7 as limitações da calculadora gráfica e os manuais...

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As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 175 7 As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário 7.1 Introdução O programa actual de Matemática A do Ensino Secundário ([15]), que entrou em vigor no 10º ano de escolaridade no ano lectivo 2003/2004, tal como o programa que o antecedeu, alerta os professores para as limitações da calculadora gráfica, como já foi referido no capítulo 2. As publicações lançadas pelo Ministério da Educação através do Departamento do Ensino Secundário, a partir do ano lectivo de 1997/1998 ([64], [65] e [66]), chamam igualmente a atenção dos professores para o facto da tecnologia ter limitações (mesmo com a entrada do novo programa, estas publicações permanecem actuais). Na brochura de Funções do 10º ano ([64] pp. 20 – 25, 30 – 34) encontram-se diversos exemplos (alguns deles estudados no capítulo 5 deste trabalho) em que os gráficos das funções, realizados numa calculadora gráfica, sugerem conclusões erradas. É na brochura de Funções do 11º ano ([65] pp. 11 – 16, 32, 33, 48 – 53) que se encontra um estudo mais pormenorizado das calculadoras gráficas no que diz respeito a alguns aspectos do seu funcionamento (nomeadamente o

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As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

175

7 As limitações da calculadora gráfica e os manuais

escolares do Ensino Secundário

7.1 Introdução

O programa actual de Matemática A do Ensino Secundário ([15]), que

entrou em vigor no 10º ano de escolaridade no ano lectivo 2003/2004, tal como

o programa que o antecedeu, alerta os professores para as limitações da

calculadora gráfica, como já foi referido no capítulo 2.

As publicações lançadas pelo Ministério da Educação através do

Departamento do Ensino Secundário, a partir do ano lectivo de 1997/1998

([64], [65] e [66]), chamam igualmente a atenção dos professores para o facto

da tecnologia ter limitações (mesmo com a entrada do novo programa, estas

publicações permanecem actuais).

Na brochura de Funções do 10º ano ([64] pp. 20 – 25, 30 – 34)

encontram-se diversos exemplos (alguns deles estudados no capítulo 5 deste

trabalho) em que os gráficos das funções, realizados numa calculadora gráfica,

sugerem conclusões erradas.

É na brochura de Funções do 11º ano ([65] pp. 11 – 16, 32, 33, 48 – 53)

que se encontra um estudo mais pormenorizado das calculadoras gráficas no

que diz respeito a alguns aspectos do seu funcionamento (nomeadamente o

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sistema numérico de ponto flutuante que tem incorporado), às suas limitações

no estudo dos limites de funções (uma vez que o programa oficial sugere uma

abordagem numérica com base na utilização da calculadora) e no cálculo de

derivadas.

Finalmente na brochura de Funções do 12º ano ([66] pp. 51 – 53) os

professores são alertados para os limites da calculadora gráfica no cálculo de

valores aproximados para o número de Neper, através do limite da sucessão

de termo geral ( )nn11+ (este caso foi analisado na secção 6.1)29.

Apesar da preocupação demonstrada, quer no programa oficial, quer nas

publicações anteriores, em alertar para os limites do uso da calculadora

gráfica, de um modo geral, este cuidado não se encontra claramente presente

nos manuais escolares analisados. De facto, dos exemplos apresentados ao

longo deste trabalho para ilustrar as limitações da calculadora gráfica no

estudo de diversos conceitos matemáticos, poucos são aqueles que se

encontram incluídos nos manuais escolares. No entanto, em todos os manuais

analisados, de uma forma mais ou menos explícita, é referido o cuidado que se

deve ter na utilização das calculadoras, sobretudo no que diz respeito à

representação de gráficos.

De um modo geral, os manuais analisados incluem poucos dos exemplos

apresentados nas três brochuras. Vejamos em seguida como são abordados

nos manuais do Ensino Secundário, os exemplos apresentados nos capítulos

anteriores e outros susceptíveis de levar os alunos a resultados erróneos.

Foram analisados quatro manuais do 10.º ano do tema Funções ([6], [28], [36]

e [46]), quatro do 11.º ano dos temas Funções e Sucessões, ([7], [8], [29], [37],

[38], [47] e [48]) e três do 12º ano do tema Funções ([35], [41] e [45]).

29 Este exemplo surge nesta publicação uma vez que não chegou a ser publicada uma brochura sobre as Sucessões (tema incluído no 11º ano de escolaridade).

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7.2 Sucessões

O programa oficial prevê o estudo intuitivo da sucessão de termo geral

( )nn11+ num contexto de modelação matemática, devendo o número de Neper

ser definido como o limite desta sucessão. Para determinar um valor

aproximado para este limite, deverá ser utilizada a calculadora gráfica.

O manual da Porto Editora ([48] p. 95), apresenta a definição do número

de Neper e refere que: “com uma calculadora gráfica podemos procurar

valores aproximados do limite da sucessão de termo geral ( )nn na 11+= ”. No

entanto, tal procura não é efectuada, apresentando somente o gráfico da

sucessão, e uma aproximação de e para 25=n , isto é, 6658363.225 ≈a , que

possui somente um algarismo correcto!

Este compêndio não segue a indicação metodológica do programa

oficial e, por conseguinte, não alerta para as limitações no uso da calculadora

gráfica.

Os manuais da Contraponto ([8] pp. 99 - 100), da Texto Editora ([29]

pp. 270 –271) e da Areal Editores ([38] pp. 54 – 56), introduzem a sucessão de

termo geral ( )nn11+ num contexto de modelação matemática: a capitalização

contínua dos juros (num dos manuais é mesmo referido que o número de

Neper é conhecido nos círculos financeiros por constante bancária). Em [38] é

obtida para 510256.5 ×=n , uma aproximação para o número de Neper com 5

algarismos correctos (juro capitalizado de minuto a minuto) e em [8] e [29]

obtém-se para 7101536.3 ×=n uma aproximação para o valor de e com 6

algarismos correctos (juro contabilizado segundo a segundo). Não existem, em

qualquer um dos manuais, referências para as limitações da calculadora

gráfica na abordagem do limite desta sucessão.

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7.3 Funções

Este tema é estudado ao longo de todo o Ensino Secundário e prevê a

utilização da calculadora como um instrumento de pesquisa. São diversos os

subtemas em que o uso da calculadora é imprescindível.

7.3.1 Funções polinomiais e racionais

No 10º ano, o estudo de algumas funções polinomiais de grau superior a

dois, só poderá ser efectuado com o recurso à utilização da calculadora

gráfica30.

Sempre que não se possuem os valores exactos dos pontos notáveis,

todos os manuais analisados cometem incorrecções. Vejamos o seguinte

exercício ([29] p. 13)31:

Recorrendo à calculadora faz uma representação gráfica da função

definida em ℜ por

( ) 5225.034 +−+= xxxxf .

Assinala as coordenadas dos pontos de intersecção com os eixos e os

extremos relativos (com 1 c.d.). Regista num quadro a variação de sinal

de f e, num outro, os intervalos de monotonia e extremos.

Uma vez que os zeros desta função não podem ser obtidos exactamente,

o quadro de variação de sinal e o dos intervalos de monotonia e extremos não

podem ser apresentados correctamente, mas somente com valores

aproximados (ver exemplo da secção 6.5). No manual não existe qualquer

referência a esta limitação. Pelo contrário no exemplo apresentado em [7],

p. 29, é efectuado o estudo em ℜ da função racional ( )1

88842

+

++=

x

xxxf .

30 Só no 12.º ano será possível efectuar o estudo analítico completo de funções. 31 Em [46] (pp. 107, 157 e 161) surgem igualmente alguns exercícios propostos, que apresentam inexactidões no conjunto – solução de inequações, intervalos de monotonia e contradomínio.

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O cálculo dos extremos da função só pode ser efectuado, no 11º ano, com o

auxílio da calculadora (figura 7.1).

Fig. 7.1 – Cálculo dos extremos de f na Texas TI - 83

Como não foram obtidos valores exactos, o manual apresenta de uma

forma correcta:

• o contradomínio: ] ] [ [+∞∪∞−= ,, rrf mMCD

• os intervalos de monotonia: crescente em ] [Mx,∞− e em ] [+∞,mx e

decrescente ] [1,−Mx e em ] [mx,1− .

Não há qualquer referência no manual para o facto de não se apresentar

os intervalos com valores aproximados.

Este mesmo problema surge na resolução de inequações de grau

superior a dois e sempre que não se possuem os valores exactos do(s)

extremo(s) do(s) intervalo(s) do conjunto - solução. Em [28], p. 95, adoptam um

procedimento análogo ao utilizado em [7]. No entanto os autores do manual

entram em contradição ao apresentar nas soluções para os exercícios

propostos, conjuntos – soluções com valores aproximados para os extremos

(pp. 94 e 118, por exemplo).

Em [36], pp. 103 – 104, é apresentada a resolução da inequação

30361222 >+− xx , com [ ]6,0∈x , recorrendo à representação gráfica e a uma

tabela. Os valores de x que satisfazem esta condição pertencem ao intervalo

[ [ ] ]6,6363,0 +∪− . No entanto, neste manual é apresentado o

conjunto – solução [ [ ] ]6,,0 β∪α=S , sendo 55,0≈α e 45,5≈β . Como

4494,563 ≈+ , o conjunto S contém valores de x que não satisfazem a

inequação dada.

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7.3.2 Gráficos

De um modo geral, todos os manuais analisados alertam para a

importância da escolha de uma janela de visualização adequada à observação

do comportamento global de uma função. Referem igualmente que por vezes

torna-se necessário considerar várias janelas de visualização para captar as

características mais importantes de uma função ([6] pp. 41-43). Vejamos um

exemplo ([6] pp. 139-140):

(...) a representação da função 181023 −+−= xxxy pode levantar

algumas dúvidas, conforme a janela de visualização escolhida. Por

exemplo:

Fig. 7.2 – Gráfico da função obtido na Texas TI - 83

Modificando a janela verifica-se que a função tem três zeros.

Fig. 7.3 – Gráficos obtidos na Texas TI - 83

Neste caso apenas podemos dar valores aproximados das soluções da

equação:

154,0≈x . 709,0≈x . 136,9≈x .

Não é referido no entanto que não é possível visualizar

simultaneamente os três zeros e o mínimo relativo da função.

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É claro que sempre que o domínio da função seja um conjunto ilimitado

“devemos procurar uma representação que evidencie as principais

características da função, já que é impossível obter todo o seu gráfico”

([6] p. 37). Em muitos casos os manuais limitam-se a apresentar a janela de

visualização não explicando como obtê-la. Outros manuais referem que o

aluno poderá escolher a janela de visualização consultando uma tabela (na

máquina) que lhe dê uma ideia do valor das imagens para objectos por ele

escolhidos. Em [46] (pp. 26 – 28) são apresentados alguns exemplos e

propostos exercícios que têm como objectivo o aluno escolher um rectângulo

de visualização adequado a cada função. Apesar da escolha da janela de

visualização estar intimamente relacionada com a função que se está a

estudar, o aluno deverá desde o princípio experimentar diversas janelas,

adquirindo dessa forma uma certa “sensibilidade” para a escolha mais

correcta.

Em [29], p. 14, na representação gráfica de uma função definida por

ramos, é aconselhado o uso da opção Draw Type – Plot (nas máquinas Casio)

no sentido de se evitar os “riscos verticais” que surgem no modo Connect

(exemplo análogo surge em [28] p. 66). Não há qualquer chamada de atenção

para a distinção entre as duas opções disponibilizadas pela calculadora, assim

como para o facto de surgirem os denominados “riscos verticais”32. Como foi

referido no capítulo cinco, a utilização do modo Plot ou Connect, poderá levar

ao aparecimento de segmentos de recta verticais. Por exemplo, em [7], p. 21,

surge a representação gráfica da função ( )62

58

−=x

xxf (figura 7.4), sendo o

aluno alertado para o facto da linha recta não

fazer parte do gráfico da função nem ser a

representação da assimptota. Contudo, não é

apresentada qualquer justificação para a sua

existência. O mesmo acontece em [37], p. 36 e

[47], p. 11.

Fig. 7.4 - Gráfico da função obtido na Texas TI - 83 32 Dos manuais analisados, em nenhum aparece uma distinção clara entre estas duas opções e quais as suas consequências.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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No manual do 10.º ano ([46] p. 18), é apresentado o gráfico da função

racional ( )1

12 −

=x

xf onde surgem duas “rectas verticais”, não havendo

qualquer referência para esse facto. Note-se ainda que as funções racionais

fazem parte do programa do 11.º ano e não do 10º ano.

Como já foi referido, aquando da apresentação do gráfico de uma

função na calculadora, o aluno deverá ser capaz de encontrar o rectângulo de

visualização que melhor ilustre o comportamento da função na identificação

das suas características. Assim actividades como as que surgem em [29],

p. 17 (actividade 2) e p. 36 (actividade 5), deverão ser propostas apenas numa

primeira fase. Posteriormente o aluno, de acordo com os conhecimentos que

possui da função, deverá escolher sempre o rectângulo de visualização mais

apropriado. A constante indicação da janela de visualização por parte do

manual ao aluno, poderá levar a que este, perante uma nova função, não saiba

como proceder.

Actividade 2

Obtém com a calculadora representações gráficas das funções

f , g e h nas janelas de visualização indicadas. Depois explica, para

cada função, qual das representações achas mais eficaz na

identificação:

• do domínio de existência da função;

• das imagens de número muito, muito grandes ou muito, muito

pequenos;

• das imagens de números muito próximos de –1.

1.º ( )1

5

+=x

xf em [ ] [ ]4,46,6 −×− ; [ ] [ ]10,1010,10 −×− ;

[ ] [ ]5,550,50 −×− [ ] [ ]50,5010,10 −×−

(...)

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Depois da resolução da actividade anterior, o manual chama a atenção

para o facto de que

as dificuldades na compreensão do comportamento das funções,

através da observação dos gráficos, prendem-se com a identificação

das imagens de números muito “grandes” ou muito “pequenos”, bem

como a identificação das imagens de valores muito próximos de

números que não pertencem ao domínio das funções.

Actividade 5

Recorrendo à calculadora obtém (...) os gráficos das funções

f , g , h e j nas janelas indicadas33:

( )1

2 −=x

xxf e ( )

x

xxg

2

122 +

= em [ ] [ ]4,46,6 −×− ;

( ) xxh 2= em [ ] [ ]5,15,5 −×−

( )x

senxxj = em [ ] [ ]1,125,25 −×−

(...)

Aquando da realização desta actividade o manual adverte o aluno para

os erros que a máquina poderá apresentar, devendo manter a todo o momento

uma postura crítica

ao utilizares a calculadora para obter o gráfico de uma função tens

que ser crítico em relação ao que a máquina te apresenta. Não te

deixes enganar! Tem em atenção, por exemplo, o que deves saber

acerca do domínio de existência da função.

O manual XEQMAT do 10º ano ([28] pp. 28-35) é aquele que apresenta,

em relação aos outros manuais analisados, um estudo mais pormenorizado

das limitações das calculadoras gráficas na representação gráfica de funções.

O manual citado apresenta alguns dos exemplos que foram abordados no

33 As funções h e j não fazem parte do programa do 11.º ano mas sim do 12.º.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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capítulo cinco (exemplos 1, 3, 4, 5 e 6), não apresentando porém qualquer

justificação. Refere este manual que,

As calculadoras ou os computadores podem constituir uma

ferramenta de grande utilidade no estudo das funções,

nomeadamente pelas potencialidades gráficas que oferecem. Há, no

entanto, necessidade de um constante apoio de conhecimentos

teóricos (...). Vamos analisar alguns exemplos de situações

“enganosas” que podem surgir e, progressivamente, irás adquirindo

“armas” com que te poderás “defender” e, consequentemente, tirar o

máximo partido das tecnologias que tens ao teu dispor.

Após a apresentação dos vários exemplos, o mesmo manual refere que

a intenção dos exemplos não é desencorajar o aluno na utilização da

calculadora gráfica, mas sim alertá-lo para a necessidade de possuir

conhecimentos teóricos que facilitem a interpretação dos gráficos

apresentados pela calculadora e permitam efectuar “boas escolhas” para os

rectângulos de visualização.

De acordo com [36] “a calculadora deve ser encarada pelo estudante

como uma ferramenta que, tal como outras, deve estar sempre presente no

seu trabalho”. Assim, ao longo de todo este manual encontram-se diversos

exemplos resolvidos com o auxílio da máquina gráfica, alertando o aluno para

os cuidados que deverá ter na sua utilização (ver por exemplo pp. 142 – 145).

Neste sentido, este manual (pp. 27-31) indica como calcular várias imagens

com a calculadora e como obter um quadro de valores, representações

gráficas e uma janela apropriada:

O aluno deve estar sensibilizado para a grande importância da escolha

e definição da janela na resolução de problemas. Está em causa uma

interpretação correcta do domínio da variável independente e dos

valores do contradomínio. Exige muitas vezes uma previsão sustentada

pela manipulação da TABLE, para uma definição dos valores de minX ,

maxX , minY e maxY que sejam adequados ao problema. (...) À medida

que os estudantes progredirem para o 11.º e 12.º anos, onde

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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conhecerão novas famílias de funções, eles compreenderão a

importância de saberem escolher sem perda de tempo as dimensões

da janela, na sua calculadora. E esta capacidade só pode ser adquirida

se conhecerem muito bem esta sua “nova ferramenta” de trabalho, se a

usarem muitas vezes para descobrir, estudar e verificar resultados e se

dominarem bem as suas limitações.

Refere este manual a propósito da representação gráfica na calculadora

(pp. 31, 39, 96 e 141):

Consideremos a representação gráfica da função

2

:

xx

f

a

ℜ→ℜ.

Consoante as escalas escolhidas, o gráfico anterior pode modificar o

seu aspecto.

Da mesma forma, quando representamos funções recorrendo às

calculadoras gráficas, poderemos obter representações bem diferentes,

consoante as dimensões do rectângulo de visualização escolhido. Por

outro lado, muitas funções há, que não permitem ter uma visão

completa do seu gráfico, por mais próximos ou mais afastados que

estejam os valores de minX e

maxX ou minY e

maxY .

Se os valores estiverem muito próximos, grande parte do gráfico não é

visualizado, podendo não estar representados aspectos importantes do

gráfico; por outro lado, se estão muito afastados, alguns

comportamentos vão esconder-se para além da curva que aparece no

rectângulo de visualização.

(...) A menos que se trate de representações gráficas de funções

conhecidas, só após o estudo (...) da importante ferramenta

matemática que é a derivada, e que é um importante complemento à

utilização crítica da calculadora, é que poderemos ter a certeza se

determinada representação gráfica de uma função está completa ou

não.

(...) A resolução algébrica (com recurso ao material de escrita

tradicional) pode agora ser facilitada ou confirmada, mas nem sempre

substituída, pelo método numérico ou pelo método gráfico.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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(...) Algumas vezes, com papel e lápis, confirmaremos analiticamente

os resultados que obtivemos com a calculadora; outras vezes,

optaremos pela resolução algébrica e verificaremos a correcção dos

cálculos efectuados recorrendo à calculadora gráfica (...).

Muitas vezes, ao pedirmos à calculadora o gráfico, quando ela toma

valores muito grandes (ou muito pequenos), as suas características

ficam escondidas, isto é, a parte que se vê no visor não nos dá

algumas características importantes da curva. (...) Um gráfico completo

é o que não esconde qualquer característica importante do

comportamento da função. (...)

(...) O gráfico de uma função polinomial dir-se-á completo, se nele

forem visíveis as principais características da função, ou seja:

• O “comportamento inicial” e o “comportamento final” da

função (crescendo ou decrescendo) quando x é “muito

grande”, quer seja positivo ou negativo.

• Intervalos em que a função cresce ou decresce.

• Localização dos extremos.

• Intervalos em que a função tem a concavidade voltada para

cima ou para baixo.

• Localização dos zeros.

Teremos de ter sempre presente que só nos é acessível a parte do

gráfico que se situe dentro do rectângulo de visualização.

7.3.3 Igualdade de funções

A utilização da calculadora gráfica no estudo da igualdade de duas

funções poderá levar a conclusões erradas se apenas se utilizar o gráfico.

Como é referido em [29], p. 41,

as diferenças entre alguns pares de funções são tão pouco evidentes

no gráfico que podem perfeitamente passar despercebidas se não

tiveres conhecimentos teóricos adequados.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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São apresentados neste manual, entre outras, as funções ( )x

xxxf

+=

2

e

( ) 1+= xxg , que diferem no ponto de abcissa 0=x e ( )1

12

+

−=x

xxf e

( ) 1−= xxg que diferem no ponto de abcissa 1−=x .

Como já foi mencionado na secção 5.3 (exemplo 4), o gráfico da função

3

92

−=x

xy só poderá assinalar o ponto aberto se 3=x for um dos ix

disponíveis, o que depende obviamente da janela de visualização escolhida e

não da calculadora utilizada. Porém, em [37], p. 48, chama-se atenção para o

seguinte,

Note que a maioria das calculadoras gráficas apresentam a seguinte

representação gráfica da função 3

92

−=x

xy :

Fig. 7.5 – Gráfico obtido na Texas TI – 83 com a janela Standard

Quando a representação correcta seria:

Fig. 7.6 – Gráfico obtido na Texas TI – 83 na janela [ ] [ ]7,27.4;7.4 −×−

É claro que esta chamada de atenção não está correcta.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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7.3.4 Resolução de inequações fraccionárias

O programa do 11º ano prevê o estudo de inequações fraccionárias no

contexto de resolução de problemas, podendo a sua resolução ser gráfica ou

analítica. Em [29], p. 65, surge no contexto de um problema a inequação

20

1

12

+≥

+

x

x

x em { }12\ −ℜ , a qual é resolvida analiticamente, uma vez que

segundo o manual não é fácil de obter, simultaneamente, boas representações

gráficas de 12+

=x

xy e

20

1+=x

y . No entanto, não é apresentada qualquer

justificação para este facto, cabendo ao aluno essa tarefa. Parece-nos que

esta era uma oportunidade a ser explorada para dar a entender ao aluno qual

é a limitação da máquina.

7.3.5 Limites

Conforme já foi mencionado ao longo deste trabalho, o estudo do limite

de algumas funções deverá ser realizado, com o apoio da calculadora gráfica,

através da observação de tabelas e gráficos. Por vezes os manuais não

seguem esta recomendação do programa oficial (é o caso, por exemplo, de

[47]). Por outro lado, os manuais da Areal Editores ([35] e [37]) estudam todos

os limites de forma intuitiva seguindo as orientações do programa oficial.

Vejamos, por exemplo, o caso da função ( ) xxf 2= ([35] pp. 20 e 21), para a

qual se pretende determinar

( )xfx +∞→lim e ( )xf

x −∞→lim .

Para isso são apresentadas as seguintes tabelas34:

x 10 20 30 50 100 300

( )xf 1024 1048576 1073741824 1.1259E15 1.26765E30 2.037E60

Tabela 7.1 – Estudo da função f quando +∞→x

34 É igualmente apresentado o gráfico da função.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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x -5 -10 -20 -50 -100 -300

( )xf 0.03125 9.7656E-4 9.53674E-7 8.8818E-16 7.8886E-16 4.9091E-91

Tabela 7.2 – Estudo da função f quando −∞→x

Perante valores de x relativamente “pequenos” em valor absoluto, os

alunos poderiam questionar a utilização de valores de x muito maiores. Como

resposta a esta questão são colocadas ao aluno duas propostas de trabalho,

onde eles poderão ter conhecimento das limitações da calculadora no cálculo

destes limites:

1.ª Recorra à sua calculadora e verifique se é possível determinar

( )330f , ( )335f , ( )340f e ( )380f . Explique porquê.

2.º Averigúe se algum dos valores seguintes pode ser nulo: ( )330−f ,

( )335−f , ( )340−f e ( )370−f . Verifique se a sua calculadora

confirma a resposta dada e explique porquê.

Em [35], p. 60, surge uma actividade muito semelhante ao exemplo

apresentado na secção 6.2, onde se chama atenção para o facto de uma

tabela poder levar a conclusões erradas acerca do limite da função:

Actividade 5

Recorrendo à tecla TABLE de uma calculadora, obtiveram-se as

seguintes tabelas de valores de uma certa função 1Y .

Fig. 7.7– Tabelas obtidas na Texas TI – 83

Q1) Com base nos elementos fornecidos, conjecture, se for possível,

o valor para que tende 1Y , quando x tende para ∞+ .

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

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Q2) A representação gráfica de 1Y em [ ] [ ]25,2531,1 −×− é

Fig. 7.8 – Gráfico obtido na Texas TI – 83

Recorrendo ao gráfico e aos valores apresentados nas tabelas

comente a afirmação: “Quando x tende para ∞+ , 1Y tende para ∞+ ”.

7.3.6 Derivadas

Como foi referido no capítulo seis, as calculadoras gráficas possuem

diversas potencialidades no que diz respeito ao cálculo de derivadas. Os

diversos manuais estudados, apresentam as funcionalidades das calculadoras

relativas ao estudo das funções ([29] pp. 96 e 97; [37] pp. 96, 97 e 102;

[47] p. 184 – 190).

De acordo com o que foi referido na secção 6.7.2, na Texas TI – 83,

para calcular a derivada da função num ponto é necessário indicar um valor

para ε , quando este valor não é indicado a máquina assume 310

−=ε . Em [29]

refere que quanto menor for o valor de ε , melhor será a aproximação. Já

vimos que tal não é verdade.

Em [37] são apresentados de forma detalhada, os procedimentos a

adoptar nas calculadoras Texas TI – 83 e Casio CFX – 9850, para calcular

uma aproximação numérica do valor da derivada de uma função num ponto do

seu domínio. Este manual chama a atenção para dois aspectos importantes no

cálculo de derivadas utilizando a calculadora (pp. 96-97)35:

35 Em [47] surge um estudo semelhante, mas somente na Texas TI – 83.

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

191

• nDeriv utiliza para valor da derivada num ponto de abcissa x o

valor da taxa média de variação no intervalo [ ]hxhx +− , . Isto é, a

fórmula utilizada pelo comando nDeriv é

[ ]( ) ( ) ( ) ( )

h

hxfhxf

hxhx

hxfhxftmv hxhx

2,

−−+=

+−+

−−+=+− ,

tomando 310

− para valor da amplitude h do intervalo (se nada for

dito em contrário). Claro que, quanto mais próximo de zero estiver o

valor de h , melhor é aproximação ao valor da derivada. (...) É, no

entanto, importante referir que, fazendo diminuir o valor de h , a

aproximação da derivada, na calculadora, só melhora até certo

ponto.

• É importante referir, no entanto, que, devido à fórmula que aplica, a

instrução nDeriv pode fornecer um valor errado. É o que acontece,

por exemplo, se recorremos à calculadora para determinarmos o

valor da derivada da função ( ) xxf = no ponto 0=x .

No que diz respeito à derivada das funções módulo, em [29] o aluno é

aconselhado a verificar que

sendo ( ) 12 +−= xxf a calculadora apresenta o valor ZERO para

( )2'f . Esse resultado está ERRADO (...) não existe derivada da

função no ponto 2=x .

Todavia, não é apresentada qualquer justificação para este facto.

Em [47], p. 140, é apresentada a função ( ) 3

2

1 xxf −= . Como já vimos na

secção 5.3 (exemplo 8), o gráfico apresentado pelas máquinas Texas TI – 83 e

Casio CFX – 9850 é diferente. Por outro lado, na Texas TI – 83 esta função

admite derivada para 0=x , o que não corresponde à verdade (ver figura 7.9).

Porém, esta situação nem sequer é referida no manual, limitando-se a

apresentar o gráfico da função obtido na Texas TI – 83.

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

192

Fig. 7.9 – Gráfico de f obtido na Texas TI - 83

7.4 Conclusão

Os manuais escolares são somente um dos recursos que os alunos e os

professores dispõem no ensino-aprendizagem da Matemática, mas a verdade

é que tal recurso constitui em muitos casos um instrumento de trabalho de

intensa e privilegiada utilização. Os professores como profissionais, deverão

assumir constantemente uma atitude crítica e construtiva em relação aos

manuais escolares. Esta atitude deverá, na medida do possível, ser transmitida

aos alunos.

Como sabemos, o manual escolar adoptado, no actual sistema de

ensino, cumpre um papel importante como elemento de estudo dos alunos,

que são obrigados a adquiri-lo, podendo usá-lo em qualquer momento, em

casa ou na escola. Porém, ele constitui muitas vezes a principal (e em certos

casos, mesmo a única) fonte de orientação do professor.

Tirando um ou outro caso pontual, a qualidade científica e pedagógica

dos manuais, assim como o respeito pelos programas e a sua adequação ao

trabalho dos alunos não têm sido analisados por comissões independentes,

tornando-se públicas as conclusões e recomendações respectivas. Um estudo

conduzido durante alguns anos por uma comissão liderada por E.M. Sá (na

parte respeitante à disciplina de Matemática) alerta para a qualidade deficiente

que apresentam, regra geral, este importante instrumento de trabalho

religiosamente seguido por muitos professores ([77]).

As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário

Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

193

A grelha de análise proposta pelo Ministério da Educação mostra-se

insuficiente, tanto sob o ponto de vista pedagógico como científico, sendo

particularmente difícil prever os aspectos mais salientes relativos ao seu uso

pelos alunos (ver anexo E). Deste modo os grupos disciplinares sentem com

frequência grandes dificuldades na selecção dos manuais a adoptar, tanto

mais que esta é feita num intervalo de tempo curto para a análise profunda de

diversas opções que o mercado coloca à consideração. Por exemplo, para o

próximo ano lectivo (2005/2006), é necessário escolher três novos manuais,

dois deles de disciplinas novas: Matemática B do 11º ano, Matemática

Aplicada às Ciências Sociais (11º ano) e Matemática A do 12º ano. Esta

decisão tem de ser tomada num intervalo de tempo (23 de Maio a 24 de

Junho) que, além de reduzido, coincide com a avaliação final dos alunos e o

início dos exames do 9º e 12º anos. Acresce ainda o facto de que as Editoras

nem sempre conseguem ter atempadamente os seus manuais disponíveis.

Apesar da sua importância, os manuais escolares não têm sido objecto

de muitas investigações em educação matemática. Deste modo, não se sabe

dizer com rigor quais são as características mais desejáveis num manual para

os alunos de cada nível etário, nem quais os modos mais eficazes de apoiar os

professores na sua selecção e utilização.

Alguns dos manuais escolares analisados não têm claramente uma

abordagem didáctica compatível com as orientações curriculares oficiais. De

um modo geral, eles não apresentam explicitamente exemplos que ilustrem as

limitações da calculadora gráfica, apresentando as respectivas justificações.

Todavia, alguns dos manuais que foram publicados a partir do ano lectivo

2003/2004, para o novo programa de Matemática A, já demonstram mais

cuidado, no estudo de funções através da calculadora gráfica, chamando a

atenção para algumas das limitações (estas relacionam-se sobretudo com a

janela de visualização). No entanto, este aspecto não deverá ter sido

considerado pelos professores aquando da escolha do manual nas suas

escolas.

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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas

194

É claro que a compreensão completa das limitações das calculadoras

gráficas não está ao alcance da maioria dos alunos do Ensino Secundário.

Porém, e de acordo com o que é referido no programa oficial, é importante que

os alunos tenham conhecimento e entendam que a máquina gráfica tem

limitações, devendo para isso o manual ilustrar através de exemplos estes

aspectos, apresentado breves explicações. O professor, por seu lado, deverá

ter perfeito conhecimento das limitações subjacentes ao uso da calculadora

gráfica, estando à vontade para esclarecer todas as dúvidas que os alunos

poderão colocar e todas as “surpresas” que as calculadoras gráficas lhes

reservem.