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DIARINHO DIARINHO 8 Segunda-feira, 9 de abril de 2012 www.diarinho.com.br Restauro do sangue real O último grande projeto da Kalmar foi trazer de volta à vida o veleiro Froya 2, um raridade de 50 pés (16,5 metros) que já pertenceu à família real norueguesa. Construído em 1968, já participou de regatas oceânicas internacionais e acabou comprado por um empresário paulista. Por falta de manutenção, o barco estava condenado a virar sucata. O restauro, feito no estaleiro itajaiense, durou dois anos e foi concluído há poucas semanas Por Sandro Silva [email protected] Q uem passa pela rua Blu- menau, no bairro São João, em Itajaí, bem na altura do número 924, não imagina que por trás de um discreto portão de ferro está uma das referências nacionais da mar- cenaria naval. Sobram nomes de clientes famosos pra afiançar a im- portância do pequeno estaleiro ita- jaiense Kalmar no mundo náutico. Gente como os velejadores Torben Grael e Robert Scheidt ou membros da família Sirotsky (do império de comunicação RBS) e Schürmann construíram ou reformam seus barcos por lá. Quer mais figuras de peso? O uruguaio Horácio Carabelli – aquele mesmo que é diretor téc- nico da equipe da Telefónica que disputa a regata de volta ao mundo Volvo Ocean Race – e o argentino Ricardo Rinaldi, dois dos maiores designers e projetistas de veleiros que atuam no Brasil, têm sua assi- natura em barcos desenvolvidos e construídos pela Kalmar. Com uma apresentação dessas, é bem compreensível que você já esteja imaginando um estaleiro gi- gantesco e com altas tecnologias e modernas formas de gerenciamen- to da cadeia produtiva. Descons- trua essa imagem. O Kalmar só é o que é porque optou por fabricar e reformar luxuosas embarcações de madeira de forma totalmente arte- sanal. “Somos uma grande marce- naria com trabalho fino”, resume, de forma singela, Lorena Kreuger, 27 anos, que em 2008 assumiu a direção da empresa com a morte do fundador, Lars Kreuger, então com 53 anos. Lars era seu pai. Nada de linha de produção mor- derna, reengenharia administrativa ou fabricação em grande escala. Lá, tudo é detalhado, minucioso e, claro, demorado. E mais: todas os desenhos das embarcações seguem um estilo retrô, em especial dos clássicos norte-americanos dos ano 50. Ou seja, o sucesso da empresa está justamente em ser anacrônica, fora do seu tempo. “Enquanto a gente conseguir fazer barcos dessa maneira, a gente vai fazer”, avisa Na contramão da tecnologia moderna, estaleiro itajaiense vira referência nacional Barcos de madeira e com visual retrô, fabricados por aqui, conquistaram um luxuoso nicho de mercado Estaleiro da rua Blumenau usa técnicas artesanais pra construir suas raridades DIVULGAÇÃO Embarcações são verdadeiras peças de coleção É pelas mãos deles que nascem as embarcações Strip planking, uma técnica que resiste nas mãos dos artesãos da Kalmar O tecnólogo naval Juan Capraro, 22 anos, passou meses estudando a forma de construção naval dos ope- rários-artesãos da Kalmar e descobriu que a tecnologia usada hoje no estaleiro itajaiense já é rara. “Eles usam a strip planking e só encon- tramos mais um (estaleiro) que usa esse tipo de técnica aqui no sul do Brasil, perto de Curitiba”, conta. O estudo do Kalmar lhe rendeu, juntamente com o colega Jean Cândido, ex-funcionário do estaleiro, o trabalho de conclusão do curso universitário com nota máxima. O strip planking (nem tente traduzir) chegou a ser bastan- te usado em todo o mundo, diz Juan, mas caiu em desuso e quase foi enterrado com o desenvolvimento das tecnologias em fibra. Mas a técnica continua viva no Kalmar. “Ela consiste em colar ripas justapostas sobre um conjunto de anteparas provisó- rias, que darão forma à futura embarcação”, explica o tecnólo- go. Traduzindo: o casco do barco é montado usando várias tirinhas de madeira de lei, como o cedro vermelho, por exemplo. Essas tirinhas não têm mais do que um ou dois centrímetros de largura e são encaixadas uma na outra, manual e milimetricamente. “É um trabalho de artesão. É algo fora de série”, atesta o tecnólogo. Depois disso, o casco do barco é virado e somente aí é que as cavernas (armações internas) são feitas. Pra terminar a es- trutura, ele é coberto por uma resina chamada epóxi (nome já abrasileirado), que o deixará tão resistente quanto o aço. Esse é um dos poucos luxos da moderni- dade usado pelo profissionais do estaleiro itajaiense. O epóxi vai garantir resistência e a durabili- dade do barco. No convés das embarcações do Kalmar geralmente se encontram peças em Teka, uma das madeiras mais caras do mundo. Algo entre R$ 12 mil e R$ 20 mil o metro cúbico, dependendo de onde ela vem. Isso também explica um pouco o preço nada popular dos barcos fabricados por aqui. O designer e engenheiro na- val Ricardo Rinaldi, 49, tá acos- tumado a construir gigantes da vela, usando as mais modernas tecnologias. Nem por isso deixa de tecer meadas de elogios aos barcos de madeira do pequeno estaleiro que, por coincidência, fica aos fundos do seu escritó- rio. Pra exemplificar o tamanho da importância das embarcações feitas pelo estaleiro itajaiense no mercado náutico, Rinaldi con- ta uma história que garante ser verdadeira. “Tem um cliente que fez um veleiro com a Kalmar e navega com o barco, mas quando pode leva para a casa, deixa na garagem e quando faz uma festa bota em exposição, como uma joia”, relata. O próprio Rinaldi não resistiu à tentação e desenvolveu três dos projetos retrôs da Kalmar. “O primeiro barco com o Lars foi em 2004, 2005”, lembra. O orgulho é tanto, que numa das paredes de seu escritório-ateliê, entre projetos e imagens de grandes e modernas embarca- ções de sua criação, lá está a R24, uma pequena lancha tam- bém inspirada nos clássicos dos anos 50. Claro, as embarcações que nascem no estaleiro da rua Blumenau estão longe de se- rem baratas, se comparadas aos modernos barcos de fibra. Uma pequena canoa canaden- se, por exemplo, chega a custar R$ 5 mil. Mas não pense que isso espanta a clientela. “Sem- pre há mercado, sempre há pessoas que procuraram esses produtos”, faz questão de dizer Rinaldi, concluindo: “Um ami- go meu dizia que quem tem um barco de madeira é um cole- cionador, alguém quer ter uma peça equiparada a uma obra de arte.” Especial Lorena, que herdou do pai não só uma empresa nada convencional, mas também o amor pelo mar e o prazer de velejar. Claro, tudo isso tem um custo. E é alto. Um pequeno veleiro, de uns oito metros de comprimento, custa lá seus R$ 200 mil. Não se tira o mérito de Lars Kreuger, que visualizou e em- preendeu um estaleiro ar- tesanal. Também não se questiona a sacada de Lorena, que assumiu a empresa aos tenros 24 anos de ida- de, assim que o pai faleceu de um câncer, e decidiu man- ter a proposta. Mas há que se admitir: não fossem os artesãos que constroem as raridades do Kalmar, o estaleiro não teria a fama nacional que tem hoje. Lorena sabe da importância de manter esses valores na empresa e, a maioria, observa, são prata da casa. “Nossos funcionários são todos antigos. Temos um marceneiro que está conosco há 25 anos e um pintor que está há 17”, conta. O pintor é Elias Silva da Motta, 35 anos. O marceneiro é Waldemar José Vendrami, o Manico, 52. KALMAR DIZ O PROJETISTA PARTEIROS NAVAIS A R24 é um dos três projetos desenhados por Rinaldi pro Kalmar ANTIGA, MAS EFICIENTE Método trabalhoso e demorado é um dos segredos do estaleiros FLÁVIO TIN DIVULGAÇÃO Segunda-feira, 9 de abril de 2012 www.diarinho.com.br 9 Geral [email protected] K8, o veleiro com sangue itajaiense leva a assinatura de Carabelli O construtor de sonhos mora aqui Lorena Kreuger, a atual diretora do Kalmar, não diz. Mas dá pra perceber que a menina dos olhos do estaleiro é o K8, um veleirinho de apenas 26 pés (isso dá pouco mais de oito metros). Tanto que a embarcação foi escolhida para es- tar exposta na vila da Regata da Volvo Ocean Race, montada no parque da Marejada, no final da avenida Ministro Victor Konder, e Beira Rio, no centro de Itajaí. Numa situação normal, o barqui- nho desapareceria em meio a gran- des lanchas e iates de luxo e fibra, com os quais divide o pátio do cen- troeventos. Que nada. O K8 é pequeno mas imponente. Seu proje- to é assinado por nada mais nada menos que Horácio Carabelli que, sem dúvidas, se en- che de orgulho toda vez que olha pra fora da feira náutica mon- tada na vila da Rega- ta e vê algum grupo babando em frente à embarcação. Sinta-se à vontade para chamar o K8 de clássico. A revista Náutica, a maior publicação brasileira volta- da para o mundo náutico de lazer, já o classificou como uma das 20 embarcações mais bonitas do país. A pedido de Lars Kreuger, Carabelli seguiu as belas linhas dos velei- ros familiares norte-americanos dos anos 50. Acertou em todos os detalhes, da beleza estética à per- formance de navegação. “Ele é um Day sailler, quer dizer, voltado pra navegar em águas abrigadas e pe- quenas travessias durante o dia”, explica Lorena. O mestre-artesão Manico é uma dessas figuras ímpar. Não tem celular e sequer sabe dirigir um carro. “Não preciso dessas coisas”, afirma, sem dar muita bola pras tecnologias modernas. No bom estilo de mestre-artesão, já está passando o que sabe pras gerações mais novas. “O menino, que já tem 18 anos, tá comigo no estaleiro, aprendendo”, diz, se referindo ao filho que, pelo visto, vai seguir os passos do pai. Falando em filho, esse é o sentimento de Manico quando termina um barco ou um projeto de reforma. Ele não se sente um operário da indústria naval, mas um criador. “Eu me sinto um artesão, um construtor. São 25 anos nisso, não é um ano”, faz questão de dizer. E experiência não lhe falta. “Tanto que já trabalhei pro Torben (Grael, o iatista brasileiro com maior número de medalhas olímpicas) e pra família Schürman”, observa, cheio de orgulho. Pelas contas do próprio Manico, já trabalhou em 40 embarcações, entre as construídas por lá e as que receberam grandes reformas. Todos os nove K8, o veleiro mais famoso da Kalmar, passaram por suas mãos. Elias começou na Kalmar quando tinha 18 anos. Era ajudante de pintura. Virou pintor dois anos depois e hoje é o mais experiente da equipe de pintura. Aquele primor de casco espelhado que se vê exposto na vila da Regata da Volvo, na Marejada, é trabalho desse pintor, que ainda usa o toque das mãos para poder sentir o resultado tanto da resina quanto da tinta que aplica nas embarcações. “Vou passando a mão e sentindo, percebendo onde tá bom ou ainda onde tem imperfeições”, diz. Se dá trabalho enxergar com as mãos? E como, admite Elias. Mas, garante, vale a pena. “Um K8 que eu pintei saiu como um dos mais bonitos do país. Isso deixa a gente muito satisfeito”, afirma, justificando o uso da técnica. Muita gente costuma torcer o nariz quando um político ou um executivo, de olho em alguma oportunidade, afirma categorica- mente que Itajaí se tornou um pólo náutico de referência nacional. Pois eles estão certos. Aqui - por justiça vale colocar Navegantes junto - não apenas se fabricam embarcações importantes da frota nacional como também estão alguns dos nomes de referência latino-americana quando o assunto é projetar barcos. É o caso do argentino Ricardo Rinaldi, 49 anos. Rinaldi é velejador de regatas oceânicas e coleciona alguns títulos em competições do cone sul. Mas sua fama vem de outra ativida- de também ligada diretamente à náutica: criar grandes veleiros. Uma de suas últimas crias já está quase concluída na prancheta, ou melhor, no computador. “É um veleiro com casco todo construído em fibra de carbono e com 83 pés (quase 27 metros e meio)”, revela. Será o maior já fabricado no país, afirma. Três dos desenhos do Kalmar levam a assintura de Rinaldi. São clássicos e pequenos, voltados pra passeio. Mas sua especialidade são mesmo os oceânicos, sua verdadeira paixão. O projeto atual é um catama- rã (aquele que a gente costuma ver do tamanho de um carro e com dois cascos), só que gigante. Tem mais de 70 pés (23 netris). Já está sendo construído pelo estaleiro carioca Rio Star e terá produção em série. Casado com uma brasileira, Rinaldi já se considera itajaiense. Chegou por aqui em 1989, traba- lhou no antigo estaleiro Ebrasa (hoje estaleiro Detroit), voltou pra Argentina, retornou ao Brasil, traba- lhou em várias empresas e projetos. Em 2007, depois que conquistou o reconhecimento no mercado, co- meçou sua carreira solo. O segredo da ascensão, deixa escapar, é se dedicar a um projeto como se ele fosse sempre único. “O cliente nos procura para converter em realidade aquilo que pra ele é um sonho”, observa o engenheiro naval, que diz ter escolhido a profissão aos 14 anos. É por isso que Rinaldo costuma fazer uma relação do seu trabalho com o de um profissional da costu- ra. “O projeto de um barco é como o trabalho de um alfaiate, sempre se adapta ao cliente”, compara. Alfaia- tes quase não se veem mais por aí. Já engenheiros e projetistas navais começam a ser profissionais cada vez mais requisitados pelo exigente mercado náutico. E Itajaí, afirma o renomado projetista, é pólo de referência no setor que exigirá esses profissionais. Barcos raros Só foram construídos até hoje nove unidades do K8. Também pu- dera, ele custa salgados R$ 200 mil. “É um brinquedo caro”, admite a empresária. Além das belas linhas, que seduzem ao primeiro olhar, o veleirinho tem outros grandes méritos: apesar do pequeno ta- manho, Carabelli o fez de forma a receber confortavelmente de quatro a cinco pessoas. E olha que ele ainda leva um motor de centro de 14Hp. Sua navegação também é fácil, pra amadores. “Ele é feito para ser navegado por apenas duas pessoas, mas com pequenas modificações, até mesmo uma pessoa pode velejar”, garante Lorena. Ao olhar para o exemplar do K8 exposto na vila da Regata, você vai pensar que tá diante de um zero bala. Tudo brilha, não há sequer um arranhão, um amassado ou um nicado. Bem, nesse caso, você está sendo enganado por seus olhos e pelo capricho dos marceneiros que o construíram e fazem sua manu- tenção. “Esse aqui foi o primeiro. Ele é nosso. Tem sete anos”, diz a diretora do Kalmar. E completa, toda orgulhosa: “É uma peça de co- leção. Você não encontra um des- ses pra vender usado. Quem tem fica”. TEM ESTIRPE RENOME NACIONAL O argentino Rinaldi radicou-se em Itajaí Só nove unidades foram construídas e navegam pela costa brasileira Lorena escolheu o k8 pra expor durante a Volvo Ocean Race De aprendiz ao mais experiente DIVULGAÇÃO FLÁVIO TIN FLÁVIO TIN DIVULGAÇÃO

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DIARINHO DIARINHO8 Segunda-feira, 9 de abril de 2012www.diarinho.com.br

Restauro do sangue realO último grande projeto da Kalmar foi trazer de volta à vida o veleiro Froya 2, um raridade de 50 pés (16,5 metros) que já pertenceu à família real norueguesa. Construído em 1968, já participou de regatas oceânicas internacionais e acabou comprado por um empresário paulista. Por falta de manutenção, o barco estava condenado a virar sucata. O restauro, feito no estaleiro itajaiense, durou dois anos e foi concluído há poucas semanas

Por Sandro [email protected]

Q uem passa pela rua Blu-menau, no bairro São João, em Itajaí, bem na altura do número 924,

não imagina que por trás de um discreto portão de ferro está uma das referências nacionais da mar-cenaria naval. Sobram nomes de clientes famosos pra afiançar a im-portância do pequeno estaleiro ita-jaiense Kalmar no mundo náutico. Gente como os velejadores Torben Grael e Robert Scheidt ou membros da família Sirotsky (do império de comunicação RBS) e Schürmann construíram ou reformam seus barcos por lá. Quer mais figuras de peso? O uruguaio Horácio Carabelli – aquele mesmo que é diretor téc-nico da equipe da Telefónica que disputa a regata de volta ao mundo Volvo Ocean Race – e o argentino Ricardo Rinaldi, dois dos maiores designers e projetistas de veleiros que atuam no Brasil, têm sua assi-natura em barcos desenvolvidos e construídos pela Kalmar.

Com uma apresentação dessas, é bem compreensível que você já esteja imaginando um estaleiro gi-gantesco e com altas tecnologias e modernas formas de gerenciamen-to da cadeia produtiva. Descons-trua essa imagem. O Kalmar só é o que é porque optou por fabricar e reformar luxuosas embarcações de madeira de forma totalmente arte-sanal. “Somos uma grande marce-naria com trabalho fino”, resume, de forma singela, Lorena Kreuger, 27 anos, que em 2008 assumiu a direção da empresa com a morte do fundador, Lars Kreuger, então com 53 anos. Lars era seu pai.

Nada de linha de produção mor-derna, reengenharia administrativa ou fabricação em grande escala. Lá, tudo é detalhado, minucioso e, claro, demorado. E mais: todas os desenhos das embarcações seguem um estilo retrô, em especial dos clássicos norte-americanos dos ano 50. Ou seja, o sucesso da empresa está justamente em ser anacrônica, fora do seu tempo. “Enquanto a gente conseguir fazer barcos dessa maneira, a gente vai fazer”, avisa

Na contramão da tecnologia moderna, estaleiro itajaiense vira referência nacional

Barcos de madeira e com visual retrô, fabricados por aqui, conquistaram um luxuoso nicho de mercado

Estaleiro da rua Blumenau usa técnicas artesanais pra construir suas raridades

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ÃO

Embarcações são verdadeiras peças de coleção

É pelas mãos deles que nascem as embarcações

Strip planking, uma técnica que resiste nas mãos dos artesãos da Kalmar

O tecnólogo naval Juan Capraro, 22 anos, passou meses estudando a forma de construção naval dos ope-rários-artesãos da Kalmar e descobriu que a tecnologia usada hoje no estaleiro itajaiense já é rara. “Eles usam a strip planking e só encon-tramos mais um (estaleiro) que usa esse tipo de técnica aqui no sul do Brasil, perto de Curitiba”, conta. O estudo do Kalmar lhe rendeu, juntamente com o colega Jean Cândido, ex-funcionário do estaleiro, o trabalho de conclusão do curso universitário com nota máxima.

O strip planking (nem tente traduzir) chegou a ser bastan-te usado em todo o mundo, diz Juan, mas caiu em desuso

e quase foi enterrado com o desenvolvimento das tecnologias em fibra. Mas a técnica continua viva no Kalmar. “Ela consiste em colar ripas justapostas sobre um conjunto de anteparas provisó-rias, que darão forma à futura embarcação”, explica o tecnólo-go. Traduzindo: o casco do barco é montado usando várias tirinhas de madeira de lei, como o cedro vermelho, por exemplo. Essas tirinhas não têm mais do que um ou dois centrímetros de largura e são encaixadas uma na outra, manual e milimetricamente. “É um trabalho de artesão. É algo fora de série”, atesta o tecnólogo.

Depois disso, o casco do barco é virado e somente aí é que as

cavernas (armações internas) são feitas. Pra terminar a es-trutura, ele é coberto por uma resina chamada epóxi (nome já abrasileirado), que o deixará tão resistente quanto o aço. Esse é um dos poucos luxos da moderni-dade usado pelo profissionais do estaleiro itajaiense. O epóxi vai garantir resistência e a durabili-dade do barco.

No convés das embarcações do Kalmar geralmente se encontram peças em Teka, uma das madeiras mais caras do mundo. Algo entre R$ 12 mil e R$ 20 mil o metro cúbico, dependendo de onde ela vem. Isso também explica um pouco o preço nada popular dos barcos fabricados por aqui.

O designer e engenheiro na-val Ricardo Rinaldi, 49, tá acos-tumado a construir gigantes da vela, usando as mais modernas tecnologias. Nem por isso deixa de tecer meadas de elogios aos barcos de madeira do pequeno estaleiro que, por coincidência, fica aos fundos do seu escritó-rio. Pra exemplificar o tamanho da importância das embarcações feitas pelo estaleiro itajaiense no mercado náutico, Rinaldi con-ta uma história que garante ser verdadeira. “Tem um cliente que fez um veleiro com a Kalmar e navega com o barco, mas quando pode leva para a casa, deixa na garagem e quando faz uma festa bota em exposição, como uma joia”, relata.

O próprio Rinaldi não resistiu à tentação e desenvolveu três dos projetos retrôs da Kalmar. “O primeiro barco com o Lars foi em 2004, 2005”, lembra. O

orgulho é tanto, que numa das paredes de seu escritório-ateliê, entre projetos e imagens de grandes e modernas embarca-ções de sua criação, lá está a R24, uma pequena lancha tam-bém inspirada nos clássicos dos anos 50.

Claro, as embarcações que nascem no estaleiro da rua Blumenau estão longe de se-rem baratas, se comparadas aos modernos barcos de fibra. Uma pequena canoa canaden-se, por exemplo, chega a custar R$ 5 mil. Mas não pense que isso espanta a clientela. “Sem-pre há mercado, sempre há pessoas que procuraram esses produtos”, faz questão de dizer Rinaldi, concluindo: “Um ami-go meu dizia que quem tem um barco de madeira é um cole-cionador, alguém quer ter uma peça equiparada a uma obra de arte.”

Especial

Lorena, que herdou do pai não só uma empresa nada convencional, mas também o amor pelo mar e o prazer de velejar.

Claro, tudo isso tem um custo. E é alto. Um pequeno veleiro, de uns oito metros de comprimento, custa lá seus R$ 200 mil.

Não se tira o mérito de Lars Kreuger, que visualizou e em-preendeu um estaleiro ar-tesanal. Também não se questiona a sacada de

Lorena, que assumiu a empresa aos tenros 24 anos de ida-de, assim que o pai faleceu de um câncer, e decidiu man-ter a proposta. Mas há que se admitir: não fossem os artesãos que constroem as raridades do Kalmar, o estaleiro não teria a fama nacional que tem hoje. Lorena sabe da importância de manter esses valores na empresa e, a maioria, observa, são prata da casa. “Nossos funcionários são todos antigos. Temos um marceneiro que está conosco há 25 anos e um pintor que está há 17”, conta. O pintor é Elias Silva da Motta, 35 anos. O marceneiro é Waldemar José Vendrami, o Manico, 52.

KALMAR

DIZ O PROJETISTA

PARTEIROS NAVAISA R24 é um dos três projetos desenhados

por Rinaldi pro Kalmar

ANTIGA, MAS EFICIENTE

Método trabalhoso e demorado é um dos

segredos do estaleiros

FLÁV

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Segunda-feira, 9 de abril de 2012www.diarinho.com.br

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K8, o veleiro com sangue itajaiense leva a assinatura de Carabelli

O construtor de sonhos mora aqui

Lorena Kreuger, a atual diretora do Kalmar, não diz. Mas dá pra perceber que a menina dos olhos do estaleiro é o K8, um veleirinho de apenas 26 pés (isso dá pouco mais de oito metros). Tanto que a embarcação foi escolhida para es-tar exposta na vila da Regata da Volvo Ocean Race, montada no parque da Marejada, no final da avenida Ministro Victor Konder, e Beira Rio, no centro de Itajaí.

Numa situação normal, o barqui-nho desapareceria em meio a gran-des lanchas e iates de luxo e fibra, com os quais divide o pátio do cen-troeventos. Que nada. O K8 é pequeno mas imponente. Seu proje-to é assinado por nada mais nada menos que Horácio Carabelli que, sem dúvidas, se en-che de orgulho toda vez que olha pra fora da feira náutica mon-tada na vila da Rega-ta e vê algum grupo

babando em frente à embarcação.Sinta-se à vontade para chamar

o K8 de clássico. A revista Náutica, a maior publicação brasileira volta-da para o mundo náutico de lazer, já o classificou como uma das 20 embarcações mais bonitas do país. A pedido de Lars Kreuger, Carabelli seguiu as belas linhas dos velei-ros familiares norte-americanos dos anos 50. Acertou em todos os detalhes, da beleza estética à per-formance de navegação. “Ele é um Day sailler, quer dizer, voltado pra navegar em águas abrigadas e pe-quenas travessias durante o dia”, explica Lorena.

O mestre-artesãoManico é uma dessas figuras ímpar. Não tem celular e sequer sabe dirigir um carro.

“Não preciso dessas coisas”, afirma, sem dar muita bola pras tecnologias modernas. No bom estilo de mestre-artesão, já está passando o que sabe pras gerações mais

novas. “O menino, que já tem 18 anos, tá comigo no estaleiro, aprendendo”, diz, se referindo ao filho que, pelo visto, vai seguir os passos do pai.Falando em filho, esse é o sentimento de Manico quando termina um barco ou um projeto de reforma. Ele não se sente um operário da indústria naval, mas um criador. “Eu me sinto um artesão, um construtor. São 25 anos nisso, não é um ano”, faz questão de dizer. E experiência não lhe falta. “Tanto que já trabalhei pro Torben (Grael, o iatista brasileiro com maior número de

medalhas olímpicas) e pra família Schürman”, observa, cheio de orgulho.Pelas contas do próprio Manico, já trabalhou em 40 embarcações, entre as

construídas por lá e as que receberam grandes reformas. Todos os nove K8, o veleiro mais famoso da Kalmar, passaram por suas mãos.

Elias começou na Kalmar quando tinha 18 anos. Era ajudante de pintura. Virou pintor dois anos depois e hoje é o mais

experiente da equipe de pintura. Aquele primor de casco espelhado que se vê exposto na vila da Regata da Volvo, na Marejada, é trabalho desse pintor, que ainda usa o toque das mãos para poder sentir o resultado tanto da resina quanto da tinta que aplica nas embarcações. “Vou passando a mão e sentindo, percebendo onde tá bom ou ainda onde tem imperfeições”, diz.

Se dá trabalho enxergar com as mãos? E como, admite Elias. Mas, garante, vale a pena. “Um K8 que eu pintei

saiu como um dos mais bonitos do país. Isso deixa a gente muito satisfeito”, afirma, justificando o uso da técnica.

Muita gente costuma torcer o nariz quando um político ou um executivo, de olho em alguma oportunidade, afirma categorica-mente que Itajaí se tornou um pólo náutico de referência nacional. Pois eles estão certos. Aqui - por justiça vale colocar Navegantes junto - não apenas se fabricam embarcações importantes da frota nacional como também estão alguns dos nomes de referência latino-americana quando o assunto é projetar barcos. É o caso do argentino Ricardo Rinaldi, 49 anos.

Rinaldi é velejador de regatas oceânicas e coleciona alguns títulos em competições do cone sul. Mas sua fama vem de outra ativida-de também ligada diretamente à náutica: criar grandes veleiros. Uma de suas últimas crias já está quase concluída na prancheta, ou melhor, no computador. “É um veleiro com

casco todo construído em fibra de carbono e com 83 pés (quase 27 metros e meio)”, revela. Será o maior já fabricado no país, afirma.

Três dos desenhos do Kalmar levam a assintura de Rinaldi. São clássicos e pequenos, voltados pra passeio. Mas sua especialidade são mesmo os oceânicos, sua verdadeira paixão. O projeto atual é um catama-rã (aquele que a gente costuma ver do tamanho de um carro e com dois cascos), só que gigante. Tem mais de 70 pés (23 netris). Já está sendo construído pelo estaleiro carioca Rio Star e terá produção em série.

Casado com uma brasileira, Rinaldi já se considera itajaiense. Chegou por aqui em 1989, traba-lhou no antigo estaleiro Ebrasa (hoje estaleiro Detroit), voltou pra Argentina, retornou ao Brasil, traba-lhou em várias empresas e projetos. Em 2007, depois que conquistou o

reconhecimento no mercado, co-meçou sua carreira solo. O segredo da ascensão, deixa escapar, é se dedicar a um projeto como se ele fosse sempre único. “O cliente nos procura para converter em realidade aquilo que pra ele é um sonho”, observa o engenheiro naval, que diz ter escolhido a profissão aos 14 anos.

É por isso que Rinaldo costuma fazer uma relação do seu trabalho com o de um profissional da costu-ra. “O projeto de um barco é como o trabalho de um alfaiate, sempre se adapta ao cliente”, compara. Alfaia-tes quase não se veem mais por aí. Já engenheiros e projetistas navais começam a ser profissionais cada vez mais requisitados pelo exigente mercado náutico. E Itajaí, afirma o renomado projetista, é pólo de referência no setor que exigirá esses profissionais.

Barcos raros

Só foram construídos até hoje nove unidades do K8. Também pu-dera, ele custa salgados R$ 200 mil. “É um brinquedo caro”, admite a empresária. Além das belas linhas, que seduzem ao primeiro olhar, o

veleirinho tem outros grandes méritos: apesar do pequeno ta-manho, Carabelli o fez de forma a receber confortavelmente de quatro a cinco pessoas. E olha que ele ainda leva um motor de centro de 14Hp. Sua navegação também é fácil, pra amadores. “Ele é feito para ser navegado por apenas duas pessoas, mas com pequenas modificações, até

mesmo uma pessoa pode velejar”, garante Lorena.

Ao olhar para o exemplar do K8 exposto na vila da Regata, você vai pensar que tá diante de um zero bala. Tudo brilha, não há sequer um arranhão, um amassado ou um nicado. Bem, nesse caso, você está sendo enganado por seus olhos e pelo capricho dos marceneiros que o construíram e fazem sua manu-tenção. “Esse aqui foi o primeiro. Ele é nosso. Tem sete anos”, diz a diretora do Kalmar. E completa, toda orgulhosa: “É uma peça de co-leção. Você não encontra um des-ses pra vender usado. Quem tem fica”.

TEM ESTIRPE

RENOME NACIONAL

O argentino Rinaldi radicou-se em Itajaí

Só nove unidades foram construídas e navegam

pela costa brasileira

Lorena escolheu o k8 pra expor durante a Volvo Ocean Race

De aprendiz ao mais experiente

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