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1 Letra de câmbio Eis o conceito e a natureza jurídica da letra de câmbio: é o documento cambial necessário ao exercício de um direito decorrente de uma ordem de pagamento a vista ou a prazo. A LUG, no artigo 1º, caput e item 2, diz que: “Art. 1º. A letra contém: (...) 2. O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; (...)” O termo “mandato” indica que é uma ordem, e não uma promessa, e ao dizer que é “pura e simples”, indica que a letra de câmbio não pode ser condicional. A estrutura da letra de câmbio envolve sempre três personagens: o sacador, o tomador e o sacado. Vale apresentar um esquema gráfico, prévio ao estudo da dinâmica deste título: O sacador é a pessoa que emite o título, que o cria, que o produz. O tomador, literalmente, toma o título para si, passando a ser credor da obrigação cambial. O sacado é aquele apontado pelo sacador, e é quem pagará pelo título, se aceitar este encargo. Não há, a princípio, nenhuma relação entre tomador e sacado, porque este último só aceita a ordem de pagamento em razão de alguma relação externa que tenha com o sacador, por óbvio. A relação que existe, na cártula, até que o Letra de câmbio Sacador Sacado Tomador A c e i Emissã Pagamento

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Letra de câmbio

Eis o conceito e a natureza jurídica da letra de câmbio: é o documento cambial necessário ao exercício de um direito decorrente de uma ordem de pagamento a vista ou a prazo. A LUG, no artigo 1º, caput e item 2, diz que:

“Art. 1º. A letra contém:(...)2. O mandato puro e simples de pagar uma quantia

determinada;(...)”

O termo “mandato” indica que é uma ordem, e não uma promessa, e ao dizer que é “pura e simples”, indica que a letra de câmbio não pode ser condicional.

A estrutura da letra de câmbio envolve sempre três personagens: o sacador, o tomador e o sacado. Vale apresentar um esquema gráfico, prévio ao estudo da dinâmica deste título:

O sacador é a pessoa que emite o título, que o cria, que o produz. O tomador, literalmente, toma o título para si, passando a ser credor da obrigação cambial. O sacado é aquele apontado pelo sacador, e é quem pagará pelo título, se aceitar este encargo.

Não há, a princípio, nenhuma relação entre tomador e sacado, porque este último só aceita a ordem de pagamento em razão de alguma relação externa que tenha com o sacador, por óbvio. A relação que existe, na cártula, até que o sacado aceite o encargo, é apenas entre sacador e tomador. A relação entre sacador e sacado é alheia à cambial.

Destarte, o ato cambiário em que o sacado, por sua vontade, aceita a obrigação cambiária que lhe é apontada, é denominado aceite. Desde quando há o aceite, o sacado passa a ser devedor direto da letra de câmbio. O sacador é devedor indireto, desde quando emite a letra até o fim da obrigação cambial. Uma conclusão pontual se faz ver: na letra de câmbio, antes de haver o aceite, não existe devedor direto. A negativa do aceite não transforma o sacador em devedor direto, mas apenas torna exigível deste a obrigação cambial (após o protesto).

Letra de câmbio

Sacador Emissão Tomador

Sacado

Aceit

Pag

amen

to

2

LETRA DE CÂMBIO. Conceito. Natureza jurídica. Requisitos essenciais. Partes. Modalidades de vencimento e pagamento.

1. Letra de câmbio

O artigo 1º da LUG traz os requisitos da letra de câmbio, sendo alguns essenciais e outros não. Veja:

“Art. 1º. A letra contém:1. A palavra “letra” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título;2. O mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada;3. O nome daquele que deve pagar (sacado);4. A época do pagamento;5. A indicação o lugar em que se deve efetuar o pagamento;6. O nome de pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga;7. A indicação da data em que, e do lugar onde a letra é passada;8. A assinatura de quem passa a letra (sacador).”

A designação da palavra “letra” é indispensável. Sem este termo, não se forma o título. E esta palavra deve ser contextualizada, não devendo ser apenas um termo lançado na cártula como título, por exemplo. O modelo usual redige da seguinte forma: “pague por esta letra a quantia de tanto.”

Aqui já se percebe como preencher o segundo requisito, também essencial: a ordem para pagamento da quantia. Esta ordem deve ser simples e incondicional, como dito. Qualquer condição aposta será considerada como não escrita.

A identificação do sacado, quem recebe a ordem para pagar ao beneficiário, é também essencial, imprescindível, por óbvio. Ele será chamando de devedor apenas quando emitir o aceite da letra.

O nome do tomador deve constar da cártula, necessariamente. Isto faz com que este título, a sua origem, seja obrigatoriamente nominativo, indicativo do beneficiário inicial, o que não veda a sua circulação por endosso ou cessão posteriores.

A data da emissão é também essencial, pois é dali que se colherá o dies a quo dos prazos, como os prazos de apresentação e prescrição.

Último requisito, também essencial, é a assinatura do sacador, que é a pessoa que cria o título, e é devedor indireto, garante da obrigação cambiária, até seu termo final.

Os itens 4, 5, e parte do 7, do artigo supra, apresentam requisitos que não são necessários, sendo chamados por isso de requisitos secundários. O que assim faz entender é a redação do artigo 2º da LUG:

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“Art. 2º. O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como letra, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes:1. A letra em que se não indique a época do pagamento entende-se pagável à vista.2. Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado.3. A letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado, ao lado do nome do sacador.”

A época do vencimento, se omitida na lei, fará que o título seja vencido a vista.O local de pagamento, quando não indicado, faz a letra pagável no endereço

lançado como domicílio do sacado, informação implícita no endereço ali mencionado, mesmo que não seja expressa a natureza de domicílio – basta que haja o endereço escrito. Esta informação é de alta importância, pois é ela, inclusive, que determina a competência para a discussão de questões cambiárias, o que é uma regra geral do direito cambiário: a discussão judicial é no lugar de pagamento.

O item 7 do artigo 1º da LUG apresenta dois requisitos: a data da emissão da letra, que, como visto, é requisito primário, e o lugar da emissão, que é requisito secundário, vez que presumido do lugar apontado ao lado do nome do sacador.

A letra de câmbio pode ser emitida de forma incompleta, quer carente de requisitos primários, quer e requisitos secundários. Assim o é porque o beneficiário, tomador, que estiver de boa-fé, poderá preencher as informações faltantes, antes de exigir o título. Não poderá ser exigida sem os elementos essenciais, mas poderá ser emitida assim, pela possibilidade de preenchimento pelo tomador de boa-fé. Todos os elementos da cártula podem ser emitidos em branco, permitindo o preenchimento posterior pelo tomador de boa-fé, inclusive o valor. Veja a súmula 387 do STF, que não faz diferença entre requisitos primários ou secundários:

“Súmula 387, STF: A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé, antes da cobrança ou do protesto.”

A LUG, no seu artigo 10, permitiria o mesmo raciocínio, lendo-se este dispositivo a contrário senso:

“Art. 10. Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância destes acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”

O que este artigo 10 da LUG diz é que o tomador que porta o título em branco a ele passado pelo sacador, ao preencher os termos omissos, se subverte o acordo ensejador do título, sofrerá a oposição das exceções que o sacador tiver contra si, portanto. Se, porém, endossa este título a um terceiro que desconhece a ignomínia, este terceiro, de boa-fé, não sofrerá as oposições decorrentes da má-fé do tomador endossante.

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Este artigo, porém, foi objeto de reserva no Brasil, na forma do artigo 3º do Anexo II da LUG:

“Art. 3º. Qualquer das Altas Partes contratantes reserva-se a faculdade de não inserir o artigo 10 da Lei Uniforme na sua Lei Nacional.”

Sendo assim, aplicam-se os artigo 3º e 4º do Decreto 2.044/1908, que trata do tema reservado:

“Art. 3º Esses requisitos são considerados lançados ao tempo da emissão da letra. A prova em contrário será admitida no caso de má-fé do portador.”

“Art. 4º Presume-se mandato ao portador para inserir a data e o lugar do saque, na letra que não os contiver.”

Veja que este artigo 4º diz, tecnicamente, que o preenchimento dos elementos é feito juridicamente pelo sacador, mas pelas mãos do tomador, por meio de mandato presumido.

O artigo 891 do CC repete esta idéia, e mesmo que não seja aplicável, pois a norma especial prevalece, é referência instrutiva:

“Art. 891. O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados. Parágrafo único. O descumprimento dos ajustes previstos neste artigo pelos que deles participaram, não constitui motivo de oposição ao terceiro portador, salvo se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé.”

1.1. Modalidades de saque e vencimento

A letra à vista é aquela que dispensa aceite, porque quando é levada à vista do sacado é considerada vencida, concomitantemente. O aceite faz com que o sacado se torne devedor direto, e se obrigue ao pagamento na data do vencimento; como nesta modalidade o vencimento é imediato, a exibição do título para aceite já é exibição para pagamento, e a discordância do sacado já se configura recusa ao próprio pagamento. não há o ato de aceite: há diretamente o ato de pagamento. Esta apresentação para o sacado deve ser feita em até um ano desde a emissão da letra.

A letra pode ser vencida em dia certo: consigna-se, no título, a data de vencimento, data para pagamento. Neste caso, a letra pode ser apresentada para aceite até o seu vencimento.

A letra também pode ser emitida com vencimento a certo termo de data: contando-se de dia futuro combinado, iniciar-se-á prazo determinado para vencimento. Por exemplo, “vence-se em um mês depois do dia tal”. Os efeitos deste vencimento são os mesmos de uma letra vencível em dia certo, sendo possível a apresentação para aceitre também até o vencimento.

Por fim, a letra pode ser emitida com vencimento a certo termo de vista: o dies a quo do prazo de vencimento estipulado será determinado pela apresentação da letra para aceite, e esta apresentação deve seguir a regra geral, de máximo de um ano.

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Na letra à vista, pode-se estipular que haja prazo para apresentação. Quando apresentada para aceite, será vencida de imediato, mas a apresentação deve ser feita em prazo estabelecido para tanto, pelo sacador. Assemelha-se, portanto, ao famigerado cheque pós-datado.

O prazo de um ano para apresentação da letra de câmbio pode ser encurtado ou majorado, diga-se, por expressa menção no título.

A conseqüência da perda do prazo de exibição é a perda da executoriedade do título contra os coobrigados e respectivos avalistas.

1.2. Figuras da letra de câmbio

Como sabido, há três figuras neste título: o sacador, que emite a letra; o tomador, beneficiário do pagamento; e o sacado, que é quem pagará o título se exarar o aceite.

A LUG permite que se confundam, estas figuras, na mesma pessoa: pode o sacador ser ao mesmo tempo tomador e sacado. As três figuras podem se concentrar em uma só pessoa, ou duas figuras em uma só, em qualquer combinação. Esta situação não faz com que deixem de existir as três figuras, mas apenas as confunde em uma só pessoa.

Bom exemplo em que isto acontece, análogo, é o cheque administrativo: ali se confundem as figuras do sacador e do sacado, pois é o banco que emite e paga o cheque.

Diversos podem ser os motivos desta dinâmica, desta peculiar confusão de figuras. Uma delas é a simples necessidade de que um título seja gerado, para fins mercantis de garantia: o sacador, sacado e tomador cria este título para obter, com o endosso, um empréstimo bancário1. Fato é que sempre existirão as três figuras jurídicas, mesmo em se operando a confusão.

1.3. Requisitos da letra de câmbio

É necessário indicar o nome do título, como dito, sendo requisito óbvio. Também é preciso que haja o nome sacado, pois, na falta, não valerá como letra.

Deve-se também indicar época do pagamento, mas na falta, esta será considerada à vista. Também é preciso indicar o local de pagamento, o que, na falta, será no domicílio do sacado. Se não houver endereço do sacado, porém, o título não produzirá efeitos.

Deve-se indicar o beneficiário, vez que na emissão a letra não poderá ser ao portador. Quanto à data e local de emissão, não existindo data, o título não valerá; não existindo local, deverá ser considerado o do local do domicílio do sacador; se não existir domicílio, o STF admite que seja indicado pelo portador.

A assinatura do sacador, é claro, é um requisito essencial. O analfabeto pode se obrigar, desde que representado por procurador com mandato instituído por instrumento público; se ele souber desenhar seu nome, prevalecerá a teoria da

1 Hoje, a cédula de crédito bancário torna desnecessária esta dinâmica, porque se presta a garantir a operação financeira de empréstimo bancário. Este título será mais bem abordado adiante.

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aparência, e ele será responsável, mesmo se não for representado. Há que se assegurar a relação cambiária, neste sentido, como defende Wille Duarte da Costa, mas Luis Emygdio entende que não é possível esta assunção direta de obrigação pelo analfabeto, pois mesmo que saiba desenhar seu nome, ainda não poderá ler o que consta do título.

Pessoa que não pode assinar por defeito físico também pode se obrigar, desde que o faça por procuração por instrumento público e com poderes especiais.

A pessoa que não quer assinar, ou que está ausente, pode fazê-lo por instrumento meramente particular, com poderes especiais.

Vale lembrar que, sempre que alguém assinar por outrem, mas não se comprovar a especificidade do mandato, a letra será considerada assinada pelo próprio suposto mandatário, ou seja, ele se obrigou em nome próprio.

Casos Concretos

Questão 1

GUSTAVO ALT opôs embargos à execução extrajudicial de letra de câmbio movida por JORGE, ao argumento de que o título exeqüendo não continha a data nem o local da sua emissão. O embargado defendeu-se alegando que a menção à cidade na qual o título foi emitido era desimportante porque o endereço do devedor consta do documento e que a data somente tinha relevância ao tempo em que se exigia o registro do título em repartição fiscal, dentro de um determinado prazo. Decida a questão, com os fundamentos legais pertinentes.

Resposta à Questão 1

O endereço de emissão da nota é requisito secundário, na forma do item 7 do artigo 1 º da LUG, ressalvado pelo artigo 2º do mesmo diploma. A data de emissão, outrossim, é, de fato, imprescindível, na forma dos mesmos dispositivos mencionados, pois não é ressalvada no artigo 2º. Destarte, apenas pela falta da data da emissão, a execução não pode prosperar – sendo possível, porém, a ação monitória para ressuscitar a executoriedade deste título.

Neste sentido, veja a ementa do REsp. 28.920:

“RESP 28920/SP, REL. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, JULGADO EM 25/11/1992, DJ 17/12/1992.DIREITO CAMBIAL. NOTA PROMISSORIA. DATA DE EMISSÃO. REQUISITO ESSENCIAL. EXECUÇÃO. CARENCIA. PRECEDENTES DA CORTE. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.I - NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE (LUG, ARTS. 75/76), A DATA DA EMISSÃO DA PROMISSORIA SE APRESENTA COMO REQUISITO ESSENCIAL A CARACTERIZAÇÃO DO TITULO.II - O RIGOR FORMAL E PROPRIO DOS TITULOS DE CREDITO, CONDUZINDO A SUA INOBSERVANCIA A CARENCIA DA AÇÃO EXECUTIVA.”

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Questão 2

Credor de letra de câmbio com vencimento a certo termo de vista, apresentou o título para aceite do sacado dois anos da data de emissão. Em razão da recusa do aceite, ajuizou ação cambial em face de um dos endossantes, que, em embargos, alegou que a letra, com vencimento a certo termo de vista, só tem força executiva comprovada a dação de aceite pelo sacado. Analise a questão sob todos os aspectos.

Resposta à Questão 2

Terá sucesso o embargante, não pelo argumento deduzido, mas sim pela perda do prazo de apresentação do título pelo tomador, que deveria tê-lo feito em um ano. O aceite não é essencial à executoriedade da letra, mas a sua busca o é: a inobservância do prazo de apresentação causa inexequibilidade do título em face dos coobrigados e avalistas.SAQUE. Obrigação do sacador. Aceite. Lançamento. Responsabilidade do aceitante. Modalidades. Aceite parcial. Aceite modificativo. Cláusula não aceitável. Lugar de apresentação.

1. Saque

Tecnicamente, o saque só existe em letras de câmbio e duplicatas. O termo saque só pode ser empregado, com precisão, nestes títulos, nos demais sendo mais correto o termo emissão.

A natureza jurídica do saque é de declaração unilateral de vontade cambiária, realizada, por óbvio, pelo sacador, ao produzir o título. Não existe letra de câmbio sem que haja o saque. É uma declaração unilateral de vontade originária e necessária, pois é o saque que cria a letra (enquanto o endosso e o aval são declarações unilaterais de vontade sucessivas e não necessárias, vez que o título existe e se aperfeiçoa sem estas declarações).

Quanto ao momento exato em que se dá a vinculação do sacador a uma obrigação cambiária, ou seja, o momento em que surge a obrigação cambiária propriamente dita, existem duas teorias. A primeira, teoria da emissão, entende que não basta a simples criação do título para ser gerada a responsabilidade do criador. O vínculo apenas se estabelece com a saída voluntária do título das mãos do subscritor. Em outras palavras, o subscritor não se obrigará caso o título saia de suas mãos de forma involuntária caso em que o título não valerá sequer se o portador for terceiro de boa-fé.

A segunda tese, teoria da criação, entende que a mera criação do título já faz surgir a obrigação cambiária, não sendo necessária sua tradição voluntária para tanto, como exige a teoria da emissão. Formalizado o título, este passa a ter um valor próprio e torna-se fonte de um direito de crédito que é atribuído a um futuro detentor, ou seja, o subscritor do título fica obrigado, mesmo nos casos de roubo ou perda. Esta é a teoria adotada no Brasil.

É muito lógica, a adoção desta teoria, porque é a que melhor implementa todos os elementos do título, sobremaneira a autonomia, a segurança das relações cambiais derivada da proteção à aparência jurídica. Mesmo por isso, Wille Duarte da Costa defende que não há possibilidade de opor defesa em face do portador de boa-fé, ainda que o título tenha saído das mãos do subscritor de forma involuntária. Deve-se garantir a aparência jurídica.

O sacador é devedor indireto da letra de câmbio. Ele cria a ordem de pagamento contra o sacado, que será o futuro devedor direto do título.

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Assim, o sacador faz promessa indireta de pagamento; portanto, deve ser realizado o protesto do título para que seja possível cobrá-lo deste promitente indireto (protesto que será dispensado apenas se o sacador inserir cláusula que o dispense).

A situação de devedor indireto da letra traz para o sacador a qualificação de garantidor do pagamento. E ressalte-se que o sacador não pode se exonerar da responsabilidade do pagamento, ao contrário do que ocorre com os endossantes, que podem se exonerar na forma do artigo 15 da LUG:

“Art. 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. o endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a uem a letra for posteriormente endossada.”

A relação jurídica extracambiária que deu azo à ordem de pagamento, ou seja, o motivo pelo qual o sacado se coloca nesta posição de sujeição a uma ordem do sacador, é irrelevante para a obrigação cambiária. Não se perscruta qual seja o negócio jurídico pretérito que ensejou a ordem do sacador ao sacado.

O beneficiário do título, tomador da nota, precisa saber se a ordem será acatada, porém. Para tanto, dirige-se ao sacado e apresenta a nota, para que este declare se aceita ou não a obrigação cambiária a si ordenada. Este é o aceite: é a declaração do sacado que o faz tornar-se devedor cambiário. Enquanto o sacado for mero sacado, não é devedor cambiário; aceitando a ordem, passa a ser aceitante, e com isso devedor direto da letra de câmbio.

Pelo ensejo, é preciso deixar claro o que seja, e quem seja, devedor direto, devedor indireto, devedor principal e devedor de regresso. Vejamos um esquema gráfico de cada situação, com ou sem aceite, da letra de câmbio:

Nos títulos de crédito, vigora a regra da solidariedade cambiária, que é

diferente da solidariedade civil comum: todos os devedores de um título de crédito podem ser acionados pela integralidade, e a ação regressiva que porventura surja é também pela integralidade, e não apenas pelas cotas-parte de cada um dos solidários, como no direito civil ocorre.

Para que o devedor indireto seja exigido, porém, é preciso que haja a prova de que o título foi apresentado para aceite ou pagamento pelo devedor direto, infrutíferos,

Letra de câmbio sem aceite

Sacador (DI e DP)

Saque Tomador

Sacado

Apresentaçã

Letra de câmbio com aceite

Sacador(DI e DR)

Saque

Tomador

Aceitante(DD e DP)

Pag

amen

to

Pagamento

Apresentaçã

DI: Devedor indireto

DI: Devedor indiretoDD: Devedor diretoDP: Devedor principalDR: Devedor de regresso

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pois do contrário ainda há que ser cobrado este devedor direto, mesmo que haja a solidariedade. Isto porque a promessa de pagamento que o devedor indireto faz, como garante, é indireta, ou seja, só se lhe permite a cobrança em não sendo adimplido o título pelo devedor direto.

E a prova de que a satisfação da obrigação cambiária foi buscada junto ao devedor direto é feita pelo protesto.

Note-se, então, que o protesto pode servir para provar, ao devedor indireto, que o credor cambiário buscou tanto obter o aceite pelo sacado, no que foi frustrado, quanto serve para provar que o credor buscou o próprio pagamento junto ao que seria devedor direto, apontado como sacado e ainda sacado porque não aceitou, ou já aceitante. Por isso, há protesto por falta de aceite e protesto por falta de pagamento.

O protesto deverá ser realizado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento do título, na forma do artigo 28 do Decreto 2.044/1908:

“Art. 28. A letra que houver de ser protestada por falta de aceite ou de pagamento deve ser entregue ao oficial competente, no primeiro dia útil que se seguir ao da recusa do aceite ou ao do vencimento, e o respectivo protesto, tirado dentro de três dias úteis.Parágrafo único. O protesto deve ser tirado do lugar indicado na letra para o aceite ou para o pagamento. Sacada ou aceita a letra para ser paga em outro domicílio que não o do sacado, naquele domicílio deve ser tirado o protesto.”

É claro que para a cobrança do devedor direto não se exige protesto, pois se este serve como prova formal de que quem seria imputado pelo pagamento não arcou com este, permitindo assim que o devedor indireto seja acionado, se a cobrança cambial é feita do próprio devedor direto, não há que se lhe provar nada: é ele mesmo quem está na mira primária da exigibilidade do título.

Devedor principal é aquele que, uma vez cobrado, tem ação regressiva para cobrar de outro coobrigado o valor integral que de si foi exigido. Se não há direito a regredir contra ninguém, estamos diante de um devedor principal. Simples assim.

Na letra de câmbio sem aceite, como se viu nos esquemas, assim se classificam os devedores:

-o sacado não é devedor cambiário, de qualquer espécie, eis que o aceite é-lhe uma faculdade. Não importa, ao direito cambiário, se o sacado deveria ou não ter aceitado: isto é um problema que pertine à esfera extracambial, questão cível a ser solucionada entre sacador e sacado.

-O tomador de letra de câmbio que foi apresentada ao sacado, e em que houve recusa do aceite, deve protestar este título por falta de aceite, de forma a comprovar que buscou o aceite em tempo hábil, para poder cobrar do sacador, devedor indireto.

Cobrado o título do sacador, ele não terá regresso cambiário contra o sacado (podendo, como dito, ter ação civil conta este, mas calcada na relação extracambial, o que não importa ao direito cambiário).

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Veja que na letra de câmbio sem aceite simplesmente não existe devedor direto, porque só há relação cambiária entre devedor indireto e tomador. Não havendo o aceite, o tomador não precisa respeitar o vencimento da letra para exigir o seu pagamento: a recusa do aceite induz ao vencimento antecipado do título.

Exarado o aceite, pelo sacado, este passa a ser chamado aceitante, tornando-se devedor direito cambiário. Havendo aceite, haverá possibilidade de cobrança do título pelo tomador, cobrando-o na data do vencimento deste devedor direto, aceitante.

Se o aceitante, vencido o título, negar-se a pagar a letra, mesmo a tendo aceitado antes, deverá o tomador efetuar o protesto por falta de pagamento, novamente com o intuito de poder cobrar o título do sacador, que é devedor indireto, demandando a prova da busca infrutífera do pagamento junto ao devedor direto.

É claro que, pago o título pelo sacador, ele terá direito de regresso cambial contra o aceitante inadimplente, porque este é o devedor direto e principal.

Quando o beneficiário, tomador, perder o prazo para protesto, qualquer que seja o tipo, não terá mais ação executória, cambiária, em face do devedor indireto, sacador.

Todavia, ainda terá ação cambiária em face do aceitante, pois o protesto não é preciso contra este, vez que se trata de devedor direto. Se não houve aceite, a falta do protesto simplesmente impede a ação cambiária, porque não há ação contra sacado não aceitante, e não há o preenchimento do requisito fundamental para que o sacador seja exigido, o protesto (salvo se há a cláusula sem protesto, em que o sacador dispensa o protesto para a execução contra si).

Na nota promissória, a lógica é bem mais simplória. Por isso, tracemos desde já a situação em que há endossos do título, a fim de adiantar o conhecimento do tema:

Nota promissória

Emitente(DD e DP) Emissã

o

DI: Devedor indiretoDD: Devedor diretoDP: Devedor principalDR: Devedor de regresso

Beneficiário(DI e DR) Endoss

o

Beneficiário(DI e DR)

Endos

Endosso

Beneficiário final (portador do título)

Beneficiário(DI e DR)

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Na nota promissória, não há o aceite, porque só existem duas figuras, na relação básica, o promitente, devedor, e o promissário, beneficiário.

Assim, o credor apresenta o título já para pagamento, ao emitente, que é o devedor direto. É claro que se o emitente fizer o pagamento do título, não tem regresso contra ninguém – é portanto devedor principal.

Os endossantes são coobrigados, devedores indiretos do título, e se exigidos no pagamento, terão ação regressiva contra os coobrigados anteriores.

Suponha-se, porém, que haja avalistas nesta relação. A regra é que o avalista assume a mesma posição do avalizado, ou seja, se seu avalizado é devedor indireto e de regresso, assim também o é o avalista. Contudo, se o avalista tem por avalizado o emitente da nota, há uma pequena alteração: ele é também devedor direto, como o seu avalizado, mas não é devedor principal, porque tem regresso contra este próprio avalizado.

No exemplo do gráfico, se o beneficiário final quiser, poderá cobrar de qualquer um da cadeia de endosso, mediante protesto (pois são todos devedores indiretos). Se, porém, perder o prazo de protesto, só poderá cobrar do devedor direto, que é o emitente da nota (e seu eventual avalista). Como são solidários, pode acionar a todos em conjunto (mediante protesto).

A ação de regresso, de quem tiver tal direito, é igualmente cambiária, instruída com o mesmo título que de si foi cobrado (com a certidão do título, em verdade, eis eu a cártula está juntada na execução original).

2. Aceite

Assim como o endosso, o aval, e o próprio o saque, o aceite é uma declaração unilateral de vontade, pela qual uma pessoa aceita uma obrigação cambiária, comprometendo-se a pagar determinada quantia. O sacado, até exarar seu aceite, não tem qualquer obrigação cambial. Simplesmente não existe na letra de câmbio.

Havendo recusa do aceite, o sacado continua ausente da relação cambiária. A principal conseqüência do aceite recusado2 recai sobre o sacador: ocorrerá o vencimento antecipado da obrigação cambiária.

O aceite, então, é o reconhecimento da obrigação contida no título: é o respeito, o acato, pelo sacado, à ordem de pagamento emitida pelo sacador. Recusado o aceite, o título passa a ser exigível de imediato pelo tomador, contra o sacador, emitente do título. Deve haver o protesto da letra, provada a recusa, e execução do título, desde logo, contra o sacador.

O aceite parcial é possível, e se for feito, cinge-se a obrigação cambiária em duas partes: a parte aceita permite a cobrança do sacado, aceitante, quando do vencimento; e a parte não aceita, recusada, terá seu vencimento antecipado, permitindo a execução imediata do sacador, mediante o necessário protesto por falta

2 Em que pese haver quem entenda que são sinônimos, há quem diferencie a falta da recusa ao aceite: se o aceite buscado pelo tomador simplesmente não foi realizado, por algum motivo diverso da expressa recusa (não se encontra o sacado, ou este já faleceu, por exemplo), há falta de aceite; se o sacado expressamente se recusa a aceitar a ordem, é recusa do aceite. A diferença é bastante relevante, vez que somente a recusa do aceite implica em vencimento antecipado do título, o que não ocorrerá se não se diferenciar recusa de falta: ambas as situações, sendo entendidas como recusa, implicam em vencimento antecipado do título.

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de aceite, apenas daquela parte. O aceite parcial acarreta o vencimento antecipado somente da parte que foi objeto de recusa.

O aceite qualificado, ou modificativo, que é aquele que altera elementos da ordem, é considerado aceite recusado. Exemplo de aceite qualificado é o que é exarado com a alteração de vencimento da letra pelo sacado, por exemplo. Se o tomador aquiescer na alteração, porém, o aceite passa a ser pleno, simples, sem recusa.

Há ainda o aceite por intervenção: este ocorrerá quando uma terceira pessoa se disponha a aceitar uma obrigação cambiária no lugar do sacado. Um terceiro qualquer, por qualquer motivo, emite o aceite da ordem, se obrigando na letra. Ressalte-se que se no momento da criação do título não for autorizada a intervenção de terceiro, o aceite por intervenção dependerá do consentimento do beneficiário. Se este tomador não anuir no aceite feito pelo terceiro, considera-se sem aceite aquela letra, com todas as conseqüências da falta do aceite (leia-se vencimento antecipado, protesto por falta de aceite e execução imediata do sacador). Se a intervenção foi previamente permitida, o tomador não pode a ela se opor.

A intervenção do terceiro, aceitando em nome próprio a letra, tornando-se devedor direto, pode ser calcada em uma inumerável conta de motivos, que não pertinem ao meio cambiário. Qualquer que seja o motivo – relação familiar, crédito civil externo à relação cambiária, pura liberalidade –, não altera a dinâmica cambial, que é autônoma.

2.1. Cláusula proibitiva de aceite

A apresentação para aceite, como já se pôde ver, não precisa ser feita somente no vencimento da cártula. Pode ser feita antes, a fim de verificar desde logo se o sacado se tornará aceitante ou não, demonstrando se o protesto será necessário. O sacador, quando emite a letra, presume que esta será aceita, mas sabe que se não for, ele será o devedor acionado, eis que é devedor indireto na ordem, garantidor do pagamento. E como a falta de aceite causa vencimento antecipado da obrigação, o sacador pode ser pego de surpresa com a exigibilidade do título protestado por falta de aceite.

A fim de se precaver desta situação, em que terá de si cobrado valor antecipadamente do que planejava, pode o sacador inserir a cláusula proibitiva de aceite, com vistas a impedir que o título seja apresentado para aceite previamente ao vencimento. Neste caso, deverá o beneficiário apresentar o título somente no momento do seu vencimento, e concomitantemente para aceite e para pagamento. Se for apresentada, neste dia do vencimento, e não for paga (e aceita, por óbvio), somente então o sacador será exigível, não se surpreendendo este devedor indireto com o vencimento antecipado.

Esta cláusula não poderá ser inserida naquelas letras de câmbio que possuam vencimento a certo termo de vista, pois jamais ocorreria o seu vencimento: se o vencimento é determinado pela apresentação e aceite, a proibição desta apresentação impediria que ocorresse o inicio do prazo para vencimento.

Se o portador de letra com cláusula proibitiva de aceite apresenta o título em momento anterior ao vencimento, e o sacado recusa o aceite, não poderá o tomador exigir o título: não há antecipação do vencimento. Aguardado o prazo para vencimento, quando vencido, o tomador apresenta novamente o título, e se o sacado

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não se dispuser a pagá-lo, título poderá ser protestado por falta de pagamento (e não de aceite), a fim de que o devedor indireto, o sacador, seja executável pela letra.

Havendo cláusula proibitiva de aceite, se o tomador a desrespeita, mas o sacado aceita, não há qualquer problema: aguardar-se-á o vencimento, quando então o título será cobrado do aceitante, ou, se recusado o pagamento por este, protestar-se-á por falta de pagamento e executar-se-á o sacador.

Pode haver também a estipulação de data para aceite, pelo sacador: se ele pode proibir o aceite – o “mais” –, nada impede que possa obstaculizar temporalmente a apresentação, marcando data futura para que esta seja possível – o “menos”. Apenas ficará proibido o aceite até a data estabelecida, podendo haver apresentação dali em diante – o sacador fica protegido de vencimento antecipado até aquela data, pelo menos.

Casos Concretos

Questão 1

O emitente de uma letra de câmbio foi demandado pelo tomador em virtude da recusa de aceite do sacado. Em defesa, o réu alegou que o título tinha sido sacado com cláusula expressa exonerando-o da responsabilidade do pagamento. Procede a alegação? Analise a questão de forma fundamentada.

Resposta à Questão 1

Não. O sacador não pode se exonerar de sua posição de devedor indireto. Esta cláusula que o exonera considera-se não escrita. O que o sacador poderia fazer constar é cláusula proibitiva de aceite, que impede que a falta de aceite pelo sacado acarrete vencimento antecipado da obrigação cambial, mas jamais se permite a exoneração da responsabilidade do sacador pelo pagamento.

Questão 2

Leonor sacou uma letra de câmbio contra Tília em favor de Roberto. O título não foi aceito e o tomador ajuizou ação cambial em face do sacador sete meses após do vencimento. Em sede de embargos, o devedor alegou que não é obrigado principal pelo pagamento, embora seja emitente, e o credor decaiu do direito de ação por não ter levado o título a protesto em tempo hábil. Devem ser providos os embargos? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

Sim, tem razão o embargante: a falta do protesto, em tempo hábil, é causa para inexigibilidade do título em execução. O sacador, devedor indireto, não pode ser executado sem que antes tenha-se certificado a sua responsabilidade, por falta do aceite ou por falta do pagamento pelo devedor direto, sacado (sem aceite) ou aceitante (sem pagamento do título).

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Questão 3

ANTÔNIO DOS SANTOS saca uma letra de câmbio em favor de JOSÉ DO AMARAL contra PEDRO PEREIRA, que, estando fisicamente impossibilitado de assinar, pede a JOÃO DA SILVA que, em seu nome, aceite o título, o que é feito em 09/03/2006. Posteriormente, em 09/10/2006, por exigência do sacador, PEDRO PEREIRA outorga poderes especiais a JOÃO DA SILVA para aceitar título cambial, sem menção ao aceite já efetivado. Antes do vencimento, o aceitante faleceu . Vencido e não resgatado o título , JOSÉ ajuizou ação de execução em face do Espólio de PEDRO PEREIRA, que garantiu o juízo e embargou alegando a invalidade do aceite. Procede a defesa?

Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 3

A LUG, no seu artigo 8º, determina que:

“Art. 8º. Todo aquele que opuser sua assinatura na letra, como representante de uma pessoa, para representar a qual não tinha de fato poderes, fica obrigado em virtude da letra e, se a pagar, tem os mesmos direitos que o pretendido representado. A mesma regra se aplica ao representante que tenha excedido seus poderes.”

No caso em vertente, João da Silva, ao opor sua assinatura a rogo de Antônio sem poderes para tanto, tornou-se aceitante da letra e, portanto, seu devedor principal. Dessa forma, procede a defesa oferecida nos embargos. Veja também o artigo 892 do Código Civil:

“Art. 892. Aquele que, sem ter poderes, ou excedendo os que tem, lança a sua assinatura em título de crédito, como mandatário ou representante de outrem, fica pessoalmente obrigado, e, pagando o título, tem ele os mesmos direitos que teria o suposto mandante ou representado.”

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ENDOSSO. Conceito. Natureza jurídica. Modalidades de endosso. Endosso em branco e preto. Diferenças entre endosso e cessão de crédito. Endosso parcial. Endosso condicionado.

1. Endosso

O endosso é uma declaração unilateral de vontade que objetiva realizar a transferência de uma obrigação cambiária. A palavra endosso, etimologicamente, vem de uma agregação das palavras “em dorso”, indicando que esta declaração deve ser aposta no verso do título.

O endosso não é suficiente à transmissão do crédito: é necessário o ato físico da tradição da cártula para que se complete a transferência da obrigação cambiária.

O endosso é instituto típico da seara cambiária, exclusivo dos títulos de crédito. Sua formalidade exige que seja feito na própria cártula, em apreço ao princípio da literalidade (ao contrário da cessão, que pode ser feita por documento separado). A folha de alongamento, que é aderida ao título, não mitiga esta regra, pois que é considerada parte da própria cártula.

A cessão de crédito, do título de crédito, é possível, e quando houver cláusula “não à ordem”, é de fato a única forma pela qual aquele título poderá circular, dali em diante. Veja o artigo 11 da LUG:

“Art. 11. Toda a letra de câmbio, mesmo que não envolva expressamente a cláusula à ordem, é transmissível por via do endosso.Quando o sacador tiver inserido na letra as palavras “não à ordem”, ou uma expressão equivalente, a letra só é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.O endosso pode ser feito mesmo a favor do sacado, aceitando ou não, do sacador, ou de qualquer outro coobrigado. Estas pessoas podem endossar novamente a letra.”

A cláusula “não à ordem” implica em que o devedor será sempre o que a inseriu, porque qualquer movimentação, dali em diante, é mera cessão de crédito.

O endosso pode ser tardio, ou póstumo: este se trata do endosso feito após o protesto, ou após o prazo do protesto. Este endosso, igualmente, terá efeito de mera cessão de crédito.

A cessão de crédito, apesar de ter por escopo a mesma transferência da obrigação cambiária, a mesma circulação do título, não se confunde com o endosso. Seus efeitos são bem distintos. Para traçar este cenário, nada melhor do que traçar um quadro comparativo entre estas formas de transmissão do crédito. Vejamos o esquema gráfico:

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Endosso Cessão de crédito

Natureza jurídica de declaração unilateral de vontade

Natureza jurídica de contrato

Não pode ser parcial, na forma do artigo 912, parágrafo único, do CC, e

artigo 12, 2, da LUG

Pode ser parcial

Sempre incondicional Pode ser condicional

O endossatário recebe direito novo e autônomo

O cessionário recebe direto derivado

Salvo cláusula em contrário, o endossante responde pela existência e solvência do crédito, ao contrário

do artigo 914 do CC

Salvo cláusula em contrário, o cedente somente responde pela existência do

título

Instituto exclusivo de títulos de crédito

Instituto utilizável em qualquer negócio jurídico

Só pode ser lançado no próprio título Pode ser efetuada em documento apartado

Algumas considerações pontuais são necessárias. Vejamos.

1.1 . Endosso parcial

O endosso parcial é impossível, mas há uma discussão sobre a causa de sua vedação, se se trata de nulidade ou ineficácia.

Há duas correntes. A primeira corrente argumenta que, em razão da cartularidade, só há direito cambiário para aquele que apresenta o documento representativo, a cártula, pelo que somente com a entrega do título inteiro é exigível a obrigação cambial, pelo portador – o que inviabilizaria a feitura de um endosso parcial, que demanda a entrega física da cártula ao endossatário. Havendo entrega de cártula com menção de partição no endosso, ou seja, havendo entrega do título com a menção de que o endosso é de apenas parte do crédito, esta menção ao fracionamento do endosso se considera não escrita, ou seja, é nula. Assim dizem o CC e a LUG, mas a nulidade do endosso parcial causa um problema: as relações dali decorrentes não seriam mais justificadas, ou seja, tudo que for posteriormente praticado será igualmente nulo, causando estranheza e confusão na cadeia cambial.

Por isso, a segunda corrente, de Wille Duarte da Costa, por seu turno, diz que o endosso parcial é ineficaz, e não nulo. Apenas se entende que a menção ao fracionamento do endosso é não escrita, mas não se nulifica a declaração de vontade, o que faz com que o endosso praticado seja tido por integral, justificando as relações subseqüentes em eventual cadeia cambial.

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Veja o artigo 12 da LUG, e 912 do CC:

“Art. 12. O endosso deve ser puro e simples. Qualquer condição a que ele seja condicionado considera-se como não escrita.O endosso parcial é nulo.O endosso ao portador vale como endosso em branco.”

“Art. 912. Considera-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine o endossante.Parágrafo único. É nulo o endosso parcial.”

A corrente pela nulidade do endosso parcial é majoritária, e conta com amparo legal. Contudo, não explica o destino dado aos endossos supervenientes àquele que foi nulificado , que são mantidos, sem maiores explanações, na cadeia cambiária subseqüente – enquanto deveriam ser igualmente nulificados, mesmo sendo integrais, por conta daquele primeiro que foi tornado nulo3.

Deste artigo 12 da LUG se colhe também a incondicionalidade do endosso, próximo aspecto a ser abordado.

1.2. Incondicionalidade do endosso

Não se permite condicionar o endosso a qualquer evento futuro e incerto. Havendo o endosso, este se aperfeiçoa de plano, não podendo ser sujeito a qualquer condição. A aposição de condição ao endosso não o nulifica, mas é considerada não escrita, o que permite a plena exigibilidade do título pelo endossatário.

1.3. Efeito purificador do endosso

O endosso purifica o título.

Esta é a máxima que explica a entrega de direito novo e autônomo ao endossatário, ou seja, todas as cargas referente à relação entre o emitente do título e o endossante não são trazidas, junto com o título, ao endossatário: fenecem com o endosso.

Imagine-se, por exemplo, que um endosso seja efetuado por quem não tenha capacidade para tanto. Posteriormente, o endossatário daquele endosso nulo endossa, ele próprio, o título a um terceiro. Este seu endosso é válido, e não poderá, este terceiro, agora portador, ser prejudicado pelo vício original, porque o endosso a si feito purificou o título.

A cessão de crédito não tem este efeito purificador. Com a mera recepção do título, sem endosso, o vício que contamina o título na origem é carregado junto com o crédito, não sendo purificado, se fazendo oponível ao cessionário.

1.4. Responsabilidade do endossante

A LUG determina, no artigo 15, que o endossante responde pela existência e solvência do crédito, ou seja, é responsabilidade solidária pro solvendo. Veja:

3 De fato, as movimentações do título, posteriores ao endosso parcial que foi nulificado, deveriam ser tidas por meras cessões do título, se estes endossos também fossem nulificados: não havendo endosso válido, a transferência do título só se justificaria por meio de cessão.

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“Art. 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra. o endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a uem a letra for posteriormente endossada.”

O CC, no artigo 914, diz o contrário: a responsabilidade do endossante, ali, é meramente pro soluto, tal como o é na cessão de crédito, em regra, prevista no artigo 296 do CC. Veja:

“Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do título.§ 1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário.§ 2º Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados anteriores.”

“Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.”

Como se sabe, entretanto, este artigo 914 do CC não deve ser observado, eis que há a norma especial que deve ser aplicada.

Aqui há que ser feito um parêntese, em relação à cessão de crédito: o artigo 1.005 do CC deve ser observado, porque se a cessão de crédito for feita para integralizar capital social, a regra pro soluto se inverte, e a cessão é considerada pro solvendo. Veja:

“Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito.”

1.5. Endosso em branco e em preto

Endosso em branco é aquele em que não se identifica a figura do endossatário. É representado por uma simples assinatura no verso do título.

O endosso em preto, por sua vez, indica quem é o endossatário, e somente ele terá legitimidade para exigir o crédito, ou endossar novamente o título.

1.6. Pluralidade de endossos

Não há limite ao número de endossos que podem ser feitos em um mesmo título. Nem mesmo limitação física existe, eis que pode ser acoplada ao título uma folha de alongamento, como dito, que se torna parte da cártula, a fim de comportar mais escritos que forem necessários.

O cheque, por sua vez, apresenta uma questão. O cheque admite endosso, em branco ou em preto, mas apenas uma vez. Esta limitação serve para prevenir a excessiva circulação não tributada do cheque (CPMF). Vale lembrar que se o endosso for em branco, ainda caberá a circulação por cessão, de forma indefinida.

Hoje, porém, com a revogação do CPMF, surgiu a questão: revogou-se esta proibição de pluralidade de endossos, eis que não há mais qualquer interesse em se forçar o depósito do cheque? Há duas correntes: a primeira entende que esta vedação não se sustenta, eis que perdeu qualquer sentido; a segunda corrente, porém, entende

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que apenas o imposto foi revogado, não se tocando a norma proibitiva do endosso, que permaneceria vigente, portanto.

1.7. Endosso próprio e impróprio

Segundo esta classificação, é próprio o endosso que transfere, efetivamente, a obrigação cambiária, fazendo o endossatário o titular do direito.

O endosso será impróprio, outrossim, quando não representar a transferência do crédito contido no título, mas apenas a posse do título, para fins diversos da transmissão do crédito.

Pelo endosso impróprio, o endossatário não se torna proprietário do crédito: setor na portador do título para alguma finalidade. Há apenas das formas de endosso impróprio, na nossa sistemática: o endosso-caução e o endosso-mandato.

Endosso-mandato é aquele que só entrega a posse do título ao endossatário-mandatário, para que este possa cobrar o título em nome do endossante. O endossatário-mandatário não é titular do direito, é mero procurador do endossante-mandante para a cobrança do crédito por este titularizado.

O endosso-caução, por sua vez, se faz com o escopo de transformar o título em uma garantia, fazendo-o vincular-se ao adimplemento de uma obrigação externa à cambial, como garantia. É, por isso, chamado também de endosso-penhor.

Em síntese: o endosso-mandato consiste na transferência dos poderes de cobrança do crédito, ou seja, o endossatário transforma-se em procurador do tomador original, apenas possuindo o título para efetuar sua cobrança em nome do endossante, que ainda é o titular do crédito.

O endosso-caução, também chamado endosso pignoratício, serve para transferir o título de crédito como instrumento de garantia real da obrigação, ou seja, o título é dado em penhor a um credor do endossante, como forma de garantia desta segunda obrigação, na qual o endossante, tomador do título, é devedor.

O endosso-caução é o simples penhor do título, como se o fosse de um bem corpóreo qualquer. Ambos os endossos impróprios serão mais bem abordados em tópico específico.

1.8. Cláusula sem garantia e cláusula proibitiva de novo endosso

O artigo 15 da LUG, já transcrito, permite que o endossante insira no título, ao fazer o endosso, a chamada cláusula sem garantia. Esta cláusula se presta a afastar a responsabilidade do endossante, que não poderá ser demandado pelo pagamento do título endossado.

O endossante, simplesmente, deixa de ser devedor do título, passando de responsável pro solvendo a pro soluto (porque, por óbvio, não pode se eximir da responsabilidade pela existência do crédito, do título).

A cláusula proibitiva de novo endosso, por seu turno, opera efeitos diferentes:

o endossante que apõe esta cláusula não se exonera da responsabilidade pelo pagamento do título perante o seu endossatário direto, mas se exonera de responsabilidade perante futuros endossatários.

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Veja: o endossante que proíbe novo endosso não obsta que novos endossos sejam efetuados, pelo seu endossatário ou por subseqüentes portadores do título; a aposição desta cláusula apenas diz que o endossante não se responsabiliza pelo pagamento perante ninguém mais, senão seu endossatário direto.

1.9. Cláusula sem protesto

Pode a necessidade de protesto ser dispensada pelo devedor indireto.

Se o devedor que dispensa o protesto for o emitente do título, o sacador, ele estará dispensando o protesto daquele título para sempre, ou seja, se houver seqüência de endossos, nenhuma figura da cadeia poderá exigir protesto prévio a sua execução.

Ao contrário, se quem insere a cláusula de dispensa de protesto for um dos coobrigados subseqüentes, um dos endossantes, por exemplo, esta dispensa só pertine a ele mesmo: os demais coobrigados, devedores indiretos, só poderão ser executados se houver protesto pelo credor.

É claro que o devedor direto sempre poderá ser executado sem protesto, eis que a função basilar do protesto é certificar ao devedor indireto de sua responsabilidade – o que não faz sentido junto ao devedor direto.

O avalista de um devedor indireto que inseriu cláusula sem protesto não dispensou o protesto, ele próprio. Por isso, a execução do avalista deve ser precedida de protesto. A dispensa do protesto só tem efeito perante quem a efetiva (salvo se quem a efetiva foi o emitente, sacador, como dito, pois então se estende a toda a cadeia).

Veja o artigo 46 da LUG:

“Art. 46. O sacador, o endossante ou um avalista pode, pela cláusula “sem despesas”, “sem protesto”, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador e fazer o protesto por falta de aceite ou falta de pagamento, para poder exercer seus direitos de ação.Esta cláusula não dispensa o portador da apresentação da letra dentro do prazo prescrito, nem tampouco dos avisos a dar. A prova da inobservância do prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador.Se a cláusula foi escrita pelo sacador produz os seus efeitos em relação a todos os signatários da letra; se for inserida por um endossante ou por avalista, só produz efeito em relação a este endossante ou avalista. Se, apesar da cláusula escrita pelo sacador, o portador faz o protesto, as respectivas despesas serão por conta dele. Quando a cláusula emanar de um endossante ou de um avalista, as despesas de protesto, se for feito, podem ser cobradas de todos os signatários da letra.”

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Casos ConcretosQuestão 1

Que é endosso (conceito)? Em quê se distingue da cessão? Resposta à Questão 1

O endosso é uma declaração unilateral de vontade que objetiva realizar a transferência de uma obrigação cambiária.

Enquanto o endosso é pro solvendo, incondicional, transfere direito puro, e só pode ser feito na própria cártula, a cessão é contrato, pro soluto, pode ser condicional, não purifica o crédito, e pode ser feita em qualquer instrumento.

Questão 2

ESTELA emitiu uma letra de câmbio em branco em favor de CAROL, que endossou a cambial para Bia. No dia do vencimento, a obrigação pactuada não foi cumprida pela emitente, razão pela qual a portadora (Bia) ajuizou ação cambial para cobrança do seu crédito. A executada, em sede de embargos, alegou que a emissão de cambial em branco retira a força executiva do título, hipótese em que o processo deve ser extinto sem resolução do mérito. Os embargos merecem provimento? Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 2

A súmula 387 do STF permite que o portador de boa-fé preencha o título posteriormente à sua criação:

“Súmula 387, STF: A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.”

Por isso, na boa-fé, nada impede o preenchimento da cártula pelo portador. Os embargos são improcedentes.

Questão 3

Uma letra de câmbio foi emitida por VERA contra GERALDO em favor de EDUARDO, que a transferiu por endosso em branco para ROBERTO e este, por tradição, para JOSÉ. O portador (José) endossou em branco para SOLANGE, que, por tradição, transferiu a CAROL. O sacado não aceitou a ordem dada. Vencido o título, quem o portador pode demandar para satisfação do seu crédito?Resposta fundamentada.

Resposta à Questão 3

O credor pode demandar os seguinte obrigados: Vera, emitente do título (mediante protesto); Eduardo, que é o tomador originário, primeiro endossante, devedor solidário; e José, também endossante.

O sacado, Geraldo, não pode ser demandado por não ter se vinculado ao título: não é aceitante.

Roberto e Solange não podem ser demandados por não figurarem na relação cambiária, pois receberam o título através de simples tradição, cessão, e não endosso.

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ENDOSSO. Endosso próprio e impróprio: endosso-mandato e endosso-caução. Endosso póstumo. Cancelamento do endosso.

1. Endosso

O endosso é o meio pelo qual se coloca o título de crédito com cláusula à ordem em circulação. Esta declaração unilateral de vontade se materializa pela assinatura do endossante no verso do título.

O endosso pode ser em branco ou em preto, como se sabe. Hoje, por força do artigo 19 da Lei 8.088/90, o nome do beneficiário é um requisito essencial em todos os títulos de crédito, à exceção do cheque inferior a cem reais. Sendo assim, o endosso em branco, hoje, só é assim no nascedouro, porque para que seja exigido o título, o beneficiário deverá fazer constar ali seu nome – convertendo-se em preto, ao final.

“Art. 19 - Todos os títulos, valores mobiliários e cambiais serão emitidos sempre sob a forma nominativa, sendo transmissíveis somente por endosso em preto.§ 1º - Revestir-se-ão de forma nominativa os títulos, valores mobiliários e cambiais em circulação antes da vigência desta Lei, quando, por qualquer motivo, reemitidos, repactuados, desdobrados ou agrupados.§ 2º - A emissão em desobediência à forma nominativa prevista neste artigo torna inexigível qualquer débito representado pelo título, valor mobiliário ou cambial irregular.§ 3º - A Comissão de Valores Mobiliários, regulamentará o disposto neste artigo em relação aos valores mobiliários.”

Veja que os requisitos essenciais do título de crédito devem estar presentes apenas no momento da apresentação, e por isso é que o nome do beneficiário, hoje essencial, pode ser preenchido apenas quando da cobrança do título, não sendo necessária sua presença no curso da relação cambiária.

O endossante é devedor cambiário indireto, em regra: é coobrigado, que pode ser acionado, mediante protesto, se o devedor direto não pagar o título. Há exceções, que serão abordadas nos títulos em espécies em que se manifestam tais exceções. Os respectivos avalistas dos endossantes ocupam a exata posição que os avalizados ocupam, regra básica que será estudada amiúde adiante.

O endosso, em regra, é pro solvendo, como visto, sendo o coobrigado responsável pela existência e pagamento do título. Havendo pluralidade de coobrigados, há solidariedade cambiária, na qual todos podem ser acionados isoladamente pela integralidade do crédito, sendo incabível chamamento ao processo.

O endosso tem efeito purificador. Pontes de Miranda é o autor desta expressão, a qual significa que quando o crédito chega às mãos de um terceiro, portador de boa-fé, o título está livre de todos os vícios intrínsecos de que porventura estivesse eivado. Enquanto o título está apenas entre as partes originais, as exceções decorrentes da relação de onde proveio o título cambial são oponíveis; contudo, havendo a circulação por endosso, o terceiro de boa-fé não será atingido pelas oposições do devedor original do título – todas as máculas do crédito remanescem apenas entre as partes principais. A relação perante este terceiro de boa-fé é estrita e puramente cambiária, só podendo ser opostas contra ele exceções ínsitas ao próprio

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título de crédito, ou à relação pessoal entre endossante e endossatário, e não à relação original.

Repare que cada endosso promove este efeito em relação ao novel endossatário, ou seja, a cada intervalo da circulação por endosso, as causas de eventuais oposições são restritas às partes pretéritas, não acompanhando o crédito perante o terceiro de boa-fé, portador final, que recebe a obrigação límpida.

Os títulos de crédito causais, vinculados, nos quais está expressa a motivação que lhe deu causa, quando endossados para terceiros, levam consigo aquilo que for relativo a esta causa, expressa no título. Sendo assim, as oposições dali decorrentes acompanham o título, o que seria uma certa mitigação à inoponibilidade das exceções fundadas na causa original do título perante o endossatário (mitigação que não é pacificamente reconhecida pela doutrina).

O título que for emitido com cláusula não à ordem só poderá circular por cessão, e não por endosso, e, como se sabe, na cessão, tudo aquilo que o cedido pode alegar contra o cedente, poderá alegar também contra o cessionário. Esta vinculação do cessionário é pacificamente admitida pela jurisprudência, relativizando a abstração e autonomia do título de crédito.

O endosso pode ser cancelado, bastando, para tanto, que seja riscado, rasurada a subscrição do endossante. Por óbvio, a rasura só tem efeito se feita antes da tradição do título ao endossatário; se comprovada a rasura posterior ao desapossamento voluntário, esta não tem valor de cancelamento do endosso.

1.1. Espécies de endosso

Há duas espécies de endosso: o próprio e o impróprio.

Endosso próprio é o comum, ordinário, que se presta à transferência da propriedade plena do título pelo endossante.

O endosso impróprio é um subgênero de endosso, em que não há transferência da propriedade do título de crédito, nem do crédito em si, mas apenas alguns direitos decorrentes da propriedade.

Se divide em duas modalidades, o endosso-caução e o endosso-mandato.

O endosso-mandato, ou endosso-procuração, previsto no artigo 18 da LUG, é aquele que só entrega ao endossatário-mandatário os poderes de cobrança do crédito representado no título. Veja que este efeito poderia ser alcançado com uma procuração padrão, contratual, mas o legislador preferiu que fosse possível o mandato instituído no próprio título, a fim de conferir mais agilidade à sua efetivação.

“Art. 18 - Quando o endosso contém a menção "valor a cobrar" (valeur en recouvrement), "para cobrança" (pour encaissement), "Por procuração" (par procuration), ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossa-la na qualidade de procurador.Os coobrigados, neste caso, só podem invocar contra o portador as exceções que eram oponíveis ao endossante.

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O mandato que resulta de um endosso por procuração não se extingue por morte ou sobrevinda incapacidade legal do mandatário4.”

O endossatário-mandatário tem legitimidade para promover todos os atos de cobrança do título, inclusive a execução judicial. Pode o endossatário-mandatário, inclusive, “substabelecer” o seu mandato, ou seja, endossar novamente o título, com novo endosso-mandato. Não pode, por óbvio, fazer endosso pleno, próprio, porque se não dispõe da propriedade do título, não pode transferir o que não possui.

O “substabelecer” seu mandato, o endossatário-mandatário não pode limitar os poderes que passa ao novel endossatário-mandatário.

Veja esta regra, inscrita no artigo 917, § 1º, do CC, que se aplica, diante da omissão da Lei Uniforme de Genebra, lei especial dos títulos de crédito:

“Art. 917. A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída.§ 1º O endossatário de endosso-mandato só pode endossar novamente o título na qualidade de procurador, com os mesmos poderes que recebeu.§ 2º Com a morte ou a superveniente incapacidade do endossante, não perde eficácia o endosso-mandato.§ 3º Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato somente as exceções que tiver contra o endossante.”

O endosso-mandato tem ampla utilização na cobrança bancária de títulos, especialmente de duplicatas.

O endossatário-mandatário, como procurador que é, responde da mesma forma que responde o mandatário, em qualquer contrato de mandato comum, do CC. Se extrapolar dos poderes do mandato, ou se agir em nome próprio, responderá pessoalmente por seus atos. Se age nos limites dos poderes que recebeu, não responderá, pois seus atos são imputáveis ao endossante-mandante (como um protesto indevido, por exemplo).

Já o endosso-caução, endosso-penhor, endosso-pignoratício, ou endosso-garantia, é apresentado no artigo 19 da LUG:

“Art. 19 - Quando o endosso contém a menção "valor em garantia", "valor em penhor" ou qualquer outra menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas um endosso feito por ele só vale como endosso a título de procuração.Os coobrigados não podem invocar contra o portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais deles com o endossante, a menos que o portador, ao receber a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”

Este endosso impróprio não passa de um penhor de crédito, que poderia ser instituído em um contado de penhor, alvejando este mesmo crédito. 4 Na verdade, o legislador se refere erroneamente ao mandatário, aqui, devendo ser lido mandante para que faça sentido este texto. Trata-se de um erro de tradução, nada mais.

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Novamente, para incremento da celeridade e segurança da cambial, permitiu-se que este penhor fosse instituído no próprio título de crédito. Não se transfere a propriedade do título ao endossatário pignoratício, mas tão somente a sua posse para garantia de algum negócio jurídico extracambial.

Como o título é colocado na posse do endossatário, nesta caução cambiária, este possuidor deverá zelar por sua integridade, depositário que é do crédito ali representado. Isto significa que deverá proteger o crédito como se seu fosse, ou seja, deve devolver o título empenhado ao endossante quando a causa do penhor se extinguir.

Se o título chegar ao vencimento antes da data para devolução, deverá buscar sua cobrança. Quando o fizer, estará agindo em nome próprio, e, se receber o crédito, deverá haver consigo o valor, pois aquele é o bem que agora está sob penhor – deixou de ser penhor de crédito para ser penhor do dinheiro proveniente do crédito.

E, diga-se, se a relação extracambial que originou o endosso-caução assim demandar, o penhor sendo extinto, há que se devolver o valor ao endossante, tal como se devolve um bem empenhado ao fim de qualquer penhor.

O endossatário da caução não pode instituir endosso pleno, pois não tem a propriedade do bem, do crédito, e também não pode instituir novo endosso-caução. Pode, no entanto, efetivar endosso-mandato, a fim de permitir atos de cobrança por um terceiro, endossatário-mandatário.

1.2. Endosso póstumo, ou tardio

O artigo 20 da LUG é a sede do instituto:

“Art. 20 - O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso anterior. Todavia, o endosso posterior ao protesto por falta de pagamento, ou feito depois de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.Salvo prova em contrario, presume-se que um endosso sem data foi feito antes de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto.”

O endosso feito após o vencimento do título tem os mesmos efeitos do endosso feito antes do vencimento. Contudo, se o endosso for realizado após o protesto por falta de pagamento, ou após o prazo para efetivação deste protesto, ele representará apenas uma cessão civil de crédito.

Discussão existe quando se tratar de endosso feito após o protesto por falta de aceite, ou após o prazo para este protesto. Para parte da doutrina, como ocorre o vencimento antecipado do título, aplica-se perfeitamente o artigo 20 da LUG: será apenas uma cessão civil de crédito. Outra corrente, porém, entende que este artigo 20 só se aplica no caso do protesto por falta de pagamento, pois que ali está expresso, e, além disso, porque o protesto por falta de aceite, tecnicamente, não antecipa o vencimento do título: o vencimento continua o mesmo previsto no título; o que se passa é apenas a exigibilidade antecipada do título, antes do vencimento cartular. Sendo assim, o endosso posterior ao protesto por falta de aceite (ou posterior ao prazo para este protesto) teria os mesmos efeitos do endosso comum.

1.3. Cláusula proibitiva de novo endosso

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A cláusula proibitiva de novo endosso não impede que o endossatário realize novo endosso: apenas deixa claro que, se novos endossos forem feitos, o endossante que apõe esta cláusula não responderá perante estes endossatários supervenientes. Veja: o endossante que proíbe novo endosso não obsta que novos endossos sejam efetuados, mas limita a sua responsabilidade perante o seu endossatário direto.

Mônica Gusmão, isoladamente, entende que os novos endossos feitos após a instituição de uma cláusula proibitiva de novo endosso, na verdade, são cessões de crédito, com o gravame de que aquele que inseriu a cláusula e não mais responderá por esta, em relação aos futuros portadores.

1.4. Endosso sem garantia

O artigo 15 da LUG, já transcrito, permite que o endossante se exonere da responsabilidade pelo pagamento do título, ou seja, transfere-se o título com responsabilidade tão-somente pro soluto, sendo que a regra é que haja transferência pro solvendo. O endossante, neste caso, deixa de ser coobrigado, devedor indireto do título.

1.5. Endosso parcial

Segundo Cesare Vivante, o endosso parcial não é propriamente nulo, como defende parte da doutrina, e sim ineficaz. Logo, esta restrição não atinge terceiros, sendo, porém, oponível entre os signatários envolvidos naquela operação.

Entenda: se o título for endossado com cláusula de partição, ou seja, for endossado parcialmente, e a relação não perpassar por outras fases de circulação – não houver mais endossos ou cessões –, o endosso parcial será eficaz entre os participes. Se só há um endosso, parcial, e o endossatário é portador final do título, este fracionamento do endosso é eficaz contra o endossatário.

Se, porventura, houver circulação do título, novos endossos, a restrição consubstanciada no endosso parcial será ineficaz perante todos os demais envolvidos na cadeia cambiária, que não aqueles endossante e endossatário participes do endosso parcial. Todos os demais endossos levarão a cártula com seu valor integral aos endossatários finais.

De outro lado, há corrente que defende, à literalidade da lei, que o endosso parcial é nulo.

1.6. Endosso a mais de uma pessoa

O endosso pode ser feito simultaneamente a favor de mais de um endossatário, tal como um título de crédito pode ser emitido a mais de um beneficiário, desde a origem. Em havendo endossatários plurais, o portador do título pode exercer plenamente os direitos inerentes à cártula, perante o devedor, pois se presume que quem o porta tem a anuência do outro endossatário para tanto.

1.7. Reendosso e endosso de retorno

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Imagine que, em sua existência, um título circule por uma extensa cadeia de endossos e, em determinado ponto da circulação, haja o endosso para alguém que já figurara naquela cadeia, em endosso anterior. Esta pessoa, que já figurou uma vez como endossante, assume, posteriormente, a figura de endossatária. Esta situação é caso de endosso de retorno.

A principal conseqüência do endosso de retorno é quitação, perante os demais intervenientes da cadeia de endosso, do crédito correspondente, ou seja, todos aqueles que perpassaram a cadeia de endossos, após o endosso pelo que agora figura como endossatário de retorno, estarão desonerados, reputando-se desobrigados na relação cambial.

Veja que se o título for endossado de retorno para o seu emitente, a obrigação cambial simplesmente se extinguirá, pela ocorrência do fenômeno da confusão.

O reendosso, por sua vez, é muito simples: trata-se de um endosso feito novamente pelo beneficiário que já figurou como endossante outrora, e recebeu o título novamente, agora como endossatário de retorno. Nada mais é, o reendosso, do que o novo endosso feito pelo endossatário de retorno. Por óbvio, então, o endosso de retorno é um pressuposto para que possa existir reendosso.Veja um esquema gráfico destes institutos:

Casos ConcretosQuestão 1

Uma letra de câmbio foi emitida por BEATRIZ contra FLÁVIO em favor de IGOR, e endossada, sucessivamente, para VERA, JOSÉ, LUIZ e ADRIANA. O endosso de VERA para JOSÉ foi sem garantia. O de JOSÉ para LUIZ foi com cláusula não endossável. Responda:

a) vencido o título, quem o portador pode demandar para cobrança do seu crédito?

b) quais os requisitos a serem observados para a efetiva cobrança?Respostas fundamentadas.

Emitente Endosso

Beneficiário 1 Endosso

Endos

Endosso

Endosso de retorno

Beneficiário 2

Beneficiário 3Beneficiário 4

En

dos so

d

e re

t

R e e n d

Beneficiário 5

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Resposta à Questão 1

a) Flávio, se aceitante, poderá sempre ser cobrado, mesmo sem protesto, pois é o devedor direto e principal da letra. Igor, endossante comum, pode ser cobrado, mediante protesto. Vera não é devedora cambiária, pois endossou sem garantia. José, que passou o endosso com a cláusula não endossável, não pode ser cobrado por Adriana. Assim, restam a Adriana: Luiz, Igor, Flávio e Beatriz.

b) O requisito fundamental é apenas o protesto tempestivo, para corar dos coobrigados, devedores indiretos.

Questão 2Em execução por título extrajudicial, que Caio propôs na qualidade de

endossatário de nota promissória, emitida por Banco no desempenho de cláusula-mandato, foi deduzida pelo executado a chamada ¿exceção de pré-executividade¿, pretendendo a declaração de ineficácia do título, sob o argumento de que tal cártula estava comprovadamente vinculada a contrato de abertura de crédito. Decida o incidente, fundamentadamente.

Resposta à Questão 2

Se o título era vinculado a contrato de abertura de crédito, há duas súmulas do STJ aplicáveis ao tema, a 233 e a 258, especialmente esta última:

“Súmula 233, STJ: O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo.”

“Súmula 258, STJ: A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.”

Este endosso, de título vinculado, carrega consigo a carga do negócio jurídico

prévio, mitigando a autonomia e a abstração. Por isso, a exceção de pré-executividade deverá ser acolhida.

Questão 3Uma letra de câmbio foi endossada pelo portador, GUSTAVO, ao Banco

Empresta Fácil S/A., em garantia a obrigação contraída pelo endossante em contrato de mútuo. Vencido o título, o endossatário ajuizou ação cambial em face do emitente do título, que, em embargos, alegou exceção pessoal havida com o beneficiário, GUSTAVO. Os embargos foram acolhidos. Correta a decisão? Analise a questão sob todos os aspectos.

Resposta à Questão 3

A decisão não foi correta. No endosso-caução, o endossatário age em nome próprio, e por isso as defesas que o devedor do título tem contra o endossante não podem ser levantadas, não sendo oponíveis ao endossatário, pela aplicação plana da autonomia.