$57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... ·...

84
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL CURITIBA 2019

Upload: others

Post on 12-Aug-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA

ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA

ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO

MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL

CURITIBA

2019

Page 2: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA

ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO

MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Eduardo Teixeira de Carvalho Junior

CURITIBA

2019

Page 3: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

ANA CAROLINA ZANETTE DA SILVA

ARTE, ESTADO E IDENTIDADES NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX: AS PINTURAS DE DIEGO RIVERA NO

MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba, pela banca Examinadora

formada pelos professores:

Orientadora: _______________________________

_______________________________

Prof. Membro da Banca

_______________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2019

Page 4: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

AGRADECIMENTOS

O trabalho de pesquisa é solitário, mas não se concretizaria sem o apoio das

pessoas me ajudaram a chegar até aqui. Agradeço à Nona Mafalda e à Vó Dalva,

mulheres que são meus grandes exemplos de força. Agradeço à minha mãe e ao

meu pai, pelo amor incondicional à nossa família, e por nunca medirem esforços

para que eu concretize meus sonhos. Helena, Sofia e Joaquim, vocês são a razão

da minha esperança. Agradeço à madrinha Tatiana, que sempre acreditou em mim,

e me apresentou ao curso de Relações Internacionais. Agradeço ao padrinho Juarez

e sua família, por me acolherem na cidade grande. Agradeço aos amigos de perto e

de longe, que me auxiliaram durante a graduação e me motivaram a perseverar nos

estudos, em especial à Alinne Ross, Amanda Cavalli, Bruna Kipper, Daniel Silva,

Gabriela Opuchkevich, Giovanni Diniz, Letícia Laíze, Mariana Carvalho, Pedro

Kammer, Thalia Pasetto e Thyffanny Paiva.

Agradeço a todos os professores que contribuíram para a minha formação

acadêmica, em especial ao professor e orientador Eduardo, pela confiança

depositada em mim. Sem a sua paciência, atenção e cuidado, esse trabalho jamais

se realizaria.

Gratidão.

Page 5: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

Se me der vontade de ir embora

Vida adentro mundo afora

Meu amor não vá chorar

Ao ver que o Cajueiro anda aflorando

Saiba que estarei voltando

Princesa do meu lugar

Belchior

Page 6: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

RESUMO

O presente trabalho problematiza o processo de construção de identidades nacionais na América Latina discutindo a relação entre arte e política no início do século XX e analisando a relação entre Diego Rivera e o Estado mexicano, e Portinari e o Estado brasileiro. Inicialmente, contextualiza-se as transformações políticas e econômicas da América Latina no século XX, por meio da análise da Revolução Mexicana, Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929; três eventos que foram determinantes para as mudanças conjunturais das nações latino-americanas. A partir desses eventos observa-se a construção da política de massas, conhecida como "populismo", que regimentou os Estados latino-americanos por meio medidas modernizantes as quais legitimaram o controle social. Logo, discute-se como as identidades nacionais se modificaram entre o século XIX e XX na América Latina por meio da revisão do pensamento intelectual da época, e como o movimento modernista fez parte do processo de construção dessas identidades. Por fim, define-se o que é o “modernismo de Estado” e como ele foi utilizado no caso mexicano e brasileiro como uma ferramenta de diplomacia cultural no século XX, através da análise das trajetórias de Diego Rivera e Candido Portinari.

Palavras-chave: Arte, Política, Identidade Nacional, América Latina

Page 7: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

ABSTRACT

The present work questions the process of construction of national identities in Latin America discussing the relationship between art and politics in the early twentieth century and analyzing the relationship between Diego Rivera and the Mexican State, and Portinari and the Brazilian State. Initially, it contextualizes the political and economic transformations of Latin America in the 20th century, through the analysis of the Mexican Revolution, World War I and the Great Depression; three events that were decisive for the structural changes of the Latin American nations. From these events one can observe the construction of mass politics, known as "populism", which regimented the Latin American states through modernizing measures that legitimized social control. Therefore, it is discussed how national identities changed between the nineteenth and twentieth century in Latin America, by reviewing the intellectual thinking of the time, and how the modernist movement was part of the process of constructing these identities. Finally, the concept of "state modernism" is defined, as well as how it was used in the Mexican and Brazilian cases as a tool of cultural diplomacy in the twentieth century, through the analysis of the trajectories of Diego Rivera and Candido Portinari.

Keywords: Art, Politics, National Identity, Latin America

Page 8: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

LISTA DE PINTURAS

Pintura 1 – Paisagem Zapatista - O Guerrilheiro, 1915 ................................... 55

Pintura 2 – A Criação, 1922-1923 .................................................................... 57

Pintura 3 – No Arsenal, 1928 ........................................................................... 59

Pintura 4 – O Homem Controlador do Universo (detalhe), 1934 ..................... 61

Pintura 5 - O México Pré-Hispânico - O Antigo Mundo Indígena, 1929 .......... 62

Pintura 6 - Mestiço, 1934 ................................................................................. 64

Pintura 7 - Café, 1935 ...................................................................................... 66

Pintura 8 - Fumo, 1938 .................................................................................... 68

Pintura 9 - Descobrimento, 1941 ..................................................................... 70

Page 9: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………... 9

2 OS ESTADOS NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX ............... 13

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO LATINO-AMERICANO NO INÍCIO DO SÉCULO XX.13

2.1.1 Revolução Mexicana ....................................................................................... 14

2.1.2 Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929 ....................................................... 20

2.2 POLÍTICA DE MASSAS NA AMÉRICA LATINA PÓS-1930 .............................. 24

2.2.1 Populismo: um conceito em debate ................................................................ 25

2.2.2 Varguismo ....................................................................................................... 26

2.2.3 Cardenismo ..................................................................................................... 30

3 IDENTIDADE NACIONAL E MODERNISMO NA AMÉRICA LATINA DO

SÉCULO XX ............................................................................................................. 34

3.1 IDENTIDADE NACIONAL NA AMÉRICA LATINA ............................................. 34

3.2 MODERNISMO LATINO-AMERICANO ............................................................. 41

4 MODERNISMO DE ESTADO E DIPLOMACIA CULTURAL NA

AMÉRICA LATINA: DIEGO RIVERA NO MÉXICO E CANDIDO PORTINARI

NO BRASIL .............................................................................................................. 50

4.1 DIEGO RIVERA E A REVOLUÇÃO PERMANENTE ......................................... 53

4.2 CÂNDIDO PORTINARI E A CONSTRUÇÃO DA BRASILIDADE ...................... 63

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 75

6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 78

Page 10: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

9

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre artista e Estado na

construção de identidades nacionais na América Latina, tendo como marco temporal

a primeira metade do século XX. Serão analisadas especificamente as trajetórias e

obras de Diego Rivera no México e Candido Portinari no Brasil, como forma de

demonstrar exemplos bem sucedidos do chamado “modernismo de Estado”, que

além de construir identidades nacionais correspondentes aos projetos políticos e

econômicos dos respectivos Estados, também transformou os artistas em agentes

de diplomacia cultural.

A intersecção entre arte e política é uma novidade na pesquisa histórica

latino-americana, e a diplomacia cultural é uma ferramenta ainda pouco analisada

nas Relações Internacionais. O interesse pelo tema surgiu através de algumas

pesquisas iniciais sobre diplomacia cultural na Era Vargas, nas quais ficou clara a

íntima relação entre Portinari e o Estado brasileiro. Aprofundando a pesquisa e

partindo de interrogações sobre a arte modernista na América Latina, foi verificado

que em outros países ocorria uma relação semelhante àquela de Portinari no Brasil.

Ao alargar os parâmetros, foi possível perceber que existia um fenômeno de

construção de identidades nacionais no século XX, no qual os Estados nacionais

financiavam uma arte politicamente engajada. A partir daí, surgiram as indagações

sobre o contexto histórico que teria levado à essas relações bem sucedidas entre

Estados e artistas, e quais seriam os resultado observados nas identidades

nacionais criadas através dessas relações. Dessa forma, o estudo procura explorar

através de pesquisa bibliográfica e iconográfica como se deu essa interação entre

artistas e Estados, e quais os resultados dessas construções identitárias na América

Latina.

No primeiro capítulo será discutida a conjuntura política e econômica dos

Estados latino-americanos na primeira metade do século XX. Dessa forma, é

necessária uma contextualização histórica de eventos que ocorreram no início do

século e que foram fundamentais para impulsionar as profundas mudanças pelas

quais as nações latino-americanas passariam nos anos seguintes. O primeiro evento

a ser abordado é a Revolução Mexicana, uma rebelião popular latino-americana que

demonstrou o poder das massas, em que tanto camponeses quanto operários

Page 11: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

10

lutaram por direitos sociais do trabalho e a defesa da terra. O segundo

acontecimento a ser analisado é a Primeira Guerra Mundial, que embora tenha

ocorrido em território europeu, foi fundamental para o despertar nacionalista da

América Latina, além de incentivar a busca por novos modelos de civilização. A

Crise de 1929, como será demonstrada, foi crucial para as mudanças econômicas

no subcontinente, com o abandono do liberalismo econômico e uma nova fase de

modernização e industrialização nacional.

A partir desses marcos, serão analisadas as construções dos chamados

“populismos” latino-americanos, através das experiências de Getúlio Vargas no

Brasil e Lázaro Cárdenas no México. Além de ser discutida a validade do termo

“populismo” para classificar governos que se utilizam de política de massas, a breve

análise dos regimes conhecidos como Varguismo e Cardenismo nos será útil para

verificar a institucionalização política do período. Características como a

centralização do poder do Estado, as políticas econômicas para o desenvolvimento

nacional, e as políticas educacionais e culturais servirão de panorama para a

compreensão do nacionalismo, que ganhava força na América Latina no período

entreguerras.

O segundo capítulo discorrerá sobre as identidades nacionais latino-

americanas e como elas foram redesenhadas no século XX, através do modernismo.

Dessa forma, será necessário definir o surgimento da “nação” como comunidade

imaginada. Depois, será feita a análise das mudanças de identidade nacional na

América Latina entre o século XIX – quando os Estados-nação se consolidam

através da independência das colônias ibéricas – e o século XX, em que crises

políticas, sociais e econômicas desafiaram as antigas noções de identidade

nacional, as quais tiveram de ser reconstruídas. Nesse contexto, a discussão sobre

raça e miscigenação será de extrema importância para a recomposição nas nações,

pois se afastando de ideais civilizatórios europeus, os intelectuais latino-americanos

procurarão definir-se como povo nacional, definindo quem são os brasileiros,

mexicanos, argentinos, e peruanos. Para construir essa ideia de povo, os

intelectuais e artistas terão o trabalho de imaginar e retratar a nação, através da

apropriação de elementos da cultura popular de seus países e de técnicas de

vanguarda europeias. Esse processo híbrido, conhecido como modernismo, será

analisado na América Latina de forma ampla, ressaltando os principais artistas e

Page 12: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

11

revistas que criaram e divulgaram as novas ideias estéticas e políticas as quais

definiriam as nações a partir dali.

Por fim, o terceiro capítulo se ocupa de definir brevemente os conceitos de

“modernismo de Estado” e “diplomacia cultural”, para se voltar às trajetórias de

Diego Rivera e Candido Portinari, e analisar através de suas biografias e produções

artísticas, como os pintores construíram identidades nacionais brasileira e mexicana

– também conhecidas como brasilidade e mexicanidad – através do apoio e

financiamento estatal. Além de reforçar as construções identitárias de raça

discutidas no segundo capítulo, o terceiro capítulo dialoga com o primeiro, ao

demonstrar como as ideologias populistas se encaixavam na estética realizada pelos

dois artistas no Brasil e no México.

A escolha de pinturas como forma de analisar as identidades nacionais do

Brasil e do México se deve a alguns fatores a serem esclarecidos. O primeiro deles é

o fato de serem pinturas murais, de grandes dimensões e inseridas em espaços

públicos. Dessa forma, elas têm um apelo popular inegável, pois dialogam com as

populações de uma forma mais íntima do que qualquer obra escrita, basta pensar na

quantidade de analfabetos nas sociedades latino-americanas no início do século XX.

Segundo Renato Ortiz1, em 1920 a taxa de analfabetos no Brasil era de 75%. Sendo

assim, a pintura mural era uma ferramenta de propaganda e educação

extremamente eficiente. Além disso, ao representarem o povo mestiço e trabalhador,

as pinturas estabeleciam uma relação com o observador, que se sentia parte da

nação.

É inegável o fato de que a política de massas se desenvolveu com muita força

através de propagandas no rádio e na televisão, mas é importante ressaltar que

mesmo tendo disso criadas por uma elite intelectual, as pinturas murais foram

construídas como tão representativas das identidades nacionais no Brasil e no

México, que continuam sendo utilizadas como referencia à brasilidade e

mexicanidad, basta observar as ilustrações nos livros de História e materiais

didáticos nos dois países.

Sendo assim, espera-se que a partir do diálogo entre fontes bibliográficas

consolidadas sobre a História da América Latina, novos artigos científicos e a

análise inconográfica, seja possível identificar as identidades nacionais criadas na 1 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 23-28.

Page 13: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

12

América Latina através do trabalho artístisco dos pintores modernistas, e a

instrumentalização dessas obras pelos Estados-nação.

Page 14: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

13

2 OS ESTADOS NACIONAIS NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX

Na primeira metade do século XX, a América Latina passou por mudanças

significativas. Estados-nação consolidados foram tragados pelo turbilhão de

acontecimentos internos e externos ao continente, e adaptaram suas estruturas

políticas e econômicas para garantir a estabilidade e desenvolvimento de seus

países.

A primeira parte deste capítulo procura analisar três eventos históricos a fim

de contextualizar o momento de rupturas e transições na América Latina: a

Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial, e a Crise de 1929. Esses

acontecimentos foram fundamentais para expor a crise do liberalismo político e

econômico, que no período entreguerras seria substituído por outras formas de

organização das sociedades.

A segunda parte do capítulo explica as limitações do termo “populismo” e

demonstra um breve histórico de dois projetos políticos considerados “populismos

clássicos”, os quais foram estabelecidos na América Latina pós-1930: os governos

de Getúlio Vargas no Brasil e de Lázaro Cárdenas no México. Dessa forma,

pretende-se apontar como esses governos, por meio de ideais nacionalistas,

buscaram modernizar seus países e homogeinezar suas sociedades na primeira

metade do século XX.

As análises da reestrutuação dos Estados-nação latino-americanos através

de uma contextualização histórica serão imprescindíveis para que se possa

compreender as necessidades de reconfiguração das identidades nacionais latino-

americanas no século XX.

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO LATINO-AMERICANO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

O século XX é um marco temporal importante para a análise das mudanças

na forma como a América Latina se apresenta ao mundo, e como participa do

Sistema Internacional. Segundo Olivier Compagnon2,

2 COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra (Argentina e Brasil, 1914-1939). 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. n.p.

Page 15: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

14

Nas quatro primeiras décadas do século XX, a América Latina vive uma profunda mudança intelectual. Ela se caracteriza por uma crise de identidade e por reflexões renovadas sobre o destino da nação ou do subcontinente, as quais levam ao surgimento de um nacionalismo político e cultural particularmente acentuado no período entre as duas guerras. Enquanto as elites latino-americanas se nutriam quase exclusivamente de referentes europeus desde as Independências e haviam atravessado a Belle Époque convencidas de que o coração da civilização se encontrava em alguma parte entre Paris, Londres e Berlim, elas questionam a cultura cosmopolita de que eram depositárias e desenvolvem uma reflexão duradoura, destinada a constituir uma nova identidade nacional ou continental, emancipada de “modelos” europeus, agora considerados obsoletos e inadaptados às realidades sociológicas da América Latina.

É possível afirmar que três acontecimentos do início do século XX foram

essenciais para transformar os Estados latino-americanos e moldar seus governos a

partir de 1930: a Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929.

Esses eventos deixaram algumas marcas no subcontinente, levando grande parte

da América Latina à política de massas – marcada pela industrialização,

nacionalismo, autoritarismo e a vontade de modernização das nações. Uma breve e

cuidadosa análise dos fatos e seus desdobramentos será essencial para elucidar de

que forma os Estados passaram a se organizar posteriormente.

2.1.1 Revolução Mexicana

A Revolução Mexicana foi a primeira revolução social do século XX, e causou

uma ruptura na história do México, influenciando a vida política, econômica e cultural

do continente americano durante todo o século que se seguiu3. Segundo Maria Lígia

Prado e Gabriela Pellegrini4, a Revolução Mexicana pôs em xeque importantes

questões latino-americanas, como o autoritarismo político, os conflitos agrários e

conflitos étnicos, além das disputas de construção da cultura nacional.

A importância da Revolução é verificada também pelo modo como reverberou

na América Latina, desde o seu início até a conflagração da Primeira Guerra

Mundial. A cobertura jornalística dos acontecimentos nos principais veículos de

informação argentinos e brasileiros, além de conter diferentes análises dos fatos que

se desenrolaram no México dependendo da via editorial dos veículos de imprensa, 3 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p 17-18. 4 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p.101.

Page 16: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

15

também serviu para que governos locais tomassem como “lição” as rebeliões

camponesas mexicanas5. Ou seja, a Revolução Mexicana foi por vezes veiculada

como uma propaganda política negativa, na qual as elites políticas de outros países

tentavam combater suas próprias insurreições populares.

À época da revolução, o México era uma república liberal comandada por

Porfírio Díaz. Díaz havia chegado ao poder em 1876, por meio de um levante militar

contra o presidente anterior – Sebastián Lerdo de Tejada – e ficou fora do cargo

apenas por um breve período entre 1880 e 1884, até a sua destituição pela

revolução em 19116.

Sob o Porfiriato, o México passou por uma modernização econômica

acelerada. Foi implementado o Código Mineiro de 1884, e o setor minerador foi

inundado pelo capital estadunidense7. Investimentos estrangeiros também

garantiram uma malha ferroviária com quase 20 mil quilômetros de ferrovias8. Assim,

sob grande influência dos Estados Unidos, o México se integrou ao mercado

externo, tendo entre 1893 e 1907, um crescimento de seis vezes nas exportações9.

A Revolução, segundo Camín e Meyer10, não foi causada por estagnação

econômica, mas sim pelo caos que o crescimento desordenado gerou na sociedade

mexicana. A região norte, por exemplo, contava com uma economia industrializada e

diversificada devido à influência estadunidense, o que revelava disparidade de

desenvolvimento entre as regiões mexicanas, principalmente no sul e sudeste, onde

haviam apenas um ou dois produtos primários de exportação11. Em nome do

progresso, em uma sociedade com população crescente, camponeses e

trabalhadores foram oprimidos12, e indígenas perderam suas terras. Operários eram

duramente reprimidos em greves contra a pobreza e as péssimas condições de

trabalho13.

5 DIAS, Vieira Natally. O México como “lição”: a revolução mexicana nos grandes jornais brasileiros e argentinos (1910-1915). Dissertação (Mestrado em História) – UMG. Minas Gerais, 219f. 2009. 6 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.102. 7 Ibid. p. 102. 8 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000. p. 14. 9 Ibid. p. 15. 10 Ibid. p. 15. 11 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit.p.43. 12 Ibid., p.33. 13 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.103.

Page 17: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

16

Porfírio Diaz manteve a Lei Lerdo de 1856, que proibia a propriedade coletiva

da terra14. Calcula-se que cerca de 5 mil aldeias indígenas perderam suas terras sob

o Porfiriato, e o senso de 1910 apontou grande concentração de terra, visto que que

1% da população mexicana possuía 96% de toda a terra do país15. No mesmo ano,

o México tinha uma população de 15 milhões de pessoas, das quais 6 milhões eram

indígenas16.

A expulsão dos camponeses de suas terras não gerou somente a diminuição

da agricultura de subsistência, mas também empurrou essas comunidades para o

trabalho em grandes fazendas voltadas para a agroexportação, nas quais os

trabalhadores eram explorados e viviam em uma espécie de servidão por dívida17.

Toda essa tensão social sobre o direito à terra, que se escalonava, foi decisiva para

levar os indígenas e camponeses à revolução.

Porfírio Diaz se preparava para mais uma reeleição, quando Francisco

Madero se colocou na disputa da presidência pelo partido Antireeleicionista18.

Madero era membro de uma família de latifundiários, mas saiu em viagem pela

República tendo como um de seus lemas “o povo não quer pão, mas liberdade”19, e

angariou o apoio de diversas classes, incluindo operários e camponeses20.

Madero foi detido em 1910 em San Luis Potosí, por “tentativas de rebelião e

insulto às autoridades”21, e graças à prisão de seu opositor, Porfírio Díaz alcançou a

reeleição. Francisco Madero foi posto em liberdade condicional uma semana depois,

e fugiu para os EUA. No Texas, começou a organizar a insurreição contra o

Porfiriato, divulgando o Plano de San Luis Potosí, que incitava uma rebelião armada

com data e hora marcada: 20 de novembro de 1910, às seis horas da tarde22.

14 Ibid. p.103. 15 BEYHAUT, Gustavo e Hélène. América Latina III: de la independência a la segunda guerra mundial. México: Siglo Veintiuno, 1983. p. 258. 16 NOCETTI, María Antonieta Gallart, Política indigenista em México (1910-2012): um repaso de objetivos y acciones. In: PAREDES, Beatriz (Coord.), DAMIANI, Gerson, PEREIRA, Wagner P., NOCETTI, María A. G. (Orgs.) O mundo indígena na América Latina: Olhares e Perspectivas. 1ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 242. 17 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.103-104. 18 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.60. 19 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 30-31. 20 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 59. 21 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 33. 22 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 60-62.

Page 18: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

17

Em 25 de maio de 1911, o Porfiriato chegava oficialmente ao fim, com a

renúncia de Diaz, que se exiliou na Europa e lá morreu alguns anos depois23. Novas

eleições foram anunciadas e Madero se tornou presidente do México, depois de

meses de lutas envolvendo diversos grupos revolucionários24.

Ao assumir o comando do país, Madero declarou encerrada a revolução, e

decretou que os revolucionários depusessem suas armas. Emiliano Zapata, um

camponês que liderava o Exército Libertador do Sul, recusou-se a aceitar que a

revolução tivesse um fim ali, já que não havia sido feita uma reforma agrária capaz

de devolver as terras aos camponeses25. Dessa forma, a política de desmobilização

promovida por Madero, e sua incapacidade de promover reformas sociais na

sociedade mexicana, causaram reação de muitos revolucionários, principalmente os

zapatistas, que foram duramente reprimidos pelas forças maderistas26.

Para os zapatistas, o governo de Madero era uma nova roupagem para a

velha política. Dessa forma, criaram um documento chamado Plano de Ayala,

assinado em 25 de novembro de 1911, que demonstrava os significados e metas da

luta que travariam contra aquele sistema estabelecido:

O chefe da revolução libertadora do México, Francisco I. Madero [...] não conduziu a um desfecho feliz a revolução que ele gloriosamente iniciou com a ajuda de Deus e do povo, pois deixou de pé a maioria dos poderes governamentais e elementos corruptos de opressão do governo ditatorial de Porfírio Díaz [que] está provocando a inquietação do país e abrindo novas feridas... [Madero] tenta evitar o cumprimento das promessas que ele fez à nação no Plano de San Luis Potosí.27

Além da oposição da esquerda através dos zapatistas e trabalhadores,

Madero enfrentava oposição pela direita, de entusiastas do Porfiriato28. Victoriano

Huerta, comandante do Exército Nacional, conspirou um golpe durante meses,

juntamente com o embaixador estadunidense Henry Lane Wilson, e acabou por

prender e fuzilar Francisco Madero em fevereiro de 1913, pondo fim à primeira fase

da Revolução Mexicana29.

23 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.105. 24 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p. 66-69. 25 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 105-106. 26 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 41-42. 27 Plano de Ayala. In: CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 44 28 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.70. 29 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 106-107.

Page 19: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

18

Huerta iniciou um governo contrarrevolucionário, mas logo enfrentou

resistência30. Os zapatistas se organizavam ao sul, enquanto no norte um exército

popular, a Divisão do Norte, era liderado por Pancho Villa, ex-combatente

maderista31. Venustiano Carranza, governador de uma província do norte, também

lutava contra Huerta, através do Exército Constitucionalista e ao lado de Álvaro

Obregón, da província de Sonora. Em 14 de agosto de 1914, o Exército

Constitucionalista venceu definitivamente Huerta, que se rendeu e fugiu para os

EUA, morrendo lá anos depois32. O Exército Constitucionalista tomou o lugar do

Exército Nacional, e Carranza assumiu como presidente interino33.

A partir desse momento, os grupos que estavam unidos contra um inimigo em

comum se dividiram e passaram à disputa de poder. Emiliano Zapata e Pancho Villa

eram radicais em seus objetivos revolucionários, e se uniram em prol das demandas

por terra34. Carranza e Obregón, e as forças constitucionalistas no Norte e Nordeste

eram reformistas, com ampla agenda política e temiam que os agraristas pusessem

tudo a perder35. Depois de um acordo frustrado, essas forças entraram em conflito,

adentrando uma Guerra Civil, da qual os exércitos zapatistas e viilistas

vislumbrariam sua derrota a partir de 191536.

Em 1916, Carranza iniciou uma restauração da república mexicana, tentando

promover uma estabilidade política após a vitória militar. Mesmo tendo sancionado a

Lei Agrária do ano anterior, as haciendas37 eram devolvidas a latifundiários, e não

aos camponeses, e tinham o objetivo de pacificar e eliminar a rebelião zapatista

remanescente38. A “pacificação” seria concluída com o assassinato de Emiliano

Zapata em 1919, em uma emboscada “onde as tropas gonzalistas o crivaram de

balas depois de o saudar”39. O governo carrancista também arquitetou manobras

políticas com o operariado, aproximando-se da Casa do Operário Mundial, e mais

tarde reprimindo violentamente greves e protestos dos trabalhadores40.

30 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.71. 31 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 107. 32 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 66 33 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p.75 34 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 69-72. 35 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 108. 36 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 70-72. 37 Grandes fazendas (tradução nossa). 38 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 88-89. 39 Ibid. p. 90 40 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 110.

Page 20: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

19

Em setembro de 1916, Carranza convocou um Congresso Constituinte, que

resultaria na promulgação da Constituição de 1917, assinada em 5 de fevereiro

daquele ano. A Constituição de 1917 foi considerada não apenas uma Constituição

política, mas principalmente social, constando no artigo 3 a educação obrigatória e

laica, no artigo 123 os direitos trabalhistas, e no artigo 27 as leis agrárias, sujeitando

a propriedade da terra à condições determinadas pelo interesse público41. A inclusão

deses artigos de direitos sociais só foi possível graças à pressão e resistência

camponesa e operária durante a revolução, que pressionou a burguesia a

estabelecer uma Constituição ampla, capaz de pacificar o país42. A Constitução de

1917 é considerada por muitos como o marco final da Revolução Mexicana.

De todo modo, as disputas políticas não cessaram. Obregón, aliado de

Carranza durante a Revolução, rompeu com o presidente e renunciou ao cargo de

ministro da Guerra43. Carranza foi se isolando politicamente, até ser assassinado em

192044. Adolfo de la Huerta assumiu o cargo até as eleições presidências do mesmo

ano, em que Álvaro Obregón tornou-se presidente do México45.

Obregón indicou José Vasconcelos para a Secretaria de Educação e Saúde

Pública, a fim de promover uma unidade nacional por meio da da educação. Além de

estabelecer campanhas contra o analfabetismo e organização uma coleção livros

clássicos a serem traduzidos e lidos nas escolas, Vasconcelos criou o Departamento

de Belas-Artes, que lhe rendeu grande visibilidade internacional46. Através desse

departamento, José Vasconcelos encomendou diversas obras dos três muralistas –

Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siquieros – que exaltavam o

nacionalismo mexicano a partir de pinturas didáticas, as quais ilustravam a história e

os personagens da Revolução47.

Nos anos seguintes, a Revolução Mexicana se consolidaria através da

hegemonia de governos de Sonora, até 1934, com a ascensão de Lázaro Cárdenas

à presidência do país48. Carlos Alberto Sampaio Barbosa49 sustenta que a violenta e

41 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 86. 42 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 92. 43 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 110. 44 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 95. 45 Ibid. 100-101. 46 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.113. 47 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p 104. 48 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 97. 49 Ibid. p. 127.

Page 21: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

20

contundente participação popular no processo revolucionário garantiu que ao longo

dos anos seguintes, a política de massas executada no México fosse

significativamente mais à esquerda do que em qualquer outro Estado latino-

americano no mesmo período.

Por fim, é possível afirmar que a Revolução Mexicana foi um processo interno

vivido na América Latina, no início do século XX o qual impactou profundamente o

México e todo o continente nos anos seguintes. A ampla e intensa participação

popular de camponeses e operários, a luta por direitos sociais da terra e do trabalho,

e a consolidação de uma Constituição fiel aos preceitos revolucionários, inspiraram

tanto a identidade nacional e nacionalismo mexicano, quanto a construção de outros

governos latino-americanos que tivessem no povo e no trabalhador, símbolos

necessários para a legitimação do poder do Estado.

Embora alguns considerem que a Revolução terminou com a Constituição de

1917, muitos sustentam que o processo revolucionário no México nunca teve fim.

Nos anos de 1990, um grupo guerrilheiro chamado Exército Zapatista de Libertação

Nacional surgiu ao sul do país, declarando-se herdeiro dos ideias revolucionários de

Zapata50, e demonstrando a força da Revolução Mexicana durante todo o século XX

até os dias atuais.

2.1.2 Primeira Guerra Mundial e Crise de 1929

A Primeira Guerra Mundial – que surgiu na Europa logo depois do iníco da

Revolução Mexicana – e a Crise de 1929 com a quebra da bolsa de Nova York,

foram dois eventos históricos apartentemente externos à América Latina tiveram

impactos profundos e quase imediatos ao subcontinente. Enquanto a Primeira

Guerra Mundial demonstrou a fragilidade da civilização ocidental, o crecimento do

nacionalismo e alguns desafios do sistema capitalista, a Crise de 1929 coroou o

colapso do liberalismo no século XX, transformando radicalmente a política e a

economia dos Estados latino-americanos.

A Primeira Guerra Mundial teve início em 1914 e é considerada um marco do

século XX, por ter envolvido todas as grandes potências mundiais em um mesmo

50 BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. Op. cit. p 19.

Page 22: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

21

conflito51. Contudo, por mais que seja constantemente citada como um evento

crucial para as mudanças econômicas e políticas na América Latina do século XX,

as influências da Primeira Guerra Mundial no subcontinente nem sempre são

examinadas.

Inicialmente, os países latino-americanos se declararam neutros na guerra. A

neutralidade se deu pois não havia qualquer obrigação entre algum país da América

Latina que exigisse apoiar oficialmente um país beligerante, e era importante aos

Estados manterem comércio com países de ambas as partes do conflito52. Entre

1914 e 1915, porém, já foi sendo constatada a dependência dos países latino-

americanos à Europa, principalmente em decorrência das imediatas consequências

econômicas da guerra53. Dessa forma, os investimentos de capital europeu e

importações vindas do velho continente diminuíram drasticamente, e os Estados

Unidos se tornaram o mais importante parceiro comercial da América Latina54.

Essa relação influente e crescente dos EUA com a América Latina contribuiu

para o fim da neutralidade de diversos países latino-americanos no conflito, já que a

partir de 1917, com a entrada do país norte-americano na guerra, vários outros

Estados passaram a apoiar os Aliados55.

Em “O adeus à Europa”56, Olivier Compagnon, além de demonstrar aspectos

econômicos e políticos da Grande Guerra que afetaram a América Latina, defende

que a Primeira Guerra Mundial pode ser considerada uma das causas das

redefinições de identidade nacional na América Latina. Na perspectiva do autor, a

partir dos horrores que o conflito exacerbou, os países latino-americanos foram

criando uma autonomia cultural e política que os distinguisse das nações europeias:

[A Grande Guerra] desacreditando a Europa como referência universal da modernidade e produtora de modelos destinados a suas periferias, convida na verdade a um sobressalto identitário de que a cristalização política da nação é a expressão mais manifesta — a mais tradicional do ponto de vista

51 HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 31. 52 RINKE, Stefan, KRIEGESMANN, Karina. Latin America. In: 1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War. Disponível em: <https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/latin_america> Acesso em: 18 mar 2019. 53COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra (Argentina e Brasil, 1914-1939). 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. n.p. 54RINKE, Stefan, KRIEGESMANN, Karina. n.p. 55Ibid. 56COMPAGNON, Olivier. Op. cit. n.p.

Page 23: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

22

historiográfico, poderíamos dizer também — e a análise das produções culturais um observatório igualmente privilegiado.57

Maria Helena Capelato58 confirma essa teoria, afirmando que, pelo fim da

Primeira Guerra Mundial, o “novo mundo” latino-americano passou a ser associado

ao futuro, e o “velho mundo” europeu se tornou sinônimo de decadência. Capelato

conclui também, em sua obra sobre propaganda e política de massas no Varguismo

e Peronismo, que “o período entreguerras foi marcado por uma profunda crise do

sistema liberal no plano internacional, e a América Latina não ficou alheia a esse

processo”59. Logo, diversos Estados passaram a rever o seu papel com a sociedade,

e experimentaram outras soluções políticas para a questão social, a questão das

massas60.

Como se sabe, os conflitos bélicos entre grandes potências não cessaram

com a chamada Grande Guerra, ou seja, a “Era da Catástrofe” – assim definida por

Hobsbawm61 – só teria fim com os resultados da Segunda Guerra Mundial. De todo

modo, é inegável que a Primeira Guerra Mundial foi importante para a construção de

nacionalismos na América Latina, presentes em diversos governos do subcontinente

a partir dali, como o México, a Argentina e o Brasil.

Ao fim da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos passaram a ser o

maior centro financeiro do mundo, a maior economia do planeta, e no ano de 1929 já

representavam cerca de 42% da produção mundial62. Contudo, em outubro do

mesmo ano, a bolsa de Nova York quebrou. A partir daquele momento, o sistema

capitalista afundou em uma crise global, a Grande Depressão. O comércio

internacional e os fluxos de capital entraram em colapso, deixando extremamente

vulneráveis países subdesenvolvidos, como os latino-americanos63.

57Ibid., n.p. 58CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 258. 59 ______. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 145. 60Ibid. p. 143. 61HOBSBAWN, Eric. Op. cit. p. 15-16. 62CORSI, Francisco Luiz. Estado novo: política externa e projeto nacional. 1997. 457f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: < http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/279390 > Acesso em: 14 mar 2019. p. 29-30. 63 BULMER-THOMAS, Victor. As Economias Latino-Americanas, 1929-1939. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Economia e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005. p. 20.

Page 24: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

23

Em 1929, o destino de 38% das exportações latino-americanas era os EUA, e

o capital estadunidense representava 38% dos investimentos estrangeiros na

região64. Como consequência, imediatamente após o crash65 da bolsa de Nova York,

as economias da América Latina desmoronaram, principalmente porque muitas

delas já estavam em excesso de oferta desde os anos de 192066.

A queda vertiginosa nas exportações levou a uma parte desses países a

iniciarem políticas de intervenção na economia, em um processo de seleção de

importações, além de moratória da dívida externa67.

O PIB argentino, entre 1929 e 1932, caiu 13,8%, sendo de 17,8% a retração do setor industrial e de 8,5% a do agrícola. O crescimento foi retomado em 1934. No ano seguinte, o PIB ultrapassaria o de 1929. No Brasil, a crise, embora grave, foi aparentemente menos profunda. O PIB retrocedeu 4,5% em 1930, e no ano seguinte, 3,3%. A economia brasileira voltaria a crescer um pouco antes da economia argentina, em 1933, puxada pelo setor industrial.68

A Crise de 29 foi determinante para uma importante transição econômica no

Brasil: o modelo primário exportador foi substituído pelo processo de substituição de

importações que alavancou a industrialização do país. Até então, o café era o

principal produto de exportação brasileiro, mas já apresentava sinais de

esgotamento devido a oferta excessiva no mercado internacional. O preço do café

era garantido por uma política de Estado financiada com capital estrangeiro, porém a

crise expôs a superprodução cafeeira e a diminuição da liquidez internacional

impediu que o Estado brasileiro continuasse subsidiando sua produção69.

A partir de 1930, com o fim da República Velha e da “política do café com

leite”, iniciou-se a transição para o processo de substituição de importações, no qual

o vetor da economia era a produção industrial para consumo interno. Esse novo

modelo econômico era conduzido pelo Estado, através de diversas políticas

macroeconômicas, incluindo o controle cambial por meio de constantes 64 CANO, Wilson. Soberania e política econômica na América Latina. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2000. p.12. 65 Quebra. (tradução nossa) 66 CORSI, Francisco Luiz. Op. cit. p. 32. 67 CANO, Wilson. Op. cit. p. 18. 68 CORSI, Francisco Luiz. Brasil e Argentina: uma análise comparativa das políticas públicas econômicas no contexto da Grande Depressão dos anos 1930. In: BEIRED, José Bendicho e BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio (Orgs.). Política e identidade cultural na América Latina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 180. 69 CANO Wilson. Op. cit. p. 162.

Page 25: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

24

desvalorizações e o controle de importações, com o objetivo de possibilitar o

desenvolvimento econômico nacional70.

O processo de substituição de importações também foi aplicado por outras

economias latino-americanas após a crise de 1929. As análises econômicas, no

entanto, apontam tanto para a denominação ISI – industrialização para substituição

de importações – que foi a principal estratégia do Brasil, Argentina, Chile e Peru,

quanto ASI – agricultura para substituição de importações – dinâmica de

crescimento econômico de Cuba e Guatemala71. O México se utilizou da substituição

de importações tanto via industrialização quanto via agricultura72, demonstrando que

mesmo com o impulso dado à industrialização a partir da Crise de 29, a agricultura

manteve um papel de relevância na economia da região.

De todo modo, é possível afirmar que as transformações nos modelos de

desenvolvimento nacional de determinados países ocorreram sim graças às

consequências da Crise de 1929, que expôs a dependência latino-americana ao

capital estrangeiro, e levou os Estados latino-americanos a se apoiarem em teorias e

práticas econômicas específicas, com o objetivo de superar essa dinâmica.

Ademais, a crise significou uma crise do capitalismo mundial, e levou a uma

reação ao liberalismo no mundo todo. O antiliberalismo não resultou apenas na

intervenção dos Estados em suas economias, mas em uma reorganização das

sociedades como um todo, gerando governos autoritários voltados à política de

massas, não somente na Europa – com o nazismo e fascismo – como também na

América Latina, através de governos intitulados “populistas”.

2.2 POLÍTICA DE MASSAS NA AMÉRICA LATINA PÓS-1930

Os Estados latino-americanos foram transformados no século XX,

principalmente entre o período entreguerras, e seus governos adquiriram

características peculiares, que por vezes os coloca em algumas denominações,

como “populistas”. Por isso, faz-se necessária a discussão da relevância do uso do

termo “populismo” para designar os governos formados na América Latina a partir de

70 Ibid., p. 168. 71 BULMER-THOMAS, Victor. Op. cit. p. 46-49. 72 Ibid. p. 48-49.

Page 26: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

25

1930, e os limites desta denominação. Além disso, é importante analisar alguns dos

principais governos latino-americanos desse período, seus líderes e suas políticas, a

fim de compreender a implementação de políticas culturais e a utilização de artistas

nacionais para construção de identidades coletivas e representações sociais.

2.2.1 Populismo: um conceito em debate

Devido ao seu caráter polissêmico, o “populismo” é disputado nas Ciências

Sociais, e diversos teóricos conceitualizam o termo a partir de epistemologias e

análises distintas. No senso comum, “populista” costuma ser um adjetivo pejorativo,

para designar tanto governos autoritários e personalistas, quanto práticas que vão

para além do aspecto necessariamente político73. Devido a ampla aplicação do

termo, alguns consideram “populistas” governos que vão desde o início do século

XX até a atualidade.

Na América Latina, o populismo teve como um de seus primeiros teóricos o

italiano Gino Germani, que se dedicou a estudar o peronismo. A partir da teoria da

modernização, Germani classificou como populista o regime político no qual as

sociedades latino-americanas estariam em transição de sociedades tradicionais para

sociedades modernas74. Ou seja, o populismo é considerado pelo teórico como uma

etapa a ser superada para que as sociedades sejam finalmente desenvolvidas. Essa

perspectiva é usualmente criticada pelo caráter progressista que apresenta, ao

sugerir uma “evolução” das sociedades75.

Ao longo do tempo, as interpretações se ampliaram e aprofundaram através

de muitos outros teóricos, como Octavio Ianni76 e Ernesto Laclau77, porém o

conceito “populismo” tornou-se amplo e genérico. Segundo Maria Helena Capelato78,

apesar de determinados governos apresentarem algumas características gerais

73 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 217. 74 CAPELATO, Maria Helena. Populismo latino-americano em questão. In: FERREIRA, J. (Org.). O populismo e sua história (debate e crítica). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 136-137. 75 ______. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 1 ed. São Paulo: Papirus, 1998. p. 22. 76 IANNI, Octavio. A Formação do Estado populista na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975. 77 LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013. 384p. 78 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. p. 132-135.

Page 27: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

26

comuns, esses exigem análises específicas, pois enquadrá-los apenas como

populistas acaba por homogeneizar políticas muito distintas em aspectos nacionais e

conjunturais.

Capelato afirma que “a ampla lista de líderes, movimentos e governos

definidos como populistas, ou a divisão do populismo por tempos distintos, permite

constatar como é problemática a aplicação desse conceito para situações históricas

bem diversas”79. Maria Lígia Prado e Gabriela Pellegrino80 também evitam o termo

populismo, concordando com as críticas propostas por Capelato.

Os governos de Getúlio Vargas no Brasil, Lázaro Cárdenas no México e Juan

Domingo Perón na Argentina, são usualmente enquadrados no “populismo

clássico”81. Ainda assim, existem especificidades consideráveis em cada uma das

realidades históricas vividas nesses países, que torna o uso do termo “populismo”

insuficiente para compreendê-las.

Portanto, a seguir, serão discutidos brevemente dois governos considerados

“populistas” no Brasil e no México, a fim de identificar as políticas construídas para

que os Estados latino-americanos dessem conta dos desafios apresentados no

início do século XX, tanto pela crise do liberalismo quanto pela ascensão do

nacionalismo.

2.2.2 Varguismo

A Era Vargas, também conhecida como Getulismo82 ou Varguismo, teve início

em 1930 através de um governo provisório pós-Revolução de 1930, que pôs fim à

Primeira República83, introduzindo um conjunto de políticas econômicas e sociais

que marcaram o novo processo de organização da sociedade brasileira84. Boris

Fausto afirma que o novo Estado que se formou a partir da Revolução de 30 foi um

Estado de Compromisso, visto que nenhuma classe teria condições de governar

79 Ibid., p. 133-134. 80 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 131. 81 FERRERAS, Norberto O. Op. cit. p. 219. 82 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1995. p. 331. 83 Ibid. p. 319 84 D'ARAÚJO, Maria Celina. A era Vargas. 1 ed. São Paulo: Moderna, 1997. p. 7

Page 28: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

27

sozinha. Dessa forma a burguesia, a oligarquia e os militares passaram a negociar

espaços de poder com Vargas85.

Iniciando o governo provisório pondo fim à “política do café com leite”, através

de uma centralização do poder e intervencionismo, Vargas fechou o Congresso

Nacional e as assembleias estaduais e municipais, depôs governadores e revogou a

Constituição de 189186. Passou a nomear interventores para os cargos de governo

estadual no país, proibindo que esses contraíssem dividas estrangeiras sem

autorização federal, além de limitar o poder das segurança pública local87.

No plano econômico, a política do café foi federalizada, com o Estado

brasileiro tendo total controle sob o setor cafeeiro. Mesmo logo após a Crise de

1929, a política era de queimar parte do café produzido para controlar o excesso de

oferta do produto e manter o seu preço. Porém em 1931, os custos financeiros

desse modelo se tornaram insustentáveis e a política de valorização do café foi

sendo abandonada88, dando lugar a uma política de industrialização nacional, com

foco na modernização do país e na da soberania nacional.

Ainda no governo provisório, em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e

foram instituídos direitos trabalhistas como a regulamentação de férias e da jornada

diária, além da carteira de trabalho89. Getúlio Vargas atraiu a organização sindical

para dentro do Estado, para que se pudesse ter controle sobre a classe

trabalhadora. Dessa forma, em 1931, os sindicatos foram regulamentados, sendo

que apenas poderia existir um sindicato para cada categoria profissional e as

assembleias seriam supervisionadas por funcionários do Ministério do Trabalho,

sendo que os sindicatos poderiam ser fechados se não respeitassem normas

específicas90.

A educação seguiu a lógica centralizadora do governo, com a criação do

Ministério da Educação e Saúde ainda em 193091. Os livros didáticos passaram a

85 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras. p.136. 86 PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.17-18. 87 FAUSTO, Boris. Op. cit. p. 333. 88 Ibid. p. 334. 89 PANDOLFI, Dulce Chaves. Op. cit. p. 19. 90 FAUSTO, Boris. Op. cit. p. 335. 91 Ibid. p. 337.

Page 29: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

28

apresentar uma narrativa que pudesse constituir uma História unificada para o

Brasil92.

Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Vargas convocou uma nova

Constituinte que resultaria na Constituição de 1934, a qual o garantiu mais um

mandato. Em 1937, impôs o Estado Novo, através de um golpe, consolidando a

política de massas para a qual seu governo era voltado desde 1930, através do

autoritarismo e controle social93. O projeto de desenvolvimento econômico que

guiaria o progresso do Brasil, era utilizado como justificativa para a ausência de

liberdades individuais e sugeria a necessidade de um “esforço nacional” para a sua

consolidação94.

A partir do Estado Novo, a propaganda política se intensificou, principalmente

através do Departamento de Imprensa e Política, o DIP95, cuja criação significou a

ampliação do poder do Estado na cultura, e tinha como um de seus objetivos

alcançar a unidade nacional96.

Vinculado diretamente à Presidência da República, o DIP produzia e divulgava o discurso destinado a construir uma certa imagem do regime, das instituições e do chefe do governo, identificando‑os com o país e o povo. Nesse sentido, foram produzidos livros, revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com noticiários e números musicais, além de radionovelas, fotografias, cinejornais, documentários cinematográficos.97

Além disso, outro aspecto nacionalista e autoritário no Estado Novo, foi a

proibição do uso de línguas estrangeiras em espaços públicos, incluindo a proibição

do ensino de línguas estrangeiras nas escolas. Essa medida, que buscava a

integração nacional, foi tomada para coibir imigrantes europeus e japoneses de

manterem suas línguas originárias. Giralda Seyferth aponta que a questão da

educação nacionalista foi além dos limites da escola, já que a população adulta

também deveria exaltar os símbolos nacionais:

92 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 232-233. 93 ______. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 109. 94 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 146-147. 95 FAUSTO, Boris. p .376. 96 Ibid. p. 81. 97 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit. p. 81.

Page 30: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

29

O estímulo ao patriotismo, o uso de símbolos nacionais e a comemoração das datas nacionais também são pontos destacados na legislação federal. Militares que participaram da campanha deram especial atenção ao civismo como instrumento da assimilação e meio de formação de uma “consciência nacional”.98

No âmbito no Ministério da Educação, sob a égide do Estado Novo, também

foi criado o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – através

de um projeto idealizado por Mário de Andrade, um dos muitos intelectuais que

compunham o aparelho estatal.

A partir da Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, Vargas estava

determinado a alcançar a autonomia industrial através da produção siderúrgica

nacional, portanto passou a barganhar com as principais duas grandes potências

envolvidas no conflito: Estados Unidos e Alemanha. Com a garantia de

investimentos norte-americanos para a instalação da Companhia Siderúrgica

Nacional, o Brasil declarou guerra ao Eixo em 1942 e se uniu aos Aliados, que

venceria o conflito em 194599.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo perdeu forças. Ainda

assim, ao convocar eleições presidenciais, conseguiu eleger seu candidato, o

general Dutra e se eleger como senador100. Em 1951, Getúlio Vargas voltou à

presidência por meio do voto popular, “aos braços do povo”. Em 1954, enfrentando

escândalos políticos e grande dificuldade de manter o apoio e equilibrar os

interesses dos militares, da burguesia e dos trabalhadores, Getúlio Vargas se

suicidou com um tiro no peito. Como herança política, Vargas deixou um país

industrializado, pautado no nacional-desenvolvimentismo e frustrado pela tentativa

de conciliação de classes. Como figura da História brasileira, “o mito de Vargas

tornou-se, com o tempo, independente do regime que o criou”101.

98 SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999 .p. 220. 99 D’ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. p. 54-56. 100 CAPELATO, Maria Helena. Op. cit.. p. 399. 101 D’ARAÚJO, Maria Celina. Op. cit. p. 93.

Page 31: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

30

2.2.3 Cardenismo

Lázaro Cárdenas chegou à presidência do México em 1934 pelo Partido

Nacional Revolucionário (PNR) através de eleições presidências. O seu governo é

considerado um marco na institucionalização da Revolução Mexicana.

Logo nos primeiros anos de mandato, rompeu com Plutarco Elías Calles –

principal herdeiro da Revolução após a morte de Álvaro Obregón102 – e direcionou

seu governo às massas populares, na tentativa de construção de um “socialismo

mexicano”.

Ao pensar no tipo de desenvolvimento econômico que aspirava aplicar no

México, Lázaro Cárdenas optou por um modelo que possibilitasse tanto o

crescimento produtivo quanto resultados sociais103. Cárdenas estimulou a economia

ao mesmo tempo em que buscava dar respostas às aspirações operárias e

camponesas, através da efetivação dos direitos estabelecidos pela Constituição de

1917.

Cárdenas se comprometeu a adotar o plano econômico elaborado pelo seu

partido em 1933, o “Plano Sexenal”, no qual o Estado passava a ser um ator efetivo

na elaboração e execução de políticas econômicas do país104. O aumento do

desemprego, êxodo rural, queda do preço dos minérios e produtos agrícolas

começaram a ser superados com as reforma sociais conduzidas pelo governo

cardenista105.

A tolerância a grandes latifundiários, que os governos anteriores haviam

sustentado, finalmente teve fim106, e Cárdenas patrocinou a reforma agrária entre

1934 e 1940, expropriando terras de grandes latifúndios e doando terras de

pequenas dimensões aos ejidatários107. Nesse período foram concedidos cerca de

102 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas. Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 223. 103 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000. p. 177. 104 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p. 137. 105 Ibid. p. 137. 106 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 175. 107 Ejidatário deriva do termo ejido, o qual a partir da Revolução Mexicana e da Constituição de 1917 passou a ser utilizado para se referir às terras do Estado cedidas aos camponeses, chamados de hejidatários, para uso permanente e hereditário. PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. p.138.

Page 32: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

31

18 milhões de hectares a 772 mil ejidatários108, e as haciendas diminuíram

drasticamente. Em 1935 foi gerada a CNC – Confederação Nacional Camponesa – e

os camponeses seguiram como uma base central de sustentação do governo.

Os direitos trabalhistas que estavam presentes da Constituição de 1917 foram

garantidos, incluindo o direito a greve. Dessa forma, houveram diversas greves

durante o mandato de Cárdenas, sem que houvesse intervenção ou repressão às

manifestações. Em 1936, foi criada a Confederação de Trabalhadores do México –

CTM – acelerando o processo de unificação do operariado, que passou a ser mais

um dos pilares do cardenismo109. Em 1936, houveram 674 greves com 113.885

trabalhadores envolvidos110.

Através de um “Estado ativo”111, Cárdenas também estabeleceu um programa

para construção de obras públicas e criou diversos bancos de investimento, como o

Banco de Fomento Industrial em 1936 e o Banco de Comércio Exterior em 1937112.

Em 1937 as ferrovias mexicanas foram nacionalizadas. Essa decisão afetou

interesses estadunidenses, visto que as estradas de ferro haviam sido construídas

com capital daquele país e eram utilizadas para escoar produção mexicana,

principalmente minérios, para além fronteira113.

A criação da Pemex – Petroleos de Mexico – e a nacionalização do petróleo

que antes era explorado por empresas dos EUA, Inglaterra e Holanda em 1938

tiveram repercussão internacional, principalmente por ter sido uma ação pioneira na

América Latina. A nacionalização se deu pela interferência do Estado para garantir

os direitos dos trabalhadores que exigiam melhores condições salariais e não eram

atendidos pelas multinacionais114. Porém, o fato de Cárdenas ficar ao lado dos

trabalhadores nesse momento, rendeu como consequência o fechamento dos

mercados internacionais, com boicotes das companhias afetadas e dos próprios

países envolvidos no conflito petroleiro115.

108 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p.138. 109 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 176. 110 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 138. 111 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 178. 112 PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. Op. cit. p. 139. 113 Ibid. p. 139. 114 Ibid. p. 140. 115 FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas Rio de Janeiro, FGV, 2011. p. 225.

Page 33: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

32

Contrariando os intentos de Cárdenas de desenvolver o México a partir de

ejidos e pequenas indústrias, o setor manufatureiro industrial continuou crescendo e

diversas montadoras estrangeiras adentraram em solo mexicano116. Assim, a utopia

cardenista foi sendo paulatinamente substituída pela realidade burguesa de

desenvolvimento econômico.

Cárdenas fundou o Partido Revolucionário Mexicano, em 1938, o qual

agregava os setores camponês, operário, militar e popular117. Em 1938 criou o

Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH). O Instituto teve um significativo

papel na valorização cultural e histórica dos indígenas, e foi ao encontro da

construção do nacionalismo mexicano, que estava fortemente pautado no

indigenismo118.

Contudo, em 1940, ao fim de seu mandato, Cárdenas enfrentava uma crise

derivada tanto de conflitos políticos quanto econômicos, que desaceleraram as

propostas socialistas de seu governo. Para muitos, a Revolução Mexicana terminava

ali119.

Neste capítulo, partido-se do contexto histórico dos Estados latino-americanos

no inícios do século XX, e das mudanças políticas e econômicas na região, foi

possível perceber como se deu a criação de novos regimes políticos, que foram

pautados pelo política de massas e o nacionalismo. A Revolução Mexicana, como

primeira grande revolução do século, acabou reverberando no resto da América

Latina, por disseminar uma problemática tipicamente latino-americana: a luta do

povo pela terra. Os horrores da Grande Guerra influenciaram as nações latino-

americanas a buscarem outros parâmetros culturais, que não estivessem

diretamente ligados à civilização europeia. A Crise de 1929 significou uma ruptura

com o modelo liberal de economia agroexportadora, fazendo com que os Estados

latino-americanos se voltassem para a sua própria industrialização, contribuindo

para o projeto de modernização das nações latino-americanas, e a consequente

defesa da soberania nacional através do discurso nacionalista.

116 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 176. 117 MEDIN, Tziv. Ideologia y práxis política de Lázaro Cárdenas. México: Siglo XXI, 1997. p.106. 118 MCGUIRE, Randall H.. Archaeology as political action. 1 ed. California: California University, 2008. p. 158. 119 CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. Op. cit. p. 210.

Page 34: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

33

través observação dos governos de Getúlio Vargas no Brasil e Lázaro

Cárdenas no México, foi possível constatar algumas características que são

coincidentes e expressam bem o caráter “populista” de seus mandatos. Ambos se

sustentaram através do apoio das camadas populares, para as quais concederam

direitos sociais importantes. Também houve a valorização institucionalizada da

cultura, através da criação órgãos como o INAH, no caso mexicano, e o SPHAN, no

caso brasileiro. Algumas diferenciações, porém devem ser consideradas. Getúlio

Vargas teve um período total de governo muito mais longo do que Cárdenas,

incluindo um regime claramente ditatorial – o Estado Novo, o que fez com que

Vargas tenha sido mais bem sucedido ao implementar medidas nacionalistas e por

vezes autoritárias, criando uma forte política de propaganda através do DIP, e se

imortalizando como mito nacional.

A partir dos próximos capítulos, será possível acompanhar como o

nacionalismo político e econômico, que tomou força a partir de 1930, foi

acompanhado de novas visões estéticas sobre a composição social e racial das

nações latino-americanas, e como os intelectuais e artistas se alinharam aos

desejos de modernização dos Estados.

Page 35: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

34

3 IDENTIDADE NACIONAL E MODERNISMO NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO

XX

Maria Helena Capelato120 aponta que os nacionalismos nos países latino-

americanos, principalmente Brasil e Argentina, surgiram como resultado da crise do

liberalismo dado em grande parte pela Crise de 1929. É evidente que no caso do

México, o ponto de inflexão para o nacionalismo foi a Revolução Mexicana, a qual

teve início antes mesmo da Primeira Guerra Mundial.

Os novos modelos políticos criados na América Latina, partindo de um ponto

de vista antiliberal e nacionalista, necessitavam de uma nova identidade nacional

que os legitimasse.

Na América Latina, a Nação parece encontrar-se sempre em formação. Não está no começo, avançou muito, mas continua a articular-se e rearticular-se, buscando o seu lugar. Quase todos os países contam com várias, ou muitas, constituições em sua história. Tiveram que começar de novo, recomeçar muita coisa, ou tudo. Os golpes, os surtos de autoritarismo, as ditaduras perpétuas povoam a história. A democracia floresce e fenece. O povo continua a formar-se, se compreendemos que povo é uma coletividade de cidadãos.121

Este capítulo, portanto, fará uma breve exposição sobre as ideias de nação e

de construção de identidade nacional, questionando a experiência latino-americana

e suas mudanças de construção do século XIX para o século XX. Depois, serão

analisados alguns aspectos movimentos modernistas que ocorreram na América

Latina, buscando-se perceber em que medida os movimentos locais procuraram

discutir as questões de nacionalidade através de expressões artísticas.

3.1 IDENTIDADE NACIONAL NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX

Para construir uma nação é preciso que haja uma cultura que lhe dê suporte e, portanto, é preciso que haja intelectuais que ajudem a formulá-la.

Ruben George Oliven122

120 ______. Multidões em cena: Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 145. 121 IANNI, O. A questão nacional na América Latina. Estudos Avançados, v. 2, n. 1, p. 5-40, 1 mar. 1988. p. 33. 122 OLIVEN, Ruben. Cultura Brasileira e identidade nacional: (o eterno retorno). In: O que ler na ciência social brasileira: 1970-2002, Brasília, Editora Sumaré, 2002. p. 16.

Page 36: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

35

A questão da identidade nacional na América Latina é dada por Ruben

George Oliven como “o eterno retorno”123, visto que é constantemente debatida,

reconstruída e reeditada através de produções intelectuais que tentam explicar o

que são as nações latino-americanas. Para discutir a criação de uma identidade

nacional, portanto, é necessário entender primeiramente a ideia de “nação”.

Para Octavio Ianni124,

A Nação pode ser vista como uma configuração histórica, em que se organizam, sintetizam e desenvolvem forças sociais, atividades econômicas, arranjos políticos, produções culturais, diversidades regionais, multiplicidades raciais. Tanto o hino, a bandeira, o idioma, os heróis e os santos, como a moeda, o mercado, o território e a população adquirem sentido no contexto das relações e forças que configuram a Nação. A Nação pode ser uma formação social em movimento; pode desenvolver-se, transformar-se, romper-se.

A nação, segundo Benedict Anderson125, é uma “comunidade política

imaginada”. Criada na Europa a partir do século XVIII, a nação esboça uma noção

de pertencimento através de compartilhamento de valores e símbolos, que muitas

vezes não se pode precisar a origem temporal126. No mesmo sentido, Lúcia Lippi

afirma que:

A ideia de nação faz parte do universo simbólico. Sua valorização visa proporcionar sentimentos de identidade e de alteridade a uma população que vive ou que se originou em um mesmo território. Trata-se de um símbolo que pretende organizar o espaço público, referindo-se, portanto, à dimensão politica127.

A nação é uma comunidade pois, apesar existirem diversas desigualdades

entre as pessoas que a compõem, existe sempre o sentido simbólico de

horizontalidade e até uma certa homogeneidade em sua concepção. Além de

imaginada, pois é criada coletivamente, a nação é também simultaneamente limitada

e soberana128.

123 Ibid. p. 15-43. 124 IANNI, O. A questão nacional na América Latina . Estudos Avançados, v. 2, n. 1, p. 5-40, 1 mar. 1988. p. 5. 125 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2008. p. 31-34. 126 Idem. 127 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1990. p. 14. 128 ANDERSON, Benedict. Op. cit. p. 32.

Page 37: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

36

A comunidade imaginada é limitada, pois como descreveu Lippi129, as nações

se constituem tanto na semelhança entre seus pares, quanto na diferença em

relação ao outro. Ou seja, é preciso haver a fronteira, “uma dimensão externa”130. A

nação também é soberana, pois seu surgimento foi marcado pela ascensão do

Iluminismo, e o consequente declínio dos modos de pensar religioso na Europa.

Assim caíram as dinastias, que eram legitimadas através de um “poder divino”,

abrindo espaço para o poder do Estado como soberano131.

Dessa forma, é possível afirmar que a criação da nação faz parte de um

movimento que, mesmo inconscientemente, significou também o surgimento de um

novo sistema cultural132. O advento do jornal, uma das primeiras mercadorias

produzidas em série, foi parte dessa mudança, pois era necessário uma língua em

comum e fatos dentro de limites geográficos comuns para que o jornal fosse

relevante. Dessa forma, os leitores dos jornais – e também dos romances – tinham

além da língua, imaginários em comum.

Esse imaginários também são construídos e traduzidos por artistas que

expressam, através da sensibilidade, a realidade nacional em que vive. Movimentos

artísticos como o modernismo, para além da incorporação de novas técnicas

artísticas, passaram a traduzir o popular em arte. As visões e discursos difundidos

seriam, com o passar do tempo, instrumentalizados pelo Estado para a concepção

dos nacionalismos.

Na América Latina, o Estado-nação surgiu através dos movimentos de

independência das colônias ibéricas, e da institucionalização de uma burguesia

nacional – também chamadas de oligarquias – por meio da internacionalização do

modo de produção capitalista133.

As oligarquias, que assumiram os Estados latino-americanos depois de

disputas de poder, dominaram a América Latina durante praticamente todo o século

XIX, e a internacionalização do modo de produção capitalista se deu através de um

modelo de desenvolvimento econômico que tinha como foco central a exportação de

produtos primários, o que implicava no controle sobre a terra através de grandes

129 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Op. cit. p. 11-12 130 Ibid., p. 12. 131 ANDERSON, Benedict. Op. cit. p. 34. 132 Ibid., p. 39. 133 WASSERMAN, Claudia. História da América Latina: Cinco Séculos. 4 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. p. 176

Page 38: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

37

latifúndios134. O controle da terra – ou seja, do poder econômico – e do poder

político por uma minoria, foi um fator preponderante para as grandes revoltas do

século XX no subcontinente, em especial a Revolução Mexicana, mas também a

Revolução de 1930 no Brasil, entre muitas outras.

Outro problema o qual deve ser considerado na formação das nações latino-

americanas e na construção de suas respectivas identidades nacionais é a questão

de raça e mestiçagem, que é resultado do violento processo de colonização que

ocorreu no continente135. Essa questão apresentou mudanças de perspectiva na

América Latina, do século XIX para o século XX. É necessário, portanto, perceber

como as noções de identidade nacional do século XIX eram insuficientes para

traduzir as nações latino-americanas – por de partirem de pressupostos

eurocêntricos, e representarem uma elite branca – e como se ajustaram no século

XX para conferir às nações um caráter popular e homogêneo.

No Brasil, por exemplo, os escritores do romantismo do século XIX

procuravam retratar os indígenas como heróis nacionais a partir de uma perspectiva

ufanista que os retratava como “civilizados”, e ignoravam completamente a figura do

negro na composição das identidades nacionais. A partir da abolição da escravidão,

é possível verificar que se impôs a necessidade de incluir os negros na composição

de uma nacionalidade, pois eram considerados pessoas – de segunda classe – e

não mais mercadoria136. Desse forma, iniciou-se a tentativa de construção do Brasil

por meio da afirmação da existência de três raças, colocando a raça branca numa

posição de superioridade, já que o negro e o índio representariam um atraso no

processo civilizatório137.

Apesar de identificarem diferenças étnicas na composições das nações, a

mistura dessas três raças era vista como algo negativo na América Latina do século

XIX. Diversos intelectuais como Domingo F. Sarmiento, Raimundo Nina Rodrigues,

José Ingenieros, Carlos Octavio Bunge, Manuel Zeno Gandía, Euclides da Cunha,

134 KAPLAN, Marcos T. Formação do Estado Nacional na América Latina. 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, 1974. p. 151- 161. 135 MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. Mestizaje and the Discourse of National/Cultural Identity in Latin America, 1845-1959. Latin American Perspectives, University of California, v. 25, n. 3, p. 21-42, mai. 1998. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0094582X9802500302? journalCode=lapa>. Acesso em: 29 mai. 2019. p. 21. 136 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 19 137 ibid. p. 20.

Page 39: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

38

Alcides Arguedas produziram obras argumentando através de ideologias

evolucionistas, eugenistas e racistas que a mestiçagem de brancos com raças

consideradas “inferiores” seriam uma ameaça ao progresso dos países latino-

americanos, e significaria a degeneração das sociedades138.

No início do século XX, porém, foram surgindo novas teorias que indicavam

uma mudança de paradigma, sugerindo a miscigenação como prática positiva para

as sociedades. No México, um dos precursores dessa ideia foi José Vasconcelos,

que além de ter sido secretário de Educação e Saúde Pública do país, foi também

filósofo e escritor, publicando a obra “A Raça Cósmica”, em 1925. Nela, Vasconcelos

defende que a miscigenação criaria um “novo tipo humano” ou uma “nova

civilização” mais desenvolvida, por esse motivo seria incentivada. Contudo, o filósofo

rechaçava a miscigenação entre pessoas de raças muito distintas, ou seja, ele

valorizava o branqueamento das raças inferiores através da miscigenação139.

Segundo Renato Ortiz140, o mito das três raças, do ponto de vista cultural, se

consolidou no Brasil através da Revolução de 1930, no qual a realidade social

necessitava de uma mudança de interpretação que fugisse das teorias raciológicas.

A obra “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre cristaliza a nova noção de povo

brasileiro, tornando a miscigenação algo positivo. Enquanto no século XIX, os

mestiços eram considerados “preguiçosos”, a partir de sua obra passam a

representar o “trabalhador”141. Segundo Ortiz,

a ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao ser reelaborada pode difundir-se socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos grandes eventos como o carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-se nacional.142

Outro intelectual que discutiu a identidade nacional no século XX foi Sérgio

Buarque de Holanda, que a partir de sua obra “Raízes do Brasil” enfatizou o aspecto

do “homem cordial”, de afabilidade, que os brasileiros teriam herdado da colonização

portuguesa143.

138 MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. Op. cit. p. 24. 139 Ibid. 33-25. 140 ORTIZ, Renato. Op. cit.. p. 41. 141 Ibid. p. 42. 142Ibid. p. 41. 143 SKIDMORE, Thomas. O Brasil visto de fora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 86-87.

Page 40: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

39

A partir dessas discussões, e das questões econômicos e políticas que os

Estado latino-americanos enfrentavam – discutidas no primeiro capítulo – ocorreu

uma mudança significativa na composição das identidades nacionais.

No Brasil, com o fim da República Velha após a Crise de 1929, a ruptura

política criou a necessidade de uma nova ideia de nação baseada na integração

entre elite e o povo, a cultura popular foi sendo valorizada e institucionalizada pelo

Estado, para que a população fosse uma massa integrada, e sob o seu controle. As

novas ideologias de política de massas procuravam valorizar discursivamente as

massas, o povo, mas colocavam o Estado como única instituição capaz de fazê-lo.

Desse modo, o Estado buscava os intelectuais para que projetassem as

classes populares nas identidades nacionais, sempre dentro de um projeto político

específico de poder144. Assim como artistas plásticos, que desenvolveram projetos

de identidade nacional através de pinturas, esculturas, arquitetura e música,

diversos cientistas sociais se dispuseram a discutir sobre quem era o “povo” que

constituía a nação. Um dos veículos que indicam essa construção discursiva é a

Cultura Política, revista oficial do governo Vargas, que deixava clara a inexistência

de povo brasileiro, e a necessidade de cria-lo a partir da homogeneização da

sociedade145.

Rachel Soihet146 defende que o processo de incorporação de práticas

culturais populares na identidade nacional brasileira é também um processo de luta

– e por que não de antropofagia? – no qual o modelo de civilização europeia é

engolido e se transforma em brasileiro, popular, do povo, das massas. Exemplo

dessa mudança pode ser observado até mesmo no futebol no Brasil, antes e depois

de 1930. No final do século XIX, quando chegou ao país, o esporte era praticado

principalmente por uma elite branca que relacionava o futebol a valores da

civilização europeia, e fazia questão de proibir a participação de jogadores negros

em suas ligas147.

144 ______. Multidões em cena: Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p. 141. 145 CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: PALDOLFI, Dulce (Org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. p. 180. 146 SOIHET, Rachel. O povo na rua: manifestações culturais como expressão de cidadania. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 319. 147 Ibid p. 292.

Page 41: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

40

O futebol se tornou popular mesmo assim, com negros atuando em ligas

menores e alcançando pouco a pouco posições de destaque nos times de futebol.

Até 1930, pessoas negras ainda era impedidas de jogarem na seleção brasileira

para competições internacionais, pois dentro da ideia de nação aos moldes da

civilização branca europeia, passava longe a possibilidade de ter um jogador negro

ocupando lugar no time148. Porém, com o advento do rádio, a narração futebolística

popularizou ainda mais o esporte, e a inclusão de jogadores negros na seleção

brasileira ocorreu definitivamente em 1932 com Leônidas Silva no time, que foi

ovacionado junto à sua equipe por milhares de pessoas. O time também foi saudado

por Getúlio Vargas em, que em 1937 – ano do golpe do Estado Novo – tornou o

futebol um esporte profissional149.

Com o passar do tempo o futebol brasileiro foi se tornando notório adquirindo

estilo próprio, e a presença de jogadores negros contribuiu para uma nova

percepção da identidade nacional do país. Processo semelhante acorreu com o

samba, que também saiu da periferia e conquistou o acesso ao espaço público, e

passou a ser considerado no governo Vargas como símbolo da nação brasileira150.

Gilberto Freyre defendeu em 1938, quando o Brasil foi para o Campeonato

Mundial com uma seleção composta por muitos jogadores negros, que o futebol

fazia parte da nacionalidade brasileira, por incorporar um certo estilo de movimentos

da cultura afro-brasileira, e elogiou a escolha multirracial do time151.

Dessa forma, pode-se dizer que o século XX foi marcado por mudanças na

percepção das identidades nacionais latino-americanas a partir de uma visão de que

a mestiçagem seria não mais um obstáculo para o progresso das nações do

subcontinente, mas uma vantagem. Além disso, as identidades nacionais passaram

ser definidas através de manifestações culturais populares, já que o povo seria a

alma da nação. Assim, os discursos intelectuais foram utilizados para construir

narrativas que produzissem a coesão social necessária aos Estados nacionalistas. O

mesmo ocorreu com os movimentos de vanguarda no século XX na América Latina,

que discutiam formas de construir legítimas identidades nacionais populares.

148 Ibid. p. 296. 149 Ibid. p. 299. 150 VIANNA, 1995, p. 151 apud SOIHET, Rachel. Op. cit. p. 318. 151 SOIHET, Rachel. Op. cit.. p. 300.

Page 42: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

41

3.2. MODERNISMO LATINO-AMERICANO

O modernismo é uma ideia fora de lugar que se expressa como projeto Renato Ortiz152

Modernismo153 é um termo genérico, muito utilizado para se referir a correntes

artísticas de vanguarda que surgiram em meados do século XIX na Europa, e se

expandiram internacionalmente no início do século XX. O contexto político-

econômico da época era marcado pelo processo de crescimento urbano-industrial,

que refletia também uma mudança de percepção das sociedades154. Esse

sentimento de mutação foi expresso por meio da pintura, escultura, arquitetura,

cinema, fotografia, literatura e outras formas de expressão.

No modernismo europeu, é possível nomear também as várias vanguardas

que surgiram de forma radical e explosiva, como o fauvismo, cubismo, futurismo,

dadaísmo, surrealismo, construtivismo e expressionismo155. Essas correntes

artísticas buscavam romper com concepções clássicas de arte, e baseavam o fazer

artístico em novas experimentações estéticas, mas diferiam entre si tanto em termos

de composição, quanto no que tange à função social das obras156.

O modernismo ganhou força a partir do século XX graças a uma crise

européia quanto às transformações daquele continente, não apenas no que diz

respeito à aceleração da capacidade produtiva impulsionada pela industrialização,

como também à crescente violência vivenciada na Primeira Guerra Mundial, a qual

foi determinante para impactar o cenário artístico latino-americano157.

152 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 34-36. 153 Será utilizado o termo “modernismo” por ser essa a expressão mais utilizada no Brasil e na Europa. Porém, nos países latino-americanos de língua espanhola, o termo costuma ser “vanguardismo”. MORSE, Richard W. O Multiverso da Identidade Latino-americana, c. 1920- c. 1970. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 26, 35-36. 154 VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 1: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 353-354. 155 STANGOS, Nikos (Org.). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 343p. 156 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 256-257. 157 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 125.

Page 43: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

42

Sendo assim, através do contato com as novas linguagens europeias, os

artistas latino-americanos passaram a traduzir motivações de valorização da cultura

popular de seus países para as telas – já que a pintura era o principal foco dos

artistas da época, juntamente com a literatura158.

Maria Helena Capelato159 afirma que os modernistas latino-americanos foram

simultaneamente nacionalistas e cosmopolitas, pois ao mesmo tempo em que

buscavam construir e representar identidades nacionais em suas obras, se

inspiravam em técnicas europeias e mantinham contato com artistas e movimentos

do velho continente.

A partir dessa análise, é possível afirmar que o modernismo latino-americano

é um exemplo de hibridação cultural, a qual é definida por Canclini160 como um

processo sociocultural no qual estruturas ou práticas separadas se combinam para

formar novas estruturas e práticas. O modernismo na América Latina se realizou,

portanto, através de um complexo arranjo de construção de identidade, já que

significou tanto uma atualização quanto ao que era produzido artisticamente no

exterior, quanto uma busca pelas raízes nacionais. Segundo Canclini,

a primeira fase do modernismo latino-americano foi promovida por artistas e escritores que regressavam a seus países logo depois de uma temporada na Europa. Não foi tanto a influência direta, transplantada, das vanguardas europeias o que suscitou a veia modernizadora nas artes plásticas do continente, mas as perguntas dos próprios latino-americanos sobre como tornar compatível sua experiência internacional com as tarefas que lhes apresentavam sociedades em desenvolvimento e, em um caso, o mexicano, em plena revolução.161

No início do século XX, a cidade de São Paulo já era uma metrópole urbano-

industrial, e foi escolhida como espaço para a realização do evento fundador do

movimento modernista latino-americano162. São Paulo representava o ideal de

158 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005. p. 252, 255-256. 159 Ibid. p. 260-261. 160 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. p. XIX 161 Ibid. p. 78 162 MORSE, Richard W. O Multiverso da Identidade Latino-americana, c. 1920- c. 1970. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 37-38.

Page 44: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

43

modernidade da época, “cosmopolita e vibrante”163, e era o centro das elites

econômicas do país – cafeeira e industrial. Além disso, São Paulo tinha uma grande

população de imigrantes europeus e asiáticos que aportavam no Brasil, e conferiam

à cidade uma diversidade caótica.

Em uma coluna no jornal A Gazeta, às vésperas do evento, Mário de Andrade

– um dos artistas intelectuais organizadores da agitação modernista da época –

expôs suas expectativas quanto à realização da Semana de 22: “queremos ser

atuais, livres de cânones gastos, incapazes de objetivar com exatidão o ímpeto feliz

da modernidade”164. Mario de Andrade procurava desvincular o movimento

modernista brasileiro do movimento futurista italiano, demonstrando a vocação dos

artistas brasileiros de construírem seus próprios paradigmas.

No Teatro Municipal da cidade, por vários dias, ocorreram exposições de

obras de pintura e escultura, concertos, conferências e recitais de poesia165. O

evento gerou agitação e protestos contra as propostas radicais que os artistas

propunham. Para Ruben Oliven, a Semana de 22 foi “redescoberta do Brasil pelos

brasileiros”166.

Logo após a Semana de 22 foi criada a revista Klaxon, em São Paulo, que era

futurista, e desse modo exaltava a industrialização expansão no Brasil e no

mundo167. Porém, diferentemente de correntes artísticas europeias que se apoiavam

radicalmente na negação do passado – como o dadaísmo e o futurismo – grande

parte dos modernistas latino-americanos buscavam ressignificar o passado,

rejeitando o colonialismo e buscando valorizar o passado indígena do continente168.

Para Maria Helena Capelato,

a preocupação predominante dos que se propuseram, a partir de diferentes óticas, a repensar a realidade brasileira, passou a ser a falta de integração nacional (territorial, racial, social e cultural). Foi nesse contexto que a

163 Adjetivos de Oswald de Andrade a São Paulo, às vésperas da Semana de 22. ANDRADE, Oswald de. Jornal do Commercio. São Paulo: 8 de fevereiro de 1922, p. 2. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 46. 164 ANDRADE, Mário de. A Gazeta. São Paulo: 4 de fevereiro de 1922, p. 1. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. p. 39-40. 165 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997. p. 132. 166 OLIVEN, Ruben. Op. cit. p. 23. 167 ADES, Dawn. Op. cit. p. 132. 168 Ibid. p. 126.

Page 45: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

44

mestiçagem e seus componentes – índios e negros – começaram a ser valorizados; o “tipo nacional” até então depreciado frente ao estrangeiro, tornou-se alvo de interesse e sua incorporação à sociedade, vinculada à proposta de construção de uma nova forma de identidade nacional, se insere nos debates sobre a nacionalidade169.

Assim, o “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” de Oswald de Andrade, foi criado

numa perspectiva diversa da revista Klaxon, já que continha um aspecto de

preocupação anticolonial, e não restrito à questionamentos estéticos. Segundo

Capelato,

Oswald exaltava a formação étnica do país composta por índios, negros e brancos. Segundo Jorge Schwartz, ele percebera, em Paris, que aquilo que os cubistas europeus procuravam na África e na Polinésia como suporte estético-exótico da arte moderna, sempre fez parte de seu cotidiano nos trópicos: o índio e o negro. Assim, descobriu o primitivo em sua própria terra, mas, além disso, valorizou a natureza, a história e elementos da cultura popular como o carnaval, a cozinha, mesclando referências a símbolos da modernização como a fotografia, a técnica, a máquina. Condenou a cópia, a imitação, privilegiando a criatividade.170

No Manifesto Antropofágico, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia,

Oswald de Andrade reforçou essa ideia, colocando em oposição as contradições

brasileiras do período, como a relação da Europa com a América Latina, e a relação

entre modernidade e tradição171.

As revistas tiveram um importante papel na divulgação de manifestos, artistas

e obras modernistas na América Latina. Além das brasileiras Klaxon (1922) e

Revista de Antropofagia (1928) no Brasil, destacam-se as revistas El Machete no

México (1924), Martin Ferrero em Buenos Aires (1924) e Amauta (1926) no Peru172.

Essas revistas revelam, assim como assinalado por João Luiz Lafetá173, que foram

desenvolvidos dois tipos de projeto no modernismo: o estético e o idelógico.

Enquanto o projeto estético estava voltado a um rompimento com as antigas formas

de expressão artística, o projeto ideológico estava relacionado à necessidade de

produzir uma determinada essência nacional. Muitas vezes esses processos se

169 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005. p. 264. 170 Ibid., p. 264. 171 ADES, Dawn. Op. cit. p. 132-133. 172 Ibid., p. 125. 173 LAFETÁ, João Luíz. 1930 : a crítica e o modernismo. 2. ed. São Paulo, SP: Duas Cidades, Ed. 34, 2000. p. 19-21.

Page 46: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

45

interseccionavam, e várias das revistas e obras artísticas observavam tanto

características estéticas inovadoras, quanto uma preocupação político-social.

Amauta e El Machete demonstram claramente o caráter e importância política

da arte, a qual era considerada uma ferramenta na revolução social. Mariátegui,

dirigente da Amauta e fundador do Partido Socialista Peruano, defendia que a arte

não poderia se limitar a contribuir para novas técnicas, mas deveria se comprometer

com uma mudança política que fosse anti-burguesa174. Dentre os colaboradores da

Amauta estavam intelectuais de outros países latino-americanos, como José

Vasconcelos, que fundaria o programa de murais no México através do Ministério da

Educação. Na revista mexicana El Machete, fundada pelo sindicato dos Escultores,

Pintores e Trabalhadores Técnicos, havia tanto a divulgação do muralismo mexicano

quanto as experiências com xilogravura na revista, sempre com um viés político

atrelado às obras175. Dessa forma, percebe-se como na América Latina a produção

artística modernista estava estava constantemente e diretamente ligada à ação

política.

O modernismo mexicano teve características específicas que valem ser

mencionadas. Diferindo do modernismo brasileiro – o qual era caracterizado por sua

mediação entre o nacionalismo e o cosmopolitismo – o modernismo mexicano é

considerado nacionalista-americanista176. A Revolução Mexicana, que ocorreu

concomitante às renovações estéticas do movimento modernista no resto do mundo,

exigia que a arte se voltasse para dentro do México, retratando e interpretando a

revolução.

Dentro do modernismo mexicano, o muralismo foi o movimento artístico de

maior expressão tanto no México quanto internacionalmente, e foi o que melhor

exprimiu a relação entre a arte radical e a política revolucionária na América

Latina177. Através do apoio estatal, os pintores muralistas foram capazes de difundir

um nacionalismo cultural a partir das interpretações acerca da Revolução Mexicana.

Como aponta Damián Bayón178, para além do México “[o muralismo] tornou-se um

174 ADES, Dawn. Op. cit. p. 130. 175 Ibid., 132. 176 AMARAL, Aracy A.. Artes Plásticas na Semana de 22. 5 ed. São Paulo: editora 34, 2010. p. 21. 177 ADES, Dawn. Op. cit, p. 125. 178 BAYÓN, Damián. A arte e a arquitetura latino-americanas, c. 1920-c. 1990. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 559

Page 47: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

46

dos principais veículos para a ocupação obsessiva com a identidade – um conceito

que parece deixar os latino-americanos muito ansiosos”.

Os muralistas partiam de uma visão anti-burguesa, e defendiam a erradicação

da “pintura de cavalete”179. A arte, portanto, deveria estar nas ruas para o povo, ser

grandiosa e vista do espaço público. Na revista El Machete, em 1922, foi publicada a

“Declaração dos Princípios Sociais, Políticos e Estéticos” do Sindicato dos

Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, a qual trazia questões pertinentes

quanto à estética que buscavam enquanto movimento:

Não só nosso povo (especialmente os índios) é a fonte de todo trabalho nobre, de todas as virtudes, como também [...] é nele que encontramos a faculdade de criar o belo, a mais admirável e peculiar de suas características. [...] Ela é grande precisamente porque, sendo popular, é coletiva, e é por essa razão que nosso principal objetivo estético consiste em socializar as manifestações artísticas que contribuirão para o total desaparecimento do individualismo burguês [...] enaltecemos as manifestações da arte monumental por ser ela de utilidade pública180

Segundo Canclini181, essa ideologia dos muralistas ia ao encontro do esforço

que havia sido criado – principalmente a partir de Vasconcelos a frente da Secretaria

de Educação e Saúde Pública – para a formação de uma sociedade nacional pós-

revolucionária, através da tentativa de superação de contradições como a arte culta

e popular, o trabalho e a cultura, a estética vanguardista e a função social da arte:

Rivera, Siqueiros e Orozco182 propuseram sínteses iconográficas da identidade nacional inspiradas ao mesmo tempo nas obras de maias e astecas, nos retábulos de igreja, nas decorações de botecos, no desenhos e cores da cerâmica típica dos povoados, nas lacas de Michoacán e nos avanços experimentais de vanguardas europeias.

O muralismo mexicano pode ser compreendido, portanto, como uma

ferramenta de politização e educação das massas, ao retratar de forma crítica a

própria realidade histórica e presente, fazendo o povo se enxergar como sujeito

dentro da identidade nacional proposta.

179 ADES, Dawn. Op. cit., p. 153. 180 ADES, Dawn. Op. cit. p. 324. 181 CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. p. 81. 182 Quando fala de “Rivera Siqueiros e Orozco”, Canclini se refere aos muralistas considerados “Os Três Grandes” do movimento. CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p. 81.

Page 48: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

47

Diferentemente do modernismo nacionalista e revolucionário mexicano, que

continha em si uma exaltação dos camponeses e comunidades tradicionais, o

modernismo argentino se colocou de forma mais cosmopolita e ligada à ideia de

modernidade urbano-industrial. Buenos Aires era considerada a capital mais

moderna da América Latina nos anos 1920, com muitos imigrantes, crescimento

urbano acelerado, e um aumento educacional significativo que proporcionava

acesso amplificado à cultura183.

Dessa forma, diversas revistas culturais foram criadas no período, e Martin

Fierro é considerada a mais importante delas. Depois de estabelecer um manifesto,

a revista derivou o grupo martinfierrista, composto de artistas e escritores dos mais

variados pensamentos. Participaram da revista Martin Fierro intelectuais e artistas

com preocupações muito díspares como Jorge Luis Borges, Manuel Lugones,

Leopoldo Marechal. Os pintores Pedro Figari e Xul Solar também se integraram a

esse grupo de modernistas argentinos.

A revista argentina Martin Fierro é considerada uma revista cosmopolita, com

grande influência do modernismo europeu,e por vezes classificada como

conservadora. A revista defendia

(...) choque mais frontal com aquelas posições das quais se poderia derivar uma estética associada à “cor local” – algumas de suas polêmicas tornam explícito o repúdio tanto às versões do nacionalismo que, já desde o centenário (1910), propunham um retorno à tradição hispânica ou indigenista, como também à exploração temática do mundo popular imigrante que os jovens escritores esquerdistas associados ao “grupo de Boedo” defendiam184

Dessa forma é possível notar que apesar do mesmo sentimento de

renovação que os movimentos modernistas latino-americanos propunham, cada

lugar adaptou as vanguardas às suas realidades e aspirações específicas.

Embora o modernismo como movimento artístico e cultural tenha dado

impulso e tenha sido instrumento da construção de identidades nacionais na

América Latina185, a longo prazo ele se mostrou incapaz de levar o subcontinente à

183 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 267. 184 VASQUEZ, Karina R.. Redes intelectuais hispano-americanas na Argentina de 1920,. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 55-80, jun. 2005. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12454/14231>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 57. 185 CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p. 81

Page 49: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

48

modernidade almejada, pois, embora fossem retratadas questões sociais nas obras,

a realidade latino-americana continuava incapaz de se igualar ao progresso material

europeu. Confome aponta Canclini,

A modernidade é vista então como uma máscara. Um simulacro urdido pelas elites e pelos aparelhos estatais, sobretudo os que se ocupam da arte e da cultura, mas que por isso mesmo os torna irrepresentativos e inverossímeis. As oligarquias liberais do final do século XIX e início do século XX teriam feito de conta que constituíam Estados, mas apenas organizaram algumas áreas da sociedade para promover um desenvolvimento subordinado e inconsistente; fizeram de conta que formavam culturas nacionais e mal construíram culturas de elite, deixando de fora enormes populações indígenas e camponesas que evidenciam sua exclusão em mil revoltas e na migração que “transtorna” as cidades. Os populismos fizeram de conta que incorporavam esses setores excluídos, mas sua política igualitária na economia e na cultura, sem mudanças estruturais, foi revertida em poucos anos ou se diluiu em clientelismos demagógicos186.

Pode-se dizer, portanto, que os modernismos latino-americanos, postularam

modernidade através de manifestos e manifestações artísticas, como cartas de

intenções que nunca se concretizaram em mudança social efetiva. Ainda assim,

serviu de ferramenta para os Estados latino-americanos propagarem seus

nacionalismos mundo afora.

Como vimos neste capítulo, as identidades nacionais são construídas a partir

da ideia de nação, que funciona como uma comunidade política imaginada.

Enquanto no século XIX as nações se espelhavam no modelo civilizatório europeu

para compor suas identidades nacionais, os eventos do século XX, analisados no

primeiro capítulo, impulsionaram o questionamento das identidades nacionais

estabelecidas e a necessidade da nação representar o povo, as massas. Dessa

forma, passou-se a valorizar a miscigenação, através de uma reflexão intelectual

que coincidiu com a ideia nacionalista dos Estados latino-americanos de coesão

nacional. Da mesma maneira, os artistas latino-americanos, através do contato com

vanguardas europeias, passaram a questionar a estética nacional, buscando as

raízes de suas próprias nacionalidades, e criando novos símbolos com bases em

seus projetos ideológicos.

A seguir, será possível compreender a união de artistas e Estado em torno da

mesma ideia de identidade nacional, na qual arte e política se unem para

186 Ibid., p. 25.

Page 50: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

49

representar o povo e sua cultura. Será possível compreender também a importância

da identidade nacional para a autoafirmação dos Estados no Sistema Internaciona,

por meio da diplomacia cultural.

Page 51: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

50

4 MODERNISMO DE ESTADO E DIPLOMACIA CULTURAL NA AMÉRICA

LATINA: DIEGO RIVERA NO MÉXICO E CANDIDO PORTINARI NO BRASIL

As relações entre arte e política nos Estados da América Latina podem ser

identificadas ainda no século XIX, quando os artistas participaram dos projetos de

construção de identidades nacionais após a independência das metrópoles

europeias187. Contudo, naquele momento, os artistas simplesmente adaptavam a

arte europeia ao local latino-americano.

O modernismo surgiu como parte do movimento de mudanças nas

sociedades do início do século XX, o que produziu mudanças também no papel dos

artistas na construção das identidades nacionais. Na América Latina, o movimento

trouxe à tona as incongruências existentes no antigo modelo de fazer arte, que até

então partia de um referencial exclusivamente eurocêntrico188. Logo, os artistas

passaram a se questionar sobre a função social da arte, e se engajaram em obras

que mediassem aspectos eruditos e populares das nações latino-americanas,

formulando novas identidades nacionais.

Na busca da modernidade, os intelectuais engajados passaram a propor reformas conduzidas, principalmente, através de projetos educacionais e estéticos, num duplo objetivo: tutelar a reforma cultural das elites e elevar a cultura das classes populares189.

Esse projeto de modernização da cultura nacional nunca foi concluído, mas

teve momentos históricos importantes. A partir de 1930, principalmente, ocorreu um

fenômeno que pode ser denominado de “reforma pelo alto”190 ou “modernismo de

Estado”191: os artistas eram chamados pelo Estado para colaborarem com o projeto

de modernização nacionalista, construindo juntos uma identidade nacional oficial por

187 NAPOLITANO, Marcos. Arte e Política no Brasil: História e Historiografia. In: GG, André; FREITAS, Artur; KAMINSKI, Rosane (Orgs.). Arte e política no Brasil: Modernidades. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Estudos 331). p. XV. 188 Ibid. p. XVI-XVII. 189 Ibid. p. VXII. 190Ibid. p. XVIII. 191 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, 2016. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019.

Page 52: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

51

meio da arte engajada. É interessante notar que esse processo se deu não somente

na América Latina, mas também na Itália fascista. O futurismo foi integrado e

oficializado no governo de Mussolini, mas com a derrocada do fascismo na Segunda

Guerra Mundial a estética futurista seria abandonada192.

Segundo Renato Ortiz193, os intelectuais são mediadores simbólicos, na

medida em que confeccionam relações entre o particular e o universal, o popular e o

nacional. Nesse cenário, faz-se necessário perceber as políticas culturais dos

Estados latino-americanos para além de suas fronteiras, através da diplomacia

cultural.

A diplomacia cultural pode ser compreendida como um instrumento de política

externa destinado a contribuir para consolidar os objetivos da política nacional e a

inserção de determinado país no cenário internacional, através da difusão de seus

aspectos culturais. Esse é um instrumento que permite um intercâmbio entre os

ganhos de cunho político, econômico e de cooperação194.

Para Ribeiro195, a diplomacia cultural pode ser definida em temas gerais que

são mais ou menos instrumentalizados pelos Estados, conforme suas prioridades e

recursos disponíveis: intercâmbio de pessoas, promoção da arte e dos artistas,

ensino de língua (como veículo de valores), distribuição integrada de material de

divulgação, apoio a projetos de cooperação intelectual, apoio a projetos de

cooperação técnica, e integração e mutualidade na programação. Existem diversas

formas de ação na diplomacia cultural: com execução direta do Estado, através da

criação de agências independentes ou em um modelo misto com participação estatal

e privada, como ocorre nos EUA196 .

A França foi um dos primeiros países a instrumentalizar a cultura nacional em

sua política externa, difundindo a língua francesa mesmo antes do século XIX197.

Outros países passaram a utilizar da diplomacia cultural após a segunda metade do

século XX, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Um dos exemplos mais exitosos

192 Ibid. p. 321. 193 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. p. 139 194 BIJOS, Leia; ARRUDA, Verônica. A diplomacia cultural como instrumento da política externa brasileira. Revista Diálogos: a cultura como dispositivo de inclusão, Brasília, v. 13, n. 1, p. 33-53, ago. 2010. 195 RIBEIRO, Edgard Telles. Diplomacia Cultural: Seu Papel na Política Externa Brasileira. 2 ed. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 196 BIJOS, Leia; ARRUDA, Verônica. Op. cit. 197 Ibid.

Page 53: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

52

de uso da cultura como parte da política externa é certamente o caso dos Estados

Unidos, que propagou o “American Way of Life” como parte de sua estratégia

político-ideológica-militar desde a Guerra Fria até os dias atuais. No entanto, países

da América Latina também fizeram parte desse processo, com menos intensidade.

No Brasil, a diplomacia cultural passou a ser parte da agenda da política

externa de maneira esparsa a partir da independência, mas se consolidou de forma

sistemática e institucionalizada a partir do período entre guerras do século XX198. Em

1934, por exemplo, foi criado o Serviço de Expansão Intelectual, com o objetivo de

propagar a imagem do Brasil de maneira positiva, mas evitando um caráter de

“propaganda oficial”. Essa propaganda se daria através da promoção de encontros

entre intelectuais brasileiros e estrangeiros, gerando relações que sustentassem a

propaganda nacional no exterior199. Em 1937, o órgão mudou para Serviço de

Cooperação Intelectual, e em 1938 para Divisão de Cooperação Intelectual.

A ação da Divisão de Cooperação Intelectual (DCI) e do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP) geraram algumas contradições: enquanto um era

tomado por intelectuais e artistas – muitas vezes de esquerda, como Portinari – que

promoviam a diversidade da cultura e identidade brasileira no exterior, o outro

censurava qualquer membro da sociedade que se opusesse ao regime. Assim, a

cooptação de intelectuais de esquerda pode ser entendida como uma negociação do

Estado Novo em prol de um bem maior: a identidade brasileira e o nacionalismo.

No México, é possível perceber que a diplomacia cultural foi bem mais

limitada e menos institucionalizada. As políticas culturais eram voltadas não a

governos específicos, mas a uma tentativa de unificação e integração nacional

através da disputa de ideias pós-Revolução Mexicana. Dessa forma, artistas

mexicanos que se tornaram famosos no exterior, como Diego Rivera, se

consolidaram nacionalmente graças ao apoio estatal, mas foram internacionalizados

através de empresários.

Sendo os intelectuais “artíficies do jogo de construção simbólica”200 que são

as identidades nacionais, pode-se apontar dois dos casos mais bem sucedidos da

198 DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. "Pelo que é nosso!": a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 203-221, 2014. 199 Ibid. 200 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. p. 142.

Page 54: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

53

relação entre artista e Estado na pintura modernista latino-americana. Cândido

Portinari no Brasil, e Diego Rivera no México, construíram identidades nacionais na

pintura através do apoio estatal, e tiveram carreiras sólidas no exterior, atuando

também como agentes de diplomacia cultural em uma certa medida.

Parte do sucesso desses artistas se deve às características conjunturais dos

Estados no período entreguerras do século XX, exposto no primeiro capítulo, em

que o nacionalismo cresceu exponencialmente. Outra característica relacionada a

essa, que explica também a imortalização de ambos os pintores como guardiões das

identidades nacionais brasileira e mexicana, é o fato de pintarem murais. Como foi

exposto brevemente no capítulo dois, o muralismo parte de uma estética de

valorização e educação das massas, e suas dimensões avantajadas no espaço

público garante que a mensagem se espalhe com rapidez a todos.

A seguir, serão analisadas as trajetórias desses dois pintores, como parte do

“modernismo de Estado” do Brasil e do México, revelando as nuances da relação

entre arte e Estado, e examinando algumas pinturas que demonstram a criação de

novas identidades nacionais a partir dessas interações.

4.1. DIEGO RIVERA E A REVOLUÇÃO PERMANENTE

Diego Rivera foi um célebre pintor muralista e intelectual militante mexicano

do século XX. Junto de Orozco e Siqueiros, fundou o movimento modernista, e foi

além dos companheiros, tornando-se conhecido e admirado internacionalmente, e

sendo o artista hispano-americano mais citado no exterior201. Rivera desenvolveu

seu estilo artístico através de vanguardas europeias e a partir da inspiração

mexicana, que preenchia suas obras através da história e da revolução. Por meio

dos murais de afresco, o artista propagou diversos temas do seu ponto de vista

marxista: o passado pré-Colombiano do México, camponeses e indígenas na luta

pela terra, desigualdade social, industrialização e tecnologia. Figura controversa,

continua sendo fundamental analisarmos sua trajetória para compreendermos as

201 KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 7.

Page 55: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

54

políticas culturais do México pós-Revolução e os elementos que compõe a

identidade nacional mexicana.

Diego María Rivera Barrientos nasceu em Guanajuato, em 1886. Filho de pais

professores – a mãe mais tarde se tornaria parteira – Rivera se mudou com a família

para a Cidade do México ainda na infância, por causa dos ideias liberais contra o

Porfiriato que seu pai propagava no jornal El Demócrata202.

Em 1898, Diego se inscreveu no curso de arte da renomada Academia de

San Carlos, na qual estudou até 1905, e onde sua paixão pela pintura se

concretizou, ao ser mentorado por diversos pintores importantes do México. Entre

eles estava Geraldo Murillo – mais tarde conhecido como Dr. Atl – considerado

pioneiro na revolução cultural do país, por suas teorias de valorização da cultura

mexicana e do artesanato indígena203.

A partir de relatos de Dr. Atl sobre sua estadia na Europa e as vanguardas

que lá surgiam, o jovem Rivera decidiu conhecer de perto a arte modernista

europeia204. Diego Rivera viajou para a Espanha em 1907, anos antes da Revolução

Mexicana, com o auxílio de uma bolsa de estudos financiada pelo governo de

Veracruz205. Na Europa, o pintor foi exposto a diversas vanguardas e conheceu

alguns artistas proeminentes como Pablo Picasso e Piet Mondrian, incorporando o

cubismo em suas obras a partir dali.

Ao ouvir relatos de companheiros mexicanos sobre a situação do país em

meio à Revolução – que teve início em 1910 – Diego se entusiasmou com a luta

camponesa, e assim passou a remeter às próprias origens em suas obras, como

pode ser observada na pintura Paisagem Zapatista – O Guerrilheiro (pintura 1).

A pintura assemelha uma colagem, e apresenta elementos típicos mexicanos

como o chapéu dos zapatistas, o sarape206 e as armas revolucionárias com a

cartucheira. Além disso, é evidente a influência cubista na obra.

202 Ibid. p. 7-8. 203 Ibid. p. 9. 204 Ibid. p. 11. 205 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 127 206 Xale com cores vivas, tipicamente utilizado por homens no México. SARAPE. In: Merriam-Webster Dictionary. Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/dictionary/sarape>. Acesso em: 21 mai. 2019.

Page 56: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

55

Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte

moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 17.

Em 1920, recebeu do reitor da Universidade da Cidade do México, José

Vasconcelos, uma viagem de estudos para a Itália. Lá, Diego Rivera se deparou

com os murais de pintores do Renascimento italiano, como Giotto, e passou a refletir

sobre as possibilidades de uma pintura de afresco que fosse monumental e

pública207. José Vasconcelos se tornaria secretário de Educação Pública do governo

de Álvaro Obregón ainda em 1920, e o retorno de Rivera ao México em 1921 os

levaria a trabalharem juntos em um ambicioso projeto.

José Vasconcelos tinha um projeto inovador de educação e cultura para um

México que se recuperava lentamente dos efeitos da revolução208. Baseado nas

ideias de modernidade e nacionalismo, um de seus primeiros feitos foi unificar o

currículo educacional do país. A Secretaria de Educação Pública tinha três

departamentos: escolas, bibliotecas e belas artes, que funcionavam juntos desde a

207 KETTENMANN, Andrea. Op. cit.. p. 20. 208 CRESPO, Regina. O projeto educativo de José Vasconcelos no México pós-revolucionário: nacionalismo e modernidade. Intellèctus, Rio de janeiro, v. 15, n. 2, p. 122-144, 2016. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/26666/19049>.Acesso em: 26 mai. 2019. p. 123.

Pintura 1 – Paisagem Zapatista - O Guerrilheiro, 1915

Page 57: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

56

educação básica para dar total suporte aos alunos e contribuir para uma formação

cultural completa da sociedade mexicana.

No departamento de Belas Artes foi concebida a ideia da arte mural como

parte do projeto de educar as massas mexicanas. Segundo Regina Crespo,

a ideia de Vasconcelos, ao oferecer aos pintores as paredes de grandes edifícios públicos, era transformar os espaços de circulação social em lugares para a contemplação estética, até então privilégio das elites ou, no máximo, limitada aos museus. A iniciativa se uniu ao estímulo às escolas de pintura ao ar livre, com a colaboração de pintores que se dispuseram a trabalhar como professores, e à valorização das artes decorativas populares209.

Mais tarde foi criado também o Departamento de Cultura Indígena, que

funcionava como parte do projeto de integração nacional. Devido às contradições

entre a valorização da cultura indígena e a proposta de homogeneização e

modernização da cultura nacional, o ensino por meio de línguas indígenas foi

proibido, o que dificultou o acesso dessas populações à educação formal210.

Em 1922, Diego Rivera começou a pintura do seu primeiro mural, A Criação

(pintura 2) na Escola Nacional Preparatória, encomendado pela Secretaria de

Educação. Nessa obra realizada com a técnica de encáustica, as figuras são

vestidas em trajes mexicanos e retratadas através de simplificações cubistas e

inspirações clássicas renascentistas211. O tema entretanto, segue a ideologia

proposta por Vasconcelos: a miscigenação, as virtudes judaico-cristãs, e a

valorização da ciência212.

209 Ibid. p. 128 210 NOCETTI, María Antonieta Gallart, Política indigenista em México (1910-2012): um repaso de objetivos y acciones. In: PAREDES, Beatriz (Coord.), DAMIANI, Gerson, PEREIRA, Wagner P., NOCETTI, María A. G. (Orgs.) O mundo indígena na América Latina: Olhares e Perspectivas. 1ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. p. 242. 211 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 154. 212 KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 24.

Page 58: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

57

Pintura 2 – A Criação, 1922-1923

Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 25.

Ao mesmo tempo em que pintava na Escola Nacional, Rivera se organizava

com os outros dois grandes muralistas, José Clemente Orozco e David Alfaro

Siqueiros, fundando o Sindicato dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores

e o jornal El Machete. Nessas organizações militou pelas causa comunista, e se

filiou ao Partido Comunista Mexicano.

Ainda em 1922, Diego Rivera foi convidado a pintar murais nas paredes do

novo edifício da Secretaria de Educação Pública. Esse projeto seria concluído

apenas em 1928, e seria também o marco da criação de uma iconografia

revolucionária da história mexicana213. Foram realizados um total de 117 afrescos

nas arcadas dos pátios interiores do edifício, que tinham três andares.

213 KETTENMANN, Andrea. Op. cit.. p. 26

Page 59: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

58

Rivera propõe em seus murais uma visão crítica do presente e do passado,

além de imaginar utopias para o futuro – dentro de uma visão marxista. No caso das

pinturas realizadas para a Secretaria de Educação Pública, o artista o homenageia a

herança indígena, o povo mexicano e o seu trabalho – no campo, na indústria e o

artesanato – e a revolução214.

Em um dos andares do edifício, Rivera realizou os murais através de um ciclo

narrativo denominado Corrido da Revolução, que foi dividido em duas zonas:

Revolução Agrária e Revolução Proletária. Corrido é um tipo de canção popular

mexicana que conta uma história, e era muito utilizada para dar notícias e educar a

população analfabeta durante a revolução. A letra da canção foi pintada em fitas por

Rivera, e deixa claro o caráter educativo dos murais, transformando o Corrido em

uma manifestação artística radical215.

Na pintura No Arsenal (pintura 3), que representa o início da Revolução

Proletária, Diego Rivera pintou diversos companheiros de partido, como Frida Kahlo

– com quem se casaria em 1929 – e Siqueiros, todos empunhando armas

preparados para lutar na Revolução. Sua viagem à União Soviética em 1927, que o

pôs em contato direto com o grupo “Outubro” – formado por artistas de Moscou –

certamente o influenciou em pinturas como essa, na qual é possível perceber as

estrelas vermelhas nos uniformes e a foice e martelo nas bandeiras.

214 Ibid. p. 27. 215 Ibid. p. 32.

Page 60: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

59

Fonte: SECRETARIA DE EDUCACION PÚBLICA. En el arsenal. Disponível em: <https://murales.sep.gob.mx/swb/demo/pf_2n>. Acesso em: 25 mai 2019.

Por causa de desavenças com o presidente Álvaro Obregón, José

Vasconcelos acabou pedindo demissão da Secretaria de Educação e Saúde

Pública, em 1924. O programa de murais de Vasconcelos foi interrompido, e muitos

muralistas perderam seus empregos. Diego Rivera, por outro lado, convenceu o

novo secretário, José María Puig Casauranc, a manter-se no projeto dos murais

para a sede da Secretaria216. Essa coleção de murais é considerada por muitos

como uma de suas melhores obras, e representou a consolidação de sua relação

com o Estado Mexicano.

Em 1929, Diego Rivera foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de

San Carlos, porém sofreu represálias de conservadores e também de comunistas, e

216 Ibid. p. 32

Pintura 3 – No Arsenal, 1928

Page 61: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

60

acabou saindo do cargo em 1930. Os conservadores eram contra as reformas de

ensino da arte que Rivera defendia. Já os colegas de partido o criticavam por aceitar

encomendas do governo e de membros da elite, como o estadunidense Dwight W.

Morrow, de quem Rivera recebeu doze mil dólares para pintar murais no antigo

Palácio de Cortés217.

Além de ignorar as críticas e deixar o Partido Comunista Mexicano, Diego

Rivera acabou aceitando um convite de viagem aos Estados Unidos, financiado por

Morrow e grandes empresários, para pintar murais em diversas cidades, como São

Franscisco, e Nova York. Apesar dos ideais comunistas, Rivera sempre pintou telas

para membros da elite mexicana e norte-americana, ganhando a amizade de muitos

que se dispunham a financiar o seu trabalho.

O pintor mexicano foi convidado a participar de uma exposição individual no

MoMa – Museu de Arte Moderna de Nova York – que atraiu mais de cinquenta mil

pessoas para visitá-la. Em Detroit, pintou A Indústria de Detroit, financiado pela

família Ford. De volta a Nova York, colocou-se em uma enorme polêmica. Em 1932,

Rivera fora contratado pela família Rockefeller para executar um mural no

Rockefeller Center, porém o artista resolveu incluir a figura de Lênin em sua obra O

Homem Controlador do Universo (pintura 4).

O mural sofria ataques da imprensa nova-iorquina, ao mesmo tempo em que

manifestantes progressistas da cidade louvavam Rivera. Os Rockefeller exigiram

que o pintor retirasse Lenin da obra, e quando Rivera recusou, a família pagou o

artista e destruiu o mural. Na volta ao México, Diego reproduziria o mural no Palácio

de Bellas Artes do México, em 1934, e incluiu as figuras de Trotsky e Karl Marx.

217 Ibid. p. 42-43.

Page 62: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

61

Fonte: WIKIART. Man at the Crossroads/Man, Controller of the Universe. Disponível em: <https://www.wikiart.org/en/diego-rivera/man-controller-of-the-universe-1934>. Acesso em: 27 mai. 2019

Diego também havida sido foi convidado a pintar, ainda em 1929, o Palácio

Nacional da Cidade do México, concluindo o trabalho em 1935218. O conjunto de

murais é chamado de Epopeia do Povo Mexicano, contendo três murais que contam

a história do país: O México Pré-Hispânico – O Antigo Mundo Indígena (pintura 5), A

História do México desde a Conquista até 1930, e O México, Hoje e Amanhã. Dessa

forma, através das pinturas Rivera revela uma construção iconográfica da História

mexicana. Na História pré-Colombiana, os murais são dominados pelos indígenas,

na História mexicana até 1930 os murais se enchem de violência da conquista

espanhola, passam pela oligarquia mexicana e narram a revolução. Nos últimos

murais, são pintadas as utopias de Rivera para o futuro, sempre com um viés

marxista, com direito à figura de Marx pintada no painel219.

218 Ibid. p. 42-43. 219 Ibid. p. 57-59.

Pintura 4 – O Homem Controlador do Universo (detalhe), 1934

Page 63: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

62

Fonte: KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte

moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. p. 25

Em 1936, Diego Rivera pediu a Lázaro Cardenas que concedesse asilo a

Leon Trotsky, que havia fugido da União Soviética. Cardenas atendeu ao pedido de

Rivera e Trotsky se hospedeu com sua esposa na casa azul de Diego e Frida. Em

1940 Rivera voltou aos Estados Unidos para pintar o mural União Panamericana em

São Francisco, que continha uma narrativa antifascista e de tentativa de união de

valores pan-americanos.

Rivera morreu de insuficiência cardíaca em 1957. Seu corpo foi velado com

honras oficiais no Palacio de Bellas Artes, e enterrado na Rotunda dos Homens

Ilustres, contra a sua vontade220. Através do projeto estatal de José Vasconcelos e

da política cultural de legitimação e homogeinização nacional, Diego Rivera foi

capaz de criar uma iconografia para representar o México e os mexicanos221.

220 WOLFE, Betram D. The Fabulous Life of Diego Rivera. 1963. p. 413. 221 MANDEL, Claudia. Muralismo Mexicano: arte público / identidad / memoria colectiva. Revista Escena, p. 37-54, 2007. p. 39.

Pintura 5 – O México Pré-Hispânico - O Antigo Mundo Indígena, 1929

Page 64: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

63

Camponeses, operários, indígenas, mestiços, foram retratados como parte do

processo revolucionário de construção da nação mexicana. Além disso, a sua

posição política influenciou a realização de trabalhos críticos à sociedade capitalista,

ao mesmo tempo em que elogiou o progresso industrial estadunidense.

4.2. CANDIDO PORTINARI E A CONSTRUÇÃO DA BRASILIDADE

Portinari foi o artista brasileiro mais reconhecido internacionalmente na

primeira metade do século XX. É necessário analisar a trajetória de Portinari

levando-se em consideração sua relação com o Estado brasileiro e o governo

Varguista, reconhecendo as contradições existentes entre suas pintura e a arte

oficial no Estado brasileiro, além de ressaltar a importância de seu trabalho para a

construção da brasilidade e de uma diplomacia cultural brasileira.

Candido Portinari nasceu em uma fazenda de café, a Fazenda Santa Rosa,

em 1903. Filho de imigrantes italianos comerciantes, Candinho222 assistia desde

pequeno a pobreza que chegava na cidade de Brodósqui em forma de retirantes,

que procuravam trabalho nas lavouras de café223. A infância de Candido Portinari se

tornaria mais tarde uma de suas maiores inspirações.

Em 1918, Candido foi ajudante de um grupo de pintores itinerantes que

decoravam a igreja da cidade. Esse episódio o fez perceber sua paixão pela pintura,

estimulando o jovem a se matricular no Liceu de Artes e Ofícios, e mais tarde na

Escola Nacional de Belas Artes, ambas no Rio de Janeiro224.

Durante a Semana de 22, Portinari ainda estava na Escola Nacional de Belas

Artes, que era conhecida por seu anacronismo e lentidão em termos de inovação

estética225, por esse motivo não foi diretamente influenciado pela semana, a priori.

No ano de 1928, recebeu do Salão Nacional de Belas Artes uma viagem à

Europa como prêmio por um retrato que pintou do poeta Olegário Mariano226. Desde

a década de 1920 e durante grande parte de sua carreira, Portinari produziria muitos

222 Apelido dado pela família a Candido Portinari. BENTO, Antonio. Portinari. 1 ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 2003. p. 29. 223 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 57. 224Ibid. p. 57-58. 225 Ibid. p. 59. 226 ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 353-354.

Page 65: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

64

retratos para a elite brasileira. O estudo desses retratos é feito por Sérgio Miceli em

Imagens Negociadas – retratos da elite brasileira (1920-40), no qual se analisou a

grande produção de retratos feitos por Portinari, e a legitimação visual e social que

elite atribuía às pinturas.

Entre 1928 e 1930, enquanto passava por diversos países europeus, Portinari

se deparou com duas correntes artísticas que marcariam o seu trabalho no futuro: a

pintura renascentista italiana – em trabalhos como de Giotto – e as novas

vanguardas que surgiam – sobretudo nas obras de Matisse, Picasso e Modigliani227.

Não produziu muitas obras em viagem, mas voltou para o Brasil inspirado a pintar a

sua própria terra228.

Fonte: PROJETO PORTINARI. Mestiço. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 2581/detalhes>. Acesso em: 27 mai. 2019.

De volta ao Brasil, passou a circular nos novos grupos de artistas

modernistas. Em 1931, ao expor algumas de suas novas obras no Salão Nacional –

227 FABRIS, Annateresa. Portinari, Pintor Social. 1 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. p. 6. 228 ZANINI, Walter. A obra de Portinari. In: PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 33-34.

Pintura 6 – Mestiço, 1934

Page 66: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

65

Manuel Bandeira era diretor – Portinari foi notado por Mário de Andrade, um dos

grandes líderes intelectuais no modernismo brasileiro229.

Em 1934, junto de artistas como Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, e Lúcio

Costa, publicou pelo Clube de Arte Moderna um manifesto expressando a

necessidade de uma arte crítica, e não apenas estética230. No mesmo ano, em São

Paulo, abriu a Exposição Portinari com 50 obras, entre elas Mestiço (pintura 6),

primeira obra a ser adquirida por uma instituição pública, a Pinacoteca de São

Paulo.

Portinari foi escolhido como o pintor central e mais importante do

modernismo, por causa de sua experiencia acadêmica – que o dava legitimidade

frente aos críticos do movimento – e por sua descoberta novas técnicas a partir de

aprendizados junto às vanguardas europeias. Depois das aspirações da Semana de

1922, é finalmente com Portinari na década de 1930 que a modernização do

pensamento nacional se concretiza:

“(...) desenvolvera-se entre os jovens intelectuais e artistas a consciência da construção. Construção não só de uma nova arte, mas de uma nova mentalidade, em consonância com a realidade de um novo Brasil. De um Brasil que, de agrário, entrava a largos passos no caminho da industrialização com todos os problemas e as contradições que tal mudança acarretaria. Se o primeiro Modernismo tivera que atacar, polemizar, destruir a fim de introduzir uma nova arte no Brasil, caberia ao segundo Modernismo consolidar suas conquistas, pôr em prática seus propósitos.”231

Em 1935, quando já era elogiado pela crítica brasileira, Portinari ganhou a

segunda menção honrosa no Instituto Carnegie de Pittsburgh com Café (pintura7).

229 FABRIS, Annateresa. Op. cit.. p. 7. 230 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 79. 231 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 74.

Page 67: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

66

Fonte: PROJETO PORTINARI. Café. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 1191/detalhes>. Acesso em: 25 mai 2019.

Café é uma pintura que apresenta características que Portinari levaria para

suas próximas obras, como a deformação nas mãos e nos pés dos escravos

retratados, simbolizando o trabalho. Muitas das figuras dessa pintura foram

reutilizadas em obras futuras232. O trabalho de Portinari foi muito elogiado nos

Estados Unidos, e no jornal Pittsburgh Sun Telegraph, Dotothy Kauntner escreveu:

Candido Portinari, pintor brasileiro que obteve a segunda menção honrosa, conhece o valor das deformações para conseguir efeitos picturais. O seu quadro premiado, Café, é excelentemente desenhado e rico em tons pardacentos e suaves verdes acinzentados. Os trabalhos da colheita do café apresentam a força e avigora a pintura. Poderia ser realizada com o tema uma interessante composição mural.(–) O Café, de Candido Portinari, é a aparição espetacular do Brasil.233

Com a consagração de Café (figura 7), percebe-se o potencial de Portinari

para a construção da “brasilidade”, em consonância com o projeto de modernização

nacionalista do Varguismo. Além disso, verificam-se as possibilidades de atrelar a

obra portinariana à própria imagem do Brasil no exterior, utilizando Portinari como

agente de diplomacia cultural. Como bem colocou Fabris, a arte de Portinari era

“arte moderna para um país moderno. Arte reconhecida internacionalmente para um

país em busca de reconhecimento internacional”234.

232 Ibid. p. 47. 233 apud MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 74-75. 234 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 31.

Pintura 7 – Café, 1935

Page 68: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

67

Dessa forma, a boa recepção do trabalho de Portinari internacionalmente, e a

sua estreita relação com artistas-intelectuais brasileiros – em especial Mário de

Andrade – levaram Gustavo Capanema, então Ministro de Educação do governo

Vargas, a convidar Portinari para a realização de uma série de murais em afresco

para a nova sede do Ministério da Educação (atual Palácio do Capanema), no Rio

de Janeiro. O prédio havia sido desenhado pelo arquiteto modernista Corbusier,

finalizado por arquitetos brasileiros e é um dos grandes marcos da arquitetura

modernista no Brasil235.

O projeto de construção do Ministério da Educação, também conhecido como Palácio da Cultura, tinha como objetivo expressar os ideais revolucionários do Modernismo e consagrar a obra educacional e cultural do ministro Capanema236.

É a partir da encomenda dos murais para o Ministério da Educação que se

inicia a relação entre artista e Estado. Portinari chamaria essas pinturas de “obra

patriótica”237 em uma de suas cartas a Capanema, e sua obra passaria a ser uma

referência oficial de identidade nacional brasileira.

A série de murais foi encomendada para retratar os ciclos econômicos do

Brasil, partindo da ideia de Capanema de que a educação deveria ser voltada para o

trabalho. Portinari, ao pintar os murais, fez mais do que retratar ciclos econômicos

por meio de uma perspectiva puramente histórica, e trouxe o tema do trabalho para

a contemporaneidade238. Em afrescos de cores terrosas e frias, Portinari retratou

através de figuras de negros índios e mestiços o desenvolvimento nacional do

Brasil239: Na obra Fumo (pintura 8), é possível identificar trabalhadores e

trabalhadoras negros e mestiços, com diferentes tons de pele. A deformação nos

pés dos personagens está presente mais uma vez no mural, representando o

esforço físico do trabalho.

235 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 81 236 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. p.117. 237 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Arte e Estado: Portinari e sua correspondência como um espaço de “sociabilidade intelectual” (1920-1945) . 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2015. p. 39. 238 Ibid. p. 50 239 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Op.cit. p. 194.

Page 69: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

68

Fonte: PROJETO PORTINARI. Fumo. Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/ 49/detalhes>. Acesso em: 27 mai 2019.

Analisando a estética dos murais e como se desenrolou a sua encomenda, é

possível perceber que Estado brasileiro atuava como mecenas dos artistas, já que

não havia um mercado de arte independente e consolidado. Os artistas desejavam

criar, e o Estado necessitava de símbolos para compor a “brasilidade”. Portanto,

ambos se beneficiavam mutuamente nessa relação.

Portinari também foi convidado, em 1939, a pintar três painéis para a Feira

Mundial de Nova York, com os nomes de Nordeste, Sul, e Centro-Oeste. É possível

perceber que nessas obras são acentuados aspectos do tipo brasileiro considerados

“exóticos”240. Além de receber novamente críticas positivas, seu trabalho foi

comparado ao muralismo de Diego Rivera241.

240 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 50. 241 Ibid. p. 11-13.

Pintura 8 – Fumo, 1938

Page 70: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

69

Ainda em 1939, Portinari expôs 269 obras em uma exposição individual no

Museu de Belas Artes com apoio estatal, e Getúlio Vargas compareceu na

abertura242. No ano seguinte, a Revista Acadêmica fez uma homenagem ao pintor,

na qual Genolino Amado escreveu:

Portinari não é apenas um artista vitorioso. É também a expressão atual da vitória do artista no Brasil, considerada impessoalmente, como uma força criadora, apta a representar no mundo o sinal da nossa presença entre as inspirações modernas da vida. Depois que Portinari triunfou já é possível acreditar-se que triunfe uma arte brasileira com projeção internacional, sem perder o seu cunho de originalidade nativa243.

A exposição individual do artista no MoMa (Museu de Arte Moderna) de Nova

York em 1940 é também um importante marco na carreira de Portinari. O título de

sua exposição, Portinari of Brazil, denota como o sucesso de sua carreira estava

intimamente ligado à sua relação com o Estado brasileiro – que estava no auge no

Estado Novo – e à própria ideia de Brasil. O catálogo da exposição ressalta os

murais realizados por Portinari no Minstério da Educação, e a escolha do artista ao

pintar “mestiços” e “mulatos”, como forma de mostrar o “verdadeiro Brasil”.

Em 1941 foi convidado a executar quatro painéis em têmpera para a

Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso, em Washington. Grande parte do

projeto foi custeado pelo governo brasileiro244, demontrando mais uma vez a

atuação de Portinari como agente de diplomacia cultural do governo varguista. Os

murais eram Descobrimento, Desbravamento da Mata, Catequese dos índios, e

Descoberta do Ouro245, e foram encomendados para retratarem o início da história e

cultura da América Latina.

Segundo Fabris246, a dimensão humana nessas obras é mais importante do

que os fatos históricos. Os murais não pretendem ser épicos, mas mostrar o povo, o

homem comum. É interessante notar que mesmo no mural Descobrimento

242 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 83. 243 Ibid, p. 84. 244 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, 2016. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 321. 245 Há divergências sobre o título dessa obra, optamos por utilizar o título que consta no site do Projeto Portinari. PROJETO PORTINARI . Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/acervo/ obra/3768/detalhes>. Acesso em: 25 mai. 2019. 246 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 51.

Page 71: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

70

(pintura 9) se percebe a presença de figuras negras, indicando desde o início da

formação da América Latina a presenças de múltiplas raças – tudo isso em um

contexto simbólico já que os escravos africanos não foram levados para o continente

no exato momento do “descobrimento”, mas alguns anos mais tarde.

Pintura 9 – Descobrimento, 1941

Fonte: PROJETO PORTINARI. Descobrimento . Disponível em: <http://www.portinari.org.br/#/ acervo/obra/3765/detalhes>. Acesso em: 25 mai. 2019.

Ao voltar para o Brasil, Portinari produziu uma série de telas para a Rádio

Tupi, retratando a música popular brasileira. Em 1943, voltou a trabalhar no

Ministério da Educação, para executar mais um mural para a série dos ciclos

econômicos – a exploração da carnaúba – além de desenhar azulejos para o

exterior do Ministério e pintar o mural Jogos Infantis para a sala de espera247.

247 Ibid. p. 18.

Page 72: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

71

Em 1944, junto com outros artistas brasileiros, Candido Portinari participou da

primeira exposição coletiva de arte brasileira no continente europeu248. A exposição

realizada no Reino Unido que contou com 168 pinturas de 70 artista brasileiros, não

tinha como objetivo restrito a divulgação de obras de artistas modernistas do Brasil.

O objetivo maior era financiar o esforço de guerra britânico contra os nazistas, já que

todo o lucro gerado pela venda de obras seria destinado à Força Aérea Real. No

período em que acontecia a exposição, 25 mil pracinhas da Força Expedicionária

Brasileira combatiam os nazistas em solo italiano.

Em 2018, a mostra “A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro pintado para

a Guerra” expôs na embaixada brasileira em Londres parte das obras exibidas em

1944. Um dos objetivos da exposição era, segundo Santiago Irazabal Mourão,

subsecretário-geral de Cooperação Internacional, Promoção Comercial e Temas

Culturais do Itamaraty, revisitar “uma das primeiras tentativas de projeção

internacional do Brasil por meio da cultura”249

Segundo Annateresa Fabris250, as obras de Portinari têm uma preocupação

específica: o homem. Para a autora, o enfoque no homem comum, trabalhador,

significaria que Portinari não poderia ser chamado de “pintor oficial”, já que na arte

oficial estariam presentes os “heróis”.

Por outro lado, é possível afirmar que Portinari é sim um “pintor oficial”, à

medida em que sua arte, ao ser financiada e incorporada pelo aparelho estatal,

transforma em heróis os homens “comuns”. A escolha de Portinari ao retratar esses

arquétipos, como o Mestiço, com traços negroides e indígenas, as mãos

avantajadas e sujas, pode ter sido uma questão pessoal que envolve uma crítica

social, mas a sua obra vai ao encontro da ideologia trabalhista da Era Vargas, além

da teoria da democracia racial propagada por Gilberto Freyre.

Assim como Portinari havia pintado, Freyre procurava explicar ao público estrangeiro que o principal vetor da colonização havia sido homem comum,

248 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro pintado para a Guerra - Santiago Irazabal Mourão. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-br/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/outras-autoridades-artigos/18593-a-arte-da-diplomacia-modernismo-brasileiro-pintado-para-a-guerra-santiago-irazabal-mourao>. Acesso em: 18 set. 2018. 249 Idem. 250 FABRIS, Annateresa. Op. cit. p. 47.

Page 73: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

72

pobre e miscigenado desde sua origem, e não a figura cristalizada historicamente do colonizador.251

Além disso, partindo-se da premissa de que Portinari pintava “o homem”, ele

estaria em total consonância com a proposta do governo populista de Vargas, e

consequentemente com a proposta de Capanema para o Ministério da Educação e

Saúde: “O Ministério da Educação e Saúde se destina a preparar, a compor, a

afeiçoar o homem do Brasil. Ele é verdadeiramente o Ministério do Homem.”252

Em 1945, pouco antes do fim do Estado Novo, Portinari finalmente entregou

todos os murais do Ministério da Educação. No mesmo ano, entrou para o Partido

Comunista253. Tentou a carreira política, mas nunca foi eleito.

Em 1952, Portinari foi escolhido para realizar dois murais para a sede da ONU

em Nova York. Intitulados Guerra e Paz, os murais foram expostos no Teatro

Municipal do Rio de Janeiro antes de serem enviados aos EUA. Em 1957, foi

realizada uma cerimônia oficial na sede da ONU para doação dos painéis, mas

Portinari não pôde comparecer devido à sua ligação com o Partido Comunista254.

Portinari morreu em 1962, em decorrência de uma intoxicação por chumbo,

elemento químico que continha nas tintas que utilizava para pintar255.

Ao analisar as trajetórias de Diego Rivera e Candido Portinari é possível

traçar alguns paralelos entre as suas carreiras artísticas e a relação dos pintores

com seus respectivos Estados, a partir do contexto nacionalista latino-americano na

primeira metade do século XX.

A primeira semelhança a ser evidenciada é que ambos estudaram na Europa,

onde entraram em contato com vanguardas artísticas, como o cubismo. Também na

Europa conheceram de perto os murais do Renascimento iltaiano, que os levou à

escolha do mural como meio de expressão artística. As dimensões dos murais nas

251 NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, dez./201. undefined. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019. p. 321 252 Carta do ministro Capanema ao Presidente Vargas, datada de 14 de junho de 1937. Apud CAVALCANTI, Lauro. Preocupações do Belo. Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1995. p.55. 253 ARÊDES, Ana Carolina Machado. Arte e Estado: Portinari e sua correspondência como um espaço de “sociabilidade intelectual” (1920-1945) . 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2015. p. 208. 254 PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. p. 206. 255 MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. p. 127-128.

Page 74: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

73

paredes de edifícios públicos conferem uma sensação de grandeza que corresponde

às necessidades de comunicar símbolos, valores por meio de histórias que estejam

ao alcance de todos. É possível afirmar, portanto, que o mural é o meio ideal de

propagação de uma nova narrativa oficial, retratando o povo como protagonista da

História nacional.

Outra semelhança é a postura crítica de ambos os artistas, que expuseram a

desigualdade social e a pobreza da população latino-americana, e também militaram

em partidos comunistas. Portinari, ao mesmo tempo em que pintava para o Estado

Novo, era amigo de Graciliano Ramos, escritor comunista preso pelo regime

varguista. Rivera é criticado por Octavio Paz por pintar a Revolução Mexicana do

ponto de vista marxista:

Essas obras que se dizem revolucionárias e que, nos casos de Rivera e Siqueiros, expressam simples marxismo maniqueísta, eram encomendadas, patrocinadas e pagas por um governo que jamais foi marxista e havia deixado de ser revolucionário (...) essa pintura ajudou a dar-lhe uma feição que, gradativamente, se foi tornando revolucionária.256

Dessa forma pode-se dizer que graças às pinturas dos muralistas mexicanos,

a Revolução Mexicana incorporou-se de forma quase mítica na sociedade, retratada

de uma maneira idealizada, que não correspondia à realidade social mexicana – já

que o México ainda apresentava grandes desigualdades mesmo pós-Revolução. O

mesmo pode-se dizer dos murais de Portinari, que expunha figuras negras,

indígenas e mestiços, sem que o Estado brasileiro se preocupasse efetivamente

com essas minorias.

Outra questão relacionada à visão do política dos pintores, e que é percebida

principalmente no caso de Rivera, é a contradição existente ao defender e executar

uma pintura revolucionária, e vendê-la para capitalistas norte-americanos. Rivera

admirava a industrialização norte-americana, e talvez a colocasse dentro do sonho

de modernização mexicano. Suas viagens aos Estados Unidos lhe renderam

algumas polêmicas, mas também geraram uma certa admiração e identificação de

aspectos culturais mexicanos por parte dos vizinhos estadunidenses. Portinari,

entretanto, ao ser financiado pelo governo brasileiro para realizar trabalhos no 256 PAZ, Octavio, 1979/1980, p. 56. apud ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, p. 165.

Page 75: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

74

exterior, mostrou-se ser um agente de diplomacia cultural de forma mais

institucionalizada do que Rivera.

O fato é que, mesmo em meio a essas contradições, tanto Diego Rivera

quanto Candido Portinari não foram meros instrumentos dos Estados para os quais

produziram suas obras artísticas, pois ao mesmo tempo em que os Estados

necessitavam de representações inconográficas que educassem o povo e gerassem

coesão nacional, os artistas almejavam realizar seus projetos, pintar a realidade

sensível aos seus olhos e necessitavam de mecenas para financiá-los. Dessa forma,

a relação entre artistas e Estados em busca de seus próprios interesses acabou

gerando a construção de identidades nacionais na América Latina.

Page 76: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste trabalho foi possível analisar o processo de construção das

identidades nacionais latino-americanas no século XX, através da relação entre

artistas e Estados-nação, tomando como estudos de caso as trajetórias de Candido

Portinari no Brasil e Diego Rivera no México.

Investigando o contexto histórico dos Estados latino-americanos no inícios do

século XX, e das mudanças políticas e econômicas na região, foi possível perceber

como se deu a criação de novos regimes políticos, os quais foram profundamente

influenciados pelo nacionalismo. A Revolução Mexicana teve grande importância

nesse processo, por ser a primeira revolução social do século e por reverberar a luta

pela terra por toda a América Latina. A Constituição de 1917, fruto da revolução,

também indicou os caminhos de consolidação de direitos sociais e trabalhistas no

resto do subcontinente. A Primeira Guerra Mundial despertou as nações latino-

americanas para buscarem se definir culturalmente a partir de parâmetros que não

estivessem diretamente ligados à civilização europeia, e a Crise de 1929, no período

entreguerras, levou a uma ruptura com o modelo liberal de economia

agroexportadora, fazendo com que os Estados latino-americanos percebessem sua

dependência econômica às grandes potências.

Dessa forma, as nações latino-americanas passaram a se desenvolver

voltados e ao desejo de modernização, através da defesa da soberania nacional,

pelo discurso e práticas nacionalistas. O projeto de desenvolvimento econômico

através da estabilidade política e união nacional foi chamado de “populismo”, e

nesse contexto políticas culturais também foram executas, na tentativa de

estabelecer relações entre a cultura popular e o Estado nacional. As definições de

raça e mestiçagem foram revisadas por intelectuais, buscando-se fugir do modelo

civilizatório europeu e moldar as nacionalidades partindo da mistura de raças que

compunham as nações. O modernismo, como movimento artístico, revolucionou nas

técnicas artísticas e nos temas, que passaram a focar no povo e na cultura popular.

Alguns desses artistas modernistas se sobressaíram e foram financiados

pelos Estados, atuando também como propagadores da cultura nacional no exterior.

Os casos analisados no trabalho foram de Diego Rivera e Candido Portinari, que

tiveram sólidas carreiras pintando o povo mexicano e brasileiro, e construindo a

partir de seus murais a iconografia dessas nações.

Page 77: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

76

A partir da pesquisa realizada sobre Portinari e Rivera, pode-se perceber que

os artistas se aliaram aos Estados e juntos construíram identidades nacionais, as

quais tiveram de ser recriadas no século XX devido às necessidades políticas e

econômicas de modificação das estruturas, e à tentativa de desenvolvimento e

modernização das nações latino-americanas. Essa interação entre artista e Estado

gerou as diversas pinturas que tomaram o povo como protagonista da História,

aliando símbolos iconográficos a discursos populistas e nacionalistas.

Uma questão levantada pelo trabalho é se os artistas teriam sido cooptados

pelo Estado para construir uma “arte oficial”, ou se teriam sido críticos do Estado por

criarem pinturas a partir de questões sociais contemporâneas. Essa é uma pergunta

difícil, mas as pesquisas indicaram que a relação se deu em mútuo benefício. Os

artistas precisavam de espaço e ferramentas para criar, além de público para assistir

suas obras. O Estado fornecia esses instrumentos, e ao mesmo tempo aproveitava

para incluir as pinturas no repertório discursivo dos nacionalismos. Além disso, o

caráter social e político das obras se justifica pelo fato de que todo artista está

inserido em um determinado contexto político e social, então é difícil – talvez

impossível – encontrar uma arte que seja neutra. O próprio Portinari afirmou: “estou

com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do

pintor, o quadro indica sempre um sentido social.257”

É claro que essa relação não se firmou sem paradoxos, como se pode

observar no fato do governo Vargas perseguir comunistas, e ao mesmo tempo ter

um comunista pintando quadros para o seu regime. Outro paradoxo é o caso de

Rivera, que pintava a Revolução Mexicana através de símbolos comunistas para

governos que jamais haviam sido comunistas e que há muito tempo não estavam

mais em revolução. Não é certo, porém, se essas contradições seriam superáveis,

pois em se tratando de arte e política, elas parecem estar sempre presentes.

Outra questão que pode ser levantada a partir do trabalho é se os artistas

nacionais atuaram como agentes de diplomacia cultural na América Latina no início

do século XX. Embora tenham sido feitas considerações importantes sobre o papel

de Portinari na propagação da cultura brasileira no exterior, e tenha ficado evidente

o papel do Estado brasileiro nesse processo, no caso de Rivera isso não ficou tão

257 PORTINARI, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos. Folha da Noite, São Paulo, 20 nov. 1934.

Page 78: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

77

claro, visto que o artista era mais financiado por empresários no exterior. Por esse

motivo, percebe-se que o tema da diplomacia cultural poderá ser mais explorado em

trabalhos futuros, pois se mostra cada vez mais importante para as Relações

Internacionais. Neste ano, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil anunciou a

criação do Instituto Guimarães Rosa, que servirá como meio de divulgação da

cultura brasileira no exterior, e terá sede em cinco cidades pelo mundo: Nova York,

Londres, Tel Aviv, Luanda e Lima. Dessa forma, o tema da diplomacia cultural torna-

se ainda mais atual, principalmente no contexto brasileiro.

Outra possibilidade para novas pesquisas é profundar as trajetórias de outros

artistas que contribuíram para a construções dos imaginários de identidade nacional

na América Latina, pois percebe-se que é preciso lançar luz sobre as relações entre

arte e política, já que esse tema ainda é pouco explorado na História.

Uma outra questão ainda não apontada neste trabalho, e que merece ser feita

em pesquisas futuras é: qual a relevância dessas identidades nacionais construídas

no século XX para as nações latino-americanas no século XXI? Embora as pinturas

de Portinari e Rivera permaneçam em espaços públicos, sejam visitadas e

reproduzidas em livros e materiais didáticos, é possível afirmar que elas são

suficientes para inspirar no público o sentimento de pertencimento e identificação à

nação? O presente trabalho procurou responder às perguntas a que se propôs

investigar, e as próximas pesquisas poderão dar vazão aos novos questionamentos

que surgiram no caminho.

Page 79: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

78

REFERÊNCIAS

ADES, Dawn. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 1997, AMARAL, Aracy A.. Artes Plásticas na Semana de 22. 5 ed. São Paulo: editora 34, 2010. ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2008. ANDRADE, Mário de. A Gazeta. São Paulo: 4 de fevereiro de 1922, p. 1. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. ANDRADE, Oswald de. Jornal do Commercio. São Paulo: 8 de fevereiro de 1922, p. 2. In: Boaventura, Maria Eugenia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. ARÊDES, Ana Carolina Machado. Arte e Estado: Portinari e sua correspondência como um espaço de “sociabilidade intelectual” (1920-1945) . 217 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2015. BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010. BAYÓN, Damián. A arte e a arquitetura latino-americanas, c. 1920-c. 1990. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. BENTO, Antonio. Portinari. 1 ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 2003. BEYHAUT, Gustavo e Hélène. América Latina III: de la Independência a la Segunda Guerra Mundial. México: Siglo Veintiuno, 1983. BIJOS, Leia; ARRUDA, Verônica. A diplomacia cultural como instrumento da política externa brasileira. Revista Diálogos: a cultura como dispositivo de inclusão, Brasília, v. 13, n. 1, p. 33-53, ago. 2010. BULMER-THOMAS, Victor. As Economias Latino-Americanas, 1929-1939. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Economia e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005. p. 20. CAMÍN, Héctor Aguilar; MEYER, Lorenzo. À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea, 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000.

Page 80: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

79

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. CANO, Wilson. Soberania e política econômica na América Latina. 1 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2000. CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. 2 ed. São Paulo: Editora UNESP. 2008. ______. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História nº. 2, 2005, p. 258 ______. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. CAVALCANTI, Lauro. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: PALDOLFI, Dulce (Org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. ______. Preocupações do Belo. Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1995. COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra (Argentina e Brasil, 1914-1939). 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. CORSI, Francisco Luiz. Estado Novo: política externa e projeto nacional. 1997. 457f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: < http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/279390 > Acesso em: 14 mar 2019. ______ .Brasil e Argentina: uma análise comparativa das políticas públicas econômicas no contexto da Grande Depressão dos anos 1930. In: BEIRED, José Bendicho e BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio (Orgs.). Política e identidade cultural na América Latina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. CRESPO, Regina. O projeto educativo de José Vasconcelos no México pós-revolucionário: nacionalismo e modernidade. Intellèctus, Rio de janeiro, v. 15, n. 2, p. 122-144, 2016. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/26666/19049>.Acesso em: 26 mai. 2019. D’ARAÚJO, Maria Celina. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. DIAS, Vieira Natally. O México como “lição”: a revolução mexicana nos grandes jornais brasileiros e argentinos (1910-1915). Dissertação (Mestrado em História) – UMG. Minas Gerais, 219f. 2009.

Page 81: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

80

DUMONT, Juliette; FLÉCHET, Anaïs. "Pelo que é nosso!": a diplomacia cultural brasileira no século XX. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 34, n. 67, p. 203-221, 2014. FABRIS, Annateresa. Portinari, Pintor Social. 1 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990. FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras. ______. História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. FERRERAS, Norberto O. A sociedade de massas: os populismos In: AZEVEDO, Cecilia e RAMINELLI, Ronald (Orgs.) História das Américas. Novas perspectivas Rio de Janeiro, FGV, 2011. HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. IANNI, Octavio. A Formação do Estado populista na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1975. ______. A questão nacional na América Latina . Estudos Avançados, v. 2, n. 1, p. 5-40, 1 mar. 1988. KAPLAN, Marcos T. Formação do Estado Nacional na América Latina. 1 ed. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, 1974. KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera 1886-1957: Um espírito revolucionário na arte moderna. 1 ed. Alemanha: Taschen, 1997. LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013. LAFETÁ, João Luíz. 1930 : a crítica e o modernismo. 2. ed. São Paulo, SP: Duas Cidades, Ed. 34, 2000. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, 1990. ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. ______. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. MANDEL, Claudia. Muralismo Mexicano: arte público / identidad / memoria colectiva. Revista Escena, p. 37-54, 2007.

Page 82: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

81

MARTÍNEZ-ECHAZÁBAL, Lourdes. Mestizaje and the Discourse of National/Cultural Identity in Latin America, 1845-1959. Latin American Perspectives, University of California, v. 25, n. 3, p. 21-42, mai. 1998. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0094582X9802500302?journalCode=lapa>. Acesso em: 29 mai. 2019. MCGUIRE, Randall H.. Archaeology as political action. 1 ed. California: California University, 2008. MEDIN, Tziv. Ideologia y práxis política de Lázaro Cárdenas. México: Siglo XXI, 1997. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. A Arte da Diplomacia: Modernismo Brasileiro pintado para a Guerra - Santiago Irazabal Mourão. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-br/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/outras-autoridades-artigos/18593-a-arte-da-diplomacia-modernismo-brasileiro-pintado-para-a-guerra-santiago-irazabal-mourao>. Acesso em: 18 set. 2018. MOREIRA, Marcos. Candido Portinari. 1 ed. São Paulo: Editora Três, 2001. MORSE, Richard W. O Multiverso da Identidade Latino-americana, c. 1920- c. 1970. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: a América Latina após 1930: Ideias, Cultura e Sociedade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. NAPOLITANO, Marcos. Arte e Política no Brasil: História e Historiografia. In: GG, André; FREITAS, Artur; KAMINSKI, Rosane (Orgs.). Arte e política no Brasil: Modernidades. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Estudos 331). NICODEMO, Thiago Lima. O “modernismo de estado” e a política cultural brasileira na década de 1940: Candido Portinari e Gilberto Freyre nos EUA. Revista Landa, Florianópolis, v. 5, n. 1, p. 320-349, 2016. Disponível em: <http://www.revistalanda.ufsc.br/vol-5-no-1-2016/>. Acesso em: 26 mai. 2019. NOCETTI, María Antonieta Gallart, Política indigenista em México (1910-2012): um repaso de objetivos y acciones. In: PAREDES, Beatriz (Coord.), DAMIANI, Gerson, PEREIRA, Wagner P., NOCETTI, María A. G. (Orgs.) O mundo indígena na América Latina: Olhares e Perspectivas. 1ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018. OLIVEN, Ruben. Cultura Brasileira e identidade nacional: (o eterno retorno). In: O que ler na ciência social brasileira: 1970-2002, Brasília, Editora Sumaré, 2002. PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. PORTINARI, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos. Folha da Noite, São Paulo, 20 nov. 1934.

Page 83: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

82

PORTINARI. Mestiço. 1934. Óleo sobre tela. 81 x 65,5cm. Coleção Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. ______. Café. 1935. Óleo sobre tela. 130 x 195cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. ______. Fumo. 1938. Afresco. 280 x 294cm. Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro. ______. Descobrimento. 1941. Têmpera. 316 x 316cm. Coleção Library of Congress, Washington, DC. EUA. PRADO, Maria Lígia; PELLEGRINO, Gabriela. História da América Latina. 1 ed. São Paulo: Contexto, 2016. PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. RIBEIRO, Edgard Telles. Diplomacia Cultural: Seu Papel na Política Externa Brasileira. 2 ed. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. RINKE, Stefan; KRIEGESMANN, Karina. Latin America. In: 1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War. Disponível em: <https://encyclopedia.1914-1918-online.net/article/latin_america> Acesso em: 18 mar 2019. RIVERA, Diego. Paisagem Zapatista – O Guerrilheiro. 1915. Óleo sobre tela, 144 x 123cm. Museu Nacional de Arte, MUNAL – INBA, Cidade do México. ______. A Criação. 1922-1923. Afresco experimental com folha de ouro e encáustica. Área de parede 109,64 m². Antiteatro Simón Bolívar, Escola Nacional Preparatória, Museu de San Idelfonso, Cidade do México. ______. O Arsenal. 1928. Afresco. 2,03 x 3,98m. 2º andar parede sul, Secretaria de Educação Pública – SEP, Cidade do México. ______. O Homem Controlador do Universo ou O Homem na Máquina do Tempo. 1934. Afresco. 4,85 x 11,45m. 2º andar do átrio da escadaria, Palácio de Bellas Artes, Cidade do México. ______.O México Pré-Hispânico – O Antigo Mundo Indígena. 1929. Afresco. 7,49 x 8,85m. Vista geral da parede norte, Palácio Nacional, Cidade do México. SARAPE. In: Merriam-Webster Dictionary. Disponível em: <https://www.merriam-webster.com/dictionary/sarape>. Acesso em: 21 mai. 2019. SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999 .p. 220.

Page 84: $57( (67$'2 ( ,'(17,'$'(6 1$&,21$,6 1$ $0e5,&$ /$7,1$ '2 ... · /$7,1$ '2 6e&8/2 ;; $6 3,1785$6 '( ',(*2 5,9(5$ 12 0e;,&2 ( &$1','2 3257,1$5, 12 %5$6,/ 0rqrjudild dsuhvhqwdgd frpr

83

SKIDMORE, Thomas. O Brasil visto de fora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. SOIHET, Rachel. O povo na rua: manifestações culturais como expressão de cidadania. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 2: O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. STANGOS, Nikos (Org.). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. VASQUEZ, Karina R.. Redes intelectuais hispano-americanas na Argentina de 1920,. Tempo Social, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 55-80, jun. 2005. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12454/14231>. Acesso em: 26 mai. 2019. VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Brasil Republicano. Vol 1: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. ZANINI, Walter. A obra de Portinari. In: PROJETO PORTINARI (Org.). Candido Portinari: o lavrador de quadros. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 2003. WASSERMAN, Claudia. História da América Latina: Cinco Séculos. 4 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. WOLFE, Betram D. The Fabulous Life of Diego Rivera. 1963.