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5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 6 1 Canais Iônicos Na época de Hodgkin e Huxley não se sabia da existência de canais iônicos e das suas características de abertura e fechamento. As variáveis n, m e h propostas por Hodgkin e Huxley eram apenas funções matemáticas ajustadas para reproduzir o comportamento experimental das condutâncias iônicas consideradas por eles. Veja o parágrafo abaixo copiado da Discussão do artigo de Hodgkin e Huxley de 1952 (Hodgkin, A.L. and Huxley, A.F. (1952). A quantitative description of membrane current and its application to conduction and excitation in nerve. J. Physiol. 117:500-544). Porém, atualmente, com o conhecimento que temos sobre os canais iônicos e sua dinâmica, as variáveis de ativação e inativação de Hodgkin e Huxley podem ser interpretadas em termos microscópicos tendo por base modelos físico-químicos. A idéia de que as correntes iônicas passam através da membrana neuronal por poros hidrofílicos (os canais iônicos) já era amplamente aceita em meados da década de 50 do século XX. A comprovação experimental da existência de canais iônicos, porém, só foi feita em fins da década de 70 do mesmo século com as primeiras medidas diretas de corrente elétrica através de um único canal iônico. Essas medidas foram possíveis graças ao desenvolvimento da técnica de patch clamp pelos eletrofisiologistas alemães Neher e Sakmann (veja a figura a seguir, retirada do sítio do Prêmio Nobel sobre a outorga deste prêmio a eles em 1991 http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1991/press.html).

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5915756 – Introdução à Neurociência Computacional – Antonio Roque – Aula 6

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Canais Iônicos

Na época de Hodgkin e Huxley não se sabia da existência de canais iônicos e das suas

características de abertura e fechamento. As variáveis n, m e h propostas por Hodgkin e

Huxley eram apenas funções matemáticas ajustadas para reproduzir o comportamento

experimental das condutâncias iônicas consideradas por eles. Veja o parágrafo abaixo

copiado da Discussão do artigo de Hodgkin e Huxley de 1952 (Hodgkin, A.L. and Huxley,

A.F. (1952). A quantitative description of membrane current and its application to conduction

and excitation in nerve. J. Physiol. 117:500-544).

Porém, atualmente, com o conhecimento que temos sobre os canais iônicos e sua dinâmica, as

variáveis de ativação e inativação de Hodgkin e Huxley podem ser interpretadas em termos

microscópicos tendo por base modelos físico-químicos.

A idéia de que as correntes iônicas passam através da membrana neuronal por poros

hidrofílicos (os canais iônicos) já era amplamente aceita em meados da década de 50 do

século XX. A comprovação experimental da existência de canais iônicos, porém, só foi feita

em fins da década de 70 do mesmo século com as primeiras medidas diretas de corrente

elétrica através de um único canal iônico. Essas medidas foram possíveis graças ao

desenvolvimento da técnica de patch clamp pelos eletrofisiologistas alemães Neher e

Sakmann (veja a figura a seguir, retirada do sítio do Prêmio Nobel sobre a outorga deste

prêmio a eles em 1991 http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1991/press.html).

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Um dado canal iônico se comporta de maneira estocástica, apresentando mudanças aleatórias

entre seu estado aberto e seu estado fechado (figura abaixo). Podemos imaginar esses dois

estados como correspondendo a duas diferentes conformações moleculares da proteína que

constitui o canal.

Para os canais dependentes da voltagem, a freqüência com que eles se abrem e se fecham

depende da voltagem através da membrana da célula. Com o uso da técnica de patch clamp,

pode-se medir a fração do tempo total de um experimento em que um canal permanece no

estado aberto, para cada valor de voltagem, resultando em um gráfico como o mostrado na

figura a seguir. O gráfico dá a probabilidade de que o canal esteja no estado aberto, pa, em

função da voltagem V.

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Observe que a curva que dá a probabilidade de que um canal esteja no estado aberto tem uma

forma que lembra uma letra S inclinada. Esta forma é denominada “sigmoidal”. A inclinação

da curva sigmoidal indica a sensibilidade do canal a mudanças na voltagem. A sensibilidade é

devida à existência de subunidades carregadas na proteína que constitui o canal que atuam

como sensores de voltagem, movendo-se quando ocorre uma alteração na voltagem. Essas

estruturas carregadas sensíveis a variações na voltagem são chamadas de portões.

Embora os instantes de abertura e de fechamento de um canal iônico sejam imprevisíveis, o

comportamento médio de uma população de canais possui um comportamento determinístico,

conforme observado por Hodgkin e Huxley em seus experimentos sobre as condutâncias do

sódio e do potássio no axônio gigante de lula. As duas figuras a seguir, retiradas do livro de

Bertil Hille, Ion Channels of Excitable Membranes, 3rd Ed., Sunderland, MA, Sinauer, 2001,

ilustram isso.

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Gating in single Na channels: Patch clamp recording of unitary Na currents in a toe muscle of adult mouse during a voltage step from -80 to -40 mV. Cell-attached recording from a Cs+-depolarized fiber. (A) Ten consecutive trials filtered at 3-KHz bandwidth. Each time a Na channel opens, it passes about 2.2 pA of current, corresponding to a conductance around 19 pS. Two channel openings are superimposed in the first Record but not in any of the others. This patch may contain >10 Na channels. Dashed line indicates the current level when channels are all closed. (B) The ensemble mean of 352 repeats of the same protocol. T = 15 °C. (Kindly provided by J. B. Patlak; see also Patlak and Ortiz, 1986.).

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Gating in single K channels: Patch-clamp recording of unitary K currents in a squid giant axon during voltage steps from -100 to +50 mV. To avoid the overlying Schwann cells, the axon was CUT open and the patch electrode sealed against the cytoplasmic face of the membrane. (A) Nine consecutive trials showing channels of 20-pS conductance filtered at 2-KHz bandwidth. (B) Ensemble mean of 40 repeats. T = 20 °C. (Kindly provided by F. Bezanilla and C. K. Augustine; see Llano et al. 1988).

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O modelo mais simples de canal iônico é aquele mostrado na ilustração abaixo. O canal tem

dois estados possíveis: um em que ele está aberto e o outro em que ele está fechado.

Essa ilustração pode ser expressa matematicamente em termos de um modelo cinético do tipo

dos usados em físico-química, em que os estados possíveis são indicados por letras e as

transições entre eles por setas.

Chamando o estado aberto de A e o estado fechado de F, podemos representar a ilustração

acima como:

.

O esquema acima pode ser considerado como uma primeira aproximação para modelar as

transições médias de uma população de canais. Como, em geral, existem milhares de canais

de um dado tipo na membrana de um neurônio, o que determina a dinâmica das condutâncias

iônicas da célula é o comportamento médio de todo o conjunto de canais (lembre-se das duas

figuras do livro de Hille acima).

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A taxa com que uma transição ocorre em um diagrama cinético é descrita pela chamada lei de

ação das massas. Apesar do seu nome esta não é uma verdadeira lei física no sentido de ser

universal, mas um modelo – como a lei de Ohm, por exemplo – que vale como uma boa

aproximação para um sistema bem misturado. Essa “lei”, que data dos primórdios da cinética

química, estabelece que a taxa de um processo é proporcional ao produto das concentrações

das espécies moleculares envolvidas no processo.

Se definirmos α como a constante de proporcionalidade – ou constante de taxa –,

relacionando a taxa de transições do estado F para o estado A com a quantidade de canais no

estado F, podemos escrever,

],[FJ α=+

onde [C] denota a concentração de canais no estado fechado. Note que a unidade de α é s−1, o

que faz com que J+ tenha unidades de moléculas/s.

De maneira similar, a constante de taxa da reação reversa é denotada por β, de maneira que,

].[AJ β=−

Para traduzir esse modelo em termos de equações, aplica-se a lei de ação das massas às

concentrações dos canais nos estados F e A.

Vamos definir concentração aqui como a razão entre o número de canais em um dado estado

(Ni, i = A,F) e o número total de canais em uma célula (N):

;][NNcF F

f == .][NNcA A

a ==

Note que, em termos dessa definição de concentração, a taxa J definida acima torna-se uma

quantidade com dimensões de s-1, que será denotada por j: j = J/N.

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Vamos assumir que os canais abertos ou fechados não podem ser criados ou destruídos, o que

implica que o número total de canais deve permanecer constante. Isto nos leva à lei de

conservação:

.AF NNN +=

Esta lei de conservação implica que uma das duas concentrações é redundante no modelo e

tudo pode ser descrito em termos de apenas uma concentração. Por exemplo, a lei de

conservação implica que

,AF NNN −=

de maneira que

.1 af cc −=

Em termos de cf, podemos reescrever as taxas de transição do estado aberto para o fechado e

vice-versa como:

,acj β=−

( ).1 af ccj −==+ αα

A diferença entre as duas taxas representa a mudança em ca ao longo do tempo:

.)1( aaa ccjjdtdc

βα −−=−= −+

Definindo:

, e 1βα

αβα

τ+

=+

= ∞c

pode-se reescrever esta equação diferencial como:

.aa ccdtdc

−= ∞τ

Exercício: mostre isso.

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Já vimos que uma equação diferencial como esta tem solução exponencial:

( ) .)()( 0τt

aa ectcctc −∞∞ −+=

Este modelo simples é a base para todos os modelos cinéticos de canais iônicos. No caso do

modelo de Hodgkin-Huxley, estamos interessados em canais cujas condutâncias dependam da

voltagem através da membrana, ou canais chaveados por voltagem (voltage gated channels).

Este nome decorre do fato de que um canal iônico pode ser visto como composto por portões

que controlam a passagem de íons pelo canal (veja a figura abaixo).

Um portão individual pode estar em um de dois estados possíveis: aberto, ou permissivo, e

fechado, ou não-permissivo. Quando todos os portões de um canal individual estão no estado

permissivo, o canal está aberto e os íons podem passar por ele. Se pelo menos um dos portões

de um canal estiver no estado não-permissivo, os íons não podem passar por ele e ele está

fechado.

Como há uma população de canais iônicos em uma célula, há também uma população

correspondente de portões. Desta forma, podemos aplicar o mesmo modelo cinético

desenvolvido acima para calcular as taxas de abertura e fechamento de canais ao caso das

taxas de abertura e fechamento de portões. Neste caso, ao invés das frações de canais abertos

ou fechados teremos as frações de portões no estado permissivo ou no estado não-permissivo.

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Note que, pelo fato de que essas frações são números entre 0 e 1, pode-se interpretá-las como

dando as probabilidades de que um portão esteja no estado permissivo ou não-permissivo.

Portanto, podemos usar a notação p para designar a probabilidade de que um portão esteja no

estado permissivo (ou a fração de portões no estado permissivo) e (1−p) para designar a

probabilidade de que um portão esteja no estado não-permissivo (ou a fração de portões no

estado não-permissivo).

Para generalizar o modelo cinético desenvolvido acima ao caso de canais chaveados por

voltagem, devemos supor que as taxas de transição entre os estados aberto e fechado

dependem do potencial V através da membrana: α = α(V) e β = β(V).

.

Assim como feito anteriormente, este modelo cinético corresponde à seguinte equação

diferencial:

( ) ,)(1)( pVpVdtdp

βα −−=

a qual, definindo-se duas novas variáveis,

)()()()(VV

VVpβα

α+

=∞ e ,)()(

1)(VV

Vβα

τ+

=

pode ser reescrita na forma:

.)()( pVpdtdpV −= ∞τ

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Note que esta equação é formalmente idêntica à utilizada no modelo de Hodgkin-Huxley para

descrever o comportamento temporal dos parâmetros n, m e h. Isso implica que podemos

interpretar cada um desses parâmetros como descrevendo a probabilidade de que um dado

tipo de portão esteja no estado permissivo, para um valor fixo de V. Aproveitando a

terminologia introduzida por Hodgkin e Huxley, podemos chamar os portões de tipo n, m e h

respectivamente de portão de ativação do potássio, portão de ativação do sódio e portão de

inativação do sódio.

De maneira genérica, segundo o formalismo de Hodgkin-Huxley, a densidade de corrente

iônica de tipo i através da membrana de um neurônio, quando o canal iônico de tipo i é

composto por apenas um portão (que, por extensão, também pode ser chamado de portão de

tipo i), é descrita por,

( ),iiii EVpgI −=

onde ig é a máxima condutância por unidade de área do canal de tipo i (dada pela

condutância de um único canal aberto multiplicada pela densidade de canais de tipo i), Ei é o

potencial de reversão para a corrente i e pi é a fração de portões do tipo i abertos (ou

probabilidade de que um portão do tipo i esteja aberto).

Um dado canal iônico pode ter mais de um portão do tipo i. Num tal caso, para que o canal

esteja aberto é necessário que todos os seus portões do tipo i estejam no estado permissivo.

Assumindo que as probabilidades de que os portões estejam no estado permissivo sejam

independentes entre si, podemos escrever a probabilidade de que o canal esteja aberto como o

produto das probabilidades de que todos os portões estejam no estado permissivo,

,ip∏

onde o produtório desta equação estende-se pelo número de portões do tipo i.

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Ademais, se um canal iônico tiver dois tipos diferentes de portões, por exemplo i e j, cujas

probabilidades de estar no estado permissivo sejam pi e pj respectivamente, e se o canal for

composto por r portões do tipo i e s portões do tipo j, a probabilidade de que o canal esteja

aberto é dada por:

.sjri pp

Em termos do que foi dito acima, podemos interpretar o termo para a corrente de potássio no

modelo de Hodgkin-Huxley,

( ),4KKK EVngI −=

como significando que um canal de potássio é composto por quatro portões do tipo n.

Igualmente, o termo para a corrente de sódio no modelo de Hodgkin-Huxley,

( ),3NaNaNa EVhmgI −=

indica que um canal de sódio é composto por três portões do tipo m e um portão do tipo h.

Quando a membrana é despolarizada por um grampo de voltagem, a probabilidade n de que

um portão do tipo n esteja no estado permissivo cresce com o tempo. O mesmo se aplica à

probabilidade m de um portão do tipo m. Já a probabilidade h de que um portão do tipo h

esteja no estado permissivo decresce com o tempo, chegando a zero.

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De maneira genérica, pode-se classificar os vários tipos de canais iônicos em quatro classes:

1. Passivo:

( );iii EVgI −=

2. Persistente ou não-inativante:

( );irii EVmgI −=

3. Transiente ou inativante:

( );isrii EVhmgI −=

4. Anômalo ou ativado por hiperpolarização:

( ).isii EVhgI −=

Nestas equações, m e h variam no tempo em função da voltagem e os seus comportamentos

são similares aos das variáveis indicadas pelas mesmas letras no modelo de Hodgkin-Huxley:

m aumenta quando a voltagem aumenta e h aumenta quando a voltagem diminui. As

potências r e s indicam os números de portões de cada tipo existentes no canal.

Por exemplo, no axônio gigante de lula o canal de potássio é do tipo 2 acima (persistente ou

não-inativante) e o canal de sódio é do tipo 3 (transiente ou inativante).

O esquema a seguir ilustra os comportamentos dos quatro tipos diferentes de canal: O canal

passivo deixa os íons passar a uma taxa que é proporcional à queda de voltagem em relação

ao potencial de reversão. O canal persistente precisa que um ou mais portões do tipo m

estejam abertos. O canal transiente precisa que tanto os portões de tipo m como os de tipo h

estejam abertos. E o canal anômalo precisa que os canais de tipo h estejam abertos.

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A figura também mostra como os parâmetros m e h variam com a voltagem em direção aos

seus respectivos valores de estado estacionário.

Praticamente todos os tipos de correntes iônicas nos diferentes tipos de células excitáveis do

corpo – neurônios do cérebro, células cardíacas, músculo liso etc – podem ser modelados

segundo o formalismo apresentado acima.

Algumas vezes, porém, modela-se correntes – em particular correntes de cálcio – usando a

equação de Goldman-Hodgkin-Katz (veja as notas de aula intituladas “nernst”). Isso é feito

quando se quer modelar não-linearidades na relação entre I e V de um canal aberto.

De maneira geral, a corrente iônica passando por uma população de canais é uma função do

tipo,

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),(),(íon VtVgI φ=

onde g(V, t) é a condutância da fração de canais abertos da população e φ(V) é a relação entre

I e V para um único canal aberto (a chamada “curva I−V”).

Essa relação pode ser linear, como no caso da lei de Ohm (I = GV), ou não-linear, como no

caso da equação de Goldman-Hodgkin-Katz para o fluxo iônico através de uma membrana

(veja a equação (37) das notas de aula “nernst” e sua dedução).

A equação de Goldman-Hodgkin-Katz é uma equação macroscópica que não leva em

consideração a existência de poros através da membrana. Ela apenas considera que os íons

fluem de maneira independente através de uma membrana permeável a eles na presença de

um campo elétrico constante.

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O número de diferentes correntes iônicas já identificadas é enorme. Algumas delas são

listadas abaixo (os valores de Erev são valores típicos, pois dependem do sistema).

Nome Íon Tipo Velocidade Erev

INa: sódio rápida Na Transiente Muito rápida 50 mV

INaP; sódio persistente Na Transiente com

inativação lenta

Rápida 50 mV

IK: Potássio retificadora K Persistente Rápida −80 mV

IA: Corrente A K Transiente com

inativação rápida

Rápida −80 mV

IM: Potássio persistente lenta K Persistente Lenta −80 mV

IK2: Potássio transiente lenta K Transiente com

inativação lenta

Lenta −80 mV

IC: Potássio dependente de cálcio K Persistente (dependente

de [Ca])

Rápida −80 mV

IAHP: Potássio dependente de cálcio K Persistente (dependente

de [Ca])

Moderada-lenta −80 mV

IT: Cálcio de baixo limiar Ca Transiente Lenta 150 mV

IL: Cálcio de alto limiar Ca Persistente Rápida 150 mV

Ih: Corrente ativada por

hiperpolarização

Ca e Na Ativada por

hiperpolarização

Lenta 0−40 mV

Ileak: Vazamento Cl, K e Na Passiva − 60 mV

O modelo de Hodgkin-Huxley considera apenas três das correntes listadas na tabela acima.

Quando se consideram combinações de outras correntes, diferentes padrões de disparos

aparecem. Esses padrões, que por dependerem dos valores específicos dos parâmetros para

cada neurônio são chamados de padrões de disparo intrínsecos dos neurônios, podem ser

classificados em classes eletrofisiológicas. As três principais classes eletrofisiológicas em que

os neurônios podem ser classificados são (McCormick et al., 1985; veja a referência no fim

destas notas): (i) neurônios de disparo regular; (ii) neurônios de disparo rápido; e (iii)

neurônios de disparos em rajadas (bursting).

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Os íons presentes no modelo original de Hodgkin e Huxley são o potássio e sódio. Os

modelos usados para as suas respectivas correntes são protótipos para a modelagem dos

demais tipos de correntes envolvendo esse íons. Quando se vai modelar correntes de cálcio ou

que dependem da concentração de cálcio, porém, costuma-se usar uma abordagem diferente.

O cálcio intracelular está fortemente tamponado (ligado a grandes proteínas) ou armazenado

em reservatórios. Como conseqüência, a concentração intracelular de cálcio livre, [Ca]i, é

aproximadamente mil vezes menor que a sua concentração extracelular, [Ca]e (a concentração

intracelular de Ca2+ é da ordem de 10-8 M). Isso faz com que o potencial de reversão para uma

corrente de cálcio seja extremamente alto (da ordem de +150 mV) e, ademais, muito difícil de

ser medido. Por causa dessa baixa quantidade de cálcio livre no meio intracelular, a corrente

de cálcio para fora da célula é praticamente nula (contrariamente à corrente para dentro, que é

grande) e, portanto, a relação I−V é do tipo retificadora (veja as notas de aula “nernst”).

Desta forma, o uso de uma expressão linear do tipo I = g(V − E) pode não ser apropriado para

se modelar correntes de cálcio e, então, costuma-se modelá-las usando a equação de

Goldman-Hodgkin-Katz:

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

−= −

RTzFV

RTzFV

eimCaCa m

m

e

eVRTFzPI

1

]Ca[]Ca[22

.

Como a valência do cálcio é 2, esta expressão pode ser reescrita como

.1

]Ca[]Ca[42

22

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

−= RTFV

eRTFV

imCaCa m

m

eeV

RTFPI

Note que esta equação usa a permeabilidade PCa ao invés da condutância g. A permeabilidade

também pode ser modelada à maneira de Hodgkin e Huxley,

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,srCa hmPP =

de maneira que podemos escrever:

.1

][][42

22

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

−−

= RTFVe

RTFVi

msr

CaCa m

m

eCaeCaV

RTFhmPI

Apesar de se costumar usar a equação de Goldman-Hodgkin-Katz para modelar correntes de

cálcio, há controvérsias sobre se um modelo baseado na lei de Ohm também não forneceria

bons resultados na modelagem de dados experimentais. Para maiores detalhes, veja a

referência de Yamada et al. no fim destas notas.

Há várias maneiras de se modelar um canal de potássio dependente de cálcio. A mais simples

assume que a corrente pode ser modelada da maneira usual como

( )KrKCaK EVmgI −=)( ,

e que os portões do canal de potássio têm um sítio para ligação com o cálcio intracelular,

abrindo-se quando ocorre uma ligação. O modelo corresponde ao mecanismo,

,

onde [Ca2+]i é a concentração de cálcio intracelular e m é a probabilidade de um portão estar

no estado aberto.

Usando a lei de ação das massas, podemos escrever a seguinte equação diferencial para a

probabilidade m:

( ) .1]Ca[ 2 mmdtdm

i βα −−= +

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Os valores das constantes de taxa α e β podem ser determinados experimentalmente para que

o modelo se ajuste bem aos dados. Modelos mais sofisticados assumem que as constantes de

taxa podem depender de [Ca2+]i e que um portão do canal de potássio pode ter mais de um

sítio para ligação com o cálcio.

Tanto esta equação como a que descreve a corrente de cálcio envolvem a concentração

intracelular de cálcio livre [Ca]i. Portanto, é importante termos um modelo para a dinâmica

intracelular do cálcio. A concentração intracelular de cálcio livre pode ser afetada por quatro

processos básicos: (i) a entrada de cálcio na célula pela corrente de cálcio; (ii) a difusão de

cálcio na célula; (iii) as ligações de cálcio com proteínas (tampões); e (iv) a saída de cálcio da

célula via bombas de cálcio na membrana. Em geral, não há muitos dados experimentais

disponíveis para se modelar de forma adequada todos esses processos.

Para se modelar a entrada de cálcio na célula, costuma-se considerar uma célula esférica e

calcula-se a taxa de crescimento da concentração de cálcio em uma concha esférica fina de

área superficial A e espessura d logo abaixo da membrana neuronal como,

,2

][ Ca

FAdI

dtCad i −=

onde o sinal negativo deve-se ao fato de que ICa é negativa, pois os íons de cálcio estão

entrando na célula, F é a constante de Faraday (F = 9,65 x 104 C/mol) e 2 é a valência do

cálcio.

Exercício: certifique-se de que esta fórmula expressa corretamente a variação na

concentração molar do cálcio no interior da concha.

O efeito combinado dos outros processos, que levam a uma redução na concentração de

cálcio no interior da concha pode ser modelado de várias formas (veja, por exemplo, a

referência de Yamada et al. no fim destas aulas).

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A mais simples é supor que a redução da concentração de cálcio obedece a uma lei

exponencial com uma constante de tempo τ que pode ser determinada experimentalmente,

.][][τ

iin CadtCad

−=

Estimativas de τ são feitas por métodos ópticos com o uso de corantes sensíveis ao cálcio.

Combinando as duas últimas expressões, pode-se escrever a seguinte equação para a variação

do cálcio livre intracelular:

.][2

][τ

iCai CaFAdI

dtCad

−−=

Referências:

- Yamada, W.M., Koch, C. and Adams, P.R., Multiple Channels and Calcium Dynamics.

In: Koch, C. and Segev, I., Methods in Neuronal Modeling: from ions to networks. (2nd

Ed.), MIT Press, Cambridge, MA, 1998. Chapter 4, pp. 137-170.

- McCormick, D.A., Connors, B.W., Lighthall, J.W. and Prince, D.A., Comparative

electrophysiology of pyramidal and sparsely spiny stellate neurons of the neocortex.

Journal of Neurophysiology, 54:782-806 (1985).

- Hille, B., Ion Channels of Excitable Membranes, 3rd Ed., Sunderland, MA, Sinauer,

2001.