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6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas diegoSABÁDO __________________________________________________1 6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas: com uma breve introdução e uma também breve conclusão diegoSABÁDO

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6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

__________________________________________________1

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas:

com uma breve introdução e uma também breve conclusão

diegoSABÁDO

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

__________________________________________________2

Todos os direitos e responsabilidades desta publicação reservados à Limoeiro Edições.

SABÁDO, Diego. 6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas:

com uma breve introdução e uma também breve conclusão.

Belém: Limoeiro Edições/PerSe, 2014.

ISBN: 978-85-8196-997-8

Série: Filosofia. Fenomenologia. Psicologia. Teologia.

Limoeiro Edições

Editora PerSe

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

__________________________________________________3

diegoSABÁDO

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas:

com uma breve introdução e uma também breve conclusão

SEGUNDA EDIÇÃO

Belém-PA

2014

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

__________________________________________________4

Para minha mãe,

que esteve lá na primeira edição, indo e vindo sem parar, fazendo o impossível para

tornar um sonho realidade. Graças ao seu esforço hoje vivo cada dia com mais fervor este sonho de ser escritor.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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Prefácio à 2ª edição _________________________________________________________ 006 Breve Introdução ___________________________________________________________ 008

“A Síndrome de Peter Pan” __________________________________________________ 009

Desespero e Aceitação do “Eu” que se é ______________________________________ 021

O “Eu” e o “Outro” __________________________________________________________ 029

A Função da Angústia no §40 de “Ser e Tempo” ______________________________ 044 Educação e Indivíduo _______________________________________________________ 089

O Indivíduo diante de Deus _________________________________________________ 107 Uns poucos poemas – explicação ____________________________________________ 109

Breve Conclusão ____________________________________________________________ 128 Referências _________________________________________________________________ 129

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

__________________________________________________6

Prefácio à 2ª edição

Em 2009 iniciou-se uma correria em minha família e

entre meus amigos para realizarmos a publicação deste livro. Era meu primeiro livro, o primeiro de todos, o início de um sonho a se

realizar. Lembro ainda hoje do dia do lançamento, na quadra de

uma igrejinha próximo à casa de meus avós, eu lá, com uma

camisa listrada multicor dando autógrafos, me sentindo um

verdadeiro escritor. Creio que este sentimento estará sempre

presente em mim. Nos livros seguintes, quando recebia os convidados nos lançamentos ou quando dava os autógrafos,

sempre outra vez a memória trazia as imagens daquela primeira

vez, com todas as suas sensações, as boas e as ruins, sim, ruins,

pois houve uma delas, e consistia em um nariz teimoso

escorrendo sem parar por causa de uma alergia, ao final da noite lembro de meu avô descobrindo que a alergia provinha dos

próprios lenços de papel que me disponibilizaram para limpar o

rosto, que estavam empoeirados por muito tempo de guardados.

Mas não são para estas memórias bobas que serve

este segundo prefácio, e sim para recolocar a importância do texto

exposto aqui. Muito se modificou do que eu pensava em 2009, mas uma essência permanece ainda intacta, e ela diz respeito

exatamente ao tema central deste livro: o “Eu”, como aquilo que

permanece em nós, e que precisa ser compreendido, aceito e

assumido como quem cada um de nós é e sempre será.

No decorrer destes anos me formei em Psicologia, e estive sempre outra vez revisitando estas questões, mas ainda

quando se falava em mudança de comportamento e mudança de

personalidade, seja lá o que for, permanece em minha

compreensão a verdade sobre o “Eu”. Mudança não é e não pode

ser nunca mudança do “Eu” que se é, e sim descoberta, aceitação

e assunção de si mesmo, do si-mesmo que cada um traz consigo. O indivíduo, este é o tema destas questões, destes

escritos, e dos poemas que o seguem, e, para mim, falar, pensar e

pensar sempre de novo sobre “quem” é este indivíduo sempre terá

sua relevância. Desta forma entrego a vocês este que foi meu

primeiro livro, revisado, e modificado em partes, foram retirados os inúmeros adendos aos escritos, e foram mantidos apenas os

textos concisos, de forma simples, alguns poemas do final

também foram retirados porque destoavam do todo da obra. Na

primeira edição tínhamos muita coisa que não deveria ter sido

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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posta ali, mas os arroubos da juventude, a vontade de dizer e de

ser ouvido, inflando meu ego, fez com que eu enchesse de páginas

desnecessárias esta obra. Esta segunda edição, vocês a tem como

ela deve ser, simples e clara, deveras mais curta, e nem por isso menos importante.

Aqueles que leram a 1ª edição certamente notarão

como esta segunda traz uma leitura bem menos cansativa e,

quiçá, mas saborosa. Estou aprendendo a abri mão de coisas que

escrevi, o amadurecer de um escritor exige isto, admitir que

algumas coisas que escrevemos não são boas, e talvez não devam ser publicadas, antes eu não sabia de nada disso, ou era egoísta e

prepotente demais para admitir que comigo dava-se o mesmo.

Espero que gostem da obra que deixo para vocês

agora. Boa leitura.

diegoSABÁDO

Belém, 10 de maio de 2014

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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Breve Introdução

O mundo técnico científico contemporâneo não sabe bem dizer onde se encontra, ou de que modo se tem acesso, ou se

ainda há um meio de chegar a ele, ao âmbito do ser-homem

mesmo. Tudo é agora posto sob o julgo da mensurabilidade, tudo

é calculável, e a existência humana agora afunda os pés na lama

de sua própria racionalidade. O que temos a dizer? Coisa alguma

porque não nos é dada a chance de expressarmos tal indignação. Mas eles não nos calam a voz, não, pelo contrário, o mundo

técnico científico atual apenas nos ensina a aceitar, a sorrir, e

achar que toda esta loucura é natural, e faz parte de nosso existir

mesmo. A ciência e o saber filosófico caracterizam-se, ambos, pela

luta entre este tecnicismo e a busca pelo que de humano há ainda em nós. De que lado estamos? Daquele que busca o sentido da

humanidade, o ser-homem da humanidade mesma. Estamos no

caminho certo? Esta escolha é a escolha certa? Na verdade ela é

só uma escolha, e escolhas não são boas ou ruins, elas são só

escolhas, e são tudo o que somos.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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“A Síndrome de Peter Pan”

Um breve esboço sobre o medo de crescer.

Este texto apresenta uma análise clara e distinta sobre uma nova concepção da chamada Síndrome de Peter Pan. Tomei a liberdade de auxiliar-me na poesia de um jovem amigo, e de tomá-lo como exemplo. Por esta razão, é para ele que dedico este breve esboço sobre o medo de crescer.

Introdução poética para uma teoria.

Quando Dennis percebeu que, em seu humilde oceano, já se mostrava demasiado tarde, e que o calor do verão da vida

havia derretido por completo o gelo das lembranças, nada mais

poderia ser feito, senão abrir as velas e partir, a todo pano, no

vento surdo de sal que ecoava livre, abandonando os verdes vales

brancos de neve de sua terceira infância. Mas nosso pobre poeta

não pôde levantar as âncoras, temia não suportar o infinito no horizonte. Dennis era ainda jovem quando chegou a esta

encruzilhada. Mas todos chegaram ou chegarão a ela, os que já

chegaram devem escolher como atravessar esta longa ponte, e os

que já descansam na outra margem nem sempre descansam em

sorrisos. Este pequeno esboço pretende clarear aos nossos olhos o

que vêm a ser este natural temor que aflige os adolescentes de

nossa sociedade, quais suas consequências, quais suas

influências na formação do indivíduo homem que caminhará livre

na densa mata do futuro. Nossa finalidade é então mostrar

aspectos da construção e descoberta do “Eu”. E como este é um tratado que, por mais poético que se nos mostre, teima em

pretender ter qualquer coisa de psicológico, não farei uso de

suspense algum, ou de qualquer mero recurso dramático,

portanto adianto-lhes, caros leitores, nosso sincero, real e singelo

exemplo cruzou esta ponte cruel, seu barco avançou na turva neblina do mar e ele descobriu, não tarde, porém nem muito

cedo, a dor de ser humano, de ter que seguir, de ter que

esquecer...

Desde que somos embriões murchos no útero materno,

estamos, como dizem os desenvolvimentistas na psicologia, nos

construindo, transformando, criando e recriando. Quando finalmente nascemos, já formados, passamos a desenvolver

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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nossos sentidos básicos, coordenações motoras básicas, reflexos

básicos e uma infinidade de coisas básicas acontecem em todo

nosso organismo. Depois, na dita segunda infância, passamos a

nos aperfeiçoar por inteiro e aos poucos, física, orgânica e intelectualmente. Na terceira e última infância precedemos em

tudo a catástrofe mágica do ser adolescente. Tudo que

aprendemos e nos tornamos será parte do que seremos quando

chegarmos lá. Aí é que está o papel divinamente importante da

educação dos pais, e também por isso pensam eles que podem

moldar seus filhos à maneira que lhes convêm, porque o que ele verdadeiramente é aqui será a base e o reflexo do adolescente lá

da frente. Porém é preciso entender, por mais presentes que

sejam os pais, por mais unida que seja a família, por mais de

todos que seja tal criança, na adolescência ela estará só, sozinha

num imenso país de desconhecidos, de pessoas que a não entendem, que a não levam a sério. E ainda que dois amigos

adolescentes sejam companheiros inseparáveis na vida e na

morte, como se costuma dizer, nada mudará o fato de estarem

ambos sozinhos no dois que é um só de sua amizade.

Daí ser a adolescência a fase do medo, da angústia, da

solidão. Surge muita dúvida, muita busca por respostas que nem existem. A adolescência é quem cria o ser humano, com as bases

ainda frágeis que este trouxe da infância, o adulto, o velho que

este se tornar não será mais que as ramificações que esta mesma

criação da adolescência fez em seu incompleto caráter, em busca

de seu “Eu” livre de todo erro. Ao morrer então, mesmo que nem mais lembre e nem saiba como, ele se despedirá de tudo que se

tornou a partir das escolhas, das superações, dos desejos, os que

ele venceu e os que deixou lhe vencer, se despedirá de si mesmo,

e este “Si” mesmo que vai embora é apenas o bolo dos sonhos,

esquecidos ou realizados que aos poucos fermentou no forno

daquela vida que cruzou de alguma forma a ponte sobre o infindo mar da adolescência.

Qual a razão de ser do medo e da dúvida que às vezes

são tão poucos que nem podemos notar? Não a razão de ser mais

certa que esta: à frente da juventude de sua alma há somente o

desconhecido, duvida-se sempre do que há neste desconhecido, e teme-se também sua escuridão. É o medo, em qualquer grau que

se apresente para a pessoa que a fará retroceder um pouco

sempre, e pensar, para só então seguir. Suas ações encontram

neste medo um princípio incrível para não serem

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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precipitadamente erros irreparáveis. No medo de crescer o jovem

encontra forças de preparar para si o melhor caminho possível,

dentre os muitos que sua subjetividade pode conceber. Mesmo

quando este se nega a avançar, como Dennis Potter o fez por muito tempo, não está senão, ainda que de forma não tematizada,

é claro, preparando não só o caminho que vai seguir, mas sim

toda bagagem, e a si mesmo para tamanha viajem. São as

dúvidas que nos fazem buscar respostas, e é o medo que nos faz

seguir, que nos faz agir, é justo este medo de crescer, que deveria

forçar os jovens corações a abandonar tudo e permanecer ali pra sempre, que os faz seguir em frente e crescer. É esta a razão de

ser de tamanha confusão, levar a catástrofe da adolescência ao

seu fim último e único.

É natural esta vitamina de sentimentos confusos que nos

aflige nesta passagem crucial, nesta saída da adolescência. Ocorre logo depois, como um depois de séculos velozes, logo

depois de nos darmos conta, de naufragarmos, por assim dizer,

neste mar vitaminado de medo, dúvida, angústia, desejos,

saudade e sonhos. Então é como se não soubéssemos onde

estamos, queremos seguir, queremos ficar, queremos voltar, e

estas são as três variáveis que dependem unicamente do “Eu” que cada indivíduo está se tornando: uns querem crescer o mais

rápido possível, romperam a barreira da infância cedo demais

sem saudade alguma e se apressam para chegar à idade adulta,

porém, ou não sabem por onde seguir, ou seguem em dúvida;

outros respiram de fato a dúvida, ou não sabem se vão ou se ficam, ou querem ir, mas no fundo sonham quimeramente em

ficar, ou dizem querer ficar quando na verdade anseiam pelo ar

novo que os espera; uns últimos, como Dennis, descobrem ser em

vão tentar permanecer, impossível voltar, e absolutamente

necessário seguir, então se agarram às lembranças tolas, certos e

confiantes de que, “crescer é esquecer que a infância nunca acaba”. Mas todos os adolescentes nesta fase enfrentam sua

insana crise de identidade: não sabem como resolver-se, não

sabem quem são, e temem o que irão se tornar, passam a buscar-

se em diversos lugares, passam a se procurar, a se criar, a se

inventar e re-inventar, se negam, se perdem, se encontram, e quando enfim se despedem de sua eterna Terra do Nunca, partem

novos, com seu caráter e sua personalidade construídos ou

mesmo esboçados, com seu “Eu” agora encontrado, debaixo do

braço, livres, quem sabe até, prontos para o futuro.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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Pequeno parágrafo para uma importante diferença.

Primeiro vejo a necessidade de explicar nossa Síndrome

de Peter Pan. Diferente do livro do psicólogo americano Dan Kiley, e de muitos outros estudiosos que tratam o tema como uma

versão masculina do chamado Complexo de Cinderela, nosso

esboço mira seus esforços para o alvo da adolescência. Nossa dita

Síndrome de Peter Pan não é aqui uma fuga dos homens das

responsabilidades enquanto estes já se encontram na idade

adulta, muito menos uma extrema vontade de permanecer criança em espírito para assim gozar de aventuras e prazeres que

geralmente seriam negados à um adulto com responsabilidades

sérias. O Peter Pan que até hoje se viu na psicologia é um adulto

que foge dos problemas e das preocupações, um “garotão”, que

não gosta de compromissos sérios e que em todo momento só quer se divertir (este é o Peter de Dan Kiley). O Peter Pan desta

nossa filosofia é na verdade o oposto do que até hoje se tem na

mente por causa destas influências psicológicas, é outro Peter,

um Peter quem sabe mais fiel ao verdadeiro personagem de J. M.

Barrie, talvez não fiel por completo por já haver deixado pra trás

aquela eterna “Neverland”. Nosso Peter, tratado neste esboço sobre o medo de crescer, é apenas um típico adolescente em sua

crise identitária, com medo de avançar um passo que seja, sem

saber por quais caminhos correr, por qual rua entrar. Há que se

entender, antes de mais nada, que esta Síndrome não é, em geral,

uma extrema vontade de permanecer na adolescência, de não crescer jamais. Nossa Síndrome de Peter Pan é exatamente o

medo que sentem os adolescentes de crescer (não por nada ser

este um esboço sobre tal medo), e não um desejo intenso de

jamais crescer, é o medo que sentem estes diante do

desconhecido, do futuro, o medo de não saber o que se tornar, por

não saber quem se é. Enquanto o Peter dos psicólogos carrega consigo uns quase cabelos brancos caindo sobre os ombros, o

nosso carrega o fardo de não conhecer o pesado futuro que terá de

enfrentar.

Do medo de crescer como humanamente essencial.

Os medos dos adolescentes volvem-se numa angústia

cruel, que lhes remoendo por dentro lhes tira o sono e os impede

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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de agir num primeiro momento. A angústia1 que os aflige, atua de

muitas formas, mas é no fundo, somente o efetivo medo de

crescer, que acaba por acarretar no desmoronamento e na

construção, ao mesmo tempo, de todo o ser humano dos jovens. Tudo é novo então para este ser humano em construção

e desmoronamento chamado adolescente, mesmo aquelas coisas

que eram comuns em sua infância, se lhe aparecem agora

revestidas por novas peles e roupas. Eles não as podem

reconhecer mais, e mesmo que saibam como deveriam agir em

determinada situação, por uma nítida lembrança que seja de sua infância próxima, sentem-se paralisados, justamente porque, por

serem eles seres completamente novos, tudo que diante de si lhes

aparece é também novo, como se fossem apenas personagens

inéditos em mundos nunca antes visitados.

É difícil agir, é difícil saber como agir, porém não é possível esquivar-se deste algo novo, é preciso escolher o que

fazer, mesmo que se escolha permanecer imóvel e deixar tudo ser

levado na brisa do vento pela irracional força do dia-a-dia e do

tempo.

Tudo é novo, e tudo será sempre novo, até que ele possa

andar até o outro lado onde tudo não será senão um vomitório de repetições, que cada vez mais se revestirão de outras peles e

roupas, porém, aquele ser que desabava e se erguia ao mesmo

tempo haverá deixado de fazer tão incansável trabalho, e agora

poderá resolver tudo, pois tudo já foi resolvido antes. Suas

mudanças serão apenas couraças e mais couraças que colocará sobre as ramificações de seu ser agora caminhando para o fim.

Carta aos meus. Nº1 Saber se encontrar em meio aos nossos próprios

sorrisos perdidos no vão da nossa história. Eis o que me parece ser, deveras, difícil, porém, essencial. Olho ao redor do mundo e

vejo o mesmo mundo de antes, de sempre, acorrentado em devaneios tolos, em respostas mal pensadas, em lembranças distorcidas de um mundo que foi e sempre será este mesmo emaranhado e conflituoso fim, e aos meus olhos, tudo teima em

querer parecer este tolo começo.

Tenho procurado por muito tempo meu porto seguro, receio que seja hora de desistir, talvez ele nem exista. Tenho uns

1 Esta angústia é, claramente, ôntica, e ela só pode volver-se em medo por

encontrar no objeto “medo de crescer” aquilo que ameaça o “Eu”. Mais sobre angústia e sua diferenciação ôntico-ontológica no Escrito 4.

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dezoito anos cansados que teimam em não terminar. Sinto-me num fim sem aplausos, e me sinto feliz, pois quanto mais longe

meu caminhar me leva de "Neverland", mais esta existência se torna um filme perfeito, cheio de cenas banhadas em textos e desfechos maravilhosos.

Eu sou Dennis Potter, um anjo sem asas tentando

alcançar o limite do céu, um triste arlequim do avesso, embriagado de doces palavras e sorrisos sem razão de ser...

Espero que vocês perdoem este tímido desabafo, é um salto poético rumo à liberdade do espírito, é uma valsa sem sorte

alcançando o limbo caótico da solidão. Para aqueles que conseguiram se manter de pé após a

travessia da famosa ponte de paz, parabéns, e para aqueles, como eu, que continuam enfeitiçados pela beleza de uma terra

do nunca que deixa de existir a cada dia, espero que consigamos chegar com lágrimas de gratidão, ao que quer que seja, em terra firme.

Penso numa resposta que englobe tudo, que encontre cada detalhe e traga suas pequenas discrepâncias para junto de um todo maciço, e só consigo segurar em minha mão uma enorme esfera oca, opaca, frágil, cheia de preconceitos infindos,

cheia de medo e cheia de maldade. Dennis Potter – Sincero e sofrido poeta

Esta é uma carta que Dennis, nosso exemplo de típico

adolescente com um medo interminável do novo que lhe aparece

como futuro à frente, escreveu aos seus colegas de classe no livro

lançado por sua escola em seu último ano de estudo. Podemos

notar a clareza como o otimismo manchado de angústia e remorso pelo nada fazer se desenha pelas frases. Há esperança, sempre

há. Os jovens esperam sempre um futuro bom, por mais

inebriados que estejam pelos problemas e dores que enfrentam, e

por mais que todos os pensamentos lógicos que consigam

conceber o levem a conclusão de que será impossível sorrir no futuro, mesmo com todos os pesadelos do mundo, eles esperam,

oram, sonham com jardins cheios de flores e uma vida tranquila,

fácil, quimérica2.

Cada adolescente precisaria ser estudado sozinho, em

todas as suas particularidades, para assim podermos explicar

todas as facetas que este medo pode apresentar. Mas não é preciso fazer tamanho esforço para universalizar que tal medo é

real. Todo leitor que já tenha atravessado tal fronteira, e mesmo

2 Mesmo aqueles entregues à depressão sabem que nesta depressão está a esperança de seu futuro. São adolescentes, e por isso, nada, nem a morte é algo

sério. Aos adolescentes falta exatamente esta categoria existencial essencial: a seriedade.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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cada jovem que estiver lendo este esboço, pode olhar para dentro

de si e com certeza encontrará, em algum nível que seja, o germe

desta síndrome humanamente necessária para a vida.

Quando escrevia estas linhas, meus próprios dedos me quiseram derrubar para provar por si só que o que acabo de

escrever é falso. Porém vejo agora que mesmo aqueles que com

um furor imenso e sem nenhuma saudade atravessam a

adolescência imunes e se tornam honrados homens e mulheres

na idade adulta, de alguma forma, quando corriam sem descanso

para a linha de chegada, se depararam com este, mesmo que em subtraído grau, medo de crescer. Pois de que forma este medo se

lhes pôde aparecer? Talvez como medo de não conseguir chegar

onde se propunha, talvez medo de não ter certeza alguma de que

se estava no caminho certo. De modo que nenhuma pessoa está

absolutamente livre, ninguém foge a esta angústia, às vezes cruel, às vezes fugaz, à qual chamo: medo de crescer.

Busca e construção do “Eu”: O desenvolvimento da identidade

como idéia universalmente atribuída ao crescimento, e como

solvente do medo de crescer.

É devastadora a descoberta que se faz na adolescência

sobre a caixa de pandora existente no mundo adulto que os rodeia

e que antes seus olhos infantis não podiam enxergar. Começando

muitas vezes por seus próprios pais, que em todo instante lhes

eram exemplos de dignidade e honradez, como verdadeiros heróis, e agora se revelam pessoas normais, cheias de erros e defeitos,

cheios de humanidade, seus heróis perdem seus poderes, como

todo mundo adulto passa a perder as coisas boas que dele se

podia imaginar.

Muitos outros fatores também influenciam, mas não

tanto quanto o exposto acima, neste auto-perder do “Eu” que ainda nem era, do adolescente, são fatores múltiplos – e não

convém expô-los aqui – tão diversos quanto são os “Eus” perdidos

e que precisam ser buscados, para só então, de fato, passarem a

existir. A busca deste “Eu” é exatamente a formação da

personalidade, do caráter do adolescente, é a lapidada construção de sua maneira de pensar, de suas verdades, de sua razão e de

sua moralidade.

Esta formação da identidade do adolescente esbarra no

drama incrivelmente oposto da descoberta da impureza do mundo

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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adulto. Pois é óbvio que seu natural amadurecimento lhe levará

ao que agora ele observa e entende como errado e absurdo. O

errado e absurdo que o adolescente observa aqui são coisas

comuns ao mundo adulto, atitudes, ações hipócritas e sem sentido que estes realizam (como o fato da própria lei, feita por

adultos, proibir os jovens de fazer coisas que eles já se

consideram capazes de fazer, e outorgar-lhes o dever de fazer

outras que às vezes ainda não se julgam, ou mesmo não são,

capazes). Deste modo é preciso brecar o carro nesta estranha

contramão, retroceder, e procurar outros meios, caminhos distintos, que lhes permitam chegar a casa sem ter que fazer parte

daquela imensa caixa de pandora3.

Agora este aventureiro não medirá esforços para

encontrar esta saída, e esta busca é apenas a construção de seu

“Eu”, subjetivamente composto pelo trabalho exaustivo de cavar estradas, atalhos, conceitos, e verdades absolutas em mundos

que ele cria, ou toma de outros lugares como corretos e infalíveis.

Estamos no que Erik Erikson chamou de crise da adolescência, e

onde o medo de crescer alcança seu mais alto grau de

potencialidade. Como ainda querer crescer diante de tanta

hipocrisia? Como crescer sem se tornar o que agora tanto se abomina? É inevitável crescer, inevitável seguir adiante, então, em

meio a esta crise: alguns adolescentes encontram ídolos em

pessoas que tomam agora como exemplos a se copiar, exemplos

de caráter e personalidade, dignos do rótulo da perfeição, nos

quais eles irão se mirar para a formação de suas próprias identidades; outros se negam a seguir quem quer que seja, se

negam a se tornar pessoas que a infância ao qual eles precedem

irá também abominar, então, rebelados contra tudo e todos,

seguem seus próprios caminhos, guiados apenas por inexplicáveis

forças de dentro de si, ou de seu grupo de iguais jovens, e nem

sempre seguem por caminhos luminosos, muitas vezes perdendo-se em vícios na falsa esperança do controle e da consciência de si

e do caminho que se está trilhando; aqueles que por motivos

puros demais para caber neste breve esboço, ao chegarem a tal

crise (pois que esta enquanto construção da identidade da pessoa

é natural a todos), cruzam o caminho numa paz sincera e

3 É notável um problema nesta colocação, pois aqueles que passaram pela adolescência admirando o mundo adulto obviamente não notaram erro algum, não

se decepcionaram com este mundo, mas talvez sequer tenham abandonado a infância.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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luminosa são dignos de nossos aplausos e de nossa admiração, e

não convém estudá-los aqui; já aqueles que por uma tardia

infantilidade nem observam a consistência da caixa de pandora

aberta no mundo adulto são dignos de nosso pesar, pois esbarrarão mais à frente num muro gigantesco de decepções4.

É óbvio que o adulto que surgirá de toda essa equação,

será apenas o produto dos caminhos que aquele jovem escolheu

seguir, posto que não existe outro meio de chegar a si mesmo,

numa idade além, sem antes passar pelo que neste esboço vos

apresento. Óbvio também, como por alto suscitei no início deste trabalho, é a idéia de que o jovem que teve de tomar tais decisões

mais atrás, ainda que sozinho em seu país de desconhecidos, as

tomou com bases, frágeis ou não, que trouxe da infância. Temos

aqui bem nítida a imagem do contínuo desenvolvimento humano,

onde cada etapa, cada fase de sua vida, exerce sua específica influência na fase seguinte. Mas voltemos à adolescência, para

não perdermos o fio condutor das respostas sobre esta Síndrome

que me propus a esclarecer.

O quão vítimas são os jovens da enorme maldade que

toma conta de nossa sociedade? Agora só lhes resta perder-se em

inúmeras identidades, dissolverem-se em conclusões tão absolutas hoje, e tão banais amanhã. “Não é tão simples crescer”,

pensam eles e parecem querer desistir, não se pode fazê-lo, há

que se seguir. Neste emaranhado de idéias, de vontades e sonhos,

de conclusões absolutas, podemos entender a fantástica evolução

do pensamento nesta fase do desenvolvimento. Os jovens escapam de uma falha e insuficiente maneira de perceber o mundo e

refletir sobre suas coisas, aos poucos vão saltando estágios

cognoscíveis e no cruzar da ponte entendem-se libertos, pensando

livremente de uma maneira nova, abstrata até, quase completa.

Muitos adultos que alcançam esta liberdade do pensar

atravessam a ponte cruel do “desadolescer” com sorrisos, porém muitos outros chegam ao outro lado com o caráter e a

personalidade ainda querendo germinar. Diz-se que o fim da

adolescência é a formação de uma identidade só sua, há

controvérsias, ambas as idéias são duvidosas. Nada duvidosa, no

entanto, é a idéia de que exatamente esta formação do “Eu” do adolescente é o processo do crescimento, o que não implica estar

4 Ou então, se ainda assim não se decepcionarem, quão desgraçados serão, pois

que talvez seja impossível encontrar-se consigo mesmo no caminho das virtudes, da moral e do amor ao próximo. Talvez jamais encontrem seu “Eu” individual.

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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com a identidade completamente formada ao se notar “crescido”,

ao se notar na outra margem, como dizemos. E disto só obtemos a

conclusão de que crescer às vezes também não implica chegar ao

fim da adolescência ou mesmo à idade adulta. O fato é que todo medo de crescer se dilui automática e naturalmente no tempo,

nesta formação do “Eu” do adolescente: “Quando finalmente se

cresce, não há mais por que temer o crescer”.

A sólida construção de uma identidade.

O que está em jogo aqui é uma segura construção da

identidade, um bem resolver a crise em que se está envolto. Um

número consideravelmente grande de jovens chega à idade adulta

sem resolver esta crise. Para o psicólogo Erik Erikson, o

desenvolvimento dum indivíduo, desde a fase uterina, é exatamente o solucionar de várias crises, que ele dividiu em

etapas, o não bem resolver destas etapas psicológicas e sociais

implica na formação de uma débil identidade. Na adolescência, a

crise em que se vê emergir a cada segundo é a busca por si

mesmo, pelo seu “Eu”, e esta crise é ampliada pela sagaz lupa do

medo de crescer. Além de ter que descobrir quem se é, é preciso enfrentar tal medo. Porém, medo e crise de identidade atuam

juntos no adolescente, e juntos transformam este em adulto.

Como já foi dito, seria preciso estudar em particular cada

pessoa da sociedade, para assim observar todas as facetas deste

medo. Mas, mesmo os poucos estudos que se tem sobre o tema compreendem, ou ao menos deveriam compreender, a realidade

deste e sua fiel importância para a construção do ser humano em

si, como apontamos neste breve esboço. Ora, o medo de crescer é

a chave, o princípio regulador que faz os jovens recuarem,

estagnarem diante do desconhecido, diante do absurdo e errado

que podem observar, diante da eminente aparição do futuro. Este medo de crescer fadado a ser eliminado e esquecido no terminar

da jornada, leva os adolescentes a escolherem suas ações e seus

caminhos: segundo suas vontades, suas individualidades, suas

maneiras de enxergar o mundo, de refletir sobre ele, segundo os

padrões morais que entende, segundo sua herança cultural e familiar, segundo a imagem que pintam do próprio futuro,

segundo suas mais incontidas esperanças e seus mais diversos

sonhos. Ele escolhe, pois aqui é preciso fazê-lo, agora o

adolescente é dono de si próprio, sozinho que está, por mais

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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cercado que esteja de pessoas que o amam e que o querem

ajudar, precisará escolher o que fazer, e onde esperar chegar. É o

medo de crescer que o faz medir sua própria vida e escolher

“como”, e talvez até, “quando”, finalmente crescer, mesmo que nem se aperceba disto, nem se aperceba destas suas escolhas, ou

pra onde elas o estão levando. Somente suas escolhas revelarão

que espécie de ser humano se tornará, que espécie de “Eu”

conseguirá construir, se uma frágil e débil, ou uma sólida,

consistente e segura identidade.

O conceito de escolha surge aqui neste esboço, como uma chave artesanalmente talhada pela razão de ser da necessidade de

se descobrir, do medo de crescer nasce aos poucos o caminho

desenhado pelas escolhas, e o fim desta estrada é somente a

formação do “Eu”. Somente no fim da estrada (e este fim pode

nem ser o fim da adolescência), quando o medo de crescer se apagou por completo, é que o indivíduo pode descobrir quem ele

se tornou, quem ele é.

Conclusão poética para uma teoria.

Muitos, em sua crise de identidade, nem são capazes de percebê-la chegar ao fim, os que enxergam este ocaso, se

encaminham lívidos numa identidade intocável ao futuro. Dennis

Potter, quando viu o quão cruel era o destino que lhe levava para

uma idade adulta cheia de erros, ignorância e hipocrisia, partiu,

tipicamente, como todos os adolescentes, ao encontro de seu “Eu” puro e liberto. E nessa busca, negou-se, perdeu-se e encontrou-se

enfim, como muitos, cada um ao seu modo, e ao ver seu “Eu”

formado, imutável e belo caminhando ao futuro, olhou ao redor e

viu alguns de seus amigos correndo, em uma crise amena,

ansiosos por se tornar o mais rápido possível como os adultos que

tanto admiravam e nos quais não conseguiam enxergar erro algum, e não pôde entender como eles não podiam perceber a

fragilidade de suas esperanças. Após crescerem, estes seus

amigos esbarraram no gigantesco muro das decepções, e só então

passaram a buscar seus “Eus”, só então passaram a buscar suas

identidades, personalidade e caráter, só então começaram a crescer.

Dennis compreendeu a dissolução do seu medo de

crescer que lhe atormentara antes e que agora não existia mais,

vasculhou a memória e não encontrou o momento de seu

6 escritos sobre o “Eu” e uns poucos poemas – diegoSABÁDO

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desenvolvimento em que este medo lhe dera adeus, nem mesmo

podia dizer se tal medo, que lhe fizera muitas vezes recuar diante

de precipitadas conclusões, que lhe fez pensar e escolher (mesmo

numa lógica adolescente) os caminhos seus, que lhe levaram até ali onde estava, até o ser humano que agora era, não podia dizer

se tal medo ao menos lhe dissera adeus antes de partir. Mas

sentiu orgulho de tê-lo podido sentir quando tudo era novo e

assustador, então lembrou, “crescer é esquecer que a infância

nunca acaba”, e percebeu que havia esquecido, e talvez por isso

estava ali, talvez por isso havia crescido (as conclusões poéticas de Dennis aqui, talvez apenas façam sentido àqueles que como

ele, respiram este ar de poesia, não sendo por isso, tão relevantes

assim para a construção do “Eu” e dissolução do medo de crescer

no geral de nossa sociedade. Ou seja, sua máxima: “crescer é

esquecer que a infância nunca acaba”, exposta em muitos de seus poemas novos, tem valor apenas poético, dramático, pode-se

dizer, ilusório). Mas Dennis havia esquecido da criança que foi um

dia e que lhe levou à adolescência que lhe trouxe até ali, até seu

“Eu” consciente de si, Dennis percebeu que havia crescido enfim.

Escreveu nos altos da memória pra não mais esquecer tamanha

verdade5, sua máxima, pensou mais uma vez naquele medo de crescer e na importância que ele teve na construção de sua

identidade, de seu “Eu”, em seu desenvolvimento, sorriu e partiu

feliz, não sem outro medo qualquer do futuro desconhecido à sua

frente, mas partiu pra casa consciente de si, partiu para o lar que

agora era apenas ele mesmo.

5 O Peter Pan de J. M. Barrie sempre esquece as coisas. No problema de memória do eterno garoto encontramos um contraponto fundamental. O que Peter Pan

esquece? As coisas que viveu, suas aventuras, os amigos, tudo, e este esquecimento essencial, exatamente, ao impedir que guarde sua vida na memória, o impede de crescer, porém há uma única coisa que Peter Pan não esquece jamais, seu desejo de nunca crescer, e por isto ele pode, esquecendo todo o resto,

permanecer criança, na infância. O papel da memória no envelhecimento, na obra de J. M. Barrie é claro, só aquele que lembra, cresce, porque exatamente não percebe que é no esquecimento que está a porta para a infância eterna. Aqueles que crescem são expulsos da “Terra do Nunca”, só permanece ali um menino,

aquele que nunca esquece que a infância só acaba, quando dela não nos ocupamos mais, quando esquecemos que ela é sem fim.