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Políticas de memória no México contemporâneo: as experiências do Comité 68 e da FEMOSPP. Larissa Jacheta Riberti Mestranda em História Social pelo PPGHIS/UFRJ Bolsista CNPq [email protected] Resumo Durante todo o século XX, os governos do Partido Revolucionário Institucional criaram métodos sistemáticos de combate à dissidência política e de controle às organizações sociais e populares. Principalmente entre o final da década de 1960 e a segunda metade de 1980 – período conhecido como guerra suja –, os agentes do estado cometeram sucessivos crimes que violaram os direitos humanos e resultaram em torturas, massacres, desaparecimentos forçados e privação ilegal da liberdade. Tendo em vista este tema, a presente proposta busca analisar as experiências de duas iniciativas que realizaram ações significativas relacionadas à denúncia, à investigação e à revelação da verdade histórica e jurídica sobre os crimes cometidos pelos agentes do Estado durante este período. Serão objetos de estudo, portanto, a Fiscalía Especial para los Movimientos Sociales y Políticos del Pasado (FEMOSPP), criada durante o governo de Vicente Fox em 2001; e o Comité 68, fundado em 1978, pelos ex-líderes do movimento estudantil de 1968. O estudo de tais organizações nos ajudará a compreender como os temas da violência de Estado, da reparação e da justiça são abordados e geram distintas demandas por parte da sociedade civil. Palavras-chave: México, Femospp, Comité 68 Resumen Durante el siglo XX, los gobiernos del Partido Revolucionario Institucional crearon métodos sistemáticos para combatir a la disidencia política y controlar las organizaciones sociales y populares. En el período que abarca el final de la década de 1960 hasta la segunda mitad de 1980, también conocido como guerra sucia, los agentes del Estado cometieron sucesivos crímenes en contra a los derechos humanos y que resultaron en torturas, masacres, desapariciones forzadas y privación ilegal de la libertad. Considerando el tema, esta propuesta busca analizar las experiencias de dos iniciativas que realizaron acciones significativas en el campo de la denuncia, investigación y revelación de la verdad histórica y jurídica acerca de los crímenes cometidos por agentes del Estado durante el período citado. Así, nuestros objetos de estudio serán la Fiscalía Especial para los Movimientos Sociales y Políticos del Pasado (FEMOSP), creada durante el gobierno de Vicente Fox, en 2001; y el Comité 68 que fue fundado en 1978, por los ex-líderes del movimiento estudiantil de 1968. El análisis de dichas organizaciones suele ayudarnos a comprender como los temas de la violencia de Estado, de la reparación y de la justicia son abordados y generan distintas demandas de la sociedad civil. Palabras- clave: México, Femospp, Comité 68

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Políticas de memória no México contemporâneo: as experiências do Comité 68 e da FEMOSPP.

Larissa Jacheta Riberti

Mestranda em História Social pelo PPGHIS/UFRJ Bolsista CNPq

[email protected]

Resumo

Durante todo o século XX, os governos do Partido Revolucionário Institucional criaram métodos sistemáticos de combate à dissidência política e de controle às organizações sociais e populares. Principalmente entre o final da década de 1960 e a segunda metade de 1980 – período conhecido como guerra suja –, os agentes do estado cometeram sucessivos crimes que violaram os direitos humanos e resultaram em torturas, massacres, desaparecimentos forçados e privação ilegal da liberdade.

Tendo em vista este tema, a presente proposta busca analisar as experiências de duas iniciativas que realizaram ações significativas relacionadas à denúncia, à investigação e à revelação da verdade histórica e jurídica sobre os crimes cometidos pelos agentes do Estado durante este período. Serão objetos de estudo, portanto, a Fiscalía Especial para los Movimientos Sociales y Políticos del Pasado (FEMOSPP), criada durante o governo de Vicente Fox em 2001; e o Comité 68, fundado em 1978, pelos ex-líderes do movimento estudantil de 1968. O estudo de tais organizações nos ajudará a compreender como os temas da violência de Estado, da reparação e da justiça são abordados e geram distintas demandas por parte da sociedade civil. Palavras-chave: México, Femospp, Comité 68

Resumen

Durante el siglo XX, los gobiernos del Partido Revolucionario Institucional crearon métodos sistemáticos para combatir a la disidencia política y controlar las organizaciones sociales y populares. En el período que abarca el final de la década de 1960 hasta la segunda mitad de 1980, también conocido como guerra sucia, los agentes del Estado cometieron sucesivos crímenes en contra a los derechos humanos y que resultaron en torturas, masacres, desapariciones forzadas y privación ilegal de la libertad.

Considerando el tema, esta propuesta busca analizar las experiencias de dos iniciativas que realizaron acciones significativas en el campo de la denuncia, investigación y revelación de la verdad histórica y jurídica acerca de los crímenes cometidos por agentes del Estado durante el período citado. Así, nuestros objetos de estudio serán la Fiscalía Especial para los Movimientos Sociales y Políticos del Pasado (FEMOSP), creada durante el gobierno de Vicente Fox, en 2001; y el Comité 68 que fue fundado en 1978, por los ex-líderes del movimiento estudiantil de 1968. El análisis de dichas organizaciones suele ayudarnos a comprender como los temas de la violencia de Estado, de la reparación y de la justicia son abordados y generan distintas demandas de la sociedad civil. Palabras- clave: México, Femospp, Comité 68

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Introdução

A luta contra a impunidade dos crimes cometidos por Estados autoritários tem sido umas

das principais demandas dos movimentos de direitos humanos nos países que passaram por

experiências traumáticas. As múltiplas experiências de países que tiveram contextos marcados

pela violência, limitação de liberdades civis e que transitaram por um cenário de

autoritarismos políticos ou ditaduras militares, foram e são importantes para se pensar a partir

de quais estratégias estão sendo cumpridas, ou não, as demandas das sociedades. Na maioria

dos casos, as sociedades têm experimentado as tensões entre as demandas das vítimas e das

organizações da sociedade civil e a urgência de se buscar acordos que possam rever esses

passados. Na prática, o nível de impunidade existente torna-se um obstáculo para que se

desenvolvam políticas capazes de satisfazer as demandas dos diferentes sujeitos presentes na

cena pública. As experiências de países como a Rússia, Alemanha, Irlanda do Norte, Sudão,

Uganda, Serra Leoa, são exemplos de como governos no presente tiveram que lidar com

passados de violência. Em países da América Latina como Argentina, Guatemala, Chile e

Uruguai, as chamadas Comissões da Verdade foram criadas no sentido de buscar uma

possível reparação para as vítimas dos passados de violência ditatorial1. No que se refere ao

tema de passados de violência, o México não tem sido uma exceção2.

No presente artigo, propõe-se analisar as experiências de duas organizações importantes

no que se refere à memória e as medidas de reparação e justiça referentes aos crimes

cometidos por agentes do Estado nos anos entre 1968 até o final da década de 1980. O Comité

68 Pro Libertades Democráticas e a Fiscalía Especial para Movimientos Sociales y Políticos

del Pasado, foram escolhidos pelo caráter das atividades que promoveram. Nascido a partir da

iniciativa de ex-líderes do movimento estudantil de 1968, no México, o Comité 68 possui

caráter de organização civil que realiza denúncias e busca justiça no que se refere a crimes

cometidos contra os direitos humanos de pessoas envolvidas com movimentos sociais e de

esquerda. Já a Femospp nasceu a partir de um decreto do presidente Vicente Fox (2000-2006)

em 2001 e segundo uma recomendação da Comissão Nacional de Direitos Humanos do

México. Política pública de memória, a Femospp desenvolveu suas atividades até 2006, 1 Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal; Asociación para la Prevención de la tortura (Suiza); Centro de Derechos Humanos “Miguel Agustín Pro Juárez” (México); Corporación de Promoción y Defensa de los Derechos del Pueblo (Chile) (Orgs); Memoria do “Seminario internacional Comisiones de la verdad: Tortura, reparación y prevención.”e “Foro público Comisiones de la verdad: Perspectivas y alcances El caso de México.México: 2004. Digitalizado em: http://es.scribd.com/doc/19375070/Comisiones-de-La-Verdad (verificado em 28/09/2012). 2 VALENZUELA, Luis Arriaga. “Crímenes de Estado y derechos humanos en México.” In. Revista El Cotidiano, n. 150. Julio-Agosto de 2008, ano 23.

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quando foi encerrada por uma determinação do Procurador Geral da República Rafael Cabeza

de Vaca. Seus resultados foram compilados em um Informe à Nação Mexicana, divulgado no

mesmo ano em que foi fechada.

A seguir analisaremos algumas das atividades desenvolvidas por ambas as instituições no

que se refere à defesa dos direitos humanos e a construção da memória e da história sobre o

período considerado. Em primeiro lugar, no entanto, faremos considerações sobre o contexto

mexicano no qual se gerou o emprego sistemático da violência e da repressão contra

movimentos de esquerda.

Memória e violência de Estado.

Desde o governo de Plutarco Elias Calles (1924-1928) a política mexicana esteve marcada

pela hegemonia de um partido de Estado, o Partido Revolucionário Institucional3. Neste

regime, caracterizado pelo autoritarismo, a dissidência foi criminalizada e perseguida através

de estratégias de controle e repressão. Um aspecto decisivo para o triunfo do PRI na política

mexicana foi a absorção das instâncias de manifestação e lutas políticas pelo Estado. A partir

da década de 1940 o governo passou a mediar os órgãos de reunião social como sindicatos e

outros organismos de reivindicações. Durante o século XX, é possível identificar o emprego

de métodos regulares e cada vez mais sofisticados para combater os considerados “inimigos

do estado” através da violência.

Todas as negociações deviam dar-se no interior do aparelho do Estado através de seus

canais e instrumentos, com suas organizações sociais e piramidais, seu partido rolo

compressor e suas autoridades arbitrárias. O que fugia dessas normas de negociação

intramuros era violentamente reprimido. O característico desse monólogo institucional é que

os conflitos ficavam sujeitos a uma negociação subordinada ao Estado e seu aparato de

controle político ou a uma repressão seletiva de extraordinária violência.4

3 Fundado por Plutarco Elias Calles em 1928 sob o nome de Partido Nacional Revolucionário (PNR), alterado dez anos depois para Partido Revolucionário Mexicano (PRM), por Lázaro Cárdenas, o então presidente mexicano e, mais tarde, constituído em Partido Revolucionário Institucional, o partido “herdeiro da revolução” dominou o cenário político durante várias décadas do século XX. Tal atitude era vista pelo movimento estudantil como autoritária e antidemocrática. Daí surge um dos pontos principais dos questionamentos da sociedade mexicana da década de 1960. HERNÁNDEZ, Salvador. El PRI y el movimiento estudiantil de 1968. México: El Caballito, 1971 4 CAMÍN, Hector Aguilar & MEYER, Lorenzo. À sombra da Revolução Mexicana. São Paulo: Edusp, 2000. Pp. 268-269

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Além das estratégias de repressão à dissidência e do autoritarismo do PRI5, existiram

marcos jurídicos que permitiram o emprego da violência contra “subversivos” e agentes

externos que pudessem ameaçar o país. Em 1941, no governo de Manuel Ávila Camacho

(1940-1946), aprovou a condenação do delito de Dissolução Social através da aprovação dos

artigos 145 e 145 bis do Código Penal Federal. A iniciativa surgiu no Congresso Latino-

americano de Criminologia6, no qual palestrantes dos Estados Unidos recomendaram aos

países da América Latina a promulgação de Leis que, no contexto da Segunda Guerra

Mundial, pudessem prever penas às práticas que “atentassem contra a vida nacional ou suas

instituições”7. Ao final da guerra, os delitos estipulados nesses artigos do Código Penal

Mexicano foram as principais ferramentas para que fossem perseguidos legalmente os

ativistas, líderes sociais, operários ou camponeses em greve, ou movimentos de contestação8.

Assim, os mecanismos jurídicos de repressão aos movimentos de esquerda colaboraram para

que os sucessivos governos do PRI se consolidassem no poder9.

5 Segundo Hectór Aguillar Camín e Lorenzo Meyer, o Partido Revolucionário Institucional foi responsável pela construção de um eficaz “mecanismo sucessório”, o que deu espaço para que o partido pudesse exercer domínio sobre os principais cargos políticos. Idem, ibidem. 6 O II Congresso Latino-americano de Criminologia foi realizado de 19 a 26 de janeiro de 1941 no Instituto de Ciências Penais da Universidade do Chile, na capital Santiago. Os países participantes foram Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Haiti, México, Nicarágua, Peru, República Dominicana, Uruguai. Dentre os temas aprovados estavam a reforma da legislação penal na América, delitos contra as nações, delitos políticos e delitos sociais, além disso, foram feitos os convites oficiais para que os representantes dos Estados Unidos participassem de futuros congressos que passariam a chamar Congressos Pan-americanos de Ciências Penais. Houve também a aprovação do tema que discutiria a instalação de uma oficina permanente de criminologia com sede na cidade de Buenos Aires. Biblioteca Digital Daniel Cosío Villegas. Conferencias Internacionales Americanas. Primer suplemento 1938-1942. Recopilación de tratados y otros documentos. Versão digital disponível no link: http://biblio2.colmex.mx/coinam/coinam_1_suplemento_1938_1942/base2.htm (visualizada em setembro de 2012) 7 Comité 68 Pro Libertades Democraticas A. C. Informe Histórico Presentado A La Sociedad Mexicana. Fiscalía Especial Para Movimientos Políticos Del Pasado. Série “México: Genocídio y delitos de lesa humanidad: Documentos Fundamentales 1968-2008”. México: 2008. Tomo IX. Pp. 56 8 O Informe da Femospp também atenta para o fato de que, através dos artigos 145 e 145 bis foram presos vários líderes sociais como Valentin Campa e Demetrio Vallejo – dois líderes do movimento ferroviário de 1958 – que questionaram a mediação promovida pelo líder da Central dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), Vicente Lombardo Toledano, ligado ao Partido Revolucionário Institucional. Atualmente, o artigo 145 bis está derrogado, entretanto, o artigo 144 do Código Penal afirma que “Se consideran delitos de carácter político los de rebelión, sedición, motín y el de conspiración para cometerlos.”. In. Código Penal Federal. Arquivo disponível no link: http://info4.juridicas.unam.mx/ijure/tcfed/8.htm (verificado em 28/09/2012). 9 Na avaliação desse contexto é importante problematizar a associação entre comunismo e subversão, feita pelo Estado mexicano. Para os agentes do governo, os movimentos de esquerda estavam automaticamente ligados à ideologia comunista. Carlos Monsiváis afirma que durante a partir da década de 1940, além dos mecanismos de controles que já eram utilizados pelo governo mexicano, o fator histórico da Guerra Fria influenciou a maneira de agir do Estado. Propagandeando a teoria da conspiração, os Estados Unidos provocaram o medo e a paranoia em países do Ocidente, além de conseguir o alinhamento político dos mesmos. A isto se soma a ofensiva política e policial do governo mexicano em relação à esquerda. “En México la campaña, particularmente eficaz, usa del cine, de las negativas de visa para entrar a Estados Unidos, de los artículos, de los sermones parroquiales.” In. MONSIVÁIS, Carlos. El 68: La tradición de la resistência. México: Ed. Era, 2008. Pp. 46

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Durante a década de 1960, camponeses, estudantes, líderes sociais independentes e

integrantes de movimentos insurgentes foram considerados inimigos em potencial pelo

Estado. Para combater este tipo de perigo desaparições forçadas, torturas e execuções ilegais

foram estratégias sistemáticas empregadas pelas forças do Estado. Dos massacres estudantis

que ocorreram em 1968 e 1971, ao fim da guerra suja, existe uma convergência entre as

violações dos direitos humanos e a impunidade. Ou seja, esse foi o caráter dos governos de

Gustavo Díaz Ordáz (1964-1970), Luiz Echeverría Álvarez (1970-1976) e José López Portillo

(1976-1982). As medidas repressivas aplicadas para reprimir os movimentos de oposição

incluíram o cárcere ilegal, a inclusão do Exército em questões de segurança civil e a atuação

da extinta Direção Federal de Segurança (DFS)10. Os governos que sucederam López Portillo

não se preocuparam em combater essas práticas.

O contexto aqui considerado é marcado pela violência contra os movimentos estudantil de

1968 e de 1971 e pelo combate às guerrilhas urbanas da década de 1970 e 1980. Sobre o

primeiro caso vale ressaltar que o movimento estudantil se desenvolveu entre os meses de

julho e outubro de 1968. Logo no começo, a Cidade do México foi palco de manifestações

grandiosas encabeçadas pelo Conselho Nacional de Greve e com o apoio de setores da

sociedade civil. As duas principais instituições estudantis, Universidade Nacional Autônoma

do México e Instituto Politécnico Nacional, coordenaram a greve e tiveram seus recintos

invadidos pelo exército no mês de setembro. Além de mobilizar grande parte dos estudantes

das universidades mexicanas, o movimento ainda contou com o apoio do Reitor da UNAM,

Javier Barros Sierra e sua pauta de reivindicações girava em torno da democratização do

Estado11. O episódio mais emblemático desses dias aconteceu em 2 de outubro. Enquanto

10 Criada em 1947, no governo de Miguel Alemán Valdés, e extinta em 1985, o principal objetivo da DFS era garantir a estabilidade política dos governos revolucionários e eliminar qualquer influência da esquerda. Segundo Sergio Aguayo, as atividades desempenhadas pela Direção se referiam à segurança e ao controle da dissidência. Além disso, os serviços de inteligência do estado mexicano eram desempenhados pelos membros da DFS em conjunto com a Dirección General de Investigaciones Politicas y Sociales de la Secretaria de Gobernación (DGIPS), criada em 1942. Além disso, a Dirección Federal de Seguridad e o Exército serviram de estrutura para a integração de um grupo especial anti-guerrilha. De acordo com o Informe “Compromisos quebrantados, justicia aplazada”: “La “Brigada Especial o Brigada Blanca”, perteneciente a la Secretaría de Gobernación, estuvo integrada por elementos del Ejército Mexicano -aunque esto es omitido por la CNDH-, policías judiciales federales, policías judiciales estatales e incluso elementos de las policías municipales. Sus agentes fueron capacitados y entrenados para combatir grupos armados”. Véase AGUAYO, Sergio, La charola: una historia de los cuerpos de inteligencia en México, Grijalbo, 2001. 11 Os pontos de reivindicação dos participantes do movimento foram discutidos e formalizados num pieglo petitorio, uma petição que correspondia às principais demandas e que continha seis pontos: 1. Destituição do corpo de granaderos e da polícia metropolitana. 2. Destituição de chefes de polícia, militares e demais responsáveis pelo comando de repressões e violência sobre os estudantes e demais manifestantes. 3. Indenizações pelos estudantes mortos e feridos. 4. Revogação dos artigos 145 e 145 bis, que regulamentavam e propunham penas aos delitos de dissolução social. 5. Responsabilização dos culpados pelas prisões e mortes. 6. Liberdade aos presos políticos, encarcerados a partir de 26 de Julho de 1968. Sobre a petição ver: RAMÍREZ,

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estavam reunidos na Praça das Três Culturas, no bairro de Tlatelolco, os estudantes foram

surpreendidos por uma operação na qual as forças do exército, do corpo policial de

granadeiros, do Estado Maior (polícia presidencial) e do Batalhão Olímpia foram mobilizadas

para conter o movimento. O tiroteio estrategicamente planejado pelas forças oficiais resultou

em um número de aproximadamente 40 mortes, cifra oficialmente reconhecida pelo

presidente Luis Echeverría12. Durante aquele período, os líderes do CNG foram presos e só

receberam anistia em 1971.

Foi nesse ano também que aconteceu o segundo massacre ao movimento estudantil. O

episódio, que ficou conhecido como Jueves de Corpus, foi uma estratégia do Estado para

conter uma manifestação estudantil no dia 10 de junho daquele mês. Os estudantes se

reuniram para protestar em apoio à greve estudantil da Universidad de Nuevo León, que

passava por um momento de crise e reivindicava autonomia universitária, bem como a

aprovação de uma Lei Orgânica que fosse condizente com os interesses dos estudantes e dos

professores. Organizado pelo Comitê Coordenador de Comitês de Luta (CoCo), o protesto na

Cidade do México também serviria para chamar a atenção das autoridades para o problema da

educação nas universidades. O grupo paramilitar Los Halcones foi responsável pela operação

que freou os estudantes. Durante o ataque morreram mais de 50 estudantes13. Criado e

mantido pelo estado, esse grupo paramilitar já tinha sido responsável por outros ataques

contra movimentos sociais e de esquerda. Segundo Gilberto Guevara Niebla, os membros do

Los Halcones foram recrutados pelo coronel Díaz Escobar, colaborador do Gral. Alfonso

Corona del Rosal, que tinha operado vários ataques contra manifestações em 1968. Os jovens

que integravam esse grupo paramilitar provinham de zonas urbanas marginalizadas e pobres.

Em troca de aprender golpes e o manuseio de armas, eram pagos pelo Estado com salários e

benefícios, podendo ascender socialmente. A lógica do governo era, então, reprimir o povo

com o próprio povo14.

De acordo com a leitura de Gilberto Guevara Niebla, o Jueves de Corpus foi o golpe

definitivo contra os estudantes15. O que não foram presos e que continuavam se mobilizando

entenderam que as vias legais para a associação e a reivindicação de um Estado de direito

RAMÓN El movimiento estudiantil de México: Julio-diciembre de 1968. México: Ed. Era, 1969, TOMO II, documentos. Ver também: ZERMEÑO, SERGIO. México, una democracia utópica: el movimiento estudiantil del 68. México: Siglo XXI Editores, 1978. 12 AGUAYO, Sergio. 1968 Los Archivos de la Violencia. Grijalbo: 1998. 13 O número é apontado em: NIEBLA, Gilberto Guevara.1968 largo camino a la democracia. México: Cal y Arena, 2008. 14 NIEBLA, Gilberto Guevara.1968 largo camino a la democracia. México: Cal y Arena, 2008. 15 Idem, idibem.

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estavam fechadas. A partir desse momento, surgiram as primeiras organizações radicalizadas

na Cidade do México. Além disso, é nesse momento em que as novas organizações rechaçam

o modelo de luta do Conselho Nacional de Greve: aqueles que insistissem na luta pela via

legal e pacífica eram estigmatizados como pequenos burgueses e contra revolucionários.

Em seu livro El Fuego y el silencio, Adella Cedilo trata do surgimento da guerrilha urbana

e rural pós 196816. Considerando a criação e a formação das Fuezas de Liberación Nacional

(FLN) – que depois originaram o Exército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) – a

autora aponta que a recuperação da memoria e da história do movimento armado socialista

mexicano é importante porque se trata do único fenômeno armado na América Latina que não

foi criado a partir de uma ditadura militar e não recebeu financiamento nem ajuda substantiva

de país estrangeiro. Além disso, entender a conjugação desses movimentos armados da

década de 1970 e 1980, revelam as estratégias governamentais de combate e repressão.

De acordo com uma recomendação emitida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos,

foi entre essas duas décadas que os agentes do Estado cometeram o emprego sistemático de

desaparição forçada de pessoas consideradas subversivas17. Devido ao emprego dessa

estratégia sistemática, existem 308 casos de pessoas desaparecidas na zona rural,

principalmente no estado de Guerrero e 174 casos de desaparecimentos na zona urbana. A

CNDH ainda ressalta para o caráter violento da prisão dessas pessoas. Tortura, lesões físicas,

psicológicas, morais, violações sexuais e desrespeito à dignidade humana são algumas das

características apontas pela CNDH e que estiveram presentes nas ações dos agentes do Estado

contra membros de organizações de esquerda e de luta social.

É a respeito desses crimes que o Estado mexicano cometeu entre as décadas de 1960 e

1980, que as vítimas e seus familiares, juntamente com organizações de direitos humanos tem

mantido, por anos, as exigências por justiça, verdade e reparação. Tais exposições geraram

inúmeras discussões sobre o grau comprometimento do Estado mexicano em investigar e

punir os crimes do passado. Nesse contexto, o Comité 68 e a Femospp são exemplos de

iniciativas que surgiram a partir das necessidades de justiça, verdade e reparação, no que diz

respeito às violações aos direitos humanos cometidas pelo estado no passado.

A criação da Femospp: virada democrática ou estratégia política?

16 CEDILLO, Adela. El Fuego y el silenco: Historias de la FPL. In. Série “México: Genocidio y delitos de Lesa Humanidad. Documentos Fundamentales (1968-2008). México: Comité 68, 2008. Tomo VIII. 17 A recomendação está publicada integralmente em: http://www.cndh.org.mx/Recomendaciones_1990_2012 (verificado em setembro de 2012)

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Para se realizar uma discussão sobre os contornos da Femospp precisamos considerar as

atividades desenvolvidas primeiramente pela Comisión Nacional de Derechos Humanos

(CNDH). Criada em 6 de junho de 1990, a CNDH se constituiu como um organismo

descentralizado da Secretaria de Governo – órgão público que até então tinha gerenciado o

funcionamento de iniciativas oficiais ligadas aos direitos humanos como a Dirección General

de Derechos Humanos, criada em 1989. Em 1992, a CNDH foi elevada a órgão nacional, com

personalidade jurídica e patrimônio próprios, criando assim o chamado Sistema Nacional No

Jurisdiccional de Protección de los Derechos Humanos. Finalmente, por meio de uma

reforma constitucional, o organismo se constituiu numa instituição com plena autonomia de

gestão, em 199918.

A conexão entre a CNDH e o surgimento da Femospp se deu pelo fato de que em 1999 se

realizou um balanço das ações desenvolvidas pela Comissão em torno do Programa Especial

sobre Presuntos Desaparecidos1 9 . O resultado das avaliações estabeleceu a necessidade de se

trabalhar nas investigações e dar à sociedade uma resposta baseada no direito à verdade sobre

as denúncias apresentadas. Assim, encaminhou-se ao chefe do Poder Executivo, Vicente Fox,

a recomendação 26/200120, “através da qual se solicitou o compromisso ético e político do

governo federal para orientar o desempenho das instituições do governo, dentro do marco dos

direitos humanos reconhecidos e garantidos pela ordem jurídica mexicana, a fim de evitar,

através de todos os meios legais existentes, que se repitam os acontecidos nas décadas de

1970 e 198021”.

Em 27 de novembro de 2001 o presidente do México criou a Fiscalía Especial para la

atención de hechos probablemente constitutivos de delitos federales cometidos directa o

indirectamente por servidores públicos en contra de personas vinculadas con movimientos

18 Portal Oficial da Comisión Nacional de los Derechos Humanos: http://www.cndh.org.mx/ (verificado em setembro de 2012) 19 No Informe intitulado Informe Especial sobre las quejas en materia de desapariciones forzadas ocurridas en la decada de los 70 y principios de los 80, a CNDH afirma que: “ha examinado los elementos contenidos en los expedientes relativos a los 532 casos de personas incluidas en las quejas presentadas en materia de desapariciones forzadas ocurridas en la década de los 70 y principios de los 80 del siglo XX. Por la importancia y gravedad del caso, presenta a la opinión pública el presente Informe Especial, en el cual se detalla: presentación, antecedentes y entorno, acciones, metodología, obstáculos, casos específicos, logros y resultados en el proceso de investigación sobre el tema de las personas denunciadas como víctimas de la desaparición forzada en el periodo mencionado”. O Informe está publicado integralmente no link: http://www.cndh.org.mx/Informes_Especiales (verificado em setembro de 2012). 20 A recomendação está publicada integralmente em: http://www.cndh.org.mx/Recomendaciones_1990_2012 (verificado em setembro de 2012) 21 GUAJARDO, Elia Patricia Neri. “México”. In. AMBOS, Kai, MALARINO, Ezequiel y ELSNER, Gisela (editores). Justicia de transición. Informes de América, Alemania, Italia y España. Uruguay: Fundación Konrad-Adenauer, 2009. Pp 330.

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sociales y políticos del pasado. Vicente Fox também instruiu a criação de um Comité

Ciudadano de Apoyo para contribuir nas investigações. O passo seguinte foi dado em janeiro

de 2002, pelo Procurador Geral da República Rafael Macedo de la Concha, que através do

acordo A/01/02, nomeou o Dr. Ignacio Carrillo Prieto como Fiscal Especial22.

A Femospp pode ser compreendida como a resposta institucional ao legado de crimes e

violações aos direitos humanos cometidos por agentes do Estado no período da guerra suja.

Entretanto, a própria criação desse órgão aconteceu a partir de múltiplos debates em torno da

conveniência de se conformar uma Comissão da Verdade23. Isso porque os envolvidos na luta

pelos direitos humanos alegaram que uma agência subordinada ao Ministério Público

dificilmente poderia ser um mecanismo idôneo. Dessa forma, podemos localizar o debate

acerca dos trabalhos desenvolvidos pela Femospp que acontece a partir das críticas realizadas

pelos organismos de direitos humanos24.

Segundo o diretor do Centro de Direitos Humanos Miguel Augustín Pro Juarez (Centro

Prodh), Luiz Arriaga Valenzuela, os membros da organização já apontavam para algumas

limitações desde o início das atividades da Femospp. Atentou-se, por exemplo, para o fato que

a nomeação do fiscal responsável por parte do Procurador Geral da República, dificultava o

reconhecimento da ação por parte dos atores envolvidos. Além disso, criticou-se a

subordinação da Femospp à PGR, dirigida em 2001 pelo General Rafael Macedo de la

Concha, que na condição de militar causava desconfiança em muitos dos envolvidos na luta

pelos direitos humanos. A ambiguidade do mandato do Procurador da República; a falta de

embasamento teórico nas premissas internacionais sobre os direitos humanos, a falta de

capacitação profissional e a falta de uma interdisciplinaridade para o andamento das

investigações, também foram algumas críticas apontadas pelo Centro Prodh25. Entretanto, a

via aberta pelo Estado foi utilizada e aproximadamente 300 denuncias de violações aos

direitos humanos foram feitas durante a vigência da Femospp.

Os organismos envolvidos na criação do Informe Esclarecimiento y sanción a los delitos

del pasado en el sexenio 2000 – 2006: compromisos quebrantados y justicia aplazada, 22 “Denuncia y critérios del Comité 68: Las imputaciones a los genocidios.” Serie México: Genocidio y delitos de lesa humanidad: Documentos fundamentales (1968-2008). Comité 68 Pró Libertades Democráticas. México, 2008. Anexo 10, pp. 137. 23 Ver: “El debate sobre una Comisión de la Verdad o la creación de una Fiscalía Especial”. In. Denuncia y criterios del Comité 68. Série “México: Genocidio y delitos de Lesa Humanidad. Documentos Fundamentales (1968-2008). México: Comité 68, 2008. Tomo IV. 24 GUAJARDO, Elia Patricia Neri. “México”. In. AMBOS, Kai, MALARINO, Ezequiel y ELSNER, Gisela (editores). Justicia de transición. Informes de América, Alemania, Italia y España. Uruguay: Fundación Konrad-Adenauer, 2009. Pp 330. 25 VALENZUELA, Luis Arriaga. “Crímenes de Estado y derechos humanos en México.” In. Revista El Cotidiano, n. 150. Julio-Agosto de 2008, ano 23.

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apontam para as contradições no modelo de tal instituição26. O informe reafirma a postura

dupla e contraditória do Fiscal Ignacio Carrillo Prieto e aponta que o compromisso

presidencial com a investigação dos casos de violação de direitos humanos foi desaparecendo,

pouco a pouco, após sua eleição27. A avaliação do período de mandato de Vicente Fox, revela

que houve retrocessos e avanços no executivo, no legislativo e no judiciário em relação ao

tema dos direitos humanos. Isso significa que os delitos cometidos no passado devem ser

compreendidos dentro de uma estrutura governamental ampla, ou seja, como ações que por

sua natureza e características envolvem uma responsabilidade que vai mais além de um

mandato presidencial ou do âmbito individual de cada um dos envolvidos. Para essas

organizações, portanto, faltou pensar nos crimes enquanto ações realizadas dentro de um

conjunto de estratégias sistemáticas de repressão que deveriam promover responsabilizações

também no conjunto dos envolvidos. “Nossa prática permitiu constatar que a experiência de

trabalho com a Femospp foi distinta e isso explica a existência de uma hierarquia para a

realização dos trabalhos. No que todas as organizações coincidem é que o direito à verdade e

à justiça ainda estão longe de serem satisfeitos28.”

Os resultados da Femospp foram divulgados em um Informe Histórico à Nação Mexicana,

em 200629. Elia Patricia Guajardo observa que a narrativa histórica do Informe é geral e

insuficiente para contextualizar o conjunto de ações repressivas realizadas pelo Estado no

26 O informe Esclarecimiento y sanción a los delitos del pasado en el sexenio 2000 – 2006: compromisos quebrantados y justicia aplazada foi produzido e divulgado por: Comité 68 Pró Libertades Democráticas A.C; a Asociación de Familiares de Detenidos y Víctimas de Violaciones a Derechos Humanos (AFADEM); Fundación Diego Lucero A.C.; Comité de Madres de Desaparecidos Políticos de Chihuahua; Hijos e Hijas Nacidos de la Tempestad; Red Nacional de Organismos Civiles de Derechos Humanos Todos los Derechos para Todas y Todos; Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos A.C.; Centro de Derechos Humanos Miguél Agustín Pró Juárez A.C. Disponível em versão digital pelo link: http://www.amdh.org.mx/mujeres3/biblioteca/Doc_basicos/5_biblioteca_virtual/9_informes/ONG/49.pdf (verificado em 28 de setembro de 2012). 27 Essa crítica é baseada no conteúdo de campanha de Vicente Fox que se comprometeu em criar algum mecanismo que pudesse investigar e puder os agentes do Estado que cometeram crimes contra os direitos humanos no passado. Tal comprometimento é ressaltado no discurso de posse do novo presidente: “Ninguna relación con el pasado es saludable si no está fincada en la verdad. Sin sustituir a las instancias de procuración e impartición de justicia, me propongo abrir lo que ha permanecido cerrado en episodios sensibles de nuestra historia reciente e investigar lo que no ha sido resuelto, mediante una instancia que atienda los reclamos por la verdad de la mayoría de los mexicanos [...]. No habrá piadoso olvido para quienes delinquieron; tampoco habrá tolerancia para quienes pretendan continuar con privilegios hoy inaceptables.” Discurso de posse do Presidente Constitucional do México, Vicente Fox Quesada, 1° de dezembro de 2000, portal da Presidência da República: http://www.presidencia.gob.mx/ (verificado em setembro de 2012) 28 Esclarecimiento y sanción a los delitos del pasado en el sexenio 2000 – 2006: compromisos quebrantados y justicia aplazada. Pp. 3. . Disponível em versão digital pelo link: http://www.amdh.org.mx/mujeres3/biblioteca/Doc_basicos/5_biblioteca_virtual/9_informes/ONG/49.pdf (verificado em 28 de setembro de 2012). 29 Fiscalía Especial Para Movimientos Políticos Del Pasado. Informe Histórico Presentado A La Sociedad Mexicana. Série. “México: Genocidio y delitos de lesa humanidad: Documentos fundamentales (1968-2008)”.. México: Comité 68 Pró Libertades Democráticas, 2008. Tomo IX.

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período considerado. Além disso, a autora afirma que a descrição dos casos é escassa para que

possam auxiliar nas investigações jurídicas30. Um dos principais problemas da investigação é

em relação à adoção das leis internacionais sobre os diversos assuntos dos direitos humanos.

No caso dos delitos verificados principalmente no contexto da guerra suja, como o genocídio,

a tortura e a desaparição forçada de pessoas, a competência de julgá-los é do Tribunal Penal

Internacional. Entretanto, como o Estatuto de Roma31, que rege as normas do TPI só foi

ratificado no México em 2005 e pelo caráter não retroativo das normas previstas no estatuto –

ou seja, as leis só podem ser aplicáveis a casos considerados após a sua ratificação – a Corte

Penal Internacional não conheceu tais crimes, inclusive os de desaparecimento forçada,

contrariando o seu caráter de delito contínuo e permanente32.

Existe ainda a crítica sobre a criação da Femospp enquanto estratégia do governo do

Partido de la Acción Nacional (PAN) para se firmar enquanto partido democrático, já que a

eleição de Vicente Fox em 2000 rompeu com mais de sete décadas de domínio do Partido

Revolucionário Institucional. Segundo Luis Arriaga Valenzuela a criação da Fiscalía se

localizou dentro de um contexto específico de mudança política no México. A chamada

“transição mexicana” deveria incorporar na sua agenda a prestação de contas com relação aos

crimes do passado33. Para que o novo governo fosse legitimado, Vicente Fox deveria mostrar

seu comprometimento e atenção com os crimes do passado. Entretanto, as pretensões iniciais

não garantiram resultados promissores. Para o autor, o principal problema foi a distância entre

o trabalho desempenhado pela Fiscalía e a experiência de atores que já estavam envolvidos

com o tema dos direitos humanos.

Entre éstas señalamos la necesidad de conservar una Fiscalía Especial para la

investigación de estos delitos –previa evaluación y perfeccionamiento de lo realizado

hasta entonces por la Femospp– y la creación de una comisión de esclarecimiento

histórico capaz de sentar las bases para el reconocimiento público de la

30 É importante ressaltar que serão considerados por esta pesquisa, a fim de que possam ser melhores entendidas as atividades realizadas no âmbito da Femospp, os textos que regem as leis internacionais sobre direitos humanos. São eles: Convenção Interamericana sobre Desaparição Forçada de Pessoas (ratificada no México em 4 de maio de 2001); Convenção Americana para Previnir e Sancionar a Tortura (ratificada no México em 22 de junho de 1987) e Convenção para Prevenção e Sanção do crime de genocídio (ratificada no México em 11 de outubro de 1952). Todos os textos podem ser consultados em: http://cndh.org.mx/Instrumentos_Internacionales_Derechos_Humanos (verificado em setembro de 2012) 31 O Estatuto de Roma está disponível em: http://untreaty.un.org/cod/icc/statute/spanish/rome_statute(s).pdf 32 GUAJARDO, Elia Patricia Neri. “México”. In. AMBOS, Kai, MALARINO, Ezequiel y ELSNER, Gisela (editores). Justicia de transición. Informes de América, Alemania, Italia y España. Uruguay: Fundación Konrad-Adenauer, 2009. 33 VALENZUELA, Luis Arriaga. “Crímenes de Estado y derechos humanos en México.” In. Revista El Cotidiano, n. 150. Julio-Agosto de 2008, ano 23.

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responsabilidad del Estado por las violaciones a los derechos humanos cometidas en

el pasado.3 4

O Fiscal Especial, Ignacio Carrillo Prieto, no entanto, insistiu na necessidade do

funcionamento e na legitimidade das ações promovidas pela Femospp. Para ele, o plano de

trabalho assumiu as disposições legais que o conformaram e as obrigações éticas que

presidiram as tarefas da justiça. O Fiscal defendeu que, apesar do Procurador Geral da

República ter sido outorgado com plena autoridade de nomear um Fiscal Especial, ele

também foi orientado a conformar um Comitê de Apoio composto por cidadãos de

reconhecido prestígio e experiência, tanto na área jurídica, quanto na defesa dos direitos

humanos. Dessa forma, a atuação do Comitê de Apoio com a o Fiscal Especial, conformaria o

trabalho em conjunto entre diferentes setores da sociedade35.

O desaparecimento da Femospp, em 2006, também é considerado por alguns críticos

como o resultado da falta de atenção do Estado para com os compromissos assumidos

anteriormente. Na visão dos ex-líderes do movimento estudantil de 1968, José Revueltas,

Raúl Álvarez Garín e Eduardo Valle Espinoza, a outorga de plenos poderes para que o

Procurador Geral da República definisse as atividades realizadas pela Femospp, permitiu

também que ela fosse encerrada. Em 2006, o Procurador Daniel Cabeza de Vaca, recusou a

renovação da nomeação de Ignacio Carrillo Prieto como Fiscal Especial; tal atitude levou ao

fechamento ilegal da Fiscalía e a suspensão de investigações que estavam em andamento.

Sobre a publicação do informe que sucedeu a suspensão dos trabalhos da Femospp, os autores

afirmam que a elaboração do texto não contou com o grupo de investigadores que

inicialmente foram encarregados de tal trabalho. Não obstante, Garín, Espinoza e Revueltas,

sublinham que o desaparecimento ilegal da Femospp foi um ataque ao direito das pessoas de

conhecerem a verdade e terem acesso à justiça.

La existencia de la fiscalía permite que el compromiso del Estado sea acatado

y que, consecuentemente, la Recomendación de la CNDH sea cumplida en forma

plena y íntegra. Por lo tanto, el restablecimiento de la Femospp es indispensable,

porque represente un valor agregado; implica un beneficio tangible resultante de la

planeación, organización, coordinación y manejo armónico de los asuntos bajo su

34 VALENZUELA, Luis Arriaga. “Crímenes de Estado y derechos humanos en México.” In. Revista El Cotidiano, n. 150. Julio-Agosto de 2008, ano 23. Pp.60 35PRIETO, Ignácio Carrillo. “La creación y el labor de la Fiscalía Especial”. In Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal; Asociación para la Prevención de la tortura (Suiza); Centro de Derechos Humanos “Miguel Agustín Pro Juárez” (México); Corporación de Promoción y Defensa de los Derechos del Pueblo (Chile) (Orgs); Memoria do “Seminario internacional Comisiones de la verdad: Tortura, reparación y prevención.”e “Foro público Comisiones de la verdad: Perspectivas y alcances El caso de México.México: 2004. Digitalizado em: http://es.scribd.com/doc/19375070/Comisiones-de-La-Verdad (verificado em 28/09/2012)

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férula; igualmente, permite que se aproveche el enorme capital humano, el importante

acervo de conocimientos y experiencias adquiridas en un tema sumamente complejo y

poco explorado en México, como lo es la investigación de los crímenes de lesa

humanidad3 6 .

O principal resultado da Femospp foi a prisão domiciliar do ex-presidente Luis

Echeverría pelo crime de genocídio cometido em 1968. Quanto aos outros crimes e a

responsabilidade de membros do exército e da polícia pelo desaparecimento de pessoas,

assassinatos, tortura e crimes contra os direitos humanos, as investigações em curso foram

interrompidas juntamente com o fechamento da Fiscalía. O foco da Femospp na

responsabilização de um culpado principal, a exemplo do caso de Echeverría, além de não

trazer resultados concretos e não penalizar devidamente outros envolvidos nas violências do

período considerado pela instituição, afirmou o descaso com as políticas de memória,

reparação simbólica e promoção do “nunca mais” na sociedade mexicana. Ou seja, se a

urgência por penalizar um possível culpado dos crimes cometidos durante o período da

“guerra suja” centralizou todos os esforços dos trabalhos realizados pelos investigadores e

membros da Femospp, não houve concentração de esforços ou preocupação com as ações que

pudessem contribuir para a ativação da memória, para a luta contra o esquecimento, para a

promoção do “nunca mais”, para o avanço de uma cultura e de uma educação voltadas para os

direitos humanos. A Femospp, enquanto política pública de memória do governo de Vicente

Fox foi incapaz de atender às demandas sociais por verdade e justiça, bem como estabelecer

uma narrativa histórica a partir das investigações realizadas. A interrupção das atividades da

Fiscalía em 2006 impediu o esclarecimento do passado e não criou condições para que se

estabelecesse a responsabilização dos culpados, a reparação das vítimas e um discurso da

memória.

Comité 68 Pro Libertades Democraticas: sociedade civil e reparação.

Idealizado por ex-presos políticos e membros do Conselho Nacional de Greve –

organização representativa do movimento estudantil de 1968 – o Comité 68 Pro Libertades

Democráticas nasceu durante no marco do X aniversário dos acontecimentos de Tlatelolco,

em 2 de outubro de 1978. Desde esta data, o Comité promove ações sobre a memória histórica

36 GARÍN, Raul Alvarez; REVUELTAS, José & ESPINOZA, Eduardo Valle. Procesos inconclusos, deslinde de responsabilidades. Un preámbulo a juicios internacionales. In. Comité 68 Pro Libertades Democráticas A.C. Série “México: Genocidio y delitos de lesa humanidad. Documentos Fundamentales 1968-2008”. México, 2008. Tomo V; pp. 31.

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do Massacre de 1968, mas também encabeça iniciativas jurídicas e políticas, em instituições

nacionais e internacionais, em busca de responsabilizações aos agentes do Estado e do

exército que cometeram violações aos direitos humanos no passado. As funções

desempenhadas pelo Comité giram em torno da denuncia, gestão e defesa frente a instituições

como a Suprema Corte de Justiça do México, a Procuradoria Geral da República e a

Secretaria de Governo. Além disso, no período de funcionamento da Femospp, os integrantes

do Comité 68 acompanharam as ações realizadas pela Oficina do Fiscal Especial Carrillo

Prieto, fomentando as investigações sobre o Massacre de 1968 e o movimento estudantil de

10 de junho de 1971.

Os representantes principais do Comité 68 são Raúl Álvarez Garín, que estudou

matemática no Instituto Politécnico Nacional na década de 1960 e era representante frente ao

Conselho Nacional de Greve no movimento estudantil de 1968; e Félix Hernández Gamundi,

que foi estudante da Escola de Engenharia do IPN e também membro do CNG. Ambos foram

presos naquela época, tendo recebido a anistia somente em 1971. De acordo com a leitura de

Eugenia Allier Montaño, o contexto no qual nasceu o Comité 68 foi palco de uma série de

iniciativas de ex-participantes do movimento estudantil que anteriormente tinham se calado

diante da repressão do Estado ou que estavam presos, e começaram a levar a público suas

vozes sobre a violência. Para a autora, os anos que vão de 1978 até 1985, representam o

período em que a memória sobre 1968 encontrou nessas novas organizações e atores o espaço

para rememorar o passado37.

A criação do Comité 68 coincide com o governo de Luiz Lopes Portillo (PRI) e com as

reformas políticas de 1977. Segundo Eugenia Allier Montaño, essas mudanças foram

responsáveis por reconhecer os partidos políticos como entidades de interesse popular. Dessa

forma, o Partido Comunista Mexicano – ao qual vários líderes de 1968 eram ligados – saiu da

ilegalidade. As comemorações de Tlatelolco em 1978 foram, portanto, parte das iniciativas de

entidades sociais e partidos de esquerda que encontraram meios de atuação. Nesse sentido, a

comemoração dos dez anos do Massacre de Tlatelolco se tornou um espaço propício para o

surgimento de demandas sociais3 8 .

37 MONTAÑO; Eugenia Allier. “Presentes-pasados del 68 mexicano. Una historización de las memorias públicas del movimiento estudiantil, 1968-2007”. Revista Mexicana de Sociologia, 71, n.02 (abril-junho, 2009). 38 “Por último, y como protagonistas principales, pues son las que tienen entre sus mandatos permanentes luchar por reparar los daños del pasado, las asociaciones de “afectados directos” (familiares de víctimas o personas que sufrieron la represión): el Comité 68 Pro Libertades Democráticas (conformado el 2 de octubre de 1978 por actores del movimiento estudiantil) y aquellos grupos que no estando directamente ligados al 68 unen sus fuerzas con los anteriores porque comparten el objetivo de denunciar la represión (el Comité Nacional pro Defensa de

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Sobre a construção da memória de 1968, o Comité esteve envolvido, por exemplo, na

criação do Monumento em homenagem aos mortos na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco,

no dia 2 de outubro de 1993. Inaugurado depois de 25 anos do Massacre, a Estela de

Tlatelolco contém 20 nomes de pessoas homenageadas e fez parte de uma manifestação

encabeçada por ex-líderes de 1968 na qual se pediu por justiça, verdade e responsabilização

dos culpados39.

No que diz respeito as demandas por reparação das vítimas, a organização também atua,

desde seu nascimento, com denúncias junto aos órgãos de defesa de Direitos Humanos no

México. Em 1998, os membros do Comité 68 fizeram uma denuncia coletiva sobre as

violências que sofreram no dia 2 de outubro de 1968, junto à Procuradoria Geral da

República. No texto, os denunciantes classificam o massacre de 1968 como genocídio e

apontam para a ilegalidade dos processos judiciais que sofreram por parte do Estado enquanto

estiveram presos40. Além disso, afirma-se que os funcionários do governo federal em 1968,

violaram reiteradamente alguns dos direitos fundamentais e fizeram nulos outros como a

liberdade de expressão, o direito à petição, as liberdades de reunião e associação, a liberdade

de ir e vir, o direito à integridade corporal e a inviolabilidade de domicílio41. O documento

apresenta nomes de pessoas assassinadas no Massacre de 1968, bem como possíveis

responsáveis – tanto agentes do Estado, como membros do exército. Primeiramente rejeitada

pela PGR, a denúncia foi protegida pela Suprema Corte de Justiça Mexicana e também pela

Comissão Nacional dos Direitos Humanos. Pode-se considerar que tal denuncia auxiliou na

criação da Femospp, já que ela também foi argumento para a recomendação emitida pela

CNDH em 2000.

Sobre os trabalhos desenvolvidos no âmbito da Femospp, o Comité 68, enquanto

organização civil, possui uma leitura bastante crítica. Após o final do mandato de Vicente Fox

em 2006, o Comité 68 em parceria com outras entidades civis que lutam pelos direitos

humanos no México, emitiram um Informe que realizava um balanço das iniciativas e dos

Presos, Perseguidos Desaparecidos y Exiliados Políticos, fundado en 1977 y que desde 1984 es conocido como Comité ¡Eureka!,24 y el Frente Nacional Contra la Represión, creado en 1979 por más de 54 organizaciones”. In. MONTAÑO; Eugenia Allier. “Presentes-pasados del 68 mexicano. Una historización de las memorias públicas del movimiento estudiantil, 1968-2007”. Revista Mexicana de Sociologia, 71, n.02 (abril-junho, 2009). Pp.298. 39 GARÍN, Raúl Alvarez. La estela de Tlatelolco: una reconstrucción historica del movimiento estudiantil de 68. México: Itaca, 1998. 40 Os denunciantes foram: Raul Álvarez Garín, Roberto Escudero, Félix Lucio Hernández Gamundi, Cesar Tirado, José Gilberto Pineiro Guzman, Roberto Vazquez Camarena e Javier Ramos Rodriguez. 41 Comité 68. Denuncia y critérios del Comité 68. Las imputaciones a los genocidas. Série “México: Genocídio y delitos de lesa humanidad. Documentos Fundamentales 1968-2008.” Tomo IV. México: 2008.

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resultados conquistados em relação a este tema. Segundo os membros dessas associações, no

que diz respeito à reparação das vítimas, as ações da Femospp e também de outras políticas

públicas ligadas à defesa dos direitos humanos, não foram capazes de satisfazer as demandas

sociais de responsabilização, justiça e verdade42. Sobre as investigações dos casos de pessoas

desaparecidas, o Informe indica a falta de organização nos trabalhos técnicos de coleta,

análise e organização da documentação recolhida no âmbito da Femospp.

Desde la experiencia de las organizaciones que elaboramos este informe, varios

han sido los obstáculos enfrentados durante la integración de las indagatorias. Por

una parte, la mayoría de las pruebas han tenido que ser ofrecidas y

presentadas por los propios familiares o denunciantes: la pro-actividad de la

autoridad ministerial ha sido nula, incipiente o poco efectiva. La mayoría de los

agentes ministeriales se han limitado a la recepción y el desahogo de pruebas

ofrecidas por los coadyuvantes, dejando el impulso procesal y la carga probatoria

a los familiares y representantes de las víctimas. Por otro lado, la FEMOSPP no

ha logrado avances sustantivos para ubicar el paradero de las personas

desaparecidas, y en muchas ocasiones los resultados de sus investigaciones

ministeriales son pobres; por ejemplo, en ocasiones han presentado como un

logro la solicitud de actas de nacimiento o de defunción en los municipios del Estado

de residencia de alguno de los desaparecidos.4 3

A última grande iniciativa do Comité 68 foi a publicação de uma série de livros sobre

o período de 1968 até 2008. Nos dez tomos que compõem a série foram compilados

documentos de denúncias, escritas as especificações dos critérios e dos marcos jurídicos

internacionais e nacionais nos quais se apoiam as denúncias realizadas pelo Comité, análises

sobre o movimento estudantil de 1968 e de 1971, bem como sobre o surgimento das

guerrilhas urbanas na década de 1970. Dentre os livros, está também um que reproduz

integralmente o Informe à Nação Mexicana publicado pela Femospp em 200644.

Conclusão: políticas de memória e construção da democracia.

42 Comité 68, Centro Prodh (Orgs). [et.al.]. Esclarecimiento y sanción a los delitos del pasado en el sexenio 2000 – 2006: Compromisos quebrantados y justicia aplazada. Disponível em: http://www.amdh.org.mx/mujeres3/biblioteca/Doc_basicos/5_biblioteca_virtual/9_informes/ONG/49.pdf (verificado em 28 de setembro de 2012). 43 Idem, ibidem. Pp. 27 44 Comité 68. Série México: Genocidio y delitos de lesa humanidad. Documentos Fundamentales 1968-2008. X Tomos. México: 2008.

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A idealização do Comité 68 e a constituição da Femospp devem ser situados em

distintos momentos mas que refletem a necessidade de se construir uma nova ordem

democrática no México contemporâneo. Se em 1978, os líderes do Comité 68 ainda

enfrentavam obstáculos e não possuíam liberdade de ação no que diz respeito às denúncias e à

verdade sobre o passado, atualmente, eles são responsáveis por incentivar e promover, através

de suas ações, a investigação e a atenção aos casos de genocídio e violência política por parte

do estado. Diretamente, as denúncias realizadas pelos membros do Comité 68 fazem parte de

todo um leque de pressões exercidas pela sociedade civil para o Estado tome iniciativas

oficiais de justiça e reparação.

A Femospp pode ser considerada a primeira iniciativa oficial para a constituição de

uma democracia preocupada com os direitos humanos no México. Apesar de criticadas, as

ações da Fiscalía resultaram em debates que fomentaram a necessidade de se trabalhar o tema

no espaço público, nos recintos escolares e na agenda política45. Além disso, desde 2000 a

proteção aos direitos humanos ganhou novas vertentes através da maior visibilidade dada às

organizações que protegem as mulheres, os indígenas, os negros e as crianças. Soma-se a isso

a existência de secretarias especiais que cuidam dos direitos humanos a nível regional e

local46.

É impossível negar que a partir da caída do PRI, o tema dos direitos humanos foi

melhor recebido pelo governo de Vicente Fox. Estratégia política ou não, o fato é que as

organizações de luta da sociedade civil ganharam maior visibilidade e espaço de atuação.

Entretanto, é preciso considerar que, apesar dos esforços das entidades civis e da luta dos

familiares, o tema da proteção dos direitos humanos ainda é um desafio para o México, já que

pouco se fez no âmbito jurídico para se condenar os agentes que perpetuam tais violações.

Ainda hoje, assassinatos de líderes camponeses e de trabalhadores, torturas, desaparições e

violência contra mulheres e crianças são violações aos direitos humanos que acontecem em

diversas áreas do país sem que as instituições jurídicas promovam a responsabilização e a

condenação devida dos culpados. Enquanto não houver uma atuação conjunta entre

organizações da sociedade civil e os poderes Judicial, Legislativo e Executivo da nação, no

sentido de promover a responsabilização dos culpados e a reparação das vítimas e dos

familiares, uma ordem realmente democrática não poderá ser instituída.

45 http://www.derechoshumanos.gob.mx/ (verificado em 28 de setembro de 2012) 46 Um exemplo é a Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal. http://www.cdhdf.org.mx/ (verificado em 28 de setembro de 2012)

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