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AMOR EM LEONORETA: DUAS LEITURAS EM DEBATE
AMOR EM LEONORETA: TWO READINGS IN DISCUSSION
Leonardo Paiva1
RESUMO: Este ensaio tem como objetivo apresentar as ideias de dois estudiosos a respeito daobraAmor em Leonoreta, de Ceclia Meireles. Com isso, buscamos confrontar os estudos de Maria
Aparecida da Silva Lima (2002) e de Francisco Eduardo Padula (2010) e fazer uma crtica baseadaem nossas leituras.PALAVRAS-CHAVE:Amor em Leonoreta; Ceclia Meireles; crtica literria; Joo Lobeira;Montalvo.
ABSTRACT: This essay aims to present the ideas of two scholars about the work Amor emLeonoreta, by Ceclia Meireles. With this, we confront the studies of Maria Aparecida da Silva Lima(2002) and Francisco Eduardo Padula (2010) and make a critique based on our readings.
KEYEORDS:Amor em Leonoreta; Ceclia Meireles; literary criticism; Joo Lobeira; Montalvo.
Amor em Leonoreta (1951) uma das muitas obras de Ceclia Meireles em que a cultura
ibrica revisitada. Nesse livro, os temas e as formas associadas cultura citada e aos antigos
escritores desta regio so celebrados abertamente2. Um dos casos textuais mais evidentes do
procedimento dessa ligao com a cultura ibrica3 encontra-se em Amor em Leonoreta
(OLIVEIRA, 2007). A epgrafe do livro, tratada como uma espcie de mote em que a poeta
1 graduado em Letras pelo Centro Universitrio de Itajub FEPI (2012). Foi pesquisador pela instituio noperodo de 2010/2012 (bolsa de pesquisa PIBIC/FAPEMIG). Tem experincia na rea de Letras (pesquisa emLiteratura), e trabalha principalmente com os seguintes temas: teoria literria; crtica literria; Literatura Brasileira;identidade cultural; feminismo; e a questo da memria em textos literrios.2No ensaio Dilogo com a tradio portuguesa, Ana Maria Domingues de Oliveira (2007) trata exatamente dessaproximidade da poeta com a tradio ibrica, dando um trato especial na relao de Ceclia Meireles com a tradioportuguesa. A respeito disso, Oliveira (2007, p. 190-191) afirma que [os] reflexos mais significativos da ligao daescritora com a literatura portuguesa revelam-se, sobretudo, em sua poesia. [...] [Em seus poemas] so freqentes[sic] os casos de referncias a Portugal ou a determinadas regies do pas, como em Ida e volta em Portugal, deVaga msica, que descreve o passeio por uma regio agrcola daquele pas.3 Neste trabalho, no entraremos na questo de origem da obra Amads de Gaula. Trataremo-la como um objetosimblico da cultura ibrica.
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compor as suas variaes, uma das marcas apresentadas por Oliveira (2007) como evidncia
desse processo de ligao:
Leonoreta, finroseta,bela sobre toda fror,
finroseta, non me metaem tal coita vosso amor!
(do Amadis de Gaula) (MEIRELES, 2001, p. 690)
Alm de a epgrafe apontar para o texto da cultura em questo, vemos como Ceclia
Meireles marca a relao desse trecho com a obraAmads de Gaula4(1508).
Oliveira (2007) nos diz que, pela observao dos primeiros versos de Amor em Leonoreta,
notamos o resgate e a transformao da quadra original epigrafada num procedimento prximo
ao dos motes e voltas presentes, por exemplo, nos poemas escritos em medida velha por Lus
Vaz de Cames. Segue, abaixo, a terceira estrofe do canto I de Amor em Leonoreta, para apreciao
do comentrio supracitado:
Leonoreta, finroseta,branca sobre toda flor,ai, Leonoreta,nos bosques atrs do mundo,por mais que eu no to prometa,encontrars meu amor,desgraado mas jucundo,sem desgosto e sem favor.Leonoreta, no te meta
em gran coita a minha dor! (MEIRELES, 2001, p. 691-692)
4Em anlise apontamos que essa relao de marcar a epgrafe mostra-se um tanto quanto traidora, dado que essetrecho no condiz com o texto de Amads de Gaula, mas sim com a Cano de Leonoreta, de Joo Lobeira.Ver oresumo da anlise em: PAIVA, Leonardo. A traio da memria como dispositivo literrio-discursivo: o caso Amorem Leonoreta. In: II Seminrio Integrado de Monografias e Dissertaes , 2012, Pouso Alegre. II SeminrioIntegrado de Monografias e Dissertaes, 2012. p. 09. Disponvel em: . Acesso em: 11 mar. 2013.
http://media.wix.com/ugd/9ea762_25889b836ef181ad51635f525120ff10.pdfhttp://media.wix.com/ugd/9ea762_25889b836ef181ad51635f525120ff10.pdf -
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Amor em Leonoreta tratado por Leila Vilas Boas Gouva (2008) como um poema de tema
nico, dividido em sete cantos. Na leitura de Francisco Eduardo Padula (2010), esse tema nico e
de sete cantos, pode ser dividido em quatro partes:
a) partes I e II: momento de declarao do amor extraordinrio por meio de intensa
conotao simblica e de forte presena da cultura greco-romana;
b) partes III e IV: momento de aluso a alguns episdios de Amads de Gaulae algumas
referncias s barcas, aos mares, ao afastamento da amada;
c) parte V e VI: incio da tnica crist marcada por um vis platnico. O eu lrico passa a
pressentir a morte no canto V. Na parte VI, encontramos a intensidade da tnica
cristo-platnica iniciada no canto V. A morte anunciada;
d) parte VII: meno transitoriedade das coisas do mundo5.
Embora a leitura de muitos estudiosos da obra em questo apontem para a variao do
poema presente em Amads de Gaula (GOUVA, 2008; OLIVEIRA, 2007; SADLIER, 2007;
SANCHES NETO, 2001), no podemos nos esquecer da presena do Lai da Leonoreta (sculo
XIII) do trovador portugus Joo Lobeira, fato muito pouco comentado nos estudos sobreAmor
em Leonoreta. Nos documentos crticos por ns pesquisados, apenas Maria Aparecida da Silva
Lima (2002), Maria do Amparo Tavares Maleval (2003) e o j citado Padula (2010) tratam da
aproximao deAmor em Leonoretacom o poema de Lobeira6.
Antes de falarmos dos estudos de Lima (2002) e Padula (2010), incluiremos, a ttulo de
apresentao e contextualizao, o poema de Joo Lobeira e o que se encontra presente na novela
de cavalaria Amads de Gaula. Logo mais, repetiremos alguns trechos de ambos para os
relacionarmos comAmor em Leonoreta.
5A ttulo de curiosidade, segundo Ceclia Meireles, em antologia publicada um ano antes de sua morte (2001 apudPADULA, 2010), o poemaAmor em Leonoretapode ser reduzido em sua essencialidade nos seguintes cantos: I, II, III,IV e VI.6Alis, Lima (2002) e Padula (2010) so os nicos trabalhos por ns encontrados que tratam especificamente da obra
Amor em Leonoreta, e neles em que baseamos a anlise que se segue. Infelizmente, no conseguimos ter acesso aoimportante estudo Quem a Leonoreta de Ceclia Meireles, de Lnia Mrcia de Medeiros Mongelli, publicado em
Atualizaes da Idade Mdia. Rio de Janeiro: gora da Ilha, 2000, p. 233-258.
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A cano de Joo Lobeira segue abaixo, tal como ela se encontra no Cancioneiro da
Biblioteca Nacional (na sequncia do Cancioneiro, esse o poema de nmero 244, e que se repete
logo aps o de nmero 246):
Senhor genta,mi tormenta
vossamor em guisa tal,que tormentaque eu sentaoutra nom m bem nem mal
mais la vossa m mortal!Leonoreta,fin roseta,bella sobre toda fror,fin Roseta,nom me mettaem tal coi[ta] vossamor!
Das que vejonom desejooutra senhor se vs nom,e desejotam sobejomataria um leom
senhor do meu coraom!Leonoreta,fin roseta,bella sobre toda fror,fin Roseta,nom me mettaem tal coi[ta] vossamor!
Mia venturaem loucurame meteu de vos amar: loucuraque me dura,que me nom posso em quitar
ai fremosura sem par!Leonoreta,fin roseta,
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bella sobre toda fror,fin Roseta,nom me mettaem tal coi[ta] vossamor! (LOBEIRA, sc. XIII, s/p.)
Agora, a Cano de Leonoreta segue tal como ela se apresenta na obraAmads de Gaula:
Leonoreta fin rosetablanca sobre toda florfin roseta no me metaen tal cuyta vuestro amor.
Sin ventura yo en locurame metien vos amar es locuraque durasin me poder apartaro fermosura sin par
que me d pena y dulorfin roseta no me metaen tal cuyta vuestro amor.
De toda las que yo veono desseoservir otra sino a vosbien veo que mi desseoes devaneodo no me puedo partirpues que no puedo huyr
de ser vuestro servidorno me meta fin rosetaen tal cuyta vuestro amor.
Aun que m quexa parescereferir se a vos seoraotra es la vencedoraotra es la matadoraque mi vida desfalleceaquesta puede hazersin yo gelo merecer
que muerto viva so tierra. (MONTALVO, 1526, p. CI)
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Padula (2010) utiliza uma adaptao do poema, publicado em uma edio de Amads de
Gaulado ano de 1996. Segue, abaixo, a adaptao includa pelo pesquisador em sua dissertao:
Leonoreta, fin rosetablanca sobre toda flor,fin roseta, no me metaen tal cuita vuestro amor.
Sin ventura yo en locurame meten vos amar, es locuraque me dura,sin que poder apartar;o hermosura sin par,que me da pena y dulor!,fin roseta, no me metaen tal cuita vuestro amor.
De todas la que yo veo
no deseoservir otra sino a vos;bien veo que mi desseoes devaneo,do no me puedo partir;pues que no puedo huirde ser vuestro servidor,no me meta, fina roseta,en tal cuita vuestro amor.
Ahunque mi quexa paresce
referirse a vos, seora,otra es la vencedora,otra es la matadoraque mi vida desfalece;aquesta tiene el poderde me hazer toda guerra;aquesta puede fazer,sin yo gelo merescer,que muerto biva so tierra. (PADULA, 2010, p. 30).
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Focaremo-nos nas pesquisas Amor em Leonoreta e seus componentes medievais
(LIMA, 2002) eA Cano de Leonoreta atravs dos tempos:Amads de Gaula, O Romance de Amadis
eAmor em Leonoreta (PADULA, 2010) para partirmos s consideraes acerca das leituras em
estudo. Comecemos pela descrio do artigo de Lima e pelos resultados alcanados pela autora.
Lima (2002) tem como objetivo recuperar, para alm do lirismo sentimental de Amor em
Leonoreta, os componentes que remetem esse poema ao seu texto-fonte: a novela cavaleiresca
Amads de Gaula. A autora pretende, por meio da transtextualidade7, trazer tona a compreenso
da obra, a compreenso integral de sua mensagem, por meio da relao com textos medievais
europeus. Lima (2002, p. 117) estuda, sobretudo, a paratextualidade8, em especial a epgrafe,
como ponto de referncia na busca de elementos para melhor [interpretar a obra de Ceclia
Meireles]. A epgrafe deAmor em Leonoreta, segundo Lima (2002), nos remete diretamente ao lai
presente emAmads de Gaula.
A ttulo de descrio, Lima (2002) passa a tecer comentrios a respeito deAmads de Gaula
e de seu enredo. Segundo a autora (LIMA, 2002), a obra o romance 9 fundador da narrativa
cavaleiresca na Pennsula Ibrica, mais especificamente na Espanha. De acordo com as variadas
indicaes, em diferentes edies, do nome do autor, a novela pode ter sido publicada por Garci
Rodrigues de Montlvan, Garci Ordiez de Montalvo ou Garci Gutierrez10.
A autoria da obra outra questo polmica, dado que portugueses, espanhis e franceses
briguem por considerar, cada qual, a sua redao oficial feita por um escritor de seu pas (LIMA,
2002). Lima (2002) no coloca sua posio quanto a esse embate, embora demonstre certa
simpatia pela filiao portuguesa da novela, principalmente ao se utilizar de referncias, em sua
7Baseada nos estudos de Grard Genette. Ver: GENETTE, Grard. Palimpsestos:la literatura en segundo grado.Madrid: Taurus, 1989. H uma traduo, em portugus, de trechos escolhidos desta obra, lanada pela EditoraUFMG. A obra intitulada Palimpsestos:a literatura de segunda mo. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006.8 Segundo Genette (1989), o paratexto so os ttulos, subttulos, interttulos, prefcios, posfcios, advertncias,prlogos, notas de fim de texto, epgrafes... A paratextualidade a relao, geralmente menos explcita e maisdistante, que o texto literrio mantm com outro texto.9Tratamos, durante todo o nosso trabalho, a obraAmads de Gaulacomo sendo uma novela de cavalaria, dado que aquesto do romance como gnero literrio s tenha aparecido depois das novelas de cavalaria clssicas com o livroDom Quixote de la Mancha (1605). Fizemos esta colocao em vista que Lima (2002), em alguns momentos, chega autilizar-se de tal gnero para classificar a obraAmads de Gaula.10Neste trabalho aceitamos como autor da novela a grafia de Garci Rodrguez de Montalvo, que seria, em termos depublicao, da obra deAmads de Gaulaem 1508.
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anlise, de textos de Rodrigues Lapa (1977 apud LIMA, 2002), partidrio de uma filiao lusa de
Amads de Gaula.
Depois de tratar dessas questes especficas obra, Lima (2002) descreve o enredo da
novela. Na leitura da autora (LIMA, 2002), Amads de Gaula apresenta-se em quatro livros. A
histria, no Livro I, narra os episdios iniciais passando-se em Petite Bretagne, governada pelo rei
Garnter, que possua duas filhas. A mais nova delas, Elisena, manteve uma relao amorosa com
o rei Perion, quando este passava por Petite Bretagne. Amads, o heri da novela, fruto do
amor escondido de Elisena e Perion. Quando Elisena tem o beb, ajudada por uma aia, ela decide
abandon-lo numa arca colocada num rio, e dentro da arca Elisena coloca alguns sinais de
reconhecimento indicativos da origem da criana. Recolhida pelo rei Gandales da Esccia,
quando este viajava com sua esposa e seu filho Gandaln, Amads levado e criado, junto com
Gandaln, pelo rei.
Depois de contar a infncia dos meninos no reino de Langines, o narrador reconstitui a
visita de Lisuarte, rei da Grande Bretagne, Esccia, acompanhado de sua mulher, a rainha
Brisena e sua filha de dez anos de idade, chamada Oriana (LIMA, 2002, p. 119). Amads, ento
com doze anos, embora aparentasse ter quinze, encanta-se pela beleza de Oriana e por ela se
apaixona. Devotado aservir a rainha Brisena, ele serve Oriana, por recomendao de sua me, o
que provoca o surgimento de um sentimento idlico e a princpio platnico entre esses pr-
adolescentes (LIMA, 2002, p. 119). O amor floresce, sobretudo, depois da cerimnia em que
Amads sagrado cavaleiro armado do rei Perion11.
As inumerveis aventuras vividas por Amads contra cavaleiros [e] gigantes emnada diminui seu sentimento por Oriana, a quem defende, como tambm a seupai, e com quem ter um filho, Esplandan, repetindo uma histria de amoridntica do rei Perion de Gaula e de Elisena. (LIMA, 2002, p. 119-120).
Partindo para o Livro II, Lima (2002, p. 120) trata esse tomo como o que comporta as
peas lricas, dentre as quais a Cano de Leonoreta, composta por Amadspara sua amada, e
vrias cartas por ele enviadas a sua Sin Par. Oriana, em determinado trecho do livro, d
11Embora Lima (2002) no comente em seu estudo, Amads, ao ser sagrado cavaleiro, ainda no sabe que Perion seu pai biolgico.
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permisso para Amads corresponder s solicitaes de Briolanja, uma dama que estava
perdidamente apaixonada pelo heri. Tomada de cimes, Oriana acusa o cavaleiro de falsidade e
de deslealdade em uma de suas cartas. Amads, profundamente triste com tal ao, decide se
refugiar na Pea Nobre12 e adota o nome potico de Beltenebros, que fora escolhido por um
ermito.
Amads s abandona essa penitncia voluntria quando obtm o favor de Oriana,
declarado em uma carta. Seguindo o pensamento de Lapa (1977 apud LIMA, 2002), Lima afirma,
a respeito da construo do personagem Amads:
Rodrigues Lapa identifica neste heri um largo esprito de sociabilidade edenuncia o carter estranho e escandaloso dessa sua atitude face concepoespanhola do mundo e da vida. Para o crtico, este subjetivismo espetaculardo qual Amads portador prova de que ele produto do gnio portugus,mas tambm constitui um defeito na psicologia deste heri, cujo sentimentopode ser associado ao amor cultivado pelos trovadores galego-portugueses.Segundo ele, pode-se considerar inovao, no romance, o apego carnal do amortal qual ele est representado, o que o distancia do idealismo nostlgico e da
pura divinizao da mulher, prprios do amor corts. (LIMA, 2002, p. 120).
Lima (2002, p. 120) ainda acrescenta aos aspectos inovadores supracitados o feminismo
caracterstico de personagens audaciosas como Elisena e Oriana, como tambm o realismo das
cenas romnticas e a sensualidade tpica desta nova concepo de amor.
Lima (2002) tambm chama a ateno para os dons artsticos do heri. Alm de ser um
cavaleiro armado e destemido, Amads um trovador a quem o narrador atribui a composio de
canes, entre elas a famosa Cano de Leonoreta. Essa cano, como Lima (2002) afirma, ,
aparentemente, endereada a Leonoreta, irm de Oriana.
Segundo Lima (2002, p. 120), a cano integra o captulo LIV da novela, no qual o rei
Lisuarte e sua corte, saudosos de Amads13, relembram a alegria trazida ao reino da Grande
Bretagne pela visita deste heri. Nas palavras de Lima (2002), nesta ocasio, a rainha Brisena,
12Todas as verses consultadas da novelaAmads de Gaulatrazem como nome do lugar de peregrinao Pea Pobre.A grafia est incorreta em Lima (2002).13A ttulo de explanao da histria, Amads, nesse momento, encontrava-se longe do reino de Lisuarte, que estavaem guerra. A questo da cano lembrada pelo rei, quando, em uma visita, Amads a comps para a meninaLeonoreta, usando este nome como senhal para encobrir o seu verdadeiro alvo: Oriana.
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Oriana e outras damas aconselharam Leonoreta a tomar Amads por cavaleiro e dele exigir
fidelidade.
A menina fez conforme lhe mandaram. Amads pediu-lhe uma jia [sic] emreconhecimento por tal servio, e ela, para divertimento de todos, deu-lhe umprendedor de ouro com pedras preciosas. A narrao deste episdio se encerracom a descrio da dana executada por Leonoreta e algumas donzelas ao somdo villancico j referido, composto por Amads. Fica, assim, reforado o carterlrico desta composio, que se revela, j no texto do romance, um autnticolai14. (LIMA, 2002, p. 121, grifo da autora).
Lima (2002), ao alcanar, no Livro II deAmads de Gaula, a Cano de Leonoreta, no tece
mais nenhum comentrio a respeito dos dois outros livros que integram a novela. Ao explicar a
cena da dana de Leonoreta, a autora (LIMA, 2002) parte para a anlise comparativa entre a
cano e o livroAmor em Leonoreta.
Baseando-se em Genette, Lima (2002, p. 121) classifica o ttulo do poema de Ceclia
Meireles como temtico e literal, visto ele designar seu tema ou objeto central, o amorplatnico
entre Amads e Oriana. Lima (2002), at este momento de sua anlise, no explica que a cano,
ao invs de ser dirigida Oriana, objeto enamorado de Amads, foi dirigida Leonoreta para
encobrir, mascarar o verdadeiro alvo de sua inspirao. Lima parte, ento, para essa explicao:
Uma vez que o nome desta personagem foi substitudo pelo de sua irmpequena, constatamos que o intertexto onomstico15 Leonoreta foitransformado em senhal, pseudnimo potico utilizado por Amads, trovadoratento aos cnones da lrica trovadoresca provenal, para proteger sua amada edesviar a ateno de todos do real objeto de seu sentimento. (LIMA, 2002, p.
121).
14O lai, segundo a verso que Lima (2002, p. 121) utiliza, em nota, para explicar o subgnero lrico, segue os ditos deSegismundo Spina, em A lrica trovadoresca, e os de Carolina Michelis de Vasconcelos, em edio crtica deCancioneiro da Biblioteca Nacional. O lai uma cano de carter lrico, cantada, cuja melodia musical seuelemento primordial. Os lais que encabeam o Cancioneiro Colocci-Brancutti so adaptaes galegas de composiesfrancesas correspondentes, extradas da Historia Tristani. Elas atestam a difuso e o gosto dotemrio novelescoarturiano em terras de entre Douro e Minho. Carolina Michelis de Vasconcelos [...] tambm acredita que aCANO DE LEONORETA deriva dos lais lricos do ciclo breto e a supe idealizada enquanto intermezzo lricoda primeira imitao peninsular dos romances de Tristo, de Lancelote e do Graal.15O intertexto, na viso de Genette (1989, p. 10, traduo nossa), diz respeito relao de co-presena entre doisou vrios textos, isto , essencialmente, e o mais frequentemente, como presena efetiva de um texto em um outro.O intertexto onomstico diz respeito referncia do nome Leonoreta, no ttulo do poema de Ceclia Meireles, queremete cano emAmads de Gaula.
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Segundo Lima (2002, p. 121), sua anlise a leva a verificar que a utilizao desse
intertexto onomstico filia Amor em Leonoreta ao amor corts tal como era concebido no Sul
da Frana; o que indicado, sobretudo, pelo carter reservado do amor cultivado por Amads.
O nome Leonoreta, para a autora (LIMA, 2002), daria ao ttulo do poema de Cecli a Meireles
um carter ambguo, j que ele indica sua transtextualidade com o Amads de Gaula. Ao mesmo
tempo em que se filia esta composio tradio romanesca medieval europeia, diz -nos Lima
(2002, p. 121), este elemento paratextual reafirma a ligao dessa tradio narrativa e do prprio
poema lrica trovadoresca. Para a autora (LIMA, 2002), poderamos, dessa forma, classificar o
ttulo por sindoque e metonmia, dada sua ligao a um objeto-personagem no central e
marginal da novela com a qual o poema dialoga. Lima (2002, p. 121) interpreta o ttulo do poema
de Ceclia Meireles como AMOR declarado por Amads a Oriana disfarado no (EM + o)
nome/senhal LEONORETA.
somente no final de seu artigo que Lima (2002, p. 121) cita a epgrafe como uma das
verses de Joo de Lobeira, publicada no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, conforme atesta o verso
7, sujeito [...] a variaes. Nessa viso, a citao de Lobeira, seguida da indicao entre
parnteses (do Amadis de Gaula), constitui um paratexto algrafo autntico e antecedida
por outro paratexto, a dedicatria aos irmos Joo de Castro Osrio e Jos Osrio de Oliveira,
intelectuais portugueses amigos de Ceclia Meireles (LIMA, 2002, p. 121). Lima (2002) faz um
comentrio ingnuo ao dizer que a poeta no se restringiu verso portuguesa da Cano de
Leonoreta para compor seu poema anlogo: [versos] citados ao longo do poema ceciliano
demonstram que a poeta conhecia as verses espanholas da cano portuguesa e que estava a par
das variaes nessas verses, em relao ao verso 7 do texto de Lobeira (LIMA, 2002, p. 122).Por isso, continua Lima (2002), ns encontramos, desde o verso 21 da Parte I de Amor em
Leonoreta, o verso branca sobre toda flor, tratado como uma traduo do verso espanhol
blanca sobre toda fror, a alternar-se entre os demais versos retomados por Ceclia Meireles no
processo de composio. Dizer que Ceclia Meireles no se restringiu a apenas uma cano na
construo de seu poema fato incontestvel.
Nos dois ltimos pargrafos de seu artigo, Lima (2002) nos diz que o poema Amor em
Leonoretad continuidade ao canto de amor de Amads. A voz potica do heri, segundo a anlise
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de Lima (2002, p. 122), se alonga nas dez partes em que a composio est dividida, de acordo
com as indicaes dos seus interttulos em algarismo romanos. Aqui, percebemos um erro
quanto diviso do poema:Amor em Leonoretano est dividido em dez partes, mas sim em sete.
Lima (2002) continua a concluir seu trabalho, e nos mostra a questo trabalhada
inicialmente por Eliane Zagury (1973), e por sinal muito difundida, de a Idade Mdia ser um
tempo ficcional propcio ao devaneio ceciliano. Completando estes dizeres com uma citao de
Chico Viana16(2001 apud LIMA, 2002), Lima (2002, p. 122) termina por afirmar os seus dizeres
que identificam a co-presena harmoniosa de tantas tradies no poema de Ceclia Meireles, e
que esta apresenta originalidade ao, habilmente, combinar textos nem sempre coetneos com
toda a liberdade esttica conquistada a partir do Movimento Modernista de 1922. Os aspectos
formais tambm atestam a modernidade da potica ceciliana. Embora fiel redondilha maior,
Ceclia Meireles interpola no texto outros metros e combina rimas consoantes a seu desejo
(LIMA, 2002). Para Lima (2002, p. 122), a escritora reutilizou com maestria o vocativo tpico das
vrias verses da Cano de Leonoreta, redimensionando a gran coita dos trovadores
provenais e galegos, representados na figura de Amads. Invertendo-lhe a voz17[...], atribui-lhe
carter transcendente e isento. E Lima finaliza:
Tradio e modernidade assim combinadas conferem poeta brasileira umaqualidade artstica que a coloca definitivamente lado a lado com clssicos doquilate de um Cames, por exemplo, e ratificam a universalidade dessa lrica deinegvel importncia tanto para a literatura ocidental como para a literaturauniversal. (LIMA, 2002, p. 122).
Apresentamos agora a dissertao de Padula (2010) e as suas anlises para, finalmente,chegarmos a algumas concluses a respeitos dos dois estudos.
16[Ali] esto as figuras da dama e do cavaleiro com seus ideais elevados de amor. [...] Em tal representao, de umcarter neoplatnico que alimenta o misticismo do poeta, o amor se apresenta imune ao jogo fsico. , antes, umveculo de elevao e contemplao espirituais (VIANA, 2001, p. 11 apud LIMA, 2002, p. 122)17Essa inverso diz respeito ao efeito que Ceclia Meireles produz ao inverter o nom me meta en tal coita vossoamor da Cano da Leonoreta para no te meta em gran coita a minha dor.
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Padula (2010) pretende, por meio de algumas tpicas medievais18, ler a reinterpretao da
Cano de Leonoreta, do trovador Joo Lobeira, em diferentes momentos da histria do mundo
ibrico, a saber: a) na novela de cavalaria Amads de Gaula; b) na obra do poeta portugus
Affonso Lopes Vieira; c) na obra do poeta Silva Tavares; e d) na da poeta brasileira Ceclia
Meireles. O tema de sua pesquisa traar uma relao intertextual pouco explorada: a trajetria
que seguiu o lai de Joo Lobeira, ou seja, a recepo que a cano desse autor teve ao longo dos
tempos dentro do contexto cultural ibrico.
Para isso, Padula (2010) tem trs objetivos em seu trabalho: a) analisar a estrutura geral
das estrofes e a morfologia de algumas palavras do lai de Lobeira; b) atentar s tpicas que
aparecem nos poemas e como elas so tratadas em cada poeta, e como essas tpicas aparecem,
principalmente, emAmads de Gaula; e c) analisar o interesse de Ceclia Meireles pela literatura da
Pennsula Ibrica e a relao da obra Amor em Leonoretacom os poemas estudados ao longo da
dissertao.
Em descrio geral, Padula (2010) divide seus captulos explicando a questo das tpicas,
descrevendo os cancioneiros romnicos e tratando do poema de Joo Lobeira; trabalhando as
tpicas nas novelas de cavalaria, em especial a de Amads de Gaula; relendo a Cano de Leonoreta
na viso dos poetas portugueses Affonso Lopes Vieira19e Silva Tavares; e analisando a recepo
de Ceclia Meireles para com a cultura ibrica em seus livros, especialmente oAmor em Leonoreta20.
No primeiro captulo, Padula (2010) trata da questo das tpicas, que eram muito
frequentes na Idade Mdia, e trabalha com afinco a tpica da declarao de amor que um poeta
faz sua amadaem que os trovadores compem, seguindo a arte de trobar, as cantigas de
amor ou as cantigas de amigo. Segundo Padula (2010), a Cano de Leonoreta, de Lobeira, serve
18Tpicas so termos que comumente se repetem dentro de um determinado discurso. Padula (2010), baseando-seem estudos de Ernest Robert Curtius (Literatura Europeia e Idade Mdia Latina. So Paulo: Hucitec-Edusp,1996), coloca algumas tpicas usadas para se elucidar os textos medievais, tais como a tpica do discurso deconsolao, a tpica histrica, a tpica da falsa modstia, a tpica exordial, a tpica do remate, a tpica da invocao natureza, a tpica do mundo s avessas, a tpica do menino e do ancio, a tpica da menina e da anci...19 Embora seja importante dizer que Ceclia Meireles talvez tenha conhecido o poema de Joo Lobeira em suarecepo em Romance de Amads, de Affonso Lopes Vieira, ns queremos ver o poema como memria, j que, nestaobra referida, o autor portugus, ao transcrever a cano, no a transcreve como a encontramos em Amads de Gaula,mas sim como o texto feito por Lobeira.20No atentaremos para os estudos de Padula (2010) quanto aos poemas presentes em Affonso Lopes Vieira e Silva
Tavares. A ns interessa, a princpio, a recepo da cano em suas antigas verses na obra Amor em Leonoreta. Porisso, no descreveremos os captulo da dissertao que tratam em especfico dos poetas portugueses.
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de motivo para outros poemas posteriores, como o caso do includo em Amads de Gaulaou a
recriao deAmor em Leonoreta.
Em sequncia, Padula (2010) trabalha com questes que no so to relevantes para este
estudo, como, por exemplo, um tratado sobre os cancioneiros da poca e a descoberta do
Cancioneiro Colocci-Brancuti(posteriormente nomeado Cancioneiro da Biblioteca Nacional), por volta de
1878.
Aps esse comentrio, Padula (2010) inicia a anlise do poema do trovador Joo Lobeira,
que viveu na corte do rei D. Dinis por volta do ltimo tero do sculo XIII. A cantiga de amigo,
tratada em subgnero como sendo um lai, canta uma mulher, a amada Leonoreta, bem ao estilo
dos trovares da poca que encobriam, por conveno literria, o nome da mulher a quem a
cano se dirigia. Estruturalmente, o poema possui um refro, repetido trs vezes, que
acompanha as estrofes. Esse refro repete-se, talvez, para dar nfase mensagem do poeta
(PADULA, 2010).
A anlise estrutural leva Padula (2010) ao estudo morfolgico e lexical do poema, com o
intuito de trabalhar a diacronia pela qual passaram as palavras dos idiomas portugus e espanhol.
O objetivo de Padula (2010) nos mostrar como pode ser considerado perigoso imaginarmos a
lngua e a escrita como algo estratificado, que no se modifica, dado a mudana dos valores de
palavra que elas carregam no movimento histrico-social.
O estudo morfolexical do poema ajuda Padula (2010) a observar algumas questes, como
a insero da palavra tormenta no segundo verso, passando para um desejo to sobejo que faria
com que o eu lrico matasse um leo, e depois passar para a loucura do amo. Outra questo
colocada a dualidade, em Lobeira, do epteto fin roseta e fin Roseta, a qu e o eu lricochama sua amada.
No que se refere ao refro, vemos que fin roseta repete -se duas vezes e finRoseta, uma vez. Fato interessante que se atentarmos para esta locuo
veremos que ela substitui pelo menos outras duas expresses, quais sejam, finaflor e fino amor. [...] A fine amor uma ertica do controle do desejo.
Assim, um amante suspira (fenhador, em lngua doc) e adora, freqentemente
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[sic] de longe21. Quanto fina flor, esta expresso refere-se a algo sutilssimo,pois se a flor o smbolo da fugacidade das coisas da primavera e da beleza22,o que poderamos dizer de uma pequena rosa? (como se sabe, a rosa tambmo smbolo da paixo, seja ela boa ou no. Assim, fin rosetapoderia ser a sntesedo fine amor e/ou da fina flor. (PADULA, 2010, p. 27)
Desse modo, Padula (2010) interpreta no poema uma gradao da perturbao pela qual
passa o eu lrico com relao ao que ele sente por sua Leonoreta.
Padula (2010) segue com um cotejo entre o texto de Joo Lobeira e o texto inserido em
Amads de Gaula. O estudioso mostra que h a presena de seis versos do refro de Lobeira em
Amads de Gaula. O que mais chama a ateno a modificao de bella sobre toda fror!, do
Cancioneiro, para blanca sobre toda flor, emAmads de Gaula. E h tambm outra curiosidade:
[a] palavra tormenta no consta da verso castelhana. O poema tem incio naquadra Leonoreta, fin roseta/blanca sobre toda fror,/fin roseta, no me metaem tal coita vuestro amor. Ora, tal quadra corresponde, como vimos, aos vv.8-13 no trovador. Tambm assim, o v. 5 na novela corresponde aos vv. 27-8 dopoeta, ou seja, parece que o compositor no Amadsda edio de 1508 preferiuiniciar o poema onde no trovador est quase a acabar, isto , nos vv. 27-33.
Assim, noAmads de Gaulacorrespondem aos vv. 5-9. (PADULA, 2010, p. 31)
Segundo Padula (2010), ainda em Amads de Gaulah a presena de um vocativo feito
Leonoreta, o o hermosura sin par!, enquanto que em Lobeira osprximos versos referem-se
ao segundo refro. H, tambm, a presena no poema castelhano do verso que me d pena y
dulor, que mostra uma situao paradoxal do eu lrico que sofre e se compraz com a dor
causada pelo amor (PADULA, 2010).
Padula (2010), ao cotejar os dois poemas, mostra uma diferena interessante entre eles: seinterpretssemos os versos do trovador no desejo/outra senhor, se vos non e o que est
presente na novela, no deseo/servir outra sino a vos, notaramos que este tem uma inteno
diferente daquele, pois [em Lobeira] o desejo parece ser algo natural, enquanto que noAmads a
adio do infinitivo (servir) condiz com algo cujo sentimento no s natural, mas tambm
21Trecho retirado do estudo de Danielle Rgnier-Bohler. Ver: RGNIER-BOHLER, Danielle. Amor Corteso.In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.). Dicionrio Temtico do Ocidente Medieval. Bauru:EDUSC, 2001, v.I.22Trecho retirado do estudo de Juan-Eduardo Cirlot. Ver: CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionrio de Simbologia.So Paulo: Ed. Morais, 1984.
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ligado prpria profisso do cavaleiro (PADULA, 2010, p. 32).O poema em Amads de Gaula
tambm parece ter sido readaptado segundo a sequncia narrativa do romance, fazendo aluses a
passagens da novela (PADULA, 2010).
A grande diferena entre os poemas est na ltima estrofe. Segundo Padula (2010, p. 34),
ela marca com distino a diferena dada pela mudana tnica da cano: o poeta [em Amads de
Gaula] no s deixa de mencionar seu pathos Leonoreta como tambm alude outra mulher,
fato que contradiz os princpios do amor corteso.
No Captulo II, Padula (2010) trabalha questes no muito importantes para o nosso
estudo, mas, a ttulo de curiosidade, ele verte sobre as tpicas presentes nas novelas de cavalaria
em especfico, as contidas emAmads de Gaula. H nesse captulo uma apresentao do gnero
novela de cavalaria, uma apresentao da obra Amads de Gaula e suas edies, a questo da
autoria da obra, o uso das tpicas nas novelas de cavalaria, tais como a solicitao de dons, o
encobrimento em combates, a questo das demandas e a questo do afastamento do cavaleiro
frente amada. Padula (2010) aponta, tambm, para uma tpica muito comum nas cantigas de
amigo: a coita amorosa.
O autor (PADULA, 2010) no tece muitos comentrios a respeito da trama da obra
posterior ao Livro II, dado que sua anlise se foca, antes de tudo, nas tpicas medievais e na
Cano de Leonoreta.
Tal como Lima (2002) aponta em sua leitura, Padula (2010) nos diz que a cano aparece
no captulo LIV do Livro II de Amads de Gaula. Padula (2010) ainda acrescenta mais detalhes a
essa parte ao descrev-la com mincia. Para o autor (PADULA, 2010), esse um importante
captulo do livro, dado que Amads prova estar vivo23 Oriana por meio de um anel, que lhe foradado pela filha de Lisuarte no Captulo XIV, no Livro I. Como sabemos, no captulo LIV que
surge o poema a Leonoreta. Esse poema tratado por alguns estudiosos, a exemplo de Juan
Manuel Cacho Blecua (1996 apud PADULA, 2010), como um texto inserido tardiamente pelo
editor da novela de 1508, Garci Rodrguez de Montalvo. Tal fato, como tambm j vimos, suscita
inmeros problemas chamada questo da nacionalidade deAmads de Gaula.
23Neste momento da histria, Amads encontra-se longe do reino, em autoexlio, devido a rejeio de Oriana paracom seus sentimentos.
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Usando das palavras de Padula, trataremos agora de como, em sua leitura, ocorre o
aparecimento de Leonoreta e o canto do lai:
A histria do aparecimento de Leonoreta a seguinte: aps tratar de assuntosda batalha contra o rei Cildadn, Lisuarte resolve entreter a corte, compostasomente por cavaleiros, com uma canozinha feita por Amads temposatrs para sua filha caula Leonoreta, personagem mencionadaabruptamente pela primeira vez no livro. Causa estranheza a apario dainfantinha, pois no pargrafo anterior discutia-se o destino do reino de Lisuarte.Para manter a coerncia da narrao, seria de se esperar que o rei tratasse deestratgias concernentes batalha, mas estranhamente Lisuarte prefere entreteros cavaleiros com um vilancete. Somente aps a cano, Lisuarte acertadetalhes da batalha com Don Galaor, Don Florestn e Agrajes sin Tierra e lhesdiz como est preocupado com a guerra. A explicao que o narrador d para afeitura do vilancete antes parece denunciar a insero do poema que justificar osurgimento da cano, pois, diz ele, Amads fizera a cano quando na corteestavam apenas as mulheres, a saber, a rainha Brisena e outras donzelas, entreelas Oriana e Mablia. Agora, o poema cantado em um contexto totalmentediverso. (PADULA, 2010, p. 57).
Depois de tratar da introduo do lai na obra, Padula (2010) parte para algumas relaesentre as canes de Lobeira e de Amads de Gaula, sem nos trazer nenhuma novidade quanto ao
que j foi tratado na dissertao e ao que viemos comentando at agora.
No captulo seguinte, o autor (PADULA, 2010) trabalha com a relao da Cano de
Leonoreta nos poetas portugueses j citados e em Ceclia Meireles. Daremos um salto no estudo
para focarmos na anlise da recepo da cano na autora brasileira.
No captulo IV, dedicado Ceclia Meireles, Padula (2010) trata, principalmente, das
caractersticas da poeta, de sua relao com a cultura ibrica, de referncias explcitas a essa
cultura em sua obra e de alguns poemas anteriores de Meireles que apresentam algo em comum
comAmor em Leonoreta24.
Quando Padula (2010) alcana a obra visada em anlise, ele trata de alguns detalhes, como
a questo da epgrafe, que, segundo o estudioso, mescla partes tanto da cano de Lobeira quanto
24Como por exemplo Chorinho (Vaga msica), Madrigais das sombras (Vaga msica), Diana (Mar absoluto e outrospoemas) e Melodia para cravo (Retrato natural).
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da cano deAmads de Gaula. Para ele (PADULA, 2010), ao mesclar um e outro poema, a autora
coloca um pouco de si na produo. A mtrica deAmor em Leonoretatambm analisada25.
Padula (2010) parte, enfim, para uma anlise da obra em cotejo s duas canes.
Resumidamente, Padula (2010) nos mostra que as partes I e II do poema so um momento de
declarao do amor extraordinrio do eu lrico por meio de intensa conotao simblica e de
forte presena da cultura greco-romana como a caada feita pelo eu lrico alma de sua
amada. H uma relao muito interessante apontada pelo estudioso como a simbologia presente
no verso Leva a seta orumo claro, em que se fazem presentes as figuras de Diana e Eros e a
poeticidade dos animais mitolgicos licorne (unicrnio) e fnix, romano e egpcio,
respectivamente. Na parte II tambm encontramos passagens relacionadas s ideias platnicas,
como a viso do Belo em si mesmo, alm da ideia das esferas celestes ptolomaicas26.
As partes III e IV fazem aluso a alguns episdios de Amads de Gaula e algumas
referncias s tpicas medievais. O eu lrico declara na parte III, por exemplo, no se importar
com o afastamento de sua amada27, embora, na parte IV, ele negue essa afirmao28. As aluses
aoAmads de Gaulaencontram-se nas referncias s barcas, aos mares e ao afastamento da amada.
No poema V, Ceclia Meireles abandona a mitologia e comea a trabalhar com a tnica do
cristianismo marcado fortemente por um vis platnico. Menes como Pela celeste
ampulheta/flui-me a vida em cinza breve (vv. 1-2), a meno ao amor ...isento e sem motivo...
(v. 16) contrapondo-se ao amor mundano ...cego, fiel, cativo (v. 14) marcam claramente uma
posio de renncia e resignao frente s coisas de um mundo pragmtico (PADULA, 2010). O
poema VI intensifica essa tnica, principalmente pelos elementos presentes, como olhos
fechados (v. 3), polos inviolados (v. 13), Paraso (v. 17), Vernica (v. 19), estandarte (v.
25 E podemos citar (FERNANDES, 2006; OLIVEIRA, 2009; PADULA, 2010) muitas caractersticas formaispresentes em Amor em Leonoreta, como a recriao do mote, o uso de redondilhas maiores, plenos de psquebrados, sendo estas duas ltimas uma das grandes novidades advindas do Cancioneiro Geral (FERNANDES,2006), e de tcnicas como o paralelismo, mesmo que usado de maneira parca.26Ideia que divulgava que o universo seria finito e os outros mundos e as estrelas estavam suspensas e presas poressas esferas celestes (PADULA, 2010).27... como poderei ser triste,/se a tua sombra resiste/e tu no resistirias? (MEIRELES, 2001, p. 696).28 sofrendo por te afastares,/bela sobre toda flor/(que todos os meus pesares/so por saudade de amor)(MEIRELES, 2001, p. 697).
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20) e a alegria de adorar-te/com o meu pranto (v. 22-23). Aqui, diz-nos Padula (2010, p. 103)
a anunciao morte parece clara.
Na ltima parte encontramos a meno transitoriedade das coisas de nosso mundo, um
tema muito recorrente na poesia de Ceclia Meireles. O tempo brutal da mitologia grega, que
devora homens e coisas, presente, por exemplo, em Hesodo, no final deAmor em Leonoreta um
lmpido sopro/que liberta de alegrias/e de queixas (vv. 5-7). Pela terceira vez na obra o eu lrico
menciona a celeste ampulheta na qual vai-se a luz da primavera (magnfica alegoria sobre as
alegrias da juventude) (PADULA, 2010).
O amor dedicado Leonoreta seria, para Padula (2010), pelo menos em boa parte do
poema, filiado a uma mstica crist. A confirmao da morte do eu lrico tambm est presente
no final de Amor em Leonoreta, principalmente em seus ltimos versos: Puro sonho, a minha
morte,/pura morte, o meu amor. Nas palavras de Padula (2010, p. 105): omitiu -se o verbo de
ligao, mas a idia [sic] continua, qual seja, a de que sonho, morte e amor constituem uma coisa
s para este eu lrico.
A anlise de Padula (2010) termina com a considerao de que Ceclia Meireles fez
meno a diversos smbolos e textos em Amor em Leonoreta, no s recorrendo a elementos das
canes de Leonoreta, mas tambm mitologia greco-romana e s fortes referncias platnicas
e crists.
Teamos agora as nossas crticas quanto aos estudos expostos acima.
O artigo Amor em Leonoreta e seus componentes medievais se mostra muito
problemtico quanto ao almejar trazer essa dita compreenso integral da obra, sobretudo pormeio da paratextualidade presente em Amor em Leonoreta. Ao tratar essa paratextualidade como
uma fonte literal de Amads de Gaula, Lima no leva risca a historicidade dessa epgrafe. Isso
implica em uma falsa referncia novela de cavalaria, pois ela nos remete, em sua textualidade, ao
poema de Lobeira. No porque Ceclia Meireles aponta a epgrafe como sendo retirada do
Amads de Gaula que devemos trat-la como tal.
Sem levarmos em conta alguns erros j apontados em nota, Lima diz que o sentimento
entre Oriana e Amads idlico, mas na verdade ele corteso. Amads se mostra, a princpio, em
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posio de servido para com Oriana, o que descaracteriza esse vis idlico apontado no artigo.
Outra questo a ser levantada a de que, quando da feitura da cano, Amads no to
reservado assim ao se dirigir sua amada, embora o nome de Oriana no seja mencionado no lai.
Os ltimos versos nos comprovam esses dizeres:
Aun que m quexa parescereferir se a vos seora
otra es la vencedoraotra es la matadoraque mi vida desfalleceaquesta puede hazersin yo gelo merecerque muerto viva so tierra. (MONTALVO, 1526 , p. CI).
O que merece ser realmente levantado em nossas crticas ao trabalho de Lima tamanha
insistncia nessa autenticidade do paratexto presente em Amor em Leonoreta. Sem querermos ser
redundantes, reafirmamos que a epgrafe em Ceclia Meireles no est presente na novela de
cavalaria.
Na viso, embora forada, de Lima, o ponto alto de sua anlise tratar a voz do heri
presente ao longo dos versos de Ceclia Meireles. Se atentamos para essa voz do personagem em
de Amor em Leonoreta, devemos trat-la como uma voz ressignificada, dada a presena de outros
elementos que no os das canes de Leonoreta no poema de Ceclia Meireles29.
O trabalho de Padula se mostra de interesse para nossa pesquisa, sobretudo ao cotejar a
cano de Lobeira com a de outros autores que mantm uma relao intertextual com ela.
As tpicas da Idade Mdia trazidas pelo estudo fornecem pontos de anlise interessantespara Padula. Ao fazer a relao entre os poemas de Joo Lobeira e o de Amads de Gaula, Padula
mostra que os motivos entre ambos so os mesmos, mas no primeiro encontramos um estilo
marcadamente trovador, que trata da loucura do amor e em que encontramos a gradao da
perturbao pela qual passa o eu lrico com relao ao amor por Leonoreta; no segundo, o que
29Para tanto, confira: PAIVA, Leonardo. A traio da memria como dispositivo literrio-discursivo: o caso Amor emLeonoreta. In: II Seminrio Integrado de Monografias e Dissertaes, 2012, Pouso Alegre. II SeminrioIntegrado de Monografias e Dissertaes, 2012. p. 09. Disponvel em: . Acesso em: 11 mar. 2013.
http://media.wix.com/ugd/9ea762_25889b836ef181ad51635f525120ff10.pdfhttp://media.wix.com/ugd/9ea762_25889b836ef181ad51635f525120ff10.pdf -
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vale ser destacado com relao diferena do poema de Lobeira so os versos blanca sobre toda
flor, a situao paradoxal assumida pelo eu lrico (como o caso de pena e dulor) e o desejo
natural do heri Amads ligado tambm profisso do cavaleiro. Como observa Padula (2010), a
distino na ltima estrofe do poema de Amads de Gaula contradiz os princpios do amor
corteso presentes na cano de Lobeira.
Vale apontar, tambm, que Padula traz a questo da epgrafe em Amor em Leonoretavista
de maneira diferenciada por Lima. Padula diz que a citao na obra de Ceclia Meireles mescla as
duas canes, e que esse fato repetir-se- ao longo do poema.
Mais interessantes so os pontos colocados em anlise por Padula. Ao dividir o poema
em quatro partes, o pesquisador consegue mostrar-nos com justeza presenas como as da
mitologia greco-romanca, do platonismo e do ptolomaico nos cantos I e II; a questo da aluso a
episdios de Amads de Gaula e s tpicas medievais nos cantos III e IV; o abandono da
mitologia, o cristianismo marcado por um vis platnico e sua intensidade nos cantos V e VI,
alm do anncio da morte, neste ltimo; e a transitoriedade das coisas sendo trabalhada por
Ceclia Meireles no canto VII, alm da questo do tempo brutal sendo resignificado, em que a
mstica crist, relacionada morte e ao amor, reafirmada pelo eu lrico.
REFERNCIAS
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http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=231&pv=simhttp://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=231&pv=sim -
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