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III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008
III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação
PUCRS
Alguns aspectos sobre o Contextualismo Epistemológico
Tiegue Vieira Rodrigues, Cláudio De Almeida (orientador)
Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,
Resumo A presente pesquisa tem por objetivo: (a) expor a idéia central contida no
Contextualismo Epistemológico, atualmente muito discutido no ramo da filosofia conhecido
por Epistemologia Contemporânea; além de (b) mostrar, mediante análise de alguns críticos
importantes, quais são as vantagens e desvantagens de assumir tal posição. Na primeira parte
do texto, será exposta, com sentido introdutório à temática contextualista, uma breve
discussão sobre tópicos como falibilismo e ceticismo. Na segunda parte, será analisado o que
se pode chamar de origem ou “pré-história do contextualismo”, a saber, a teoria das
alternativas relevantes. Na terceira parte, será exposta, propriamente, a visão contextualista
em epistemologia. Na quarta e última parte, serão analisados os prós e contras de se manter tal
posição, analisando algumas das principais críticas feitas a esta tese.
Introdução
A motivação inicial por esta pesquisa se deve ao fato de que o Contextualismo
Epistêmico se apresenta, no panorama filosófico atual, com uma teoria muito atraente; isso
porque ela consegue dar conta de uma série de problemas, como por exemplo, o ceticismo,
além do fato de ela se adequar muito bem a outras teorias, como fundacionismo e
coerentismo. Esta pesquisa intenta um maior esclarecimento desta perspectiva, bem como
uma tentativa de elucidar as fraquezas e deficiências da mesma.
Uma grande vantagem alegada pelos defensores de uma concepção contextualista
acerca do conhecimento e da justificação diz respeito a sua resposta ao ceticismo. O ceticismo
lida com argumentos radicais que pretendem inviabilizar a alegação de que muitas coisas
podem ser conhecidas por nós. Apresentado de forma geral, o ceticismo, também conhecido
como global, é a visão que declara a nossa impossibilidade de afirmar que temos
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conhecimento. Via de regra, o termo ‘ceticismo’ refere-se a um conjunto de alegações; cada
uma, nega a possibilidade de que alguns dos termos da nossa avaliação epistêmica podem ser
aplicados às nossas crenças. Deste modo, as doutrinas céticas podem sustentar que nenhuma
das nossas crenças são, em última instância, certas ou justificadas, que nenhuma das nossas
crenças é racional ou, pelo menos, é mais razoável do que a sua contrária e assim por diante.
Contudo, existem algumas formas de ceticismo, conhecidas como locais, que não negam o
conhecimento em geral, mas somente o conhecimento de algumas proposições e temas
específicos, como por exemplo, o conhecimento de proposições acerca do futuro.
A discussão mais promissora da epistemologia contemporânea sobre o ceticismo
concentra-se na visão cética respectiva ao mundo exterior, ou seja , a um tipo particular de
ceticismo. Esta visão alega ser impossível alcançar o conhecimento de tal questão (mundo
exterior). Assim, a visão freqüentemente aceita e plausível de que o conhecimento implica em
se ter crença justificada também é atacada pelo cético, conseqüentemente, o ceticismo com
relação ao conhecimento segue-se do ceticismo referente à crença justificada. Porém, a
intuição que os epistemólogos se empenham por preservar, a saber, de que nós podemos
conhecer muitas coisas é duramente atacada pelos céticos. A alegação cética, de formar geral,
é extremamente interessante e desafiadora, pois ela dispõe de argumentos assaz sofisticados e
poderosos. Com isso, o problema que se coloca é como responder a tais argumentos a fim de
sustentar a alegação de que o conhecimento é, de fato, possível.
Duas alternativas se colocam frente a este desafio. A primeira seria simplesmente
aceitar a alegação cética; contudo, esta alternativa é muito infreqüente e dificilmente
sustentada pela comunidade filosófica. A segunda alternativa, por sua vez, diz respeito à
tentativa de responder aos argumentos céticos, com a intenção de superá-los, ou, pelo menos,
diminuir a sua força. O contextualismo Epistemológico, portanto, sugere uma maneira de
resposta ao ceticismo, mas este ponto veremos mais tarde.
Outro ponto importante que surge no debate com o ceticismo é o falibilismo que, por
sua vez, lida diretamente com o ataque cético. Para a epistemologia o falibilismo pode ser
entendido como uma tentativa de preservar a possibilidade do conhecimento apesar do ataque
imposto pelo argumento cético. A argüição cética se fundamenta no princípio de implicação
(PI):
PI. S sabe que ‘p’ com base em (razão ou evidência) E somente se E implica ‘p’.
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Ou seja, eu posso conhecer P somente se a evidência que eu tenho para P exclui a
possibilidade de erro. Embora este argumento tenha um forte poder intuitivo, a grande maioria
dos filósofos, no fim das contas, admitem que este princípio deva ser rejeitado.
Assim, enquanto de um lado, o cético afirma que a existência de alternativas
relevantes compatíveis com a nossa evidência solapam a possibilidade de conhecer; por outro
lado, para um falibilista, a afirmação será oposta, ou seja, as alternativas céticas não são
capazes de solapar nosso conhecimento. Os falibilistas adotam um princípio (PF) que poderia
ser descrito da seguinte maneira:
PF. S pode saber que ‘p’ com base em (razão ou evidência) E somente se há alguma
alternativa a ‘p’, compatível com E.
Ou seja, podemos conhecer mesmo existindo tais alternativas céticas. Bem, agora, a
tarefa revelada aos defensores de uma posição falibilista é encontrar uma forma eficaz de
argumentar contra o cético, o que em grande medida, tem sido a maior parte do recente
trabalho desenvolvido pela comunidade epistemológica.
Para que a compreensão se esclareça, vejamos um exemplo de como soam as
alternativas ou hipóteses céticas: imagine que eu alego saber uma proposição qualquer, P (‘eu
sei que aquele objeto que vejo na cristaleira é uma taça de cristal’). A evidência que tenho
para saber tal coisa é simplesmente o fato de estar vendo a taça na cristaleira. Contudo, o
cético argumentaria: Como você sabe que aquilo que você vê é de fato uma taça de cristal e
não ‘uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça de cristal’, HC ou
hipótese cética. Segundo o cético, para que você pudesse alegar conhecimento de que P você
deveria saber ~HC (hipótese cética), ou seja, você deveria saber que não é o caso que o objeto
que você está a ver é ‘uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça
de cristal’. Porém, com base na evidência que você possui não é possível rejeitar a hipótese
cética, pois ela suficientemente boa para sustentar ambas as hipóteses, a saber, P e HC. Logo,
você não pode saber que P.
As tentativas subseqüentes de resposta à argumentação cética formam um conjunto de
teses as quais são conhecidas, na tradição epistemológica, por teoria das alternativas
relevante, que conta com diferentes argumentos de distintos epistemólogos. O primeiro deles
foi Fred Dretske. Ele identificou que o argumento cético, para poder ser sustentado, utilizava-
se de um princípio básico conhecido como princípio do fecho epistêmico (PFE):
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PFE. Se S sabe que ‘p’ e S sabe que ‘p’ implica ‘q’, então S sabe que ‘q’.
De modo mais claro este princípio afirma: se eu sei que P, que ‘aquele objeto que vejo
na cristaleira é uma taça de cristal’ e se eu sei que P implica Q, que ‘aquele objeto que vejo
não é uma taça de vidro muito bem trabalhada, a fim de que pareça uma taça de cristal’; então
eu sei que Q. A argumentação que Dretske constrói contra o cético está baseada na negação
do PFE, pois ele mostra a existência de alguns casos onde este princípio falha e, deste modo,
acusa a sua invalidade. Assim, estando o cético baseado neste princípio, conseqüentemente,
ele estaria errado, pois se fundamentava em um princípio invalido. O que o cético de fato faz
é, somente, trazer à tona algumas alternativas que, segundo Dretske, seriam irrelevantes para
o conhecimento da proposição em questão. Ainda, segundo ele, a alternativa seria relevante
no seguinte caso: uma alternativa ‘A’, a uma proposição ‘P’, é uma alternativa logicamente
contrária a ‘P’; ‘A’ é uma alternativa relevante a ‘P’ somente no caso em que ‘P’ implique ‘~
A’. Desse modo, para conhecer ‘P’, é necessário que seja eliminada somente as alternativas
relevantes a ‘P’. Conseqüentemente, você pode conhecer ‘P’ apesar de não ter evidência para
eliminar uma ou mais alternativas que sejam irrelevantes.
Outros epistemólogos responderam a esta questão de maneira diferente. Embora, não
tenhamos espaço para tratá-las aqui farei um breve comentário. Drestke, ao responder contra o
cético negou um princípio que é muito caro aos filósofos em geral, portanto, as tentativas
seguintes caracterizaram-se por atacar o cético por outros caminhos, mas, na sua grande
maioria, preservando o princípio do fecho epistêmico.
A visão Contextualista sobre o conhecimento pode ser descrita conforme veremos nas
próximas linhas. Imagine que alguém assere uma proposição num determinado momento
sobre um determinado assunto, por exemplo, ‘S sabe que p’ e, no mesmo momento e sobre o
mesmo assunto, outra pessoa assere ‘S não sabe que p’. Provavelmente seríamos conduzidos a
pensar que um dos dois deve estar errado. Mas será que é correto pensarmos assim?
O Contextualismo1, em epistemologia, diz respeito a uma posição epistemológica
muito debatida recentemente. Na sua forma principal, o Contextualismo é a visão de que a
proposição expressada por uma dada sentença de conhecimento (‘S sabe que p’, ‘S não sabe
que p’) depende do contexto na qual ela foi proferida, ou seja, os padrões ou “critérios de
1 São alguns dos principais defensores do contextualismo: Stewart Cohen, Keith DeRose, Michael Williams, D.
Annis, David Lewis entre outros.
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conhecimento e justificação variam conforme o contexto 2”
3. Segundo Stewart Cohen, isso
significa dizer que “atribuições de conhecimento são ‘sensíveis ao contexto’ – os valores de
verdade sentenças que contenham a palavra ‘saber’ e suas cognatas, dependem de padrões
determinados contextualmente”. 4
Deste modo, para o Contextualismo, a resposta referente à pergunta feita
anteriormente é não, ou seja, não é correto pensarmos que um dos dois tem de estar errado,
pois sentenças do tipo ‘S sabe que p’ podem, num certo momento, ter diferentes valores de
verdade, em diferentes contextos e, desse modo, ambas as pessoas, em ambos os contextos
poderiam estar certas. Assim, o valor de verdade apresentado por uma dada sentença contendo
um predicado de conhecimento pode variar de acordo com as intenções, com os propósitos,
com as expectativas, com as suspeitas, com as pressuposições e com quaisquer outras
características a mais que quisermos atribuir ao falante que proferir uma determinada sentença
num determinado momento.
Veremos agora um exemplo dado por Cohen que nos ajuda a refletir de modo mais
preciso sobre o que está em jogo quando se fala que atribuições de conhecimento são
“sensíveis ao contexto”.
“João e Maria estão no aeroporto de L.A. ponderando sobre tomar certo vôo para NY. Eles
querem saber se o vôo pára em Chicago. Eles ouvem uma conversa de alguém perguntando a um
passageiro, Smith, se ele sabe se o vôo pára em Chicago. Smith olha no itinerário do vôo, que ele pegou
com o agente de viagem, e responde: ‘sim eu sei – ele pára em Chicago’. Acontece que João e Maria
têm um importante contato de negócios que eles têm de fazer no aeroporto de Chicago. Maria diz:
‘Quão confiável é aquele itinerário? Ele poderia conter um erro de impressão. Eles poderiam ter
mudado o itinerário no último minuto’. João e Maria concordam que Smith realmente não sabe que o
vôo pára em Chicago.” 5
Neste caso podemos encontrar uma profícua discussão acerca das implicações
envolvidas numa análise sobre os padrões contidos numa visão contextualista. Neste exemplo
Smith alega saber que ‘p’, “o vôo pára em Chicago”, enquanto João e Maria negam que Smith
saiba que ‘p’. Claramente, neste exemplo, se nota a diferença dos padrões utilizados por cada
um e que servirão de base para a atribuição de justificação e conhecimento. O padrão
2 Todas as traduções são do autor.
3 Brower, 1998, p. 646.
4 Cohen, 1999, p. 57.
5 Cohen, 1999, p. 58.
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utilizado por João e Maria parece ser mais elevado do que o padrão de Smith acerca de quão
boas devem ser as razões ou evidências afim de que se saiba. Contudo, qual destes padrões
está correto?
Baseado na análise de Cohem se poderiam ter, nesta perspectiva, duas interpretações.
A (a) primeira é que o padrão de João e Maria é muito alto, assim poderia ser dito que Smith
realmente sabe que o vôo pára em Chicago, com base na sua consulta do itinerário. A (b)
segunda é que o padrão de Smith é muito fraco, assim João e Maria estão certos em dizer que
Smith não sabe, enquanto eles podem saber, com base em ter checado com a companhia.
Se adotarmos (a) que o fraco padrão de Smith está certo, então parece que João e
Maria utilizam a palavra ‘saber’ de maneira equivocada. No entanto, como seria o modo
correto deles descreverem a situação em que se encontram? Talvez o fato de eles estarem
agindo com prudência em negar a afirmação de Smith se dê ao fato de que eles tem um
importante negócio em Chicago. Contudo, se Smith está correto com base na evidência do
itinerário o que exatamente eles deveriam dizer? Certamente não parecem fazer muito sentido
afirmações do tipo “tudo bem, Smith sabe que o vôo pára em Chicago, embora eu precise
checar mais” ou “tudo bem, nós sabemos que o vôo pára em Chicago, embora precisemos
checar mais”.
Se, por outro lado, adotarmos (b) que o alto padrão de João e Maria está correto, então
teremos problemas em considerar os padrões com os quais geralmente empregamos, no dia-a-
dia, para atribuições de conhecimento. Outra possibilidade ainda poderia contar para este
caso, a saber, (c) “nenhum dos padrões está correto, ambos são fracos”. Todas estas respostas
parecem não poder ser tomadas de forma satisfatória, embora eu tenda a concordar com Sosa
de que o padrão de Smith é correto em qualquer contexto, assim João e Maria poderiam
verdadeiramente alegar ‘q’, “nós sabemos que o avião pára em Chicago” com base na
informação contida no itinerário. Pois, segundo Sosa, a razão para João e Maria alegar ‘q’
parece errada pelo fato de que alegar ‘ nós sabemos’ implica conversacionalmente que não a
necessidade de mais informações.
Contudo, a alegação contextualista6 será no sentido de dizer que nenhum dos dois, em
seus contextos, está simplesmente certo ou simplesmente errado, pois o contexto irá
determinar qual padrão está correto. Dessa forma, devido ao fato de que os padrões para
atribuições de conhecimento podem variar de acordo com o contexto, ambos, João e Maria e
Smith podem estar corretos de acordo com o contexto em que suas alegações foram
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proferidas. Desse modo, podemos dizer que quando Smith diz ‘eu sei’ ele está correto dado o
fraco padrão pelo qual ele opera. Do mesmo modo, João e Maria também estão certos em
dizer que “Smith não sabe’ ou ‘nós não sabemos’, devido ao alto padrão pelo qual operam.
(Confesso que para mim isto soa com alguma estranheza, pois imagine que João e Maria não
consigam mais informações, será que a única informação da qual eles dispõe seria suficiente
para que pegassem o vôo? Parece que entre a atribuição de conhecimento e o fato em si [do
conhecimento] existe uma lacuna.)
Assim sendo, referente aos ‘contextos de atribuição’, o valor de verdade de uma dada
sentença será influenciado pelas expectativas, pelos propósitos, pelas intenções, e por
quaisquer outros predicados como estes que quisermos adicionar ao sujeito que proferir tal
sentença. Por conseguinte, os padrões que determinam quão boas as razões (ou evidências)
devem ser para que se atribua conhecimento depende do ‘contexto de atribuição’. Desse
modo, o contexto será responsável pela determinação das condições de verdade para as
atribuições de conhecimento.
Neste ponto, após ter caracterizado, em linhas gerais, o contextualismo algumas
questões poderiam ser suscitas. Acredito que uma primeira questão que pode ser levantada, e
que realmente pode provocar certa confusão, seja dita do seguinte modo: A relevância se
aplica a qual contexto? Ou seja,o contexto se refere a um sujeito S que conhece ou ao
contexto dos que atribuem conhecimento a S? Existem dois tipos de contextualismo,
conforme sugere Brower7. O primeiro pode ser chamado ‘contextualismo baseado no sujeito’,
no qual padrões epistêmicos dependem do contexto do sujeito. O segundo corresponde a uma
forma mais radical e pode ser chamado de ‘contextualismo baseado no atribuidor’, no qual os
padrões variam de acordo com contextos de atribuição. Este último está compreendido na
análise feita anteriormente no caso de João e Maria que, por sua vez, é defendido por Cohen.
E podem ser vistas no exemplo a seguir:
Suponha, por exemplo, que tendo visto minhas crianças um minuto atrás, eu alego ‘ eu sei que
minhas crianças estão brincando no jardim’. Então, meu vizinho Harold diz: ‘Bom, porque um
prisioneiro fugitivo esta procurando reféns na nossa vizinhança’. Então eu posso, apropriadamente,
dizer: ‘pensando melhor, eu não sei, eu deveria checar cuidadosamente’. Padrões para o conhecimento
parecem terem sido trocados, desde que agora eu preciso de mais investigação.
6 Aqui referida ao texto de Cohen, 1999.
7 No verbete da Enciclopédia Routledge sobre contextualismo.
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Assim, neste caso, também o conhecimento ou não de S sobre as crianças estarem
brincando no jardim, dependeria não somente da situação em que S se encontra, mas do
contexto os atribuidores. Ou seja, se a alegação de S de que ‘sei que as crianças brincam no
jardim’ se referem simplesmente ao interesse de chamar as crianças para jantar, seria
atribuído conhecimento a S. Porém, com a informação dada pelo vizinho não seria atribuído
conhecimento a S.
Outra questão poderia ser colocada frente aos elementos concernentes ao contexto, que
são determinantes para a formação dos critérios de conhecimento e justificação. Segundo
Brower, poderiam ser mencionados os seguintes elementos: dúvidas consideradas e
mencionadas, importância relativa de informação correta, o tópico sob consideração, e
elementos da situação que afetam a confiabilidade do conhecedor.
Ainda podemos colocar outra questão frente à visão acerca do valor de verdade de
uma atribuição ser, conforme Cohen, ‘sensível ao contexto’. O que, exatamente, se entende
por sensível quando se pressupõe algo desse tipo, ou seja, o que esta sendo considerado como
um elemento sensível ao contexto? Ou ainda, o que é este elemento, na análise do
conhecimento, sobre o qual o contexto age? Bem, algumas respostas podem ser dadas.
Segundo Feldman8, para todos aqueles que aceitam que a justificação, entendida como razão
ou evidência que suporta a crença, é um elemento necessário para que se tenha conhecimento,
então o elemento sensível ao contexto diz respeito, evidentemente, à justificação. Assim, no
caso das crianças o que teriam mudado são os critérios que se referem à justificação. Já na
visão de Lewis9, isso se dá de modo diferente, para ele o elemento que se poderia destacar
como sensível ao contexto não é a justificação, mas algo que ele chama de ‘domínio’ das
alternativas relevantes10
. De modo breve, com ‘domínio’ ele pretende indicar que quando a
evidência de S elimina todas as possibilidades em que não-P, é preciso que se considere o fato
de que isto exclui as possibilidades que foram ignoradas, por estarem fora do domínio do
“todas”, já que “todas” é um quantificador que age sobre um restrito e determinado ‘domínio’,
isto é, o que está fora deste ‘domínio’ pode ser ignorado. Portanto, quem determina tal
‘domínio’, argumenta Lewis, é exatamente o contexto.
Com relação aos aspectos positivos e negativos do contextualismo podemos salientar
alguns dos principais. O contextualismo garante que tais dúvidas, colocadas pelo argumento
8 FELDMAN, 2003.
9 LEWIS, 2000.
10 Por exemplo, na sentença ‘eu procurei por todo lugar, mas não achei o meu celular’, o que está de fato se
querendo dizer é que ‘todo lugar’ se limita a um domínio restrito.
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cético, são legítimas no contexto cético, embora aplicado a outros contextos, a saber, nos
casos comuns do dia-a-dia, ele seja ilegítimo. Dessa forma, os contextualistas garantem sem
restrições o conhecimento do senso comum11
. Isto acontece devido ao fato de que no contexto
do dia-a-dia, os critérios de conhecimento e de justificação não são excessivamente altos,
podendo ser atingidos de forma satisfatória. Todavia, isso não significa que os contextualistas
aceitam sem nenhuma restrição os argumentos do ceticismo, pois reconhecem que contra
argumentos céticos como, por exemplo, os dos sonhos, do gênio maligno, dos cérebros em
tanques e outros, muito pouca coisa, senão quase nada ,pode ser conhecido, visto que ‘nestes
contextos’ os critérios de justificação e de conhecimento são elevados a graus inatingíveis.
Apesar disso, nos contextos do dia-a-dia – mencionado anteriormente – como os padrões são
baixos, ainda continua sendo verdadeiro o fato que podemos ter conhecimento sobre muitas
coisas.
Assim, conseqüentemente, uma vantagem muito disseminada pelos contextualistas é a
de que, ao mesmo tempo, eles conseguem defender a verdade do conhecimento do dia-a-dia e
são capazes de reconhecer a plausibilidade a força de alguns argumentos céticos que
persistem.
Por outro lado, com relação aos problemas e as críticas levantadas sobre aqueles que
defendem uma visão contextualista podemos citar:
I. A visão contextualista parece em certos momentos abrigar formas mascaradas de
relativismo, podendo ser acusados de sustentar padrões aparentemente confusos que são
aplicados em contextos conversacionais práticos com padrões de verdade que determinam se
alguém tem conhecimento. Tomemos como exemplo o caso de João e Maria. O alto padrão
sustentado por João e Maria parece sempre implicar que Smith, devido o seu baixo padrão,
está sempre fadado a não ter conhecimento.
II. O contextualismo parece conceder muito aos céticos, pois em se aprofundando na
discussão pode ser notado que existem falhas nos argumentos céticos que deveriam
cuidadosamente ser refutadas. Neste ponto parece que Dretske, no que foi discutido
anteriormente, leva vantagem, pois percebe e ataca princípios específicos contidos nos
argumentos céticos; ao passo que os contextualistas aceitam sem problema tais argumentos,
apenas sustentando uma diferenciação entre o contexto cético – o qual aceitam – e o contexto
ordinário.
11
Ver Feldman, 2003, sobre “The Standard View”.
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III. Segundo análise feita por Peter Klein12
o contextualismo até pode ser visto
como uma visão interessante, entretanto possui um problema que parece ser grave. A
epistemologia – enquanto um ramo da filosofia que se preocupa em responder questões acerca
da natureza do conhecimento e dos princípios que governam a crença racional, ou seja,
questões sobre o que é e como se dá o conhecimento – possui um caráter normativo e não
meramente descritivo. Não é suficiente, por exemplo, saber o que ‘de fato’ tem servido como
crença básica referente a este ou àquele contexto, mas sim o que ‘deveria’ servir de crença
básica. Deste modo, o contextualismo falharia o a ele faltaria um aspecto normativo.
Metodologia
O método utilizado para realização desta pesquisa pode ser entendido como analítico-
crítico e interpretativo. Pelo primeiro, devemos entender o exame minucioso dos textos
disponíveis que tratam do assunto em questão – a saber, o contextualismo – em busca de suas
principais teses, argumentos, conseqüências, problemas e lacunas. Pelo segundo, devemos
entender a discussão e a explicação de seus pontos problemáticos com o subsídio de textos
oferecidos por comentadores do assunto, além de outras fontes textuais que possam vir a
contribuir para a pesquisa.
Resultados (ou Resultados e Discussão)
Os resultados apontados pela pesquisa indicam que, embora, o contextualismo se
caracterize como uma visão muito atraente possui algumas deficiências que precisam se
averiguadas com mais profundidade, pois, se por um lado, consegue adequar-se a demais
teorias epistêmicas e dar uma resposta ao ceticismo; por outro, esta resposta, se olhada de
perto pode, não ser tão boa assim, configurando-se apenas como uma mascaramento do
problema e comprometendo a força da teoria.
Conclusão
Concluímos com esta pesquisa que a proposta epistemológica exposta pelo
Contextualismo ainda não esgotou suas possibilidades, podendo revelar ainda muitas
contribuições pra a epistemologia contemporânea. Contudo, uma pesquisa com mais
12
KLEIN, 1998. P. 269.
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abrangência pode ser capaz de determinar uma maior relação com os demais tópicos
propostos pela tradição epistemológica.
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