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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
CURSO DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
A GUERRA DO PARAGUAI EAS RELAES LUSO-BRASILEIRAS
NA DCADA DE 1860-1870
Tese apresentada ao Curso de Ps-Graduao emHistria da Pontifcia Universidade Catlica doRio Grande do Sul, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Histria.rea de concentrao: Histria Ibero-Americana
Orientador: Prof. Dr. Earle Diniz
Macarthy Moreira
Mauro Csar Silveira
Porto Alegre, maro de 2001
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Ao meu saudoso pai, a estrela mais brilhante no cu desde a noite de 14 de outubro de 2000
querida Luisa, ao meu lado em cada tropeo da longa jornada
minha me, a grande torcedora de sempre
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MEUS AGRADECIMENTOS
Ao Professor Earle Diniz Macarthy Moreira, pela orientao estimulante e segura,
marcada por sua rara e reconhecida sabedoria, mas, sobretudo,
pelos incontveis gestos de apreo e carinho.
Ao Professor Lus A. de Oliveira Ramos pela serena e inteligente conduo em solo
lusitano e, em especial, pela generosa acolhida, ao lado de sua esposa Maria Angelina.
s pessoas que me ajudaram e animaram - em cada recanto da extensa caminhada:
Roberto Quevedo (Assuno); Armando Machado e Vnia Chaves, Cludia Lage,
Fernando Oliveira Marques e Maria Mercs, a Zita, Manoel Pereira de Andrade e Enaile
Ladanza, Maria Leonor Silva Santos, a Non, e Maria Ondina Gomes Ferreira Carquejo,
(Lisboa); Universindo Rodrguez Diaz (Montevidu); Jorge Fernandes Alves (Porto);
Augusto Franke Bier, Braz e Sandra Brancato, Jair Krischke, Jos da Silva e Albuquerque,
Luiz Gonalves da Fonseca, o Chuvisco, e Maria do Cu, Ren Gertz, e Adriana e Carla
as incansveis funcionrias da PUC (Porto Alegre); Rosngela Soares (Rio de Janeiro);
Francisco das Neves Alves (Rio Grande); Andr Toral e Igor Fuser (So Paulo).
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RESUMO
A elite poltica imperial deu uma demonstrao de fora durante a dcada de 1860 e
1870, aproveitando-se de circunstncias econmicas favorveis no seu relacionamento com
Portugal para afirmar sua ao no exterior, notadamente no continente europeu,
respaldando um ato intervencionista desgastante como foi o da chamada guerra do
Paraguai. Se, por um lado, a balana comercial pendia para a nao lusitana, por outro, o
expressivo fluxo migratrio na direo da Amrica do Sul, conferia ao Brasil um notvel
poder de barganha, face importncia das remessas dos portugueses residentes no Imprio.
Esse dinheiro enviado para o velho continente era essencial para cobrir o crnico dficit na
balana de pagamentos de Portugal. O governo brasileiro aproveitou-se disso para que
prevalecessem suas posies em situaes conflituosas, como no caso das divergncias de
interpretao da conveno consular celebrada em 1863 para a administrao de heranas
de sditos falecidos nos dois lados do Atlntico. Por fora dos interesses comerciais e
financeiros de alm-mar, o governo portugus foi obrigado a agir, com moderao e
cautela, mesmo diante de agresses contra a colnia lusitana no Rio de Janeiro e em
Pernambuco. Alm disso, o Brasil esmerou-se em promover articulaes entre as
representaes diplomticas dos dois pases, estratgia fundamental para neutralizar o
impacto de casos tormentosos como o do brigue Octavio, que trouxe portugueses para
serem engajados, fora, nas tropas imperiais; e dos dois diplomatas lusos executados no
Paraguai, acusados de conspirarem contra o presidente Francisco Solano Lpez. Nesse
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contexto, o jornalismo cumpriu um papel decisivo na difuso do discurso oficial brasileiro.
A partir das controladas publicaes do pas sobretudo as da Corte e, particularmente, o
vetusto e oficialista Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro -, as vigorosas imagens
apresentadas pelo gabinete de D. Pedro II cruzavam o oceano e destacavam-se nas pginas
da imprensa lusitana. Os documentos que o governo imperial tinha interesse em divulgar
tambm espalhavam-se pela Europa, atravs do servio da agncia noticiosa Reuters
baseado em Lisboa, o ponto de transmisso telegrfica para cidades como Londres e Paris.
Embora a posio oficial de Portugal fosse neutra, o jornalismo lusitano significou, durante
a campanha empreendida no Paraguai, um precioso brao da diplomacia brasileira. Assim,
em 1870, na Europa, soube-se que o escravocrata imprio sul-americano conseguira
cumprir, com xito, sua misso civilizadora contra o brbaro pas guarani, com a
eliminao fsica do cruel tirano Francisco Solano Lpez.
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RESUMEN
La elite poltica imperial demostr fuerza durante la dcada de 1860 y 1870,
aprovechando-se de circunstancias favorables en sus relaciones con Portugal para afirmar
su accin en el exterior, notadamente en el continente europeo, respaldando un acto
intervencionista desgastador como fue el de la llamada guerra del Paraguay. Si, por un
lado, la balanza comercial penda para la nacin lusitana, por otro, el expresivo flujo
migratorio en la direccin de la Amrica del Sur, confera al Brasil un notable poder de
negociacin, en razn de la importancia de las remesas de los portugueses residentes en el
Imperio. Ese dinero enviado para el viejo continente era esencial para cubrir el crnico
dficit en la balanza de pagamentos de Portugal. El gobierno brasileo se aprovech de eso
para prevalecer su posicin en situaciones conflictivas, como en el caso de las divergencias
de la interpretacin de la convencin consular celebrada en 1863 para la administracin de
las herencias de los sbditos fallecidos en los dos lados del Atlntico. Por fuerza de losintereses comerciales y financieros de ultramar, el gobierno portugus fue obligado a
accionar , con moderacin y cautela, mismo delante de agresiones contra la colonia lusitana
en el Rio de Janeiro y en Pernambuco. Adems de eso, el Brasil se esmer en promover
articulaciones entre las representaciones diplomticas de los dos pases, estrategia
fundamental para neutralizar el impacto de casos tormentosos como del navo Octavio, que
transport portugueses para que fuesen integrados, a la fuerza, en las tropas imperiales; y de
los dos diplomticos lusos ejecutados en el Paraguay, acusados de conspiraren contra el
presidente Francisco Solano Lpez. En ese contexto, el periodismo cumpli un papel
decisivo en la difusin del discurso oficial brasileo. De las controladas publicaciones del
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pas sobretodo las de la Corte y, particularmente, el vetusto y oficialista Jornal do
Commercio, del Rio de Janeiro -, las vigorosas imgenes presentadas por el gabinete de D.
Pedro II cruzaban el ocano y se destacaban en las pginas de la prensa lusitana. Los
documentos que el gobierno imperial tenia inters en divulgar tambin se difundan por la
Europa, a travs del servicio de la agencia noticiosa Reuters basado en Lisboa, punto de
transmisin telegrfica para ciudades como Londres y Paris. A pesar de la posicin oficial
de Portugal ser neutra, el periodismo lusitano signific, durante la campaa emprendida en
el Paraguay, un precioso brazo de la diplomacia brasilea. As, en 1870, en la Europa, se
supo que el esclavista Imperio sudamericano haba conseguido cumplir, con xito, su
misin civilizadora contra el brbaro pas guaran, con la eliminacin fsica del cruel
tirano Francisco Solano Lpez.
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ABSTRACT
The political elite of the Empire showed its power during the decades of 1860s
and 1870s, using the favorably economic circumstances of its relation with Portugal, by
asserting its action abroad, especially in the European continent. That was accomplished by
means of the exhausting interventionist act that was the Paraguay War. If, to the one hand,
the commercial scale weighed towards the Portuguese nation; on the other hand, the
significant migratory flow to South America gave to Brazil a remarkable power to bargain
because of the shipments from the Portuguese who lived in the Empire.
The money that was sent to the so-called Old World was essential to cover the
chronic deficit in the payment structure in Portugal. The Brazilian government took
advantage of this fact in order to impose its point of view in times of conflict of ideas, as,
for instance, the disagreement over the interpretation of the consular convention held in
1863 aiming to administrate the legacy of subjects who died on either side of the Atlantic.
Because of its commercial and financial interest abroad, the Portuguese government was
forced to act with moderation and caution even when the Portuguese colonies in Rio de
Janeiro and Pernambuco were assaulted. Besides that, Brazil did its best to promote
articulations between the diplomatic representatives of the two countries. That proved to be
a fundamental strategy to neutralize the impact of problematic affairs such as that of the
prison ship Octavio, which brought Portuguese men to enlist compulsorily in theTroops of the Empire, and that of the two Portuguese diplomats accused of conspiracy
against the President Francisco Solano Lpez and executed in Paraguay. In this context, the
press had a decisive role in broadcasting the Brazilian official discourse. From the
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controlled Brazilian publications especially the ones from the Court, and, in particular,
the old and officialesque Jornal do Commercio in Rio de Janeiro -, the powerful images
presented by the office of Dom Pedro II crossed the ocean and featured in the pages of
Portuguese papers. The documents that the Empire wanted to divulge were also spread over
Europe through the service of the news agency Reuters. The agency was sited in Lisbon
and worked as the telegraphic transmission point to cities such as London and Paris. Even
though Portugal had a neutral position, the Portuguese press was a precious arm for the
Brazilian diplomacy during the enterprize in Portugal. It was through it that, in 1870,
Europe leaned that the slave-owning South American Empire managed to successfully
carry on its civilizing mission against the barbarian Guarani country, with the physical
elimination of the cruel tyrantFrancisco Solano Lpez.
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO A - Cpias de pginas de publicaes portuguesas.............................................390
ANEXO B Relao dos jornais e revistas portugueses do perodo da guerra do Brasil
contra o Paraguai............................................................................................391
ANEXO C - Snteses de publicaes portuguesas.............................................................463
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................................2
RESUMO................................................................................................................................3
RESUMEN..............................................................................................................................5
ABSTRACT............................................................................................................................7
LISTA DE ANEXOS..............................................................................................................9
INTRODUO....................................................................................................................13
1 DIPLOMACIA E IMPRENSA..........................................................................................19
1.1 O desafio terico-metodolgico......................................................................................211.2 Os documentos oficiais na reconstituio do passado...................................................291.3 A fora da imprensa a partir do sculo XIX..................................................................331.4 O jornalismo a servio dos diplomatas..........................................................................43
2 AS RELAES ENTRE BRASIL E PORTUGAL NA DCADA DE 1860-1870.........52
2.1 A balana comercial........................................................................................................552.2 O fluxo migratrio...........................................................................................................762.3 A importncia das remessas do Brasil.............................................................................992.4 Os laos familiares.........................................................................................................1162.5 O papel da maonaria.....................................................................................................1402.6 O relacionamento bilateral e seus problemas.................................................................1482.7 A capacidade diplomtica do Imprio............................................................................179
3 PORTUGAL E A GUERRA DO PARAGUAI...............................................................200
3.1 A presena lusitana na bacia do Prata: antecedentes histricos.....................................2013.2 A anunciada opo pela neutralidade.............................................................................2103.3 A participao de cidados portugueses nos campos de batalha: voluntrios e compeli-
dos..................................................................................................................................216
3.4 Dando as cartas: o peso da legao no Rio de Janeiro e seu apoio ao Brasil.................2253.5 Pregando no deserto: a representao em Montevidu e seu trabalho a favor do
Paraguai.........................................................................................................................2313.6 A rede de intrigas que minou a fora militar paraguaia.................................................2523.7 O castigo de Solano Lpez aos colaboracionistas portugueses: a execuo dos diploma-
tas no Paraguai...............................................................................................................2703.8 A conta apresentada ao imprio brasileiro pelos servios prestados em Assuno......2913.9 As boas relaes em Lisboa..........................................................................................299
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4 O PODER DA IMPRENSA NA PROPAGAO DO DISCURSO OFICIALBRASILEIRO.....................................................................................................................305
4.1 Uma publicao com status de documento oficial........................................................3094.2 O Commercio do Porto e a multiplicao doJornal do Commercio em Portugal.......3134.3 As vozes dissonantes silenciadas: Os Gafanhotos e O Braz Tisana............................3224.4 As principais imagens da cobertura lusitana da Guerra do Paraguai...........................3364.4.1 A cruzada civilizadora do Imprio........................................................................3424.4.2 O monstro Solano Lpez e a barbrie guarani.......................................................3474.4.3 Madame Lynch e as mulheres nos campos de batalha...........................................3554.4.4 O Brasil mal acompanhado: o estorvo argentino....................................................3624.4.5 O eplogo ansiosamente esperado: a morte do tirano.............................................367
CONCLUSO....................................................................................................................385
ANEXOS.............................................................................................................................390
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................923
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Governar fazer crer.Maquiavel
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INTRODUO
O maior conflito blico da histria do continente americano, a chamada guerra do
Paraguai, que se estendeu de 12 de novembro de 1864 a 1 de maro de 1870, exigiu um
grandioso esforo da diplomacia brasileira para tentar impedir que o inevitvel desgaste da
ao militar abalasse os interesses econmicos e polticos sustentados pelo governo
imperial. Era natural que o empenho fosse redobrado em relao a Portugal, que ainda
mantinha fortes vnculos com o Brasil e constitua-se no principal porta-voz da sua ex-
colnia na Europa. Tambm pesava o fato de que a fora hegemnica da poca, a
Inglaterra, exercia notvel influncia na nao lusitana que tem razes numa aliana que
remonta primeira dinastia portuguesa, a de Borgonha, no sculo XII. Pretendemos, ento,
observar as relaes luso-brasileiras nesse perodo, perseguindo trs objetivos principais: a)
verificar as reas de atrito; b) identificar os fatores de convergncia; c) dimensionar o papel
de Portugal na defesa da poltica externa do Imprio de D. Pedro II.
Se a diplomacia j era um precioso instrumento que os governos dispunham para
estabelecer contatos pacficos com outros Estados, buscando atingir os propsitos traados
pelas suas elites polticas mas tambm econmicas -, a imprensa revelou-se, ao longo do
sculo XIX, um poderoso mecanismo de mobilizao da opinio pblica, tornando-se uma
expresso social que deveria ser considerada pelos detentores do poder. Por isso, a tentativa
de identificao dos aspectos que movem os documentos oficiais ponto de partida dainvestigao aqui proposta no poderia ficar dissociada da anlise dos contedos
veiculados pelas publicaes peridicas. O desafio de desvelar parte das ascendncias que
determinavam o movimento diplomtico ou as foras profundas, como preferem Pierre
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Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle, dois autores que balizam nossa proposta requer,
necessariamente, o exame do jornalismo, que experimentava, na dcada de 60 daquela
centria, a expanso da sua fase industrial ntida nos pases mais desenvolvidos da
Europa e nos Estados Unidos e ainda incipiente em Portugal e na Amrica Latina.
Mesmo nos casos de maior afinidade com o Estado, como no Brasil, a imprensa refletia
contradies no mbito do poder, deixando escapar diferenas e conflitos entre os
integrantes dos grupos que se revezavam nos sucessivos gabinetes do II Reinado,
oferecendo assim boas pistas para uma aproximao com a realidade vivida. Alm de
difundir idias dos polticos que ocupavam suas pginas, muitos deles mantendo-se no
anonimato, os jornais eram utilizados, com regular freqncia, para a publicao de textos
governamentais, sobretudo os de carter diplomtico. Essa caracterstica proporciona uma
outra e interessante perspectiva de anlise, uma vez que o processo seletivo do material a
ser impresso estava diretamente ligado conquista da opinio pblica. Enquanto alguns
documentos adquiriam notoriedade nos dirios e semanrios, outros ficavam restritos
correspondncia oficial - ainda que no ostentassem o selo de reservado ou confidencial.
Assim, podemos aferir como a imprensa era usada como canal de comunicao para a
conduo da diplomacia luso-brasileira.
Optando pela observao simultnea da documentao e dos jornais que circulavam
naquela poca, poderemos constatar quais eram os temas mais delicados para os governos
dos dois lados do Atlntico durante a campanha brasileira no Paraguai e as posies que
precisariam ficar submersas nas mais recnditas gavetas ministeriais. Tambm no
perderemos de vista as verses oficiais disseminadas nas publicaes peridicas,
notadamente as brasileiras, prdigas na transcrio de textos governamentais. Alis, a
cobertura do conflito militar produzida pelos jornais do pas em especial, os do Rio de
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Janeiro costumava seguir para Lisboa, acompanhando ofcios diplomticos que anexavam
as notcias do teatro da guerra, praticamente sem reparos dos representantes portugueses
na Corte. A maior parte das matrias tambm era reproduzida, na ntegra, na imprensa
lusitana, conferindo ao jornalismo brasileiro um papel de maior relevo na busca da
legitimao de decises impopulares como a do prolongamento da guerra, atingindo o
continente europeu. Nesse sentido, a apreciao do teor das publicaes aumenta de
importncia, contraposta ao contexto poltico e econmico do perodo examinado.
Para perseguir os objetivos propostos neste trabalho, partimos inicialmente da
exposio das referncias conceituais que respaldam o caminho adotado, que mantm lado
a lado fontes to dspares como a imprensa e a correspondncia diplomtica. No primeiro
captulo, tratamos da dificuldade terico-metodolgica representada por essa escolha. O
carter de monumento dos documentos questionado, de acordo com a viso de autores
como Jacques Le Goff, sem que isso implique reduzir a significao do escrito
governamental autntico. Trata-se apenas de reconhecer sua limitao. Confrontado com
outros depoimentos, torna-se uma fonte prolfica. Marc Bloch chegou a comparar o
documento testemunha, dizendo que ele fala quando inquirido. Tambm ressaltada a
fora da imprensa a partir de 1850, quando avana para o seu apogeu, segundo Fernand
Terrou, estimulada, entre outros fatores relevantes, pela presena de muitos homens
pblicos nos jornais, incluindo diplomatas.
O segundo captulo aborda as relaes entre Brasil e Portugal entre 1860 e 1870,
procurando determinar o alcance dos interesses que giravam em torno das duas naes.
Assim, verificamos a balana comercial e o fluxo migratrio e estimamos o volume da
contribuio financeira das remessas enviadas para Portugal pela colnia lusitana no Brasil.
Os laos familiares que ligavam as duas Coroas e a articulao entre a maonaria
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organizada nos dois pases mereceram ateno especial, levando-se em conta que poderiam
contribuir para favorecer o relacionamento bilateral. As questes que provocavam
desacordo diplomtico durante a guerra tambm foram sondadas, avaliando-se como os
conflitos foram enfrentados por ambos governos. Por fim, a execuo da poltica externa
brasileira recebeu uma abordagem especial, face mudana de rota ocorrida durante o
sculo XIX, que passou de uma neutralidade paciente para um intervencionismo poltico-
militar e econmico, como assinala Jos Luiz Werneck da Silva, e que culminou com a
ao militar empreendida no Paraguai.
No terceiro captulo, o envolvimento de Portugal na guerra o centro da anlise.
Preliminarmente, apresentamos uma breve memria da presena lusitana na bacia do Prata,
desde a chegada do primeiro navegante, Juan Daz de Sols ou Joo Dias de Solis - em
1516. Depois, o cotejo entre os documentos oficiais e os jornais portugueses serve para
medir o grau da anunciada opo pela neutralidade do governo de D. Lus I. Em seguida,
direcionamos o olhar para o poro lusitana do imenso contingente aliado que empunhou
armas na bacia do Prata, desde os voluntrios at aqueles que foram forados a seguir para
os campos de batalha. O convvio fraterno dos diplomatas de Portugal na Corte com o
governo brasileiro confrontado com a atuao do ministro portugus em Montevidu,
francamente hostil ao Imprio, observando qual representao diplomtica gozava de maior
prestgio em Lisboa. Examinamos tambm o movimento insurgente contra Solano Lpez,
que contou com os representantes lusitanos em Assuno entre os seus lderes, e a punio
do presidente paraguaio aos conspiradores, rompendo uma relao at ento amistosa com
a representao do governo de Lisboa. O captulo ainda trata da reivindicao do cnsul
portugus no Paraguai a favor de uma indenizao pela ajuda moral e financeira
prestada pelos diplomatas fuzilados por Solano Lpez a cidados brasileiros que circularam
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pela capital guarani durante os embates. E verifica se essa pendncia afetou o bom trnsito
dos representantes do governo de D. Pedro II em Portugal.
O quarto e ltimo captulo canalizado para a produo jornalstica nos dois pases,
com o objetivo de conhecer o papel da imprensa na execuo da poltica externa brasileira,
alvo final da pesquisa desenvolvida. Ao esquadrinhar as publicaes peridicas
portuguesas, que reproduziam o volumoso material impresso no Brasil, poderemos ver se o
jornalismo constituiu-se em eficaz meio de comunicao da diplomacia imperial durante
um episdio desgastante como foi o da longa guerra do Paraguai. Oferecemos informaes
sobre a principal fonte dos impressos lusitanos, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro,
considerado, no sculo XIX, o mais importante do pas, expresso da opinio
conservadora, como salienta Juarez Bahia. Depois, destacamos o mais influente jornal de
Portugal, O Commercio do Porto, sintonizado com a Corte brasileira e que costumava ser
transcrito por muitas outras publicaes daquele pas. As vozes solitrias da revista satrica
Os Gafanhotos que foi silenciada por ao da diplomacia brasileira em Lisboa e do
Braz Tisana que foi enquadrado numa linha editorial favorvel ao Imprio, depois de um
perodo em que criticava o Brasil , ambos da cidade do Porto, ocuparam uma parte
especfica, antes do exame do contedo da imprensa portuguesa. Do diversificado universo
editorial lusitano da poca, observamos 87 ttulos, incluindo os jornais e revistas mais
importantes em circulao. Essa leitura permitiu a identificao das imagens recorrentes na
cobertura do grande conflito blico, divididas em cinco blocos temticos. As idias
representadas nas pginas dos jornais de Portugal foram essenciais para comprovar se o
jornalismo foi utilizado para afirmar o discurso oficial brasileiro, transformado em
instrumento da diplomacia visando legitimar as principais decises governamentais daquele
perodo histrico. As respostas para essa e as demais hipteses levantadas apresentada na
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concluso, que procura tambm sintetizar as reflexes sobre as mais significativas
informaes recolhidas ao longo do trabalho.
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1. DIPLOMACIA E IMPRENSA
Os novos caminhos percorridos pela histria so marcados por crescentes obstculos de
ordem metodolgica. Deparando-se com uma gama de objetos de estudo mais variada e que
a conduz a diferentes e inesperadas direes, a pesquisa do passado adquire,
necessariamente, uma feio multidisciplinar. Descortinam-se horizontes originais e
revelam-se perspectivas estimulantes, inovadoras. Mas o fascnio acompanhado pela
angustiante constatao de que avultam barreiras no j penoso percurso da busca pelo realvivido. O espao agora trilhado reacende uma antiga questo, por vezes relegada a segundo
plano: a limitao do trabalho do historiador. Mais do que nunca, o alcance da investigao
do passado precisa ser relativizado. Buscamos a aproximao com as verdades possveis,
atravs das fontes interpretativas da poca examinada. Nada mais. Se isso reduz o grau de
pretenso da tarefa, no nos exime da responsabilidade de uma apurao rigorosa e
cientfica. Objetos movedios como a imprensa, mesmo congelada em determinado perodo
do tempo, esto exigindo, cada vez mais, um esforo de sistematizao, sem prejuzo do
propsito de tentar identificar os atores sociais, polticos e econmicos que os
impulsionam. Principalmente quando convivem, lado a lado, com fontes mais estticas
apesar da carga pessoal de quem as legou e de quem as examina -, como os documentos
oficiais das naes, da mesma forma que ocorre no presente trabalho.
Ao assumirmos o relativismo da investigao histrica, somos obrigados a destacar a
caracterstica que se constitui na sua maior limitao: a subjetividade, marca onipresente da
atividade que visa recompor o passado. Percorre as distintas fontes e influencia, em maior
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ou menor grau, o indivduo que desenvolve a pesquisa. Deve ser levada em conta no exame
do aparentemente frio e burocrtico registro governamental, ganha relevo nos testemunhos
escritos e orais, em todos os nveis, e pauta todas as fases do ofcio do historiador. No final
.do captulo III do livro Como se escreve a Histria, que tem o provocativo ttulo Tudo
Histrico, logo a histria no existe, Paul Veyne enfatiza essa condio inevitvel:
...o que histrico, o que o no ? Ora suficiente admitir que tudo histricopara que essa problemtica se torne ao mesmo tempo evidente e inofensiva; sim, ahistria no mais do que resposta s nossas interrogaes, porque no pode-mos materialmente colocar todas as questes, descrever todo o devir, e porque oprogresso do questionrio histrico se situa no tempo e to lento como o progresso
de qualquer outra cincia; sim, a histria subjetiva, porque no se pode negar quea escolha dum assunto dum livro de histria seja livre(1987: 24).
A rediscusso do sujeito na histria, na passagem de mais um sculo, no quadro de
desconstruo da modernidade, integrando um debate que inclui temas como o humanismo,
conforme assinala Loiva Otero Flix (1998: 15-16), atinge diretamente o produtor dos
relatos do passado. Em entrevista a Raymond Bellour, Georges Duby chama a ateno para
a importncia de se fazer a histria dos historiadores:
Fomos progressivamente descobrindo que a objetividade do conhecimento histri-co um mito, que toda a histria escrita por um homem e que quando esse homem um bom historiador pe na sua escrita muito de si prprio. Descobrimos, por umoutro lado, que o campo de ao do historiador se desloca ao longo dos tempos, quea funo da histria na sociedade se transforma e que temos absolutamente de terem considerao, no trabalho dos historiadores que nos precedem, o meio emque viveram e a sua prpria personalidade, para aproveitarmos ao mximo suascontribuies(apud FLIX, 1998: 16).
A opo clara pela recuperao do passado diplomtico atravs da observao
simultnea da correspondncia oficial e da imprensa do perodo investigado, juntamente
com a anlise de outros documentos e depoimentos da poca, prende-se a uma
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possibilidade metodolgica aberta pelos novos caminhos da histria, mas que no despreza
um episdio do porte da guerra do Brasil e seus aliados contra o Paraguai. Tambm uma
deciso que, inegavelmente, tem carter pessoal e visa, sobretudo, articular o tempo vivido
com a poca que hoje testemunhamos. Como ressalta Franois Dosse ao sintetizar um dos
aspectos da chamada nova histria que interessa, sobremaneira, na definio do rumo
terico do trabalho aqui proposto:
preciso rejeitar essa falsa alternativa entre o relato factual insignificante e a ne-gao do acontecimento. Trata-se de fazer renascer o acontecimento significativo,ligado s estruturas que o tornaram possvel, fonte de inovao. [...] Reabilitar o
acontecimento , portanto, indispensvel para a construo de uma Nova Histria.O trabalho histrico passa tambm pela superao do recorte presente-passado, pelarelao orgnica entre os dois a fim de que o conhecimento do passado sirva me-lhor inteligibilidade de nossa sociedade(1992: 258-259).
1.1 O DESAFIO TERICO-METODOLGICO
A relativamente curta existncia da teoria das relaes internacionais tem provocado
confuso conceitual entre os estudiosos da rea. Como foco das maiores divergncias,
desponta a expresso diplomacia, utilizada para designar diferentes vises sobre a ao
externa das naes. O portugus Jos Calvet de Magalhes, que se prope a enfrentar essa
questo em sua obra A Diplomacia Pura, destaca que a ausncia de rigor terico leva os
autores a empregarem, por um lado, o termo diplomacia como sinnimo de poltica externa,
e, por outro, como forma de designar o instrumento pacfico e genrico da ao no exterior
isto , qualquer meio de negociao, distinguindo-se dos instrumentos violentos e, em
particular, das guerras. Das duas significaes, a mais generalizada, sem dvida alguma, a
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que atribui o conceito de poltica externa, muitas vezes usada consciente e deliberadamente.
O autor chega a transcrever o texto de um autorizado professor de poltica internacional da
Universidade de Wales, na introduo de um interessante trabalho sobre a diplomacia na
histria moderna da Europa, para ilustrar o corrente equvoco conceitual:
A palavra diplomacia no ttulo deste volume usada no no seu sentido mais res-trito do trabalho profissional de um diplomata, mas na sua mais vasta referncia aocampo da poltica internacional como na corrente expresso histria diplomtica(apud MAGALHES, 1996: 16).
Sem entrar profundamente nas razes da impreciso do uso do termo diplomacia pelos
historiadores, a obra de Calvet de Magalhes tem o inegvel mrito de registrar a dimenso
de um dos problemas conceituais mais freqentes no exame histrico ou no das
relaes internacionais. O uso da expresso para designar a poltica externa dos pases
to freqente e abrangente que proporciona casos com o de um estudo organizado pela
Colgate University, dos Estados Unidos, especializada em pesquisas internacionais. O
trabalho, intitulado Peace and War, publicado em 1973, contm um captulo com um ttulo
que o autor portugus define como bizarro: Guerra e dissuaso como instrumentos de
diplomacia. Aqui, observa Calvet de Magalhes, a guerra, que um instrumento da
poltica externa, tal como a diplomacia, aparece-nos como instrumento da diplomacia, o
que no muito apropriado como clarificao e delimitao de conceitos. Outro exemplo
apresentado por ele da falta de rigor na utilizao dos termos poltica externa e diplomacia
a deturpao da clssica afirmao de Carl Von Clausewitz1 de que a guerra uma
1 A conhecida frase figura na pgina 67 do livroDe la guerre, publicado porLes Editions de Minuit, em Paris,no ano de 1955.
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simples continuao da poltica por outros meios. uma adulterao que obscurece ainda
mais o verdadeiro sentido da palavra diplomacia:
...no estudo referido se atribui a Clausewitz na seguinte forma: ... a guerra umasimples continuao da diplomacia por outros meios2.... Clausewitz no s nun-ca empregou a palavra diplomacia na sua definio de guerra, tantas vezes cita-da, como ao explicar o seu conceito afirma: ... a guerra no apenas um acto po-ltico, mas um verdadeiro instrumento poltico, uma conduo das relaes pol-ticas, uma realizao destas por outros meios. O pensamento de Clausewitz , porconseguinte, bem claro e a substituio da palavrapoltica por diplomacia no seutexto s pode servir para provocar lamentvel confuso(MAGALHES, 1996: 17--18).
Outro estudioso do tema, Celestino del Arenal (1990: 56), afirma que, ao lado do direito
internacional e da histria diplomtica, a diplomacia desempenha, ainda que num plano
mais limitado do ponto de vista acadmico, o papel de cincia da sociedade internacional.
Nesse sentido, deve ser entendida como cincia das relaes entre os Estados: Sin entrar a
discutir la cuestin de los significados y alcances de la diplomacia, cuestin ya superada3,
el hecho concreto es que en siglo XVIII y, especialmente, en el XIX se desarrolla una
corriente que considera la diplomacia como ciencia, observa ele. Mesmo que a viso
incorra na impreciso conceitual apontada por Calvet de Magalhes, oferece elementos
essenciais para a compreenso do avano da atividade diplomtica. Arenal recorda que o
desenvolvimento da diplomacia, tal qual nos casos da histria diplomtica e do direito
2 Jos Calvet de Magalhes afirma que a citao errada foi extrada da obra Politics among Nations: TheStrugglc for Power and Peace(New York: Alfred A. Knoff, 1978), de Hans J. Morgenthau, que contribuiupara divulgar a verso modificada da frase. Nesse trabalho considerado um clssico, o autor, um dospatriarcas americanos da teoria da poltica internacional, refere-se diplomacia como se ela se identificassecom a poltica externa quando esta pretende assegurar a paz entre as naes atravs da acomodao dosseus respectivos interesses. Morgenthau tambm esclarece em nota pgina 146 do mesmo livro que pelotermo diplomacia, empregado nas pginas seguintes, referimo-nos formao e execuo da poltica externaem todos os nveis....3 Celestino del Arenal, na obra Introduccin a las relaciones internacionales,remete as questes conceituaispara dois autores: VILARIO, Eduardo (En torno al concepto de diplomacia, no Anuario Hispano-Luso-
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internacional, est assentado na configurao do sistema europeu de Estados, que exige
uma institucionalizao das relaes entre os pases, com o objetivo de preservar a
existncia dos aparelhos estatais. Surge, assim, na base da consolidao das embaixadas
permanentes e de um conjunto de profissionais, o corpo diplomtico, que se encarrega das
relaes intergovernamentais, e que em alguns aspectos supe uma superao do
individualismo que caracteriza o mundo exterior dos Estados4.
De acordo com Arenal, a literatura diplomtica no mais o manual do perfeito
diplomata, mas se estende a consideraes normativas mais gerais que baseiam a
existncia de certos interesses comuns entre os Estados, objetivando ordenar as relaes
intergovernamentais e elevar a negociao e o entendimento categoria de princpios. Isso
explica, em boa parte, as caractersticas das obras que registram o progresso da diplomacia:
En este sentido, el desarrollo de la diplomacia y del derecho diplomtico va inti-mamente unido al del derecho internacional y al de la historia de los tratados, pri-mero, y de la historia diplomtica, despus. La proliferacin de obras histricas deesta naturaleza y de colecciones de tratados, as como el xito que conocen las obras
de derecho internacional, sern reflejo en gran medida de las necesidades que exigela diplomacia en pleno desarrollo(ARENAL, 1990: 57).
A partir da segunda metade do sculo XVII, a diplomacia adquire progressivamente
autonomia dentro da administrao dos Estados, tendendo a organizar-se em ministrios
exclusivos. Ao mesmo tempo, os ocupantes dos cargos comeam a ser considerados como
integrantes de uma profisso que exige conhecimentos especializados. So circunstncias
que vo formar a conscincia de um corps diplomatique, expresso cunhada por Antoine
americano de Derecho Internacional, vol. 5, 1979) e BULL, Hedley (The Anarchical Society. A Study ofOrder in World Politics, The Macmillan Press, Londres, 1977).4 O autor assinala, porm, que o comeo da diplomacia como instituio no pode ser atribudoexclusivamente ao Renascimento europeu, nem sequer s culturas do Mediterrneo e do Oriente na
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Pequet5 em 1737 ao descrever perfeitamente o fenmeno, segundo Arenal. Uma idia que
se consolidar mesmo diante de importantes mudanas polticas, como a Revoluo
Francesa. Ainda que a queda do Antigo Regime implique na introduo de novos critrios e
valores nas relaes internacionais, no significa a decadncia do sistema diplomtico em
formao. Ao contrrio. Como conseqncia do desenvolvimento e institucionalizao que
as relaes internacionais alcanam a partir do Congresso de Viena, realizado entre
setembro de 1814 e junho de 1815, o papel da diplomacia reforado, sobretudo do ponto
de vista poltico. No sculo XIX, apresenta-se como uma cincia com metas mais amplas e
ambiciosas que as da histria diplomtica e do direito internacional, pois trata de
compreender e orientar globalmente as relaes internacionais. Mas no poder ir muito
longe, face a sua limitao funcional, incapaz de superar o paradigma do Estado. Portanto,
como sublinha Arenal (1990: 58), a diplomacia no pode considerar-se uma autntica
cincia da sociedade internacional.
Se no precisamos discorrer sobre as quatro principais definies de diplomacia as
que a identificam a com poltica externa, as que a consideram um instrumento ou tcnica da
poltica externa, as que a vem como negociao internacional ou as que a descrevem como
a atividade exercida pelos diplomatas -, torna-se fundamental para o desenvolvimento do
presente trabalho elucidar o conceito que ser empregado ao longo do texto. Excluindo a
corrente que identifica a expresso com poltica externa, pela clara inadequao exposta
nos pargrafos anteriores, no h dvida de que as outras trs enunciaes contribuem para
aclarar a significao do termo. A diplomacia , ao mesmo tempo, um instrumento de
poltica externa entre outros -, a negociao entre dois governos e a atividade exercida
antigidade, e que sua origem precisa ser melhor examinada, reportando-se ao livro The Beginnings ofDiplomacy, de Ragnar Numelin (Nova York, 1950).
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pelos representantes externos dos pases. So elementos essenciais na formao do
conceito, mas que no podem dispensar outro, o reconhecimento mtuo dos diplomatas,
como sublinha Calvet de Magalhes. Na investigao que propomos, datada entre os anos
1864 e 1870, esse aspecto adquire relevncia e, portanto, as palavras do autor portugus
devem ser destacadas:
Um Estado que pretende executar uma poltica de aproximao com outro Estadoenvia a esse Estado um seu representante com o mandato de fomentar as boas rela-es entre ambos os Estados. Mas se esse enviado no for reconhecido pelo Estadojunto do qual pretende actuar, como um legtimo representante do Estado que o en-via, no poder certamente desempenhar-se da sua misso, no se estabelecendo
aquele contacto oficial indispensvel para que se inicie o dilogo entre ambos os Es-tados. O reconhecimento da representatividade dos intermedirios , por conseguin-te, um elemento essencial da instituio diplomtica e no apenas uma simples for-malidade. Da mesma forma a inviolabilidade destes intermedirios devidamente a-creditados no consiste um privilgio, como por vezes erradamente se afirma, massim uma caracterstica essencial que decorre da prpria natureza da instituio di-plomtica, pois sem essa inviolabilidade, que recproca, a prpria instituio nopoderia existir. No admira pois que Csar afirme com tanto vigor que a inviolabili-dade dos embaixadores qualquer coisa de sagrado e reconhecido como tal por to-dos os povos civilizados6(1996: 89).
A definio que nos interessa exatamente a proposta por Calvet de Magalhes e que
ele denomina de diplomacia pura. Um conceito, alis, muito claro: um instrumento da
poltica externa que objetiva o estabelecimento e desenvolvimento de contatos pacficos
entre os governos de diferentes Estados, atravs de intermedirios os agentes
diplomticos -, mutuamente reconhecidos pelas respectivas partes. E que, segundo seu
formulador, implica na idia de um diplomata puro, isto , um agente da administrao
que atua exclusivamente como instrumento de uma determinada poltica externa. Ele pode
5 PEQUET, Antoine.Discours sur lArt de Negocier. Paris: [s.n.], 1737.
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exercer funes polticas, como conselheiro do Estado, mas no dever de forma alguma
provocar qualquer desvio de interpretao do conceito de diplomacia pura, que deve ser
entendido como uma categoria autnoma e o nico fundamento vlido para a construo de
uma teoria cientfica da diplomacia. Quer dizer, o agente diplomtico contribui para a
afirmao da poltica externa, mas no a materializao plena dela. At porque, como
fazemos questo de acrescentar observao de Magalhes, nem sempre o representante
est completamente afinado com a direo estabelecida pelo seu governo e pode agir, se
no de forma diametralmente oposta, o que implicaria na sua punio, pelo menos com
menor entusiasmo na execuo de muitas medidas administrativas.
O perodo examinado dcada da segunda metade do sculo XIX d seqncia
aproximao das relaes internacionais e a histria, iniciada nos setecentos, e confere
questo conceitual maior importncia. uma poca em que a instituio diplomtica j est
consagrada e regida por princpios universais. No sculo XIX tambm ampliam-se as
concepes gerais da histria, baseadas no estudo da evoluo do sistema europeu de
Estados7. Se na centria anterior o exame das relaes entre os pases configurava-se
sombra do relato dos tratados, nesse perodo modifica-se, progressivamente, de uma
6 A frase de Csar foi publicada na pgina 80 da obra Bellum Gallicam(Paris: Les Belles Lettres, 1972):...Legatos, quod nomen ad omnes nationes sanctum inviolatumque semper fuisset, retentos ab se et invincula coniectos...7 De fato, o prprio conceito de relaes internacionais no deixa de ser historicamente determinado, semdvida, mais vinculado ao moderno sistema de Estados nacionais, como salienta Paulo Roberto de Almeida(1998: 25-26). Essa noo torna-se de difcil apreenso nas fases anteriores estruturao dos atoresinstitucionais do jogo diplomtico, caracterizada pelo Estado-nao soberano e independente, capaz de
relacionar-se em condies de aparente igualdade com os seus pares no sistema internacional. No por acaso,ao periodizar o estudo sociolgico das relaes internacionais, na obra Types of International Society (NovaYork/Londres: The Free Press: 1976), Evan Luard define o espao de tempo entre 1789 e 1914 como AIdade do Nacionalismo. Sua anlise est centrada na sociedade de Estados, pois entende que, na prtica, asrelaes internacionais so principalmente levadas a cabo pelos Estados e que as interaes entre indivduos egrupos esto normalmente mediatizadas pelos Estados a que pertencem. Sem endossar a base do estudo deLuard, foroso reconhecer que no sculo XIX essa influncia era mais significativa. As sociedadesinternacionais examinadas por ele foram divididas da seguinte forma: O Sistema Multiestatal da Antiga China(771-221 a.C.) ; As Cidades-Estados Gregas (510-338 a.C.); A Idade das Dinastias (1300-1559); A Idade das
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historiografia jurdico-internacional para uma historiografia da ao diplomtica. De fato, o
sculo XIX o sculo da histria diplomtica, como salienta Celestino del Arenal (1990:
49). Mas uma produo centrada exclusivamente nas relaes entre os Estados,
desconsiderando outros aspectos e atores das relaes internacionais. Alm de sua evidente
limitao, tambm incorre na impreciso do uso da expresso diplomtica, como vimos
anteriormente. Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle admitem que a ao dos Estados
se acha no centro das relaes internacionais, mas entendem que o historiador deve ir alm.
Eles dimensionam, com propriedade, o desafio que representa a recuperao do verdadeiro
sentido do movimento diplomtico. Bastaria apenas incluir uma curta frase atravs da
ao dos representantes diplomticos logo aps a afirmao ...a histria diplomtica
estuda as iniciativas ou os gestos dos governos para que no houvesse nenhuma dvida
conceitual. Os dois autores sintetizam, com esmero, o tamanho da tarefa:
Dentro deste gnero de relaes (internacionais), a histria diplomtica estuda asiniciativas ou os gestos dos governos, suas decises e, na medida em que pode faz-
lo, suas intenes. Trata-se de um estudo indispensvel, mas que no basta longe disso para suscitar os elementos de explicao. Para compreender a ao di-plomtica preciso procurar penetrar as influncias que lhe orientam o curso. Ascondies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses econmicos e fi-nanceiros, os traos da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais, es-sas as foras profundas (grifo nosso) que formaram o quadro das relaes entre osgrupos humanos e, em grande parte, lhe determinaram o carter(RENOUVIN &DUROSELLE, 1967: 5-6).
Religies (1559-1648); A Idade da Soberania (1648-1789); A Idade do Nacionalismo (1789-1914); e A Idadeda Ideologia (1914-1974).
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1.2 OS DOCUMENTOS OFICIAIS NA RECONSTITUIO DO PASSADO
Ao procurarmos identificar o papel da diplomacia na afirmao dos interesses polticos
e econmicos que movem os governos neste caso, sobretudo do Brasil e de Portugal -, as
fontes primrias so redutos de visitao obrigatria. Mas no devem ser vistas como
repositrios da verdade. Como sinaliza Jacques Le Goff (1984: 102-103), o dever
primordial do historiador a crtica ao carter de monumento dos documentos,
examinando-os como resultado das relaes entre as foras que exerciam o poder, em
determinada sociedade, na poca em que foram produzidos. Seguindo a mesma linha de
raciocnio, o pesquisador brasileiro Andr Toral (1997, Vol. I: V) observa, com razo, que
todo documento uma interpretao daquilo que ocorreu e, portanto, tem limitaes que
devem ser consideradas:
Os acontecimentos so registrados por uma srie de documentos. Atravs deles,produz-se conhecimento em histria. Mas os acontecimentos so sempre captadosa partir de um determinado ponto de vista, de maneira unilateral e incompleta. Mes-mo quando se oferecem de forma abundante, no se pode nunca perder de vista suasubjetividade, implcita no seu registro a partir de um dado lugar. Ainda que o histo-riador em pessoa pudesse se transportar para o tempo e o local onde se deram os fa-tos que estuda, no poderia ter seno uma viso particular. Seu registro daquelesmomentos tem o mesmo valor e se soma queles produzidos por outras pessoas quetambm participaram da Histria. Nenhum desses documentos, vises parciais,pode refletir todas as faces de um acontecimento(1997, Vol. I: V).
Os cuidados exigidos de quem examina os documentos so, portanto, bem apreciveis.
Um detalhe pode oferecer pistas de uma informao significativa. A forma de construo
da frase pode representar um vestgio relevante a ser perseguido. Tambm deve haver
preocupao com o valor semntico das palavras, sabidamente sujeito a variaes no
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decurso dos anos. Marc Bloch, na sua conhecida obra Introduo Histria, refere, com
nfase, alguns aspectos que precisam ser ponderados:
Numa palavra, o vocabulrio dos documentos no passa, sua maneira, de um tes-temunho. Preciosssimo, evidentemente, mas imperfeito, como todos os testemu-nhos; portanto, sujeito crtica. Cada termo importante, cada talhe caracterstico deestilo, se torna num verdadeiro elemento do conhecimento mas somente quandoconfrontado com o seu ambiente; restitudo ao uso da poca, do meio ou do autor;defendido sobretudo, se durou muito, do perigo sempre presente do contra-sensopor anacronismo(1974: 145).
No caso especfico do passado diplomtico, permeado por textos com evidente teor
poltico, apresentam-se dificuldades de outra ordem. Nem sempre as frases expressavam a
real inteno do autor ou mesmo do governo que ele representava. O jogo de cena que
marca o exerccio do poder reflete-se, tambm, nos documentos oficiais e constitui-se em
mais um embarao na tarefa de apreci-los. Igualmente, no se pode descartar algum
recado do representante diplomtico s autoridades do pas onde atua e com quem pode
ter uma relao privilegiada nas entrelinhas. Ao comentar os escritos dos polticos do
sculo XIX, muitos deles conscientes de que produziam histria, Miguel ngel Scenna
adiciona outro fator a ser olhado com ateno na anlise dos documentos oficiais:
Pero debe tenerse en cuenta que en el siglo pasado los polticos saban que escri-ban para la posteridad, de modo que no siempre lo que dicen las cartas expresa sureal pensamiento o justifica su accin en el tembladeral de la poltica diaria(1976:367).
Toda a carga de subjetividade que o trabalho do historiador encerra, como vimos
anteriormente, no o desobriga de perseguir o objetivo maior da pesquisa, a reconstituio
de fatos do passado, atravs do nmero mais amplo possvel de depoimentos e
interpretaes que puder obter. Andr Toral reconhece que, de uma maneira ou outra, o
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subjetivismo do investigador, que se traduz numa postura ativa no trato com os
documentos, entra como critrio para a seleo, arrumao, e posterior interpretao dos
documentos. Entretanto, insiste que o historiador deve lutar para alcanar o objetivo ideal
de produzir a reconstruo do passado mais prxima da realidade, mediante uma extensa e
variada coleta, articulada terico-metodologicamente. Pois, como j alertara Edward
Thompson, o mtodo de investigao deve problematizar o objeto e testar hipteses: O
discurso histrico disciplinado da prova consiste num dilogo entre conceito e evidncia,
um dilogo conduzido por hipteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa emprica, do
outro(1981: 49).
A amplitude do cerco ao documento, visando a compreenso de seu significado em
determinado ambiente histrico, inclui o exame dos fatores que impulsionam a sociedade
na poca observada, sejam sociais, polticos ou econmicos. Celestino del Arenal (1990:
51) constata que as novas tendncias da investigao histrica, que tm acentuado o estudo
da vida material ou espiritual das sociedades, sugerem, no domnio das relaes
internacionais, uma orientao totalmente distinta daquela presa aos documentos oficiais.
Nessa perspectiva, as relaes entre os governos no so mais o aspecto mais interessante,
mas o que importa agora, como ele assinala, citando Pierre Renouvin, a histria das
relaes internacionais entre os povos. Jean-Baptiste Duroselle aponta o vasto universo a
ser investigado:
El documento guarda, ciertamente, todo su valor. Pero explicar la diplomacia porla diplomacia supone dar vueltas sobre un mismo punto. Es necesario buscar lasexplicaciones del acontecimiento en todas las direcciones posibles, y especialmen-te del lado de las fuerzas profundas8(apud ARENAL, 1990: 51).
8 Uma idia clara do que significa a expresso foras profundas para Jean-Baptiste Duroselle, e tambm paraPierre Renouvin, desenvolvida pelos dois autores na volumosa obra Introduo histria das relaesinternacionais, lanada em Paris entre os anos 1953 e 1958, figura na citao que fecha a primeira parte do
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A limitao dos textos oficiais, realada nos pargrafos anteriores, no deve ser vista
como impedimento tarefa de reconstituio do passado, mas, sim, como estmulo ao
trabalho do pesquisador. Marc Bloch j comparou o documento testemunha, dizendo que
ele tambm fala quando inquirido. Tem razo. Deixar de sacralizar o escrito
governamental autntico no um ato depreciativo, mas sim de valorizao dessa
fundamental fonte histrica. Sua presena no arquivo pblico obtm grande relevo desde
que o seu teor possa ser confrontado com outros depoimentos, permitindo a verificao das
informaes que transmite e a posterior anlise dos fatos arrolados, atravs do exame mais
abrangente possvel. Desta forma, o documento desperta da letrgica condio de frio
inventrio oficial para tornar-se registro vivo do passado, articulado com outras fontes,
igualmente valiosas, como o caso da imprensa, tambm privilegiada no presente trabalho.
Uma transformao marcada, necessariamente, pela subjetividade que pauta a investigao
histrica, como vimos anteriormente, e que tambm no deve ser olhada como obstculo
recuperao do tempo vivido. A conscincia de que a posio do historiador, por mais
cientfica e elevada que seja, ser sempre, em ltima anlise, um ponto de vista, como j
destacou Adam Schaff (1974: 272), deve produzir uma inquietao positiva - instigante e
movedora na busca das verdades alcanveis. um caminho que parte do plano
individual no rumo de uma viso globalizadora:
Hoje, sabemos que o fator subjetivo no conhecimento do historiador no redut-
vel apenas interveno de fins extracientficos: inerente ao prprio conhecimen-to cientfico, s suas mltiplas determinaes sociais. O verdadeiro problema, o pro-blema mais interessante, pelo menos, consiste precisamente em estudar as condi-es e os meios que permitem ultrapassar esta forma da subjetividade; ultrapas-sagem que s pode ser um processo. [...] A soluo consiste pois em passar do co-nhecimento individual ao conhecimento considerado como um processo social. O
presente captulo. Na verdade, esse conceito hoje considerado clssico na teoria das relaes internacionaisfoi introduzido pelo historiador francs Renouvin a partir dos anos 30 do sculo XX.
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conhecimento individual sempre limitado e agravado pela influncia do fator sub-jetivo; verdade parcial, s pode ser relativa. Em contrapartida, o conhecimento con-siderado escala da humanidade, concebido como um movimento infinito consis-tindo em ultrapassar os limites das verdades relativas pela formulao de verdadesmais completas, mais cheias, um processo tendendo para o conhecimento integral.
[...] Assim, possvel superar a ao deformante do fator subjetivo no e peloprocesso social do progresso da cincia, na e pela acumulao de verdades parciais(SCHAFF, 1974: 274-275).
1.3 A FORA DA IMPRENSA A PARTIR DO SCULO XIX
A tentativa de identificao dos interesses que movem os textos oficiais, na poca
observada no presente trabalho, passa, necessariamente, pela anlise dos contedos
veiculados pelas publicaes peridicas. Favorecidos pela conjugao de uma srie de
fatores histricos, os jornais revelam-se, ao longo do sculo XIX, um poderoso instrumento
de mobilizao da opinio pblica que j era vista como uma expresso social que todo o
governante deveria considerar antes e depois de qualquer deciso relevante. Se na centria
anterior, impelida sobretudo pelas idias iluministas, a imprensa comea a afirmar-se como
espao para a manifestao do pensamento9, a partir dos oitocentos obtm as condies
tcnicas que permitem sua acelerada expanso. Em 1803, surge a primeira mquina
contnua para a fabricao do papel a partir da pasta de madeira. Onze anos depois, a
impressora mecnica concebida pelo alemo Koenig utilizada pelo jornal britnico Times.
Os processos de reproduo grfica tambm melhoram com o avano da litografia,
9 O primeiro dirio francs,Le Journal de Paris, que comeou a circular em 1777, um exemplo clssico daimprensa peridica no sculo XVIII: jornalismo oficioso ou mesmo oficial, controlado por uma rgidacensura do Estado. As publicaes que so fruto dos movimentos a favor da liberdade de expresso, antesque esse conceito adquirisse fora a partir de 1776, no Estados Unidos, e de 1789, na Frana, entre outros
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descoberta em 1797 pelo bvaro Alos Senefelder. E, em 1839, a criao do daguerretipo
permite a impresso da imagem em metal, abrindo o caminho para a fotogravura. Alm da
evoluo nos meios de impresso, o jornalismo passa contar com um revolucionrio
sistema de transmisso de dados: o telgrafo eltrico10. Em conseqncia disso, nascem as
grandes agncias noticiosas - a Havas, na Frana, a Reuters, na Inglaterra, a Wolff, na
Alemanha, e a Associated Press, nos Estados Unidos, lanadas entre 1830 e 1870 -, que
passam a difundir informaes, de forma centralizada, para pontos remotos do planeta.
A conjuntura favorvel conduz o jornalismo fase industrial, projetando-se, nos pases
ocidentais, como fora hegemnica na divulgao de informes sobre fatos e de idias e
opinies. A partir de 1850, esse processo intensifica-se e, depois do surto, a imprensa
caminha para seu apogeu, como assinala o professor francs Terrou (1964: 30-49). uma
conquista assentada na doutrina liberal, que consagra a liberdade de publicao e a
liberdade de empresa, ainda que sua concepo tenha enfrentado perodos difceis antes de
vencer as mais fortes resistncias, como aconteceu na Frana11. Todas as constituies
liberais do sculo XIX do lugar liberdade de imprensa concebida conforme os princpios
inscritos nas declaraes do fim do sculo XVIII e muitas vezes expressos em termos que
vamos encontrar a escola fiel s frmulas do artigo 11 da Declarao dos Direitos de
pases, ainda no tem periodicidade definida. Veiculam opinies vigorosas, com maior ou menor intensidade,mas so, em sua ampla maioria, folhetos opinativos ou panfletos polticos.10 No sculo anterior, em 1739, o telgrafo tico de Chappe ficou restrito aos comunicados oficiais e somenteindiretamente a imprensa se beneficiou dele. A difuso rpida de notcias iniciou com o telgrafo eltrico,criado por Morse, nos Estados Unidos, em 1837, por Gauss, na Alemanha, em 1838, Weatstone, na Inglaterra,em 1839, e Foy e Breguet, na Frana, em 1845. Fernand Terrou (1964: 30-31) cita Stefan Zweig paraenfatizar a importncia do invento: Este ano de 1837 em que, pela primeira vez, o telgrafo transmitesimultaneamente atravs do mundo a notcia dos menores acontecimentos, raramente mencionada nosmanuais de histria. No entanto, do ponto de vista dos efeitos psicolgicos provocados pela subverso danoo do tempo, nenhuma data da histria contempornea lhe pode ser comparada.11 Fernand Terrou (1964: 39-40) relembra que, na Frana, a luta foi rdua e longa, marcada por uma srieextraordinria de revolues e de mudanas constitucionais. Mas o controle da imprensa foi sendogradualmente reduzido: Durante o chamado perodo liberal do Imprio, o torniquete foi se afrouxando pouco
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178912, sublinha ele. Na Inglaterra, a abolio dos ltimos obstculos restritivos
atividade - os impostos especiais de publicidade, que terminou em 1853; o do selo, em
1855; e o do papel, em 1863 explicam boa parte do crescimento da imprensa e do
aumento do seu poder, que se estendeu ao continente europeu. O pas governado pelo
Times, podia-se escrever em 1855, segundo Terrou, face influncia exercida pelo jornal,
que experimentou saltos crescentes na sua tiragem13.
Na verdade, o Times j exercia grande influncia na opinio pblica desde 1840,
quando, sem adversrios, era considerado o primeiro dirio britnico. Sua origem data do
sculo anterior, mais precisamente em 1785, no momento em que John Walter, farto de
negociar carves e seguros, decide criar um jornal que fosse acessvel a qualquer classe
social. Nasce oDaily Universal Registerque, trs anos depois, trocaria o nome para Times.
A partir da, paulatinamente, torna-se uma publicao com espao prprio e razovel
independncia do governo quase uma exceo na poca, mesmo na Europa. Seus menores
artigos, como recorda Cimorra (1946: 22) preocupam os ministros e a soberana. Uma
campanha encetada contra a rainha Vitria pelo casamento de sua filha com um prncipe
prussiano somente aplacada depois da interveno do premier, Lord Henry Palmerston.
a pouco at a supresso do sistema de advertncias, pela lei de 11 de maio de 1868. A liberdade de imprensaprovocou amplos debates no parlamento.12 O artigo 11 da Declarao de 1789 afirma o princpio da liberdade de expresso e de imprensa: Aliberdade de comunicao dos pensamentos e das opinies um dos direitos mais preciosos do homem;portanto, todo homem pode falar, escrever, imprimir livremente, devendo responder pelo abuso a essaliberdade nos casos determinados pela lei.13 Em 1829, na Inglaterra, todos os 17 dirios juntos alcanavam uma tiragem de 44.000 exemplares, dos
quais 10.000 eram do Times. Em 1856, o maior jornal ingls j imprimia 60.000 exemplares. A reduo dopreo para 1 penny, adotada pelo Daily Telegraph, em 1861, marca o incio da imprensa popular no pas. Atiragem desse jornal, que era de 30.000 em 1858, pula para 142.000 em 1861 e atinge 300.000 exemplares em1880. Na Frana, a revoluo de 1848, libertou temporariamente o jornalismo e ensejou a criao denumerosas publicaes, a maior parte exibindo artigos polticos produzidos por grandes escritores da poca.J no Segundo Imprio, as agresses aos direitos individuais foram acompanhadas pelo desenvolvimentoeconmico. Isso permitiu a criao do Le Figaro, em 1854, direcionado classe mais abastada e que fezsucesso graas publicidade e a circulao intensa, inclusive domiclio, e do Le Petit Journal, em 1863,visando um pblico mais amplo. Este jornal, lanado pelo preo de 1 sou, passou, em dois anos, de 83.000
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Na guerra da Crimia, nos anos 50 do sculo XIX, o jornal se populariza graas as
denncias sobre o deficiente armamento do exrcito. Suas posies, ento, passam a pautar
boa parte das decises do gabinete. Organizado sob slidas bases comerciais e controlado
por um conjunto de acionistas ingleses, o Times investiu em reportagem, atravs de uma
rede de correspondentes e de enviados especiais, alguns deles considerados, muitas vezes,
melhor informados que os prprios agentes diplomticos dos governos europeus.
A ampla cobertura internacional afirma a influncia do matutino londrino fora da Gr-
Bretanha, definindo, em muitos casos, os grandes temas das publicaes. Os interesses
econmicos ingleses conferem guerra que o Brasil, juntamente com a Argentina e o
Uruguai, empreendeu contra o Paraguai notvel destaque, dentre outros assuntos
internacionais. Juan Carlos Herken Krauer e Maria Isabel Gimenez de Herken, que
analisaram o tratamento dispensado pelo Times ao conflito na obra Gran Bretaa y la
guerra de la Triple Alianza, enfatizam o valor muito especial do espao concedido pelo
jornal. Se era previsvel que a guerra merecesse a ateno do jornal, face a importncia que
a regio teve para a Inglaterra ao longo dos oitocentos, no deixa de ser significativo o
acompanhamento do episdio, ao lado de outros eventos polticos e militares de grande
porte registrados, naquele perodo, em vrias regies do mundo. Oito deles foram retratados
com muita freqncia: a guerra da Secesso, nos Estados Unidos (1861-1865); a
interveno francesa no Mxico em apoio ao imperador Maximiliano, seguido do conflito
Frana-Estados Unidos (1864-1867); a ao das frotas inglesa, francesa e dinamarquesa no
Japo, visando proteger seus respectivos interesses comerciais (1864); os conflitos militares
envolvendo Prssia, ustria, Dinamarca, Itlia e os demais Estados alemes, nos marcos
para 260.000 exemplares. Nos Estados Unidos, o perodo compreendido entre 1840 e 1890 registra osurgimento da maioria dos grandes jornais. O New York Times, por exemplo, foi fundado em 1851.
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das lutas pela formao de um estado nacional alemo (1862-1867); a expedio britnica
Etipia para libertar cidados britnicos (1868); a revoluo liberal contra a rainha Isabel II
na Espanha (1868); a abertura do Canal de Suez (1869); e a guerra franco-prussiana (1870-
1871).
Como na ampla maioria dos temas abordados, prevaleciam, nos textos sobre a guerra do
Paraguai, os interesses econmicos, notadamente os comerciais. As fontes utilizadas na
cobertura eram quase todas impressas: jornais da colnia britnica na Amrica Latina,
como o Buenos Ayres Standarde o Anglo-Brazilian Times; publicaes dos quatro pases
envolvidos no conflito; informaes ou comentrios considerados relevantes de outros
jornais europeus, principalmente da Frana, Portugal e Estados Unidos; comunicaes
oficiais das legaes estrangeiras em Londres e Paris; documentos divulgados pelo Foreign
Office ao parlamento britnico com informaes das representaes diplomticas no
continente sul-americano e depoimentos de pessoas ligadas ao Ministrio de Relaes
Exteriores. Esporadicamente, foram utilizados correspondentes internacionais e, em curto
perodo, um deles parece ter se dedicado exclusivamente guerra. A transcrio dos jornais
privilegiava relatos militares oficiais, acompanhados, por vezes, de informaes de carter
econmico. A posio do Times, externada nos editoriais, mostrou-se anti-paraguaia, nos
primeiros anos, e depois oscilou em pr e contra o pas guarani, revelando-se, em
determinados momentos, desesperadamente a favor de Francisco Solano Lpez. Uma
vacilao que Krauer e Herken (1982: 85) atribuem ao alto custo da guerra e a repercusso
que provocava nos interesses comerciais britnicos na regio14.
14 No h dvida, porm, que o mercado financeiro londrino, hegemnico no sculo XIX, era o grandebeneficirio do conflito. Alguns setores comerciais, no necessariamente alinhados com os banqueirosingleses, teriam sido atingidos pela longa durao da guerra.
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Os autores estimam que as notcias da guerra tardavam em chegar a Londres, para
serem publicadas, aproximadamente dois meses. O telgrafo eltrico, que agilizava a
circulao de informaes na Europa, ainda no cruzava o mar at Amrica do Sul15 e sua
utilidade ficava restrita a alguns pontos existentes no velho continente, reduzindo um pouco
a mdia de tempo referida por Krauer e Herken. O material oriundo da bacia do Prata
chegava normalmente pelo correio martimo, atravs de embarcaes que aportavam em
Southampton e outras cidades inglesas, e depois era retransmitido, telegraficamente, para
Londres. Uma forma de acelerar ainda mais a difuso das informaes era usar o servio
da agncia Reuters16, que transmitia quase instantaneamente desde Lisboa tida como
ponto capital de recepo de notcias do Brasil. L, num interstcio quinzenal, chegava o
aguardado paquete transatlntico que vinha da Amrica do Sul, numa viagem que
demorava entre 20 e 30 dias17. Entre as capitais europias, o telgrafo funcionava bem,
15 Nos Estados Unidos, o avano do telgrafo deve-se imprensa, que ajudou a financiar a primeira linha, em1844, entre Washington e Baltimore, e pressionou o Congresso para que aprovasse verbas para a rpidaextenso do sistema. Com a criao da Associated Press, em 1848, os jornais tornaram-se os principaisusurios do servio. Em conseqncia, o primeiro cabo submarino ligando a Europa aos Estados Unidos nodemorou muito e data de 1866. Antes disso, em 1864, representantes do Brasil, da Frana e de Portugal,celebraram, em Paris, um tratado para a execuo de uma linha telegrfica entre a Europa e a Amrica do Sul,mas que enfrentou muitos percalos nessa dcada. Ainda em 1870, em 11 de setembro, editorial doCommercio do Porto intitulado Comunicao telegrfica de Portugal com o Brasil justificava a resistncialusitana ao projeto, argumentando que as melhores condies tcnicas para a implantao do cabo eltricotransatlntico exigiam que partisse do rio Tejo, em Lisboa, e no de Gibraltar, como insistemcorrespondncias remetidas de Londres para o Rio de Janeiro.16 O aparecimento das grandes agncias, no sculo XIX, antecipava um dos maiores problemas do jornalismocontemporneo: o direcionamento da cobertura mundial, a partir do modo centralizado de distribuio das
notcias, e a dependncia de quem precisa do servio. Tudo comeou com o telgrafo eltrico. Atnito com asinformaes desencontradas que recebia dos conflitos blicos na Europa, o redator do jornal portugusBoletim do Clero e do Professorado, editado em Lisboa, desabafava em 7 de julho de 1866: O telgrafo, coma sua extrema rapidez, confunde em vez de elucidar. Se de um lado nos diz venceram os austracos, de outromostra-nos que as armas dos prussianos no foram inferiores em ttica e em valor. E no pode deixar de serassim, o telgrafo serve a mais de um senhor, por isso contenta a cada um deles.17 Na edio n 259, de O Commercio do Porto, de 12 de novembro de 1865, o redator de uma notaintrodutria cobertura sobre o Brasil registra, entusiasmado, a rapidez da viagem do paquete Navarre:Chegou trs dias mais cedo do que se esperava. Parece-nos que desde que se acha estabelecida a carreira dospaquetes para o Brasil esta uma das viagens mais rpidas que se tem feito. Foi de 17 dias.
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mas dentro de alguns pases, como Portugal, ainda era um servio que deixava a desejar 18.
Era freqente a queixa dos redatores dos jornais do Porto pela interrupo da transmisso,
prejudicando o trabalho dos correspondentes na capital portuguesa. Mesmo assim, o jornal
mais importante do pas, O Commercio do Porto, conseguia antecipar as notcias trazidas
pelo paquete do Brasil atravs das mensagens enviadas, pelo telgrafo, desde Lisboa. Um
ou dois dias depois, complementava as informaes com a correspondncia chegada do Rio
de Janeiro.
Na dcada de 60 do sculo XIX, a imprensa sul-americana ainda no podia usufruir das
maiores vantagens do invento, em razo da inexistncia de um cabo submarino desde a
Europa. Mas no escapava do rumo industrial trilhado pelos jornais do velho continente.
Os impressos noticiosos se expandiam, com vigor, em quase todos os pases, como na
Argentina, onde despontava oLa Nacin Argentina. Havia, contudo, uma diferena gritante
dos grandes jornais da Frana e, sobretudo, da Inglaterra. Estavam vinculados diretamente
ao governo19. O dirio portenho pertencia ao general Bartolomeu Mitre, presidente da
Confederao, que fazia questo de publicar artigos e comentrios de seu interesse. No caso
brasileiro, a abordagem das publicaes peridicas assume um carter mais proeminente,
em razo das caractersticas especiais dessa transformao, consoante ao tradicional enlace
entre o jornalismo e o poder poltico e econmico, ressalvadas as excees dissonantes de
cada perodo histrico. Sintomaticamente, o primeiro jornal editado no pas, a Gazeta do
18 No Brasil, o telgrafo eltrico ainda era uma novidade. A primeira linha, inaugurada em 1862, ligava opalcio residencial do Imperador ao quartel da polcia. Na Amrica Latina, tambm. Somente em 29 denovembro de 1866, seria inaugurado o telgrafo subfluvial entre os portos de Buenos Aires e Montevidu. OCommercio do Porto saudaria, na capa, em 18 de janeiro de 1867, o novo servio: As duas Repblicas doPrata, apesar da guerra, colaboram distintamente na grande e interminvel obra da civilizao.19 Evidentemente que na Europa, em maior ou menor grau, o poder poltico tambm se interessava e muito pelo jornalismo. Bismarck, por exemplo, inspirou a fundao, em 1847, do Neue Preussische Zeitung e eraum de seus colaboradores. Em Portugal, a maioria dos jornais contava com a aprovao - e em alguns casos oapoio explcito - do rei D. Lus I e de seu pai, D. Fernando II.
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Rio de Janeiro, nasce graas instalao da Imprensa Rgia, em 1808, depois da chegada
de D. Joo VI20. Ao recordar o fato de que as trs grandes transies ocorridas no Brasil
foram pacficas bases da autonomia lanadas pela metrpole, passagem da colnia para a
independncia e mudana do sistema monrquico para o republicano -, ao contrrio do que
aconteceu nas demais naes latino-americanas, Juarez Bahia (1990, Vol. I: 22) faz questo
de ressaltar essa condio peculiar da imprensa brasileira, confundindo-se com o prprio
poder: Entre os agentes dessas passagens do poder est a imprensa, historicamente mais
indissocivel do gnio poltico nacional do qualquer outra instituio. Alberto Cavalcanti
(1995: 69) registra que a entrada do pas na fase industrial pode ser creditada, em boa
medida, aos incentivos financeiros da monarquia, que inicia a prtica das subvenes
governamentais imprensa. O Correio Paulistano contou com amparo oficial, no incio da
dcada de 60, para mecanizar sua impresso e atingir a marca de 850 exemplares dirios em
1869. Isso significa que os progressos tecnolgicos obtidos pelos jornais brasileiros tm
uma base bem distinta daquela que viabilizou o londrino Times:
Era o Estado ajudando a sustentar uma imprensa a que faltava o fundamento de ummercado econmico dinmico, assim como o de um mercado poltico (este, cercadopela poltica latifundiria oligrquica, cujas expresses tipificadoras, do ponto devista do interesse da consolidao de uma imprensa liberal, eram a permanncia daescravatura, altos ndices de analfabetismo, inexistncia de indstrias e, portanto,urbanizao acanhada, e excluso poltica baseada no voto censitrio). Assim, o vi-o aparentado pelo grande nmero de jornais que nasciam encontrava sua negaona falta de enraizamento econmico, pois no seria concebvel que a Coroa e os go-vernos provinciais sustentassem todos os peridicos, nem muito menos, os que lhe
opusessem pela linha editorial o que determinava rpido e igualmente numeroso
20 Nessa poca, a voz destoante a de Hiplito da Costa, que publica o Correio Braziliense, em Londres,pregando a independncia do Brasil. Por muito tempo, o Dia da Imprensa foi comemorado em 10 desetembro, quando foi lanada a Gazeta do Rio de Janeiro. Recentemente, em 1999, a data foi alterada para 1de junho, o dia de 1808 em que comeou a circular o Correio Braziliense, portanto mais de trs meses antesda publicao oficial da Coroa portuguesa. Mas a mudana s foi efetivada depois de ampla mobilizao dosjornalistas brasileiros, liderados pelo gacho Raul Quevedo, culminando com a aprovao de uma lei noCongresso Nacional.
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falecimento de peridicos(CAVALCANTI, 1995: 69-70).
Outra caracterstica do perodo imperial brasileiro era o aparecimento de muitos jornais
durante as fases de maior efervescncia poltica Regncia e no chamado II Imprio, apso fim da conciliao, em 1869 -, movidos pelo entusiasmo e as contribuies financeiras
das faces polticas a que serviam. Depois do embate, derrotadas as faces ou cooptadas
pelo poder, fechavam suas portas. No Imprio, jornais nasciam e morriam com uma
luxria tropical21, sintetiza Alberto Cavalcanti. Nessa poca, resistiram, sem maiores
problemas, os conservadores Dirio de Pernambuco, fundado em 1823, e o Jornal do
Commercio, do Rio de Janeiro, de 1827, ligados classe latifundiria e editados nas duas
maiores cidades brasileiras de ento. Pelo menos no formato, estavam alinhados com o que
havia de mais moderno na imprensa mundial. Por deciso de seu proprietrio, Manuel
Figueiroa de Faria ex-caixeiro-viajante que adquiriu, em 1831, a publicao do fundador
Antnio Jos de Miranda Falco -, oDirio de Pernambuco passa a ter, em 1859, a mesma
dimenso e o nmero de pginas que o Times. O Jornal do Commercio, principal dirio do
pas durante o Imprio, ficou mais de meio sculo exatos 55 anos nas mos de uma
famlia francesa. Fundado pelo impressor Pierre Plancher-Seignot, o jornal foi transferido
aos tambm franceses Junius Villeneuve e Reol de Mougenot - que se retirou da sociedade
em 1834. Depois da morte de Junius, oJornal do Commercio pertenceu ao seu filho Jlio
Constncio de Villeneuve, mais tarde agraciado com o ttulo de Conde. E por 25 anos
dirigido de Paris, por Franois Picot, francs naturalizado brasileiro que depois de trabalhar
21 O fenmeno no ficava restrito aos trpicos. Com bom humor, a edio n 1 do jornal A Academia, deCoimbra, resumia a imprensa daquela cidade portuguesa em 1866: Os jornais de Coimbra so como ospirilampos luminosos e rpidos. A luz que derramam no tanta, que deslumbre. A rapidez, com quedesaparecem, essa sim, espanta.
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no Rio mantm o contato com a redao atravs de cartas, observa Juarez Bahia (1990,
Vol. I: 41).
Fonte resgatada em tempo recente pelas novas correntes histricas, o jornal no pode
ser examinado de forma passiva. Da mesma forma que muitos documentos oficiais, nem
sempre apresenta, de forma explcita, os objetivos polticos ou econmicos que pretende
alcanar. Tambm reflete, em muitos momentos, as contradies dos grupos que dividem o
poder. E pode oferecer pistas importantes para visualizao da conjuntura que marca o
perodo em que publicado. Mostram-se descabidas, portanto, as posturas assumidas pelos
historiadores brasileiros diante do documento-jornal at a primeira metade do sculo XX,
como relembra Maria Helena Capelato (1988: 21): o desprezo por consider-lo fonte
suspeita ou o enaltecimento cego por encar-lo como a verdade acabada, o relato
fidedigno do fato. Nem uma coisa, nem outra. Se a objetividade jornalstica um mito que
precisa ser derrubado, sua importncia como fonte no pode ser comprometida pela
subjetividade que caracteriza a processo de produo da notcia:
A imprensa constitui um instrumento de manipulao de interesses e intervenona vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador procura estud-lo como a-gente da histria e captar o movimento vivo das idias e personagens que circu-lam pelas pginas dos jornais. A categoria abstrata imprensa se desmistifica quandose faz emergir a figura de seus produtores como sujeitos dotados de conscinciadeterminada na prtica social. A anlise desse documento exige que o historiadorestabelea um constante dilogo com as mltiplas personagens que atuam na im-prensa de uma poca. Desse dilogo resulta uma histria mais viva, mais humanae mais rica, bem diferente da histria preconizada pela corrente tradicional de cu-
nho positivista. [...] Um documento o jornal, no caso no pode ser estudado iso-ladamente, mas em relao com outras fontes que ampliem sua compreenso. A-lm disso preciso considerar suas significaes explcitas e implcitas (no mani-festas). Cabe, pois, trabalhar dentro e fora dele. A imprensa, ao invs de espelho darealidade, passou a ser concebida como espao de representao do real, ou melhor,de momentos particulares da realidade. Sua existncia fruto de determinadas prti-cas sociais de uma poca. A produo desse documento pressupe um ato de poderno qual esto implcitas relaes a serem desvendadas. A imprensa age no presente
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e tambm no futuro, pois seus produtores engendram imagens da sociedade que se-ro reproduzidas em outras pocas(CAPELATO, 1988: 21-25).
1.4 O JORNALISMO A SERVIO DOS DIPLOMATAS
A afirmao da imprensa, no sculo XIX, deve-se muito presena dos homens
pblicos nos jornais. Antes, durante e depois de suas passagens pelo poder. O caso mais
notvel em Portugal o do escritor, poltico e lder da maonaria Jos da Silva Mendes
Leal22. Ocupou vrias pastas ministeriais, na dcada de 1860, e nos intervalos entre um
cargo e outro escrevia longos textos nas publicaes lusitanas. Foi tambm um dos
principais redatores deA America, o mensrio que se anunciava como dedicado a assuntos
econmicos e sociais e rgo, ante os poderes pblicos de Portugal, dos interesses
portugueses no Brasil e no Rio da Prata e que circulou a partir de 1868. A edio n 8
desse peridico, de agosto de 1869, publicou na capa, em destaque, uma curta justificativa
de Mendes Leal para a ausncia repentina de seus textos: Como compreender, as
obrigaes do cargo no me deixam tempo livre para escrever para a nossa America, mas
pode assegurar aos leitores que voltarei ao meu posto apenas desimpedido, escreveu ele ao
editor, aps sua posse como ministro e secretrio de Estado dos Negcios Estrangeiros.
A falta de tempo que Mendes Leal alegava para interromper a manifestao de suas
idias no jornal no reduzia sua influncia nos jornais portugueses. Principalmente no
perodo que esteve frente da diplomacia de seu pas. Um dos polticos mais prestigiados
22 Outro nome que merece ser citado o de Antonio Rodrigues de Sampaio, principal redator da Revoluo deSetembro, que em outubro de 1865 estava cotado para assumir as funes de Secretrio de Estado dosNegcios do Reino, segundo oAnnuario do Archivo Pittoresco, de Lisboa.
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do seu tempo, ele era quase uma unanimidade na numerosa imprensa de Portugal. Quando
um peridico cometia a ousadia de atac-lo, era defendido, com vigor, por muitas outras
publicaes. Episd