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Cortex Supra-Renal: Anatomia, Embriologia e Fisiologia Rui Tiago Cardoso 1 , Isabel Mangas Palma 2 1 Aluno do 5º ano Curso de Medicina, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar 2 Assistente Hospitalar de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, Serviço de Endocrinologia do Hospital Santo António, Centro Hospitalar do Porto Correspondência: Isabel Mangas Palma › [email protected] RESUMO As glândulas supra-renais têm um papel central nos mecanismos adaptativos do ser humano ao meio ambiente, bem como na regulação de diferentes processos fisiológicos, estando em estreita inter-relação com os demais órgãos endócrinos e com o sistema nervoso autónomo. No presente artigo abordamos, a título de revisão, a anatomia e embriologia das glândulas supra-renais e a fisiologia das hormonas produzidas e secretadas na região cortical. PALAVRAS-CHAVE Supra-renal; Cortisol; Aldosterona; Dehidroepiandrosterona. SUMMARY The adrenal glands play a very important role in the adaptive mechanisms of humans to the envi- ronment and in regulation of different physiologic processes. They are already in near interrelation with the other endocrine organs and the autonomous nervous system. In this article we focus the anatomy, embryology of the adrenal glands and the physiology of the hormones produced and secreted in the cortex. KEY WORDS Adrenal; Cortisol; Aldosterone; Dehydroepiandrosterona. ANATOMIA DAS GLÂNDULAS SUPRA – RENAIS As glândulas supra-renais localizam-se entre a face supero-medial dos rins e o dia- fragma. São envolvidas pela fáscia renal, através da qual se fixam ao diafragma, estando separadas dos rins pelo tecido fibro- so da cápsula que as envolve 1 . A glândula supra-renal direita tem forma triangular, situa-se anterior ao dia- fragma, contacta com a veia cava inferior antero – medialmente e com o fígado ante- ro - lateralmente 1 . A glândula supra-renal esquerda tem forma semi-lunar e tem relações anatómi- cas com o baço, estômago, pâncreas e com o pilar esquerdo do diafragma 1 . Cada glândula apresenta um cortex e uma medula, anatómica e funcionalmente distintos. Pesam cerca de quatro a seis gramas, Artigos de Revisão REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 01 71 ... 76 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 71

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Cortex Supra-Renal: Anatomia,Embriologia e Fisiologia

Rui Tiago Cardoso1, Isabel Mangas Palma2

1 Aluno do 5º ano Curso de Medicina, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar2 Assistente Hospitalar de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, Serviço de Endocrinologia do Hospital Santo António, Centro Hospitalar

do Porto

Correspondência:Isabel Mangas Palma › [email protected]

RESUMO

As glândulas supra-renais têm um papel central nos mecanismos adaptativos do ser humano

ao meio ambiente, bem como na regulação de diferentes processos fisiológicos, estando em

estreita inter-relação com os demais órgãos endócrinos e com o sistema nervoso autónomo.

No presente artigo abordamos, a título de revisão, a anatomia e embriologia das glândulas

supra-renais e a fisiologia das hormonas produzidas e secretadas na região cortical.

PALAVRAS-CHAVE

Supra-renal; Cortisol; Aldosterona; Dehidroepiandrosterona.

SUMMARY

The adrenal glands play a very important role in the adaptive mechanisms of humans to the envi-

ronment and in regulation of different physiologic processes. They are already in near interrelation

with the other endocrine organs and the autonomous nervous system. In this article we focus the

anatomy, embryology of the adrenal glands and the physiology of the hormones produced and

secreted in the cortex.

KEY WORDS

Adrenal; Cortisol; Aldosterone; Dehydroepiandrosterona.

ANATOMIA DAS GLÂNDULASSUPRA – RENAIS

As glândulas supra-renais localizam-seentre a face supero-medial dos rins e o dia-fragma. São envolvidas pela fáscia renal,através da qual se fixam ao diafragma,estando separadas dos rins pelo tecido fibro-so da cápsula que as envolve1.

A glândula supra-renal direita temforma triangular, situa-se anterior ao dia-

fragma, contacta com a veia cava inferiorantero – medialmente e com o fígado ante-ro - lateralmente1.

A glândula supra-renal esquerda temforma semi-lunar e tem relações anatómi-cas com o baço, estômago, pâncreas e como pilar esquerdo do diafragma1.

Cada glândula apresenta um cortex euma medula, anatómica e funcionalmentedistintos.

Pesam cerca de quatro a seis gramas,

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ocupando o cortex 80 a 90% do seu volu-me2.

O cortex tem uma origem embrionáriasemelhante à das gónadas. É constituídopor três zonas histológicas, denominadas deacordo com a disposição das células secreto-ras: zona glomerulosa, zona fasciculada ezona reticular2.

A zona glomerulosa, zona externa docortex supra-renal corresponde a aproxima-damente 15% do mesmo e as suas células,agrupadas em “ninhos”, são pequenas,apresentando núcleos também pequenosrelativamente às outras zonas. É responsá-vel pela secreção de hormonas mineralocor-ticóides (aldosterona e desoxicorticostero-na), principalmente a aldosterona.

A aldosterona é secretada pela zonaglomerulosa sob o controlo de três princi-pais secretagogos, angiotensina II, potássioe em menor extensão ACTH. A produçãodesta hormona é exclusiva da zona glome-rulosa uma vez que apenas aí se encontra asintetase da aldosterona.

A corticosterona e desoxicorticosterona,sintetizadas na zona fasciculada e glomeru-losa, actuam também como mineralocorti-coides.

A actividade da aldosterona é controla-da pelo sistema renina-angiotensina, porsua vez regulado pela mácula densa dotúbulo contornado distal. As baixas concen-trações plasmáticas de sódio e elevadas depotássio também podem estimular directa-mente a secreção de aldosterona a partirdas células da zona glomerulosa3.

A aldosterona liga-se a receptores intra-celulares específicos, encontrados em pou-cos tecidos alvo (rim e epitélios de transpor-te do cólon e da bexiga), provocando atranscrição de DNA que codifica proteínas -canais de sódio – e permite a reabsorçãodeste catião. É de realçar que a aldosteronaapresenta um mecanismo distinto de acção,independente da transcrição de genes, queocorre por estimulação do trocador iónicosódio-hidrogenião, através dos receptores

da aldosterona da membrana. O primeiromecanismo designa-se lento e o segundorápido3.

A zona fasciculada é a zona média emais larga das três zonas do cortex supra-renal e compreende aproximadamente 75%do cortex, variando em espessura sob dife-rentes condições fisiológicas2. As suas célulassão grandes e formam cordões radiais entrea rede fibrovascular. É responsável pelasecreção de hormonas glicocorticóides, emespecial o cortisol e também de esteróidessexuais apesar de em menor quantidade2.

A síntese e secreção de cortisol são regu-ladas, de acordo com as necessidades, pelaprodução de ACTH, secretada pela adenohi-pófise3.

A secreção de ACTH por sua vez é regu-lada pelo CRF (secretado no hipotálamo),pelo nível de glicocorticóides no plasma epela ADH (que atinge a hipófise pelos vasosportais neurohipofisários curtos)3.

A libertação de CRF é inibida pelosníveis sanguíneos elevados de glicocorticói-des, por impulsos oriundos do SNC, por pép-tidos opióides, factores psicológicos e domeio ambiente3.

Após penetrarem nas células, os glico-corticóides ligam-se a receptores citosólicosespecíficos (GRα e GRβ) encontrados empraticamente todos os tecidos. Após a liga-ção, estes receptores sofrem uma alteraçãoconformacional e migram para o núcleo,ligando-se ao DNA inibindo ou induzindo atranscrição de genes específicos3.

A zona reticulada é a região de menorespessura e mais interna do cortex supra –renal, apresentando células irregulares compequeno conteúdo lipídico. A sua espessuravaria de acordo com diferentes condiçõesfisiológicas2. É responsável pela secreção depequenas quantidades de androgénios e gli-cocorticóides.

O suprimento sanguíneo das glândulassupra-renais é da responsabilidade das arté-rias supra-renais superior (origem na artériafrénica inferior), média (origem na artéria

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mesentérica superior) e inferior (origem naartéria renal), que formam um plexo imedia-tamente abaixo da cápsula da glândula1,2.

Quanto à drenagem venosa, as sinusói-des da zona fasciculada convergem paraum plexo profundo na zona reticulada,antes de drenarem para as pequenas vénu-las que terminam na veia central da medu-la. A veia supra-renal direita converge naveia cava inferior e a esquerda na veiarenal esquerda1,2.

As glândulas supra-renais possuem umsuprimento nervoso rico, proveniente doplexo celíaco e dos nervos esplâncnicos torá-cicos. Os nervos são principalmente fibrassimpáticas pré-gânglionares mielinizadasque derivam dos cornos lateral da medulaespinal e que são distribuídas para as célu-las cromafins da medula supra-renal1.

EMBRIOLOGIA DAS GLÂNDULASSUPRA-RENAIS

O cortex supra - renal deriva do mesoté-lio celómico situado entre o mesentério dor-sal e o esboço gonádico. A primeira prolifera-ção e migração ocorre à quinta semana dedesenvolvimento embrionário, dando ori-gem ao cortex fetal ou primitivo. A segundaproliferação e migração surge pelo terceiromês de vida embrionária, formando-se o cor-tex permanente ou definitivo. O cortex fetalinvolui no período compreendido entre onascimento e o segundo ano de vida, desen-volvendo-se então o cortex permanente5.

Durante a gestação, formam-se no cortexsupra-renal, derivados androgénicos sulfata-dos que são transformados na placenta emhormonas androgénicas e estrogénicas acti-vas. Estas hormonas entram na circulaçãomaterna, tendo papel activo na regulação doequilíbrio endócrino durante a gravidez5.

IMPORTÂNCIA FISIOLÓGICA DASHORMONAS DO CORTEX SUPRA-RENAL

1. GLICOCORTICÓIDES

O cortisol e a corticosterona são os prin-cipais representantes deste grupo e desig-nam-se glicocorticóides dado que aumen-tam a produção hepática de glicose, estimu-lando o catabolismo lipídico e proteico, deforma a obter substratos para a gliconeogé-nese e reduzem a captação periférica da gli-cose.6 Os glicocorticóides actuam virtual-mente em todos os tecidos humanos6.

Na pele e tecido conjuntivo, os glicocor-ticóides inibem a divisão das células epidér-micas e síntese de DNA, reduzindo tambéma síntese e produção de colagénio. No mús-culo, os glicocorticóides causam atrofia(mas não necrose), e diminuição da síntesede proteínas musculares.

Os glicocorticóides inibem a função dososteoblastos, o que contribui para a osteo-penia e osteoporose que caracteriza o seuexcesso.

A observação de doentes com excesso edeficiência de glicocorticóides revela que océrebro é um importante órgão alvo paraestes, com depressão, euforia, psicose, apatia,letargia, como manifestações importantes.

Os glicocorticóides têm actividade anti-inflamatória por inibição da produção deprostaglandinas e leucotrienos. Têm activi-dade imunossupressora por inibição da fun-ção linfocitária. Quando em altas quanti-dades deprimem funções biológicas nãovitais como o crescimento e a função repro-dutora (inibem a pulsatilidade de GnRH elibertação de LH e FSH).

Além do seu papel no metabolismo ener-gético, os glicocorticóides potenciam a acçãovasoconstritora em resposta às catecolami-nas, têm um efeito protector relativamenteaos efeitos nocivos do stress, inibem a respos-ta inflamatória e a resposta imune específica.

Tanto o cortisol como a corticosterona

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são sintetizados a partir do colesterol, poruma cadeia de reacções químicas, cataliza-das por enzimas na sua maioria pertencen-tes à família do Citocromo P 450.

São secretados na forma livre, mas circu-lam no plasma ligados a proteínas. A prin-cipal proteína transportadora dos glicocorti-cóides é a transcortina ou CBG, contudotambém podem circular ligados à albumi-na. A ligação às proteínas tem como funçãorealizar o transporte e entrega das moléculasaos órgãos alvo, atrasar a sua clearancemetabólica e impedir grandes oscilações nasua concentração. A CBG é uma α2-globuli-na sintetizada no fígado, que aumenta asua produção durante a gravidez, contracep-ção hormonal, hipertiroidismo, diabetesmellitus, entre outros. O seu aumento origi-na uma diminuição temporária dos níveisséricos de cortisol, que condiciona umaumento da secreção de ACTH e consequen-temente dos níveis de cortisol. A produção deCBG está diminuída nas situações de síndro-me nefrótico, cirrose hepática, hipotiroidis-mo, entre outros6.

Cerca de 96% do cortisol circulanteencontra-se ligado à CBG, enquanto cercade 4% circula livre no plasma, sendo a frac-ção de hormona ligada inactiva e a livrefisiologicamente activa6.

A concentração matinal normal de cor-tisol é de 5-20 μg/dl. Como o cortisol se ligamais às proteínas transportadoras, que acorticosterona, é de esperar que a sua semi-vida em circulação seja superior à desta: 60a 90 minutos versus 50 minutos6.

Os glicocorticóides são metabolizadosno fígado por conjugação com o ácido gli-curónico ou pela adição de grupos sulfato,tornando-se hidrossolúveis e posteriormenteexcretados na urina e nas fezes6.

A secreção de glicocorticóides ocorre emresposta à libertação de ACTH pela adeno-hipófise. A ACTH é um péptido com 39 ami-noácidos e com uma semi-vida de aproxi-madamente 10 minutos, libertado em res-posta ao CRF secretado pelo hipotálamo6.

O controlo da secreção de ACTH e CRFocorre por três mecanismos: secreção episó-dica e ritmo diurno de ACTH, em respostaao stress e por retroacção negativa dosníveis de cortisol6.

A secreção circadiana de ACTH faz-se deforma pulsátil, com maior intensidade demanhã e menor durante a noite. O nívelsérico de cortisol é máximo entre as 6 e as 8horas da manhã, ainda durante o sonoantes de despertar6.

O ritmo diurno de secreção de ACTHmantém-se nos indivíduos com insuficiênciasupra-renal que se encontram sob terapêuti-ca de substituição, não se verificando contu-do, nos indivíduos com síndrome de Cushinge sendo exagerado nos pós-adrenalectomia6.

O ritmo diurno de secreção de ACTHpode variar com os seguintes factores:padrão de sono, padrão de exposição àluz/escuro, alimentação, stress, trauma,fome, ansiedade, depressão, doenças neuro-lógicas, doenças hepáticas, insuficiênciarenal crónica, alcoolismo, fármacos anti-serotoninérgicos, entre outros6.

Através de um mecanismo de retroacçãonegativa, níveis elevados de cortisol, condi-cionam uma diminuição de ACTH e tam-bém de CRF, conduzindo a uma diminuiçãoda secreção de cortisol pelas glândulassupra-renais6.

Tratamentos prolongados com corticoes-teróides também inibem a secreção deACTH, sendo esta inibição proporcional àpotência do fármaco utilizado. Quando otratamento termina, a glândula supra-renalencontra-se atrófica e a hipófise pode demo-rar meses a secretar níveis adequados deACTH. Caso não seja feita uma redução gra-dual do fármaco, o paciente fica em risco deuma insuficiência supra-renal aguda6.

2. MINERALOCORTICÓIDES

A principal função dos mineralocorticói-des é regular a excreção de sódio de forma amanter um volume vascular adequado6.

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Esta tarefa é realizada conjuntamentecom outros sistemas reguladores, que con-trolam a filtração e reabsorção tubular renale que regulam a osmolaridade plasmática6.

A aldosterona é o principal mineralocor-ticóide secretado pela glândula supra-renal.A desoxicorticosterona e a corticosteronatambém têm actividade mineralocorticóide6.

A aldosterona tem um padrão de secreçãofisiológico típico; diminuindo ao início danoite e aumentando numa fase mais avança-da da noite, provavelmente devido a umavariação na actividade da renina plasmática.

A aldosterona liga-se às proteínas plas-máticas (albumina e CBG) em menor exten-são que os glicocorticóides. Por dia libertam-se cerca de 15 mg de aldosterona, sendo asua concentração plasmática total de 0,006μg/dl e a fracção livre de 30 – 40%.6 A semi-vida da aldosterona é de 20-30 minutos,sendo metabolizada no fígado e excretadana urina, aproximadamente 1% na formalivre6.

A sua secreção é regulada pelo sistemarenina-angiotensina, pela concentraçãosérica de sódio e potássio (aumento depotássio e/ou diminuição de sódio) e emmenor grau pela ACTH6.

Os estímulos fisiológicos para que o sis-tema renina-angiotensina aumente a secre-ção de aldosterona são: diminuição da per-fusão renal, diminuição do volume extrace-lular, restrição dietética de sódio e diminui-ção da pressão vascular arterial (hemorra-gia e hipotensão ortostática)6.

A secreção de aldosterona também podeaumentar em situações patológicas desig-nadas por hiperaldosteronismo secundário,tais como: insuficiência cardíaca congesti-va, síndrome nefrótico e cirrose hepática6.

O mecanismo de acção da aldosterona écomplexo e não é completamente conheci-do. A aldosterona liga-se ao receptor citosó-lico dos mineralocorticóides, que migrapara o núcleo, permitindo a transcrição dedeterminadas sequências de DNA que sãoexpressas em proteínas de membrana, cuja

função é promover a reabsorção de sódio ea excreção de potássio6.

Os tecidos que expressam receptoresmineralocorticóides são: rins, cólon, glându-las salivares e fígado (em alguma extensão)7.

3. ANDROGÉNIOS

Os androgénios adrenais representammais de 50% dos androgénios circulantes emmulheres pré menopausicas. Em homens estacontribuição é menor devido à produção tes-ticular de androgénios. Os principais andro-génios secretados pelo cortex supra-renal sãoa androstenediona, a dehidroepiandrostero-na (DHEA), o sulfato de dehidroepiandroste-rona (DHEAS) e a testosterona6.

Por dia são produzidos em média, nocortex supra-renal, 4 a 14 mg de DHEA e 20a 25 mg de DHEAS7.

Existe no organismo humano uma con-tínua interconversão entre DHEA e DHEAS,mediada pela enzima DHEA sulfotransfera-se7. Os níveis séricos de DHEA e de DHEASestão inversamente relacionados com aidade. O nível máximo verifica-se pelos trin-ta anos de vida, que desce para valores pró-ximos dos 20% pelos setenta anos de idade7.

Em geral a secreção dos androgéniosacompanha a secreção de cortisol, sendo aACTH o principal factor regulador da suaprodução. São libertados na forma livre ecirculam ligados, através de ligações fracas,predominantemente à albumina6.

Existem, contudo factores, desconheci-dos, que alteram a semi-vida e a variaçãodestas hormonas em situações de doença7.

São metabolizados quer por degrada-ção, quer por conversão periférica emandrogénios mais potentes como a testoste-rona e a dehidrotestosterona6.

No homem são responsáveis por 30 a50% dos androgénios circulantes, verifican-do-se valor relativo mais elevado na mulher7.

A DHEA tem efeitos masculinizantes eanabólicos, contudo a sua potência é cercade um quinto da potência dos esteróides tes-

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ticulares. Em condições fisilógicas normais,o seu efeito é escasso. Na mulher, os esterói-des de origem supra-renal (e ovárico) têmefeito na líbido e na actividade sexual6.

A produção excessiva de androgéniostem efeito reduzido em homens adultos,sendo causa de hirsutismo em mulheres.Pode originar puberdade precoce em crian-ças do sexo masculino e masculinização decrianças do sexo feminino pré-púberes6.

As glândulas supra-renais desempe-nham um papel fulcral na adaptação do serhumano ao stress, na regulação do metabo-lismo energético na manutenção do equilí-brio hidro-electrolítico, na função sexual,entre outros.

A correlação anátomo-clínica das dife-rentes situações semiológicas e imagiológi-cas é possível graças ao conhecimento dasua estrutura. O estabelecimento de rela-ções com outros órgãos de locais e funçõesdistintas só existe tendo em conta a suaembriologia, isto é, baseia-se numa origemembrionária comum.

Para finalizar, o conhecimento dos pro-cessos subjacentes à produção, secreção,transporte e mecanismo de acção das dife-rentes hormonas reveste-se de importânciafundamental na estruturação do raciocínioclínico.

BIBLIOGRAFIA

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4. Vander et al, HUMAN PHYSIOLOGY, McGRAW-HILL, 9ª Edition, 2004.

5. Monteiro, Apontamentos de EmbriologiaHumana, ICBAS, 2005.

6. McPhee et al, Pathophysiology of Disease,LANGE, 5ª Edition, 2006.

7. Lovas et al, Replacement therapy for Addison´sdisease: recent developments, Expert OpinInvest Drug, 2008.

SIGLASACTH – Adrenocorticotrophic Hormone CRF – Corticotropin Releasing FactorADH – Antidiuretic HormoneSNC – Sistema Nervoso CentralDNA – Desoxyrribonucleic AcidCBG – Corticosteroid-binding globulinDHEA – DehidroepiandrostenedionaDHEAS – Sulfato de Dehidroepiandrostenediona

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Insuficiência do Cortex Supra-Renal:Fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

Rui Tiago Cardoso1, Isabel Mangas Palma2

1 Aluno do 5º ano Curso de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar2 Assistente Hospitalar de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, Serviço de Endocrinologia do Hospital Santo António, Centro Hospitalar

do Porto

Correspondência:Isabel Mangas Palma › tlm. 919551799 › [email protected]

RESUMO

A insuficiência cortical supra-renal caracteriza-se por um défice de hormonas esteróides

supra-renais e sua consequência na homeostasia do meio interno. No presente artigo, abor-

damos as principais causas e apresentações da insuficiência cortical supra-renal, bem como

as considerações sobre o seu diagnóstico e tratamento, em diferentes contextos clínicos.

PALAVRAS-CHAVE

Insuficiência Supra-renal. Doença de Addison. Cortisol. Aldosterona. Dehidroepiandrosterona

SUMMARY

The adrenal cortex failure is marked by a deficit in adrenal steroid hormones, and its conse-

quence in the internal environment homeostasis. In this article we focus the main causes and

presentations of the adrenal cortex insufficiency, its diagnosis and treatment in different cli-

nical settings.

KEY WORDS

Adrenal insufficiency. Addison’s disease. Cortisol. Aldosterone. Dehydroepiandrosterona.

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INTRODUÇÃO

A insuficiência cortical supra-renal éuma entidade clínica com múltiplas etiolo-gias, cujas repercussões decorrem de umaprodução ou secreção insuficiente de hormo-nas do cortex supra-renal: glicocorticóides,androgénios e mineralocorticóides (na insu-ficiência de etiologia primária). Pode sercausada por uma doença primária das glân-dulas supra-renais ou, de forma secundária,por uma diminuição da estimulação dasglândulas por défice de ACTH1.

Podemos classificar a insuficiência corti-cal supra-renal em insuficiência primária

aguda (crise supra renal), insuficiência pri-mária crónica (doença de Addison) e insufi-ciência secundária1.

A deficiência de mineralocorticóidesacompanha, invariavelmente, a insuficiên-cia supra-renal primária. Na insuficiênciasecundária, que ocorre por deficiência deprodução ou secreção de ACTH, a secreçãode mineralocorticóides é preservada devidoà acção do sistema renina-angiotensina--aldosterona.

De seguida, vamos caracterizar as dife-rentes formas de insuficiência corticalsupra-renal, focando a sua fisiopatologia, oseu diagnóstico e o seu tratamento.

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INSUFICIÊNCIA PRIMÁRIA AGUDADO CORTEX SUPRA-RENAL

CRISE SUPRA-RENAL

A crise supra-renal é uma entidade clíni-ca que pode ocorrer em diversas situações,das quais se destacam:

Pacientes com insuficiência supra-renalcrónica, sob qualquer forma de stress, emque haja necessidades acrescidas de cortisolque a glândula não é capaz de compensar.

Pacientes submetidos a tratamento pro-longado com glicocorticóides exógenos,perante uma súbita retirada desse medica-mento ou manutenção da dose em caso destress agudo. A precipitação de uma crisepode ser devida à incapacidade da hipófisesecretar ACTH em quantidade suficiente, oudas glândulas supra-renais compensarem aquantidade adicional de cortisol necessária,por se encontrarem atróficas.

Aquando de uma hemorragia supra-renal maciça que destrua uma grandequantidade de cortex, poderá ocorrer insufi-ciência supra-renal, tal como nos recémnascidos com partos prolongados e traumá-ticos, nos doentes hipocoagulados e na coa-gulação intravascular disseminada. Surgetambém como complicação de uma infec-ção bacteriana, o Síndrome de Waterhouse-Friederichsen, uma entidade rara, que podeocorrer em qualquer idade, especialmentedurante a infância.

Esta entidade clínica ocorre no contextode uma infecção bacteriana grave, geral-mente associada a sepsis, por Neisseriameningitidis, Pseudomonas spp, Streptococuspneumoniae, Haemophilus influenzae ouStaphylococcus spp. Caracteriza-se por umahipotensão rápida e progressiva e um qua-dro de coagulação intravascular dissemina-da e púrpura. Neste caso, a insuficiênciasupra-renal surge como consequência dahemorragia secundária à coagulação intra-vascular, da vasculite induzida pela endoto-xina de bactérias Gram negativas ou de

alguma forma de vasculite causada porhipersensibilidade, sendo, em qualqueruma das situações, iniciada a hemorragiana medula de onde progride em direcção aocortex.

O quadro clínico e laboratorial da criseadrenal pode incluir diferentes aspectos: desi-dratação, hipotensão ou choque, náuseas,vómitos, perda de peso, anorexia, dor abdo-minal aguda, hipoglicemia inexplicável,febre inexplicável, hiponatrémia, hipercalié-mia, azotémia, hipercalcémia, hiperpigmen-tação ou vitíligo, eosinofilia, sendo tambémassociado a outras endocrinopatias.

INSUFICIÊNCIA PRIMÁRIA CRÓ-NICA DO CORTEX SUPRA-RENAL

DOENÇA DE ADDISON

A Doença de Addison, descrita pela pri-meira vez em 1855 por Thomas Addison, foipor ele classificada como uma constelaçãode sintomas que incluía: “fraqueza e debili-dade gerais, uma debilidade acentuada dafunção cardíaca e uma alteração peculiarda coloração da pele” associada a uma“doença das cápsulas supra-renais”1.

Esta doença, incluída na lista de doen-ças raras, resulta da destruição progressivado cortex supra-renal, apresentando umaincidência a nível mundial de 0.8 casos por100,000 e prevalência de 4 a 11 casos por100,000 habitantes – sem predominânciade sexo ou faixa etária1,2,3.

As suas manifestações são resultado deuma diminuição ou ausência de produçãode cortisol, aldosterona e androgénios7.

A adrenalite auto-imune, a tuberculose,os carcinomas metastáticos e a SIDA sur-gem como causa de aproximadamente 90%dos casos de doença de Addison (Tab. 1)1:

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TABELA 1. Causas de insuficiência crónica do cortex supra-renalAuto-imuneEsporádicaSíndrome poliglandular auto-imune tipo ISíndrome poliglandular auto-imune tipo IIInfecçõesTuberculoseFungosVírus (CMV/HIV)Metástases tumoraisDoenças infiltrativasHemorragia intra supra-renalAdrenoleucodistrofiaHipoplasia adrenal congénitaSíndrome de resistência ao ACTHAdrenalectomia BilateralAdaptado de Kronenberg et al, Williams Textbook of ENDOCRINOLOGY, 11th

Edition, Saunders, 2008.

A insuficiência auto-imune, responsávelpor 60 a 70% dos casos de insuficiência cor-tical supra-renal nos países desenvolvidos,decorre da destruição auto-imune das célu-las produtoras de hormonas esteróides.

Verificou-se a existência de vários tiposde auto-anticorpos contra enzimas esteroi-dogénicas, 21-Hidroxilase e 17-Hidroxilase,em 75% destes pacientes1 sendo tambémpossível afirmar que 50% dos casos de doen-ça de Addison auto-imune, ocorrem no con-texto das síndromes poliglandulares auto-imunes tipos I e II17.

A síndrome poliglandular auto-imunedo tipo I (doença de Addison, hipoparatiroi-dismo, candidíase mucocutânea crónica,hipoplasia dentária, alopécia, hipogonadis-mo primário) é uma doença rara, autossó-mica recessiva, causada por mutação nogene regulador AIRE localizado em 21q221,11.

A síndrome poliglandular auto-imunetipo II (doença de Addison, hipotiroidismoprimário, hipogonadismo primário, diabe-tes mellitus tipo I, anemia perniciosa e vití-ligo), afecta predominantemente indivíduosjovens. É uma entidade poligénica e algunsestudos sugerem uma associação a polimor-fismos do HLA1,11, cujas moléculas demons-traram estar envolvidas com a susceptibili-dade e com a protecção genética à doença.

Desde o primeiro trabalho publicadosobre este assunto em 1975, onde se destaca-va a associação do antigénio HLA-B8 com a

susceptibilidade à doença de Addison, foramrealizados diferentes estudos que eviden-ciam a associação da doença ao antigénioHLA-DR3 e ao haplótipo DR3/DQ211.

Estudos mais recentes comprovam que aexistência de linkage desiquilibrium, ao nívelda região promotora do CYPB27B1, tam-bém está associada à doença de Addisonauto-imune7.

Ainda relativamente à genética dadoença de Addison auto imune, foi possíveldemonstrar o valor da enzima 21-Hidroxilase na monitorização do processoauto-imune que, apesar de não estar direc-tamente envolvida na destruição da glân-dula, constitui o principal auto-antigéniona insuficiência supra-renal primária9.

A incidência da insuficiência supra-renal de causa tuberculosa tem vindo adiminuir nos países desenvolvidos devido àdisponibilidade de fármacos anti-tuberculo-sos. Todavia, o aumento da incidência destaenfermidade nos países em vias de desen-volvimento, associado aos grandes fluxosmigratórios e à emergência de estirpes mul-tirresistentes, leva a que esta continue atomar um papel relevante no diagnósticodiferencial.

De um modo geral, esta doença ocasio-na, no momento inicial, infecções activasem outros órgãos como os pulmões e o apa-relho genito-urinário, sendo, posteriormen-te e por disseminação hematogénea, atingi-das as glândulas supra-renais que se tor-nam volumosas devido aos extensos granu-lomas e caseo que então se formam e afec-tam tanto o cortex como a medula. Em 50%dos casos, verifica-se que este processo evo-lui para a fibrose e calcificação1.

Os carcinomas metastáticos do pulmão eda mama constituem outra causa frequentede atingimento das glândulas supra-renaispodendo, em alguns casos, levar a umainsuficiência cortical supra-renal crónica1.

O atingimento destas glândulas porinfecções oportunistas (Citomegalovirus,Mycobacterium avium, entre outros) ou por

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complicações não infecciosas (sarcoma deKaposi), torna superior o risco de desenvol-ver insuficiência supra-renal nos pacientescom SIDA1.

Os fungos com papel mais relevante nodesenvolvimento de doença de Addison sãoo Histoplasma capsulatum e o Coccidioidesimmitis, os quais substituem a arquitecturada glândula por uma reacção inflamatóriagranulomatosa1.

A adrenoleucodistrofia, outra forma deinsuficiência cortical supra-renal crónica, éuma doença genética ligada ao cromosso-ma X e tem uma prevalência de 1:20000.Afecta o funcionamento dos peroxissomas,resultando numa deficiente oxidação dosácidos gordos de cadeia muito longa que seacumulam no cortex das glândulas supra-renais13.

Doenças infiltrativas como a amiloido-se, a sarcoidose e a hemocromatose tam-bém são potenciais causadoras de insufi-ciência cortical supra-renal.

A doença de Addison cursa com oseguinte quadro clínico: início insidioso,manifestando-se apenas quando cerca de90% do cortex das duas glândulas estiverdestruído e os níveis circulantes de glicocor-ticóides e mineralocorticóides se encontra-rem significativamente reduzidos1.

As suas manifestações iniciais incluemfraqueza progressiva, cansaço, perda depeso e distúrbios gastrointestinais (anore-xia, náuseas, vómitos e diarreia). Nospacientes com doença supra-renal primá-ria, elevados níveis circulantes de ACTHestimulam os melanócitos, causando hiper-pigmentação da pele, especialmente nasáreas expostas ao sol e nas zonas de pressãocomo o pescoço, joelhos, cotovelos e articu-lações das mãos, o que não se verifica empacientes com insuficiência supra-renal decausa hipotalâmica ou hipofisária.

A diminuição da actividade mineralo-corticóide origina hiponatrémia, hipercalié-mia, acidose metabólica, diminuição dovolume circulante e hipotensão. Pode tam-

bém ocorrer hipoglicemia por deficienteactividade glicocorticóide (Tab. 2)1.

TABELA 2. Frequência dos sinais e sintomas de Insuficiência doCortex Supra-renalSintomas /Sinais/Alterações laboratoriais Frequência (%)SintomasFraqueza, cansaço, fadiga 100Anorexia 100Sintomas gastrointestinais 92

Náusea 86Vómitos 75Obstipação 33Dor abdominal 31Diarreia 16

Avidez por sal 16Tonturas posturais 12Dor muscular ou articular 6-13SinaisPerda de peso 100Hiperpigmentação 94Hipotensão(PA sistolica < 110 mmHg) 88-94Vitíligo 10-20Calcificação auricular 5Alterações laboratoriaisDistúrbios electrolíticos 92

Hiponatrémia 88Hipercaliémia 64Hipercalcémia 6

Azotémia 55Anemia 40Eosinofilia 17Adaptado de Kronenberg et al, Williams Textbook of ENDOCRINOLOGY, 11th

Edition, Saunders, 2008.

Particular atenção merecem as situaçõesde stress como infecções, trauma ou cirurgiasque podem desencadear uma crise supra-renal aguda com vómitos incontroláveis, dorabdominal, hipotensão, coma e colapso vas-cular. A morte pode ocorrer se não foremestabelecidas medidas de suporte adequadase instituído o tratamento com corticoesterói-des1.

Relativamente ao prognóstico da doen-ça de Addison, é possível afirmar que cons-titui uma condição potencialmente letal:verifica-se um acréscimo de mortalidade emcasos de insuficiência supra-renal aguda esituações de stress (como as infecções), talcomo o apontam os estudos mais recentes22.Por outro lado, observa-se também maiorincidência de morte súbita em pacientescom diagnóstico realizado em idade jovem9.

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INSUFICIÊNCIA PRIMÁRIA CRÓ-NICA DO CORTEX SUPRA-RENAL

DOENÇA DE ADDISON NA GRAVIDEZ 25

Com o advento da corticoterapia, ummaior número de mulheres atinge a idadereprodutiva e tem uma condição clínicacompatível com a gravidez, ultrapassando--se a diminuição da fertilidade.

A doença de Addison afecta uma emcada doze mil gravidezes, sendo o seu diag-nóstico difícil dado que, até ao terceiro tri-mestre de gravidez, os níveis de cortisol semantêm elevados e os de ACTH estáveis.Alguns sinais que poderão alertar para odiagnóstico são: hipoglicemias, coma, albu-minúria persistente, hiperemese gravídica,sem outra causa aparente.

Nas gestantes com diagnóstico prévio dedoença de Addison, deve ser feito o ajusteterapêutico de acordo com o estado clínico.

O seguimento destas grávidas deve obe-decer a monitorização clínica e laboratorialapertada, bem como a corticoterapiadurante toda a gravidez. Ao longo do traba-lho de parto, a dose de corticóide deve seraumentada e mantida até ao sexto dia pós--parto, altura em que os níveis de cortisolretornam ao nível pré-gravídico.

INSUFICIÊNCIA PRIMÁRIA CRÓ-NICA DO CORTEX SUPRA-RENAL

DOENÇA DE ADDISON NA INFÂNCIA23, 24

A insuficiência cortical supra-renal é raradurante a infância. Pode apresentar-se deforma insidiosa ou aguda, sendo a sintoma-tologia sobreponível à observada no adulto.

A história familiar, consanguinidade,doenças de base e factores desencadeantesdevem ser valorizados para um correctodiagnóstico diferencial.

Estão descritos casos em que a apresen-

tação clínica inicial ocorre sob a forma deum coma hiponatrémico.

O tratamento substitutivo com glicocorti-cóides e, se necessário, com mineralocorticói-des deve ser instituído de forma precoce, utili-zando-se a menor dose que controle os sinto-mas e que, simultaneamente, permita umcrescimento e desenvolvimento adequados.

INSUFICIÊNCIA SECUNDÁRIA DOCORTEX SUPRA-RENAL

A insuficiência secundária do cortexsupra-renal ocorre na sequência de altera-ções patológicas do hipotálamo e/ou dahipófise que se traduzam numa diminuiçãoda produção ou da secreção de ACTH. Deentre as várias alterações destacam-se adoença metastática, a infecção, o enfarte ea irradiação1.

A administração exógena de glicocorti-cóides durante longos períodos tambémsuprime a secreção de ACTH e a função docortex supra-renal1. (Tab. 3)

TABELA 3. Causas secundárias de Insuficiência Cortical Supra-renal Terapêutica prolongada com glicocorticóidesHipopituitarismoRemoção selectiva de adenoma hipofisário secretor de ACTHTumores hipofisários e cirurgia de tumores hipofisários, craniofa-ringiomasApoplexia hipofisáriaDoença granulomatosa (tuberculose, sarcoidose, granuloma eosi-nófilo)Tumores secundários (mama, brônquios)Síndrome de SheehanIrradiação hipofisáriaDeficiência isolada de ACTHAdaptado de Kronenberg et al, Williams Textbook of ENDOCRINOLOGY, 11th

Edition, Saunders, 2008.

INSUFICIÊNCIA DO CORTEXSUPRA-RENAL

DIAGNÓSTICO

Os achados clínicos na insuficiênciacortical supra-renal são inespecíficos, exi-gindo um elevado nível de suspeita para se

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proceder ao diagnóstico. Dado que é umaentidade potencialmente fatal, mas comtratamento, impõe-se sempre o seu diag-nóstico diferencial quando houver clínicacompatível18.

Deve suspeitar-se de insuficiência corti-cal supra-renal em pacientes que apresen-tam hipotensão, perda de peso, hiponatré-mia, hipercaliémia, ou quando há desen-volvimento destes sintomas após situaçõesde stress como doença, lesão ou cirurgia18.

Nas fases precoces de destruição das glân-dulas, as alterações laboratoriais são inapa-rentes ou escassas: a secreção hormonal podeser normal, contudo, em situações de stress, aresposta é subnormal, podendo ser útil umaprova de estimulação com ACTH2.

Em estadios mais avançados, observa-seuma diminuição das concentrações séricasde sódio, cloretos e bicarbonato, elevaçãoda concentração de potássio e acidose meta-bólica. Em 6% dos pacientes ocorre hiper-calcemia. No perfil analítico, verificam-setambém alterações nas transaminaseshepáticas e nos valores de TSH, que se apre-sentam moderadamente elevados, semdoença tiroideia concomitante22.

Pode existir uma anemia microcítica,linfocitose relativa e eosinofilia moderada2.O status mineralocorticóide pode ser avalia-do pela determinação da actividade da reni-na plasmática, elevada, e pelo doseamentoda aldosterona, geralmente diminuída ouno limite inferior do normal5.

A suspeita clínica deve ser confirmadacom testes de diagnóstico. O nível plasmáti-co basal matinal do cortisol e o cortisol livreurinário estão frequentemente no limiteinferior do normal e não podem ser usadospara excluir este diagnóstico. Contudo, umcortisol basal superior a 400 nmol/L (14.5μg/dl) indica que o eixo hipotalamo, hipófi-se adrenal está intacto.

O doseamento do cortisol apresentavárias limitações, das quais se destacam asecreção segundo um padrão pulsátil e cir-cadiano, a existência de um grande interva-

lo de referência e também o facto de estaconstituir uma hormona de “stress”18.

O doseamento da ACTH, por sua vez,tem como desvantagens o facto de esta hor-mona apresentar uma semi-vida curta e serlábil in-vitro18.

Na prática clínica, todos os doentes comsuspeita de insuficiência supra-renal devemser submetidos a testes de estimulação comACTH, contudo em doentes com suspeita decrise supra-renal, o tratamento deve ser ini-ciado imediatamente e os testes de confir-mação efectuados mais tarde. Este teste con-siste na administração intramuscular ouendovenosa, de 250 μg de cosyntropin edeterminação do cortisol no tempo 0 e 30minutos após injecção.

Uma resposta normal é definida por umpico de cortisol maior que 550nmol/l (20μg/dL). A resposta não é afectada pela horado dia em que o teste é realizado, podendo serefectuado em doentes que iniciaram terapêu-tica substitutiva com corticosteróides; no casode esta ser hidrocortisona, deve ser alteradapois interfere no doseamento do cortisol.

Se a resposta for anormal, pode proce-der-se ao diagnóstico diferencial entre insu-ficiência supra-renal primária e secundáriapela medição da concentração de aldostero-na nas mesmas amostras sanguíneas. Nainsuficiência secundária, o aumento nor-mal na concentração de aldosterona corres-ponde a valores iguais ou superiores a 150pmol/L. Na insuficiência primária os níveisde ACTH e péptidos associados encontram--se elevados, enquanto na secundária seencontram baixos ou “inapropriadamentenormais”2.

Estão também disponíveis radioimunoen-saios para a detecção de anticorpos anti-21-hidroxilase e outros antigénios em doentescom insuficiência supra-renal primária5.

Na doença de Addison auto-imune, éimportante avaliar a função de outrosórgãos endócrinos para fazer o diagnósticodiferencial de síndromes poliglandularesauto-imunes5.

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A TAC pode revelar alterações estrutu-rais das glândulas supra-renais4.

A radiografia de tórax, a prova tubercu-línica e um exame cultural de urina parapesquisa de Mycobacterium tuberculosis sãoexames importantes quando se suspeita deetiologia tuberculosa5.

A adrenoleucodistrofia pode ser diag-nosticada pela determinação da concentra-ção sérica de ácidos gordos de cadeia muitolonga5.

Finalmente, quando se suspeita de insu-ficiência supra-renal de causa secundária,impõe-se a realização de RMN da hipófise ea avaliação da secreção da adenohipófise4.

TRATAMENTO DAINSUFICIÊNCIA DO CORTEXSUPRA-RENAL

TRATAMENTO DA CRISE SUPRA-RENAL

A crise supra-renal é uma situação clíni-ca que exige tratamento de tal modo emer-gente, que não deve ser atrasado pela reali-zação de provas para obtenção de diagnós-tico definitivo. Ao colher sangue para deter-minação dos electrólitos e glicose, deve tam-bém proceder-se à colheita de amostraspara doseamento de ACTH e cortisol, antesde iniciar a corticoterapia. Se o pacientenão estiver em estado crítico, pode realizar-se o teste de estimulação com ACTH5.

O tratamento da insuficiência supra-renal aguda inclui:

Medidas de emergência5:• Estabelecer um acesso endovenoso

com agulha de grande calibre;• Colher sangue para as análises previa-

mente citadas, não esperando, comojá foi referido, para intervir;

• Infundir 2 a 3 L de soro fisiológico (ouglicose 5% em soro fisiológico) o maisrapidamente possível. Avaliar os

sinais de sobrecarga de volume pelamedição da pressão venosa central ouperiférica e pela auscultação pulmo-nar, diminuindo a velocidade de infu-são se necessário;

• Injectar 100mg de hidrocortisona endo-venosa (EV) de imediato e a cada 6horas; se não for possível por esta via,administrar via intramuscular (IM).

• Providenciar outras medidas de supor-te de acordo com a condição clínica dopaciente.

Medidas de suporte (após estabilizar opaciente)5,18:• Continuar a infusão de soro fisiológico

a menor velocidade por 24 a 48 horas;• Pesquisar e tratar quaisquer causas

que tenham precipitado a crise;• Em pacientes sem diagnóstico prévio

de insuficiência cortical supra-renal,proceder à prova de estimulação comACTH e determinar o tipo e causa deinsuficiência;

• Diminuir a dose de glicocorticóidesgeralmente após 24h, reduzir a hidro-cortisona para 50 mg/IM de 6/6 horase, posteriormente, se o doente tolerar avia oral, passar a hidrocortisona 40mgde manhã e 20 mg às 18 horas. Logoque possível, passar para a dose desubstituição padrão.

• Iniciar mineralocorticóide (fludrocorti-sona 0,1 mg via oral por dia), aquan-do da suspensão da fluidoterapiaendovenosa na insuficiência primária;

• Avaliar a pressão arterial a cada 4 a 6horas.

Segundo Clutter 18, se o diagnóstico deinsuficiência supra-renal ainda não estiverdeterminado na altura da crise adrenal,deve ser administrada uma dose única de10 mg de dexametasona por via EV e inicia-da uma infusão rápida de soro fisiológicoacrescido de soro glicosado a 5%. De segui-da, é aconselhado realizar-se a prova de

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estimulação com o ACTH. Após o doseamento do cortisol, inicia-se

a administração de hidrocortisona 100 mga intervalos fixos de 8 em 8 horas até saber-mos o resultado da prova.

TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIACRÓNICA DO CORTEX SUPRA--RENAL

O objectivo da terapêutica de substituiçãoé repor as necessidades de esteróides supra--renais, num padrão de administração que seassemelhe ao da libertação endógena5.

Recomenda-se a hidrocortisona como oglicocorticóide de escolha para a terapêuticasubstitutiva da insuficiência adrenal, portan-to todos os pacientes com insuficiência corti-cal supra-renal devem repor o cortisol atra-vés da administração de hidrocortisona2, 5.

Alguns autores sugerem que a dose deglicocorticóide deve ser ajustada ao peso dopaciente, mas não existem dados que com-provem a superioridade deste regime emadultos2, 5, 22.

A produção endógena de cortisol é de 8-15 mg/dia, como a biodisponibilidade dahidrocortisona administrada por via oral é dequase 100%, recomendam-se 15 a 25 mg/diade hidrocortisona como dose de substituição,com uma dose moderadamente mais elevadapara insuficiência primária versus secundária(20-25 mg vs 15-20 mg)2, 5. A dose de 30 mg oumais de hidrocortisona, previamente usadacomo dose de substituição, deve ser considera-da supra-fisiológica e com elevada probabili-dade de efeitos indesejáveis16.

A dose diária de hidrocortisona deve serrepartida em duas ou três administrações:dois terços da dose ao acordar e o terço res-tante pelas 18 horas, ou metade a dois ter-ços da dose ao acordar e doses subsequentesao almoço e durante a tarde.

O esquema de duas tomas, com adminis-tração da segunda dose às 18h, leva a baixadose de glicocorticóides durante a tarde econsequente aumento do cansaço. Os glico-

corticóides não devem ser dados ao deitarporque podem provocar distúrbios do sono2, 5.

Apesar do esquema terapêutico adopta-do ter como objectivo mimetizar as concen-trações fisiológicas de glicocorticóides e oritmo circadiano fisiológico, tal não aconte-ce uma vez que as preparações de hidrocor-tisona têm um perfil farmacocinético inde-sejável, com um aumento da concentraçãopara valores supra fisiológicos 1 a 2 horasapós a administração, seguido de um rápi-do declínio com valores indetectáveis nas 5-7 horas seguintes. As preparações existentestambém não permitem simular o aumentofisiológico do cortisol matinal.

Com o objectivo de reproduzir de formamais fidedigna a variação circadiana docortisol, foi realizado um estudo em setepacientes com doença de Addison, duranteum período de três meses e utilizando umabomba infusora subcutânea de hidrocorti-sona. Os resultados sugerem que os pacien-tes seleccionados beneficiariam do restabe-lecimento do ritmo circadiano de cortisol19.

Recentemente, no sentido de se obteremconcentrações séricas mais fisiológicas deglicocorticóides, foram desenvolvidos com-primidos de hidrocortisona de libertaçãoprolongada (Chronocort ® e DuoCort ®),que já foram testados em estudos de Fase I22.

A dose de glicocorticóides a administrar ea sua posologia devem ser decididas indivi-dualmente e tendo em conta a toma deoutros fármacos, particularmente aquelesque aumentam ou diminuam a sua clearence.

A rifampicina, fenobarbital, fenitoína,carbamazepina e o mitotano aumentam aclearence dos glicocorticóides por indução doCYP3A4 no fígado, sendo, neste caso, neces-sário aumentar a dose de hidrocortisona. Jáos contraceptivos orais, estrogénios conju-gados, eritromicina, indometacina, cetoco-nazol e o naproxeno diminuem a clearencedos glicocorticóides com consequenteaumento das concentrações plasmáticas enecessidade de diminuir a dose de hidrocor-tisona21.

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Da mesma forma, o excesso de hormo-nas tiroideias causado por hipertiroidismoou terapêutica com levotiroxina exógenaaumenta o turnover cortisona/cortisol e poderequerer ajuste da dose. Pela mesma razão,o início do tratamento com glicocorticóidesem doentes com hipopituitarismo deve pre-ceder o início da substituição com levotiro-xina, visto que o inverso pode precipitaruma crise adrenal.

Glicocorticóides de acção prolongadatambém podem ser usados na terapêuticasubstitutiva. A equipotência das doses é aseguinte: 10mg de hidrocortisona equivalea 2 mg de prednisolona e a 0.25 mg dexa-metasona.

A hidrocortisona também tem acçãomineralocorticóide. Dos glicocorticóides sin-téticos, a prednisolona tem reduzida acção ea dexametasona não tem acção mineralo-corticóide, o que tem considerável impor-tância no tratamento da insuficiência adre-nal primária16.

A terapêutica de substituição com glico-corticóides de acção prolongada é menosdesejável, principalmente devido à desfavo-rável actividade dos glicocorticóides durantea noite e à sua elevada semi-vida biológica.

Não há marcadores eficazes da acçãodos glicocorticóides, pelo que a monitoriza-ção da terapêutica substitutiva com os mes-mos é baseada na avaliação clínica desinais e sintomas sugestivos de sub ou sobresubstituição: fadiga, náusea, mialgia, faltade energia e perda de peso ou aumento depeso, obesidade central, osteoporose, altera-ções da tolerância à glicose e hipertensão,respectivamente.

Nos doentes tratados com adequadadose de glicocorticóides, não é necessária amonitorização da densidade mineral óssea.

O cortisol sérico e o ACTH não devem serutilizados como instrumento de monitoriza-ção da substituição dos glicocorticóides, nainsuficiência adrenal primária ou secundária.

Os pacientes com insuficiência primáriadevem ainda receber mineralocorticóides:

fludrocortisona 0,1 mg por dia, via oral,associada à ingestão livre de cloreto desódio. A dose pode variar entre os 0,05 e os0,25 mg por dia toma única diária ou repar-tida por duas tomas, uma de manhã e outraao início da tarde.

Os objectivos da terapêutica com mine-ralocorticóides são a manutenção da pres-são arterial adequada, em decúbito e em pé,bem como, a normocaliémia18.

A monitorização do sódio e potássio eda actividade ou concentração da reninaplasmática deve ser efectuada em intervalosregulares, com objectivo de a renina plas-mática estar no limite superior do normal,reduzindo-se assim o risco de hipocaliémia,edema e hipertensão16, 22.

A introdução da substituição com DHEArepresenta um avanço na terapêutica subs-titutiva da insuficiência supra-renal.

A produção de DHEA pela supra-renal éa maior fonte de androgénios na mulher e adeficiência desta hormona origina significa-tiva deficiência de androgénios nas mulheresafectadas. Nas mulheres com insuficiênciado cortex supra-renal, primária ou secundá-ria, os níveis de androgénios também seencontram baixos, pelo que alguns autorespropõem acrescentar ao esquema terapêuti-co habitual 25 a 50 mg de DHEA, com oobjectivo de melhorar a qualidade de vidadas pacientes e a densidade mineral óssea.

Esta prática foi recentemente fundamen-tada por um estudo randomizado em que otratamento prolongado com DHEA eviden-ciou alguns efeitos benéficos em pacientescom doença de Addison. Contudo, a nível dafadiga e do desempenho cognitivo, a terapêu-tica com DHEA não evidenciou benefícios22.

A substituição deve ser monitorizadaatravés dos níveis plasmáticos de DHEA e,em mulheres, recorrendo também aosníveis de androstenediona, testosterona eSHBG, 24 horas após ingestão da tomamatinal. O tratamento deve obter níveisdentro dos valores de referência em adultossaudáveis.

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Finalmente, os pacientes devem ser edu-cados relativamente à sua situação clínica,sintomatologia e ter autonomia no ajusteterapêutico, sob aconselhamento médicoprévio, nas intercorrências que potencial-mente possam desencadear uma necessida-de acrescida de esteróides (regras para osdias de doença). Devem também ser porta-dores de informação relativa à sua patolo-gia que permita o seu reconhecimento porterceiros em situações agudas.

TRATAMENTO DAINSUFICIÊNCIA CRÓNICA DOCORTEX SUPRA- RENALSITUAÇÕES PARTICULARES5

1. DOENÇAS FEBRIS MINOR OUSITUAÇÕES DE STRESSOs doentes sob terapêutica substitutiva

com glicocorticóides devem ser educadospara aumentar duas a três vezes a dose doglicocorticóide, sem alterar a dose do mine-ralocorticóide, perante uma doença febrilminor ou uma situação de stress psicológico.

Caso o quadro clínico se agrave, persis-ta por mais de três dias ou curse com vómi-tos, deve proceder-se a avaliação médica.

2. TRAUMA OU SITUAÇÕES DESTRESS GRAVES

Deve proceder-se à administração de 4mg de dexametasona, via intramuscular,seguida de cuidados médicos adequados aoquadro clínico.

3. SITUAÇÕES DE DOENÇA COMINTERNAMENTO HOSPITALAR /CIRURGIA

Em situação de doença moderada, deveadministrar-se 50 mg de hidrocortisona de12 em 12 horas, por via oral ou endoveno-sa, passando rapidamente à dose de manu-tenção à medida que o paciente recupera.

Em caso de doença grave, deve adminis-trar-se 100 mg de hidrocortisona, por viaendovenosa de 8 em 8 horas. Diminuir atéà dose de manutenção, 50% a cada dia,atendendo à evolução clínica.

Em caso de procedimentos minor sobanestesia local, ou procedimentos radiológi-cos, geralmente não é necessária suplemen-tação extra. Contudo para procedimentoscomo o enema baritado, endoscopia, arte-riografia deve administrar-se 100 mg dehidrocortisona endovenosa, em dose única,antes de se iniciar o procedimento.

Por fim, em casos de cirurgia major,administrar 100mg de hidrocortisona, antesda indução anestésica, repetindo de 8 em 8horas nas primeiras 24 horas. Reduzindorapidamente a dose, 50% por dia, até à dosede manutenção.

Tendo em conta a informação recolhidapara a elaboração deste trabalho, podemosafirmar que, apesar de já ser possível asubstituição de todas as linhas afectadas(glicocorticóides, mineralocorticóides eDHEA), o tratamento da insuficiênciasupra-renal ainda não é fisiológico, poisnão é conseguida a reconstituição do ritmocircadiano do cortisol.

Novas formulações de hidrocortisona(libertação prolongada), que permitemuma libertação sustentada da hidrocortiso-na e infusões subcutâneas contínuas dehidrocortisona, libertadas por um dispositi-vo programável apontam para um futuropromissor, em que a reprodução do nívelnormal fisiológico e circadiano de cortisolem doentes com insuficiência supra-renalserá uma realidade.

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Síndrome de Cushing Subclínica

Léone Duarte1, José Silva Nunes2, Ana Filipa Lopes1, Fernando Malheiro3

1 Interna do Internato Complementar de Endocrinologia do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Curry Cabral,Lisboa

2 Assistente Hospitalar do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Curry Cabral, Lisboa3 Director do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Curry Cabral, Lisboa

CorrespondênciaLéone Duarte › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Curry Cabral › Rua da Beneficiência, nº 8. 1069-166 Lisboa› Telefone: 217924379 / Fax: 217924377 › e-mail: [email protected]

RESUMO

Os incidentalomas da supra-renal e a síndrome de Cushing subclínica têm sido objecto de estu-

do crescente nos últimos anos, dado que a descoberta casual de massas supra-renais e de alte-

rações analíticas subtis se tornou muito frequente, pela ampla utilização de técnicas imagiológi-

cas e laboratoriais de elevada sensibilidade. O objectivo deste artigo é fazer uma revisão sucinta

da literatura publicada sobre este tema, nomeadamente em relação à sua definição, história natu-

ral, consequências clínicas, diagnóstico, abordagem terapêutica e seguimento.

O adenoma cortical é o tipo mais frequente de incidentaloma da supra-renal. Em 5 a 20%

dos casos, dependendo do protocolo do estudo e dos critérios de diagnóstico, verifica-se uma

secreção autónoma de cortisol por estes adenomas. A secreção autonóma de glucocorticói-

des na ausência de sintomas e sinais específicos da síndrome de Cushing define a síndrome

de Cushing subclínica. Com uma prevalência estimada de 79 casos por 100.000 pessoas, a

síndrome de Cushing subclínica é muito mais frequente que a síndrome de Cushing clássica

(1 caso por 100.000 pessoas). O diagnóstico, abordagem, impacto clínico e tratamento desta

entidade são ainda muito controversos. No entanto, na síndrome de Cushing subclínica, tem-

se verificado um aumento da incidência de consequências clínicas atribuíveis ao hipercortiso-

lismo, tais como hipertensão arterial, obesidade, diminuição da tolerância à glicose, dislipidé-

mia e síndrome metabólica, associadas a um aumento do risco cardiovascular. Deste modo,

o hipercortisolismo subclínico pode ser nocivo, particularmente em indivíduos com outros

factores de risco, geneticamente determinados ou adquiridos, podendo ter um papel impor-

tante na aceleração do processo aterosclerótico. A supra-renalectomia ou a vigilância regular

e cuidada destes doentes, tendo como prioridades a prevenção cardiovascular e o tratamen-

to das comorbilidades, são as opções terapêuticas actualmente válidas. Os doentes referen-

ciados para cirurgia devem fazer terapêutica com corticosteróides no período perioperatório,

dado o risco de insuficiência supra-renal pós-supra-renalectomia.

PALAVRAS-CHAVE

Síndrome Cushing subclínica; Incidentaloma supra-renal; Hipercortisolismo.

ABSTRACT

Adrenal incidentaloma and subclinical Cushing’s syndrome have been increasingly a matter of

study in the last years, since the serendipitous discovery of an adrenal mass and the finding of

laboratory abnormalities have become very frequent owing to the routine use of sensitive radiolo-

gic and laboratory techniques. The aim of this article was to review the published literature about

subclinical Cushing’s syndrome, namely its definition, natural history, clinical consequences, diag-

nosis and management.

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INTRODUÇÃO E MÉTODOS

A ampla utilização na prática clínica detécnicas imagiológicas cada vez mais sofis-ticadas e sensíveis, como a ecografia, atomografia computorizada (TC) e a resso-nância nuclear magnética (RNM), tem leva-do ao diagnóstico cada vez mais frequentede massas supra-renais. Estas massas supra-renais têm sido designadas de incidentalo-mas, pelo facto de serem descobertas atra-vés de exames radiológicos realizados paraestudo de outras situações clínicas que nãoa avaliação de doença supra-renal1.

O adenoma cortical é o tipo mais fre-quente de incidentaloma da supra-renal.Em 5 a 20% dos casos, dependendo do pro-tocolo do estudo e dos critérios de diagnósti-co, verifica-se uma secreção autonóma decortisol por estes adenomas, sem traduçãoclínica, dando origem à síndrome deCushing subcliníca2.

O incidentaloma da supra-renal e a sín-drome de Cushing subclínica têm desperta-do, nos últimos anos, crescente atenção porparte de clínicos e investigadores. Este factodeve-se à elevada prevalência destes tumo-res na população geral, principalmente emidades mais avançadas, mas também àimportância que se tem vindo a reconheceràs chamadas “doenças subclínicas”. O diag-nóstico precoce da síndrome de Cushingsubclínica pode permitir o reconhecimentoe tratamento de uma patologia e de entida-des clínicas a ela associadas potencialmen-te perigosas3.

O objectivo deste artigo é fazer umarevisão sucinta da literatura publicadasobre a síndrome de Cushing subclínica,nomeadamente em relação à sua definição,história natural, consequências clínicas,diagnóstico, abordagem terapêutica eseguimento. Esta revisão é realizada combase nos artigos indexados na MEDLINE ePubMed, publicados entre Janeiro de 1990 e

Adrenocortical adenoma is the most frequent type of adrenal incidentaloma. In 5 to 20% of cases,

depending on the study protocols and diagnostic criteria, there is an autonomous secretion of cor-

tisol by these adenomas. Autonomous glucocorticoid production in the absence of specific signs

and symptoms of Cushing’s syndrome defines subclinical Cushing’s syndrome. With an estimated

prevalence of 79 cases per 100.000 persons, subclinical Cushing’s syndrome is much more frequent

than classic Cushing’s syndrome (1 case per 100.000). The diagnosis, management, clinical impact

and treatment of this entity are still very controversial. Nevertheless, an increased incidence of cli-

nical consequences attributable to hypercortisolism, such as hypertension, obesity, impaired gluco-

se tolerance, dislipidemia and metabolic syndrome, all associated with increased cardiovascular risk,

have been detected in these patients. Subclinical hypercortisolism may be harmful, particularly to

individuals with other risk factors, genetically determined or acquired, probably playing an impor-

tant role in the progression of the atherosclerosis process. Adrenalectomy or regular and careful fol-

low up, emphasizing cardiovascular prevention and comorbidity management, are the present valid

treatment options. Patients undergoing adrenalectomy should receive glucocorticoid therapy perio-

peratively since the risk of adrenal insufficiency is of concern.

KEYWORDS

Subclinical Cushing’s Syndrome; Adrenal incidentaloma; Hypercortisolism.

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Novembro de 2008, com as seguintes pala-vras-chave: “subclinical Cushing’s syndrome”,“subclinical hypercortisolism” ou “adrenal inci-dentaloma”.

DEFINIÇÃO

A síndrome de Cushing subclínica defi-ne-se pela existência de secreção de cortisolde forma autónoma e desregulada, nãocompletamente suprimida pelo feedbackhipofisário, associada a adenomas dasupra-renal diagnosticados incidentalmen-te, isto é, clinicamente silenciosos2.

O termo síndrome de Cushing pré-clíni-co tem sido, por vezes, utilizado na literatu-ra para designar a mesma entidade clínica.No entanto, esta designação é incorrectaporque implica o pressuposto que existeuma evolução para um hipercortisolismoclinicamente evidente. Tal não parece pro-vável uma vez que a prevalência da síndro-me de Cushing causada por um adenomada glândula supra-renal é muito inferior àda síndrome de Cushing subclínica no inci-dentaloma da supra-renal4.

A definição de síndrome de Cushingsubclínica obedece deste modo a dois pres-supostos: a ausência de um fenótipo eviden-te de Cushing e a presença de uma massasupra-renal diagnosticada incidentalmente.Contudo, o primeiro critério depende daprática e discernimento do clínico. Algunssinais de hipercortisolismo, como o fácieslunar e a obesidade centrípeta, são de obser-vação comum na população geral e podemfacilmente ser ignorados e apenas atribuí-dos a uma hipersecreção de glucocorticóidesapós a descoberta (incidental) de umamassa supra-renal. O adenoma da supra-renal é a principal causa desta entidade clí-nica. No entanto, uma ligeira hipersecreçãode glucocorticóides pode ocorrer tambémem doentes com massas supra-renais não-adenomatosas, como o carcinoma supra-renal e o mielolipoma2,3.

CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS EHISTÓRIA NATURAL

Vários estudos têm sido realizados e publi-cados acerca das possíveis consequências clí-nicas e da história natural da síndrome deCushing subclínica nos doentes com inciden-talomas da supra-renal. Este tema está,ainda, envolto em muitas incertezas, nomea-damente relativamente ao seu diagnóstico,abordagem e impacto clínico. No entanto, ébiologicamente plausível admitir que a expo-sição crónica a um excesso de cortisol(mesmo que ligeiro) poderá provocar, pelomenos em algum grau, algumas das conse-quências clínicas da síndrome de Cushing,tais como hipertensão arterial, obesidade,diminuição da tolerância à glicose e disli-pidémia. Estas patologias estão frequente-mente associadas, constituindo a síndromemetabólica, associada a um aumento dorisco cardiovascular. Vários dados de séries deautópsias e estudos clínicos têm encontradoassociações consistentes entre a síndrome deCushing subclínica e manifestações da sín-drome metabólica (tabela I)5-10.

TABELA I: Manifestações da síndrome metabólica (as manifestaçõesobservadas em doentes com incidentalomas da supra-renal estãoassinaladas com *).Hiperinsulinémia / Insulino-resistência *Obesidade centrípeta *Hipertensão arterial sistólica e diastólica *Padrão não dipper da pressão arterial Alterações do metabolismo glucídico *Diminuição do colesterol HDL *Alterações qualitativas do colesterol LDL (partículas LDL pequenase densas) *Elevação dos triglicéridos *HiperuricémiaDisfunção endotelialHipercoagulabilidade *Aumento da PCR e de outros marcadores inflamatóriosElevação do fibrinogénio *MicroalbuminúriaAceleração do processo aterosclerótico *(Adaptado de TERZOLO M, BOVIO S, PIA A et al: Subclinical Cushing syndrome.

Arq Bras Endocrinol Metab 2007; 51(8): 1272-9 2)

Tauchmanovà et al. avaliaram 28 doen-tes com critérios de síndrome de Cushingsubclínica (entre 126 indivíduos com inci-dentaloma da supra-renal) e verificaram

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que a pressão arterial sistólica e diastólica,os níveis de glicémia em jejum, insulinémiaem jejum, colesterol total, razão colesteroltotal/colesterol HDL, colesterol LDL, triglicé-ridos e fibrinogénio, o grau de insulino-resistência (calculado pelo homeostasismodel assessment of insulin resistance -HOMA-IR), a razão cintura/anca e a espes-sura íntima-média carotídea eram signifi-cativamente mais elevados nos doentes comsíndrome de Cushing subclínica que noscontrolos emparelhados. Inversamente, osníveis de colesterol HDL eram significativa-mente inferiores nos indivíduos com síndro-me de Cushing subclínica. Estes autoresverificaram ainda que, destes 28 indivíduos,60.7% apresentavam hipertensão arterial,71.4% alterações lipídicas, 28.6% diminui-ção da tolerância à glicose (na prova detolerância à glicose oral clássica, com 75gde glicose), 35.7% diabetes tipo 2 e 53.6%alterações nos parâmetros hemostáticos.Seis doentes (21.4%) apresentavam evidên-cias clínicas de doença cardiovascular (car-diopatia isquémica ou claudicação intermi-tente) e onze (39.3%) evidenciavam altera-ções electrocardiográficas e/ou alteraçõesultrassonográficas no ecodoppler carotídeo5.

Noutro estudo retrospectivo multi-cêntri-co envolvendo 210 doentes com adenomasda supra-renal clinicamente inaparentes,Terzolo et al. observaram uma prevalência dehipertensão arterial em 53.8%, de obesidadeem 21.4% e de hiperglicémia em 22.4% doscasos. Os doentes com elevação dos níveis decortisol sérico da meia-noite apresentavamníveis de glicémia em jejum e de pressãoarterial sistólica mais elevados que os indiví-duos com cortisol normal. A prevalência dedoentes com pressão arterial controlada eramenor e os níveis de hemoglobina glicada(HbA1c), nos indivíduos com diabetes, erasignificativamente superior nos doentes comhipercortisolémia6. Os mesmos autores jápreviamente tinham demonstrado que indi-víduos não obesos e normoglicémicos comadenomas da supra-renal clinicamente ina-

parentes apresentavam uma maior preva-lência de diminuição da tolerância à glicose,de hipertensão arterial sistólica e diastólica ede diminuição da sensibilidade à insulina,quando comparados com controlos empare-lhados. Estas alterações não eram restritasaos doentes com síndrome de Cushing subclí-nica mas eram mais acentuadas nestes quenos que apresentavam adenomas não fun-cionantes7. Os autores defendem que a eleva-ção da concentração do cortisol sérico dameia-noite pode ser considerado um marca-dor de sensibilidade à insulina e de um perfilde risco cardiovascular adverso nos doentescom adenomas da supra-renal clinicamenteinaparentes3,6,7.

Um aumento da concentração de adipo-cinas envolvidas no desenvolvimento dainsulino-resistência e da aterosclerose (IL-6,resistina, TNF-α e MCP-1) foi demonstradoem indivíduos com incidentalomas dasupra-renal, independentemente da presen-ça de obesidade e adiposidade visceral,reforçando a associação entre os incidenta-lomas da supra-renal com hipercortisolismosubclínico e o aumento da incidência dasíndrome de insulino-resistência11.

A osteoporose é outra complicação bemconhecida do excesso de cortisol endógenoou exógeno e, como tal, seria plausível con-siderar que os doentes com adenomas dasupra-renal e hipercortisolismo subclínicoevidenciassem uma diminuição na densida-de mineral óssea. No entanto, os resultadosdos estudos realizados e publicados nos últi-mos anos são divergentes, provavelmentedevido aos diferentes métodos utilizadospara avaliar a densidade mineral óssea, aosdiferentes critérios de selecção dos doentes econtrolos, bem como ao pequeno númerode doentes estudados. Osella et al., numestudo realizado com 27 doentes com inci-dentalomas da supra-renal, não encontra-ram diferenças estatisticamente significati-vas na densidade mineral óssea comparati-vamente aos controlos, mesmo nos 8 doen-tes com critérios de síndrome de Cushing

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subclínica12. No entanto, vários estudosrecentes documentaram uma diminuição nadensidade mineral óssea em doentes comhipercortisolismo subclínico, com conse-quente aumento do risco de osteopénia eosteoporose, principalmente em mulherespós-menopaúsicas13-17. Como tal, a vigilânciaperiódica da densidade mineral óssea nosdoentes com síndrome de Cushing subclínicaparece justificada pelo potencial aumento dorisco de fracturas osteoporóticas.

O espectro de manifestações da síndromede Cushing subclínica varia desde alteraçõesendócrinas ligeiras isoladas, sem repercussõesclínicas, a uma síndrome de Cushing clínicaclássica. A evolução do hipercortisolismosilencioso para a síndrome de Cushing clíni-ca parece ocorrer raramente mas não é total-mente negligenciável. Barzon et al. estuda-ram 130 doentes com incidentalomas dasupra-renal, com um follow-up entre 1 e 15anos, e calcularam um risco cumulativo esti-mado de 12.5% após um ano para o desen-volvimento de síndrome de Cushing nosdoentes com hipercortisolismo subclínico.Nos doentes com adenomas não funcionan-tes, o risco cumulativo estimado para odesenvolvimento de hipercortisolismo subclí-nico foi de 3.8% após um ano e de 6.6% apóscinco anos18. No entanto, em outras séries,não se observou uma evolução do hipercorti-solismo subclínico para uma síndrome deCushing clássica, apesar do desenvolvimentode outras alterações endócrinas minor e, emalguns casos, do crescimento do adenoma19,20.O risco de desenvolvimento de hiperfunção émaior nos adenomas não funcionantes comdimensão igual ou superior a 3cm e quandoa cintigrafia com [75Se] Methylnorcholesterolrevela uma captação exclusiva pelo adeno-ma21. Num pequeno número de doentes podeverificar-se uma regressão espontânea dasalterações no eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal, sugerindo um possível padrãocíclico na hipersecreção de cortisol20.

A interpretação dos resultados destesestudos deve ser ponderada com cautela. A

maioria destes estudos foi realizada a partirde séries reunidas em centros académicos,com amostras relativamente pequenas ecom tempo e estratégias de follow-up variá-veis. Consequentemente, não são estudospopulacionais e, como tal, a generalizaçãodos resultados não é totalmente correcta.Nos vários estudos analisados, verificou-seque os protocolos relativamente aos critériosde definição da síndrome de Cushing subclí-nica não eram semelhantes, tornando difi-cíl a sua interpretação e comparação.Relativamente à avaliação da sensibilidadeà insulina, em nenhum dos estudos analisa-dos esta foi realizada através da sua técni-ca-padrão, o clamp euglicémico hiperinsuli-némico, embora os modelos utilizadostenham sido previamente validados paraestudos epidemiológicos. Apesar das limita-ções referidas, as conclusões encontradaspelos vários estudos são muito semelhantesentre si relativamente à associação entre ohipercortisolismo subclínico e o desenvolvi-mento de insulino-resistência e dos váriosfactores de risco metabólicos e cardiovascu-lares associados. Tal facto reforça a impor-tância da avaliação, vigilância e tratamen-to dos doentes com adenomas da supra-renal aparentemente não funcionantes. Arealização de estudos prospectivos popula-cionais randomizados, de adequado poderepidemiológico, é fundamental para escla-recer, com maior rigor, as consequências clí-nicas e a história natural desta síndrome,nomeadamente em relação a um possívelimpacto na morbilidade e mortalidade des-tes doentes.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da síndrome de Cushingsubcliníca na prática clínica é extremamen-te difícil. As provas hormonais usadas nodiagnóstico da síndrome de Cushing nãotêm sensibilidade suficiente para detectarhipersecreções subtis de cortisol. Por outro

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lado, a ausência de manifestações clínicasfidedignas torna difícil a interpretação deresultados positivos de provas e a distinçãoentre verdadeiros/positivos e falsos/positi-vos. Deste modo, a variabilidade biológicaintrínseca à hipersecreção silenciosa de cor-tisol associa-se às dificuldades metodológi-cas, impossibilitando a definição uniformedesta entidade2.

São várias as alterações funcionais doeixo hipotálamo-hipófise-supra-renal quetêm sido associadas a esta síndrome, depen-dendo dos protocolos dos estudos realizados,dos critérios de diagnóstico utilizados e donúmero de doentes nas séries reportadas(tabela II).

A perda do ritmo circadiano do corti-sol representa a alteração do padrão diário

de secreção de cortisol provocada pelohipercortisolismo e é um marcador precocedesta hipersecreção.

O aumento do cortisol livre na urinade 24 horas é também frequente mas épouco sensível, pois depende da variabilida-de diária na excreção de cortisol na urina,do débito urinário e da dificuldade em obteramostras completas de urina de 24 horas.

O aumento do cortisol sérico determi-nado à meia noite é uma das alteraçõesmais frequentes do eixo hipotálamo-hipófise-

supra-renal nos doentes com incidentalomasda supra-renal. Esta alteração endócrina temsido amplamente usada no diagnóstico dasíndrome de Cushing por ser um dos marca-dores mais precoces e sensíveis de hipercorti-solismo3. Recentemente tem sido investigadoo valor da determinação do cortisol salivarda meia-noite no diagnóstico da síndromede Cushing subclínica, com resultados positi-vos mas ainda não publicados27.

Os níveis diminuídos de ACTH (adre-nocorticotropina hipofisária) representam aautonomia funcional do adenoma supra-renal, com consequente supressão da sínte-se hipofisária de ACTH. No entanto, as difi-culdades metodológicas laboratoriais nadeterminação da concentração de ACTHnos níveis próximos dos limites da técnica

não são negligenciáveis e limitam o seuvalor diagnóstico.

A resposta da ACTH e do cortisol àCRH (hormona de libertação da corticotro-pina) pode estar diminuída. No entanto, aprova com CRH não fornece informaçãoadicional aos níveis basais de ACTH3.

A diminuição dos níveis de dehidroe-piandosterona sulfato (DHEAS) é provavel-mente a alteração hormonal mais frequentenos doentes com incidentalomas da supra-renal. Esta alteração resulta da supressão da

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Autor, ano[ref. nº]

nº de doentes

Cortisol urinárioaumentado %

ACTHdiminuída

Não supressão docortisol após PSDa

Diminuição da respos-ta da ACTH à CRH

Prevalên-cia SCS %

Reincke, 199222 66 1.5 7.5 12b 7.5 12

Kasperlik- Zaluska, 199723 208 5.2c 34 3.0b 17 2.9

Terzolo, 199820 53 7.5 9.4 17 NR 6.0

Rossi, 20008 65 17 23 25 NR 18.4

Mantero, 200024 1004 11 15 10 17 9.2

Grossrubatscher, 200125 53 4.0c 15 11 NR 5.7

Bulow, 200226 381 0.8 NR 1.0 NR 1.0

TABELA II: Alterações do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal e prevalência da síndrome de Cushing subclínica em doentes com inciden-talomas da supra-renal.

PSD: Prova de supressão com dexametasona; NR: não reportado; SCS: síndrome de Cushing subclínica.

a – Prova de supressão nocturna com 1 mg de dexametasona com um limiar de cortisol de 5.0 µg/dl, excepto quando especificado de outra forma

b – PSD com 8mg

c – 17-hidroxicorticosteróides urinários

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ACTH pela secreção autónoma de cortisol econsequente diminuição na síntese deoutras hormonas do córtex supra-renal.Actualmente, há controvérsia em considerara diminuição da DHEAS um marcador indi-recto da secreção autónoma de cortisol. Talfacto deve-se, em parte, ao declínio na secre-ção de DHEAS que se verifica com a idadeque, consequentemente, influencia a inter-pretação deste dado laboratorial em popula-ções com idade avançada.

A prova de supressão com dexameta-sona tem sido amplamente utilizada nodiagnóstico do hipercortisolismo endógeno,inclusivamente na detecção de alteraçõessubtis na secreção de cortisol em doentescom incidentalomas da supra-renal. Noentanto, os resultados dos vários estudospublicados nesta área não podem ser direc-tamente comparados porque utilizaramdiferentes protocolos (prova de supressão de48 horas ou prova de supressão nocturna),diferentes doses de dexametasona (1, 2, 3ou 8 mg) e diferentes cut-offs (5 e 1.8 μg/dl).

Para avaliação da autonomia supra-renal na secreção de cortisol, actualmenterecomenda-se a prova de supressão noc-turna com 1mg de dexametasona1,28,administrada às 23 horas da véspera e comcolheita para determinação de cortisol séri-co às 8 horas do dia seguinte. O valor decut-off óptimo continua a ser debatido.Após a administração de dexametasona, amaioria dos invivíduos tem concentraçõesséricas de cortisol inferiores a 5 μg/dl(139.75 nmol/l), e este tem sido o valorstandard acima do qual se tem definido asecreção autónoma de glucocorticóides cli-nicamente significativa. No entanto,alguns autores sugerem que este valor édemasiado elevado para detectar excessossubtis de cortisol, resultando numa eleva-da taxa de falsos negativos, e propuseramuma redução do cut-off para 1.8 μg/dl(49.7 nmol/l). A utilização de um valor decut-off menor aumenta a probabilidade dediagnóstico do hipercortisolismo subclínico

mas à custa da diminuição da especificida-de da prova, resultando num maior núme-ro de resultados falsos positivos2,28. AEndocrine Society (Sociedade Americana deEndocrinologia), nas guidelines recente-mente publicadas para o diagnóstico dasíndrome de Cushing, recomenda a utiliza-ção da prova de supressão nocturna com1mg de dexametasona e o cut-off de 1.8μg/dl, defendendo a utilização de provascom maior sensibilidade para o rastreio29.

Para ultrapassar o problema dos resul-tados falsos positivos, tem sido preconizadapara o diagnóstico da síndrome de Cushingsubclínica a demonstração de pelo menosdois resultados anormais concomitantesnas provas de avaliação do eixo hipotála-mo-hipófise-supra-renal (tabela III)2,3,29.

TABELA III: Diagnóstico de síndrome de Cushing subclínica.1. Presença de massa supra-renal detectada incidentalmente (por

ecografia, TC, RNM)2. Ausência de sinais clínicos de hipercortisolismo (obesidade cen-

trípeta, fácies lunar, bossa de búfalo, extremidades finas comhipotrofia muscular, estrias cutâneas de coloração púrpura)

3. Presença de 2 ou mais resultados anormais concomitantes nasprovas de avaliação do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal:a. Prova de supressão nocturna com 1mg de dexametasona

⇒ Anormal se ≥ 5 µg/dl (139.75 nmol/l)⇒ Duvidoso se ≥ 1.8 µg/dl (49.7 nmol/l) e <5 µg/dl ⇒Ponderar mais testes diagnósticos⇒ Normal se < 1.8 µg/dl (49.7 nmol/l)Se anormal ou duvidosa fazer uma ou mais das seguintesprovas:

b. Cortisol (sérico ou salivar) da meia-noitec. ACTH séricod. Cortisol livre na urina de 24 horase. Ritmo circadiano do cortisolf. DHEAS

Contudo, outras sociedades médicascontinuam a recomendar critérios ligeira-mente diferentes para o diagnóstico destaentidade30.

Várias combinações de provas podemser realizadas mas, mesmo desta forma, odiagnóstico de hipersecreção de cortisol ver-dadeiramente relevante para admitir umasíndrome de Cushing subclínica é difícil.Para determinar a melhor abordagem diag-nóstica desta entidade clínica seria necessá-rio definir em que ponto a secreção de corti-sol em excesso se torna significativa, provo-

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cando morbilidade relevante. Actualmenteainda não existe uma resposta definidapara esta questão, dado que a história natu-ral desta patologia e o seu impacto nasaúde e esperança média de vida ainda sãograndemente desconhecidos.

Na ausência de critérios compatíveiscom síndrome de Cushing subclínica, reco-menda-se uma reavaliação anual com arealização de uma prova de supressão noc-turna com 1mg de dexametasona. Esta rea-valiação deverá ser realizada mais precoce-mente se clinicamente se justificar.

O risco de hiperfunção autónoma doadenoma parece estabilizar após 3 a 4 anos.No entanto, mais uma vez, estes dados sãobaseados em estudos com amostras de redu-zidas dimensões e follow-up variável28.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA ESEGUIMENTO

A abordagem terapêutica da síndromede Cushing subclínica é, ainda, fundamen-talmente empírica. Tal facto deve-se àausência de estudos prospectivos randomi-zados, de adequado poder epidemiológico,que permitam a elaboração de linhas orien-tadoras para a abordagem adequada destaentidade clínica.

A supra-renalectomia é uma opçãoterapêutica que deve ser considerada emdoentes com idade inferior a 40 anos e nosdoentes que apresentam alterações quepodem potencialmente ser atribuídas a umasecreção autónoma de glucocorticóides: a)hipertensão arterial de início recente ourecentemente agravada; b) presença de dia-betes mellitus, obesidade ou osteoporose,principalmente se estas alterações foremresistentes às terapêuticas médicas instituí-das ou apresentarem uma rápida descom-pensação1,2. Os doentes com síndrome deCushing subclínica submetidos a supra-rena-lectomia devem fazer terapêutica com corti-costeróides no período perioperatório, dado o

risco de insuficiência supra-renal, que poderesultar numa falência hemodinâmica emesmo na morte, se não tratada30. O hiper-cortisolismo mantido a longo prazo, mesmoque muito ligeiro, condiciona supressão daACTH e consequente atrofia da glândulasupra-renal contralateral, com elevado riscode desenvolvimento de insuficiência supra-renal após supra-renalectomia unilateral.No período pós-operatório, o doente deve sermonitorizado periodicamente para avalia-ção do restabelecimento funcional do eixohipotálamo-hipófise-supra-renal, que podeeventualmente demorar semanas a meses.Após recuperação da função hipotálamo-hipófise-supra-renal endógena, procede-seao ajuste e redução gradual das doses da cor-ticoterapia de substituição.

Em estudos reportando pequenas sériesde casos com doentes submetidos a supra-renalectomia, é evidenciada uma melhorianas alterações metabólicas e nos factores derisco cardiovascular, nomeadamente nocontrolo da pressão arterial, melhoria doperfil lipídico, diminuição dos níveis defibrinogénio, melhoria do controlo glicémi-co, perda de peso e normalização dos mar-cadores de remodelação óssea5,8,10. No entan-to, os efeitos do tratamento cirúrgico alongo prazo e o seu impacto na qualidadede vida dos doentes são ainda desconheci-dos. São necessários estudos epidemiológi-cos, com maior número de doentes e maiorperíodo de follow-up, comparando a evolu-ção dos doentes submetidos a supra-rena-lectomia com a evolução dos doentes sobtratamento conservador, para confirmaçãodos benefícios reportados e, deste modo,orientar a melhor abordagem terapêutica.Com os dados actualmente disponíveis, nãoé possível fazer uma recomendação funda-mentada para a terapêutica cirúrgica nosdoentes com síndrome de Cushing subclíni-ca. A decisão deve ser considerada indivi-dualmente, com base nas comorbilidadesapresentadas pelo doente, no julgamentoclínico e na vontade do doente2.

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Dada a associação do hipercortisolismosubclínico com as alterações metabólicas efactores de risco cardiovascular previamentediscutidos, a intervenção terapêutica destaentidade clínica tem, inevitavelmente, comoprioridade a prevenção cardiovascular e otratamento de comorbilidades associadas.Deste modo, os doentes não candidatos acirurgia devem ser submetidos a uma vigi-lância regular e cuidada, envolvendo altera-ções do estilo de vida e terapêuticas farmaco-lógicas apropriadas a cada situação em par-ticular.

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Feocromocitoma: actualizações nodiagnóstico e tratamento

Jacinta Santos1, Isabel Paiva2, Manuela Carvalheiro3

1 Interna Complementar de Endocrinologia2 Assistente Hospitalar Graduada de Endocrinologia3 Directora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo dos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE

RESUMO

O feocromocitoma é uma neoplasia rara, com origem nas células cromafins. Pode apresentar

características de benignidade ou malignidade. A principal localização é na medula supra-

renal, designando-se por paraganglioma quando tem origem nos gânglios do sistema nervo-

so simpático ou parassimpático. Em cerca de 25% dos casos aparentemente esporádicos, exis-

tem mutações que predispõem ao desenvolvimento de síndromas genéticas específicas

(Neurofibromatose tipo 1, doença de von Hippel-Lindau, Neoplasias Endócrinas Múltiplas tipo

1 e 2 e Paraganglioma Familiar). A principal manifestação clínica é a hipertensão arterial. O

diagnóstico bioquímico baseia-se na determinação das catecolaminas e metanefrinas plasmá-

ticas e urinárias. Os principais exames imagiológicos destinados à localização do tumor são a

TAC, RM, cintigrama com MIBG e PET. A supra-renalectomia é o único tratamento definitivo.

É fundamental proceder à preparação médica pré-operatória através do bloqueio α e β e à

estabilização hemodinâmica do doente. O feocromocitoma maligno tem um prognóstico

variável, indolente ou rapidamente progressivo. Neste caso, as estratégias terapêuticas incluem

a cirurgia citorreductora, o recurso ao MIBG e a quimioterapia, todos com eficácia limitada.

PALAVRAS-CHAVE

Feocromocitoma; Catecolaminas; Mutação; Hipertensão arterial; Rastreio; Suprarrenalectomia;

Metastização.

ABSTRACT

Pheochromocytoma is a rare neoplasm, originated from chromaffin cells. It can present characte-

ristics of benignity or malignity. The main location is on the adrenal medulla, being designated as

a paraganglioma when it’s origin in on the sympathetic or parasympathetic ganglia of the ner-

vous system. In about 25% of apparently sporadic cases, there are mutations that predispose to

the development of specific genetic syndromes (Neurofibromatosis type 1, von Hippel-Lindau

disease, Multiple Endocrine Neoplasia type 1 and 2 and Familiar Paraganglioma). The main clini-

cal manifestation is arterial hypertension. Biochemical diagnosis is based on determination of plas-

matic and urinary catecholamines and metanephrines. The most important imaging studies des-

tined to localize the tumour are CT, MRI, MIBG scan and PET. Adrenalectomy is the only definiti-

ve treatment. It is highly important to perform medical preoperative preparation through α and β

blockade and patient’s hemodynamic stabilization. Malignant pheochromocytoma has a variable

prognosis, being indolent or rapidly progressive. In this case, therapeutic strategies include surgi-

cal debulking, MIBG therapy and chemotherapy, all with limited efficacy.

KEYWORDS

Pheocromocytoma; Catecholamines; Mutation; Arterial hypertension; Screening; Adrenalectomy;

Metastization.

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INTRODUÇÃO

Durante a fase de desenvolvimentoembrionário, a medula supra-renal e osgânglios do sistema nervoso simpático têmuma origem comum, a partir da crista neu-ral. As células endócrinas do sistema simpá-tico-adrenal têm a capacidade de sintetizare segregar catecolaminas. Estas células têma designação de células cromafins, pelofacto de apresentarem uma reacção histo-química característica, após contacto comagentes oxidantes.1

Segundo a classificação da OrganizaçãoMundial de Saúde, publicada em 2004, osfeocromocitomas são tumores raros, comorigem nas células produtoras de catecola-minas da medula supra-renal.1 Por outrolado, os paragangliomas são feocromocito-mas de localização extra-supra-renal, quese desenvolvem a partir dos gânglios do sis-tema nervoso simpático.2

O diagnóstico do feocromocitoma é fun-damental, pois embora constitua umacausa rara de hipertensão arterial, a cirurgiatorna possível o seu tratamento definitivo.Em segundo lugar, cerca de 10 a 15% destestumores são malignos, estando o diagnósti-co e tratamento precoce associados a ummelhor prognóstico. Paralelamente, o feo-cromocitoma pode constituir a primeiramanifestação clínica de uma síndromagenética. Por último, as crises adrenérgicascaracterísticas desta patologia estão associa-das a elevada morbilidade cardiovascular.3

PREVALÊNCIA

A prevalência dos feocromocitomas nãose encontra bem estabelecida, estando noentanto disponíveis os resultados de algunsestudos epidemiológicos efectuados em dife-rentes regiões geográficas. Num estudopublicado pela Clínica Mayo, em 1983, aprevalência anual desta patologia, no esta-do do Minnesota, EUA, é de 1 a 2 casos em

cada 100.000 adultos. Os dados obtidos doRegisto Oncológico Nacional da Suéciaapontam para uma incidência anual de 2casos por milhão de pessoas. No entanto,dados obtidos a partir de autópsias realiza-das em indivíduos da população geral suge-rem que, na realidade, esta incidência ésuperior. Consequentemente, um númerosignificativo de feocromocitomas não édiagnosticado em vida, pelo facto de osdoentes serem assintomáticos, ou porque ahipertensão arterial não foi estudada.2

O tumor ocorre em todas as faixas etá-rias, embora seja mais frequente na idadeadulta, sobretudo na 3ª e 4ª décadas devida. No entanto, nos casos diagnosticadosno decurso do estudo de incidentalomas dasupra-renal, o diagnóstico é realizado emidades mais avançadas.3 A incidência ésemelhante em ambos os sexos.3,4

CLASSIFICAÇÃO

A maioria dos feocromocitomas sãoesporádicos, com origem na medula supra-renal. No entanto, entre 9 e 23% dos casos,o tumor desenvolve-se a partir de tecido cro-mafim extra-supra-renal.3,4

Embora a maioria destes tumores apre-sente características de benignidade, 26 a35% dos casos são malignos. Na realidade,cerca de 10% dos doentes apresentammetastização na altura do diagnóstico.1,5

ETIOLOGIA – ASPECTOS GENÉTICOS

O feocromocitoma pode ser esporádico,ou surgir no contexto de uma síndromagenética específica. Estima-se que cerca de25% dos doentes com feocromocitomasaparentemente esporádicos, sem históriafamiliar da doença, sejam portadores demutações germinativas que predispõem aodesenvolvimento de uma dessas síndromas.Nestas circunstâncias, este tumor pode ser

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considerado “a ponta do iceberg”, sugerin-do a existência de um quadro clínico subja-cente mais vasto, a aguardar investigaçãodiagnóstica.1

Neste contexto, as síndromas genéticas aconsiderar são a Neurofibromatose tipo 1, aDoença de von Hippel-Lindau, asNeoplasias Endócrinas Múltiplas (tipo 1 etipo 2) e as Síndromas Feocromocitoma /Paraganglioma.

1. NEUROFIBROMATOSE TIPO 1 OUDOENÇA DE VON RECKLINGHAUSEN

O diagnóstico da neurofibromatose tipo1 (NF-1) ocorre habitualmente na infância eadolescência. Esta é uma patologia detransmissão autossómica dominante, cau-sada por mutações inactivadoras do geneNF-1, localizado no braço longo do cromos-soma 17. Trata-se de um gene supressortumoral, que codifica a neurofibromina,uma proteína envolvida na inibição dogene Ras, que controla o crescimento e dife-renciação celular.

O diagnóstico clínico requer a presençade dois dos seguintes critérios:

– Seis ou mais manchas cutâneas tipo“café com leite”;

– Pelo menos dois neurofibromas cutâ-neos;

– Um neurofibroma plexiforme;– Dois ou mais hamartomas benignos

da íris;– Um glioma do nervo óptico;– Displasia ou pseudoartrose do osso

esfenóide;– Familiar do primeiro grau com neuro-

fibromatose.1

Nos portadores desta patologia, o feocro-mocitoma surge em 0,1 a 5,7% dos casos.2

No entanto, tratando-se de doentes comneurofibromatose e hipertensão arterial, aprevalência é bastante superior (20 a 50%).

Relativamente à apresentação clínica,em 90% dos casos o feocromocitoma ébenigno, em 84% trata-se de um tumor

único e 6% correspondem a paraganglio-mas. Estes tumores segregam essencialmen-te noradrenalina, sendo frequentementeassintomáticos, o que justifica o facto depoderem atingir elevadas dimensões.1

2. DOENÇA DE VON HIPPEL-LINDAU(VHL)

Trata-se de uma patologia rara, detransmissão autossómica dominante, comuma incidência de um caso em cada 36.000recém-nascidos. É condicionada por muta-ções no gene supressor tumoral VHL, locali-zado no braço curto do cromossoma 3. Estegene codifica a proteína VHL, envolvida naformação dos vasos sanguíneos, através daregulação do Factor Induzido pela Hipóxia(HIF-1α).

Os portadores da mutação do gene VHLtêm elevada predisposição para o desenvol-vimento de tumores benignos e malignosem múltiplos órgãos. Os tumores caracterís-ticos da doença de von Hippel-Lindau sãoos seguintes:

– Hemangioblastomas da retina;– Hemangioblastomas do cerebelo e

espinhal medula;– Feocromocitoma;– Carcinoma de células renais;– Tumores dos ilhéus pancreáticos;– Quistos e cistadenomas do rim, pân-

creas e epidídimo.1

Relativamente ao feocromocitoma, édiagnosticado em cerca de 20% dos doentesportadores desta síndroma, sobretudo nasegunda década de vida, podendo constituira primeira manifestação clínica da doença.Habitualmente são benignos, segregandosobretudo noradrenalina. A localização pre-ferencial é a glândula supra-renal, podendoser bilaterais em 50% dos casos.1,2

De acordo com a sua expressão clínica, aDoença de von Hippel-Lindau pode ser clas-sificada em quatro subtipos, destacando-se ofeocromocitoma como elemento essencialna determinação desta classificação.

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– VHL tipo 1: diagnóstico de hemangio-blastomas da retina e do sistema ner-voso central e de carcinoma renal,mas sem risco de feocromocitoma.

– VHL tipo 2A: presença de hemangio-blastomas e de feocromocitoma, asso-ciado a baixo risco de carcinoma renal.

– VHL tipo 2B: presença de hemangio-blastomas e de feocromocitoma, asso-ciado a elevado risco de carcinomarenal.

– VHL tipo 2C: apenas desenvolvem feo-cromocitoma.1,6

3. NEOPLASIAS ENDÓCRINAS MÚLTI-PLAS TIPO 1 (MEN 1)

Esta síndroma é causada por umamutação inactivadora do gene MEN-1, loca-lizado no braço longo do cromossoma 11,que codifica a proteína menina.

Transmite-se de modo autossómicodominante, caracterizando-se clinicamentepela presença de: hiperparatiroidismo pri-mário, tumores dos ilhéus pancreáticos eadenomas hipofisários. Os feocromocito-mas surgem raramente, tratando-se nessescasos de tumores únicos e benignos, produ-tores sobretudo de noradrenalina.1,8

4. NEOPLASIAS ENDÓCRINAS MÚLTI-PLAS TIPO 2 (MEN 2)

Trata-se também de uma síndroma detransmissão autossómica dominante, cau-sada por uma mutação activadora do pro-tooncogene RET, localizado no braço longodo cromossoma 11, que codifica um recep-tor tirosina-cinase, envolvido na regulaçãoda proliferação celular e apoptose.1,2

De acordo com a expressão clínica,podemos estar perante uma NeoplasiaEndócrina Múltipla tipo 2A ou tipo 2B. Noprimeiro caso, verifica-se a presença de car-cinoma medular da tiróide em mais de 95%dos casos, hiperparatiroidismo em cerca de35% e feocromocitoma em cerca de 50%.

No MEN 2B, para além do carcinomamedular da tiróide e do feocromocitoma,verifica-se tendência para o desenvolvimen-to de ganglioneuromas mucosos.1,2

Relativamente ao feocromocitoma, estedesenvolve-se em cerca de 50% dos portado-res da mutação, tratando-se habitualmentede um tumor benigno localizado na glân-dula supra-renal.1,8 Cerca de 50% dos doen-tes desenvolvem feocromocitomas bilate-rais, de forma assíncrona, isto é, diferidosno tempo. Contrariamente ao que acontecenas outras síndromas genéticas, estes tumo-res segregam adrenalina em grande quanti-dade, condicionando manifestações clínicasmais precocemente.

Por último, há a salientar o facto de asprobabilidades de desenvolvimento de feo-cromocitoma serem diferentes, consoante amutação específica do gene RET. Destemodo, destacam-se as mutações do codão634 no MEN 2A e as mutações do codão 918no MEN 2B, altamente predisponentes.

5. SÍNDROMAS FEOCROMOCITOMA/ PARAGANGLIOMA

Os paragangliomas são tumores raros.De acordo com a sua origem, são classifica-dos em dois tipos: simpáticos e parassimpá-ticos.

Os paragangliomas simpáticos sãotumores derivados da cadeia simpática,localizados no tórax, abdómen ou pélvis,frequentemente malignos. O quadro clínicoresulta do padrão de secreção de catecola-minas e das dimensões do tumor, com oconsequente efeito de massa.1

Os paragangliomas parassimpáticosdesenvolvem-se sobretudo nos gângliosparassimpáticos localizados na cabeça epescoço, adjacentes aos grandes vasos san-guíneos. Esta é a localização preferencial,tratando-se habitualmente de tumoresbenignos, silenciosos do ponto de vista bio-

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químico, diagnosticados devido às conse-quências do efeito de massa, tais comonódulo cervical palpável ou paralisia denervos craneanos.

A nível torácico e abdominal, podem terqualquer tipo de localização (peri-aórtica,peri-cava, peri-renal, mediastínica, intra-cardíaca, pulmonar, medular, duodenal,vesical,...). A clínica resulta essencialmenteda secreção de catecolaminas.

Por último, quando a localização éretroperitoneal são diagnosticados pela pre-sença de dor e massa palpável. São essen-cialmente malignos, podendo metastizarpara os pulmões, gânglios linfáticos e ossos.

A Síndroma Paraganglioma Familiarresulta de mutações em genes que codifi-cam subunidades da succinato desidrogena-se (SDH) do complexo mitocondrial II,essencial no ciclo de Krebs e na cadeia respi-ratória mitocondrial.2 A transmissão proces-sa-se de modo autossómico dominante emtodos os casos. Esta síndroma pode ser clas-sificada em três tipos, de acordo com o geneque sofreu mutação.

• SDHB: gene localizado no braço curtodo cromossoma 1, cuja mutação con-diciona o desenvolvimento de para-gangliomas simpáticos, sobretudomalignos.

• SDHC: gene localizado no braço longodo cromossoma 1, cuja mutação condi-ciona o desenvolvimento de paragan-gliomas parassimpáticos da cabeça edo pescoço, essencialmente benignos.

• SDHD: gene localizado no braço longodo cromossoma 11, cuja mutação con-diciona o desenvolvimento de paragan-gliomas parassimpáticos familiares iso-lados da cabeça e pescoço, raramentemalignos. A sua transmissão apresentauma particularidade, o “imprintinggenómico materno”, isto é, apenas osdoentes do sexo masculino transmitema patologia aos descendentes.1,9

Como previamente referido, cerca de25% dos feocromocitomas e paraganglio-mas são hereditários, causados por muta-ções germinativas conhecidas. Actualmente,encontra-se disponível a pesquisa dos quatroprincipais genes envolvidos na sua patogé-nese: protooncogene RET, gene VHL, NF-1 eSDH. Deste modo, torna-se necessário esta-belecer quais os indivíduos que deverão efec-tuar estudo genético. Estas indicaçõesvariam, de acordo com os autores, sendorecomendado pela maioria nas seguintessituações: diagnóstico do feocromocitomaem idade precoce; presença de tumores bila-terais; tumores de localização extra-supra-renal; tumores múltiplos; feocromocitomasmalignos; história familiar de síndromasgenéticas predisponentes.1

No quadro seguinte (Quadro 1) apresen-tam-se, resumidamente as Síndromas gené-ticas associadas a feocromocitoma.

QUADRO 1Síndroma Mutação Risco de

feocromocitomaMEN 2A RET 50%MEN 2B RET 50%

VHL VHL 10 a 30%Paraganglioma SDHD, SDHB, 20%

familiar SDHCNEF 1 NF-1 1 a 5%

FISIOPATOLOGIA

O feocromocitoma apresenta uma ele-vada taxa de produção de catecolaminas,podendo atingir um nível de secreção cercade vinte vezes superior ao da glândulasupra-renal normal.1 Esta hipersecreção per-sistente e autónoma, associa-se à ausênciado mecanismo de inibição da tirosina hidro-xilase por retrocontrolo negativo. Assim, ascatecolaminas são produzidas em quanti-dades que excedem a capacidade de arma-zenamento pelas vesículas, acumulando-seno citoplasma, onde são submetidas a umprocesso de metabolização intracelular.Quer as catecolaminas em excesso, quer os

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seus metabolitos sofrem difusão para a cir-culação sanguínea, atingindo os diferentesórgãos alvo, onde desencadeiam os seusefeitos. Há a destacar o predomínio de nora-drenalina no interior das células tumorais,contrariamente ao que acontece nas célulasnormais da medula supra-renal.

Tradicionalmente, a hipertensão arterialinduzida pelo feocromocitoma era interpre-tada como resultando apenas da acção dascatecolaminas circulantes sobre os recepto-res do sistema cardiovascular, estando aactividade do sistema nervoso simpático(SNS) normal ou deprimida. Posteriormente,estudos clínicos e experimentais, mostraramque a actividade do SNS permanece intacta,podendo até ser potenciada, o que constituium factor de manutenção da hipertensãoarterial. Desta forma, a estimulação do siste-ma nervoso pelo stress, dor ou anestesia,poderá induzir uma libertação de catecola-minas nas fendas sinápticas, desencadean-do uma crise hipertensiva.1

Os feocromocitomas têm a capacidadede segregar outros peptídeos, alguns dosquais podem contribuir para o quadro clíni-co. Destacam-se a PTHrP (hipercalcémia), aACTH (síndroma de Cushing), a eritropoie-tina (eritrocitose), a IL-6 (febre) e o neuro-peptídeo Y. Este último tem acção vasocons-trictora, através do aumento da resistênciavascular periférica e coronária, por actua-ção em receptores acoplados à proteína G.A cromogranina A, não produzindo mani-festações clínicas, tem sido encarada comoum marcador tumoral potencial. Por últi-mo, em situações de feocromocitoma malig-no, é frequente a existência de níveis eleva-dos de Enolase Neurónio Específica (NSE).1,2

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Os feocromocitomas apresentam mani-festações clínicas muito variáveis, o que

implica considerar um conjunto de patolo-gias ao estabelecer o diagnóstico diferen-cial. As principais patologias a ter em contasão: hipertensão arterial essencial, hiperten-são renovascular por estenose da artériarenal, patologia psiquiátrica (nomeada-mente ansiedade e distúrbio de pânico),hipertiroidismo, síndroma carcinóide,taquicardia paroxística, menopausa, enxa-queca, lesões intracraneanas, epilepsia, pré-eclampsia e eclampsia, hipoglicemia, inges-tão de drogas (cocaína, anfetaminas, efedri-na,...), infecções agudas, apneia obstrutivado sono e mastocitose.1,2

DIAGNÓSTICO

1. CLÍNICO

O quadro clínico é caracterizado pormanifestações diversas, dependendo davariação da secreção hormonal, do padrãode libertação, e das diferenças individuaisna sensibilidade às catecolaminas. Na prá-tica, as manifestações resultam dos efeitoscardiovasculares, viscerais e metabólicosdas catecolaminas, sendo semelhantes noscasos esporádicos e familiares. A principaldiferença reside na idade de apresentação,mais precoce no segundo caso.

A principal manifestação clínica é ahipertensão arterial, podendo ser paroxísti-ca (48%) ou persistente (29%), ligeira ousevera, frequentemente resistente à terapêu-tica antihipertensora instituída. Um aspectoa salientar é a ausência de correlação entreos níveis de catecolaminas circulantes e ograu de hipertensão arterial, o que pode serjustificado pelos seguintes factos:

– diferenças individuais na sensibilidadedos vasos às catecolaminas;

– mecanismo de “down regulation” (alibertação constante de catecolaminascondiciona redução da sensibilidadedos receptores adrenérgicos);

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– resposta adaptativa com redução davolémia, secundária à vasoconstriçãomantida;

– secreção de substâncias vasodilatado-ras pelo tumor, que modificam a res-posta dos vasos às catecolaminas.3

Uma crise hipertensiva típica caracteri-za-se pela elevação súbita da tensão arte-rial, de forma espontânea ou induzida poruma cirurgia, drogas, palpação abdominalou algaliação. Os doentes referem cefaleias(80%), sudorese (70%) e palpitações (60%).A duração da crise é variável, desde minu-tos a horas. A periodicidade é tambémextremamente variável, desde vários episó-dios diários até intervalos de meses sem cri-ses. No entanto, a tendência é para oaumento progressivo da frequência e dagravidade das crises.1,2,3

No que diz respeito a outras manifesta-ções clínicas, destacam-se: ansiedade, taqui-cardia, arritmia, sensação de morte emi-nente, parestesias, tremor das extremida-des, toracalgia, palidez ou rubor facial, ton-turas, síncope, náuseas e dor abdominal.

Cerca de 8% dos doentes encontram-seperfeitamente assintomáticos, habitual-mente aqueles que têm formas familiaresda doença, ou grandes tumores quísticos,no interior dos quais as catecolaminas sãometabolizadas e fracamente libertadas. Oscasos assintomáticos são diagnosticados,sobretudo, durante o estudo de incidentalo-mas da supra-renal.1,10 Destes, cerca de 5%revelam tratar-se de feocromocitomas.

Relativamente aos tumores malignos, asua apresentação clínica é semelhante à dosbenignos, com excepção da existência desintomas iniciais relacionados com a malig-nidade: dores ósseas, massas palpáveis,alterações neurológicas ou dispneia.3

Os episódios agudos cardiovasculares(arritmias, choque, miocardite, miocardiopa-tia dilatada, insuficiência cardíaca e edemaagudo do pulmão) e neurológicos (convul-

sões ou efeitos neurológicos focais) podem sero quadro clínico de apresentação e inclusiva-mente constituir a causa de morte. Destemodo, estima-se que cerca de um terço dosfeocromocitomas sejam diagnosticados ape-nas após a morte do doente.1,11

2. BIOQUÍMICO

O objectivo da avaliação laboratorial,em doentes com clínica sugestiva de feocro-mocitoma, é demonstrar a produção exces-siva de catecolaminas, principalmentenoradrenalina e adrenalina. Na maioriados casos, o diagnóstico é possível atravésdo doseamento destas e dos seus metaboli-tos no plasma e na urina.3 Dada a heteroge-neidade destes tumores, têm diferentespadrões qualitativos de secreção, assimcomo variação temporal na sua actividade.Apenas a combinação de vários testes per-mite aumentar a sensibilidade e especifici-dade.1

Catecolaminas livres urinárias e seusmetabolitos

Para detectar a presença de feocromoci-toma, o doseamento da adrenalina, nora-drenalina e seus metabolitos (metanefrina,normetanefrina e ácido vanilmandélico)são frequentemente necessários. A demons-tração de um nível de noradrenalina uriná-ria superior a 170 μg/24 horas, adrenalinasuperior a 35 μg/24 horas, metanefrinastotais superiores a 1,8 mg/24 horas e ácidovanilmandélico superior a 11 mg/24 horastornam o diagnóstico de feocromocitomaaltamente provável.1,4

Um aspecto a destacar é a interferênciade fármacos, nomeadamente antidepressi-vos tricíclicos, inibidores da MAO, buspiro-na, descongestionantes nasais, levodopa ediuréticos nestes doseamentos, pelo quedeverão ser interrompidos pelo menos duassemanas antes das colheitas. Para alémdisso, alguns alimentos, tais como o café,

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chá, chocolate e baunilha podem tambéminterferir.2,3

Há ainda a referir a possibilidade deelevação dos níveis de catecolaminas emsituações de stresse e ansiedade, sendo asmetanefrinas muito menos afectadas.1

Catecolaminas plasmáticas

A maioria dos doentes com feocromoci-tomas hormonalmente activos apresentamelevação da adrenalina e da noradrenalina,alguns exclusivamente da noradrenalina eoutros apenas da adrenalina. Estas diferen-ças reflectem variações na expressão daenzima responsável pela conversão danoradrenalina em adrenalina.1

A colheita de sangue deve ser efectuadaem repouso, cerca de 20 minutos após acolocação do catéter numa veia periférica,devendo-se proceder à determinação da ten-são arterial antes da colheita.3 Ainda assim,é impossível excluir um feocromocitoma sea colheita for realizada num período emque o doente está normotenso e assintomá-tico. Paralelamente, catecolaminas plasmá-ticas normais num doente hipertenso e sin-tomático tornam pouco provável o diagnós-tico de feocromocitoma.1

Metanefrinas plasmáticas fraccionadas

As metanefrinas plasmáticas são conti-nuamente produzidas e libertadas pelotumor, em contraste com as catecolaminasplasmáticas, que são libertadas de modointermitente.

As técnicas recentes de cromatografialíquida de alta pressão (HPLC) permitem odoseamento das várias fracções das meta-nefrinas (metanefrina, normetanefrina emetoxitiramina, o metabolito da dopami-na), separadamente. O valor diagnóstico dadeterminação fraccionada destes metaboli-tos é superior ao das metanefrinas totais,uma vez que permite uma melhor detecçãode tumores que produzem predominante-

mente um dos três metabolitos. Apresentaelevada sensibilidade, funcionando comoum excelente método de rastreio de feocro-mocitoma.

Deverão efectuar o rastreio bioquímicodesta patologia todos hipertensos jovens eos doentes com manifestações clínicassugestivas, principalmente: paroxismos depalpitações, cefaleias e sudorese, hiperten-são arterial lábil, história familiar de feocro-mocitoma, manifestações das síndromasgenéticas associadas ao feocromocitoma,incidentaloma da supra-renal e crises dehipertensão ou arritmias desencadeadaspor fármacos, pela anestesia, cirurgia ouparto. O principal problema destes dosea-mentos é a sua disponibilidade limitada.

Perante um doseamento de metanefrinasuperior a 236 pg/mL ou normetanefrinasuperior a 400 pg/mL, a probabilidade defeocromocitoma é muito elevada, o queimplica a imediata realização de examescomplementares para estabelecer a sualocalização.1,12

Cromogranina A sérica

A cromogranina A tem sido sugeridacomo um doseamento alternativo, útil parao diagnóstico de feocromocitoma, uma vezque a sua secreção e determinação não sãoinfluenciadas pelos antihipertensores habi-tualmente utilizados. É considerado ummarcador com elevada sensibilidade,porém com baixa especificidade. A sua eli-minação ocorre por via renal, daí que emdoentes insuficientes renais crónicos, umvalor elevado possa constituir um falsopositivo. Os níveis séricos deste marcadorsão directamente proporcionais à massatumoral, e particularmente elevados emcaso de malignidade. É sobretudo um mar-cador tumoral útil no seguimento destesdoentes, uma vez que os seus níveis sofremelevação no contexto de uma recidiva oumetastização.1,3

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Testes farmacológicos

A indicação para realização de testesfarmacológicos tem lugar em doentes queapresentem valores intermédios nos dosea-mentos de catecolaminas, habitualmenteentre 500 e 2000pg/mL.

Os testes de estimulação, com adminis-tração de histamina ou glucagon, são rara-mente utilizados. O glucagon estimula aprodução de catecolaminas, sendo o testepositivo se ocorrer uma elevação três vezessuperior ao valor inicial, ou se as catecola-minas se elevarem acima de 2000 pg/mL.Este teste apresenta elevada especificidade,mas baixa sensibilidade, sendo fundamen-tal monitorizar a tensão arterial do doentedurante a sua realização e ter disponívelfentolamina para o tratamento de umaeventual crise hipertensiva que o teste possadesencadear.

Os testes supressivos são consideradosmais fisiológicos e seguros do que os de esti-mulação, sendo o teste da clonidina o maisutilizado. A clonidina é um agonista dosreceptores α2 adrenérgicos localizados nocérebro e sistema nervoso simpático, com acapacidade de bloquear o tónus simpático,por inibição da libertação da noradrenali-na. Através do teste da clonidina, pretende-se detectar produção autónoma de catecola-minas. O teste é realizado com o doente emjejum, em decúbito dorsal, procedendo-se àdeterminação das catecolaminas e metane-frinas plasmáticas antes e 3 horas após aadministração da clonidina oral numa dosede 0,3 mg por cada 70 Kg de peso corporal.Numa situação de normalidade, observa-seuma redução das catecolaminas plasmáti-cas superior a 50% do valor inicial e paraníveis inferiores a 500 pg/mL. No caso dapresença de feocromocitoma, não se verificauma redução significativa destes valores,embora a tensão arterial possa diminuir.1

3. TOPOGRÁFICO

Somente após a confirmação bioquímicado feocromocitoma se deve partir para osexames imagiológicos destinados à sualocalização. Habitualmente, recorre-se àcombinação de dois exames imagiológicos efuncionais para uma localização precisa.1,3

TAC e RM

A Tomografia Axial Computorizada(TAC) e a Ressonância Magnética (RM) sãoos exames de primeira linha, devendo-seproceder inicialmente ao estudo abdomi-nal, uma vez que a localização mais fre-quente destes tumores é na medula supra-renal.

Na TAC, os pequenos feocromocitomasmedindo 1 a 2 cm, apresentam um aspectohomogéneo, com densidade de tecidosmoles (40 a 50 UH) e captação uniforme docontraste. Os tumores maiores podem serheterogéneos, com àreas de baixa densida-de, nomeadamente por presença de zonasde necrose tumoral ou hemorragia.1,13 NaRM, os feocromocitomas são isointensosrelativamente ao músculo e fígado em T1 ehiperintensos em T2.2

No caso de ausência de tumor intra-abdominal, procede-se ao estudo dasregiões cervical e torácica.

Embora a TAC apresente uma elevadasensibilidade, a RM é superior, constituindoo método de eleição em crianças e grávidas,pela menor exposição à radiação. As suasprincipais desvantagens são o custo e ascontra-indicações gerais da técnica (próte-ses metálicas, pacemaker, claustrofo-bia,...).1,3

Um aspecto a destacar é a presença demassas na supra-renal (incidentalomas) em5 a 9% da população geral, 90% dos quaissão benignos e 85% não funcionantes. Noentanto, a sua identificação implica a reali-zação de um estudo com o objectivo deexcluir a existência de hipersecreção e de

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malignidade (tumores primitivos ou metas-tização para a supra-renal).1

Cintigrama com I 131-MIBG e I123-MIBG

A meta-iodo-benzil-guanidina temsemelhança estrutural com a noradrenali-na, sendo captada e concentrada nos grâ-nulos de secreção. Este composto não émetabolizado, garantindo uma avaliaçãofuncional do nódulo suspeito de feocromoci-toma, após administração do compostomarcado. Apresenta uma elevada sensibili-dade (83 a 100%) e especifidade superior a95%, o que permite confirmar a presença dofeocromocitoma, detectar tumores peque-nos e multifocais, por vezes não diagnosti-cados pela TAC e RM e pesquisar metásta-ses. Os falsos positivos são raros, mas podehaver falsos negativos, resultantes da inte-racção com fármacos, nomeadamente ohaloperidol e o labetalol.2

Tomografia com Emissão de Positrões(PET)

A PET utiliza como marcador o 18 F-fluordeoxiglicose, um composto absorvidopelos tecidos metabolicamente activos. Estemétodo tem menor especificidade que o cin-tigrama com MIBG, porque se verifica fixa-ção em todos os tecidos com elevada taxametabólica, nomeadamente na presença deinfecção ou inflamação. Além disso, trata-se de um método dispendioso.2

Cintigrama de pesquisa de receptoresda somatostatina

Cerca de 70% dos feocromocitomasexpressam receptores da somatostatina,particularmente dos subtipos 2 e 4, daí quea utilização do octreótido, um análogo dasomatostina, possa permitir a identificaçãodestes tumores. No entanto, esta técnicatem uma baixa sensibilidade (25%).2

TERAPÊUTICA:

Após a localização precisa do tumor, aetapa seguinte consiste na sua remoçãocirúrgica, com o objectivo de estabelecer acura definitiva nos casos benignos e de evi-tar a disseminação metastática nos malig-nos.1

PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA

A preparação pré-operatória tem comoobjectivos controlar a hipertensão arterial,evitar a ocorrência de paroxismos e corrigiruma eventual hipovolémia, estabilizando odoente do ponto de vista hemodinâmico,antes de qualquer procedimento cirúrgico.Caso contrário, os doentes correm o risco dedesenvolver hipotensão grave e mesmo cho-que hipovolémico, após a remoção dotumor, dado o consequente desaparecimen-to da vasoconstrição.

1. BLOQUEIO ALFA

Tem como objectivo principal evitar alibertação súbita de catecolaminas durantea cirurgia. O fármaco de eleição é a fenoxi-benzamina, um bloqueador α1 e α2 adre-nérgico, não competitivo e de acção prolon-gada. A dose diária inicial é 10mg, devendoser aumentada progressivamente, em cadatrês a cinco dias, até que a tensão arterialseja inferior a 140/90 mmHg. Os principaisefeitos adversos são habitualmente bemtolerados, incluindo cefaleias, congestãonasal e taquicardia reflexa. Este fármacodeve ser suspenso 48 horas antes da cirur-gia, devido à sua longa semi-vida. Durantea preparação do doente, a tensão arterial ea frequência cardíaca devem ser avaliadasdiariamente.

Os fármacos alternativos são a prazosi-na e a doxazosina, bloqueadores α1 especí-ficos, competitivos e com menor duração deacção. Estes devem ser suspensos apenas 8horas antes da cirurgia.

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Em alternativa, pode-se recorrer aos blo-queadores dos canais de cálcio, nomeada-mente nifedipina, habitualmente bem tole-rada.2,3

2. BLOQUEIO BETA

O bloqueio dos receptores β está indica-do no caso de se verificar o aparecimento oupersistência de taquicardia e arritmias.Deverá ser iniciado somente após o iníciodo bloqueio β, uma vez que isoladamentepode desencadear uma crise hipertensiva. Ofármaco de eleição é o propanolol.2,3

Cirurgia

A supra-renalectomia é a única tera-pêutica definitiva, ao remover todos os focosde tecido tumoral. A cirurgia pode ser reali-zada por via aberta ou laparoscópica, estaúltima cada vez mais utilizada.

Nas últimas décadas, verificou-se umaredução progressiva da mortalidade cirúrgi-ca, que actualmente é de cerca de 2,4%.Para esta melhoria contribuiu o treino ediferenciação das equipas cirúrgicas, o usoadequado de hipotensores e o controlohemodinâmico rigoroso intra e pós-operató-rio.1

Durante a cirurgia, é fundamentalmanter uma vigilância apertada dos parâ-metros vitais, pela possibilidade de ocorrên-cia de eventos potencialmente fatais:

– Crise hipertensiva, como consequên-cia do pneumoperitoneu, na laparos-copia, ou por manipulação directa dotumor. O tratamento tem de ser ime-diato, sendo o nitroprussiato de sódioo fármaco de eleição;

– Hipotensão e choque, por reduçãobrusca da volémia, previamente com-pensada pela vasoconstrição extrema;

– Arritmias ventriculares e supra-ventri-culares;

– Hipoglicemias, resultantes da liberta-ção súbita de catecolaminas no pós-

operatório, com aumento da secreçãode insulina.3

Avaliação pós-operatória

Após a remoção da massa tumoral, ascrises adrenérgicas devem cessar de imedia-to. No entanto, o doente pode manter umahipertensão transitória, no pós-operatórioprecoce, pelo facto de ocorrer a libertação dereservas de catecolaminas a partir das ter-minações adrenérgicas. Se a hipertensão semantiver para além desse período, a justifi-cação pode ser a existência de um resíduotumoral ou a eventual ocorrência de umalesão da artéria renal durante a cirurgia,com indução de hipertensão renovascular.

A normalização das catecolaminas emetanefrinas plasmáticas e urinárias ape-nas deverá ser avaliada, em média, dez diasapós a intervenção cirúrgica. Se permanece-rem elevadas, há que ponderar a hipótesede realização de um cintigrama com MIBG,para detecção de eventuais metástases.3

Tratamento do feocromocitomamaligno

O tratamento do feocromocitomamaligno inclui a cirurgia citorreductora, ocontrolo farmacológico da sintomatologia,a radioterapia e a terapêutica sistémicaantineoplásica.

A cirurgia citorreductora (“debulking”) éconsiderada paliativa, mas permite reduzira exposição aos elevados níveis de catecola-minas circulantes e pode, eventualmente,melhorar a resposta a outras terapêuticas.

Os fármacos bloqueadores α adrenérgi-cos, os bloqueadores dos canais de cálcio e aα-metiltirosina permitem apenas umamelhoria clínica, através da redução da sín-tese de catecolaminas.

A utilização da radioterapia convencio-nal e dos outros métodos de acção local,nomeadamente a crioablação, tem como

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objectivo aliviar as complicações locais,sobretudo as metástases ósseas, pois o feo-cromocitoma apresenta elevada resistênciaà radioterapia.

Em contraste, a terapêutica com MIBG,um método introduzido em 1983, induzreduções tumorais, sobretudo parciais, em24 a 45% dos casos. Deste modo, pode per-mitir alcançar a estabilização da doença ealívio da sintomatologia. Pode ser utilizadaisoladamente ou associada à quimiotera-pia, apresentando uma ligeira toxicidade,particularmente trombocitopenia, náusease disfunção tiroideia.

Em 1985, foi proposto um protocolo dequimioterapia que inclui ciclos de ciclofos-famida, vincristina e dacarbazina. Apesarda sua toxicidade, sobretudo a nível neuro-lógico e medular, permite uma remissãoparcial ou completa em 57% dos casos. Noentanto, este benefício tem curta duração,com períodos de remissão inferiores a doisanos. Existem relatos esporádicos de outrosprotocolos, nomeadamente utilizando cis-platina, 5-fluoruracilo e talidomida, comeficácia limitada.

Por último, os análogos da somatostina(octreótido e lanreótido) têm sido experi-mentados, também com eficácia limitada.

Em resumo, não existe uma terapêuticaeficaz para o feocromocitoma maligno,embora alguns doentes respondam favora-velmente à quimioterapia ou à radioterapiacom MIBG. Uma vez que a história naturalda doença é extremamente variável, noscasos de doença rapidamente progressiva, aabordagem de primeira linha deverá ser aquimioterapia e nos casos lentamente pro-gressivos a terapêutica com MIBG. No casode falência desta, poder-se-à então recorrerà quimioterapia. Os análogos da somatos-tatina são fármacos de última linha, comindicação caso falhem as outras terapêuti-cas.1,14

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

O feocromocitoma é, em geral, umtumor benigno. Os factores associados aobom prognóstico são o diagnóstico precoce,a excisão total do tumor primário e a exci-são agressiva de tumores recidivantes e demetástases.

O diagnóstico de doença maligna é esta-belecido pela presença de metástases emlocais onde normalmente não existe tecidocromafim. Os dados da literatura apontampara que 10 a 15% sejam malignos, sendoos órgãos preferenciais de metastização osgânglios linfáticos, fígado, ossos e pulmões.

Os principais factores sugestivos demalignidade são os seguintes: elevadasdimensões do tumor (superior a 6 cm), inva-são das estruturas locais verificada durantea cirurgia, localização extra-supra-renal,aneuploidia ou tetraploidia do DNA dascélulas, reduzida expressão da subunidadeinibina/activina βB e expressão do neurope-pídeo Y.1

Os tumores benignos têm um excelenteprognóstico, com sobrevida de 96% ao 5anos.2 No que diz respeito aos malignos, asobrevida média é bastante inferior, cercade 44% aos 5 anos. O doente pode ter inter-valos livres de sintomas de duração muitovariável, desde meses a anos. Por outrolado, pode surgir metastização vários anosapós a remoção cirúrgica de um tumor apa-rentemente benigno, o que demonstra aincapacidade de previsão de quais os tumo-res que evoluem para a malignidade.14

No caso do feocromocitoma maligno, aevolução da doença também é muito diver-sa, existindo doentes nos quais a progressãoé extremamente rápida e progressiva, culmi-nando com a morte, enquanto que emoutros doentes é bastante indolente, ocorren-do lentamente ao longo de vários anos. 2,3,14

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SEGUIMENTO

Dada a probabilidade de recorrência dofeocromocitoma, o seguimento é para todaa vida do doente, particularmente quandose trata de formas hereditárias, ou de locali-zação extra-supra-renal. O seguimento éclínico, bioquímico e imagiológico, devendoser trimestral no primeiro ano, e anual nosprimeiros cinco a dez anos.1

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Características clínico-laboratoriais esobrevida em doentes com tumoresneuroendócrinos do estômago

Ana Candeias1, John Preto2, José Manuel Lopes3

1 Aluna do 6ºano do Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto2 Serviço de Cirurgia do Hospital de São João, EPE, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)3 Serviço de Anatomia Patológica do Hospital de São João, EPE, Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

(FMUP), Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP)

CorrespondênciaAna Candeias › E-mail: [email protected]

RESUMO

Os tumores neuroendócrinos (NETs) do estômago são neoplasias raras, correspondendo a <1%

das neoplasias gástricas. Na maioria dos casos, os tumores neuroendócrinos do estômago deri-

vam das células neuroendócrinas idênticas às células enterocromafins (Enterochromaffin-like -

ECL) que estão envolvidas no controlo da secreção ácida no estômago. Os NETs gástricos são

classificados clinicamente em três tipos, de acordo com a patologia gástrica associada: o tipo I,

que ocorre em doentes com gastrite crónica atrófica; o tipo II, que ocorre associado à sindro-

ma de Zollinger-Ellison (ZES); e o tipo III, também designado de NET gástrico esporádico, que

não se associa às patologias gástricas dos outros subtipos.

Os NETs gástricos do tipo I e II ocorrem com hipergastrinemia. Apesar da gastrina poder cau-

sar hiperplasia e displasia das ECL não é suficiente para causar desenvolvimento tumoral. Co-

factores como mutações, factores de crescimento e alterações nas proteínas do mesênquima

têm vindo a ser propostos na patogenia dos NETs gástricos.

Os NETs gástricos do tipo I são considerados tumores com comportamento benigno, com

risco mínimo de metastização. Os NETs gástricos do tipo II e III cursam mais frequentemen-

te com metastização à distância. A abordagem terapêutica depende do subtipo e do estadia-

mento dos NETs gástricos. Os tumores do tipo I e II podem ser tratados com remoção endos-

cópica ou exérese cirúrgica, dependendo da extensão local e considerando a causa da hiper-

gastrinemia. Os NETs do tipo III têm indicação cirúrgica.

Existem várias modalidades disponíveis para a terapêutica da doença metastática incluindo

quimioterapia, radioterapia e radiologia de intervenção.

O prognóstico dos NETs gástricos do tipo I e II é bom, com taxas de sobrevida cumulativa

aos 5 anos de 78-100%. Os NETs gástricos do tipo III têm pior prognóstico, com taxa de

sobrevida cumulativa aos 5 anos <50%.

PALAVRAS-CHAVE

Tumores neuroendócrinos do estômago; célula ECL; hipergastrinemia; gastrite crónica atrófi-

ca; síndroma de Zollinger-Ellison.

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ABSTRACT

Gastric neuroendocrine tumors (NETs) are rare, representing less than 1% of all stomach neo-

plasms. Most gastric NETs derive from enterochromaffin-like (ECL) cells, involved in the control of

gastric acid secretion. Gastric NETs are classified in three types based on the gastric pathology

background: type I, chronic atrophic gastritis; type II, multiple endocrine neoplasia and Zollinger-

Ellison syndrome; and sporadic type III, without any background pathology.

Types I and II are associated with hypergastrinaemia. Despite gastrin can cause ECL hyperplasia

and dysplasia, it is not sufficient for tumor development. Other cofactors for the development of

gastric NETs have been proposed including genetic mutations, growth factors and factors from the

mesenchyme.

Type I tumors behavior is benign, with minimal risk for metastases. Type II and III are frequently

associated with distant metastases. The therapeutic approach depends on tumour subtype and

staging of gastric NETs. Type I and II may be treated with endoscopic excision or surgical resec-

tion depending on the local extension and considering the cause of hypergastrinaemia. Type III

has surgical indication.

There are several methods available for the treatment of metastatic disease including chemothe-

rapy, radiotherapy and radiological intervention.

The prognosis of type I and II is good, with 78-100% of 5-year cumulative survival rate. Type III

neuroendocrine tumours have worse prognosis, with <50% of 5-year cumulative survival rate.

KEY WORDS

Gastric neuroendocrine tumors; ECL cell; hypergastrinaemia; chronic atrophic gastritis; Zollinger-

Ellison syndrome.

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1. INTRODUÇÂO

Os tumores neuroendócrinos gastroin-testinais têm origem em células neuroendó-crinas que expressam certas proteínas,como a sinaptofisina e a cromogranina A,variando a sua produção hormonal con-soante o tipo de célula neuroendócrina e alocalização no tracto gastrointestinal.1

Os tumores neuroendócrinos do estôma-go são neoplasias raras que têm aumentadode incidência nos últimos anos.2,3 Têm ori-gem geralmente em células neuroendócri-nas idênticas às células enterocromafins(enterochromaffin-like – ECL), localizadasno corpo/fundo gástrico.4,5 As alteraçõesneoplásicas das células ECL ocorrem, namaioria dos casos, associadas a hipergastri-nemia.4 A relação da hipergastrinemia como desenvolvimento de tumores neuroendó-crinos gástricos tem sido associada com ouso frequente de inibidores de bomba de

protões (IBP) e a consequente hipergastrine-mia por inibição da secreção ácida.6

Este trabalho tem como objectivo revercaracterísticas clínico-laboratoriais e tera-pêuticas relevantes para a sobrevida emdoentes com tumores neuroendócrinos doestômago.

2. EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA

2.1 EPIDEMIOLOGIA

Os tumores neuroendócrinos (NETs) doestômago são neoplasias raras, correspon-dendo a menos de 1% das neoplasias gástri-cas.2 A incidência dos NETs gástricos ajusta-da à idade é de 0,2 por 100,000 habitan-tes/ano.3 No entanto, uma vez que a maio-ria destes tumores é assintomática, a inci-dência pode ser maior.7

Ao longo das últimas cinco décadas,

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verificou-se um aumento da incidência dosNETs gástricos, correspondendo a cerca de4,1% de todos os NETs registados duranteesse período, e a 8,7 % dos NETs gastrointes-tinais de acordo com os dados mais recen-tes.2,3 Existem, contudo, dúvidas se esteaumento poderá corresponder a um verda-deiro aumento de incidência ou a umamaior utilização de técnicas de endoscopia,radiologia e imunohistoquímica.3

A frequência dos NETs gástricos, porgénero e raça, indica um predomínio nogénero feminino (64,5%), como acontececom a maioria dos NETs (55,1%), sendomaior nos indivíduos de raça negra compa-rativamente aos de raça caucasiana(1\1,06RR).2

Apesar de não estar esclarecido, verifica-se que os doentes com NETs gástricos têmuma média de idade ao diagnóstico inferiorà de outras neoplasias do estômago (63 e 69anos, respectivamente).2

2.2 ETIOLOGIA

A principal função do estômago é adigestiva e está dependente da secreçãoácida que é regulada por células neuroen-dócrinas. A mucosa gástrica humana éconstituída por, pelo menos, 6 tipos de célu-las neuroendócrinas: as células idênticas àsenterocromafins (enterochromaffin-like -ECL), as células G, as células enterocroma-fins (enterochromaffin - EC), as células D, ascélulas D1/P e as células X.4 As células neu-roendócrinas correspondem, no seu total, auma minoria da massa celular gástrica,representando apenas 2% das células damucosa.3,8 As células ECL correspondem a

cerca de 35% das células neuroendócrinasgástricas e são produtoras de histamina,localizando-se profundamente na mucosaoxíntica do fundo/corpo gástrico, próximodas células parietais e principais.8 As célulasG, presentes no antro (na zona média damucosa) do estômago, são produtoras degastrina.4 As células D e as células EC, pro-dutoras de somatostatina e serotonina, res-pectivamente, estão representadas em todaa mucosa gástrica.4 As células P /D1 sãomais frequentes na mucosa ácido-péptica(oxíntica), correspondendo a uma pequenaminoria no antro gástrico.9

Todas estas células neuroendócrinaspodem ser encontradas em lesões tumorais.No entanto, os NETs do estômago têm, nasua maioria, origem nas células ECL e, rara-mente, nas células G ou EC.4,5

Em situações normais, a secreção ácidaé complexa, envolvendo vários tipos celula-res nomeadamente as células ECL, as célu-las G e D que estão implicadas no controlofisiológico das células parietais responsáveispela produção e secreção de ácido clorídrico(HCl). (Figura 1)9

Numa fase inicial, a gastrina é produzi-da e secretada pelas células G do antro e doduodeno, como resposta à distensão gástri-ca e ao aumento do pH intraluminal resul-tante da ingestão alimentar e, via circula-ção sistémica, actua nos receptores colecis-tocina (CCK2) das faces basolateral e lumi-nal das células ECL.9 Os receptores CCK2estão associados a uma proteína Gq intrace-lular.8 A estimulação da proteína Gq activaa fosfolípase C da membrana celular quecatalisa a formação de trifosfato de inositole diacilglicerol a partir da hidrólise dos fos-

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FIGURA 1: Representação esquemática da secreção ácida no estômago (adaptado de Rindi et al 20049).

Célula G Célula ECL

Gastrina

Gastrina

- Histamina

Somatostatina

HCI

+ + +Célula parietal

Nervo Vago

Célula D

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fatidilinositóis.10 O trifosfato de inositol fixa-se a receptores específicos na membrana doretículo endoplasmático que contém depósi-tos intracelulares de cálcio, promovendo omovimento deste ião do interior do retículoendoplasmático para o citosol, o que esti-mula a exocitose da histamina.

A gastrina exerce ainda estimulação daactivação da descarboxilase da histidina(Histidine Decarboxylase - HDC), que cata-lisa a descarboxilação da histidina em his-tamina, estimulando, desta forma, a produ-ção da histamina. A histamina é depoisarmazenada em vesículas secretoras, atra-vés de um transportador vesicular demonoaminas tipo 2 (Vesicular MonoamineTransporter subtype 2 - VMAT 2). Para alémda activação, a gastrina exerce um papelimportante na expressão genética da HDC.A estimulação da transcrição da HDC éregulada pela Proteína Cinase C (ProteinKinase C - PKC), activação indirecta dasproteínas c-fos e c-jun e estimulação daMAP kinase. As proteínas c-fos e c-jun for-mam um heterodímero, designado proteínaactivadora 1 (Activator Protein 1- AP-1) queé um factor de transcrição. O passo final daestimulação da transcrição da HDC depen-de da activação da proteína Raf, não sendo,contudo, necessária a activação da Ras.Paralelamente à estimulação da actividadeda HDC, a gastrina aumenta a transcriçãodo gene da proteína cromogranina.10

A histamina actua nos receptores H2,presentes na membrana das células parie-tais, e estimula a secreção de HCl (efeitoparácrino). A diminuição do pH gástricoinibe a secreção de gastrina, ou seja, condi-ciona uma regulação de inibição retroacti-va da secreção gástrica, mediada pela secre-ção de somatostatina que é produzida nascélulas D.9 A somatostatina exerce um efei-to directo nas células parietais, através daligação a receptores da somatostatina subti-po 2 (SSR2) das células parietais, e indirectonas células ECL, inibindo a secreção de his-tamina.8,9 O nervo vago estimula a secreção

de HCl, através da secreção de acetilcolinaque actua em receptores M3, presentes namembrana das células parietais.8

Os tumores neuroendócrinos do estôma-go ocorrem na maioria dos casos associadosa hipergastrinemia, em dois contextos pato-lógicos distintos: a gastrite crónica atróficado tipo A e a síndroma de Zollinger-Ellison(Zollinger-Ellison syndrome - ZES). Clinica-mente, os NETs gástricos que se desenvol-vem no contexto da gastrite crónica atróficasão classificados de NETs gástricos do tipo Ie os NETs que se desenvolvem no contextoda ZES são classificados de NETs gástricos dotipo II.5,6,8,11

A gastrite crónica atrófica do tipo Aresulta da destruição das células parietaisdo fundo gástrico, por um processo auto-imune.12,13 Como resultado da destruiçãodas células parietais ocorre diminuição daprodução de HCl no estômago (acloridia)que tem como consequência a hiperplasiadas células G no antro gástrico, a diminui-ção das células D e hipergastrinemia.12 Agastrina exerce um efeito proliferativo nascélulas ECL resultando em hiperplasiadifusa linear e micronodular adenomatói-de, da qual podem resultar NETs gástricos,após um período de latência de muitosanos.14 No entanto, os NETs gástricos dotipo I ocorrem apenas em alguns doentescom gastrite crónica atrófica. Esta evidên-cia sugere que outros factores, além dagastrina, sejam necessários para o desen-volvimento tumoral.6,8,14

Os NETs gástricos do tipo I ocorremmaioritariamente em mulheres (70-80%dos casos), com média de idades de 50-60anos.15 É o tipo mais comum, corresponden-do a cerca de 68-83% do total de NETs gás-tricos.6,8,15,16

Os NETs gástricos do tipo II ocorrem emdoentes com ZES, na maior parte dos casosno contexto da síndroma de NeoplasiaEndócrina Múltipla tipo I (MultipleEndocrine Neoplasia type I - MEN-1).6 AMEN-1 é uma síndroma autossómica domi-

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nante causada por mutações no gene MEN-1, localizado no cromossoma 11q13, quecodifica uma proteína (menin) supressoratumoral.17 Esta síndroma é caracterizadapelo desenvolvimento de hiperplasia dasparatiróides, tumores neuroendócrinos,adenomas da hipófise anterior e adenomasda suprarrenal. Outras manifestações,menos comuns, incluem: lipomas, colage-nomas, angiofibromas e NETs gástricos ebrônquicos.

A ZES ocorre em 21-70% dos casos deMEN-1 e é causada pela secreção aumenta-da de HCl no estômago secundária a hiper-gastrinemia produzida por um gastrino-ma.17 A secreção aumentada de ácido clorí-drico causa doença ulcerosa péptica, esofa-gite erosiva e diarreia. A maioria dos gastri-nomas localiza-se no duodeno (50-70%),pâncreas (20-40%) e outras localizaçõesintra-abdominais: estômago, fígado e gân-glios linfáticos.18

A ZES, no contexto da MEN-1, está asso-ciado a risco de 13-37% de desenvolvimentode NETs gástricos do tipo II, comparativamen-te ao risco de 0-2% nos doentes com ZES espo-rádico que desenvolvem este tipo de NET.8

Um estudo de ZES esporádicos (sem MEN1) descreveu que a maioria (52% de 106doentes com hipergastrinemia de 13-42anos) apresentava alterações nas célulasECL: hiperplasia linear e/ou alterações maisavançadas.19 Neste estudo, nenhum doentedesenvolveu NET gástrico do tipo II. Algunsestudos descrevem alterações mais avança-das na proliferação das células ECL em 46-53% dos doentes com ZES/MEN 1, que é umapercentagem superior à observada (10-13%)em doentes com ZES esporádico.19

A mutação heterozigótica no gene MEN-1 e a presença da hipergastrinemia, causa-da por gastrinomas, estão provavelmenteimplicados no desenvolvimento de NETsgástricos do tipo II.14

Os NETs gástricos do tipo II são menoscomuns, correspondendo <5-8% do totalde NETs gástricos.5,8 Ocorrem com frequên-

cia semelhante em homens e mulheres,com média de idades ao diagnóstico de 45-50 anos.15

A relação da hipergastrinemia com odesenvolvimento de NETs em doentes comgastrite crónica atrófica e em doentes comZES tem sugerido que níveis elevados degastrina podem estar implicados no desen-volvimento de NETs gástricos.6,8

A hipergastrinemia tem sido implicadano desenvolvimento de NETs gástricos emmodelos animais. Vários estudos realizadosem animais, utilizando diversos métodospara a indução da hipergastrinemia (ex:drogas, cirurgia) demonstraram que a hiper-gastrinemia pode promover o desenvolvi-mento de NETs gástricos.8 Em humanos, con-tudo, estudos referentes à utilização de inibi-dores de bomba de protões (IBP) descrevemaumento de densidade das células ECL apóstratamento com omeprazole e aumento sig-nificativo (p< 0,005) nas glândulas fúndicasapós tratamento com lanzoprazole.20 Noentanto, nenhum estudo demonstrou a ocor-rência de NETs gástricos nestes contextos.21 Ahipergastrinemia associada à vagotomiatambém não foi associada ao desenvolvi-mento de NETs gástricos em humanos.8 Estefacto pode reflectir uma interacção impor-tante, ainda não determinada, de neuropep-tídeos e alterações genéticas.

Os NETs gástricos do tipo III não cursamcom níveis aumentados de gastrina (sãohabitualmente normais) nem se associam aqualquer das patologias gástricas dos outrossubtipos.5,6 São, por isso, designados NETsgástricos esporádicos. A etiologia deste tipode NET gástrico é desconhecida.8 Os NETsgástricos do tipo III correspondem a cerca de15-23% dos NETs gástricos e são maiscomuns em homens, com idade superior a50 anos.5

No contexto de transformação neoplási-ca neuroendócrina no estômago descrevem-se casos anedóticos de carcinomas neuroen-dócrinos de células pequenas (38 casospublicados desde 1976).22 Os carcinomas

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neuroendócrinos de células pequenaspodem ocorrer em qualquer localização,têm origem em células multipotenciais eapresentam grande variedade de caracterís-ticas histológicas. São clinicamente agressi-vos e têm mau prognóstico, com sobrevidamédia de 6,5-14,9 meses.23,24

3. PATOLOGIA E GENÉTICA

3.1 CARACTERÍSTICAS ANÁTOMO-PATOLÓGICAS

A maioria dos NETs gástricos tem ori-gem nas células ECL e localiza-se frequente-mente no fundo/corpo gástrico.6

As lesões precursoras dos NETs gástricosdo tipo I e II são a hiperplasia e a displasiadas células ECL.14

A hiperplasia das células ECL caracteri-za-se por aumento do número de célulasECL, com padrões linear, difuso ou microno-dular, e menos de 150 μm de dimensão.5 Aforma mais exuberante de hiperplasia dascélulas ECL é a hiperplasia adenomatóideque está associada a hiperplasia microno-dular acentuada.5,6

As lesões displásicas, com dimensõesentre 150-500 μm, são constituídas porcélulas moderadamente atípicas, núcleoaumentado hipercrómático, citoplasmamoderadamente abundante e menorexpressão de marcadores granulares comoa cromogranina A (Chromogranin A- CgA). Localizam-se profundamente na muco-sa oxíntica e não ultrapassam a muscularda mucosa.5 As lesões displásicas corres-pondem à transição entre hiperplasiabenigna e tumores neuroendócrinos epodem assumir quatro padrões morfológi-cos: 1) padrão expansivo constituído pornódulos> 150 μm; 2) micronódulos con-fluentes; 3) microinfiltração da lâmina pró-pria; 4) nódulos envolvidos por estromaneoformado. Lesões> 500 μm designam-setumores neuroendócrinos (figura 2); quan-

do confinados à mucosa são classificadoscomo micro-NETs.25

Os NETs gástricos do tipo I são bem dife-renciados e localizados geralmente namucosa e submucosa da parede gástrica.26

Os NETs gástricos do tipo I são constituídospor células ECL pequenas, homogéneas,com citoplasma eosinofílico finamente gra-nular e núcleo redondo ou oval. As mitosessão infrequentes. A mucosa gástrica adja-cente apresenta sinais de gastrite crónica,com infiltrado linfoplasmocitário denso nalâmina própria do corpo/fundo, poupandoo antro, depleção marcada das célulasparietais, e lesões hiperplásicas e displásicas(cerca de 6% dos casos) de células ECL.25

Localizam-se habitualmente no corpoou fundo do estômago e são geralmentemultifocais. São frequentemente lesõespequenas (<1-2 cm) com baixo potencial demetastização (<5%)11, 27, 28 (Quadro I).

Os NETs gástricos do tipo II são habi-tualmente múltiplos, pequenos (<1-2 cm) ecompostos predominantemente por célulasECL, embora alguns possam conter outrostipos de células neuroendócrinas.8 A mor-fologia dos NETs gástricos do tipo II e ahiperplasia das células ECL é idêntica àobservada nos NETs do tipo I, mas a muco-sa adjacente tem hipertrofia das glândulasoxínticas.25

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FIGURA 2: Aspecto microscópico de NET gástrico que ultrapassaa muscular da mucosa.

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À semelhança dos NETs do tipo I, osNETs gástricos do tipo II localizam-se maio-ritariamente na mucosa oxíntica. Os NETsgástricos do tipo II apresentam geralmenteinvasão limitada à mucosa e submucosagástrica, cerca de 30% invasão ganglionar e10% metástases à distância.8

Os NETs gástricos do tipo III são geral-mente tumores únicos e grandes (>2cm).Ocorrem com níveis de gastrina normais esem alterações na mucosa gástrica adjacen-te.5 Embora sejam constituídos na sua maio-ria por células ECL, podem conter outrascélulas neuroendócrinas, produtoras deserotonina, somatostatina ou gastrina.8

Embora muitos NETs do tipo III sejam bemdiferenciados, outros são menos diferencia-dos com características atípicas, pleomorfis-mo nuclear, nucléolos proeminentes, áreasde necrose e expressão da p53.25

Quando diagnosticados, cerca de 15%dos tumores são localizados e >50 % dosdoentes com NETs gástricos do tipo III têmmetastização hepática.8

O diagnóstico e a caracterização daslesões precursoras e dos NETs gástricosdevem basear-se em métodos complemen-tares, para além do exame histológico comhematoxilina e eosina.25

As células ECL não têm característicasespecíficas que permitam a sua identifica-ção com microscopia óptica mas podem seridentificadas por métodos de coloraçãoargêntica, microscopia electrónica e imuno-

histoquímica com anticorpos que identifi-cam histamina, sinaptofisina (marcador depequenas vesículas não-densas) e CgA(marcador de pequenas vesículas densas),que são marcadores característicos, masnão específicos, destas células neuroendó-crinas.26,29

A identificação imunohistoquímica dotrans-receptor vesicular monoamina(VMAT2) pode também ser usada paraidentificar células neuroendócrinas.5 Estereceptor tem sido utilizado como marcadormais específico dos grânulos das célulasneuroendócrinas.6 Existem dois tipos detrans-receptores vesiculares de monoami-nas: VMAT 1 e VMAT2. O VMAT 1 é detecta-do em células gastrointestinais produtorasde serotonina (EC) e o VMAT 2 em célulasprodutoras de histamina (ECL).26

A Ki-67 é um antigénio nuclear estrutu-ralmente associado à cromatina que éusado para avaliar a actividade proliferati-va de células e tumores.30 A maioria dosNETs diferenciados tem índice proliferativobaixo (<2% de células tumorais Ki-67 positi-vas) associado a comportamento biológicomais benigno. Índices proliferativos maiselevados determinados com Ki-67 têm sidoassociados a comportamento maligno epior prognóstico dos doentes com NETs gas-trointestinais.30 A avaliação imunohistoquí-mica com Ki-67 e p53 permitiu, num estudocom 21 NETs gástricos, diferenciar o prog-nóstico dos doentes, sendo a maior expres-

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Tipo I Tipo II Tipo III

Patologia associada Gastrite crónica atrófica ZES/MEN 1 –

Frequência 68-83% 5-8% 15-23%

MacroscopiaLesões polipóides

únicas/múltiplas (<1-2 cm)Lesões polipóides, múltiplas

(<1- 2 cm)Lesões polipóides únicas

Geralmente ulceradas (>2 cm)

HistopatologiaSem atipia celular

Ki-67 < 2%

Atipia celular ocasionalPossibilidade de invasão e perda de diferenciação

Ki-67 <2%

Invasão frequenteAtipia celular frequente

Ki-67 >2%

Gastrina sérica ↑ ↑ ↑ ↑ Normal

Metastização Excepcional 10-30% 50-100%

Sobrevida aos 5 anos 78-100%Semelhante ao tipo I; uma minoria pode ter

comportamento mais agressivo< 50%

QUADRO I: Características dos NETs gástricos (adaptado de Delle Fave et al 20055, Ruszniewski et al 2006 63 e Burkitt et al 20066).

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são destes marcadores associada a piorsobrevida dos doentes.31

Vários factores investigados numa sériecom 102 NETs gástricos tornaram possível odesenvolvimento de um sistema de classifi-cação histopatológica para os NETs gástri-cos.32 Foram propostos três graus histológicos(G1-G3): grau 1 (G1), caracterizado porestrutura monomorfa, microlobular-trabe-cular, discreta atipia celular e raras mitosestípicas (1-3/10 campos de grande ampliação(High Power Field-HPF); grau 2 (G2), caracte-rizado por agregados sólidos e elevado índi-ce mitótico (>7/10 HFP); grau 3 (G3), carci-nomas neuroendócrinos pouco diferencia-dos, com áreas sólidas, necrose extensa e ele-vado índice mitótico, com mitoses atípicas.

3.2 CARACTERÍSTICAS GENÉTICAS(CITOGENÉTICAS E MOLECULARES)– CARCINOGÉNESE E PROGRESSÃODOS TUMORES NEUROENDÓCRINOSDO ESTÔMAGO

A gastrina parece estar envolvida na pro-liferação das células parietais e das célulasECL.10,33 As células progenitoras das célulasECL não expressam receptor CCK2 e a respos-ta proliferativa parece estar relacionada coma libertação de factores de crescimento, comoo factor de crescimento epidérmico ligandoda heparina (heparin binding epidermal growthfactor) e o factor transformador de crescimen-to alfa (Transforming Growth Factor-α-TGF-α).6,8 A gastrina parece ter um efeito pró-proliferativo directo nas células ECL no desen-volvimento de NETs gástricos.6

Embora a hipergastrinemia seja essen-cial para o desenvolvimento de NETs do tipoI e II, não é suficiente para causar desenvol-vimento tumoral.6 Outros co-factores comomutações genéticas, factores de crescimentoe alterações nas proteínas do mesênquimatêm vindo a ser propostos.5,6

A base molecular da patogénese dosNETs gástricos é ainda largamente desco-nhecida.5 O modelo genético mais estudado

nos NETs gástricos é a alteração do geneMEN-1 associado à síndroma de neoplasiaendócrina múltipla (MEN-1).34 A MEN 1 éuma síndroma com transmissão autossómi-ca dominante de alta penetrância, causadapor mutação germinativa inactivante dogene MEN 1, localizado no cromossoma11q13, que codifica uma proteína (menin)supressora tumoral. A mutação germinati-va afecta o gene MEN-1, sendo o portadorda mutação genética um heterozigóticocom predisposição para o desenvolvimentotumoral.35 A inactivação somática do alelonão mutado (perda de heterozogotia) resul-ta no desenvolvimento das lesões associa-das à síndroma MEN-1.

Os NETs esporádicos do estômago ouque ocorrem num contexto hereditárioapresentam frequentemente perda de hete-rozigotia para o locus da MEN-1. A perda deheterozigotia foi demonstrada em 75% de23 casos de NETs gástricos hereditários e em41% de 46 NETs gástricos esporádicos.36

O papel dos factores de crescimentoenvolvidos no desenvolvimento de NETs gás-tricos foi recentemente centrado na proteínaReg. A proteína Reg (Regenerating protein)foi identificada como factor de crescimentonecessário à regeneração pancreática, tendosido identificada em localizações extra-pan-creáticas de animais e humanos, nomeada-mente na mucosa gástrica onde é secretadapelas células ECL e células principais.37,38 Noestômago, a proteína Reg estimula a prolife-ração das células parietais, a sua produção éestimulada pela gastrina e a sua expressãoaumenta nas células ECL que rodeiam asúlceras da mucosa gástrica. Admite-se que aReg é um possível regulador da regeneraçãoda mucosa gástrica. No entanto, tendo emconta a acção endócrina da gastrina, oaumento da expressão da Reg exclusivamen-te nas células que rodeiam as lesões gástricasnão pode ser explicado considerando apenasa gastrina, o que pressupõe o envolvimentode outros factores reguladores da expressãoda Reg.37 Em ratos com mucosa gástrica lesa-

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da descreveu-se a libertação de uma citocinapró-inflamatória [CINC-β2‚-correspondenteà interleucina 8 (IL 8) humana] que estimu-la a produção de Reg nas células ECL. Outrascitocinas pró-inflamatórias não estimulam asecreção da proteína Reg nas células ECL.38

Um estudo recente descreveu o aumento daproteína Reg em NETs gástricos associados ahipergastrinemia e a mutação do gene Regfoi implicada no desenvolvimento de NETsgástricos de células ECL.37 Demonstrou-se queoutros genes expressos na mucosa gástricasão regulados pela gastrina, nomeadamenteo inibidor do activador do plasminogénio(Plasminogen Activator Inhibitor 2 - PAI-2) ea metaloproteinase 9 da matriz (MatrixMetalloproteinase 9- MMP-9), sugerindo umsistema no qual a gastrina exerce efeitos alongo prazo na remodelação da mucosa gás-trica.39

O PAI-2 é um membro do sistema acti-vador do plasminogénio uroquinase. A acti-vação deste sistema é importante para ainvasão celular através da regulação damigração celular e da degradação selectivada matriz extracelular. Existe em quantida-des baixas na mucosa gástrica normal, masaumenta em condições com hipergastrine-mia: gastrite crónica atrófica e ZES.40

A gastrina aumenta a expressão dametaloproteinase 7 da matriz (MatrixMetalloproteinase 7 - MMP-7) que estimulaa proliferação de miofibroblastos, aumen-tando a matriz extracelular envolvente dascélulas ECL. Esta expressão de MMP-7 foidescrita em adenocarcinomas gástricos eassociada a mau prognóstico. Os mecanis-mos são desconhecidos, podendo resultar dealterações da matriz extracelular que pro-movem a fibrose, aumento da invasão celu-lar, ou supressão da apoptose.41

Comparativamente às lesões do tipo I eII, que têm sido mais estudadas, pouco sesabe sobre a patogenia dos NETs gástricosdo tipo III. Demonstrou-se a presença demutações da p53, particularmente nostumores pouco diferenciados.42,43

4. APRESENTAÇÂO CLÍNICA

A apresentação clínica da maioria dosNETs gástricos é variável e inespecífica.Geralmente são achados incidentais emdoentes que realizam endoscopia digestivaalta por dispepsia.44

Os NETs gástricos podem manifestar-secom sintomas semelhantes aos das úlceraspépticas, pólipos gástricos hemorrágicos eadenocarcinomas gástricos.8 Há casos des-critos com queixas de dor abdominal,hemorragia digestiva e anemia.45

Uma minoria (0,5-11%) de doentes comNETs gástricos pode apresentar característi-cas da síndroma carcinóide. A síndromacarcinóide resulta geralmente da libertaçãode histamina, bradicinina e outras substân-cias, ainda não identificadas, produzidaspelo tumor.46 A apresentação clínica da sín-drome carcinóide inclui rubor, edemafacial, broncospasmo, diarreia, taquicardiae disfunção cardíaca direita.8

5. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Tendo em conta a apresentação clínicados NETs gástricos podem ser considerados osseguintes diagnósticos diferenciais: gastrite,úlcera péptica, adenocarcinoma gástrico,refluxo gastro-esofágico, hemorragia digesti-va alta (úlcera péptica, varizes esofágicas,laceração de Mallory-Weiss).18 Devem aindaser considerados: asma, anafilaxia, edemapulmonar, doença cardíaca isquémica, car-diomiopatia dilatada, síndromas de máabsorção, diarreia crónica (osmótica, secreto-ra, inflamatória, factícia ou esteatorreia) dorabdominal por disfunção neurológica, endó-crina, de causa farmacológica ou mecânica,espasmo ou distensão visceral (obstruçãointestinal, de canais pancreáticos, ureteral) esíndroma do intestino irritável.

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6. DIAGNÓSTICO E ESTADIA-MENTO

6.1 DIAGNÓSTICO

Os NETs gástricos são geralmente identi-ficados de forma incidental na endoscopiadigestiva alta. A endoscopia digestiva altapermite a identificação e biopsia do NETgástrico, fornecendo informação acerca donúmero e tamanho dos tumores. Para alémda identificação tumoral, a endoscopia per-mite a visualização e biopsia da mucosagástrica adjacente, importante na caracteri-zação do subtipo de NET gástrico.47 Os NETsgástricos ocorrem mais frequentementecomo pólipos múltiplos e pequenos, detonalidade amarelada.48 A mucosa adjacen-te pode ser macroscopicamente normal,especialmente nos NETs gástricos do tipo III,pode ter evidência de gastrite atrófica (tipoI) ou de úlcera péptica (tipo II).49 A maioriados tumores localiza-se no corpo/fundo gás-trico. No entanto, há casos descritos de NETsgástricos do tipo II no antro gástrico, sendoque os NETs do tipo III podem ocorrer emqualquer localização.49 Adicionalmente, aendoscopia é importante no tratamento dosNETs gástricos, permitindo a exérese.50

Os estudos de contraste de bário podemser úteis na detecção de irregularidades damucosa, nomeadamente na detecção delesões polipóides, mas têm baixa sensibilida-de para a detecção de lesões da submucosa.51

A determinação da localização e daextensão dos NETs gástricos são essenciaispara o tratamento adequado. Vários méto-dos complementares de diagnóstico podemser usados, nomeadamente a ecoendosco-pia, a Tomografia Computorizada (TC), aRessonância Magnética Nuclear (RMN), aPET (Positron Emission Tomography) e acintigrafia com análogos de somatostatina(Quadro II). 52

QUADRO II. Diagnóstico da localização e da extensão de NETs gás-tricos e de gastrinomas (adaptado de Caplin et al 1998 47, Modlinet al 2008 52, Burkitt et al 2006 6 Jensen RT 2008 18).

Meio Complementar de DiagnósticoNET primário Endoscopia digestiva com biopsia

EcoendoscopiaExtensão ganglionar EcoendoscopiaExtensão metastática Cintigrafia com análogos da somatostatina

TAC e/ou RMNPET

Gastrinomas EcoendoscopiaCintigrafia com análogos da somatostatinaTAC e/ou RMN

Nenhuma destas técnicas é 100% sensívele múltiplas modalidades podem ser necessá-rias para a detecção de lesões pequenas.52

A ecoendoscopia é uma técnica particu-larmente útil para a localização do NET, for-necendo informações acerca da extensão naparede e da invasão ganglionar.50 A grandemaioria dos NETs gástricos está limitada àprimeira e segunda camada, são pequenos,superficiais e não metastizam. A ecoendos-copia é também importante na identifica-ção de gastrinomas que ocorrem em associa-ção com NETs gástricos do tipo II.52

A TC e a RMN são os métodos habitual-mente usados na identificação de metásta-ses locais e à distância.11

A maioria dos NETs gástricos expressareceptores da somatostatina tornando a cin-tigrafia com análogos da somatostatina útilpara a identificação do tumor primário edas metástases à distância.6 A cintigrafiacom análogos da somatostatina é o métodomais sensível na detecção de metástaseshepáticas (81-96% comparativamente àangiografia -50-90% ou à RMN -55-70%),pelo que é a modalidade de imagem inicialde escolha para caracterizar os NETs primá-rios e metastáticos.52

A cintigrafia com análogos da somatos-tatina deve ser realizada com TC e/ou RMNpara determinação do tamanho e localiza-ção exacta das metástases.18

A PET é uma técnica que permite rela-cionar a localização anatómica das lesõescom o funcionamento dos NETs. A PET com11C-5-hidroxitriptofano é útil nos NETs gás-tricos, apresentando maior sensibilidade do

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Page 53: 6-Artigos_de_Revisao-SPEDM_Vol.4_Nº1

que os meios convencionais e cintigrafiacom análogos da somatostatina.18

A definição do tipo de NET gástrico temimpacto importante no tratamento e noprognóstico.6 Para além do estudo anátomo-patológico do NET gástrico, é importante adeterminação dos níveis séricos de gastrina.

Os níveis de gastrina estão elevados nosNETs gástricos do tipo I e II.6,8 O teste de esti-mulação da gastrina pela secretina podeajudar a diferenciar os NETs gástricos dotipo I dos NETs gástricos do tipo II.18 O estu-do da secretina é o teste de estimulação degastrina mais sensível e específico para odiagnóstico da ZES. Um aumento de gastri-na> 200 pg 15 minutos após a injecção desecretina, tem sensibilidade e especificidadede 90% na ZES.18 O teste da estimulação dagastrina com secretina é negativo nos doen-tes com gastrite crónica atrófica.

No caso de NETs gástricos do tipo II éimportante a identificação do gastrinomaassociado. (Quadro II) A ecoendoscopiaapresenta sensibilidade elevada para adetecção de gastrinomas pancreáticos masnão é muito útil para a detecção de gastrino-mas duodenais (sensibilidade de 90-100 % e45-60%, respectivamente).52 Os gastrinomasexpressam receptor da somatostatina, peloque a cintigrafia com análogos da somatos-tatina pode ser usada, demonstrando taxasde sensibilidade e de especificidade> 75%.53

À semelhança do que acontece com os NETsgástricos, os doentes com gastrinomas deve-rão realizar TC e/ou RMN para despiste dasmetástases dos gastrinomas.18

Os NETs gástricos são geralmente nãofuncionantes, pelo que não está indicada aavaliação da secreção de neuropeptídeos.Em alternativa, surgiram marcadores sero-lógicos.54

Actualmente, estão disponíveis métodospara avaliar a Cg A intacta e os seus produ-tos. Os níveis séricos estão aumentados nostumores neuroendócrinos gastro-entero-pancreáticos (GEP-NETs) e são particular-mente úteis para o diagnóstico de tumores

não funcionantes.55,56 A CgA sérica aumentana gastrite crónica atrófica, na hiperpla-sia/displasia das células ECL e nos NETs gás-tricos. Níveis aumentados de CgA são tam-bém observados na insuficiência renal. 55,56

Foi descrita uma diferença estatistica-mente significativa (p<0,001) entre os níveisséricos de CgA de doentes com gastrite cró-nica atrófica e a população geral, apresen-tando os doentes com gastrite crónica atró-fica níveis mais elevados.57 No entanto, estadiferença não era significativa quando secompararam doentes com NETs gástricos edoentes com lesões precursoras.

Noutro estudo de 15 doentes com NETsgástricos descreveram-se níveis séricos deCgA aumentados em todos os subtipostumorais, mais elevados (p<0,001) nosdoentes com NETs gástricos do tipo III doque nos doentes com NETs gástricos do tipoI.58 A determinação dos níveis séricos de CgA tem-se revelado mais útil para avaliar aextensão da doença em doentes com NETsmetastizados.6

6.2 ESTADIAMENTO

Recentemente foi proposta uma classifi-cação TNM (Tumor-Node-Metastasis) parao estadiamento dos GEP-NETs.59 Nesta classi-ficação, T representa a extensão da invasãotumoral, N o envolvimento ganglionar e Ma presença de metástases à distância.

Nos NETs gástricos, as lesões tumoraissuperficiais (< 0,5 mm) são designadas porin situ (Tis). T1 indica a invasão tumoral dalâmina própria ou da submucosa, paralesões tumorais < 1 cm. Lesões maiores (>1cm), com invasão da muscular própria ousubserosa são classificados T2, sendo aslesões com invasão da serosa classificadasT3. A classificação T4 indica as lesões cominvasão de estruturas adjacentes.

N1 designa metástases ganglionares. A presença de uma ou mais metástases à

distância em qualquer local anatómico,incluindo gânglios linfáticos não locais, é clas-

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sificada como M1. Recomenda-se a indicaçãodo local anatómico das metástases à distância(PUL - Pulmão; HEP- Fígado; OSS- Osso).

QUADRO III: Proposta ENETS (European Neuroendocrine TumorSociety) de Estadiamento dos NETs gástricos (adaptado de Rindi etal 2006 59).Estadiamento Estádio 0 Tis N0 M0Estádio I T1 N0 M0Estádio IIa T2 N0 M0Estádio IIb T3 N0 M0Estádio IIIa T4 N0 M0Estádio IIIb Qualquer T N1 M0Estádio IV Qualquer T Qualquer N M1

No estadiamento (Quadro III), as lesõessuperficiais <1cm com invasão da lâminaprópria ou da submucosa, sem metástasesganglionares ou à distância, são designadasestádio I (T1N0M0); lesões de maiores dimen-sões, com invasão da muscular própria (T2)ou serosa (T3), sem metástases ganglionaresnem metástases à distância, são designadasestádio II (T2 ou T3 N0M0); tumores cominvasão de estruturas adjacentes ou commetástases ganglionares, sem metástases àdistância, são designadas estádio III(T4N0M0 ou qualquer T, N1M0). A presençade metástases à distância define o estádio IV.

Um estudo de 202 doentes, 48 dos quaiscom NETs gástricos, revelou que a propostade classificação TNM é útil, permitindo umaestratificação prognóstica dos NETs gas-trointestinais.60

7. PROGNÓSTICO

O prognóstico dos NETs gástricos depen-de do tipo e do estadiamento do tumor.11

Vários parâmetros têm sido usados naavaliação prognóstica de NETs gástricos, in-cluindo: estudo anátomo-patológico, grauhistológico (G1-G3), dimensão, índice mitó-tico, índice Ki67 (indicador da actividadeproliferativa), expressão da p53, invasãovascular e da parede.

Todos estes parâmetros demonstraramvalor preditivo de malignidade e da sobrevi-

vência dos doentes.32 NETs gástricos G2 ouG3, com índice mitótico ≥ 9 / 10 HPF e > 300células Ki-67 positivas/10 HFP, têm compor-tamento mais maligno.32

A sobrevida cumulativa global dos NETsgástricos aos 5 anos é de 63%.44 A presençade metástases ganglionares ou à distânciaagrava o prognóstico (7,1-21,2% compara-tivamente aos 64,5-69,1% sem doença mes-tastizada).44

As lesões do tipo I têm habitualmentebom prognóstico, com sobrevida aos 5 anosde 78-100%.44

A sobrevida dos doentes com NETs dotipo II é semelhante à dos com tipo I.8 Oprognóstico está relacionado com o gastri-noma associado, que tem taxa de sobrevidaaos 5 anos de 60-75 %.8

Os doentes com NETs gástricos do tipoIII têm pior prognóstico, com sobrevida aos5 anos < 50%.6 Este facto relaciona-se com60% de metastização ganglionar e >50% demetastização hepática observadas nos NETsgástricos do tipo III.61

8. TRATAMENTO

O tratamento dos NETs gástricos deveser decidido após a confirmação do diag-nóstico do tipo de tumor e do estadiamentoda doença.6

É importante a determinação dos níveisséricos de gastrina, porque os tumores asso-ciados a hipergastrinemia devem ser trata-dos com procedimentos de redução/elimi-nação dos níveis de gastrina.6

8.1 TRATAMENTO DO TUMORPRIMÁRIO

Os NETs gástricos não metastizadospodem ser removidos endoscopicamente oucirurgicamente6 (Quadro IV).

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QUADRO IV: Tratamento de NETs gástricos primários (adaptado deAkerstrom G et al 2007 62, Ruszniewski et al 2006 63, Jensen RT 2008 18).Tipo e dimensão de NET gástrico TratamentoTumor do tipo I e II < 1 cm Ressecção endoscópica/

VigilânciaTumor do tipo I e II 1-2 cm Ressecção endoscópica

Ressecção cirúrgicaTumor do tipo I e II > 2 cm Ressecção cirúrgica

Antrectomia nos NETs do tipo I

Tumor do tipo III Gastrectomia e linfadenectomia

Os NETs gástricos do tipo I e II <1 cm dediâmetro são indolentes e com risco mínimode invasão, podendo ser tratados com res-secção limitada via endoscópica.62 Noentanto, de acordo com as recomendaçõesda ENETS, os NETs gástricos do tipo I e II <1cm de diâmetro podem ser vigiados, estan-do a ressecção endoscópica indicada emtumores> 1cm de diâmetro que não ultra-passem a muscular própria e com <6 lesõestumorais.63 Num trabalho recentementepublicado sobre o seguimento (média de 54meses) de 11 doentes com NETs gástricos dotipo I demonstrou-se que em 9 doentes nãoforam detectadas lesões> 1 cm de diâmetro,nem metástases locais ou à distância,levantando a possibilidade de seguir estesdoentes apenas com vigilânciaclínica/endoscópica.64

Nos NETs gástricos do tipo I e II > 2 cm dediâmetro, ou com metastização ganglionar,alguns autores recomendam gastrectomiaenquanto outros recomendam antrectomiano tratamento de NETs gástricos do tipo Ipara reduzir a hipergastrinemia.18 A antrecto-mia tem-se revelado eficaz em mais de 80%dos doentes com NETs gástricos do tipo I.63

Para os NETs gástricos do tipo I e II entre1 e 2 cm de diâmetro ainda há não consenso,existindo autores que recomendam a ressec-ção endoscópica e outros tratamento cirúrgi-co, especialmente nos casos de NETs gástricosdo tipo I e II múltiplos e com recidiva tumo-ral detectada durante o seguimento.5,18

Outra opção terapêutica para a preven-ção da recidiva tumoral consiste no uso deanálogos da somatostatina.5 As duas for-

mulações mais eficazes disponíveis actual-mente são o lanreótido e o octreótido, consi-derados eficazes no controlo dos sintomas ena redução dos níveis dos marcadores séri-cos tumorais.52 A terapêutica com análogosda somatostatina não está recomendadanos NETs gástricos do tipo I e II, excepto noscasos de tumores funcionantes e no caso dosNETs gástricos do tipo II, quando associadosa outros tumores neuroendócrinos.63

Nos NETs do tipo II deve ser dada aten-ção à causa de hipergastrinemia, geralmen-te um gastrinoma duodenal.65 No caso degastrinomas co-existentes há autores queaconselham a exérese cirúrgica apenasquando não há metástases, enquantooutros sugerem abordagens mais agressi-vas, mesmo na presença de metástaseshepáticas, com remoção de todos os gastri-nomas. O valor destas abordagens alterna-tivas não está esclarecido.18 As lesões do tipoIII não metastizadas devem ser removidoscom gastrectomia e linfadenectomia.62

8.2 TRATAMENTO DA DOENÇAMETASTÁTICA

As abordagens terapêuticas da doençametastática incluem terapêutica médica,quimioterapia, radioterapia e radiologia deintervenção.6

Nos casos raros de NETs gástricos sinto-máticos, podem ser utilizados análogos dasomatostatina ou antagonistas dos recepto-res de serotonina, como o ondansetron,para o alívio da sintomatologia.66,67

O tratamento sistémico dos NETs gástri-cos inclui o uso de agentes biológicos [aná-logos da somatostatina e interferão-alfa(Interferon - INF-α)] e quimioterapia.56

Os análogos da somatostatina de acçãoprolongada e o INF-α reduzem raramente otamanho do tumor mas exercem efeitos citos-táticos em 26-95% dos tumores neuroendócri-nos. Ainda não foi estabelecida a duração detratamento para estabilização tumoral nemo efeito na sobrevida com estes tratamentos.18

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Os citotóxicos são usados em tumorespouco diferenciados ou com progressãorápida.52 Vários fármacos estão actualmentedisponíveis: etoposida, cistaplatina, estrep-tozocina, 5-fluorouracilo e doxorrubicina.No entanto, os estudos disponíveis sãoretrospectivos, não padronizados e incluemtumores heterogéneos, não permitindo con-clusões seguras sobre a utilidade destes tra-tamentos.52

A radioterapia com isótopos do octreóti-do tem-se revelado segura e eficaz, podendoser usada no tratamento dos NETs queexpressam densidade adequada de recepto-res da somatostatina.68,69 Inicialmente, o tra-tamento foi realizado com altas doses de[111In]octreótido e mais tarde com análogoscom maior afinidade, como o 90Ytrium-DOTA-Try-3-octreótido e o 177-Lutetium-DOTA-Tyr3-octreotate.69 Este último é umagonista selectivo dos receptores 2 da soma-tostatina. Ensaios clínicos em NETs tratadoscom 177-Lutetium-DOTA-Tyr3-octreotatedescrevem estabilização (23-40%) e regressão(38%) tumoral.18 A dose máxima toleradaestá relacionada com os efeitos tóxicos parao rim e medula óssea.69 Num estudo de 50doentes com GEP-NETs metastizados (segui-dos durante 3 meses) e tratados com 177-Lutetium-DOTA-Tyr3-octreotate, verificou-semelhoria da qualidade de vida, especialmen-te nos casos com regressão tumoral.70

A presença de metástases hepáticasassocia-se a pior prognóstico e agravamen-to da qualidade de vida. O tratamento dametastização hepática pode ser cirúrgico oumédico. Pode ser realizada a exérese seg-mentar ou ablação hepática. O tratamentomédico inclui a quimioembolização da arté-ria hepática.56 Embora a embolização daartéria hepática ou a exérese cirúrgica dasmetástases hepáticas permitam redução dossintomas, persistem dúvidas sobre a eficáciadestes tratamentos.71

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Síndrome de Insensibilidade aosAndrogénios.Manifestações clínicas, defeitos moleculares,alterações hormonais e abordagem terapêu-tica.

Selma B. Souto1,4, Daniel Carvalho-Braga2,4, José Luís Medina3,4

1 Interna de Formação Específica de Endocrinologia do Serviço de Endocrinologia do Hospital de São João, E.P.E.2 Assistente Hospitalar Graduado do Serviço de Endocrinologia do Hospital de São João, E.P.E.3 Director do Serviço de Endocrinologia do Hospital de São João, E.P.E.4 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

RESUMO

A resistência aos androgénios designada por síndrome de insensibilidade aos androgénios, é

um distúrbio genético ligado ao cromossoma X, causado por mutações no gene do receptor

dos androgénios. Os defeitos neste gene causam uma variedade de fenótipos em indivíduos

com cariótipo 46, XY, que vão desde a infertilidade masculina a indivíduos com genitais exter-

nos femininos normais. O seu diagnóstico baseia-se na clínica e na investigação hormonal e

molecular. A apresentação fenotípica complexa deste síndrome dificulta o seu diagnóstico e

o aconselhamento genético das famílias afectadas. Foram identificadas mais de 400 mutações

no gene do receptor dos androgénios. Esta revisão foca os aspectos clínicos, as alterações

hormonais, os defeitos moleculares e a abordagem terapêutica do síndrome de insensibilida-

de aos androgénios.

PALAVRAS-CHAVE

Síndrome de insensibilidade aos androgénios; SIA; Ambiguidade genital; Gene do receptor

dos androgénios.

SUMMARY

The end-organ resistance to androgens has been designated as androgen insensitivity syndrome

(AIS), an X-linked disorder caused by mutations in the androgen receptor (AR) gene. The defects

in the AR gene causes a variety of phenotypes in 46,XY individuals, ranging from male infertility

to completely normal female external genitalia. Precise diagnosis requires clinical, hormonal and

molecular investigation. The complexity of phenotypic presentation of AIS complicates both the

diagnostic procedure and genetic counselling of the affected families. More than 400 different AR

gene mutations have thus far been reported. This review focuses on the clinical features, molecu-

lar pathophysiology and management of AIS.

KEY-WORDS

Androgen insensitivity syndrome; AIS; Ambiguous genitalia; Androgen Receptor Gene.

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INTRODUÇÃO

O síndrome de insensibilidade aosandrogénios (SIA) é um distúrbio genéticoligado ao cromossoma X, caracterizado pordefeitos na virilização de indivíduos comcariótipo 46,XY1,2. Resulta de mutações comperda de função no gene do receptor dosandrogénios (RA), causando resistênciaperiférica aos androgénios1,2.

Foi descrito pela primeira vez em 1953por John Morris e nessa altura designadopor “síndrome do testículo feminizante”3.Desde 1953 que os mecanismos responsá-veis pelo seu desenvolvimento têm sidoestudados. Em 1989, foi descoberta a locali-zação exacta do gene humano do RA emXq11-124.

Os fenótipos clínicos do SIA são dividi-dos em três categorias que reflectem a gra-vidade da resistência aos androgénios,nomeadamente a insensibilidade completa(SICA), parcial (SIPA) e ligeira (SILA) aosandrogénios.

PAPEL DOS ANDROGÉNIOS NODESENVOLVIMENTO SEXUALMASCULINO

Até à 6ª semana de gestação, indepen-dentemente do sexo cromossómico, osembriões apresentam gónadas primordiaisbipotenciais, com genitais externos indife-renciados e dois ductos genitais internos, osductos de Wölff e de Müller5,6. Por volta da 6ªou 7ª semana de gestação, inicia-se a dife-renciação da gónada embrionária em testí-culo, por acção do factor determinante testi-cular, o gene SRY, localizado no braço curtodo cromossoma Y, em conjunto com outrosfactores codificados por genes localizadosnos autossomas ou no cromossoma X5.Entre a 9ª e 13ª semanas de gestação, ocor-re a diferenciação dos ductos de Wölff emepidídimo, canal deferente e vesículas semi-nais por acção local da testosterona produ-

zida pelas células de Leydig fetais, sob a esti-mulação da gonadotrofina coriônicahumana (hCG). Com a diferenciação dosductos de Wölff, ocorre a regressão dos duc-tos de Müller por acção local da hormonaanti-Mülleriana (AMH), produzida pelascélulas de Sertoli5.

A diferenciação masculina dos genitaisexternos em pénis, bolsa escrotal e uretrapeniana ocorre entre a 9ª e 13ª semanas degestação e exige concentração adequada detestosterona e a sua conversão em di-hidro-testosterona (DHT), um andrógenio maispotente, por acção da 5∝-redutase a níveldos tecidos-alvo5.

Na ausência de concentrações adequa-das de testosterona e DHT, ocorre uma falhana masculinização dos genitais, com desen-volvimento de um fenótipo feminino (comclitóris, grandes e pequenos lábios e porçãoinferior da vagina) ou graus variáveis deambiguidade genital5.

A hormona insulin-like factor 3 (INSL3) éuma hormona produzida pelas células deLeydig, igualmente importante na diferen-ciação sexual masculina. Este peptídeo estáenvolvido na primeira fase de descida testi-cular trans-abdominal. A segunda fase, queocorre antes do nascimento, é a descidainguino-escrotal, e é androgénio-dependen-te7. A acção dos androgénios nos tecidos-alvo, requer a presença de receptores deandrogénios funcionais, que após a ligação,activam a transcrição de genes específicosnos tecidos-alvo. Desta forma, qualqueranomalia na produção ou acção dos andró-genios, entre a 9ª e a 13ª semanas de gesta-ção, num feto com cariótipo 46,XY leva àmasculinização incompleta, resultando empseudo-hermafroditismo masculino5.

GENE DO RECEPTOR DOSANDROGÉNIOS

O RA pertence a uma família de factoresde transcrição nuclear que inclui entre

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outros, os receptores de estrogénios, das hor-monas tiroideias, da vitamina D, do ácidoretinóico, de glicocorticóides, de mineralo-corticóides, e da progesterona8. Os recepto-res dos andrógenios, dos glicocorticóides,dos mineralocorticóides e da progesteronafazem parte, por sua vez, de uma sub-famí-lia dos factores de transcrição nuclear, queestão agrupados pela sequência homólogae pela capacidade de activarem a transcri-ção de genes-alvo através do mesmo ele-mento de resposta hormonal8. Após a for-mação do complexo hormona-receptor, oRA, interage directamente com os genes-alvo para regular a sua transcrição.Quando ocorre falha do receptor em activarestes genes resulta em resistência hormonal.

O RA possui diferentes domínios funcio-nais: o domínio de regulação transcricional(amino-terminal), o domínio de ligação aoDNA que contém zinc fingers, a região hingee o domínio de ligação ao esteróide (carbo-xi-terminal) (Figura 1)1,8.

O gene do RA localiza-se no cromosso-ma X, entre os fragmentos Xq11-12 e possuicerca de 90 kilobases (kb), contendo 8 exonsseparados por introns cujos tamanhos variade 0,7 a mais de 26 kb (Figura 1)1,8. O DNAcomplementar (DNAc) do RA apresentaaproximadamente 2760pb. O exon 1 codifi-ca o domínio activador da transcrição ouaminoterminal, constituído por 555 ami-noácidos e possui extensão correspondentea mais de 50% da proteína do RA. Umacaracterística deste domínio é apresentarrepetições de glutaminas (11-31 resíduos) e

glicinas (16-27 resíduos)9, cuja importânciaexacta não está completamente esclarecida,porém repetições semelhantes são encontra-das em vários factores de transcrição. Aexpansão da repetição de poliglutaminaspara 40-65 resíduos está associada à atrofiamuscular espinhal/bulbar ou doença deKennedy. Esta expansão parece não afectara afinidade de ligação aos andrógenios,mas pode causar diminuição na actividadetranscricional do receptor, talvez comoresultado da redução nos níveis do RNAmensageiro (RNAm) e da proteína do RA,identificada em pacientes com este tipo deexpansão10. Foi proposto que a actividadetranscricional do RA é inversamente propor-cional à extensão de repetição de glutami-nas. Alguns estudos epidemiológicos de-monstraram que indivíduos com menorextensão da repetição de glutaminas têmmaior risco de desenvolvimento de cancrode próstata e geralmente apresentam doen-ça mais avançada ao diagnóstico11. Osexons 2 e 3 codificam o domínio de ligaçãoao DNA, que possui cerca de 70 aminoáci-dos. O domínio de ligação ao DNA contémdois iões zinco, cada um ligado ao enxofrede 4 cisteínas, produzindo uma estrutura dehélice-alça-hélice que interage com sequên-cias específicas de DNA, denominadas ele-mentos de resposta hormonal. O primeiro eo segundo zinc fingers são codificados peloexon 2 e 3, respectivamente. O domínio deligação ao DNA determina a especificidadeda interacção do RA com o DNA. Três ami-noácidos na base do primeiro zinc finger sãoconservados entre os receptores de andróge-nos, glicocorticóides, mineralocorticóides eprogesterona e ligam-se às sequências denucleotídeos amplificadoras da transcrição,os elementos de resposta hormonal, locali-zadas em regiões próximas ou na sequênciade genes-alvo. O segundo zinc finger possuiaminoácidos que estabilizam a ligação doDNA ao receptor, participam na dimeriza-ção do RA, e juntamente com a regiãohinge, no transporte do citoplasma para o

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FIGURA 1: Gene humano do receptor de androgénios. Adaptadode Galani e colaboradores1.

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núcleo celular10. A região 5’ do exon 4 codifi-ca a região hinge, que contém um sinal delocalização nuclear necessário para a trans-locação do complexo andrógenio/ receptordo citoplasma para o seu local de acçãonuclear8,9. A porção 3’ do exon 4 e os exons 5,6, 7 e 8 codificam o domínio de ligação aosandrógenios, que contém cerca de 290 ami-noácidos e representa 30% da proteína doRA. Este domínio é responsável pela ligaçãoaos andrógenios, e participa na activaçãotranscricional, na dimerização do receptor einterage com proteínas inibitórias (HSP)10. ORNAm do RA foi identificado pela técnica deNorthern Blot em inúmeros tecidos humanos,incluindo testículo, próstata, fibroblastos detecido genital, fígado e linhagens celularesde cancro de próstata e de mama8.

MANIFESTAÇÕES CLíNICAS

O SIA representa provavelmente acausa mais frequente de pseudo-hermafro-ditismo masculino12,13. Os indivíduos afecta-dos apresentam cariótipo 46,XY, com testí-culos não completamente descidos e geni-tais externos femininos ou parcialmentemasculinizados. Como referido anterior-mente, está tradicionalmente dividido emtrês categorias de acordo com o fenótipo dosgenitais: síndrome de insensibilidade com-pleta (SICA), parcial (SIPA) e ligeira (SILA)aos androgénios.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADECOMPLETA AOS ANDROGÉNIOS

A forma completa do SIA é relativamen-te rara, tendo uma prevalência estimada de1 em cada 20 400 recém nascidos do sexomasculino6. O seu fenótipo é o de um indi-víduo do sexo feminino, apesar do cariótipo46,XY e da formação de testículos normais,que produzem concentrações adequadas detestosterona para a idade e normalmentemetabolizada em DHT2.

A apresentação típica é a de uma ado-lescente fenotipicamente do sexo feminino,sem ambiguidade sexual ao nascimento,com desenvolvimento mamário normal,escassez ou ausência de pêlos púbicos e axi-lares e com amenorreia primária1,2,8. O diag-nóstico diferencial nesta idade é efectuadocom disgenesia gonadal completa, ou sín-drome de Swey, no qual ocorre menor desen-volvimento mamário e baixa estatura2. Aidade do desenvolvimento mamário nestesdoentes não foi objecto de estudo de muitosinvestigadores, porém, alguns autores,reportam algum atraso, sendo coincidentecom a idade da puberdade nos rapazes 8,14.Por outro lado, um estudo retrospectivo de 9indivíduos pos-pubertários com SICA sugereque a puberdade ocorre em idade seme-lhante às raparigas normais15.

Os indivíduos com a forma completa doSAI, têm uma excelente feminização napuberdade, com mamas normais ouaumentadas, contornos corporais femininose ausência de acne, devido à produção deestrogénios pelos testículos e pela aromati-zação periférica da testosterona5,6.

Em alguns casos, a suspeita de SICAocorre na infância, na presença de edemasou hérnias inguinais bilaterais1. As hérniasinguinais bilaterais são raras nas meninas,e em 1 a 2 % dos casos representam SICA2.

Alguns indivíduos têm suspeita de SICAantes do nascimento, quando a amniocenteserevela um cariótipo 46,XY e a ecografia pré-natal mostra genitais externos femininos2.

Os doentes com SICA, podem apresentaruma vagina em fundo cego, estando habi-tualmente ausentes as estruturas derivadasdos ductos de Wolff, tais como epidídimo,vasos deferentes e vesículas seminais eausência de próstata2,16. As estruturas deri-vadas dos ductos de Müller ocorrem igual-mente com pouca frequência em doentescom SICA17-19. Porém, num estudo de Rutgerse Scully, os derivados dos ductos de Müller,tais como pequenas trompas de falópio,foram detectadas em um terço dos 43 casos

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estudados20. Num outro estudo que incluiu11 doentes com SICA, apenas um doentecom 14 anos e meio, que apresentava amutação p.L881P exibia uma trompa deFalópio unilateral21.

Em alguns doentes existe história fami-liar de um familiar do sexo feminino comhérnia inguinal corrigida na infância, comcariótipo 46,XY. Porém, um terço dos doen-tes não tem história familiar e apresentam-se com mutações de novo.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADEPARCIAL AOS ANDROGÉNIOS

Devido à grande variabilidade de mani-festações clínicas e à existência de formassubtis ou atípicas de resistência aos andro-génios, tais como a infertilidade masculina,a prevalência da forma parcial de SIA é des-conhecida22.

Os diferentes fenótipos reflectem a gra-vidade da subvirilização. Os indivíduos comSIPA com um fenótipo feminino, apresen-tam clitoriomegalia discreta, com fusãoparcial dos pequenos lábios e pêlos púbicosna puberdade. Na apresentação com fenóti-po masculino os indivíduos apresentammicropénis, hipospadia perineal e criptor-quidia (esta forma é igualmente designadade síndrome de Reifenstein)1,8,23.

Nos doentes com SIPA, as estruturasderivadas dos ductos de Wolff podem estarparcialmente ou completamente desenvol-vidas, dependendo do fenótipo bioquímicodo RA e os testículos estão frequentementenão descidos, localizando-se na regiãoinguinal ou no escroto/grandes lábios24.

Os indivíduos com SIPA têm habitual-mente ginecomastia e testículos com umnúmero reduzido de células germinativas,com consequente azoospermia e podemmais tarde, na puberdade, desenvolver car-cinoma in situ24.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADELIGEIRA AOS ANDROGÉNIOS

As formas ligeiras de SIA foram detecta-das em estudos de infertilidade masculina,que sugeriam defeitos na acção dos androgé-nios2,25. Verificou-se que em alguns homenscom oligospermia, com testosterona normale LH elevada existia uma mutação no genedo RA que conferia resistência aos androgé-nios. O SILA pode manifestar-se igualmentepor ginecomastia isolada no jovem adultoprovavelmente com história prévia de hipos-padias minor corrigidas na infância.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de SIA deve ser suspeitoem qualquer criança com cariótipo 46,XYque apresenta ambiguidade genital oufenótipo feminino, na qual a resposta datestosterona e DHT ao teste de estimulaçãocom hCG é normal para o sexo masculino.Em alguns casos existe história familiar quesugere hereditariedade ligada ao cromosso-ma X. A ecografia pélvica confirma a pre-sença de testículos.

A confirmação do diagnóstico pode serefectuada pela demonstração da ligaçãoanormal dos androgénios ao RA em culturade fibroblastos da pele dos genitais ou pelaidentificação da mutação inactivadora nogene do RA6,9.

Classicamente, os indivíduos em idadepós-pubertária portadores de SIA apresen-tam níveis séricos elevados de LH e concen-trações normais ou elevadas de FSH, estró-genios e testosterona, comparativamenteaos homens normais. Os estudos efectuadosem recém-nascidos e crianças com a formacompleta de SIA revelaram que os níveisséricos de LH e testosterona não estão acimado normal nesta faixa etária8. A produçãode estrógenios pelo testículo e pela aromati-zação periférica da testosterona está eleva-da em cerca de duas vezes quando compa-

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rada à de homens normais. A relação entreos níveis sanguíneos de testosterona e DHTestá significativamente elevada, porém nãocompatível com os níveis encontrados nadeficiência de 5∝-reductase tipo 28.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Existem vários aspectos a considerar naabordagem terapêutica, nomeadamente ograu de resistência, o risco de desenvolvi-mento de tumores gonadais, a necessidadede cirurgia e o aconselhamento genético.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADECOMPLETA AOS ANDROGÉNIOS

Nos indivíduos com a forma completa,com genitais externos femininos normais eque cresceram como mulheres não há qual-quer dúvida quanto à atribuição do sexofeminino1. Uma vez que a feminização des-tes indivíduos ocorre em parte pela acçãodos androgénios testiculares e em parte pelaconversão periférica de androgénios emestrogénios, opta-se frequentemente, pelaremoção testicular após a puberdade quan-do a feminização está completa.

A razão para a gonadectomia pós-pubertária é o risco de malignização testicu-lar, que é rara antes da puberdade. Goulis ecolaboradores descreveram um caso dehamartoma testicular bilateral num indiví-duo de 18 anos com SICA, portador damutação R831X do gene do RA26.

A gonadectomia pré-pubertária estáindicada se testículos inguinais forem fisica-mente ou esteticamente desconfortáveis e sea herniorrafia inguinal for necessária. Nestecaso, está indicada a terapêutica de substi-tuição com estrogénios para iniciar a puber-dade e manter a feminização. Em algunscasos, é necessária a realização de dilata-ções vaginais para evitar a dispareunia.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADEPARCIAL AOS ANDROGÉNIOS

Nas formas de SIPA com fenótipo femi-nino, a abordagem é semelhante ao SICA,com excepção de que se preconiza a gona-dectomia pré-pubertária para evitar o des-conforto do crescimento da clitoromegaliana puberdade1. Nos casos de ambiguidadegenital ou fenótipo masculino, a escolha dosexo é um processo complexo que requer aabordagem de uma equipa multidiscipli-nar, devendo ser solucionado o mais rapida-mente possível. Para além das considera-ções anatómicas e cirúrgicas, a escolha dosexo masculino envolve terapêutica comtestosterona.

SÍNDROME DE INSENSIBILIDADELIGEIRA AOS ANDROGÉNIOS

Nos indivíduos com infertilidade, oobjectivo terapêutico principal é a promo-ção da espermatogénese1.

ACONSELHAMENTO GENÉTICO

Cerca de 70% das mutações no gene RAsão hereditárias e de transmissão ligada aocromossoma X1. As mutações de novo repre-sentam 30% dos casos de mutações RA,sendo o risco de transmissão muito baixo,com excepção das mutações germline denovo da mãe. Nesta circunstância, a pre-sença de mosaicismo germinativo celularpode ser assumida e o risco de transmissãoé elevado27. Porém, a possibilidade demosaicismo germline não pode ser excluídaem nenhum caso de mutação de novo dogene RA, de modo que é necessária precau-ção no aconselhamento genético destasfamílias.

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