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III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008 III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS Alguns aspectos sobre o Contextualismo Epistemológico Tiegue Vieira Rodrigues , Cláudio De Almeida (orientador) Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, Resumo A presente pesquisa tem por objetivo: (a) expor a idéia central contida no Contextualismo Epistemológico, atualmente muito discutido no ramo da filosofia conhecido por Epistemologia Contemporânea; além de (b) mostrar, mediante análise de alguns críticos importantes, quais são as vantagens e desvantagens de assumir tal posição. Na primeira parte do texto, será exposta, com sentido introdutório à temática contextualista, uma breve discussão sobre tópicos como falibilismo e ceticismo. Na segunda parte, será analisado o que se pode chamar de origem ou “pré-história do contextualismo”, a saber, a teoria das alternativas relevantes. Na terceira parte, será exposta, propriamente, a visão contextualista em epistemologia. Na quarta e última parte, serão analisados os prós e contras de se manter tal posição, analisando algumas das principais críticas feitas a esta tese. Introdução A motivação inicial por esta pesquisa se deve ao fato de que o Contextualismo Epistêmico se apresenta, no panorama filosófico atual, com uma teoria muito atraente; isso porque ela consegue dar conta de uma série de problemas, como por exemplo, o ceticismo, além do fato de ela se adequar muito bem a outras teorias, como fundacionismo e coerentismo. Esta pesquisa intenta um maior esclarecimento desta perspectiva, bem como uma tentativa de elucidar as fraquezas e deficiências da mesma. Uma grande vantagem alegada pelos defensores de uma concepção contextualista acerca do conhecimento e da justificação diz respeito a sua resposta ao ceticismo. O ceticismo lida com argumentos radicais que pretendem inviabilizar a alegação de que muitas coisas podem ser conhecidas por nós. Apresentado de forma geral, o ceticismo, também conhecido como global, é a visão que declara a nossa impossibilidade de afirmar que temos

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III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008

III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação

PUCRS

Alguns aspectos sobre o Contextualismo Epistemológico

Tiegue Vieira Rodrigues, Cláudio De Almeida (orientador)

Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,

Resumo A presente pesquisa tem por objetivo: (a) expor a idéia central contida no

Contextualismo Epistemológico, atualmente muito discutido no ramo da filosofia conhecido

por Epistemologia Contemporânea; além de (b) mostrar, mediante análise de alguns críticos

importantes, quais são as vantagens e desvantagens de assumir tal posição. Na primeira parte

do texto, será exposta, com sentido introdutório à temática contextualista, uma breve

discussão sobre tópicos como falibilismo e ceticismo. Na segunda parte, será analisado o que

se pode chamar de origem ou “pré-história do contextualismo”, a saber, a teoria das

alternativas relevantes. Na terceira parte, será exposta, propriamente, a visão contextualista

em epistemologia. Na quarta e última parte, serão analisados os prós e contras de se manter tal

posição, analisando algumas das principais críticas feitas a esta tese.

Introdução

A motivação inicial por esta pesquisa se deve ao fato de que o Contextualismo

Epistêmico se apresenta, no panorama filosófico atual, com uma teoria muito atraente; isso

porque ela consegue dar conta de uma série de problemas, como por exemplo, o ceticismo,

além do fato de ela se adequar muito bem a outras teorias, como fundacionismo e

coerentismo. Esta pesquisa intenta um maior esclarecimento desta perspectiva, bem como

uma tentativa de elucidar as fraquezas e deficiências da mesma.

Uma grande vantagem alegada pelos defensores de uma concepção contextualista

acerca do conhecimento e da justificação diz respeito a sua resposta ao ceticismo. O ceticismo

lida com argumentos radicais que pretendem inviabilizar a alegação de que muitas coisas

podem ser conhecidas por nós. Apresentado de forma geral, o ceticismo, também conhecido

como global, é a visão que declara a nossa impossibilidade de afirmar que temos

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conhecimento. Via de regra, o termo ‘ceticismo’ refere-se a um conjunto de alegações; cada

uma, nega a possibilidade de que alguns dos termos da nossa avaliação epistêmica podem ser

aplicados às nossas crenças. Deste modo, as doutrinas céticas podem sustentar que nenhuma

das nossas crenças são, em última instância, certas ou justificadas, que nenhuma das nossas

crenças é racional ou, pelo menos, é mais razoável do que a sua contrária e assim por diante.

Contudo, existem algumas formas de ceticismo, conhecidas como locais, que não negam o

conhecimento em geral, mas somente o conhecimento de algumas proposições e temas

específicos, como por exemplo, o conhecimento de proposições acerca do futuro.

A discussão mais promissora da epistemologia contemporânea sobre o ceticismo

concentra-se na visão cética respectiva ao mundo exterior, ou seja , a um tipo particular de

ceticismo. Esta visão alega ser impossível alcançar o conhecimento de tal questão (mundo

exterior). Assim, a visão freqüentemente aceita e plausível de que o conhecimento implica em

se ter crença justificada também é atacada pelo cético, conseqüentemente, o ceticismo com

relação ao conhecimento segue-se do ceticismo referente à crença justificada. Porém, a

intuição que os epistemólogos se empenham por preservar, a saber, de que nós podemos

conhecer muitas coisas é duramente atacada pelos céticos. A alegação cética, de formar geral,

é extremamente interessante e desafiadora, pois ela dispõe de argumentos assaz sofisticados e

poderosos. Com isso, o problema que se coloca é como responder a tais argumentos a fim de

sustentar a alegação de que o conhecimento é, de fato, possível.

Duas alternativas se colocam frente a este desafio. A primeira seria simplesmente

aceitar a alegação cética; contudo, esta alternativa é muito infreqüente e dificilmente

sustentada pela comunidade filosófica. A segunda alternativa, por sua vez, diz respeito à

tentativa de responder aos argumentos céticos, com a intenção de superá-los, ou, pelo menos,

diminuir a sua força. O contextualismo Epistemológico, portanto, sugere uma maneira de

resposta ao ceticismo, mas este ponto veremos mais tarde.

Outro ponto importante que surge no debate com o ceticismo é o falibilismo que, por

sua vez, lida diretamente com o ataque cético. Para a epistemologia o falibilismo pode ser

entendido como uma tentativa de preservar a possibilidade do conhecimento apesar do ataque

imposto pelo argumento cético. A argüição cética se fundamenta no princípio de implicação

(PI):

PI. S sabe que ‘p’ com base em (razão ou evidência) E somente se E implica ‘p’.

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Ou seja, eu posso conhecer P somente se a evidência que eu tenho para P exclui a

possibilidade de erro. Embora este argumento tenha um forte poder intuitivo, a grande maioria

dos filósofos, no fim das contas, admitem que este princípio deva ser rejeitado.

Assim, enquanto de um lado, o cético afirma que a existência de alternativas

relevantes compatíveis com a nossa evidência solapam a possibilidade de conhecer; por outro

lado, para um falibilista, a afirmação será oposta, ou seja, as alternativas céticas não são

capazes de solapar nosso conhecimento. Os falibilistas adotam um princípio (PF) que poderia

ser descrito da seguinte maneira:

PF. S pode saber que ‘p’ com base em (razão ou evidência) E somente se há alguma

alternativa a ‘p’, compatível com E.

Ou seja, podemos conhecer mesmo existindo tais alternativas céticas. Bem, agora, a

tarefa revelada aos defensores de uma posição falibilista é encontrar uma forma eficaz de

argumentar contra o cético, o que em grande medida, tem sido a maior parte do recente

trabalho desenvolvido pela comunidade epistemológica.

Para que a compreensão se esclareça, vejamos um exemplo de como soam as

alternativas ou hipóteses céticas: imagine que eu alego saber uma proposição qualquer, P (‘eu

sei que aquele objeto que vejo na cristaleira é uma taça de cristal’). A evidência que tenho

para saber tal coisa é simplesmente o fato de estar vendo a taça na cristaleira. Contudo, o

cético argumentaria: Como você sabe que aquilo que você vê é de fato uma taça de cristal e

não ‘uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça de cristal’, HC ou

hipótese cética. Segundo o cético, para que você pudesse alegar conhecimento de que P você

deveria saber ~HC (hipótese cética), ou seja, você deveria saber que não é o caso que o objeto

que você está a ver é ‘uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça

de cristal’. Porém, com base na evidência que você possui não é possível rejeitar a hipótese

cética, pois ela suficientemente boa para sustentar ambas as hipóteses, a saber, P e HC. Logo,

você não pode saber que P.

As tentativas subseqüentes de resposta à argumentação cética formam um conjunto de

teses as quais são conhecidas, na tradição epistemológica, por teoria das alternativas

relevante, que conta com diferentes argumentos de distintos epistemólogos. O primeiro deles

foi Fred Dretske. Ele identificou que o argumento cético, para poder ser sustentado, utilizava-

se de um princípio básico conhecido como princípio do fecho epistêmico (PFE):

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PFE. Se S sabe que ‘p’ e S sabe que ‘p’ implica ‘q’, então S sabe que ‘q’.

De modo mais claro este princípio afirma: se eu sei que P, que ‘aquele objeto que vejo

na cristaleira é uma taça de cristal’ e se eu sei que P implica Q, que ‘aquele objeto que vejo

não é uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça de cristal’; então

eu sei que Q. A argumentação que Dretske constrói contra o cético está baseada na negação

do PFE, pois ele mostra a existência de alguns casos onde este princípio falha e, deste modo,

acusa a sua invalidade. Assim, estando o cético baseado neste princípio, conseqüentemente,

ele estaria errado, pois se fundamentava em um princípio invalido. O que o cético de fato faz

é, somente, trazer à tona algumas alternativas que, segundo Dretske, seriam irrelevantes para

o conhecimento da proposição em questão. Ainda, segundo ele, a alternativa seria relevante

no seguinte caso: uma alternativa ‘A’, a uma proposição ‘P’, é uma alternativa logicamente

contrária a ‘P’; ‘A’ é uma alternativa relevante a ‘P’ somente no caso em que ‘P’ implique ‘~

A’. Desse modo, para conhecer ‘P’, é necessário que seja eliminada somente as alternativas

relevantes a ‘P’. Conseqüentemente, você pode conhecer ‘P’ apesar de não ter evidência para

eliminar uma ou mais alternativas que sejam irrelevantes.

Outros epistemólogos responderam a esta questão de maneira diferente. Embora, não

tenhamos espaço para tratá-las aqui farei um breve comentário. Drestke, ao responder contra o

cético negou um princípio que é muito caro aos filósofos em geral, portanto, as tentativas

seguintes caracterizaram-se por atacar o cético por outros caminhos, mas, na sua grande

maioria, preservando o princípio do fecho epistêmico.

A visão Contextualista sobre o conhecimento pode ser descrita conforme veremos nas

próximas linhas. Imagine que alguém assere uma proposição num determinado momento

sobre um determinado assunto, por exemplo, ‘S sabe que p’ e, no mesmo momento e sobre o

mesmo assunto, outra pessoa assere ‘S não sabe que p’. Provavelmente seríamos conduzidos a

pensar que um dos dois deve estar errado. Mas será que é correto pensarmos assim?

O Contextualismo1, em epistemologia, diz respeito a uma posição epistemológica

muito debatida recentemente. Na sua forma principal, o Contextualismo é a visão de que a

proposição expressada por uma dada sentença de conhecimento (‘S sabe que p’, ‘S não sabe

que p’) depende do contexto na qual ela foi proferida, ou seja, os padrões ou “critérios de

1 São alguns dos principais defensores do contextualismo: Stewart Cohen, Keith DeRose, Michael Williams, D.

Annis, David Lewis entre outros.

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conhecimento e justificação variam conforme o contexto 2”

3. Segundo Stewart Cohen, isso

significa dizer que “atribuições de conhecimento são ‘sensíveis ao contexto’ – os valores de

verdade sentenças que contenham a palavra ‘saber’ e suas cognatas, dependem de padrões

determinados contextualmente”. 4

Deste modo, para o Contextualismo, a resposta referente à pergunta feita

anteriormente é não, ou seja, não é correto pensarmos que um dos dois tem de estar errado,

pois sentenças do tipo ‘S sabe que p’ podem, num certo momento, ter diferentes valores de

verdade, em diferentes contextos e, desse modo, ambas as pessoas, em ambos os contextos

poderiam estar certas. Assim, o valor de verdade apresentado por uma dada sentença contendo

um predicado de conhecimento pode variar de acordo com as intenções, com os propósitos,

com as expectativas, com as suspeitas, com as pressuposições e com quaisquer outras

características a mais que quisermos atribuir ao falante que proferir uma determinada sentença

num determinado momento.

Veremos agora um exemplo dado por Cohen que nos ajuda a refletir de modo mais

preciso sobre o que está em jogo quando se fala que atribuições de conhecimento são

“sensíveis ao contexto”.

“João e Maria estão no aeroporto de L.A. ponderando sobre tomar certo vôo para NY. Eles

querem saber se o vôo pára em Chicago. Eles ouvem uma conversa de alguém perguntando a um

passageiro, Smith, se ele sabe se o vôo pára em Chicago. Smith olha no itinerário do vôo, que ele pegou

com o agente de viagem, e responde: ‘sim eu sei – ele pára em Chicago’. Acontece que João e Maria

têm um importante contato de negócios que eles têm de fazer no aeroporto de Chicago. Maria diz:

‘Quão confiável é aquele itinerário? Ele poderia conter um erro de impressão. Eles poderiam ter

mudado o itinerário no último minuto’. João e Maria concordam que Smith realmente não sabe que o

vôo pára em Chicago.” 5

Neste caso podemos encontrar uma profícua discussão acerca das implicações

envolvidas numa análise sobre os padrões contidos numa visão contextualista. Neste exemplo

Smith alega saber que ‘p’, “o vôo pára em Chicago”, enquanto João e Maria negam que Smith

saiba que ‘p’. Claramente, neste exemplo, se nota a diferença dos padrões utilizados por cada

um e que servirão de base para a atribuição de justificação e conhecimento. O padrão

2 Todas as traduções são do autor.

3 Brower, 1998, p. 646.

4 Cohen, 1999, p. 57.

5 Cohen, 1999, p. 58.

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utilizado por João e Maria parece ser mais elevado do que o padrão de Smith acerca de quão

boas devem ser as razões ou evidências afim de que se saiba. Contudo, qual destes padrões

está correto?

Baseado na análise de Cohem se poderiam ter, nesta perspectiva, duas interpretações.

A (a) primeira é que o padrão de João e Maria é muito alto, assim poderia ser dito que Smith

realmente sabe que o vôo pára em Chicago, com base na sua consulta do itinerário. A (b)

segunda é que o padrão de Smith é muito fraco, assim João e Maria estão certos em dizer que

Smith não sabe, enquanto eles podem saber, com base em ter checado com a companhia.

Se adotarmos (a) que o fraco padrão de Smith está certo, então parece que João e

Maria utilizam a palavra ‘saber’ de maneira equivocada. No entanto, como seria o modo

correto deles descreverem a situação em que se encontram? Talvez o fato de eles estarem

agindo com prudência em negar a afirmação de Smith se dê ao fato de que eles tem um

importante negócio em Chicago. Contudo, se Smith está correto com base na evidência do

itinerário o que exatamente eles deveriam dizer? Certamente não parecem fazer muito sentido

afirmações do tipo “tudo bem, Smith sabe que o vôo pára em Chicago, embora eu precise

checar mais” ou “tudo bem, nós sabemos que o vôo pára em Chicago, embora precisemos

checar mais”.

Se, por outro lado, adotarmos (b) que o alto padrão de João e Maria está correto, então

teremos problemas em considerar os padrões com os quais geralmente empregamos, no dia-a-

dia, para atribuições de conhecimento. Outra possibilidade ainda poderia contar para este

caso, a saber, (c) “nenhum dos padrões está correto, ambos são fracos”. Todas estas respostas

parecem não poder ser tomadas de forma satisfatória, embora eu tenda a concordar com Sosa

de que o padrão de Smith é correto em qualquer contexto, assim João e Maria poderiam

verdadeiramente alegar ‘q’, “nós sabemos que o avião pára em Chicago” com base na

informação contida no itinerário. Pois, segundo Sosa, a razão para João e Maria alegar ‘q’

parece errada pelo fato de que alegar ‘ nós sabemos’ implica conversacionalmente que não a

necessidade de mais informações.

Contudo, a alegação contextualista6 será no sentido de dizer que nenhum dos dois, em

seus contextos, está simplesmente certo ou simplesmente errado, pois o contexto irá

determinar qual padrão está correto. Dessa forma, devido ao fato de que os padrões para

atribuições de conhecimento podem variar de acordo com o contexto, ambos, João e Maria e

Smith podem estar corretos de acordo com o contexto em que suas alegações foram

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proferidas. Desse modo, podemos dizer que quando Smith diz ‘eu sei’ ele está correto dado o

fraco padrão pelo qual ele opera. Do mesmo modo, João e Maria também estão certos em

dizer que “Smith não sabe’ ou ‘nós não sabemos’, devido ao alto padrão pelo qual operam.

(Confesso que para mim isto soa com alguma estranheza, pois imagine que João e Maria não

consigam mais informações, será que a única informação da qual eles dispõe seria suficiente

para que pegassem o vôo? Parece que entre a atribuição de conhecimento e o fato em si [do

conhecimento] existe uma lacuna.)

Assim sendo, referente aos ‘contextos de atribuição’, o valor de verdade de uma dada

sentença será influenciado pelas expectativas, pelos propósitos, pelas intenções, e por

quaisquer outros predicados como estes que quisermos adicionar ao sujeito que proferir tal

sentença. Por conseguinte, os padrões que determinam quão boas as razões (ou evidências)

devem ser para que se atribua conhecimento depende do ‘contexto de atribuição’. Desse

modo, o contexto será responsável pela determinação das condições de verdade para as

atribuições de conhecimento.

Neste ponto, após ter caracterizado, em linhas gerais, o contextualismo algumas

questões poderiam ser suscitas. Acredito que uma primeira questão que pode ser levantada, e

que realmente pode provocar certa confusão, seja dita do seguinte modo: A relevância se

aplica a qual contexto? Ou seja,o contexto se refere a um sujeito S que conhece ou ao

contexto dos que atribuem conhecimento a S? Existem dois tipos de contextualismo,

conforme sugere Brower7. O primeiro pode ser chamado ‘contextualismo baseado no sujeito’,

no qual padrões epistêmicos dependem do contexto do sujeito. O segundo corresponde a uma

forma mais radical e pode ser chamado de ‘contextualismo baseado no atribuidor’, no qual os

padrões variam de acordo com contextos de atribuição. Este último está compreendido na

análise feita anteriormente no caso de João e Maria que, por sua vez, é defendido por Cohen.

E podem ser vistas no exemplo a seguir:

Suponha, por exemplo, que tendo visto minhas crianças um minuto atrás, eu alego ‘ eu sei que

minhas crianças estão brincando no jardim’. Então, meu vizinho Harold diz: ‘Bom, porque um

prisioneiro fugitivo esta procurando reféns na nossa vizinhança’. Então eu posso, apropriadamente,

dizer: ‘pensando melhor, eu não sei, eu deveria checar cuidadosamente’. Padrões para o conhecimento

parecem terem sido trocados, desde que agora eu preciso de mais investigação.

6 Aqui referida ao texto de Cohen, 1999.

7 No verbete da Enciclopédia Routledge sobre contextualismo.

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Assim, neste caso, também o conhecimento ou não de S sobre as crianças estarem

brincando no jardim, dependeria não somente da situação em que S se encontra, mas do

contexto os atribuidores. Ou seja, se a alegação de S de que ‘sei que as crianças brincam no

jardim’ se referem simplesmente ao interesse de chamar as crianças para jantar, seria

atribuído conhecimento a S. Porém, com a informação dada pelo vizinho não seria atribuído

conhecimento a S.

Outra questão poderia ser colocada frente aos elementos concernentes ao contexto, que

são determinantes para a formação dos critérios de conhecimento e justificação. Segundo

Brower, poderiam ser mencionados os seguintes elementos: dúvidas consideradas e

mencionadas, importância relativa de informação correta, o tópico sob consideração, e

elementos da situação que afetam a confiabilidade do conhecedor.

Ainda podemos colocar outra questão frente à visão acerca do valor de verdade de

uma atribuição ser, conforme Cohen, ‘sensível ao contexto’. O que, exatamente, se entende

por sensível quando se pressupõe algo desse tipo, ou seja, o que esta sendo considerado como

um elemento sensível ao contexto? Ou ainda, o que é este elemento, na análise do

conhecimento, sobre o qual o contexto age? Bem, algumas respostas podem ser dadas.

Segundo Feldman8, para todos aqueles que aceitam que a justificação, entendida como razão

ou evidência que suporta a crença, é um elemento necessário para que se tenha conhecimento,

então o elemento sensível ao contexto diz respeito, evidentemente, à justificação. Assim, no

caso das crianças o que teriam mudado são os critérios que se referem à justificação. Já na

visão de Lewis9, isso se dá de modo diferente, para ele o elemento que se poderia destacar

como sensível ao contexto não é a justificação, mas algo que ele chama de ‘domínio’ das

alternativas relevantes10

. De modo breve, com ‘domínio’ ele pretende indicar que quando a

evidência de S elimina todas as possibilidades em que não-P, é preciso que se considere o fato

de que isto exclui as possibilidades que foram ignoradas, por estarem fora do domínio do

“todas”, já que “todas” é um quantificador que age sobre um restrito e determinado ‘domínio’,

isto é, o que está fora deste ‘domínio’ pode ser ignorado. Portanto, quem determina tal

‘domínio’, argumenta Lewis, é exatamente o contexto.

Com relação aos aspectos positivos e negativos do contextualismo podemos salientar

alguns dos principais. O contextualismo garante que tais dúvidas, colocadas pelo argumento

8 FELDMAN, 2003.

9 LEWIS, 2000.

10 Por exemplo, na sentença ‘eu procurei por todo lugar, mas não achei o meu celular’, o que está de fato se

querendo dizer é que ‘todo lugar’ se limita a um domínio restrito.

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cético, são legítimas no contexto cético, embora aplicado a outros contextos, a saber, nos

casos comuns do dia-a-dia, ele seja ilegítimo. Dessa forma, os contextualistas garantem sem

restrições o conhecimento do senso comum11

. Isto acontece devido ao fato de que no contexto

do dia-a-dia, os critérios de conhecimento e de justificação não são excessivamente altos,

podendo ser atingidos de forma satisfatória. Todavia, isso não significa que os contextualistas

aceitam sem nenhuma restrição os argumentos do ceticismo, pois reconhecem que contra

argumentos céticos como, por exemplo, os dos sonhos, do gênio maligno, dos cérebros em

tanques e outros, muito pouca coisa, senão quase nada ,pode ser conhecido, visto que ‘nestes

contextos’ os critérios de justificação e de conhecimento são elevados a graus inatingíveis.

Apesar disso, nos contextos do dia-a-dia – mencionado anteriormente – como os padrões são

baixos, ainda continua sendo verdadeiro o fato que podemos ter conhecimento sobre muitas

coisas.

Assim, conseqüentemente, uma vantagem muito disseminada pelos contextualistas é a

de que, ao mesmo tempo, eles conseguem defender a verdade do conhecimento do dia-a-dia e

são capazes de reconhecer a plausibilidade a força de alguns argumentos céticos que

persistem.

Por outro lado, com relação aos problemas e as críticas levantadas sobre aqueles que

defendem uma visão contextualista podemos citar:

I. A visão contextualista parece em certos momentos abrigar formas mascaradas de

relativismo, podendo ser acusados de sustentar padrões aparentemente confusos que são

aplicados em contextos conversacionais práticos com padrões de verdade que determinam se

alguém tem conhecimento. Tomemos como exemplo o caso de João e Maria. O alto padrão

sustentado por João e Maria parece sempre implicar que Smith, devido o seu baixo padrão,

está sempre fadado a não ter conhecimento.

II. O contextualismo parece conceder muito aos céticos, pois em se aprofundando na

discussão pode ser notado que existem falhas nos argumentos céticos que deveriam

cuidadosamente ser refutadas. Neste ponto parece que Dretske, no que foi discutido

anteriormente, leva vantagem, pois percebe e ataca princípios específicos contidos nos

argumentos céticos; ao passo que os contextualistas aceitam sem problema tais argumentos,

apenas sustentando uma diferenciação entre o contexto cético – o qual aceitam – e o contexto

ordinário.

11

Ver Feldman, 2003, sobre “The Standard View”.

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III. Segundo análise feita por Peter Klein12

o contextualismo até pode ser visto

como uma visão interessante, entretanto possui um problema que parece ser grave. A

epistemologia – enquanto um ramo da filosofia que se preocupa em responder questões acerca

da natureza do conhecimento e dos princípios que governam a crença racional, ou seja,

questões sobre o que é e como se dá o conhecimento – possui um caráter normativo e não

meramente descritivo. Não é suficiente, por exemplo, saber o que ‘de fato’ tem servido como

crença básica referente a este ou àquele contexto, mas sim o que ‘deveria’ servir de crença

básica. Deste modo, o contextualismo falharia o a ele faltaria um aspecto normativo.

Metodologia

O método utilizado para realização desta pesquisa pode ser entendido como analítico-

crítico e interpretativo. Pelo primeiro, devemos entender o exame minucioso dos textos

disponíveis que tratam do assunto em questão – a saber, o contextualismo – em busca de suas

principais teses, argumentos, conseqüências, problemas e lacunas. Pelo segundo, devemos

entender a discussão e a explicação de seus pontos problemáticos com o subsídio de textos

oferecidos por comentadores do assunto, além de outras fontes textuais que possam vir a

contribuir para a pesquisa.

Resultados (ou Resultados e Discussão)

Os resultados apontados pela pesquisa indicam que, embora, o contextualismo se

caracterize como uma visão muito atraente possui algumas deficiências que precisam se

averiguadas com mais profundidade, pois, se por um lado, consegue adequar-se a demais

teorias epistêmicas e dar uma resposta ao ceticismo; por outro, esta resposta, se olhada de

perto pode, não ser tão boa assim, configurando-se apenas como uma mascaramento do

problema e comprometendo a força da teoria.

Conclusão

Concluímos com esta pesquisa que a proposta epistemológica exposta pelo

Contextualismo ainda não esgotou suas possibilidades, podendo revelar ainda muitas

contribuições pra a epistemologia contemporânea. Contudo, uma pesquisa com mais

12

KLEIN, 1998. P. 269.

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abrangência pode ser capaz de determinar uma maior relação com os demais tópicos

propostos pela tradição epistemológica.

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