#9 - crÍtica · 9 - 5 - 01. a economia em debate cinco palavras chave para perceber a evolução...

58
- 1 - #9 www.criticaeconomica.net

Upload: others

Post on 26-Jun-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 1 -

#9

www.criticaeconomica.net

Page 2: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 2 -

ÍNDICE

Nesta edição da Crítica os leitores e leitoras encontrarão três dossiers e uma secção de estudos e

debates.

A primeira secção inclui textos sobre diversos temas de análise da economia portuguesa. Ricardo

Paes Mamede discute “cinco palavras chave”, Adelino Fortunato as opções sobre as energias renová-

veis, Luis Casinhas o aumento do salário mínimo e Carlos Gaivoto a mobilidade urbana.

Na segunda secção trata-se uma polémica recente e que promete continuar, a do novo imposto sobre

os patrimónios imobiliários de luxo, aqui discutido por Nuno Serra, Tiago Antunes e Francisco Louçã.

Na terceira secção, Ricardo Cabral analisa a crise do Deutsche Bank e os seus sinais para os riscos fi-

nanceiros e, noutro artigo, inventaria as ajudas de Estado à banca, sobretudo no âmbito deste gover-

no. Francisco Louçã e Eugénio Rosa discutem os motivos e as consequências do veto do presidente

sobre o decreto-lei do levantamento do segredo bancário.

Finalmente, a última secção publica um texto de debate de Adão e Silva sobre o que resta nas esquer-

das e nas visões estratégicas, e Ricardo Cabral e Viriato Soromenho Marques discutem os quarenta

anos da “democracia e integração europeia”.

Page 3: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 3 -

#9

ÍNDICE

1. A ECONOMIA EM DEBATECinco palavras chave para perceber a evolução da economia portuguesa, Ricardo Paes Mamede .......................................................... 5

Que fazer com as energias renováveis?, Adelino Fortunato ......................................... 9

Aumentar o salário mínimo: de que estamos à espera?, Luís Casinhas .................. 12

A outra face da mobilidade e acessibilidade urbana, Carlos Gaivoto ....................... 16

2.IMPOSTO SOBRE PATROMÓNIO IMOBILIÁRIO DE LUXODa ópera bufa em torno da tributação do imobiliário, Nuno Serra ........................... 25

As minhas alegres casinhas, Tiago Antunes ................................................................ 27

O governo deve agradecer à direita o frenesim sobre o imposto, Francisco Louçã ................................................................................. 31

3. BANCA E SEGREDO BANCÁRIOAs ajudas do Estado à banca, Ricardo Cabral ............................................................. 33

O recuo de Marcelo no segredo bancário, Francisco Louçã ...................................... 35

O combate à evasão fiscal e à fraude fiscal e contributiva à Segurança Social é fundamental mas o veto do presidente só o dificulta, Eugénio Rosa .................... 36

Os problemas existenciais do Deutsche Bank, Ricardo Cabral ................................. 42

4. ESTUDOS E DEBATESO que resta?, Pedro Adão e Silva .................................................................................. 45

40 years of democracy and integration in the EU, Ricardo Cabral e Viriato Soromenho-Marques............................................... 46

Page 4: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 4 -

ÍNDICE

Page 5: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 5 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa

RICARDO PAES MAMEDE

A economia portuguesa é sempre afectada pela evolução da economia internacional. Assim, a persistência de factores como a fragilidade do sistema financeiro internacional, os elevados níveis de endividamento privado e público, e o fraco crescimento da procura mundial – que têm originado revisões sucessivas de previsões das instituições internacionais para o cresci-mento económico global em 2016 – não poderiam deixar de influenciar negativamente o que por cá se passa.

No entanto, há alguns factores que afectam de modo particularmente relevante a economia portuguesa. Eis cinco factores que me parecem fundamentais ter em conta:

1. PETRÓLEO

A redução das exportações do petróleo ao longo do primeiro semestre deste ano são res-ponsáveis por quase o dobro da queda das exportações de bens em valor. Há três factores principais que explicam esta quebra: i) a redução da procura e do preço internacional do pe-tróleo (de uma média de 58 dólares para 40 dólares por barril), devida à redução da actividade económica e do comércio internacional (principalmente nos países asiáticos) e ii) a paralisação temporária da refinaria da GALP em Sines.

As questões relacionadas com o petróleo têm um impacto negativo relevante no total das exportações nacionais, mas também nas importações (não só pela redução do preço, mas também porque parte do petróleo bruto importado é exportado depois de refinado). No en-tanto, o seu impacto no emprego, no investimento e nas contas públicas é reduzido, uma vez que o número de postos de trabalho envolvidos é diminuto e porque o impacto directo das exportações na receita fiscal é marginal.

A ECONOMIA EM DEBATE

Page 6: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 6 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

2. ANGOLA

O segundo factor decisivo para a redução das exportações foi a crise da economia angolana: a queda das exportações para Angola (sem incluir o petróleo refinado) foi superior à diminuição total do valor das exportações (ver o mesmo gráfico). Sem Angola e sem petróleo o valor das exportações teria crescido 3,3% (a preços correntes), em vez de ter caído 1,8%. As exportações para a UE cresceram uns expressivos 6,7% no período.

A crise da economia angolana tem um impacto significativo nas exportações, mas um impacto modesto no investimento e no emprego (as exportações para Angola representam apenas cerca de 1% do PIB português). O impacto nas contas públicas é marginal (pelas razões referi-das no ponto 1).

3. INVESTIMENTO PÚBLICO

A queda do investimento é essencialmente explicada pelo recuo na construção (cuja queda em termos reais mais do que explica o recuo do investimento total no 1º trimestre e é respon-

Page 7: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 7 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

sável por 2/3 da queda no 2º trimestre). Para a queda da construção foi fundamental a redução do investimento público. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) pelo Estado caiu 25% no 1º trimestre (os dados para o 2º trimestre ainda não estão disponíveis), explicando quase o dobro da queda da FBCF. No mesmo período o investimento empresarial cresceu 2,5% em valor (os dados em volume não estão disponíveis).

A queda do investimento público contribui para conter as despesas públicas, mas penaliza a retoma do investimento global e do emprego.

4. COMPRA DE AUTOMÓVEIS

No primeiro semestre de 2016 compraram-se em Portugal cerca de 100 mil automóveis ligei-ros de passageiros, um aumento de 18% face ao mesmo semestre do ano anterior (esta taxa de crescimento é, por sinal, idêntica ao crescimento das importações de material de transporte). Ou seja, apesar do aumento do Imposto do Selo no crédito ao consumo e do Imposto sobre Veículos para carros mais poluentes, a compra de automóveis não só não diminuiu, como au-mentou, reflectindo-se no crescimento das importações.

De facto, se não fosse a queda das importações de petróleo (nomeadamente devido à para-gem da refinaria de Sines) o crescimento das importações teria sido bem superior aos valores registados – com reflexos negativos no PIB (note-se que as importações contam negativa-mente para o PIB) e nas contas externas do país. Pelo contrário, maiores vendas de automóveis implicam maiores receitas fiscais (ainda mais tendo em conta o agravamento da fiscalidade associada).

5. INCERTEZA POLÍTICA E FINANCEIRA

O quinto e último factor-chave para compreender a evolução recente da economia portugue-

Page 8: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 8 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

sa diz respeito à tensão política (a incerteza na formação do governo no final de 2015, a nego-ciação do OE2016 com a Comissão Europeia em Fevereiro, a ameaça de sanções em Junho) e à instabilidade financeira (casos BANIF, Novo Banco e CGD, nomeadamente) que afectou o país desde final de 2015.

É difícil aferir quantitativamente o impacto dos factores de incerteza política e financeira so-bre a economia real. A situação frágil do sistema bancário português terá provavelmente afec-tado o financiamento à economia, e forçado um ajustamento mais acelerado das empresas mais expostas à dinâmica da banca (como accionistas, credores ou devedores), com impactos negativos no investimento e na criação de emprego (por exemplo, no sector da construção).

Por sua vez, a dramatização mediática da incerteza política, nomeadamente nos momentos mais tensos da relação com as instituições europeias, poderão ter tido um impacto relevante nas decisões de consumo, como sugere a evolução do indicador de confiança dos consumido-res ao longo do último ano (ver gráfico). De facto, este indicador diminuiu, apesar da melhoria da situação financeira dos agregados familiares, sugerindo que o clima de dramatização me-diática em momentos críticos tem um efeito real nas decisões dos consumidores.

CONCLUSÃO

O aumento das exportações para a UE, do emprego e do investimento empresarial sugere que há dinâmica de crescimento na economia nacional, apesar do contexto internacional adverso e das fontes políticas e financeiras de incerteza. Com a excepção do ponto 5, as evoluções acima descritas têm impactos reduzidos ou até positivos nas contas públicas, o que permite reduzir os receios relativos ao cumprimento das metas orçamentais. Por sua vez, o desanuvia-mento das relações com a UE e a perspectiva de resolução (ainda que progressiva e incom-pleta) da situação da banca poderá reduzir o nível de incerteza que tem marcado os últimos meses.

No entanto, os dados apresentados contêm dois alertas claros, que poderão ser decisivos para

Page 9: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 9 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

a evolução da economia portuguesa até ao final do ano:

1. a retoma do investimento público será decisiva para a dinamização do investimento e do emprego, num contexto em que o investimento empresarial continuará condicionado pelos diversos factores atrás referidos (nomeadamente, o endividamento das empresas e a fraca procura internacional);

2. a estratégia do governo para conter o aumento das importações em resultado do aumen-to de rendimentos está a ter efeitos limitados; a continuação do crescimento das vendas de automóveis, já depois das novas regras fiscais entrarem em vigor, são disso sintoma claro; sem uma política mais aguerrida de contenção da procura de importações a tenta-tiva de dinamizar a economia nacional por via do aumento dos rendimentos poderá ser posta em causa.

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2016/09/cinco-palavras-chave-para-perceber.html

Que fazer com as energias renováveis? ADELINO FORTUNATO

Em toda a Europa, a relevância das Energias Renováveis (mini-hídrica, eólica, solar, biomas-sa, ondas e marés, geotermia) vem sendo desafiada por críticas que apontam para elevados custos suportados pelos consumidores para viabilizar a sua existência no confronto com as tecnologias convencionais (nuclear, carvão, gás natural, petróleo). O fundamento destas críti-cas encontra-se ligado ao esquema mais praticado de subsidiação dos produtores de Energias Renováveis, a Feed-in Tariff (FIT), que garante uma remuneração fixa, por vezes muito acima do preço praticado no mercado grossista de energia elétrica.

Em Portugal, por exemplo, o subsídio direto constrói-se somando todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede, assegurando uma remuneração fixa sempre acima do preço de mercado. Mas, para além disto, a energia produzida pelas reno-váveis entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras, isto é, as suas vendas estão garantidas ao preço com subsídio. Esta dupla proteção e aquele diferencial entre preço de mercado e tarifa subsidiada originam custos suportados pelo sistema energético e pelos consumidores que não são visíveis na taxa de remuneração do investimento realizado pelos produtores de renováveis.

Isto acontece porque os lucros das renováveis resultam da aplicação de uma taxa de remune-

Page 10: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 10 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

ração sobre o capital investido, que pode não ser excessivamente alta em comparação com a taxa de remuneração de outros investimentos em energias convencionais. Mas os custos suportados pelo sistema energético com as renováveis não ficam por aqui: eles estendem-se sempre à compensação, por intermédio da subida da fatura paga pelos consumidores, do di-ferencial entre preço grossista e preço subsidiado.

O apoio e a proteção das renováveis faz todo o sentido, desde logo por que elas têm efeitos positivos em termos de emissões de CO2 e de importações de combustíveis fósseis evitadas, de soberania energética e da balança comercial, e porque aumentam a oferta de energia con-tribuindo para baixar o seu preço. Mas também por que, nalguns casos, as tecnologias a elas associadas ainda são experimentais e precisam de tempo para gerar a aprendizagem e a ex-periência que permitem atenuar o risco e os custos de financiamento do investimento. Neste sentido tratam-se de um exemplo típico de “indústrias nascentes”, que devem ser protegidas de acordo com bons argumentos da teoria económica.

Mas esse apoio não deve implicar custos excessivos para a generalidade da população, no-meadamente para os mais pobres, os verdadeiros beneficiários de qualquer medida de po-lítica energética ou de política industrial. E a proteção deve ser temporária, vigorando ape-nas enquanto os fundamentos inovadores o justificam. Por isto, precisamos de uma proposta equilibrada, que assegure a transição para um novo paradigma energético com as renováveis, mas que evite a apropriação sistemática de rendas (rent seeking) por grupos privilegiados da população, que usam a sua influência junto do poder político para construir impérios econó-micos e financeiros inatacáveis.

AUMENTAR A EFICIÊNCIA DO APOIO ÀS RENOVÁVEIS

Depois de um investimento substancial em toda a Europa promovido pelo uso das FIT, come-ça a ser discutida a hipótese de mudar o modelo de apoio às renováveis, discriminando entre tecnologias e tornando-o mais eficiente e menos caro para os consumidores. Portugal não poderá escapar a esta discussão, num momento em que as renováveis já representam cerca de 50% da energia elétrica consumida e quando os sobrecustos associados à sua implantação representam a maioria dos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG).

Existem várias hipóteses e os argumentos a favor de uma ou outras modalidades são por vezes controversos. Uma delas em discussão é a promoção de um esquema de subsidiação indexa-do ao preço do mercado grossista, constituído por um subsídio que se adiciona a este último. Este prémio pode ser fixo ou variável, neste último caso com um mínimo (floor), quando o preço do mercado sobe, e um máximo (cap) no caso inverso. Chama-se a isto Feed-in-Premia (FIP). No mesmo sentido vai o esquema de Feed-in Tariff Contracts for difference (FIT Cfd), siste-ma semi-variável baseado num valor fixo mínimo de tarifa subsidiada, que dará lugar a uma compensação no caso de o preço ficar abaixo da tarifa, e a uma acumulação do excedente

Page 11: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 11 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

quando o preço grossista ficar acima da tarifa mínima. A vantagem é aumentar a sensibilidade dos produtores para o que se passa no mercado grossista, para além de poder ser menos dis-pendiosa para o sistema.

Uma segunda hipótese é a promoção de um esquema de leilões de instalação de potência de energias renováveis, estimulando o confronto entre diferentes projetos de investimento de forma a aumentar a eficiência e a limitar o montante de subsídio concedido. É uma modali-dade que já vigora nalguns países e que acaba de ser adotada pela Alemanha (8 de Junho de 2016) na revisão que fez do Renewable Energy Sources Act (EEG) acabando com as FIT.

Numa outra possibilidade compatível com o atual esquema remuneratório, os subsídios a atri-buir a novos projetos deveriam em cada ano ser redefinidos de forma automática, por inter-médio de uma taxa de regressão específica por tecnologia, definida em função da respetiva curva de aprendizagem. Isto é, à medida que as tecnologias se vão banalizando e que o finan-ciamento do investimento fica menos caro, o mecanismo de subsidiação deve acomodar essas alterações e tornar-se menos caro.

Finalmente, as tecnologias menos maduras (eólica offshore, tecnologia floating, geotermia de baixa entalpia, energia das ondas e marés) poderiam ser subsidiadas por projetos de Investi-gação &Desenvolvimento piloto, com o objetivo de as tornar mais fiáveis e acessíveis, em vez das FIT.

APROVEITAR A POUPANÇA GERADA PELAS RENOVÁVEIS

Se é certo que as renováveis envolvem custos suportados e justificados em termos sociais, também é verdade que elas suscitam ganhos para além daqueles que apontámos atrás. Como o custo marginal de produção da maioria das renováveis é muito baixo (tende para zero por não fazer uso de combustíveis), a entrada destas fontes de energia no mercado grossista con-tribui para baixar o seu preço. É o resultado do Efeito Ordem de Mérito, que promove as tecno-logias relativamente mais eficientes em detrimento das convencionais. Por sua vez o aumento da oferta de energia, que decorre da entrada em funcionamento das centrais produtoras das renováveis, reforça a pressão para a baixa do preço de mercado gerando uma poupança.

Este efeito-poupança é importante, porque se ele for exatamente igual ao custo socialmente suportado com a subsidiação das renováveis, este custo será neutro do ponto de vista dos consumidores. Isto é, não será necessário sobrecarregar as tarifas pagas pelos consumidores para acomodar uma política de promoção de novas fontes de energia com efeitos desejáveis no quadro da transição para um novo paradigma.

CONCLUSÕES

Tudo o que foi dito anteriormente permite obter uma primeira conclusão. Do meu ponto de

Page 12: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 12 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

vista o apoio às renováveis justifica-se e não deverá ser posto em causa. A dúvida a esclarecer é, qual o melhor instrumento para o executar na atual fase de desenvolvimento destas novas fontes de energia e qual a dimensão desse apoio

Quanto a este último aspeto conclui-se o seguinte.

É preciso repensar o esquema de apoio que atualmente vigora em Portugal, seja ajustando-o com pequenas modificações, seja revendo-o a favor de modalidades mais eficientes e menos caras de promoção das renováveis. A FIT correspondeu a uma fase de penetração das reno-váveis que parece estar conseguida, a consolidação dessa penetração pode fazer-se também com recurso a outras modalidades de apoio.

Em segundo lugar, é preciso saber quanto deve gastar o sistema energético (isto é a fatura paga pelos consumidores) em subsídio aos produtores de renováveis. O método baseado no Efeito Ordem de Mérito permitiria definir esse montante máximo global de subsídio tornan-do-o socialmente aceitável.

Aumentar o Salário Mínimo: de que estamos à espera?

LUÍS CASINHAS

O Salário Mínimo Nacional, definido por lei como o montante mínimo de remuneração que um trabalhador tem de receber e que não pode ser reduzido por acordo coletivo ou por con-trato individual, foi criado, em Portugal, a 27 de maio de 1974, com o propósito (partilhado pela Organização Internacional do Trabalho) de proteger a classe trabalhadora dos salários ex-cessivamente baixos a que era sujeita, atenuar as desigualdades, erradicar a pobreza existente, garantir o progresso do país e estabelecer a dignidade laboral – estava na hora “de muitas fa-mílias deixarem de dormir em tarimbas” afirma o Ministro do Trabalho que o instituiu, Avelino Pacheco Gonçalves.

Numa altura em que é decidido o Orçamento do Estado para 2017, urge falar neste que é um dos assuntos mais polémicos e que divide opiniões tanto de economistas conceituados como de dirigentes partidários: o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN).

O debate atual visa tentar perceber se o SMN deve ser aumentado, pelo que há que descons-truir mitos e olhar para os factos para então perceber aquilo que está em causa.

Comecemos, então, por refletir acerca do princípio base da criação do Salário Mínimo Nacio-nal: a redução da pobreza. Portugal é dos países da OCDE nos quais existe mais pobreza, facto

Page 13: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 13 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

agravado durante o Memorando de Entendimento da Troika, no qual constavam cortes em salários e pensões, por muito reduzidas que estas já fossem, aumentos dos impostos sobre quem trabalhava e sobre os pensionistas, e aumento da precariedade. Segundo o Barómetro das Crises, promovido pelo Observatório sobre Crises e Alternativas (parte integrante do Cen-tro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra), “em 2013, ainda se registava uma taxa de pobreza de 10,7% entre os empregados, e a intensidade de pobreza neste universo era de 28% (INE, ICOR, 2014). Esta realidade é consonante com uma elevada desigualdade na distribuição salarial.”

Nada melhor do que comprovar empiricamente argumentos destes, e experiências feitas mos-tram de forma impressionante como o aumento do Salário Mínimo nos iria ajudar a lidar com a pobreza e a desigualdade. Mais dinheiro tem de implicar maior folga financeira para as fa-mílias que passam a ter outras condições de vida, virando a página da necessidade monetária apenas para sobreviver. 12 estudos que se incluem na literatura publicada sobre este assunto apresentam 54 elasticidades (relações que medem o impacto numa variável quando a outra é alterada) do tipo preço do trabalho-pobreza e que foram calculadas com diferentes pres-supostos (até matemáticos): 48 deles mostram uma relação negativa entre as duas variáveis.

Se considerarmos o último aumento de SMN vemos como também existe uma maior abran-gência pelo mesmo relativamente a classes que, normalmente, são afetadas por necessidades e dificuldades económicas e que passam por privações que podem e devem ser evitadas. Essa subida beneficiou, principalmente, os jovens: cerca de 60% de indivíduos com idade inferior ou igual a 25 anos passaram a sentir o efeito positivo da mesma. E alcançou, de forma mais significativa, as pessoas menos qualificadas: 58% dos que têm menos que o ensino básico e 40% dos que têm o ensino básico.

Aumentar o SMN não combina com o despedimento dos trabalhadores, com a desculpa de representarem uma grande fatia dos custos das organizações. É um facto falso dados que o que tem maior peso nas contas das empresas são os serviços externos como, por exemplo, a energia. O Barómetro das Crises afirma que “o aumento do SMN tem um impacto nos custos salariais de todas as empresas, tanto maior quanto mais baixas as remunerações praticadas na empresa. Mas esse impacto, em termos médios, é muito reduzido. Com um aumento do SMN para 532 euros a massa salarial global aumentaria apenas 0,65%. Com um aumento para 600 euros, esse acréscimo seria de 2,9%.” Em Portugal, de 2015 para 2016, o SMN foi aumentado de 505 para 530 euros e aquilo a que se assiste no nosso país é a uma descida tendencial da taxa de desemprego que se prevê que seja igual a 11,9% já este ano, depois de se aproximar a 12,5% no fim do ano passado.

Os gastos relativos às contribuições para a Segurança Social também preocupam muitos crí-ticos, apesar de não haver razão para alarme. Com o aumento passado de 25€ no SMN, esses gastos, que representam 20% dos custos de produção, teriam uma repercussão crescente nos custos totais de produção de apenas 0,13% – os excedentes das companhias afetariam positi-vamente os trabalhadores em 1,1% no que respeita às suas remunerações.

Page 14: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 14 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

Podemos pensar, assim, no vínculo existente entre o SMN e a taxa de rotatividade de pessoal que, por outras palavras, é a taxa que reflete a proporção de trabalhadores que, no total de trabalhadores, deixam de estar empregados numa determinada entidade, pública ou privada – quanto menor a taxa. Em 2012, Dube, Lester e Reich, economistas dedicados ao estudo da economia do trabalho, fizeram uma publicação na qual evidenciam que, nos EUA, um aumen-to de 10% do Salário Mínimo reduz em 2,1% a rotatividade de pessoal que trabalha em res-taurantes e, analisando a rotatividade da classe trabalhadora mais jovem, também verificavam uma redução de 2,0% na mesma. No Canadá, Brochu e Green descobriram que as demissões de trabalhadores jovens com níveis de escolaridade mais reduzidos diminuiram logo após ha-ver uma subida do rendimento mínimo, tal como aconteceu no nosso país e está documen-tado num estudo feito por Ana Rute Cardoso e Pedro Portugal. Não existe tanta concorrência entre empresas com salários mais vantajosos pelo que o trabalhador não é aliciado a mudar de trabalho correndo o risco de ficar no desemprego com essa mudança.

Outro estudo, considerado como um dos mais conceituados acerca desta matéria e que com-prova aquilo que estamos a defender, foi feito entre 1990 e 2006, por investigadores da Uni-versidade de Califórnia que compararam pares de municípios que partilhassem fronteiras en-tre Estados diferentes e nos quais os Salários Mínimos aplicados também fossem diferentes, entre 1990 e 2006. Em 2005, analisaram Spokane (WA) que apresentava como Salário Mínimo um valor de $7,35 por hora ao mesmo tempo que olhavam para Kootenai (ID), no qual esse valor era igual a $5,15 por hora. Concentrando as atenções para, por exemplo, a indústria da restauração, que emprega, tradicionalmente, um grande número de trabalhadores a receber o Salário Mínimo nacional, concluíram que SMN mais altos não implicavam um aumento do desemprego e que esse comportamento era homólogo nos pares estudados ao longo dos Estados Unidos da América.

Há quem defenda que um aumento do Salário Mínimo Nacional fará com que seja gerada inflação e que, por isso, não vale a pena aumentá-lo: acreditam que esta subida origina uma sobrecarga de gastos com o pessoal para as empresas e que, para a compensar, estas têm de inflacionar preços de produtos e serviços de que dispoem, fazendo com que o consumidor final não seja capaz de suportar esse crescimento. Tal seria verdade se o aumento em per-centagem do rendimento fosse inferior ou igual ao aumento em percentagem da inflação gerada, porque o que importa analisar aqui é o impacto no salário real do trabalhador, ou seja, o impacto no salário ajustado ao nível geral de preços, que se traduz em alterações no seu poder de compra. E o que se tem verificado em Portugal, nomeadamente durante o período do governo socialista apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda, é que a devolução do rendimento mínimo que ronda os 5% por ano está bem acima da inflação, que é aproxi-madamente 0,7%, havendo, sem dúvida, um efeito positivo na economia, ou seja, o poder de compra das famílias é valorizado.

Dada a conjuntura descrita e segundo o Banco de Portugal, “o consumo privado deverá regis-tar um crescimento robusto em 2016 (…), em linha com a evolução do rendimento disponível real”, devendo crescer cerca de 2,1% já neste ano. Há, assim, um aumento da procura interna

Page 15: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 15 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

que “reflete essencialmente a dinâmica do consumo privado. Esta evolução ocorre num con-texto (…) de manutenção da confiança dos consumidores em níveis historicamente elevados.” Os trabalhadores que beneficiem do SMN irão colocar mais dinheiro na economia, provavel-mente em estabelecimentos onde trabalham, frequentemente, pessoas a ganhar o Salário Mí-nimo Nacional, gerando-se um ciclo que origina comunidades mais fortes e uma economia mais viva.

Temos mais fatores que não podemos dissociar do aumento do SMN como o aumento da pro-dutividade dos trabalhadores – é sobre isso que nos fala o economista George Akerlof numa hipótese que formula por volta de 1982, após largas quantidades de verificações experimen-tais que realizou. Segundo ele, estes respondem a aumentos do SMN com mais esforço, porque se sentem recompensados por tal – é a chamada “Efficiency-Wage Theory”. Ehrenberg e Smith também nos dizem que um pagamento mais alto cria um nível mais elevado de motivação na relação trabalhador-trabalho, e Owens e Kagel confirmam a relação positiva que há entre um salário maior e o esforço dos seus trabalhadores. Trata-se de valorizá-los como devem ser va-lorizados. Assim, as empresas poderão atingir os seus objetivos, contribuindo positivamente para a atividade económica, numa cooperação justa com os seus trabalhadores.

Já dizia Charles Darwin que “se a miséria dos pobres não é causada pelas leis da natureza, mas pelas nossas instituições, grande é o nosso pecado”. E não estamos em tempos de continuar a sacrificar quem tudo dá a um país, quem se esforça por ter e manter um trabalho, quem sofre as consequências de não ser valorizado por aquilo que faz. Os mitos não acontecem, os factos sim, por isso há que abrir os olhos e pensar que se pode, realmente, fazer a diferença.

O aumento do Salário Mínimo Nacional como está e continuará a ser feito em Portugal res-ponde positivamente à necessidade de erradição da pobreza, não aumenta o desemprego, cria uma relação mais forte entre o trabalhador e o seu emprego, gera inflação mas a um nível suportável visto um maior poder de compra que, por sua vez, aumenta o consumo e a procura interna e, por fim, faz com que a produtividade do trabalhador também seja incrementada, numa simbiose com os objetivos do empregador. É um sinal de como um país se valoriza a si próprio e às condições de quem lá vive e de quem lá trabalha. É uma medida eficaz e que protege trabalhadores com poder de negociação muito baixo, ou praticamente nulo, e ajuda as famílias de classe média-baixa a viverem como um dia ansiaram viver.

As cartas estão em cima da mesa e é imperativo que os rendimentos sejam recuperados, que a economia seja estimulada e que as desigualdades diminuam. De que estamos à espera?

Page 16: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 16 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

A OUTRA FACE DA MOBILIDADE E ACESSIBILIDADE URBANA

CARLOS GAIVOTO

1.

O percurso dos últimos 30 anos de “regime da acumulação flexível” adoptada pelo sistema ca-pitalista na área do urbanismo e de transportes, entre outros programas neoliberais de espo-liamento dos rendimentos do trabalho, consolidou políticas públicas e privadas de fragmen-tação territorial e de segregação social, impondo modos de vida na sociedade que atomizam a mobilidade das pessoas.

Nas deslocações diárias, feitas em automóvel no território urbano disperso, percorrem-se dis-tâncias três vezes mais que num território urbano compacto, gastam-se mais de duas horas em deslocações/dia, consome-se cerca de cinco vezes mais energia/capita/ano e polui-se três vezes mais, sabendo hoje que estes consumos não se esgotam só na circulação de pessoas e de bens mas, também, no consumo de espaço para estacionamento e circulação1.

As infraestruturas e equipamentos colectivos são, por isso, planeadas e organizadamente dis-torcidos numa economia urbana enviesada pelo recurso ao transporte individual de forma a suprir uma cobertura territorial e temporal desproporcionada e inflacionada2.

No entanto, para o funcionamento irracional deste sistema, desde os anos 80, muito tem con-tribuído a ilusão do “crédito fácil” para compra da habitação e de carro naquela que tem sido a estratégia do sistema financeiro, sustentando como paradigma de “sociedade desenvolvida”, a evolução da vida individual baseada na habitação e carro individual, escondendo os custos sociais provocados pela dispersão e desagregação urbana da irresponsabilidade do sistema financeiro ao colocar, nos seus balanços financeiros, os activos das ditas áreas “urbanizáveis” em quase todos os territórios regulados pelos PDM e apoiados pelos partidos do arco da go-vernança urbana (PSD, CDS, PS e PCP).

Dos 10 milhões de habitantes de Portugal continental - menos que a Região de Paris com 11,5 milhões -, cerca de 90% estão distribuídos em 50 000km2 (180 hab/ km2 ou 1,8 hab/ha) do

1. Ver a este propósito, o artigo sobre os custos escondidos da dispersão urbana: http://www.criticaeconomica.net/wp-content/uploa-ds/2016/05/revista critica_7.pdf.2. Ver o Relatório Nacional sobre Habitat III – ver http://habitatiii.dgterritorio.pt/ - a ser apresentado na 3ª conferência da ONU em Quito em Out.2016, dos sete capítulos constam três que se referem aos desafios da mobilidade urbana (II.4), à redução do congestionamento de tráfego (III.3) e ao transporte sustentável (VI.6). Neles se reafirmam - entre as problemáticas da demografia urbana (capítulo I), do ordena-mento do território e planeamento urbano (capítulo2), ambiente e urbanização (capítulo3), governança urbana e legislação (capítulo4),etc. -, os saberes até hoje desenvolvidos por mais de 70 colaboradores e 30 organismos do Estado, dos Gov. Regionais, da AML, AMP e ANP, em particular, quando se referem aos efeitos provocados pela dispersão urbana no aumento da dependência automóvel nas deslocações motorizadas, nas perdas de tempo e desperdício de espaço, para além dos efeitos nocivos causados à saúde das pessoas, ao ambiente urbano pelo aumento da poluição e alterações climáticas por causa dos gases com efeitos de estufa.

Page 17: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 17 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

modelo que foi gerido por tanto PDM nesta construção urbana do território português e que acabou por “esquecer” as recomendações do relatório de Brundtland de 1987, apresentado à comissão de ambiente da ONU, ou seja, ignorar o princípio de precaução e anular mesmo a hipótese da política de proximidade e de boa vizinhança que a cidade compacta promove e que consegue uma melhor qualidade de vida associada a uma mobilidade e acessibilidade sustentável (ex: cidade Renhaniana). A hipoteca deixada por esta geração às futuras gerações está em cima do que hoje, muitos colocam nas negociações do(s) Défice(s) e da Dívida.

2.

No seu livro “Sustainability and Cities – Overcoming Automobile Dependence”, Newman e Kenworthy procuram responder a todo um conjunto de questões relacionadas com o perfil económico de cidades, passando pelos objectivos de sustentabilidade e respectivos indicado-res, as configurações e evoluções da forma e estrutura urbana, os padrões de acessibilidade e de mobilidade, a desmontagem do “mito” da cidade automóvel com respectivas políticas pú-blicas, as complementaridades entre as cidades ecológicas e de baixo consumo energético, o respectivo programa de como a cidade deve saber crescer e por último responder como é que colocando princípios de precaução se pode recupera a cidade e a região numa cidade mais humanizada e mais ecológica.

De facto, um dos paradoxos relacionados com o uso do carro (km/hab) é o que pode ser su-gerido com a riqueza/actividade económica da região ou da cidade - neste caso estimada em GRP (Gross Regional Product) mas, o que se verifica nas 37 cidades consideradas numa amos-tra nos cinco continentes, é que as cidades americanas e australianas têm elevado uso do carro mas, quando comparadas com as cidades europeias, estas têm menos uso automóvel e um GRP mais elevado. Isto só poderá ser explicado, em parte, por outros indicadores relacionados com a eficiência do sistema de transportes.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.9 - ISLAND PRESS – 2009

Ora, o sistema de transportes tem custos directos e indirectos, por exemplo, no caso das des-pesas da manutenção da rede rodoviária e da respectiva capacidade de pagamento (valores de 1990), evidenciaram o sobrecusto da manutenção das redes rodoviárias das cidades ame-ricanas ($264/capita), devido à dispersão urbana. Também, na Europa, não se deixa de verifi-

Page 18: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 18 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

car que essa despesa também é elevada (135$/capita), apesar de capacidades de pagamento (U$D/U$D1000 de GRP) também elas serem diferentes: $9.84 para a cidade americana e $4.26 para a cidade europeia.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.10 -ISLAND PRESS - 2009

Outra das questões importantes, por exemplo, será o de compreender ou o de saber os cus-tos nas deslocações pendulares e verifica-se que se gasta, em média, cerca de 6 % da riqueza regional, (admitindo-se uma duração média dessas deslocações em cerca de meia hora). Isto é tanto ou mais importante num orçamento da administração central e local pois, os resulta-dos dessa exploração estão correlacionados com as opções de investimento de cada cidade e estas, estão directamente relacionadas com o dinheiro recolhido a todos nós, nos impostos e nas taxas.

Portanto, medir-se os impactos e tomar opções estratégicas sobre que sistema de transportes se deve investir e explorar, é muito mais do que saber só gerir recursos materiais e financei-ros, uma vez que em termos de sustentabilidade, trata-se de planear e organizar a eficiência dum sistema de transportes duma economia urbana – ver figura seguinte - que entre outros objectivos a atingir, saiba criar emprego qualificado e diminua a dependência do transporte individual, numa perspectiva de transição ecológica da cidade ou região.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.11 - ISLAND PRESS - 2009

Page 19: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 19 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

3.

Por isso, também, é importante introduzir outra perspectiva para ultrapassar posições distor-cidas na política pública em relação ao Transporte Colectivo no que diz respeito à recuperação dos custos operacionais do TC, sabendo que estes são tão mais difíceis quanto maior é o uso do automóvel. Por exemplo, é evidenciado que no caso da cidade americana ou australiana, ela se situa na ordem dos 35% a 40%, no caso da cidade europeia, ela atinge valores acima dos 50%, com variações entre 90% a 27% (valores de 1990), sabendo que Londres atinge 93% devido ao elevado tarifário, enquanto outras cidades promovem uma tarifário social inserido numa política pública de igualdade e acessibilidade para todos3 - ver figura seguinte. Stutt-gart, por exemplo, é uma cidade com taxa de cobertura de 94% e uma rede de TP com uma cobertura quase total e um tarifário muito mais baixo que o de Londres.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.12 - ISLAND PRESS - 2009

Ora, esta discussão tem permitido uma distorção completa da política pública em relação ao TC, uma vez que a governança deste sector se tem baseado numa política de redução dos custos operacionais4, deixando outras dimensões do debate sobre sustentabilidade bem mais importantes, ou seja, como ultrapassar a dependência do automóvel e que redes e serviços de-vem sustentar essa transferência modal e outra política pública de acessibilidade e mobilidade na cidade e região, como suscitar os modos alternativos numa “transit-oriented structure” (ex: TOD).

É por isso que ao comparar-se dois sistemas de acessibilidade urbana, entre o que utiliza in-tensivamente o Transporte Individual e o que opta pelo uso do Transporte Colectivo, torna-se tão mais importante calcular os custos sociais directos e indirectos, quanto melhor se medir os efeitos das externalidades negativas, recordando que no sistema de transportes baseado no automóvel, essas externalidades podem atingir 12% do PIB em territórios dispersos. Para isso,

3. Ver artigo sobre tarifário em http://www.criticaeconomica.net/wp-content/uploads/2016/07/revistacritica_8.pdf

4. “The transit cost recovery debate tends to focus on how to reduce government costs. It oftem concludes that it would be much cheaper to provide only buses since these have lower capital and sometimes lower maintenance requirements. These data suggest that buses are effective in transit cost recovery only in situations where there are large numbers of captive users, as in newly developing Asian cities such as Manila. The more fundamental way to recover transit costs in developed cities is to influence he forma of the city toward a more transit--oriented structure. The role of rail systems in influencing and facilitating this cannot be underestimated.” Page 117, in “Sustainability and Cities, overcoming automobile dependence” Peter Newman and Jeffrey Kenworthy - Ed, Island Press, 2009.

Page 20: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 20 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

basta recordar os efeitos da poluição automóvel com uma forte componente nas emissões de gases com efeito de estufa (CO2) e na poluição atmosférica (NOx, SO2, Co, VHC e VP) causadora de diversas doenças crónicas e cancerígenas, aumentando por isso os orçamentos da saúde de tanta região e cidade - ver figura seguinte.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.14 - ISLAND PRESS - 2009

Esta informação é tanto mais importante quanto se sabe que o valor da despesa global do sistema de transportes de cada cidade varia de continente para continente, de país para país e de região para região – ver figuras seguintes.

FONTE: NEWMAN AND KENWORTHY, “SUSTAINABILITY AND CITIES”, FIG.3.16 E 3.17 - ISLAND PRESS - 2009

Num estudo de 2001 da UITP, todas estas externalidades (incluindo o congestionamento e acidentes), segundo a forma e estrutura da cidade, podem atingir valores globais entre os 5% e os 12% do PIB – ver quadro seguinte.

Page 21: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 21 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

TABLE 1: DENSITY, MODAL CHOICE AND COST OF TRANSPORT FOR THE COMMUNITY (% OF GDP)

Net Human Density (NHD)[(pop.+jobs)/ha]

NHD >100 100> NHD >50 50> NHD >25 25> NHD

%GDP 5,7% 8,6% 11,1% 12,4%

Modal Split (MS) journeys walking, cy-cling and PT

MS>55% 55%>MS>40% 50> NHD >25 25%>MS

%GDP 6,3% 8,8% 10,2% 12,5%

SOURCE: VALUES 2001 PUBLISHED BY UITP, MOBILITY IN CITIES, 2005

As regiões e as cidades são cada vez mais confrontadas com opções estratégicas em relação ao sistema de transportes e elas são tão mais importantes quanto se tem presente os impactos territoriais e sociais, seja ao nível da fragmentação do território e segregação social, seja ao nível do ambiente5 e eficiência energética6.

TABLE 2: DENSITY, MODAL CHOICE AND ANNUAL ENERGY CONSUMPTION FOR TRANSPORT

Net Human Density ( NHD )[(pop.+jobs)/ha]

NHD >100 100> NHD >50 50> NHD >25 25> NHD

Energy consumption 12.200 13.700 20.200 55.000

Urban area [ha] <30.000 [30.000;90.000] >90.000

Energy consumption 12.600 16.600 36.600

Share of Journeys walking, cycling or on PT MS>55% 55%>MS>40% 40%>MS>25% 25%>MS

Energy consumption 11.900 14.600 19.100 55.500

SOURCE: VALUES 2001 PUBLISHED BY UITP, MOBILITY IN CITIES, 2006 XUN:[MJ/YEAR/INHAB.]

5. Ver o relatório em http://thecostofsprawl.com/report/SP_SuburbanSprawl_Oct2013_opt.pdf6. “Energy consumption also varies with the density and urbanized area. In European cities values range from 12,000 to 16,000 MJoules / year / inhabitant and in the U.S. and Australia over 30,000 MJoules / year / inhabitant, that is, about 400 to 500kg of oil per year per inhab-itant. In terms of effectiveness, the cities that use more PT services, have an energy consumption advantage over those where powered mobility becomes a function of the car, representing a consumption PT / passenger x km about 2.2 times less and also a consuming cost about 1.6 less. These differences are even more pronounced if the cities are more compact and feature of PT is higher, even reaching 5 times lower specific fuel consumption – see Table 2” – in introduction of proposal thesis “Hibrid modes in the complexity of mobility urban system: potentialities and difficulties in adoption” (CG, Maio 2013).,

Page 22: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 22 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

3.

Numa perspectiva de se poder responder a estes e outros problemas de construção duma alternativa à sociedade baseada no transporte individual, as soluções passam pela conjuga-ção de propostas de ordenamento do território e de planeamento estratégico do sistema de acessibilidade e de mobilidade sustentável. O debate é urgente mas, ele tem de ser coerente e consequente.7 Ora, o próximo OE é anunciado como estar, mais uma vez, condicionado por Bruxelas e pela “regra” do Défice. Saber combater esse “Défice”, passa necessariamente por mudar o funcionamento do sistema de transportes.

Refiro a esse propósito, a necessidade imperativa da construção uma agenda de controlo de-mocrático das redes e serviços de Transporte Colectivo contra as externalidades causadas pela dispersão urbana8:

(…) “O sistema urbano e suburbano – a resposta ecosocialista: “as nossas vidas valem mais do que os lucros” (Perú, Dez.2014) – e o programa estratégico, legislativo e opera-cional na área dos transportes.

Os vários Planos nacionais (ENDS, PNPOT, PNAC, PNAEE, PAIPDI e PET) não respondem à ur-gência do combate às alterações climáticas tal como se enquadrava na lei 1/2009, de formação das Autoridades Metropolitanas de Transporte de Lisboa e do Porto (AOTU), cujo objectivo principal era programar a menor dependência do automóvel e favorecer o Transporte Públi-co. Com a lei 52/2015 (RJSPTP), essa política e metodologia foi ignorada (ex: os objectivos do PETI3+/GTIEVA era promover o negócio do transporte a privados, nos próximos 5 anos de 2016 a 2020). Com efeito, no período 2011-2015, a gestão orçamental definida pela Troika e conduzida pelo anterior governo teve uma incidência negativa na gestão da coisa pública, na redução de serviço público da oferta das redes de TP, daí terem anulado aquela lei. Apesar da anulação do TP ser conduzida ideologicamente para se dar satisfação ao programa de conces-são das redes de TP a privados, no entanto, a evidência duma quebra acentuada da procura em TP teve incidência negativa na gestão do Défice e da Dívida, uma vez que fez disparar as externalidades negativas, para além de lograr uma tentativa de construção duma alternativa à mobilidade dependente do automóvel. Esta indústria do automóvel continua a ter sucesso apesar de quebras pontuais (ex: as emissões falsificadas da VW…) e a questão agora levantada pela recente COP21, do combate às alterações climáticas, veio colocar a nu, paradoxalmente, a crise do TP em Portugal, enquanto noutros países Europeus há apostas significativas de transi-ção ecológica das cidades com o reforço do investimento público nas redes de TP.

Ora, a resposta ecosocialista não passa só por requalificar o meio urbano com modos alterna-tivos à invasão do transporte individual nas cidades com base em leis embora, mais do que

7. Em 2014, a Assembleia Municipal de Lisboa promoveu três sessões sobre o tema da mobilidade urbana, a última das quais teve o protagonismo do ex-secretário de Estado (Sérgio Monteiro) e o actual primeiro-ministro (António Costa) acerca do modelo de concessão do transporte colectivo urbano que o primeiro anunciava ir para os privados e o segundo defendia a sua municipalização, numa referência à descentralização de poderes e uma convicção de que o TP urbano deve ser planeado e gerido pela administração local – o que ia ao encontro da lei 52/2015. Com a entrada do XXI Gov. Constitucional, o futuro do TP urbano ainda está muito aquém das expectativas que estão a ser desenvolvidas noutros países – uns com maior regulação e outros menos – acerca da função do TP na transição ecológica da cidade.8. Ver artigo em http://www.criticaeconomica.net/wp-content/uploads/2016/05/revista critica_7.pdf.

Page 23: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 23 -

01. A

EC

ON

OM

IA E

M D

EBAT

E

nunca, seja preciso um ordenamento e planeamento em termos de Organização Institucio-nal do TP urbano; ela passa sobretudo por um conjunto de aplicação de conceitos, princípios e políticas, cujos objectivos se concentram a vários níveis sociais, vários programas – ver Qua-dro.

Uma primeira conclusão que se pode retirar, desde já, é a revisão imediata das leis 75/2013, 31/2014 e 52/2015, colocando a perspectiva estratégica da ecologia urbana e  do TP Urba-no  como uma ferramenta fundamental para o reforço do Estado Social. A recuperação de instrumentos estratégicos e da composição orgânica da AOTU para as áreas metropolitanas consignada na lei 1/2009 deve ser concluída e aplicada ao nível nacional, tal como a exigên-cia da Conta Pública do Sistema de Deslocações nos Planos Deslocação Urbana (PDU) que permitirá exigir que em futuros cenários de exploração do Sistema de Transporte, haja efecti-vas Consultas Públicas para e que as opções sejam tomadas tendo em consideração a ava-liação daqueles custos sociais e umInvestimento Público associado a projectos com Decla-ração de Utilidade Pública (DUP), neste caso, de contra-ciclo à austeridade e pela criação de emprego qualificado.

A segunda conclusão incide na necessidade, também urgente, duma gestão e controlo das leis que administram o território, em particular, as do urbanismo, com base numa acção coe-rente e consequente contra a lógica e ritmo de acumulação do capital através da dispersão urbana. Este combate faz-se quer ao nível central (leis do Estado, orçamento e fiscalidade) quer ao nível local (planos directores municipais, jurídico e regimes fiscais locais) em defesa do Estado Social. Esta interacção deve ser dinamizada ao nível do grupo parlamentar da AR e ao nível dos parlamentos regionais e municipais para um Contrato-Plano “Estado – Região – Município”. Em que consistem essas leis e esses regimes fiscais desse Plano? No primeiro caso, já se referiu esse enquadramento mas, ao nível local, toda a proposta deve seguir uma discus-são pública alargada a Fóruns Sociais promovidos por grupos de cidadãos e comprometendo o PS e o PCP, uma vez que estes dois partidos são, a maioria da Governança Urbana. A ques-tão da Ecologia Urbana deve ser presente em toda a proposta de Redes e Serviços Públicos, a começar pela forma como se planeia e organiza a reforma do território e, portanto, da vida em sociedade com menos custos sociais, como por exemplo, o desenvolvimento de bairros ecológicos, numa perspectiva de “Smart Growth” e não de “urban growth machines” (como afirma David Harvey, no Rebel Cities). Esta perspetiva do “Smart Growth” é relacionada com a promoção da acessibilidade quer à habitação quer ao sistema de transportes com o mais bai-xo custo social, ou seja, de promover a eliminação/redução das externalidades negativas. O re-gime fiscal dessas áreas urbanas mais compactas terá mais vantagens e as políticas de preços e tarifas devem ser consonantes com esses objectivos. Não se pode eliminar a dispersão urbana, entretanto, criada mas, pode-se ir reduzindo ou mesmo eliminando os seus efeitos negativos.

Page 24: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 24 -

01. A ECONOMIA EM DEBATE

CONCLUSÃO:

Nos últimos 35 anos, assistiu-se a uma desregulação contínua das leis do território e dos trans-portes, promovendo a dispersão urbana na lógica de acumulação do capital e com impac-to na Dívida e no Défice. A intervenção local ao ter esta reflexão e proposta do sector dos transportes alarga o seu conhecimento para oferecer aos Fóruns Sociais a sabedoria desse combate.”

Por isso, quando refiro, a esse propósito, o livro “Le capitalisme contre le droit à la ville », em que David Harvey coloca-nos o desafio de construção de alternativas pelo direito à cidade e outros autores como Henry Lefebvre e Edward Soja traduzem-nos esta realidade urbana cons-truída sob a forma, a estrutura e intensidade de como o capitalismo tem-se reproduzido nesta fragmentação urbana e provocado a segregação social, além da geração da injustiça territo-rial, ambiental e energética com sobre impacto na Dívida; uma das respostas que pode modi-ficar o modo de vida urbana e ganhar controlo democrático sobre as avaliações e decisões sobre a sustentabilidade das cidades, é a defesa dessa agenda pelo reforço do Transporte Colectivo e dos modos suaves.

O Transporte Colectivo/Público (TC/TP), apesar do risco elevado do investimento no ordena-mento urbano fazer parte da dinâmica de acumulação, no entanto, é mais do que nunca, uma forma de colmatar estas desigualdades e reestruturar territórios e a vida social das populações, para além do combate ambiental e energético e criação de emprego qualificado9 enquadrado na rendibilidade social do sector.

9. No final do ano passado, nos acordos de Paris da COP21, muitas vontades foram expressas, de mudanças de políticas públicas e priva-das, no sentido duma maior descarbonização das cidades e da própria sociedade, a que não é alheia a inovação tecnológica dos veículos híbridos e eléctricos na indústria automóvel. A questão da descarbonização da sociedade devia estar sempre presente nas avaliações e decisões sobre o modo de vida da cidade e/ou da região pois, ela obriga a rever políticas públicas de “crescimento” da economia, como por exemplo, apostar-se mais no “crescimento zero” da economia, melhor dizendo na qualidade e não na quantidade. Mas, este é um programa a elaborar numa qualquer agenda autárquica ou nacional antes das próxima eleições.

Page 25: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 25 -

02. I

MPO

STO

SO

BR

E PA

TRIM

ÓN

IO IM

OB

ILIÁ

RIO

DE

LUXO

Da ópera bufa em torno da tributação do imobiliário

NUNO SERRA

No dia em que se soube que fomos o país da OCDE que em 2015 mais agravou a tributação dos salários baixos e uns dias depois de se confirmar que as desigualdades se agravaram acima da média europeia nos anos do «ajustamento», Vasco Carvalho Marques considera, em artigo no Dinheiro Vivo a propósito da tributação sobre o património, que «este país não é para ricos».

É verdade que Carvalho Marques até concorda que «a tributação sobre os rendimentos do tra-balho em Portugal passou há muito os limites do razoável», tratando contudo de propor, logo a seguir, uma eliminação definitiva da sobretaxa de IRS «em todos os escalões». Tal como é verdade que o autor reconhece que «um “trade off”» entre a tributação do rendimento e do património «poderá conduzir a um maior equilíbrio entre contribuintes», tratando contudo de alertar, logo a seguir, para os perigos de mexer nestas coisas.

Partindo dessa linha de prudência, Carvalho Marques considera que o fundamental é que o legislador - antes de proceder a quaisquer alterações na tributação sobre o património - com-pare «os impostos aplicados ao imobiliário nos países que connosco competem», como «a Es-panha e Grécia, mas também a Croácia ou Chipre». Boa ideia, comparemos então:

Pois é. Como o Tiago Antunes já tinha demonstrado aqui, em termos de tributação do imo-biliário Portugal não só se encontra abaixo da média dos países da UE considerados como é

IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIOIMOBILIÁRIO DE LUXO

Page 26: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 26 -

02. IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO DE LUXO

o «mais competitivo» no conjunto de países com que deve, segundo Carvalho Marques, com-parar-se (e que, por acaso, até se situam acima da média). Ou seja, em matéria de fiscalidade comparativa, há bastante margem de manobra e não corremos por isso o risco de afugentar o investimento estrangeiro no setor imobiliário português.

Carvalho Marques não o refere, mas há ainda um outro aspeto que poderia dissuadir «o leg-islador» de aumentar a tributação sobre o património, nos moldes genéricos em que esse aumento tem sido discutido. De facto, a ideia de que a carga fiscal é determinante nas opções dos investidores é manifestamente redutora. Um país até pode ter um nível de tributação mui-to elevado, mas se os preços das casas forem competitivos, esse nível de tributação torna-se ainda mais irrelevante. Dito isto, como se posiciona Portugal no mercado em que se movem os seus concorrentes? Ora vejamos:

Mais uma vez, as preocupações carecem de fundamento. No conjunto de países considerados,

Page 27: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 27 -

02. I

MPO

STO

SO

BR

E PA

TRIM

ÓN

IO IM

OB

ILIÁ

RIO

DE

LUXO

de acordo com a Global Property Guide, Portugal é o segundo com valores mais baixos em ter-mos de preço de casas por metro quadrado, assumindo os seus «concorrentes» diretos valores mais elevados. Pelo que não estranha que a imprensa internacional sinalize Portugal como um dos países mais apetecíveis para investir e comprar casa. E isto sem falar das singularidades e fatores imateriais comparativos (como o clima, a gastronomia, as praias ou a segurança), que tendem a não encaixar bem nos cálculos das folha de excel.

Estes dois elementos - nível de fiscalidade e preço das habitações - ajudam portanto a esvaziar o alvoroço artificial a que temos assistido nos últimos dias. Um alvoroço que faz lembrar, pelo seu défice de realidade e bom senso, a histeria em torno dos contratos de associação. Não por acaso, aliás - e o João Rodrigues já o disse aqui - ouviram-se novamente referências a um novo PREC, a um radicalismo de esquerda desenfreado, a uma sovietização em curso e demais epítetos que se usam quando outros argumentos, minimamente sustentáveis, escasseiam.

PUBLICADO ORIGNALMENTE EM:

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2016/09/da-opera-bufa-em-torno-da-tributacao-do.html

As minhas alegres casinhas

TIAGO ANTUNES

Todos os anos é a mesma história: aproxima-se o Orçamento de Estado (OE) e começa a espec-ulação sobre o seu conteúdo. A oposição, desesperadamente procurando um diabo que teima em não aparecer, põe-se logo aos berros: “vem aí um aumento de impostos!”

De nada serve o Governo – o único que conhece o conteúdo do OE em preparação – garantir que, no próximo ano, haverá um desagravamento fiscal, isto é, haverá uma carga tributária globalmente mais baixa. Ainda assim, a oposição insiste em rasgar as vestes por um aumento de impostos que supostamente se avizinha.

O que não deixa de ser curioso, porque os atuais partidos da oposição são os mesmos que, quando estavam no Governo, decretaram o maior aumento de impostos de que há memória em Portugal (um “enorme aumento de impostos”, nas palavras do próprio Vítor Gaspar). Con-fiam agora na falta de memória dos Portugueses. Só que estes lembram-se bem da autêntica avalanche fiscal, que atingiu praticamente todos os impostos que existem, subindo-os.

Indo ao pormenor, a coisa torna-se ainda mais irónica:

– o PSD e o CDS, que em 2015, à pala da “tributação verde”, aumentaram brutalmente o im-posto sobre os combustíveis, em 2016 passaram a escandalizar-se com qualquer subida, ainda que de 1 cêntimo, no custo da gasolina ou do gasóleo.

Page 28: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 28 -

02. IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO DE LUXO

– o PSD e o CDS, que acabaram com a cláusula de salvaguarda que impedia aumentos bruscos do IMI, passaram a bradar aos céus contra qualquer mexida neste imposto, ainda que essa mexida seja norteada por um elementar imperativo de justiça fiscal.

Sim, sim, é disso mesmo que se trata nas alterações em curso quanto à tributação do patrimó-nio imobiliário: promover uma maior justiça fiscal. E como é que se faz isso? Repondo a cláusu-la de salvaguarda (o que já foi feito no OE2016) e introduzindo uma lógica de progressividade no imposto sobre imóveis (o que, tudo indica, constará do OE2017).

De resto, não há aqui qualquer novidade ou motivo de surpresa. É exatamente o que consta do Programa de Governo:

No que toca à progressividade, em vez de cada imóvel ser tributado de per se, passará a ter-se em atenção o valor acumulado de todo o património imobiliário detido por cada sujeito. E, consequentemente, quem tiver um património imobiliário de maior valor pagará uma taxa de imposto mais elevada; quem tiver um património imobiliário de menor valor pagará uma taxa de imposto mais baixa. Será, indiscutivelmente, um sistema mais justo e equitativo do que aquele que temos hoje.

Os pormenores e valores desta tributação imobiliária progressiva ainda estarão a ser calcu-lados pelo Governo e negociados com os parceiros parlamentares. Em todo o caso, tem sido referido que as casas de 1.ª habitação não deverão chegar a ser afetadas; e que haverá uma ressalva para as casas que sejam arrendadas.

Deste modo, ao afetar sobretudo imóveis ociosos, que não são usados para habitação per-manente própria ou de terceiros, esta medida serve também para promover a ocupação do parque habitacional. Era, de resto, com tal intuito que a medida se encontrava já prevista no célebre “documento dos economistas” do PS:

Page 29: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 29 -

02. I

MPO

STO

SO

BR

E PA

TRIM

ÓN

IO IM

OB

ILIÁ

RIO

DE

LUXO

Trata-se, assim, por um lado, de introduzir maior justiça fiscal, combatendo as desigualdades na distribuição da riqueza por via de um imposto patrimonial de cariz progressivo, e, por outro lado, de incentivar uma maior eficiência e racionalidade no aproveitamento habitacional do património edificado. Justamente os dois objetivos que constavam expressamente do Pro-grama Eleitoral do PS:

Sendo um instrumento de combate às desigualdades, através da tributação progressiva da acumulação patrimonial imobiliária, esta medida não é obviamente dirigida à classe média, mas sim aos detentores de património muito valioso e ocioso, designadamente os especula-dores imobiliários. O que deverá ficar claro quando se conhecer o valor patrimonial a partir do qual se aplicará uma tributação agravada.

Não deixa de ser curioso, portanto, ver algumas elites fundiárias a travestirem-se de classe média para fazerem de calimeros fiscais. Essas elites bem sabem que a única forma de com-baterem esta medida é apresentá-la como um ataque à classe média. Tudo não passa de uma manobra, porém. Enchem-se de dores pela classe média, mas o que realmente querem é evitar a tributação agravada das suas alegres casinhas. Assim, invocando o sufoco fiscal das famílias remediadas, o que na verdade pretendem é o perpetuar das desigualdades existentes.

Ao invés, a medida em preparação visa reduzir as desigualdades. Refira-se, aliás, que a tribu-

Page 30: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 30 -

02. IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO DE LUXO

tação progressiva do património imobiliário com intuitos redistributivos é recomendada pela própria Comissão Europeia:

Em desespero, surge ainda um derradeiro argumento: então a tributação progressiva da acu-mulação patrimonial imobiliária não acabará por funcionar como um entrave ao investimento, em particular o investimento estrangeiro?

Eu diria que o investimento estrangeiro que queremos acarinhar e incentivar é aquele que vem cá abrir empresas, montar indústrias ou abrir comércio e serviços, criar empregos e gerar riqueza. Mas afinal parece que, para certas mentes bem pensantes, o investimento estrangeiro que queremos proteger é o dos magnatas que cá vêm comprar casas.

Seja como for, mesmo estes magnatas não parece que venham a ter a tentação de fugir para outras paragens, uma vez que, em termos comparativos, Portugal tem níveis de tributação do património bastante mais baixos que os de outros países desenvolvidos:

(Fonte: OCDE. Atente-se nos casos da Irlanda e da Espanha, cujos processos de ajustamento orçamental nos últimos anos levaram a um aumento da tributação sobre o património, diferentemente do que sucedeu em Portugal)

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:

http://geringonca.com/2016/09/18/minhas-alegres-casinhas/

Page 31: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 31 -

02. I

MPO

STO

SO

BR

E PA

TRIM

ÓN

IO IM

OB

ILIÁ

RIO

DE

LUXO

O governo deve agradecer à direita o frenesim sobre o imposto

FRANCISCO LOUÇÃ

Passos Coelho e Assunção Cristas, que impuseram um imposto de selo de 1% sobre os pat-rimónios de um milhão ou mais, estão revoltados pela possibilidade de haver uma pequena taxa (será de 1%?) para patrimónios imobiliários de um milhão ou mais. Que o investimento foge, que é um novo PREC, que os proprietários choram, que a riqueza é um bem nacional e que nada de ofender os milionários que os pobres precisam deles, tem-se ouvido as alegações mais divertidas. Que é a Coreia no Norte, que é o comunismo, que é o reino dos invejosos, que aquela devia ser internada num hospício, temos de tudo.

Tudo magníficos argumentos, que já aqui elenquei há dias.

Mas o melhor deles todos é que não pode haver aumento dos impostos. Só que não foi sem-pre assim, pois não? O gráfico seguinte mostra o aumento de impostos de Passos Coelho e Assunção Cristas no último ano do seu governo (já tinham aumentado todos os anos anteri-ores, subindo sempre a parada) e compara-o com o aumento de impostos de António Costa (os montantes das receitas fiscais são abatidos do efeito das variações do PIB, para uma com-paração mais verdadeira). Os números são conclusivos, não são? Passos e Cristas, viciados em aumentos de impostos enquanto governantes, sabem do que falam.

Reparem os leitores noutras diferenças: ao mesmo tempo que aumentavam o IRS e outros im-postos (sobre o património imobiliário, por exemplo), Passos e Cristas reduziram os salários e pensões, reduziram a indemnização e o subsídio de desemprego, e outras malfeitorias. Costa, pelo contrário, descongelou as pensões, restituiu salários, reduziu o IRS, reduziu a taxa do IVA para a restauração, reduziu o IMI (diminuiu a taxa máxima e manteve a cláusula de salvaguarda para o aumento do IMI por via da reavaliação).

Page 32: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 32 -

02. IMPOSTO SOBRE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO DE LUXO

O segundo gráfico diz-nos com um pouco mais de detalhe onde foi o governo Costa buscar o dinheiro. Diminuiu o IRS (porque anulou a sobretaxa para a maioria), aumenta a receita do IVA (as taxas mantiveram-se, só a da restauração é que foi reduzida, mas cresceu a actividade económica porque há mais confiança e um pouco mais de rendimentos) e, sobretudo, aumen-tou o imposto sobre os combustíveis. Este último tem um efeito negativo na vida económica. Mas é preferível a aumentar o IRS ou o IVA, o que o governo aliás não pode fazer em função dos acordos com a esquerda.

Num país que continua a pagar oito mil milhões de euros de juros de dívida pública, a uma taxa que é pelo menos o triplo do crescimento da nossa economia, e que está subordinado à restrição absurda de Bruxelas, a política orçamental é quase impossível: para conseguir alguns milhões para um aumento das pensões mais pobres, é preciso aumentar as receitas tributárias – ou despedir enfermeiras, ou professores, ou polícias, ou privatizar a CGD. A direita fez sempre escolhas no segundo campo, este governo só pode procurar soluções no primeiro.

O debate acerca deste exemplo do imposto sobre o património milionário é mesmo sobre isso: pode ou não o governo conseguir as receitas necessárias para um pequeno aumento das pensões dos reformados mais pobres.

Esse debate começou como começou, e mal, mas adivinho que vá terminar rapidamente, bastará uma sondagem sobre o novo imposto. Para o governo este caso torna-se então uma grande vantagem, pois a direita criou a si própria a pior das armadilhas: concentrou o debate do Orçamento, antes mesmo de o conhecer, na medida fiscal mais popular que o governo pode tomar.

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/09/22/o-governo-deve-agradecer-a-direita-o-frenesim-sobre-o-

-imposto/

Page 33: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 33 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

A Banca e o segredo bancário

RICARDO CABRAL

AS AJUDAS DO ESTADO À BANCA

Em poucos meses, a banca nacional está a ser desmantelada e vendida em saldo a interesses estrangeiros, com consequências muito graves para a economia nacional e para a própria so-berania do país.

O jornal Público informa que o empréstimo do Estado de 3,9 mil milhões de euros ao Fundo de Resolução, utilizado para recapitalizar o Novo Banco, bem como o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, utilizado para recapitalizar o Banif (353 milhões de euros), vão ser pagos pela banca a operar em Portugal durante entre 20 a 30 anos. Sempre defendi que qualquer desses empréstimos não era empréstimo nenhum. No primeiro caso, em particular, era a na-cionalização completa do Novo Banco através de uma injecção de capital público. E, portanto, o actual Governo herdou do anterior (e, em particular, da ex-Ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque) uma “batata quente” de resolução difícil.

Provavelmente, por razões políticas, o Governo não quer assumir que vai perdoar a dívida da banca ao Fundo de Resolução (a qual poderia contestar, com elevada probabilidade de suces-so, a obrigação de pagar os custos da intervenção pública no Novo Banco e no Banif em Tribu-nal). Por isso, o Governo decidiu prorrogar o prazo de pagamento por 20 a 30 anos, mas indexa a taxa de juro de financiamento desse empréstimo à taxa de juro de um empréstimo a 5 anos da República, acrescida de um spread. O problema é que esta versão dos factos parece uma má maquilhagem da verdade.

A República financia-se, no presente, a uma taxa de juro entre 4% e 4,2% (yield) em emprés-timos com maturidades entre 20 e 30 anos. E financia-se a uma taxa de 1,87% a 5 anos. O

BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

Page 34: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 34 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

Millennium BCP, por exemplo, financia-se nos mercados (se conseguir) a uma taxa de 3,2% a um ano e nem se refere a taxa de juro do Novo Banco.

Por conseguinte, a que propósito defende o Secretário de Estado Adjunto do Tesouro e Fi-nanças que a taxa de juro do empréstimo a 20 ou 30 anos ao Fundo de Resolução deve ser 1,87% (i.e., a taxa de juro a 5 anos) mais um “spread”, i.e., inferior em 2,1-2,3 pontos percen-tuais ao custo de financiamento da República para igual maturidade? Só isso, significa um donativo, dos contribuintes para a banca, de entre 90 e 98 milhões de euros, ano após ano, ao longo de 20 a 30 anos!

O anterior Governo tinha definido uma taxa de juro de 2,9% ao ano, mas o empréstimo deveria ser pago na totalidade em 2 anos, i.e., em Agosto de 2016. O actual Governo prorrogou este ano o empréstimo por mais um ano, baixando a taxa de juro do empréstimo ao Fundo de Res-olução para 1,25%. E agora pretende prorrogá-lo por mais 20 a 30 anos.

A banca, porque tem um risco superior ao do soberano, deveria pagar um prémio de risco (“spread”) por esse empréstimo. Se o prémio fosse uns modestos e generosos 100 pontos base, i.e., 1 ponto percentual, então estaríamos a falar de um donativo (ajuda de Estado) de 133 e 141 milhões de euros, por ano, à banca que opera em território português.

A Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia, que é (foi) tão solícita em “encon-trar” ajudas de Estado ilegais de forma a conseguir que o Governo venda (vendesse) ao des-barato, património privado e público nacional, a interesses estrangeiros, aparentemente con-corda – agora que, em larga medida graças a sua directa intervenção, grande parte da banca a operar em território nacional é ou irá em breve ser controlada por interesses espanhóis – que essa prorrogação do empréstimo ao Fundo de Resolução por 20-30 anos não seja considerada ajuda de Estado.

O Governo, por outro lado, já fez e aprovou outro decreto-lei à medida do BCP-Fosun (já antes o tinha feito para o BPI-La Caixa). Porque é que o Governo vai permitir à Fosun tornar-se num dos maiores accionistas do BCP? Não conhece o que a Fosun fez na Fidelidade? Não tem pre-sente que as regras bancárias permitem que os accionistas de um banco possam financiar-se junto do próprio banco até determinado limite? Não significa isso que a Fosun, um grupo que segue uma estratégia de crescimento agressiva e que tem um elevado nível de endividamen-to, poderá financiar grande parte ou a totalidade da injecção de capital no BCP através de um empréstimo do próprio BCP?

Reservo a reflexão sobre o que se avizinha com o Novo Banco para um próximo post.

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/09/30/as-ajudas-do-estado-a-banca/

Page 35: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 35 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

O recuo de Marcelo no segredo bancário

FRANCISCO LOUÇÃ

Parece que há uma espécie de consenso sobre o efeito fulminante do veto do Presidente con-tra o decreto-lei do levantamento do segredo bancário. As análises só se interrogam sobre as consequências quanto às relações com o governo e outras implicâncias dramáticas. Lamento discordar. Acho que o Presidente vetante recuou e não foi pouco.

Tendo Belém sugerido ao longo da semana que o Presidente levaria o decreto ao Tribunal Con-stitucional, Marcelo acabou por escolher o veto político com o vulnerável e volúvel argumento da “inoportunidade” – o que o tempo sempre pode corrigir. Então a pergunta é: qual foi a razão para nada pedir ao Tribunal Constitucional?

A resposta parece-me óbvia: o Presidente perderia qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional.

Se o Tribunal declarasse que o decreto é constitucional, derrota do Presidente e luz verde para o fim do segredo bancário nas condições propostas. Ora, como é que o Tribunal poderia se-quer considerar inconstitucional que, sem qualquer violação do que é privado (e só é privada a escolha das despesas que fazemos), o fisco tenha acesso somente ao valor de juros, dividen-dos, mais-valias e outros ganhos financeiros recebidos na conta (página 15 do Decreto-Lei)? Porque é que o Tribunal haveria de considerar constitucional que o fisco conheça os salários que recebemos – já reparou que a declaração do IRS vem pré-preenchida com o salário? – e haveria de considerar inconstitucional que o mesmo fisco venha a saber dos dividendos e gan-hos financeiros? Creio que o Tribunal consideraria este decreto constitucional e suspeito que o Presidente o sabe melhor do que ninguém.

Mas admitamos que o Tribunal considerasse o decreto inconstitucional, alegando que o fisco não pode ter acesso aos ganhos em dividendos e mais-valias. Isso colocava um novo problema e não é de somenos. É que, então, teria que declarar que o acordo com os Estados Unidos e a Directiva Europeia são inconstitucionais, porque se aplicam, entre outros, a cidadãos portu-gueses que passariam a estar sujeitos a uma norma inconstitucional.

Considere o exemplo: António Silva e Manuel Silva são irmãos, vivem em casas geminadas em Mem Martins, um tem uma conta em Sintra e outro tem uma conta em Montreuil, Paris, ou Newark, Nova Iorque, onde trabalhou. Tudo legal, gente séria. O fisco português vai receber in-formação da conta do Manuel (enviada por França ou pelos EUA) mas não do António (porque a conta é em Portugal). Dois cidadãos portugueses passam a estar em situações contrárias: um é abrangido por uma norma que, alegadamente por razões constitucionais, impede o fisco

Page 36: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 36 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

de conhecer os seus dividendos e mais-valias, e o outro é obrigado a ceder essa informação que em Portugal é considerada inconstitucional. O acordo com os EUA e a Directiva Europeia seriam, nesta lógica, inconstitucionais.

Portanto, o Presidente perderia em todos os casos a batalha constitucional. Ou perde no Tri-bunal e o decreto passa ou ganha no Tribunal e os acordos internacionais não passam. Foi por medo deste imbróglio jurídico que Marcelo recuou, abandonando a ideia de ir ao Tribunal Con-stitucional e se limitou a uma frágil alegação de “inoportunidade política”.

Ao evitar o confronto, o Presidente preferiu adiar a questão. Essa é a vitória de Pirro dos que acham essencial defender contra o fisco o segredo dos ganhos de capital. Não consigo dar-lhes os parabéns.

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/10/03/o-recuo-de-marcelo-no-segredo-bancario/

O combate à evasão fiscal e contributiva à Segurança Social é fundamental mas o

veto do presidente só o dificulta

EUGÉNIO ROSA

O combate à evasão e fraude fiscal, assim como à evasão e fraude contributiva à Segurança Social continua a ser fundamental em Portugal para que a justiça fiscal e contributiva aumentem, para garantir a sustentabilidade do Estado e da Segurança Social, e para que as desigualdades diminuem. E tudo isto torna-se ainda mais necessário numa altura em que a pressão e chantagem da Comissão Europeia, aliada à direita interna, para reduzir o défice está a aumentar de uma forma significativa. E aquele combate continua a revelar-se manifestamente insuficiente, apesar de algumas melhorias verificadas em certas áreas como a fiscal mas não a nível da Segurança Social, o que tem determinada a perda de elevada receita fiscal e de enorme receita contributiva à Segurança Social.

A EVASÃO FRAUDE FISCAL CONTINUA A SER ENORME EM PORTUGAL

Embora não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude fiscal, no entanto esta continua a ser enorme em Portugal. Para concluir isso, basta fazer algumas estimativas, utilizando os próprios dados oficiais.

Page 37: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 37 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

QUADRO 1- ESTIMATIVA INDICATIVA DA DIMENSÃO DA EVASÃO E FRAUDE FISCAL EM PORTUGAL

Para o período 2006- 2015, obtém-se 95.024 milhões €, um valor enorme que, embora indicativo, dá bem uma dimensão da evasão e fraude fiscal em Portugal. O método utilizado para estimar este valor foi o de calcular a diferença em milhões € de PIB entre os impostos pagos em Portugal e os que deviam ser pagos atendendo ao nível de desenvolvimento do país em comparação com os 28 países da União Europeia (59,9% da média da U.E.).

O valor obtido é, como se referiu, uma estimativa indicativa da dimensão da evasão e fraude fiscal no nosso país que é enorme (95.024 milhões € no período 2006-2015). E embora os valores anuais pareçam revelar um decréscimo acentuado durante alguns anos (entre 2006 e 2013, passa de 12.242 milhões € para 3.946 milhões €), essa tendência decrescente foi obtida principalmente através de um enorme aumento de impostos sobre aqueles que proporcionalmente pagavam já mais – trabalhadores e pensionistas – e não daqueles que fogem ao pagamento de impostos. E isto apesar da melhoria verificada na eficácia da Administração Fiscal poder ter contribuído também para isso. No entanto, nos dois últimos anos, aquela tendência decrescente parece começar a inverter-se o que deve revelar que os instrumentos já não são suficientes para o combate à evasão e fraude fiscal, sendo necessário utilizar instrumentos mais eficazes. Na verdade, um verdadeiro combate ainda não foi feito à evasão e fraude fiscal no nosso país, o que é confirmado pela enorme carga fiscal que continua a incidir sobre os rendimentos do trabalho e pensões, poupando os outros rendimento.

UMA ESTIMATIVA DA EVASÃO E FRAUDE CONTRIBUTIVA À SEGURANÇA SOCIAL

Mas a evasão e a fraude não se limitam apenas aos impostos. Elas também se verificam em larga escala a nível de contribuições para a Segurança Social. Também aqui não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude contributiva, por isso tivemos de fazer estimativas utilizando também os dados oficiais disponíveis. Os resultados obtidos constam do quadro 2.

Page 38: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 38 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

QUADRO 2 – ESTIMATIVA DAS CONTRIBUIÇÕES PERDIDAS PELA SEGURANÇA SOCIAL DEVIDO À EVASÃO E FRAUDE

O método utilizado foi o seguinte. Pegou-se nos valores de “Ordenados e salários” divulgados pelo INE e deduziu-se a parcela que não desconta para a Segurança Social (parte da Função Pública e outros trabalhadores que continuam a descontar para fundos de pensões). E ao valor obtido aplicou-se a taxa de 34,75% (11% desconto dos trabalhadores e 23,75% das empresas) e assim se obteve o valor que devia ser cobrado pela Segurança Social, e comparou-se este valor com o efetivamente cobrado. E a conclusão que se tira é a seguinte: no período 2000-2015, portanto em 16 anos, a Segurança Social perdeu receitas no valor de 53.119 milhões, o que agravou as dificuldades de sustentabilidade da Segurança Social e serviu de justificação para cortar e congelar as pensões.

Mesmo com o atual governo, pouco ou mesmo muito pouco, está a ser feito para inverter esta situação. Para concluir isso basta ter presente que existem a nível do país mais de 2,3 milhões processos de divida e que o número de trabalhadores afetos à recuperação da enorme divida à Segurança Social – mais de 10.200 milhões € já em 2014 - após a destruição da Administração Pública levada a cabo pelo governo do PSD/CDS é inferior a 145, o que dá cerca de 16.000 processos por trabalhador. Por ex., a Segurança Social de Braga, onde existem mais de 200.000 processos de divida, tem apenas 8 trabalhadores afetos a essa tarefa. É evidente que com tal carga de processos por trabalhador, muitas centenas de milhões de euros de receita são perdidos anualmente devido a prescrições. Como consequência da degradação a que chegaram os serviços de cobrança da divida declarada à Segurança Social, o combate à evasão e fraude contributiva (divida não declarada pelas empresas) é ainda manifestamente insuficiente. E continuam a não ser tomadas medidas adequadas para inverter a situação.

Page 39: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 39 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

O VETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À LEI DO GOVERNO SÓ CONTRIBUI PARA DIFICULTAR AINDA MAIS O COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAL

O acesso da Administração Fiscal às contas bancárias dos contribuintes com saldos superiores a 50.000 €, à semelhança do que já se verifica em vários países das União Europeia, constituía um instrumento importante no combate à evasão e fraude fiscal, e para implementar uma maior justiça fiscal. O argumento de devassa utilizado por muitos comentadores de acesso fácil aos media, assim como a justificação utilizada pelo presidente da República – inoportunidade politica já que esse acesso poderia por em risco a confiança dos depositantes no sistema bancário - é ainda mais insólito se tiver presente o numero reduzido de contribuintes que seriam atingidos por tal medida, como revela o Fundo de Garantia de Depósitos Bancários no seu ultimo relatório disponível (de 2014).

QUADRO 3 – REPARTIÇÃO DOS DEPOSITANTES POR ESCALÕES (VALOR EM €) DOS DEPÓSITOS

Este quadro consta da pág. 16 do Relatório do Fundo de Garantia de Depósitos de 2014 (o último disponível). Como rapidamente se conclui a concentração dos depósitos bancários em Portugal é muito elevada: 82,5% dos depositantes tem depósitos iguais ou inferiores a 10.000€, os quais representam apenas 14,6% do montante total dos depósitos (23.750 milhões €), enquanto 1,2% dos depositantes possui 38,2% do montante dos depósitos dos bancos referidos no Relatório (62.143 milões €). Os depositantes com mais de 50.000€ - aqueles cujos saldos deviam ser comunicados anualmente à Administração Fiscal, de acordo com a lei aprovada pelo governo - correspondem apenas a 3,3% do total de depositantes mas possuem 53,3% dos depósitos (86.709 milhões €).

Esta é a realidade e são estes que se sentem incomodados com a informação que seria prestada a Administração Fiscal dos saldos das suas contas, pois 96,7% dos depositantes não são abrangidos pela lei aprovada pelo governo. Portanto, aqueles que na comunicação social ou fora dela, se arvoraram contra aquilo que dizem ser a “devassa da vida privada” ou “espiolhar das contas bancárias”, é bom que saibam que o que estão a defender é a opacidade como muitos (certamente não a maioria, pois como diz o ditado popular, “quem não deve não

Page 40: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 40 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

teme”) dos 3,3% dos depositantes de bancos que conseguiram acumular elevadas fortunas, muitas vezes não pagando os impostos devidos, o que obriga milhões de trabalhadores e de pensionistas, que não fogem ao pagamento de impostos, a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que, aproveitando a opacidade existente, fogem às suas obrigações como cidadãos deste país.

POR QUE RAZÃO O ACESSO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL AOS SALDOS DAS CONTAS BANCÁRIAS É FUNDAMENTAL NO COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAL

Por ignorância ou com o intuito deliberado de impedir um combate eficaz à evasão e fraude fiscal, muitos dos comentadores que tem acesso fácil e garantido aos órgãos de comunicação social (ex.: Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares, etc.) afirmam, sem haver possibilidades de contraditório (assim vão os media em Portugal, de apenas uma voz) que o acesso automático da Administração Fiscal à informação dos contribuintes com saldos bancários superiores a 50.000€ é uma pura devassa da vida privada, pois isso não é necessário já que, quando há suspeitas de fuga aos impostos, a Autoridade Tributária tem o direito, por lei, de aceder às contas bancárias do contribuinte que suspeita que violou a lei.

No entanto, todos estes comentadores ignoram, ou por desconhecimento ou intencionalmente, que essa deteção pela Autoridade Tributária é extremamente difícil, tem resultados reduzidos, se não tiver a possibilidade de cruzar os dados dos rendimentos declarados pelos contribuintes com dados da evolução verificada na sua fortuna. E um dado fundamental no combate à fraude e evasão fiscal é precisamente a variação dos saldos das contas bancárias. Se a Administração Fiscal tiver conhecimento de uma variação significativa nos depósitos bancários dos contribuintes, isso funciona como um sinal de alerta, que a levará depois a analisar as declarações de rendimentos entregues por esses contribuintes, para saber se a variação verificada nos depósitos bancários tem suporte nos rendimentos declarados por esses contribuintes. E se não tiver deverá pedir esclarecimentos aos contribuintes. É evidente que é um combate mais orientado à evasão e fraude e certamente muito mais eficaz já que incidiria sobre todas as situações que devem ser esclarecidas.

Atualmente a Administração Fiscal só pode aceder às contas bancárias dos contribuintes se tiver já em sua posse dados concretos que permitam concluir que há suspeita fundamentada do contribuinte ter praticado fraude e evasão fiscal. Sem esses indícios seguros esse acesso não é possível. E isto porque o artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, que trata do acesso a informações e a documentos bancários dispõe textualmente o seguinte: “ A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários: a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; (b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível; (c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º; (d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos

Page 41: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 41 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

CONCEITOS

de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa; (Redação do Decreto-Lei n.º 71/2013, de 30 de maio); (e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua; (f ) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta; (g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social; (h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja” vinculado”. Portanto, atualmente só nestas situações é que a Administração Fiscal pode aceder às contas bancárias dos contribuintes e não da forma como os comentadores com acesso fácil aos media afirmam com o objetivo de enganar e manipular a opinião pública.

Esperar que em mais de 5 milhões de contribuintes, a Administração Fiscal possa, sem instrumentos de pesquisa automática (e para isso é necessário ter acesso à informação necessária, daí a justificação para poder ter acesso aos saldos das contas bancárias dos contribuintes com mais de 50.000€), detetar os que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, é reduzir significativamente a sua eficácia; é, no fundo e objetivamente, proteger aqueles que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, obrigando milhões de trabalhadores e pensionistas a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que fogem ao fisco. É sobre isto que deviam refletir aqueles que, com emoção e desconhecendo a realidade, se opõem a esta medida. Para além de tudo, o saber que as contas bancárias com saldos elevados seriam comunicados a Administração Fiscal, isso teria um poderoso efeito dissuasivo à fuga ao pagamento de impostos, à semelhança do que aconteceu com e-fatura. É evidente que este controlo podia ser aperfeiçoado ainda de forma a dar maior tranquilidade aos contribuintes que não fogem aos impostos, por ex. permitindo o acesso apenas àqueles em que se verificam nos saldos bancários variações significativas, cuja seleção poderia ser feito de uma forma automática por meio de um algoritmo.

É evidente também que o veto do presidente da República dificulta esse combate tão necessário à evasão e fiscal. Vamos ver se o atual governo tem a firmeza necessária para ultrapassar mais este obstáculo à implementação de uma maior justiça fiscal no nosso país, e indispensável também para garantir a sustentabilidade do próprio Estado, nomeadamente à realização das suas funções sociais (saúde, educação e segurança social).

Page 42: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 42 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

Os problemas existenciais do Deutsche Bank

RICARDO CABRAL

As acções do Deutsche Bank têm vindo a cair acentuadamente nos últimos quinze meses, de mais de 30 euros no final de Julho de 2015 para cerca de 10,9 euros hoje, acentuando-se essa queda na última semana, após a divulgação da informação que o Departamento de Justiça dos EUA se preparava para recomendar a aplicação de uma multa de 14 mil milhões de dólares ao banco.

O Deutsche Bank é um dos maiores bancos do mundo, como revela a Tabela abaixo do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) dos EUA (analisar coluna (7)), mas apresenta o rácio de alavancagem (“leverage ratio”) mais baixo de todos os maiores bancos (2,68%), ou seja, é, de acordo com este indicador, o banco mais alavancado dessa lista, um indicador financeiro que sugere um grande grau de risco.

Explicado de forma simplificada, basta o património do banco (activos) desvalorizar-se, em média, 2,69% para o banco se tornar tecnicamente insolvente. E basta uma desvalorização média de 0,35% do valor dos activos para o rácio de alavancagem, que o banco argumenta que possui, cair abaixo dos 3%, o que, em teoria, deveria obrigar à intervenção do supervisor (BCE).

Evidentemente o Deutsche Bank dispõe de activos que pode procurar alienar para melhorar os seus rácios de capital e já começou a fazê-lo, tendo começado igualmente a procurar redu-zir custos, por exemplo, encerrando balcões em Portugal.

F: FDIC, via Business Insider UK

Page 43: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 43 -

03. B

AN

CA

E SE

GR

EDO

BA

NC

ÁR

IO

01. P

OLÍ

TIC

AS

A SU

FRÁ

GIO

As regras sobre os requisitos de capital na União Europeia (CRR/CRD IV), após muito lobby dos grande bancos europeus, deixaram por especificar qual o rácio de alavancagem mínimo, ficando a Autoridade Bancária Europeia (EBA) de especificar qual o rácio de alavancagem mín-imo. A ideia inicial para esse adiamento seria que os rácios de alavancagem mínimos seriam sempre muito superiores a 3%, mas não era possível chegar a consenso sobre o valor na altura, por conseguinte, adiou-se a decisão final.

Mas os acordos de Basileia III, indicam que a comissão “irá continuar a testar um requisito mín-imo de 3% para o rácio de alavancagem” entre 1 de Janeiro de 2013 e 1 de Janeiro de 2017. Ou seja, o rácio de alavancagem implícito mínimo é de 3%. O certo é que a EBA finalmente reco-mendou em Agosto deste ano um rácio de alavancagem mínimo de 3%, que deverá se tornar vinculativo a partir de 2018.

Ora o Deutsche Bank, nas suas contas do segundo trimestre de 2016 (Junho), apresenta um to-tal de activos de 1,8 biliões de euros. Porém, as regras na União Europeia permitem que depois possa acontecer o seguinte: os activos ponderados pelo risco baixam para 402 mil milhões de euros, i.e., como se os activos no balanço do Deutsche Bank só tivessem cerca de 1/5 (22%) do risco de activos bancários “normais”. Em resultado desse artifício (utilizado por quase todos os grandes bancos europeus), o rácio de capital CET1 e solvabilidade do Deutsche Bank, que são importantes para o Mecanismo Único de Supervisão do BCE, são de 10,8% e de 14%, (muito acima dos declarados, por exemplo, pelo Banif em Setembro de 2015 (8,5% e 9,5%), pese em-bora o rácio de alavancagem do Banif (5,9%) nessa data fosse mais do dobro do registado pelo Deutsche Bank em Junho (2,68%).

Em Dezembro de 2015 o Banco de Portugal resolveu expropriar e literalmente dar[1] parte do Banif, cheio de dinheiro público, ao Santander, após impor, sem direito a contraditório, impar-idades que deixaram o rácio CET1 e de solvabilidade do Banif em 7,65% (0,35 p.p. abaixo de só um dos 3 mínimos regulamentares, cumprindo esse banco os restantes 2 requisitos de cap-ital – art. 92º da CRR4 -, bem como o requisito mínimo para o rácio de alavancagem que está implícito à regulamentação europeia e aos acordos de Basileia e obrigatório a partir de 2018).

As regras na União Europeia ainda permitem algo completamente surreal: que no cálculo do rácio de alavancagem se excluam parte dos activos do banco. Assim o Deutsche Bank pode declarar que o seu rácio de alavancagem é de 3,4% (acima de 3% e muito acima dos 2,68% cal-culados pelo FDIC), porque exclui dos seus activos quase 400 mil milhões de euros de activos.

Segundo o Deutsche Bank, o seu capital tangível, em Junho de 2016, era de cerca de 48 mil milhões de euros. As provisões para a diversa litigância jurídica em que está envolvido ascen-dem a cerca de 5 mil milhões de euros. O Deutsche Bank viu-se ainda forçado à medida, pouco habitual, de indicar que discordava e que iria contestar a multa do Departamento de Justiça dos EUA. Parece-me que assim poderá melhor defender junto dos respectivos auditores que não serão necessárias mais provisões.

Mas no teste de stress da EBA, o rácio de alavancagem do Deutsche Bank caiu abaixo dos 3%.

Page 44: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 44 -

03. BANCA E SEGREDO BANCÁRIO

Vimos o que ocorreu à banca portuguesa em resultado dos “testes de stress” da EBA. A ban-ca portuguesa tem dos melhores rácios de alavancagem da banca europeia. Mas porque al-guns bancos falharam nos testes de stress em relação a outros rácios de capital ocorreram verdadeiros actos de terror (e.g., confisco dos obrigacionistas seniores do Novo Banco a 29 de Dezembro de 2015).

Dois pesos, duas medidas? É certo que as regras europeias determinam que, o rácio de alavan-cagem, a medida mais apropriada da robustez financeira de um banco, não tenha ainda a im-portância dos restantes rácios de capital de um banco.  Mas o rácio está lá para todos verem, e torna-se difícil compreender que o supervisor (BCE) possa assobiar para o lado quando o rácio de alavancagem de alguns grandes bancos cai abaixo de 3%.

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2016/09/29/os-problemas-existenciais-do-deutsche-bank/

Page 45: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 45 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

O que resta?

PEDRO ADÃO E SILVA

Para onde quer que olhemos no mundo ocidental, assistimos a um recuo eleitoral dos partidos que governaram no pós-guerra, acompanhado do crescimento de novos fenómenos políticos. Trump nos EUA, o Podemos em Espanha, a FN em França, o 5 Stelle em Itália ou o Brexit no Reino Unido estão longe de ser epifenómenos.

Em importante medida, o crescimento das novas formações fez-se à custa do declínio eleitoral dos partidos social-democratas. O politólogo Simon Hix publicou há semanas um conjunto de gráficos elucidativos: analisando as votações do Labour e do SPD, é possível identificar tendências semelhantes. Ambos os partidos ganharam peso eleitoral a partir da década de 20 e atingiram o seu pico no pós-guerra. O Labour com votações acima dos 40% entre meados dos 40 e meados dos 60 e o SPD um pouco mais tarde, entre a década de 60 e os noventa. Desde então, mesmo com vitórias eleitorais, tem-se assistido a um declínio em percentagem de votantes, num contexto em que o número total de eleitores também regride. O Labour tem hoje cerca de 30% dos votos e o SPD pouco mais de 20%. Em Portugal, uma série longa dos resultados do PS desde a transição para a democracia revela também um declínio da sua representatividade. O PS não escapa à tendência e, não por acaso, é hoje Governo após um resultado eleitoral curto.

O economista de Harvard Dani Rodrick tem oferecido uma explicação coerente para o declínio dos partidos social-democratas, ao mesmo tempo que sugere alguns princípios que podem tornar uma recuperação política viável. Num artigo recente – “A abdicação da esquerda” –, sublinha que a crise de legitimidade das elites e o enfraquecimento dos partidos centristas são consequências expectáveis da híper-globalização do comércio e das finanças e de como, neste processo, as instituições reguladoras se revelaram impotentes. Com consequências: ree-

ESTUDOS E DEBATES

Page 46: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 46 -

04. ESTUDOS E DEBATES

mergem clivagens sociais entretanto desaparecidas e as sociedades democráticas passam a mover-se a ressentimento.

Há um paradoxo neste processo. No passado, o acentuar de clivagens de classe, entre quali-ficados e não qualificados, que se traduzem em disparidades salariais, tendiam a favorecer o crescimento eleitoral dos partidos de centro-esquerda. Hoje, deixou de ser assim. Os perdedo-res da globalização não votam na esquerda tradicional, preferindo partidos ou protagonistas excêntricos, desde que se apresentem com a dose adequada de nacionalismo, populismo e revolta contra o status quo.

É, por isso, tudo menos conjuntural o declínio político do Labour e do SPD, que é acompanha-do pelos socialistas portugueses. Resta saber por que razão tem a esquerda sido incapaz de articular uma resposta política aos desafios da globalização e em que base programática pode assentar essa resposta.

Ao contrário do passado, a social-democracia deixou de apresentar uma plataforma política coerente face aos novos desafios e, pelo caminho, deixou de ser maioritária. A asserção, aliás, é válida também para os partidos democratas-cristãos – muitos deles transfiguraram-se, vira-ram à direita e são hoje formações neoliberais.

No essencial, é este contexto de declínio do centro-esquerda e do centro-direita que explica que, apesar de termos em Portugal um governo liderado pelo PS, este resulte de uma derrota e assente numa maioria parlamentar inédita.

As causas para este enfraquecimento da social-democracia estão bem enraizadas e não é líq-uido que possam ser ultrapassadas. A combinação de transformações demográficas (envelhe-cimento) com mudanças culturais (multiculturalismo) e nas economias políticas (pós-indus-trialização) das sociedades ocidentais tornou as respostas clássicas desadequadas.

Não quer dizer que as prioridades do passado estejam ultrapassadas. Pelo contrário: a social--democracia definhou quando abdicou do combate ao conjunto das desigualdades, designa-damente as que se formam no mercado de trabalho, dando prioridade à resposta às formas mais severas de pobreza; quando aceitou que as escolhas individuais se sobrepõem a uma ideia comunitária; ou no momento em que os líderes políticos trocaram a austeridade moral que caraterizava as referências do passado por um deslumbramento novo-rico com o exercí-cio do poder e as suas benesses. Acima de tudo, começou a perder quando capitulou perante o fundamentalismo de mercado e tolerou o crescimento desregulado da mobilidade de capi-tais financeiros.

A dificuldade, hoje, está em encontrar um programa realista e coerente que possa recuperar, com novas políticas, as prioridades do passado.

Regresso a Dani Rodrick e ao elenco de ideias que podem responder ao vazio programático – as propostas de Piketty e Atkinson para promover a igualdade de rendimentos; as de Mazzu-cato e Chang para recuperar o papel do Estado como promotor da inovação industrial; as de

Page 47: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 47 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

Admati e Johnson para reformar o sistema bancário; as de Summers e deLong para incentivar o investimento público sustentável; as de Stiglitz e Ocampo para institucionalizar novas for-mas globais de regulação.

Ideias não faltam. Resta saber se há capacidade para a tarefa hercúlea que é articular interes-ses sociais para que a social-democracia se renove politicamente, de forma a retomar o seu papel histórico: contrariar as clivagens sociais, que fazem do ressentimento uma arma política, e recuperar um espírito comunitário, com políticas que reforcem a pertença social, cultural e política.

40 years of democracy and integration in the EU

RICARDO CABRAL AND VIRIATO SOROMENHO-MARQUES

INTRODUCTION

This paper reviews Portugal´s recent decades. It portrays a country full of hopes for the future in 1974, after the democratic revolution that closed a long lasting imperial course, mirrored for centuries in the world vision of its political elites. A country with very poor macroeconomic and social-development indicators, where most of the population had limited contact with the rest of the world, except those spread in the African colonies and in some European coun-tries. It shows how the country integrated internationally in the decades that followed.

PHASE I: 1974-1979: REVOLUTION AND THE FIRST INFANT STEPS OF DEMOCRACY

Portugal has changed beyond recognition in the last four decades of democracy. Portugal’s April 25th, 1974 revolution was followed by a parliamentary democracy, based on a new con-stitution, following 48 years of dictatorship. It ended 13 years of colonial war, which demanded the presence of a total 800 thousand military in three main war theaters (Angola, Mozam-bique, and Guiné-Bissau), with an army deployment that, at its peak in 1973, reached nearly 150 thousand men in arms. The war resulted in the death of 8.831 men of the Portuguese Armed Forces and in more than 100 thousand wounded and sick. It is estimated that more than 100 thousand combatants and civilians died as a consequence of the colonial war. The war, on average, consumed one third of the annual government budget expenditure, and rep-resented more than 40% of budget expenditures during the 60s.

Page 48: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 48 -

04. ESTUDOS E DEBATES

In the 50s and the 60s, Portugal, departing from extremely harsh economic conditions, expe-rienced one of the highest rates of economic growth worldwide, but which still left it, by 1974, as one of the poorest countries in Europe. On April 25, 1974, the country, led by its mid-offi-cers-corps, tired of a war without a political solution in sight, tired of the lack of political and economic freedom, tired of large scale emigration of its youth, embraced the idea of democ-racy through a captains-corps military revolution, which was largely peaceful despite heavy movements of troops.

The political and economic instability in the first years following the revolution was high. A country based on a colonial empire had to reorganize itself as a small European peripheral economy. It welcomed and integrated more than half a million Portuguese from the former colonies (6%-7% of continental Portugal’s population), an enormous success when we com-pare with the somber integration process of the French “Pieds-Noirs”, after the Algerian Inde-pendence (1962). Portugal created a National Health Service in 1979, offering for the first time, free access to health to the wide population. It vastly expanded its public and free education system, resulting in an exponential increase in the number of enrolled students. It introduced a public social security system for all citizens, including those that had not paid any contribu-tions, guaranteeing a minimum income for its eldest. Portugal raised child care allowances, and expanded benefits so that the unemployed could also claim child care allowances. It in-troduced a minimum wage (May 1974), which has never been as high in real terms since then. Portugal also created a national unemployment insurance in 1975 and nationalized the Bank of Portugal, the commercial banking system and leading industrial conglomerates.

In part as a result of: the political and economic instability; the increase in public spending and in disposable income, and the long impact waves of the oil shock of 1973, which made some Portuguese industries obsolete, the country quickly experienced small recurring bal-ance of payments crises right from 1974 onwards. The trade deficit jumped from -5,9% of GDP to -12,9% of GDP between 1973 and 1974. Between 1973 and 1974, Portugal’s net borrowing requirements deteriorated by 7.9 percentage points from -1.9% of GDP to 6% of GDP.

According to Paul Krugman and Diário Económico, between 1975 and 1977, the then gover-nor of the Bank of Portugal, José Silva Lopes called on various teams of MIT professors and graduate students, which included Rudiger Dornbusch, Robert Solow, Lance Taylor, Richard S. Eckaus, Cary Brown, Andrew Abel, Jeffrey Frankel, Miguel Beleza, Paul Krugman, Ray Hill, David Germany, Jeremy Bulow, and Ken Rogoff for advice. In 1975 Dornbusch, Taylor and Eckaus helped to create national accounts statistics. In 1976 Abel, Frankel, Beleza, Krugman and Hill, led by Rudiger Dornbusch, helped devise a novel solution to deal with the large trade deficits: a crawling peg for the Escudo which consisted in a planned and constant devaluation rate of the escudo vis-à-vis other currencies, whereby the Bank of Portugal committed to guarantee-ing the forward exchange rates.

The trade deficit initially fell marginally but remained at over 10% of GDP, in all but one year, in the period going from 1974 to 1983. The country net borrowing requirements remained high despite the first IMF bailout in 1977. Following, the second oil shock in 1979 and the aban-

Page 49: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 49 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

donment of the crawling peg policy in 1980 (“strong escudo” policy), the balance of payments crisis aggravated, with the country registering a trade deficit of 17.3% of GDP in 1982, leading to a second IMF bailout in 1983.

PHASE II: 1980-1998 - JOINING THE EUROPEAN UNION (EU)

Portugal formally applied to join the EU on March 28 1977. It signed the pre-adhesion treaty on December 3 1980. On January 1, 1986, Portugal and Spain formally joined the European Union. Portugal’s policy makers eagerly endorsed the European integration process. In the late 1980s and early 1990s, they embraced the Economic and Monetary Union (the launch of the single currency) project. It became an economic policy priority to be in the group of early euro adopters.

Very few argued against joining the euro. In fact, most economists and most policy makers had quite naïve views about the difficulties of the euro project. Thus, the country, and other member countries, ratified the Treaty of the European Union (Maastricht Treaty in 1992, and the Treaty of Amsterdam in 1997), in the process ceding away various economic and jurisdic-tional policy instruments.

Thus, the country: abolished capital controls in July 1990; reduced its banking system mini-mum reserve requirements from 17% in 1997 to 2% by January 1 1999; altered its constitution twice to accommodate the Maastricht Treaty and the Treaty of Amsterdam.

This widespread belief, without sound political or economic grounds, in the virtues of adopt-ing the single currency was somewhat understandable. In fact, despite the damage caused by the European Rate Mechanism (ERM) in the early 90s and the growing impact of the of economic integration in specific sectors of the Portuguese economy, the fact is that the first 6 years of integration in the EU were highly favorable for Portugal. Between 1986 and 1992, real per capita incomes increased enormously, moving from 50% to 65% of the average of 15 OECD developed economies.

At the political level, a number of arguments were put forward: that the Economic and Mon-etary Union would ensure that there would be peace among the Europeans; that it would accelerate economic development; that it would lead to higher levels of social justice; that it would result in increased powers for the European Parliament; and ultimately that it would lead to an European citizenship.

For Portugal, the Maastricht Treaty would have three alleged advantages: “first; it is an insur-ance for democracy, since the European political class is far more democratic than the Portu-guese one; (…) second, it is a source of economic development; (…) third, it is a factor of World relevance”.

The widespread enthusiasm with an embellished and idealized vision of the European Union likely explains why the naysayers had little representation in the media and on public opinion,

Page 50: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 50 -

04. ESTUDOS E DEBATES

on the one hand, and, on the other hand, why their views, even when presented publicly, were not able to gain the hearts and minds of the general public.

The refusal to submit the Treaty ratification process to a public referendum also explains the lack of effective national debate about the subject, confirming Adriano Moreira’s thesis that one of the larger sins of the European integration process is the “stealth fashion” by which it was brought about.

PHASE III: 1999-2011 - ADOPTING THE EURO

On January 1, 1999 Portugal adopted the euro.

The main problem of the euro area is that its member countries do not form a classic monetary union, based on federalism, which finds in the US its most mature type. A functioning mone-tary union has self-adjustment mechanisms that, while demanding responsible economic and financial behavior from the member states, ensure that member states in crisis automatically receive fiscal transfers from other member states, in the form, for example, of unemployment insurance and reduced tax bill, greatly reducing the chance that these states will be forced into bankrupcty.

In the United States, there is a proper federal government, with a very high own budget, which allows it to share with the federated states some of the social expenditures, which tend to increase during crises. Moreover, in contrast with the single inflation mandate of the ECB, the Federal Reserve has a dual inflation and full employment mandate.

In the US there is a single common purpose. In contrast, in the EU, there is no entity with a stra-tegic vision of the mission and future of the Union as a whole. On the contrary, the responses are found in a disruptive logic of “zero sum games”, in which the strongest (creditor countries with current account surpluses) seek to advance and protect their national interests, without care for the losses caused to the weaker, indebted countries, with current account deficits, and with a lesser role in the EU decision making process.

Unfortunately, the Economic and Monetary Union not only does not have any of the mecha-nisms that made the US federation a success story, but instead, the letter of the law (the Eu-ropean Treaty) forbids such mechanisms. The result, obviously, was that the European Council was forced to violate the letter of the law in order to be able to respond to the euro crisis.

At the present, by insisting on keeping the main body of the rules that have shown themselves highly destructive of the well-being and wealth of people and countries, the European Council and other EU governing institutions are simply showing an incomprehensible level of stub-bornness, bordering on recklessness, since such an approach risks bringing about the collapse of the entire European project with it.

While Portugal experienced rapid economic growth in the years that preceded the launch

Page 51: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 51 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

of the euro (between 1995 and 2000), the country’s macroeconomic performance since the introduction of the euro was a disillusionment. The performance was poor for most macroeco-nomic metrics (economic growth, domestic demand, gross investment, employment, unem-ployment rate, productivity growth, wage growth, etc).

In fact, for example, real domestic demand, total employment, gross investment are all lower than in the first year the country adopted the euro.

Nonetheless, the country registered strong progress in a number of social-economic indica-tors, such as educational attainment, production structure, and the structure of exports.

From 2001 onwards, with the country in risk of violating or de facto in violation of the stability and growth pact (budget deficit no larger than 3% of GDP), successive governments under-took various austerity measures and one-off non-recurring measures to lower the budget defi-cit, but these efforts were not successful.

Notwithstanding the successive austerity measures, the country economic performance ag-gravated during the rest of the decade. Undisturbed by the austerity measures the country’s net external debt grew at a rapid pace, so that by 2013, Portugal’s international investment position reached -118.9% of GDP (it had been close to balanced in 1996). This followed consec-utive years in the late 90s when the trade deficit was close to or above 10% of GDP.

However, led by the Governor of the Bank of Portugal who, in 2000, announced that under the euro the country would not have to worry about current account deficits, and by leading economists that argued that, with the euro, balance of payments statistics would become a mere curiosity of the past, the authorities and policy makers paid no attention to the growing external imbalances.

As a consequence, at the end of 2009, about three fourths of the Portuguese government direct debt was held by non-residents abroad, i.e., the Portuguese government was highly de-pendent on external funding. Moreover, the Portuguese banking system was strongly indebt-ed abroad, and dependent on external funding. And the Bank of Portugal showed growing dependency on large Eurosystem TARGET2 loans, from abroad.

Thus, as the financial crisis stroke in 2007-2008, and the banking systems of creditor countries (Germany, Holland, etc) cut back on lending to Portugal and other periphery countries per-ceived as more risky, the Portuguese government and the Portuguese banking system rapidly faced a funding crisis, whereby they were unable to raise new funds to repay old debt that ma-tured: the euro crisis arrived in Portugal a few months after it landed in Greece and in Ireland.

Between 2010 and 2011, the main rating agencies lowered Portugal’s government debt rating from investment grade to non-investment grade (“junk”). In April 2011, under the prodding of the ECB, the Portuguese banking system announced that it would not participate in further Portuguese government bond auctions. In June 2011, a large Portuguese bond series was due. The government did not have the funds to repay that debt at maturity, which would have

Page 52: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 52 -

04. ESTUDOS E DEBATES

precipitated a default event. To avoid default, the minister of finance Fernando Teixeira dos Santos on April 6th 2011, notwithstanding the opposition of the prime-minister José Sócrates, gave an interview announcing that Portugal would request a bailout. An initial agreement was reached on May 3, 2011 and the memorandum of understanding for the bailout was signed on May 17th, 2011.

PHASE IV: 2011-2014 – THE TROIKA BAILOUT AND THE ADJUSTMENT PROGRAM

The consensus perception of reality often matters more than facts – and this is of course the reason why propaganda, and not only in dictatorial regimes, is so important. The consensus view of the euro crisis was that this was a crisis that had its origins in “misbehavior” of the peripheral countries’ governments. Meaning this was a fiscal crisis caused by lax fiscal disci-pline: the governments of the peripheral countries “had been living beyond their means for too long”. This consensus view was shared not only by the governing institutions of the EU but also by wide segments of the population of the affected countries, including Portugal.

In fact, in Portugal, the memoranda of understanding between the EU and the International Monetary Fund (IMF), on the one side, and the Government of Portugal, on the other, was widely hailed in the press and by many academic economists. One often repeated slogan was that the memorandum meant that finally, under the close supervision of a troika of IMF, Eu-ropean Commission (EC), and European Central Bank (ECB) officials, Portugal would finally be able to “get rid” of some old bad habits.

Many Portuguese believed that the country had “lived beyond its means” and that the cause of the crisis was poor national (and poor government) policies. Many Portuguese believed that the country required some austerity to overcome the funding crisis, and actually embraced and accepted the first austerity measures with resignation to their “fado”. Many welcomed the troika of IMF, EC, and ECB technocrats because they believed the foreign technocrats would be far more competent stewards of Portugal’s economy and government, than the Portuguese politicians of the previous three and a half decades.

Therefore, it is no surprise that the design of the bailout and accompanying “conditionality”, was essentially based on the view that Portugal faced eminently a fiscal crisis.

However, in reality, the euro crisis is an external debt and balance of payments crisis. Up until 2005, according to the Eurostat, Portugal’s sovereign debt in percentage of GDP (67.7%), was lower than Germany’s (68.6%), and this following 5 years of subpar economic growth. At the end of 2009, Portugal’s net external debt, and the net external debt of Spain, Greece, and Ire-land, were very high (between 80% and 100% of GDP), roughly twice the size of Argentina’s gross external debt in 2001, when it declared a moratorium on debt, triggering a default event.

Thus, the adjustment programme suffered from a fundamental problem: the misdiagnosis of the nature of the crisis.

Page 53: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 53 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

A second problem is the widespread belief, by the powers that are running both EU and euro area destinies since at least the early 1990s, in the almost mythic powers and virtues of aus-terity. These unwarranted beliefs were allowed to be ingrained in key pieces of the Maastricht Treaty.

When the crisis stroke, the response was immediate: More austerity, and “austerity is the only option to respond to the euro crisis”.

Thus, austerity policy measures were numerous and blunt. They focused on raising fiscal reve-nues and reducing fiscal expenditure. They did not explicitly target improvements to the bal-ance of payments (the cause of the crisis).

Improvements in the external accounts were seen as a byproduct of the adjustment program, though the size of the external adjustment envisioned for Portugal (of more than 13 percent-age points of GDP) was much larger than the size of the fiscal adjustment.

Disastrous, regression and impoverishment are perhaps the keywords that best characterize the effects of the adjustment program on the Portuguese economy and on the Portuguese social fabric and people.

First, the adjustment program has resulted in an unprecedented job destruction. In 2012 alone, the first full year of the program implementation, 227 thousand jobs in the private sector were destroyed, 106% more than in 2011, representing 5,8% of total private sector employment. In the 4 years between the end of 2008 and 2012, 550 thousand private sector jobs were lost. The unemployment rate rose rapidly, particularly among youth. In fact 35.7% of 16-24 year-olds were unemployed in Portugal at the end of 2013. Despite the increase in unemployment, access to unemployment insurance was restricted so that by April 2013 only 44% of the unem-ployed could claim unemployment benefits.

Second, the adjustment program resulted in a massive increase in emigration of young singles and couples, often with a higher education degree. The best qualified generation in Portu-guese History, more than 200 thousand Portuguese emigrated between 2010 and 2013, with an estimated 120 thousand emigrating in 2013 alone. This rate of emigration is similar with that registered in the worse period of the dictatorship in the 60s. This is very problematic for the demographic sustainability of a country whose pre-crisis birth-rate was already among the lowest in Western Europe.

Third, the adjustment is so harsh that Portugal registered in 2013 the first balance of trade surplus in 70 years (the 8th trade surplus in 238 years of History). This is a stark indicator of the level of stress that the Portuguese economy is being subjected to, and is clearly unsustainable.

The social and human consequences of the adjustment programme are known: an increase in suicide rates, poverty, hunger, including among children. Widespread segments of the pop-ulation, including employed families (for example, in Portuguese public security forces), are facing hunger and hardship due to financial difficulties. These austerity policies were imple-

Page 54: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 54 -

04. ESTUDOS E DEBATES

mented in a country with high levels of poverty and income inequality. According to Jornal i, in 2010, prior to the bailout, but already after the first package of austerity measures were imple-mented, 2.3 million families (48% of total) had gross annual incomes of less than 10 thousand euro. Following the austerity measures implemented by imposition of the troika adjustment programme, families incomes dropped significantly. By 2012, 3 million families (66% of total) had gross annual incomes of less than 10 thousand euro.

PHASE V: 2014 - … – THE POST-TROIKA

The roadmap laid out by the EU governing institutions, the IMF, and the Portuguese govern-ment is clear. The country should, for the next few decades, “stay the austerity course”:

• Achieveaprimarybudgetsurplus(beforeinterestoutlays)thatallowsthecountrytopay about three fourths of the interest on public debt, and over a period of at least twenty years, allow it to reduce its stock of debt to 60% of GDP;

• Achieveasignificantexternalsurplus(beforeinterestoutlays),whichwouldallowthecountry to pay interest on its external debt, and slowly, over a period of at least forty years, reduce its stock of external debt to close to 0% of GDP;

• Build a cash cushionwell aboutmedium and long term refinancing needs, whichwould mean Portugal would not need to refinance debt in the markets for up to one year, but which would increase interest outlays by at least 0.5% of GDP each year;

• All thewhile thecountry shouldgrowathighnominal rates (ofmore than3%peryear).

However, the roadmap laid out by the EU governing institutions and the IMF, and condoned by the Portuguese government, always was, and unfortunately continues to be unrealistic. It requires that Portugal, by 2019, reach a primary external surplus of 9.5% of GDP similar to that of China in 2007. It requires a budgetary performance, in every year for two decades, that was observed only 7 times in the last seventeen years in 28 European Union member countries (1.6% of a total of 446 observations). That is, the troika plan has no connection to reality and is clearly not feasible at all.

As a result of the above facts, as of the writing of this article, on the eve of the 40th anniversary of the April 1974 revolution as well as on the eve of the exit from the three-year adjustment program in June 2014, the debate in Portugal on the merits of the current austerity strategy is finally intensifying.

Various opinion makers and institutions - such as the Constitutional Court, workers unions, busi-ness associations leaders, and, in a very disguised manner, the President of the Republic - con-test some of the policy measures taken by the government and question whether the strategy defined by the EU-IMF and fully supported by the Portuguese government is sound and viable.

Page 55: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 55 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

In particular these voices question whether, beyond the short run, the country will be able to endure at least two decades of austerity to bring down the deficit to under 60% of GDP, as mandated by the intergovernmental treaty “Fiscal Compact” signed by all EU member coun-tries except the UK and the Czech Republic. Recently one manifesto, subscribed by 74 indi-viduals with widely different political views and backgrounds (which includes both authors of this text), has defended negotiations, at the EU level, with a view to restructuring Portugal’s sovereign debt above 60% of GDP, through maturity extension and cupon (interest rates) re-ductions, within a broader EU strategy of debt redemption.

Not that the debate is so strong that it will be able to influence policy making in the near future, but given Portugal’s tradition of scarce debate on the questions that really matter - typically decided discretely in high-level closed-door negotiations -, it is a welcome change.

A second of the very few positive results to come up of the last three years is a very healthy dose of skepticism about the advice Portugal receives from European Union governing insti-tutions, and about European Union governance. Several of the policy measures being imple-mented in Portugal, mandated by the European Commission and the European Central bank on behalf of the European Council, are perceived by the general public as mean spirited and callous, when not altogether plainly illegal, and in stark contrast with the perks that the troika officials implementing these policies benefit: a case of “do what I say, not what I do”.

Unfortunately, the main political parties find themselves in gridlock, with political leaderships unable to negotiate an alternative strategy - on behalf and in the interest of the Portuguese citizens - with the powers that be of the European Union.

Thus, a realistic assessment of Portugal’s perspectives cannot but be dim. The propaganda machine is in full course in Berlin, Brussels, Frankfurt, Lisbon and in the Portuguese media: the Portuguese adjustment program is a success, as argued by Angela Merkel in a joint conference with the Portuguese prime-minister, Pedro Passos Coelho, in the Berlin Chancellery on March 18, 2014.

Wolfgang Schäuble, the finance minister of Germany since 2008, has said since at least 2011 that austerity is the only option, and has claimed, in various occasions, that austerity is work-ing in Greece, Ireland, Spain, and Portugal. Apparently, Wolfgang Schäuble believes in his own propaganda, and believes it so badly that he is willing to commit enormous amounts of Ger-man taxpayers funds to make sure his beliefs can become reality.

Who is right? Is the adjustment program and the austerity strategy a success, as proclaimed by the national, European, and IMF officials and authorities? Or is it a failure as argued by many, including the authors of this text?

It is all, we fear, a question of who is spending the most resources to support their own vision of reality.

Unbeknownst to most, the EU governing institutions have committed, through various pol-

Page 56: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 56 -

04. ESTUDOS E DEBATES

icy instruments, as of December 2013, approximately €153 bn of EU taxpayer funds (93% of Portugal’s GDP) to support Portugal and ensure that the country is able to carry on with the austerity strategy defined by EU governing institutions.

The austerity strategy would have long collapsed through government bankruptcy and sys-temic bank failure were it not for this huge injection of EU taxpayer funds that help keep gov-ernment and banking system afloat, with little substantive change in the policies that have driven the country to the present predicament. A similar picture emerges when one looks at the other peripheral countries in Europe.

Those few policy makers commanding EU governing institutions believe in their austerity strategy. They believe their strategy is correct. And they are able to command the immense financial resources of Eurozone member countries taxpayers, in practice, unchallenged, in sup-port of their beliefs.

This austerity strategy is, by this one metric - the amount of already committed EU taxpayer funds -, an utter failure. Though the series are not entirely comparable, Portugal’s total employ-ment is below the level registered when Portugal adopted the euro. The unemployment rate was 15.3% in the 4th quarter of 2013. Real GDP and real domestic demand have returned close to the level registered in 2000 and 1998, respectively. Real gross investment is well below the level observed in 1995. In 2013, gross public debt approached 130% of GDP and the budget deficit was close to 5% of GDP. The Portuguese government and the Bank of Portugal now owe the taxpayers of its EU partners and the IMF €153bn (93% of GDP), which the country will probably never be able to fully repay. Surely, such a huge amount of EU taxpayer funds could have been put to better use than this.

But little change can realistically be expected. The EU governing institutions seem intent on spending nearly unlimited financial resources to keep “austerity on course”.

The opinion makers, institutions and trade unions can muster far more limited resources to question the austerity strategy defined by EU governing institutions. Thus, it is foreseeable that austerity will continue for a few years more. In 2015, general elections will likely result in the current conservative government losing elections to the main opposition party (PS). The current PS leadership seems committed to continuing, with small variations, the current policies. It is unlikely to win a parliamentary majority in 2015. Thus, a post-election pact with the current conservative majority seems a distinct probability, which would imply the contin-uation of austerity policies.

Therefore, it is difficult to anticipate when will Europe and Portugal finally be ready to change course. It may require drastic social unrest, or a military coup, or a revolution to determine a rupture with the current state-of-affairs. In any of these cases the results for the country and also for the European Union project would be severely damaging. Another possible outcome, in the line of Max Planck’s paraphrased quote that “science advances one funeral at a time”, is that the likely less than one hundred policy makers that command the destinies of the Europe-an Union, retire, or get voted out of office, and the policy makers that replace them came with

Page 57: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

#9

- 57 -

04. E

STU

DO

S E

DEB

ATES

fresh views and finally change economic policies. The issue is that it may then be too late to change the current course which is, in our view, corroding the good faith and belief in a joint European project for European nation states and European citizens. So, while the authors are strong believers in the EU integration project, realistically, on the horizon, with stronger odds, we see, with pity, not more EU integration, but anarchic disintegration of the euro and of the European Union and a challenging test and regression for Portugal.

The austerity policies are putting the country under tremendous economic and social strain. In our view, the country is moving backwards to a past long thought gone of widespread misery and suffering, similar to that lived during the dictatorship, i.e. prior to the Carnation Revolution of 25 April 1974.

The Portuguese do not understand why the European Union, rather than helping Portugal become a developed country with decent living conditions, is aiding and abetting, when not altogether forcing a general degradation of living conditions and an increase in poverty. It’s both a grave economic policy error and a politically self-defeating strategy.

This undertone of resentment will not be easily forgotten. The policies of the current gener-ation of European Union leaders will make it far more difficult for future European leaders to develop new solutions for the further integration of the European Union.

Portugal’s economic policies under the adjustment programme seem to have been designed with Machiavel’s advice in mind, i.e., divide to conquer: put the young against the old; drive private sector employees against public sector employees; target deficients; target old widows; increase taxes for restaurant businesses but protect hotel businesses; increase taxes on small and medium enterprises but lower corporate tax rates for the largest companies, and so on.

Thus, the public dialogue and debate has become more virulent. There is the risk that the tensions brought about by far greater economic difficulties and distress will stoke tensions between sectors of society and that this tears apart the country.

We hope, if the darkest scenario comes to pass, that the stark national identity of Portugal’s near 900 year History will allow it to survive as a nation in a post-EU Europe. However, we sin-cerely hope that our analysis is wrong, and that the European Union is able to change course and reinvent itself as more dynamic economy and a more democratic polity.

CONCLUDING REMARKS

On the 40th anniversary of the Carnation revolution one would expect to recognize the enor-mous advances achieved. Portugal should be thankful to the European Union for the support and aid in its transition to a developed democracy. However, the celebrations happen in a grim context, where the participation of the country in the European Union is increasingly put in question. There is growing bitterness and resentment that the European Union is forcing the country to adopt irrational, counter-productive, and mean-spirited policies.

Page 58: #9 - CRÍTICA · 9 - 5 - 01. A ECONOMIA EM DEBATE Cinco palavras chave para perceber a evolução de economia portuguesa RICARDO PAES MAMEDE A economia portuguesa é sempre afectada

- 58 -

04. ESTUDOS E DEBATES

We should never give up on reason and sound principles. We believe that, against all odds, there is a strong need to raise and mobilise new social and political actors, building new al-liance across and beyond national boundaries, united by the defence of Europe as a great democratic and federal political entity. May the pain of the Portuguese people, under the joke of blind and narrow minded austerity policies, contribute to the awakening of courage and solidarity that EU is so dangerously missing in the unfolding of this unique crisis. Our common future as Europeans is again at stake, a century after the great 1914-1945 turmoil Era. No more, no less.

THIS TEXT WAS ORIGINALLY PUBLISHED BY THE HEINRICH BÖLL STIFTUNG ON 25 MARCH 2014 AS “PORTUGAL:

40 YEARS OF DEMOCRACY AND INTEGRATION IN THE EUROPEAN UNION”, AVAILABLE AT: http://eu.boell.org/

en/2014/03/25/portugal-40-years-democracy-and-integration-european-union