi em1905, quando Einstein explicou o efei-to fotoelétrico, atribuindo à luz pro-priedades corpusculares, através dahipótese de que sua energia é armaze-nada em pequenos pacotes (ou quan-ta) de energia: os fó-tons. Todas as pro-priedades acima des-critas estão sinteti-zadas na tabela su-perior do setor 2. Asua intensidade emrelação à interaçãoforte fundamental aparece na últimalinha e é dada pelo fator 10-2. Isso in-dica que a interação eletromagnéticaé tipicamente 100 vezes menos inten-sa do que a interação forte fundamen-tal, no caso tomado como padrão.

Interação ForteNa tabela superior do setor 2 vê-

se que a interação forte se subdivideem duas: a interação forte fundamen-tal e a interação forte residual. Ainteração forte fundamental ocorreentre os quarks, que compõem, porexemplo, os prótons e nêutrons donúcleo. Esta interação atua em cargade cor, uma propriedade que somenteos quarks apresentam. Cada quark

carrega um dos trêstipos de carga de cor(vermelho, verde eazul), chamadatambém de cargaforte. Esta carga nãoestá relacionada ao

sentido cotidiano da palavra cor. Essanomenclatura foi utilizada apenaspara designar uma propriedade quân-

tica dos quarks.Assim como na interação eletro-

magnética, partículas carregadaseletricamente interagem via troca defótons; na interação forte fundamen-tal, partículas com carga de cor inte-ragem via troca de glúons. Léptons,fótons e bósons W+, W- e Z0 não pos-suem carga de cor, não interagindoportanto via interação forte. Não épossível isolar quarks e glúons; elesestão confinados nos sistemas neutrosem carga de cor (sistemas brancos),que são os hádrons. Este confinamen-to resulta de trocas múltiplas deglúons entre objetos com carga de cor.Na parte referente à interação fortefundamental da tabela superior do se-tor 2, vê-se que a intensidade relativadessa interação tem dois casos: o casoem que dois quarks u estão separadospor uma distância de 10-18 metros (ca-

so padrão, em rela-ção ao qual são cal-culadas todas asintensidades) e ocaso em que doisquarks u estão se-parados por umadistância de 10-17

metros, ou seja, dez vezes maisafastados. No segundo caso, a inte-ração é 2,4 vezes mais intensa do queno primeiro, como mostra a tabelasuperior do setor 2.

A interação forte residual atua so-bre todos os hádrons e se dá via trocade mésons. No caso mais conhecido,é uma interação atrativa que age en-tre os núcleons (o nome coletivo paraprótons e nêutrons). É atrativa paratodas as combinações de prótons enêutrons, ou seja, um núcleon atraioutro núcleon. Ela se deve à interaçãoforte residual entre os constituintesdos núcleons, os quarks. Tanto os pró-tons quanto os nêutrons apresentamneutralidade em carga de cor, o quenão acontece com os quarks. A inte-ração forte residual é análoga à inte-ração eletrostática residual, que ligaos átomos eletricamente neutros paraformar as moléculas.

Quando confinados no núcleo,prótons e nêutrons estão em médiamuito próximos entre si. Portanto, ainteração eletromagnética repulsivaentre os prótons é muito intensa e ten-

Física de Partículas

A interação gravitacional éuma interação atrativa delongo alcance (estende-se

até o infinito). Sua partículamediadora é o gráviton(ainda não detectadoexperimentalmente)

A interação eletromagnéticapode ser atrativa ou

repulsiva, de longo alcance.Sua partícula mediadora é o

fóton

A interação forte fundamen-tal é uma interação atrativa,de curto alcance, que atua

na carga de cor dos quarks.Sua partícula mediadora

é o glúon

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de a romper o núcleo (fissão). A inte-ração forte residual garante a estabili-dade do núcleo (por ser mais intensado que a interaçãoeletromagnéticarepulsiva nessasdistâncias), impe-dindo o seu rompi-mento. Esta intera-ção é de curtoalcance, pois está restrita a dimensõesde 10-15 metros, como mostra a tabela.

Interação FracaA interação fraca é assim chamada

porque é fraca em intensidade secomparada à interação forte, tendouma intensidade relativa da ordem de10-12. Esta é a interação responsávelpelo decaimento β. Os neutrinos sãoafetados apenas pela interação fraca,já que, se possuem massa, ela é muitopequena (logo praticamente não inte-ragem gravitacionalmente). Além dis-so, não possuem carga elétrica (o queexclui a interação eletromagnética).Sempre que um neutrino estiver envol-vido em uma reação, é sinal de que estaé governada pela interação fraca. Aspartículas mediadoras desta interaçãosão: W+, W- e Z0. Estes mediadores sãomuito massivos e, ao contrário das ou-tras partículas me-diadoras (gráviton,fóton e glúon), quepossuem massa derepouso nula, estestêm massa quasecem vezes maior quea massa do próton,o que implica que a interação fraca temum raio de ação limitado, da ordem de10-18 metros.

A tabela superior do setor 2 mos-tra que quarks e léptons são os quesofrem este tipo de interação, que têma propriedade de mudar o sabor (tipode lépton ou quark) das partículas,sendo responsável por qualquer pro-cesso de transmutação de uma partí-cula em outra. A partir daí, pode-seentender a sua importância na evolu-ção da matéria e do universo comoum todo, pois é através dessa trans-mutação que se pode explicar a diver-sidade de elementos químicos que sãoobservados. O quadro inferior do se-tor 2 fornece algumas explicações da

tabela superior.A tabela central do setor 2 tem o

título Escalas de comprimento, instru-mentos de medida einterações funda-mentais e contéminformações sobreas distâncias típicasde cada interação,seus respectivos ins-

trumentos de medida e os sistemasenvolvidos nessas escalas de compri-mento. O domínio mais vasto é o dainteração gravitacional, que englobadesde os limites conhecidos do uni-verso (que envolve distâncias da or-dem de 1026 metros), aglomerados degaláxias (distâncias da ordem de 1022

metros) e galáxias típicas (distânciasda ordem de 1019 metros) até sistemasplanetários (distâncias típicas de 1012

metros). Essa interação é a principalresponsável pela estabilidade dessetipo de sistema. Isso porém não querdizer que as restantes não estejam pre-sentes nele. Os telescópios (óticos ourádiotelescópios) são os instrumentosde medida mais usados na observaçãodos sistemas envolvidos na interaçãogravitacional. A interação gravitacio-nal também engloba o dia-a-dia dosseres vivos, porém não é a preponde-

rante nesse tipo desistema. Neste caso,entramos no domí-nio da interação ele-tromagnética, res-ponsável pela esta-bilidade das molé-culas e átomos e por

qualquer “contato” dos seres vivos en-tre si e com a matéria, visível ou não.O instrumento de medida principal,nesse sistema, é o olho e as distânciastípicas envolvidas são da ordem de 1metro. Nessa tabela, é exatamentenesse ponto que começa o domínio da

interação eletromagnética, passandopela molécula (distâncias da ordem de10-8 metros) e indo até o átomo (dis-tâncias da ordem de 10-10 metros), on-de os elétrons se unem ao núcleo gra-ças a essa interação. Neste caso, o ins-trumento de medida mais adequadoé o microscópio (ótico e eletrônico).No domínio subatômico, a força ele-tromagnética (embora intensa) deixade ser a responsável pela estabilidadedos sistemas. No caso dos prótons enêutrons, que compõem os núcleos,ela é sobrepujada pela interação forte(residual), que mantém o núcleo coe-so, apesar da forte repulsão eletro-magnética entre os prótons. O domí-nio da interação forte começa na for-mação dos núcleos (distâncias típicasda ordem de 10-15 metros) e vai até osquarks, confinados dentro dos há-drons (distâncias típicas de 10-18 me-tros). Sistemas que possuem um “ta-manho” da ordem de 10-18 metros sãoos quarks e os léptons. No entanto,apenas os quarks experimentam essainteração. Os instrumentos de medida(indireta) relativos a essa interaçãomais comumente utilizados são osaceleradores de partículas.

No setor 3 (Figura 5), aparecemtrês quadros que ilustram (da esquer-da para a direita) a estrutura atômicasegundo o modelo atualmente aceito,o decaimento beta do nêutron e a ani-quilação de um par quark-antiquark.Vê-se, no quadro do modelo atômicoatual (onde está representado um áto-mo de hélio), que o próton e o nêu-tron, que compõem o núcleo, são bá-rions, ou seja, cada um deles é com-posto por três quarks. O próton temdois quarks u e um quark d. Já o nêu-tron, dois quarks d e um u. Os elé-trons, conforme mostra a figura, nãotêm estrutura interna. As dimensõesno átomo são as seguintes: os elétrons

Figura 5. O setor 3 do pôster.

Física de Partículas

A interação forte residual éuma interação atrativa, decurto alcance, e atua sobre

todos os hádrons. Suapartícula mediadora é o

méson

A interação fraca éde curto alcance, e atua

sobre os quarks e léptons.Suas partículas

mediadoras são oW+, o W- e a Z0

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18 Física na Escola, v. 2, n. 1, 2001Física de Partículas

e os quarks (as partículas sem estru-tura interna) têm um ”tamanho” de10-18 metros; o próton e o nêutron,10-15 metros; o núcleo, 10-14 metros eo átomo, 10-10 me-tros. As proporçõesdesta figura não sãocorretas. Se o pró-ton e o nêutrontivessem 1 metro dediâmetro, os quarkse os elétrons teriam1 milímetro. O nú-cleo teria 10 metrose o átomo inteiro,100 quilômetros.

No quadro do centro (decaimentobeta do nêutron), vê-se que um nêu-tron decai em um próton, um elétrone um antineutrino do elétron via a trocado bóson mediador W-. Este é um clás-sico exemplo de interação fraca.

No quadro bem à direita, está re-presentada a aniquilação de um parquark-antiquark. O méson pi-zero

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ensino médio. Física na escola, São Paulo, v.1, n. 1, p. 6-8, out. 2000.

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Leia MaisOstermann, F. Um texto para professores

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Ostermann, F.; Moreira, M.A. Física Con-temporánea en la escuela secundaria: unaexperiencia en el aula involucrando forma-ción de profesores. Enseñanza de las Ciencias,

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tículas. http://www. aventuradasparticulas.ift.unesp.br. 17 abr. 2001.

decai em dois fótons provenientes daaniquilação de seus quarks, que for-mam um par partícula-antipartícula.O texto que aparece nesse setor está,

em grande parte,reproduzido acima.Trata-se da explica-ção das três figurasapresentadas nestaparte do pôster.

ConclusõesO objetivo deste

trabalho foi divul-gar um material

didático, em forma de pôster, quepossa contribuir para a atualizaçãodo currículo de física em escolas bra-sileiras, através da inserção de umtópico contemporâneo: partículaselementares e interações fundamen-tais. Trata-se de uma área do ensinomédio de física que ainda apresentapouca tradição didática em nosso país.A contribuição do trabalho aqui

relatado foi a de criar um recursodidático (em português), à luz de mate-riais desenvolvidos no exterior. A idéiaé que este tema possa ser gradativa-mente introduzido nas escolas, através,por exemplo, de uma visão mais atualda estrutura da matéria, na qual o mo-delo de átomo não se reduza ao que énormalmente ensinado nas aulas dequímica. A concepção da física comouma ciência altamente estruturadapode ser discutida com os alunos a par-tir da percepção de que todos os “infi-nitos” tipos de força abordados no ensi-no médio recaem basicamente emquatro interações fundamentais. Comoexemplo, pode-se classificar a força deatrito, a força normal, o empuxo ou atensão em uma corda como manifes-tações da interação eletromagnética.

Espera-se que o pôster apresentado,uma vez integrado à formação iniciale continuada de professores, possafacilitar a inserção desta área fascinanteda física nos currículos escolares.

Força ‘Inteligente’?Considere uma massa M presa na extremidade de uma corda

que gira com velocidade v em um círculo de raio R. A corda fazum ângulo θ com a vertical. Como todo estudante sabe, a tensãoT na corda é dada por

T = Mg/cosθe o ângulo θ é dado por

θ = tg-1 (v2/Rg),

onde g é a aceleração da gravidade. Quando a velocidade cresce, o ângulo também aumenta.Como a corda ‘sabe’ que deve variar a tensão?

a) Devido ao estiramento das ligações químicas?b) Pela ação da força gravitacional?As forças de atrito estático entre duas superfícies também são ‘inteligentes’. Podem variar

de zero até um valor máximo. Você conhece outras forças ‘inteligentes’? Cartas ao Editor.

Desvendandoa Física!

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A concepção da física comouma ciência estruturada

pode ser discutida com osalunos a partir da percepçãode que todos os “infinitos”

tipos de força abordados noensino médio recaem

basicamente em quatrointerações fundamentais