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1 6º ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS BELO HORIZONTE, 25 A 28 DE JULHO DE 2017 ÁREA TEMÁTICA: ENSINO E PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS O JOGO DO DESAFIO: APLICAÇÕES TEÓRICAS EM RI Elia Elisa Cia Alves (Universidade Federal de Pernambuco UFPE) Gabriela Gonçalves Barbosa (Universidade Federal de Pernambuco UFPE) Ana Paula Maielo Silva (Universidade Estadual da Paraíba UEPB)

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6º ENCONTRO NACIONAL DA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

BELO HORIZONTE, 25 A 28 DE JULHO DE 2017

ÁREA TEMÁTICA:

ENSINO E PESQUISA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O JOGO DO DESAFIO: APLICAÇÕES TEÓRICAS EM RI

Elia Elisa Cia Alves (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE)

Gabriela Gonçalves Barbosa (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE)

Ana Paula Maielo Silva (Universidade Estadual da Paraíba – UEPB)

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O Jogo do Desafio: aplicações teóricas em RI

Resumo: Este paper volta-se para a utilização da aplicação da aprendizagem ativa em uma dinâmica de caráter lúdico que se propõe a aplicar conceitos teóricos aprendidos em sala de aula. Apresentamos uma experiência de aplicação do Jogo do Desafio (JD), no Laboratório de Ensino em RI da UEPB (Ensino-Lab RI) explorando categorias analíticas e pressupostos básicos da teoria de Relações Internacionais (TRIs). Além de descrever o funcionamento do JD em sua modalidade básica, também serão apresentadas variações implementadas a fim de explorar elementos específicos associados à teoria realista, em sua versão clássica e estrutural, respectivamente. Foram explorados aspectos do Realismo, tais como os elementos que influenciam o comportamento dos Estados no Sistema Internacional, as concepções de poder, a premissa de definição de interesses dos Estados em termos de poder, a racionalidade do Estado e sua centralidade nas Relações Internacionais, a formação de alianças, a ideia de equilíbrio de poder, a percepção de ameaça e a luta dos Estados pela sobrevivência num sistema anárquico, a competição entre os atores, o conceito de hegemonia e a distribuição de capacidades entre os Estados no sistema internacional. Com a aplicação do JD foi possível promover um processo de aprendizagem ativo (ao invés de passivo, como comumente ocorre em uma aula expositiva), tornar a aula mais dinâmica, com consequente aumento do interesse dos alunos pela temática, além de propiciar um ambiente de discussão e reflexão sobre as estratégias empregadas e sobre os conceitos teóricos a serem trabalhados.

Palavras-chave: aprendizado ativo, jogo desafio, realismo.

Abstract: This paper turns to an analysis of one application of active learning. We present an

experience of the Challenge Game (JD), exploring analytical categories and basic assumptions of International Relations theories (TRIs). In addition to describing the operation of the game in its basic modality, several variations are also presented in order to explore realism, in its classic and structural version, respectively. We explore realism and neorealism concepts, such as the elements that influence the behavior of States in the international system, different conceptions of power and interests, the aspect of competition, the centrality of the rationality of the State, alliances building, balance of power, the anarchy of the system, and the idea of hegemony. The game provided a mean to promote active learning (instead of passive). As a result, the class became more dynamic, with consequent increase of the interest of the students on the issue. Besides, it was possible to create a discussion environment, boosting students potential to reflect on the content.

Keywords: active learning, challenge game, realism.

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1. Introdução

Como é possível preparar aulas mais interativas, voltadas para o ensino superior? As

abordagens de aprendizagem ativa constituem uma alternativa. De uma maneira direta, o

aprendizado ativo é o processo de ensino através do envolvimento do aluno com o conteúdo.

Isso significa que os alunos estão interagindo com o material, através de maneiras que

promovam o pensamento ativo, por meio de diferentes tipos de atividades que estimulem a

reflexão sobre o conteúdo proposto.

Embora as definições em torno do termo aprendizagem ativa variem (apresentadas a

seguir), em geral elas partilham de prioridades comuns: a) os alunos precisam fazer mais do

que simplesmente ouvir; b) objetiva desenvolver competências, e não apenas transmitir

informação; c) os alunos participam de atividades (discussão, debate, etc.),visando promover o

pensamento ordenado sobre determinado tema, bem como estimular que o aluno analise ou

critique, positiva ou negativamente, os elementos teóricos apresentados.

As simulações, por exemplo, são cada vez mais utilizadas nas Relações Internacionais,

como um recurso clássico de aprendizado ativo e já existe um material relativamente abundante

sobre sua aplicação (MCINTYRE & CALLAHAN, 2000, ZEFF, 2003, CHASEK, 2005). Já outras

ferramentas de aprendizagem ativa, como as dinâmicas interativas, são, ainda, menos

exploradas em sala de aula. O Jogo do Desafio, por exemplo, é um caso de jogo de baixo custo

e com resultados significativos, do ponto de vista da dinamização da aula e da promoção de

discussão e do debate, por meio dos quais se pode introduzir conceitos analíticos de vertentes

teóricas das Relações Internacionais.

Assim, o trabalho tem como escopo, (1) além de descrever o funcionamento do JD em

sua modalidade básica, (2) apresentar variações implementadas no Laboratório de Ensino em

RI da UEPB1, a fim de explorar elementos específicos associados à teoria realista, em sua

versão clássica e estrutural (neorrealismo), bem como analisar os resultados desta experiência.

Um objetivo específico constitui na exposição da possibilidade percebida de se explorar

fundamentos básicos da abordagem construtivista que, apesar de não serem apresentados

teoricamente aqui, serão expostos, ainda que brevemente, nas conclusões.

1 O Ensino-Lab RI é grupo de extensão do curso de Relações Internacionais da UEPB, composto por estas que

subscrevem, além das Profas. Raquel Bezerra Cavalcanti Leal de Melo e Cristina Carvalho Pacheco (coordenadora) e 10 alunos de turmas diferentes, entre o segundo e o sexto período do curso de graduação de Relações Internacionais. O grupo que iniciou suas atividades, ainda informalmente em fevereiro de 2015, estimulado por aprender novas técnicas de ensino a serem aplicadas ao terceiro grau. Em dezembro de 2016 tornou-se oficialmente um grupo de extensão na UEPB.

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Apresentamos uma experiência de aplicação do Jogo do Desafio (JD), explorando

categorias analíticas e pressupostos básicos das teorias de Relações Internacionais (TRIs). O

paper está dividido da seguinte maneira: após essa introdução, a seção 2 apresenta os

fundamentos da aprendizagem ativa. Expomos os principais objetivos, ferramentas e resultados

esperados através da implementação de atividades interativas e dinâmicas de suporte ao

professor em sala de aula. A seção subsequente aborda alguns elementos conceituais de duas

vertentes da teoria de Relações Internacionais - o realismo e o neorrealismo. A seção 4

apresenta uma experiência de aplicação do Jogo do Desafio (JD) no Laboratório de Ensino em

RI da UEPB (Ensino-Lab_RI), a estrutura do jogo inicial, suas variações e as experiências de

implementação. Por fim, na última seção, indicamos algumas considerações e insights que

foram possíveis depreender de observações de professores envolvidos no projeto, e de papers

de impressão de alunos, concluindo se a ferramenta atingiu os objetivos esperados.

2. O processo de aprendizagem ativa: objetivos e instrumentos

O processo de aprendizagem ativa é composto por três etapas: “informações”

(conteúdo), “experiências” e “reflexão”. Quando combinados, esses elementos permitem que o

aluno desenvolva uma perspectiva mais ampla e holística sobre determinado tema (FINK,

2013). Conceitos podem ser introduzidos com a leitura de livros, reforçados de jogos e, em

seguida, fixados através de uma aula expositiva ou, até mesmo, de um debate dirigido.

A intuição e a imaginação dos alunos são desenvolvidas nesse processo por meio da

ação de relacionar os conceitos que aprenderam durante a leitura e aula expositiva, com a

realidade retratada de maneira lúdica em jogos ou dinâmicas. O objetivo é retirar o aluno de

uma posição passiva, de mero receptor do conhecimento transmitido pelo professor para

transformá-lo em sujeito ativo do seu aprendizado. Simultaneamente, o professor deixa de ser

mero reprodutor de conteúdo posiciona-se como orientador dos alunos. Uma vez estimulados,

os alunos passam a se mover em direção à apropriação intelectual do conteúdo teórico, o que

implicará em retenção, em longo prazo, dos conceitos apresentados nas disciplinas.

A abordagem de aprendizagem ativa requer a utilização de diferentes ferramentas como

forma de proporcionar uma experiência engajadora, que leve o aluno a refletir, criticamente,

sobre os conteúdos estudados e que permita o desenvolvimento de competências e

habilidades, conforme os objetivos traçados pelo professor. Simulações, dinâmicas interativas,

jogos de tabuleiro e estudos de casos são alguns exemplos das ferramentas de aprendizagem

ativa. As simulações têm se constituído em experiências mais regulares nas Relações

Internacionais como ferramentas para o aprendizado ativo. As outras ferramentas já não são

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tão comuns. No caso da simulação, o objetivo é recriar um determinado cenário da política

internacional, permitindo que os alunos atuem como formuladores de decisões e, assim,

experimentem, compreendam melhor e reflitam sobre as motivações, constrangimentos,

recursos, estratégias e fatores contextuais envolvidos no processo de interação entre os atores

naquele cenário.

Os demais recursos de aprendizagem ativa compartilham com as simulações a

possibilidade de (a) permitir ao aluno compreender de maneira mais profunda o processo de

interação em um cenário específico, (b) colocar o aluno em posição ativa na aprendizagem, (c)

auxiliar na fixação do conhecimento por um período maior de tempo, (d) desenvolver o

pensamento analítico e crítico através dos esforços de colaboração e (e) estimular os alunos a

desenvolverem habilidades orais, através da apresentação e do debate (SMITH & BOYER,

1996) e a partir de casos problem soving (LANTIS et al., 2000).

Alguns estudos indicam que a promoção de técnicas de aprendizagem ativa em sala de

aula pode resultar em benefícios para a aprendizagem do aluno, seja no que tange à

compreensão do conteúdo (LIEUX, 1996; JENSEN, 1998); à retenção (HERTEL & MILLIS,

2002) ou no entendimento de conceitos abstratos (SMITH & BOYER, 1996). Há, também, os

benefícios de equidade que fluem da aprendizagem ativa, porque os estudantes de baixo

desempenho em exames escritos habituais podem ser dotados de outras competências não

avaliadas por métodos tradicionais, valorizando estudantes que têm estilos de aprendizagem

diferentes.

Para a eficácia da experiência de aprendizado ativo, porém, Lantis (2000) destaca que a

atividade deve ser preparada a partir de um projeto que, de antemão, já trace objetivos

educacionais a serem atingidos com a implementação da atividade e os meios de alcança-los.

O autor aponta para quatro perspectivas (ou etapas) necessárias para um projeto de

aprendizado eficaz: i) a definição dos objetivos educacionais a serem atingidos, de modo a

delimitar, com foco, aonde se quer chegar; ii) o estabelecimento de parâmetros, de forma que

os alunos saibam e entendam as atividades necessárias para desempenhar o que está sendo

proposto; iii) os processos pelos quais a aprendizagem será desenvolvida e, finalmente, iv) um

momento de avaliação (assesment), a fim de avaliar se os objetivos estabelecidos inicialmente

foram alcançados e questionamento (debriefing), visando obter uma retorno sincero dos alunos

sobre o que foi proveitoso na atividade proposta, a fim de melhorar continuamente a

implementação do método.

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Com isso, a próxima seção busca introduzir alguns elementos teóricos das teorias

realista e neorrealista que permeiam a atividade de aprendizagem aplicada, apresentada em

seguida.

3. Teorias de Relações Internacionais e o Jogo do Desafio: uma abordagem de categorias analíticas

A despeito da ampla gama de abordagens ou teorias que atualmente perfazem a

disciplina de Relações Internacionais (RI), o realismo2 ainda ocupa um espaço importante e, em

alguns países, preponderante nos estudos e pesquisas sobre a política internacional. O

Realismo se apresenta como uma ciência prática das relações internacionais que fornece leis

universais sobre a política internacional (HERZ, 1950; MORGENTHAU, 2003). Desta forma, ao

elaborar um conjunto de premissas claras, de fácil apreensão e com forte poder explicativo, o

realismo se constitui como um manual pragmático e objetivo tanto para os pesquisadores

analisarem, quanto para as autoridades políticas gerirem a política internacional.

O fio condutor da teoria realista, do qual pendem todas as demais premissas, consiste

nas relações de poder entre os Estados e em sua busca por segurança. Em outras palavras os

Estados constituem os centros de poder e, por extensão, os atores centrais da política

internacional. Os interlocutores dessa abordagem argumentam ser este o cerne para o

entendimento e para uma análise objetiva da política INTERNACIONAL (CARR, 2001;

MORGENTHAU, 2003).

A fim de explicar a primazia do poder e da segurança nas relações entre os Estados, os

realistas se sustentam em algumas premissas seminais: a) o sistema internacional é anárquico;

b) os Estados são atores racionais e auto interessados; c) os Estados sempre buscam por

poder; d) o poder tem prioridade sobre a moralidade ou a justiça.

Em linhas gerais, todas as vertentes realistas constroem suas proposições sobre os

atores e as dinâmicas da política internacional com base num axioma central, qual seja: o

sistema internacional é anárquico e esta condição é imutável. Isto significa que não existe

nenhum ator supranacional ou um governo global ou com prerrogativas superiores às dos

Estados soberanos. A concepção de anarquia realista, longe de se remeter à ideia de caos ou

guerra de todos contra todos de Thomas Hobbes, busca enfatizar a ausência de uma

autoridade central no contexto internacional diferenciando-o, portanto, da esfera doméstica.

Decorrem daí dois outros enunciados importantes. Primeiramente, os realistas

argumentam que no sistema internacional os Estados encontram-se num ambiente de

2 Como utilizado em Relações Internacionais, o termo Realismo emergiu no final da década de 1930 e início da década de 1940 como uma crítica ao posicionamento denominado idealista e utópico dos acadêmicos e políticos liberais.

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autoajuda. Em outras palavras, os Estados não podem, e não devem contar com outros

Estados ou mesmo instituições internacionais, como na política doméstica, para assegurar sua

integridade territorial e, portanto, sua sobrevivência. Em segundo lugar, e, em decorrência deste

ambiente de autoajuda, o interesse central dos Estados é a sua própria segurança. Os Estados,

racionais e auto interessados, buscam oportunidades para conquistar e/ou manter poder,

entendendo que esta é a condição primária para aumentar as suas chances de sobrevivência

(DUNNE; SCHMIDT, 2011).

Isto gera o que é comumente denominado como dilema de segurança. O dilema de

segurança, conforme definido por John Herz (1950), é reflexo de qualquer sociedade anárquica.

Grupos, indivíduos ou Estados num ambiente anárquico estarão preocupados com a sua

segurança e, com vistas a se protegerem, e para escaparem do poder dos outros, são

impelidos a buscarem por mais poder. Entretanto, isto torna os outros mais inseguros o que,

naturalmente, gera neles o mesmo impulso para a conquista de poder. Como resultado, tem-se

um ciclo vicioso de acumulação de poder e segurança e, por conseguinte, de competição por

poder. As incertezas do sistema internacional tornam o dilema de segurança uma dimensão

incontornável deste sistema. Vale salientar, ainda, que Herz (1950) argumenta, diferentemente

de Morgenthau, que a condição social, e não a natural (se a natureza do homem é cooperativa

ou conflitiva), constitui o imperativo para a compreensão da política internacional.

Nesse contexto, a “razão de estado” é o que deve mover os Estados e não

preocupações éticas e morais. Morgenthau (2003) argumenta que princípios morais universais

não devem ser aplicados às ações dos Estados. Uma vez que a política é dominada pelo poder,

a influência da moral e da ética na política são usadas apenas como como mecanismos de

justificativa e legitimação da ação dos Estados. Em última análise, certo e errado, justiça e

injustiça só fazem sentido mediante a presença de uma autoridade ou um poder soberano para

assegura-los.

No entanto, Herz (1950) e Carr (2001) destacam-se por apresentarem em suas obras

uma dimensão ética e normativa pois, conquanto partam das preocupações realistas centrais

com o poder e a segurança, estes autores argumentam que os dois extremos do espectro (o

idealismo utópico e o realismo cínico ou puro) não se sustentam. Herz (1950) defende que os

fatos constatados pelo realismo devem ser, dentro da medida do possível, combinados com os

ideais do idealismo, com um projeto transformador da realidade. De modo semelhante, Carr

argumenta que a não incorporação de elementos idealistas na análise e na prática da política

internacional pode acarretar a um extremo que resulta na esterilização do pensamento e na

negação da ação (CARR, 2001).

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Os pressupostos teóricos brevemente discutidos acima constituem um denominador

comum entre as diferentes vertentes realistas e podem ser considerados como um arcabouço

explicativo importante para se compreender o cerne do realismo. As vertentes realistas, porém,

são reflexo da reformulação de alguns dos pressupostos realistas que foram inicialmente

desenvolvidos na disciplina de RI. Naturalmente, sabemos que estas reformulações e das

consequentes discordâncias entre os autores realistas originam-se da própria evolução e as

transformações do cenário internacional. E, embora não seja objeto do presente artigo fazer um

estudo comparado entre as vertentes realistas, iremos, aqui, destacar algumas das principais

contendas entre particularmente o realismo clássico e o realismo estrutural. Isto porque a

introdução ou a rejeição de aspectos e variáveis explicativas diferentes fornecem mapas e,

logo, respostas distintas para a análise da política internacional.

Embora devamos reconhecer a importância de autores realistas como, por exemplo,

Edward Carr, que contribuíram com o desenvolvimento dos debates teóricos nas primeiras

décadas de existência da disciplina de RI, Hans Morgenthau é considerado como o autor mais

representativo do realismo clássico, pois foi ele “quem organizou e deu consistência ao realismo

como abordagem teórica das relações internacionais” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 33), a

partir de sua obra Política entre as nações, publicada em 1948. As origens filosóficas das

reivindicações realistas remontam aos trabalhos clássicos de Maquiavel, Tucidides e Thomas

Hobbes.

Os realistas clássicos encontram na natureza humana a causa central para toda a

dinâmica da vida social e, por extensão, da política internacional. Eles acreditam que, a

despeito de os desejos humanos serem variáveis, o egoísmo constitui um traço da natureza

humana que influencia fortemente a diplomacia. Assim, “the behaviour of the state as a self-

seeking egoist is understood to be merely a reflection of the characteristics of the people that

comprise the state” (DUNNE; SCHMIDT, 2011, p. 89). Nesse sentido, enquanto no ambiente

doméstico o governo político hierárquico restringe substancialmente o egoísmo, no sistema

internacional, os piores aspectos da natureza humana são acentuados (DONNELLY, 2005).

Desta forma, como afirma Morgenthau (2003), a política, assim como a sociedade em geral, é

governada por leis objetivas (como a busca pela sobrevivência) que têm suas raízes na

natureza humana. Assim, os conflitos são parcialmente explicados pelas condições materiais,

dado que muitas vezes, traços humanos como a busca por glória, orgulho e honra, são os

grandes estopins para as guerras.

Enquanto os realistas clássicos depositam na natureza do homem os traços essenciais

da política internacional, como competição, medo e guerra, os realistas estruturais centralizam

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seus esforços nos constrangimentos impostos pela estrutura do sistema3. Ao abandonar as

características da natureza humana, os interlocutores desta vertente entendem que as variáveis

causais centrais em Relações Internacionais se encontram na estrutura anárquica do sistema

internacional. Kenneth Waltz (2002) argumenta que não é possível avaliar a natureza humana

com rigor científico e, ainda que o fosse e que, diferentemente do que preveem os realistas

clássicos, a natureza humana fosse boa e generosa, os Estados ainda seriam obrigados a

agirem de forma egoísta em função dos constrangimentos impostos pela estrutura anárquica do

sistema.

Com a publicação da obra Teoria das Relações Internacionais, em 19794, Kenneth

Waltz se tornou um dos mais importantes referenciais do realismo estrutural, também

denominado neorrealismo. O autor reivindicava maior rigor científico e, embora não negasse

que a política internacional fosse essencialmente a luta por poder, Waltz (2002) defendia uma

análise estrutural da mesma5. Ao desenvolver uma teoria estrutural, sua tese central é que a

ausência de um governo global, bem como a distribuição relativa de poder entre os Estados são

as causas dos conflitos e da competição por segurança entre os Estados.

O autor define a estrutura do sistema internacional a partir de três elementos: 1) o

princípio organizador; 2) a característica das unidades; 3) a distribuição de capacidades entre

as unidades. Sobre o primeiro elemento, conforme já mencionado, o princípio organizador do

sistema internacional é a anarquia. No sistema internacional, os Estados correspondem as

unidades do sistema. Waltz argumenta que em decorrência da anarquia e do sistema de

autoajuda inerente a ela, os Estados não podem se especializar, precisam cumprir a mesma

função que é sempre definida com base na preservação de sua segurança. Além disto, uma vez

que estes Estados são funcionalmente iguais (todos são soberanos), variações no nível das

unidades não são relevantes para explicar resultados internacionais (DUNNE; SCHMIDT,

2011). Portanto, no nível do sistema, o que interessa não são os recursos de poder de cada

unidade separadamente, mas sim a distribuição de recursos entre as mesmas. Nesta acepção,

Waltz (2002) ressalta que a distribuição de recursos de poder (distribuição relativa de poder)

3 É preciso ressaltar que embora o realismo estrutural rejeite a natureza humana ou quaisquer outros atributos dos Estados como variável explicativa em RI, ele se firma nas premissas básicas realistas anteriormente expostas. 4 Ressalte-se que a década de 1970 é marcada por fortes críticas à teoria realista e, particularmente, a sua insuficiência para explicar as dinâmicas econômicas e o papel dos atores não estatais. Este é um dos motivos pelos quais Waltz defendeu fortemente em sua obra a necessidade de construir uma teoria vigorosa cientificamente e eficiente do ponto de vista explicativo e que permita aos pesquisadores e lideranças políticas preveem o que está por vir. 5 Waltz (2002) argumenta, inclusive, que as teorias que são produzidas no nível do Sistema possuem escopo limitado porque desconsideram o nível da estrutura.

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entre os Estados se refere ao nível sistêmico e não ao nível das unidades (distribuição absoluta

de poder).

Dentre os três elementos, os dois primeiros – a anarquia do sistema e a igualdade

funcional das unidades – são fixos; apenas o último – a distribuição de capacidades – pode se

alterar. E é justamente à distribuição de capacidades entre os Estados que Waltz (2002) atribui

maior importância para explicar os resultados internacionais. Nesse sentido, Waltz e outros

realistas estruturais consideram a distribuição relativa de poder como a variável independente

capaz de explicar as questões internacionais tais como a guerra e a paz, as alianças políticas e

o equilíbrio de poder. Dunne e Schmidt (2011) afirmam que os realistas estruturais buscam

definir e fornecer uma ordem de classificação de Estados para que se possa diferenciar e

contar o número das grandes potências existentes em qualquer momento histórico. Segundo os

autores, o número de polos ou grandes potências determina a estrutura do sistema

internacional, se bipolar ou multipolar (DUNNE; SCHMIDT, 2011).

Entretanto, os realistas estruturais discordam ao analisar se os sistemas bipolares ou

multipolares são mais ou menos estáveis6. Ainda, há dissonâncias com relação a se e quando

os Estados se comportam de forma mais ofensiva ou defensiva na busca por poder como

impacto da distribuição relativa de poder. Neste bojo, Mearsheimer (2001) aborda como o

sistema cria Estados com fome de poder que tentarão se instalar como hegemonias regionais e

globais. Outros autores enxergam o hegemon como um possível estabilizador para o sistema

(GILPIN, 1987).

Conquanto não seja objeto deste trabalho, é importante mencionar, ainda, que

principalmente após a Guerra Fria, o realismo estrutural foi alvo de sérias críticas por outros

realistas, que vieram a ser denominados realistas neoclássicos. A principal crítica consiste na

exclusão, por parte dos realistas estruturais de variáveis que se situam no nível das unidades.

Conforme argumenta Walt (2002), os realistas neoclássicos entendem que a política doméstica

deve ser considerada uma variável interveniente entre a distribuição relativa de poder entre os

Estados e o comportamento externo dos mesmos.

Entretanto, para o escopo deste trabalho, detivemo-nos apenas aos conceitos teóricos

mais importantes do realismo clássico e do realismo estrutural (ou neorrealismo) para

6 Para Waltz, o Sistema bipolar é mais estável do que o multipolar já que, segundo o autor, as incertezas são menores onde há menos polos de poder, pois é mais fácil monitorar apenas um polo. Mearsheimer, ao contrário, argumenta que quanto maior o número de polos, mais fácil a dissuasão já que há mais Estados que podem se unir contra um possível agressor. Ainda, as hostilidades entre as grandes potências reduzem porque eles concentram menos atenção entre si do que quando há apenas dois polos (MEARSHEIMER, 2010, p. 85-96).

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compreender como a experiência com o Jogo do Desafio facilita a apreensão dos pressupostos

teóricos pelos alunos.

4. O Jogo do Desafio: ideias e práticas

A estrutura do Jogo Desafio segue descrita em detalhe abaixo, no Quadro 1. Sua

apresentação visa permitir que qualquer professor de uma disciplina de Teoria de Relações

Internacionais, por exemplo, seja capaz de compreender todo o projeto de aplicação de uma

atividade voltada para à perspectiva da aprendizagem ativa. De maneira estruturada,

apresentam-se: a proposta de aplicação, bem como os objetivos educacionais, os parâmetros,

recursos, procedimentos, regras, variações, comportamentos esperados e possíveis perguntas

exploratórias a serem aplicadas na atividade em questão, a saber, o Jogo do Desafio.

Quadro 1. Estrutura do Jogo do Desafio7 Continua

JOGO DO DESAFIO – Estrutura básica

Proposta de Aplicação

Introdução às Relações Internacionais Teoria das Relações Internacionais; Segurança Internacional, entre outras.

Objetivos educacionais

Discussão de premissas do Realismo Temas possíveis de abordagem: Poder, racionalidade do Estado, formação de alianças, equilíbrio de poder, anarquia, sobrevivência, percepção de ameaça e a luta dos Estados pela sobrevivência num sistema anárquico, a competição entre os atores, o conceito de hegemonia e a distribuição de capacidades entre os Estados no sistema internacional

Parâmetros Discussão de conceitos introdutórios orientada pelo professor. Os alunos não necessitam de conhecimentos prévios para realizar a atividade.

Duração Aproximadamente 30 minutos

Nº de participantes

Entre 10 e 50 (versão individual e versão de grupo)

Material necessário

1. 1. Sala de aula 2. 2. Bombons ou cartas, distribuídos entre os alunos 3. 3. Dados

Procedimentos e Regras

1. O jogador desafia outro com os dados. O maior número vence. 2. Quem perde o desafio, dá um bombom para o vencedor. 3. Se o jogador perde todos os seus bombons, sai do jogo. 4. Quem ganha o desafio tem a vez para desafiar outro. Se passar a vez, outro jogador pode se voluntariar para desafiar. 5. Cada jogador só poderá jogar até 3 jogadas consecutivas. 6. No momento em que for permitido, os jogadores podem fazer alianças para se defender, isso significa que, dentro da aliança, eles podem emprestar bombons uns aos outros, em caso de desafios; 7. Após 3 jogadas, suspendem-se os desafios por até 3 minutos, para que os jogadores possam formar alianças (não é obrigatório formá-las). 8. Após 20 minutos de jogo, os jogadores fazem outra pausa de 2 minutos para reavaliarem e mudarem as suas alianças, se desejarem. 9. O jogador somente pode emprestar ou pedir emprestado bombons dos jogadores dentro de uma mesma aliança; 10. Mesmo com as alianças formadas, o empréstimo é facultativo; 11.É facultado ao jogador desafiar ou não outro jogador; 12. O jogador desafiado deve necessariamente aceitar o desafio;

7 Esse quadro é resultado do trabalho no Grupo de Extensão EnsinoLab RI da UEPB, elaborado em cooperação entre as autoras do presente trabalho, além da contribuição das Profs. Raquel Bezerra Cavalcanti Leal de Melo e Cristina Carvalho Pacheco.

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13.Ganha quem permanecer no jogo até o final do tempo e obtiver o maior número de bombons.

Possíveis variações

1. 1. Variação “Jogo em Grupo”: quando for uma turma grande, mais de um jogador representa um único estado. Cada grupo receberia um número X de bombons para iniciar o jogo. Nesse caso, é possível explorar também a questão do jogo de dois níveis em disciplinas como Análise de Política Externa e PEB.

2. 2. Variação “País Hegemônico”: capacidades extras. O jogador que for classificado como “hegemon” (pode ser por sorteio, ou o aluno que tiver terminado a primeira rodada com mais bombons, por exemplo) pode jogar 2x e escolher o valor mais alto para ser sua “aposta”. Caso o hegemon esteja em uma aliança, o empréstimo de bombons não é facultativo: os membros da aliança devem emprestar sempre que o ator hegemônico solicitar.

Instruções para o Professor

1. 1. Os bombons devem ser distribuídos entre os alunos de forma desigual, usando-se um critério aleatório (por exemplo, sorteio). Os alunos devem receber entre 1 e 4 bombons (dependendo do tamanho da turma, a critério do professor). Para ser mais fiel possível à configuração de forças no Sistema Internacional, a maioria dos alunos deve ficar com 1 ou 2 bombons, menos alunos com 3 e apenas um ou dois alunos com 4. Em geral, orienta-se que o professor não informe aos alunos que o bombom representa unidades de poder, para fazer tal relação posteriormente, no Debriefing.

2. 2. Deixar as regras gerais visíveis (slide aberto ou anotadas no quadro ou distribuir cópias para os alunos).

3. 3. Os desafios devem ser feitos um de cada vez, para que o professor seja capaz de acompanhá-los e fazer anotações.

Estratégias esperadas dos jogadores

1. Objetivo defensivo: manutenção do status quo e, consequentemente da posição do estado nele. Opções racionais para um aluno com menos bombons: a) Fazer aliança com outros alunos, para se defender dos alunos com mais bombons; b) Desafiar alunos com poucos bombons (quantidade igual ou menor que a própria)

para ganhar mais bombons, até um limite que o mantenha minimamente “seguro”.

2. Objetivo ofensivo: subversão do status quo (melhorar a posição na configuração de poder) ou reconhecimento/prestígio/glória (ser o vencedor). a) Desafiar os outros alunos para arrecadar o máximo de bombons possíveis (poderá

continuar desafiando os outros até o final do tempo do jogo).

Sugestões de perguntas para discussão

4. 1. O que os jogadores representam no jogo? 5. 2. O que os bombons representam no jogo? (Discutir concepções e dimensões de poder); 6. 3. O que a distribuição inicial de bombons entre os jogadores representa no jogo? 7. 4. Quais os objetivos do jogo e como isso se traduz para as relações internacionais? 8. 5. Qual a relação entre a sobrevivência e o poder? 9. 6. Que estratégia os jogadores usaram no jogo? (discutir conceito de posição ofensiva e

posição defensiva) 7. Para que os jogadores formaram alianças? (Discutir equilíbrio de poder); 8.Quais as vantagens e desvantagens das alianças? É possível confiar totalmente no aliado? (cooperação na visão realista); 9. Para jogos em grupo: Como foi a experiência de jogar em grupo? O que isso representa ou quais as implicações de jogar em grupo? (explorar premissa de Estados como atores unitários).

A aplicação feita com os alunos do grupo de extensão é apresentada no Quadro 2.

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Quadro 2. Aplicação do Jogo Desafio JOGO DESAFIO – Aplicação

Composição do cenário

10 jogadores (participantes do grupo de pesquisa ENSINO LAB-UEPB)

Características dos participantes

Alunos do curso de Relações Internacionais em turma mista, distribuídos da seguinte maneira: 3 alunos do 2º período; 4 alunos do 3º período; 1 aluno do 4º período e; 1 aluno do 6º período (um aluno faltou).

Aplicadores envolvidos na atividade

5 professoras da graduação: 2 conduzindo a atividade e 3 observando e fazendo anotações.

Objetivo Testar o jogo com alunos de turmas diferentes para observar as possibilidades de uso com alunos em níveis diversos.

Modo de aplicação

Desafio direto com dados (valor maior determina o vitorioso), em 4 fases diferentes.

Na Fase 1, implementamos o Desafio individual. Nesta etapa inicial, cada aluno recebeu

um bombom, tendo direito a “uma vida”: os jogadores desafiam-se. Quem perdia, estava fora,

quem ganhava, continuava no jogo. A fase é muito rápida. Não existe tempo de formar

estratégias, já que a quantidade de tentativas é muito limitada (apenas uma). A aplicação de

uma rodada/fase de modo mais simples e rápido ajudou os alunos a entenderem a dinâmica do

jogo.

Os aplicadores do jogo perceberam que, apesar do que determinava o vitorioso ser o

aspecto “sorte”, a quantidade de vitórias de um aluno poderia estar associada com habilidade.

Ainda que isso não tenha sido declarado, na fase seguinte, no momento da formação das

alianças, os alunos que venceram seus desafios tiveram mais facilidade em formar as alianças.

Após algumas rodadas, os professores deram um tempo de até três minutos para que

os alunos discutissem a possibilidade de formar as alianças. O fato de os professores terem

indicado pela possibilidade de alianças pode ter contribuído para que todos resolvessem pela

formação. É possível que se a indicação do tempo fosse para “discutir as estratégias”, algum

aluno tivesse optado por continuar sozinho.

Na Fase 2, pós-formação das alianças, formaram-se dois grupos “alianças”: um menor,

com 3 pessoas (que se auto denominou de ‘Aliados’), outro maior, com 7 pessoas (Eixo),

aparentemente por afinidade. Os alunos tiveram liberdade para escolher o nome dos grupos, e

nesse momento, após apenas uma fase individual, os alunos já demonstravam grande senso de

competição. Apesar de a formação de alianças, foi instruído que as jogadas deveriam continuar

individuais.

O grupo com 3 pessoas, embora menor, terminou a fase com mais doces. No grupo

maior, composto por 7 pessoas, algumas situações de empréstimos de bombons de um jogador

a outro aconteceram (duas vezes). As jogadas eram individuais, mas percebeu-se que os

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alunos se identificavam como “do mesmo time”. Algumas expressões usadas pelo grupo

“Aliados” criaram uma identidade/ideia negativa, aparentemente fazendo os alunos do outro

grupo (Eixo) preferirem derrotar os “aliados” do que criar uma estratégia de vitória (pelo menos

inicialmente).

Diversas expressões foram utilizadas pelos alunos ao longo da dinâmica que remetiam à

dinâmica do sistema internacional: “aliados”: “acabei de criar uma regra”; “somos os EUA”;

“somos o Brasil”; “vamos ganhar tudo”.

Na Fase 3, fizemos um teste da variação 1 proposta no Quadro 1: o Jogo de grupos. A

instrução dada foi que os alunos formassem 4 grupos, com 2 e 3 participantes. Foi aberta a

chance de reconfiguração dos grupos, mas o grupo anterior “Aliados” preferiu permanecer junto.

O grupo 1 com a mesma composição do antigo “Aliados”, e os grupos 2, 3 e 4 compostos pelos

antigos “Eixo”.

Apesar da separação em grupos, percebeu-se um certo revanchismo em relação ao

grupo vencedor da fase anterior (Aliados), e naturalmente se formou uma aliança informal entre

os grupos 2, 3 e 4 dos grupos, todos com alunos que compunham o grupo anteriormente

chamado de “Eixo”.

Os alunos dos grupos 2, 3 e 4 estabeleceram uma relação de “auxílio” (como uma

formação de aliança), e declararam que queriam “derrotar” o grupo 1. Insistiram na aliança

formada na fase dois, mesmo já sendo outra fase. Aparentemente a ideia era derrotar o grupo

que se formou anteriormente.

Resumo da fase: O grupo 4 teve dificuldades em conseguir bombons emprestados (já

tinha perdido praticamente todos seus doces e tinha um histórico de derrotas nos desafios). Os

Grupos 2 e 3 entraram em acordo sobre quem emprestaria os doces ao grupo 4. O Grupo 4

ganhou a fase com os doces emprestados.

Uma rodada extra foi realizada para definir o ator hegemônico da fase posterior. O

critério estabelecido para definir o ator hegemônico foi o seguinte: o grupo que chegar em 7

doces primeiro, se tornaria o hegemon da fase 4. O Grupo 2 ganhou o desafio.

Na fase 4, testou-se a variação 2 da proposta no Quadro 1, com a introdução de um Ator

hegemônico. Em todas as jogadas em que o Grupo 2 (ator hegemônico) estava envolvido, foi

usado por ele a prerrogativa de escolher os valores mais altos. O grupo dois também sempre

recorreu ao pedido de auxílio aos outros membros da aliança, mesmo não sendo obrigados. O

grupo 2 foi o vencedor da fase.

O segundo lugar foi o grupo 4, que nas rodadas anteriores era o grupo aparentemente

(visto pelos demais como) mais fraco. Os grupos podiam esconder seus doces e todos

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achavam que o grupo 4 ainda era o mais fraco. Curiosamente o grupo não fez questão de

demonstrar qualquer tipo de força ou vantagem em relação aos outros.

Após o jogo, conduzimos uma etapa de ‘Debriefing’ com os alunos, oralmente. Neste

ponto, concluiu-se o jogo e os alunos apontaram aspectos relacionados não apenas a

impressão da atividade, mas também aos temas com potencial de exploração relacionando

elementos do JD com a teoria realista (ver ponto “objetivos educacionais”), além da forma como

eles se sentiram ao jogar em sala. É importante ressaltar que os alunos do grupo já foram

expostos ao ensino das teorias realista e neorrealista.

Por fim, conforme McIntyre e Callahan (2000, p. 159) sugerem, a etapa final consistiu na

escrita de um paper de impressão. Neste ponto, o aluno foi convidado a escrever, livremente,

um pequeno texto sobre a experiência na atividade e a propor algumas sugestões. Conforme

algumas expressões destacadas no Quadro 3, é possível notar que, apesar de terem

incorporado uma estratégia realista, ao longo do jogo, os alunos não expressaram tal

comportamento nesta etapa. Os principais aspectos apontados pelos alunos remetem à

condução da atividade e recuperam o objetivo inicial de criar um ambiente de introdução dos

conceitos de realismo.

Quadro 3. Feedback dos alunos Aluno Período Feedback destacado

A 2 “pode ver como funciona um pouco a relação dos atores e a busca por poder”; “ajuda a nos mostrar conceitos básicos”; “estimular o lado estratégico”; “poderia colocar regras nas alianças”.

B 2 “muito emocionante, mesmo não sendo a primeira vez que participei”; “a quantidade de atores envolvida foi o ideal”; “melhor momento foi a rodada das alianças”; “a quantidade de atores envolvida foi o ideal”.

C 2 “interessante”; “foi possível enxergar a dinâmica entre os atores”; “maneira como os atores se portam”; “seria interessante que fossem ensinadas maneiras diferentes de se manter ‘vivo’”.

D 3 “entendi de prontidão as atitudes de alguns atores internacionais”; “interessante simular esse jogo com alunos novatos”.

E 3 “interativo”.

F 3 “o inimigo em comum tornou mais fácil a interação dentro da aliança”; “sentia-se a necessidade de criar estratégias”; “começamos a seguir ‘regras não ditas’”;

G 3 “proporciona maior interação”; “inseguranças quanto a nossa capacidade de ganhar o jogo”.

H 4 “conceitos que lembro de ter visto em aula” (a aluna fez correlações da ação no jogo com conceitos de poder).

I 6 “interessante para trabalhar alguns conceitos de política internacional”.

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5. Dinâmicas e jogos em Relações Internacionais: um recurso possível?

Nessa experiência do JD, percebeu-se a possibilidade de explorar aspectos do

Realismo e do Neorrealismo, tais como os elementos que influenciam o comportamento dos

Estados no Sistema Internacional, as diferentes concepções de poder, a premissa de definição

de interesses dos Estados em termos de poder, a racionalidade do Estado e sua centralidade

nas Relações Internacionais, a formação de alianças, a ideia de equilíbrio de poder, a

percepção de ameaça e a luta dos Estados pela sobrevivência num sistema anárquico, a

competição entre os atores, o conceito de hegemonia e a distribuição de capacidades entre os

Estados no sistema internacional. Para isso ser possível, o professor deve estar atento e

perceber os comportamentos dos alunos no momento do jogo, relacionando os

comportamentos como exemplos para resgatar os pontos citados na etapa do Assessment.

Apesar de o jogo ter o propósito inicial de introduzir aspectos do realismo, algumas

possibilidades surgiram de utilização do jogo para introdução de alguns conceitos do

construtivismo, como por exemplo, a percepção e a questão da identidade guiando estratégias

de jogo. Nessa experiência, percebeu-se um potencial de aplicação do JD para abordar os

aspectos mais gerais do construtivismo, a saber: a importância de fatores ideacionais na

formação das preferências, da identidade e no comportamento dos agentes, contrapondo-se,

por conseguinte, ao foco realista em fatores exclusivamente materiais para explicar a realidade;

a construção de imagens, ideias e estruturas como função das interações intersubjetivas. Esse

tipo de abordagem pode ser útil em uma turma de Introdução às Relações Internacionais para

explicar diferenças fundamentais entre as abordagens teóricas, por exemplo.

Destacamos aqui a disputa da fase 1, que se repetiu em todas as outras fases em

resposta ao comportamento de alguns alunos, que se posicionaram de uma forma,

compreendida pelos outros como “superior”, até mesmo um pouco “debochada”, criando algo

que poderíamos relacionar como uma “identidade negativa”. Nesse caso, mesmo nas fases

seguintes, os alunos continuaram jogando para tentar “se vingar” dos que ganharam a primeira

fase.

A partir das considerações anteriores, e diante dos resultados da aplicação proposta,

pode-se inferir que o JD validou a percepção de aumento da motivação dos alunos para

introduzir conceitos teóricos com o uso de jogos, acompanhando os resultados de Freitas

(2006). Em suma, com a aplicação do JD é possível promover um processo de aprendizagem

ativo (ao invés de passivo, como comumente é numa aula expositiva), tornar a aula mais

dinâmica, estimular a motivação para o aprendizado, com consequente aumento do interesse

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dos alunos pela temática, além de propiciar um ambiente de discussão e reflexão sobre as

estratégias empregadas e sobre os conceitos teóricos a serem trabalhados.

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