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5 O G-20 e as Negociações Agrícolas da Rodada de Doha: Possibilidades e Limites da Atuação dos Países em Desenvolvimento na OMC 5.1 Introdução ordem internacional em transição e os dilemas do regime de comércio O surgimento do G-20 resultou do impacto de tensões sistêmicas sobre a OMC num momento no qual a nova Organização já vinha lidando com o novo movimento de coalizões dos PEDs no seu interior. O surgimento do grupo, entretanto, condicionaria o curso posterior das negociações da Rodada Doha (2001). Esse grande impacto sobre a rodada se deveu ao resgate da clivagem Norte-Sul, tornado possível no momento em que o direito ao desenvolvimento dos PEDs assumia o proscênio na agenda internacional. Isso ocorreu após a superação da agenda de boa governança global do Consenso de Washington e do sucesso de economias emergentes como China e Índia que não se sujeitaram sem reservas à agenda de reformas e que emprestariam seu peso político ao Grupo dos 20. Após as crises financeiras do fim dos anos 90, as discussões do dissenso de Cambridge geraram a percepção de que a integração dos PEDs na economia global consistia mais num resultado do que num pré-requisito de uma estratégia bem sucedida de desenvolvimento econômico (PAULINO, 2008). Se, por um lado, nenhum país desenvolveu-se com sucesso virando as costas ao comércio internacional e aos fluxos de capital de longo prazo, apenas a abertura para o comércio e os investimentos externos não se revelaram condições bastantes. O exemplo de membros do G-20 como a China e a Índia assinalava que o êxito daquelas iniciativas consistia em combinar as oportunidades oferecidas pelos mercados globais com estratégias de investimento interno (PAULINO, 2008). A questão-chave permanecia residindo no planejamento de uma estratégia de desenvolvimento para a qual se revelava indispensável o papel dos Estados que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510704/CA

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O G-20 e as Negociações Agrícolas da Rodada de Doha:

Possibilidades e Limites da Atuação dos Países em

Desenvolvimento na OMC

5.1

Introdução − ordem internacional em transição e os dilemas do

regime de comércio

O surgimento do G-20 resultou do impacto de tensões sistêmicas sobre a

OMC num momento no qual a nova Organização já vinha lidando com o novo

movimento de coalizões dos PEDs no seu interior. O surgimento do grupo,

entretanto, condicionaria o curso posterior das negociações da Rodada Doha

(2001). Esse grande impacto sobre a rodada se deveu ao resgate da clivagem

Norte-Sul, tornado possível no momento em que o direito ao desenvolvimento dos

PEDs assumia o proscênio na agenda internacional.

Isso ocorreu após a superação da agenda de boa governança global do

Consenso de Washington e do sucesso de economias emergentes como China e

Índia que não se sujeitaram sem reservas à agenda de reformas e que

emprestariam seu peso político ao Grupo dos 20.

Após as crises financeiras do fim dos anos 90, as discussões do dissenso de

Cambridge geraram a percepção de que a integração dos PEDs na economia

global consistia mais num resultado do que num pré-requisito de uma estratégia

bem sucedida de desenvolvimento econômico (PAULINO, 2008). Se, por um

lado, nenhum país desenvolveu-se com sucesso virando as costas ao comércio

internacional e aos fluxos de capital de longo prazo, apenas a abertura para o

comércio e os investimentos externos não se revelaram condições bastantes. O

exemplo de membros do G-20 como a China e a Índia assinalava que o êxito

daquelas iniciativas consistia em combinar as oportunidades oferecidas pelos

mercados globais com estratégias de investimento interno (PAULINO, 2008). A

questão-chave permanecia residindo no planejamento de uma estratégia de

desenvolvimento para a qual se revelava indispensável o papel dos Estados que

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deveriam reservar alguma parcela de autonomia na gestão dos instrumentos de

regulação econômica doméstica.

Tensões sistêmicas se manifestariam sobre a OMC, a partir da nova

percepção dos PEDs que passava a valorizar a sua autonomia política para a

formulação das estratégias de desenvolvimento. Essas forças tenderiam a se

chocar com o avanço do processo de regulação econômica global que ocorria

através do regime de comércio. Como esse capítulo irá mostrar, essa tensão esteve

por trás da criação do G-20, num processo de negociações pontuado por

desenvolvimentos fundamentais no cenário econômico internacional que

configuram um momento de transição na economia política internacional. Esse

momento de transição foi caracterizado para Ikenberry (2001) como de criação

constitucional ou “historical break”, após o fim da Guerra Fria.

American foreign policy after the Cold War is largely consistent with the institutional model of order building. As a rising post-Cold War power the United States had incentives to use institutions to lock in favorable policy orientations in other states. NATO expansion, NAFTA, APEC all contain elements of this thinking. American officials calculated that bringing newly reforming countries into these organizations would help reinforce domestic institutions and political coalitions in these countries that were committed to political and market liberalization. In return, the United States accepted some additional obligations to these countries in the form of security commitments (NATO expansion) or institutionalized access to American Markets (NAFTA, APEC, and the WTO). (IKENBERRY, 2001, p. 255)

No entanto, nesse caso não hove uma grande ruptura institucional, mas

antes a continuidade prevaleceu pela manutenção da hegemonia norte-americana

que se reforça, por uma nova expansão das instituições sobre muitas áreas das

Relações Internacionais. Nesse sentido, o avanço e aprofundamento dos princípios

e regras dessa mesma ordem internacional através das instituições é que

apresentaria desafios, no momento posterior às crises financeiras. Numa ocasião

de expansão das instituições, muitas tensões entre os países desenvolvidos e em

desenvolvimento se manifestariam sobre o avanço da liberalização do comércio

através da OMC.

Alguns fatores ligados a esse momento de transição tornavam a conjuntura

de negociações da rodada muito diferente do momento anterior, quando foi

possível um grande avanço do regime. Durante a Rodada do Uruguai (1986-

1994), o processo de harmonização internacional de políticas públicas avançou

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mediante as contrapartidas que eram oferecidas pelas demais instituições de

Bretton Woods. Ainda assim, o papel do G-7 se mostrou indispensável para a

conclusão das duas últimas rodadadas do GATT-1947. Quando a recém criada

OMC tentou avançar com a regulação internacional do regime, entretanto, muitas

modificações no cenário internacional preveniriam esses mecanismos de operarem

da mesma forma. À época da grande barganha, os países da OCDE abriram seus

mercados para as exportações agrícolas dos PEDs e para os manufaturados

intensivos em mão-de-obra (têxteis e vestuário), em contrapartida pela aprovação

da criação da OMC (1995) e das novas disciplinas. O paradigma econômico

dominante nos países em desenvolvimento que negociavam com o QUAD era

então o Consenso de Washington.

O tema da nova rodada centrada no desenvolvimento se relaciona

diretamente ao impasse das futuras negociações. Essas negociações já partiam,

entretanto, tanto do passivo das falhas de implementação da grande barganha,

quanto da perda de credibilidade do paradigma de política econômica dominante

entre os PEDs (PRESSER, 2005). Essa constituiu na base para a frustração

recorrente das expectativas dos PEDs em relação ao rumo tomado pelas

negociações da rodada que deveriam, na sua percepção, equilibrar os resultados da

Rodada Uruguai (1986-1994) em seu favor.

Como observa Martin (2003), a economia mundial vinha dinamicamente

aumentando seus níveis de integração nas últimas décadas quando esse processo

parecia desfrutar de grande suporte até a metade da década de 90. Entretanto,

desde então essa tendência passou a sofrer constante pressão críticas e ataques

constantes, quando a resposta sobre a continuidade desse processo se tornou uma

questão política candente e de enormes implicações para o futuro da economia

global.

Para além das frustrações dos PEDs com a questão do seu

desenvolvimento não mais identificada com o receituário das reformas, também

da parte dos países desenvolvidos o momento refletia questionamentos e

apreensões quanto à gestão macroeconômica internacional.

O G-7 havia sido capaz de gerir as crises econômicas na esteira do fim do

sistema de Bretton Woods, mas desde o começo da década de 90 buscava se

reorganizar para fazer frente aos desafios colocados pela crescente integração da

economia internacional e a emergência das crises financeiras. Nesse sentido, o

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Grupo se reformularia buscando se tornar mais inclusivo pela formação do G-8

com a incorporação da Rússia. Ainda em 1998 e na mesma direção como

consequência da crise, ampliou-se a cooperação de países em desenvolvimento

com o mundo desenvolvido pela criação do G-20 financeiro (HAJNAL, 2007).78

Para Jackson (2005), o desafio colocado tanto para as normas gerais do

sistema internacional, quanto para as instituições econômicas internacionais se

tornaram mais evidentes e os colapsos das Conferências Ministeriais da OMC, já

refletiam uma mudança, no sentido da maior influência exercida pelos países

emergentes como Brasil, China e Índia (JACKSON, 2005). Esse aumento do

papel de grandes mercados emergentes – BRICs- na estrutura de cooperação da

governança econômica, independentemente dos níveis de sucesso da iniciativa,

consistia também num sintoma das tensões estruturais de um momento de

transição da ordem, quando as instituições buscavam endereçar esses desafios.  

Sobre esse quadro, que mais tarde evoluiria nos debates sobre a reforma

das instituições chave do multilateralismo econômico - como o FMI e do BIRD

após as crises - sobrevieram os ataques do onze de setembro de 2001, tornando

imperativo o resgate da adesão dos países em desenvolvimento à arena

multilateral. O meio de endereçar o desafio possibilitando o lançamento das

negociações envolveu o deslocamento do tema do desenvolvimento do interior

daquelas instituições, que deveriam se reformular, para o interior da OMC, no

lançamento da Rodada de Doha (2001).  

No entanto, na Declaração de Doha (2001) não havia metas concretas, para

além do compromisso da comunidade internacional com uma reforma

fundamental da Agricultura. Nesse sentido, previamente ao começo das

negociações propriamente ditas, em Cancun (2003), as Nações Unidas advertiam

para a necessidade das reformas na coerência de atuação das instituições de                                                             78 No começo da década de 90; o primeiro ministro britânico John Major demonstrava sua apreensão diante do que identificava como a perda do formato originário dos encontros do G-7, tendo tornado-se menos informais ou pelo menos mais burocratizados. A crítica apareceu em uma carta que não foi divulgada ao público, mas cujo resumo apareceu no Financial Times de Londres em 1992. Suas propostas encontraram grande ressonância interna entre os demais líderes do Grupo, resultando num resgate ou retono às raízes dos encontros do Grupo, como expresso no comunicado de Tóquio do ano seguinte e nos encontros posteriores que retornaram uma maior informalidade em Nápoles, Halifax, Lyon e especialmente em Birminghan. Em seguida muitas propostas de reforma se seguiram, notadamente no sentido de incorporação de economias emergentes aos encontros do Grupo, que resultaram nas reformas de Birmingham, em 1998, quando a Rússia é incorporada com a criação do G-8. Após as crises financeiras, houve a criação do G-20 financeiro também em 1998. (HAJNAL, 2007)

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Bretton Woods e para a observânca dos compromissos assumidos em Doha

(2001), já prevendo o possível choque de interesses em Cancun (2003),

envolvendo os PEDs. Essas advertências ocorreram, tanto na Conferência de

Monterrey (2002), quanto no processo de acompanhamento da implementação dos

compromissos acordados em Monterrey (2002).  

Esse impacto sobre a OMC, já previsto naquelas discussões, atingiu a

OMC num momento em que a instituição já enfrentava o desafio da integração

das novas economias de mercado e dos países de menor desenvolvimento. Como

apontam Bullard e Chanyapate (2005), esse desafio consistia numa forma de

acomodar essa grande diversidade de interesses centrados na questão do

desenvolvimento. 

Principalmente, tendo-se em conta o caráter da nova Organização

enquanto criação de uma nova “Constituição da Economia Mundial”, como

definida pelas palavras do seu primeiro Diretor Geral, Renato Ruggiero. A OMC

ganha esse caráter a partir da sua “cláusula de entendimento único”, que restringia

ou limitava o repertório e as opções de políticas econômicas à disposição dos

Estados em desenvolvimento (PAULINO, 2008).  

A capacidade de elaboração das políticas nacionais, como elemento agora

considerado essencial para determinar a eficácia com que os PEDs poderiam

utilizar o comércio para respaldar o seu desenvolvimento de longo prazo,

encontrava-se tolhida pelas regras da Organização, a qual todos deveriam se

conformar independentemente de suas condições e necessidades particulares. 

The Failures of trade liberalization and the obsession with export-led growth have been clearly documented, yet the WTO, the World Bank and the International Monetary Fund remain slow to catch on. Whilst a large portion of the WTO’s members remain crippled by massive poverty – especially those countries that have already opened their markets to the limit – the WTO offers them nothing except more blind faith in trade liberalization, the very same faith that contributed to the stagnation and disintegration of their industries, agriculture and economies. The WTO institutionalizes the subordination of development to corporate free trade. A viable trade regime cannot prescribe a “one size fits all” approach, but must be loose enough to allow for a wide diversity in its members’ economic arrangements. (BULLARD; CHANYAPATE, 2005, p. 34)

Sobre essa base da lei internacional que a OMC personifica, apresenta-se,

entretanto, uma distinção importante entre o impasse que marcou a Conferência

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de Seattle (1999) e aquele que se manifestou sobre a Conferência de Cancun

(2003).

Na primeira ocasião, atingiu-se o auge da crise econômica internacional,

mas ainda não havia avançado o debate sobre as reformas das instituções,

tampouco o tema do desenvolvimento havia sido incorporado no interior da OMC.

Em Seattle (1999), houve uma grande manifestação contra-hegemônica que

rejeitava o avanço da liberalização do comércio, investindo contra a ideologia

neoliberal que sustentava aquele projeto como parte do avanço do processo de

globalização econômica. Apesar do cancelamento da conferência e da

impossibilidade do lançamento da nova rodada na ocasião, a OMC seria capaz de

superar esse desafio através da administração dos seus processos internos. Nesse

sentido, houve alterações nos seu processo de negociação que serão abordadas

nesse capítulo. No entanto, aquele momento de articulação contra-hegemônica foi

pautado, sobretudo, pela resistência de uma nova sociedade civil global ao avanço

do processo de globalização econômica que a OMC representava.

Em Cancun (2003), a situação era diversa. O que se encontrava em jogo

seria o início do processo de negociações que deveria estar centrado sobre o tema

do desenvolvimento, abrindo espaço para muitas divergências quanto ao conteúdo

específico daquele compromisso. Além disso, todo o debate sobre as reformas das

instituições de Bretton Woods que pareciam envolver de forma central a maior

representação dos PEDs na arena multilateral inspiraram muitas expectativas

desses países. Quanto mais, diante da nova concepção do desenvolvimento dos

PEDs no interior das instituições, que emergira com força na agenda internacional

tanto por parte das Nações Unidas, quanto da OMC, a partir do debate das

reformas e da coerência dos mandatos das instituições de Bretton Woods.

Nesse sentido, o que se manifesta sobre a OMC em Cancun (2003)

consistiu na rejeição daquelas negociações por parte dos Estados, num momento

posterior à sua denúncia pela emergente sociedade civil global e pelas ONGs. A

transferência da Conferência de lançamento da rodada para Doha, capital do

Catar, ilustra a estratégia da instituição para evitar a possibilidade de novas

manifestações. No entanto, naquela ocasião a crise de legitimidade que se

manifestava sobre a OMC se deu a partir do nível de representação mais

fundamental da instituição. Esse foi um efeito decisivo do momento de transição

da ordem internacional que transferia muitas tensões sistêmicas sobre a OMC.

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É aqui que reside uma distinção fundamental entre esses dois momentos da

evolução da OMC, tendo por referência as implicações e o significado dessa crise

de legitimidade sobre a instituição.

A definição predominante de legitimidade na literatura é a do neoliberal

institucionalismo (KEOHANE; NIYE apud HENDERSON, 2002), pela qual a

legitimidade de uma instituição é implicitamente definida nos termos da sua

aceitação pela opinião pública numa sociedade democrática e dos atributos que a

fazem aceitável.

Entretanto, considerada de forma direta e formal, a legitimidade consiste

na condição de estar de acordo com uma lei ou princípio (DICIONÁRIO

OXFORD, 1989 apud HENDERSON, 2002). Essa legitimidade formal não é

irrelevante, nem pode ser ignorada na análise das instituições internacionais. Ao

contrário, a legitimidade de uma organização como a OMC não deriva ou depende

diretamente apenas da aceitação ou apoio públicos, mas provém, sobretudo, dos

Estados e dos governos que os representam. Como aponta Henderson (2002):

This direct link with governments rather than peoples is inherent in the nature of institutions such as the WTO. It was the governments of national states that created the organization, as they had created the GATT before it…it is governments that have established an array of international organizations including the IMF, the World Bank, the regional developments banks, the ILO, the OECD, and the various agencies that directly make up the United Nation System. All such organizations are and can only be, the creatures of nation states. It is their member governments that bring them into existence, lay down their initial roles and terms of reference, decide their future membership, finance their current activities (whether directly or indirectly) and exercise continuing control over what they do and how they do it. Admittedly there is no set pattern of relationship and procedures, and different agencies may aquire, or be granted, different degrees of autonomy and initiative. But whatever pattern may evolve, and whatever the differences between the agencies which are indeed substantial, it is the member governments that determine these matters and have the sole right to change them…To this extent, and in this sense its legitimacy derives from governments alone. Questions of public acceptability and direct links with popular sovereignty do not enter in. (HENDERSON, 2002, p. 280)

Nesse sentido, o momento crítico da crise se manifesta sobre a OMC

quando os Estados que negociam no seu interior passam a rejeitar o avanço do

regime e da sua agenda. Para Ikenberry (2001), os Estados permanecem sendo os

atores centrais das Relações Internacionais. São as suas expectativas em torno do

engajamento nas instituições que permitem a estabilidade da ordem internacional,

a partir dos crescentes retornos das instituições e os baixos retornos do poder.

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A partir do conceito de uma legitimidade formal, o surgimento do G-20

assinalou uma etapa fundamental da resposta da OMC ao desafio lançado pela

crise internacional sobre as instituições de Bretton Woods. A partir dessa

distinção, surge a dimensão do desafio sobre o multilateralismo que era lançado

naquele momento.

A manifestação do impacto sistêmico sobre o regime em Cancun (2003)

consistiu no momento em que a legitimidade formal da OMC foi posta em cheque

pela recusa de uma grande parte dos Estados do mundo em desenvolvimento em

negociar nas bases definidas pela agenda das negociações.

Naquele momento, não eram apenas as normas específicas do regime de

comércio que eram postas em questão pelos Estados, como no caso das acusações

sobre o déficit democrático da instituição. Nesse sentido, a OMC já havia

superado esse desafio através da administração dos seus processos internos, desde

o malogro de Seattle (1999), como se verá a seguir nesse capítulo.

O que se encontrava em jogo em Cancun (2003) consistia no papel da

OMC no cenário internacional que incorporava o tema do desenvolvimento dos

PEDs. Incorporação que se dá num momento em que o significado do tema se

encontrava em disputa nas instituições multilaterais, encontrando grandes

resistências o processo de reformas que pretendia incorporar um novo conceito de

desenvolvimento aos mandatos do FMI e do BIRD.

Nesse sentido, a análise desse capítulo busca explorar as implicações do

posicionamento da OMC na ordem internacional sobre a sua dinâmica interna, a

partir do seu papel de pilar institucional da ordem econômica que assume o

desafio lançado pela crise sobre as demais instituições de Bretton Woods. No

momento de crise das demais instituições, a OMC consistia na via que poderia

produzir um avanço do multilateralismo, resgatando o compromisso dos Estados

em desenvlvimento com esse projeto.

Partindo desse papel da OMC no cenário internacional, o que permite

explicar a forma como a OMC responderia à formação do G-20 consiste no modo

como essa instituição lida com esse desafio que apresenta um grande impacto

sobre o modo como a nova institucionalidade do regime de comércio vinha

administrando os conflitos no seu interior. Esse processo, entrtanto, permitiria a

continuação do avanço das negociações do regime que já vinha se desenvolvendo

desde Seattle (1999), mediante novas alterações na dinâmica das negociações, que

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permitem amortecer as tensões entre os países desenvolvidos e o mundo em

desenvolvimento no interior do regime.

Nesse sentido, o começo do capítulo apresenta a forma como a nova

institucionalidade do regime de comércio vinha respondendo aos desafios desde a

sua criação (1995) para enxergar o impacto das tensões sistêmicas que se

materializam sobre o regime e do qual o G-20 consistiria no sintoma mais

importante.

Sintoma de um momento de crise, quando grandes mercados emergentes –

BRICs- como Brasil, Índia e China- identificam uma oportunidade de assumir a

liderança de muitos países em desenvolvimento para buscarem exercer maior

influência sobre a OMC. Os dilemas implicados pelo surgimento desse grupo de

grande concentração de poder e vasta heterogeneidade de interesses, conciliados

em torno do direito ao desenvolvimento, passariam a condicionar toda a evolução

das negociações da rodada. Em torno desses dilemas, esse capítulo buscará

analisar o siginificado político da emergência do G-20.

5.2

A legalização no Regime de Comércio: a herança da rodada do

Uruguai (1986-1994)

A criação da OMC representou o ponto culminante do processo iniciado

após a segunda Guerra mundial de construção institucional, com o objetivo de

gerenciar setores-chave da economia internacional. Quando percebida numa linha

de continuidade com a institucionalização da ordem econômica que se deu por

diferentes etapas, podemos perceber a OMC como representando o último e mais

bem sucedido esforço de criação de um ponto de centralização do regime de

comércio liberal, desenhado para governar em certa medida, a política econômica

global (WILKINSON, 2000).

Algumas características-chave desse processo consistiram na expansão do

seu mandato para outras áreas da economia internacional e no incremento da sua

estrutura legal. Após a Rodada Uruguai, a instituição absorveu na sua expansão a

liberalização do comércio agrícola, dos Serviços e Investimentos, assim como a

proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual. No âmbito legal, fortaleceu seu

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sistema de solução de controvérsias, de modo a aumentar seu poder coercitivo

sobre as políticas estatais (O’BRIEN, 2000).

No entanto, essas modificações fundamentais que passariam a caracterizar

o status atual do regime, sob maior institucionalização, não provieram do seu

processo interno. Ao contrário, as mudanças refletiram o aprofundamento de uma

evolução que se liga à conjuntura sistêmica das negociações da Rodada do

Uruguai (1986-1994). Naquele momento, uma nova cultura legal abriu caminho

no interior do regime, conformando uma herança que deveria ser administrada na

sua evolução posterior. Como aponta Woolcock (2003), a grande mudança do

regime nos anos 90 consistiu na implementação dos compromissos do Acordo de

Merraquesche (1994) e não especificamente na criação da OMC.

No entanto, as alterações ocorridas pela maior institucionalização do regime não foram originadas na OMC, mas representam a continuação de um processo iniciado nos anos 70, quando uma cultura legal começou a predominar sobre a sua atuação; processo acentuado pela Rodada Uruguai, que avançou definitivamente sobre uma maior formalização de regras e procedimentos de enforçamento das mesmas. A criação da OMC representou muito pouco, no que diz respeito às mudanças no sistema multilateral de comércio. O que alterou o regime nos anos noventa foi a sua substância em termos de aumento de acesso a mercados, criação de regras e mudanças institucionais, que provieram dos resultados da rodada Uruguai e não da criação da OMC. (WOOLCOK, 2003, p. 103)

O que Woolcock (2003) acentua consiste no significado da criação da

OMC (1995), atendendo ao acordo estipulado na Rodada do Uruguai (1986-

1994), que determinava o surgimento de uma terceira instituição que deveria se

somar aos outros pilares da ordem econômica de Bretton Woods. Essa nova

Organização, entretanto, deveria começar a operar já inserida no ambiente das

regras do comércio multilateral, oriundas do pós-guerra.

Essa herança impunha ao novo regime o mesmo dilema a que o GATT

respondeu sob Bretton Woods, consistindo na conciliação entre o objetivo da

liberalização comercial e a autonomia da política econômica doméstica dos países.

Como aponta Howse (2002), sob Bretton Woods, o embeeded liberalism

(RUGGIE, 1983) possibilitava que a política parecesse desaparecer de cena pela

conciliação da liberalização comercial com o intervencionismo do Welfare State.

No entanto, essa aparência mascarava o fato de que a política sempre esteve

presente no regime comercial, pois o embeeded liberalism (RUGGIE, 1983)

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consistia no consenso em torno de uma visão política que era hegemônica sob

Bretton Woods.

Sob a perspectiva desse compromisso político, a expansão do regime de

comércio por temas não estritamente comerciais não consistiu em novidade

inaugurada na Rodada Uruguai (1986-1994), pois a atuação conjunta das

instituições de Bretton Woods que garantia a liberalização comercial ao abrigo das

crises financeiras, provendo a estabilidade macroeconômica, implicava que o

regime jamais se tenha restringido a lidar apenas com matérias comerciais.

Naquele quadro, a flexibilidade e a ausência de rigidez do GATT eram

politicamente imprescindíveis para acomodar as muitas exceções necessárias para

que o regime atuasse em conjunto com as demais instituições e para que se

compatibilizasse com as necessidades específicas das suas partes contratantes

durante as crises.

A criação da OMC, portanto, geraria um dilema fundamental para o

regime de comércio, não apenas a partir da sua expansão por novas áreas e temas,

nem exclusivamente pelas inovações institucionais trazidas pela criação de uma

nova Organização.

O maior impacto da institucionalização sobre o regime se deu a partir da

grande flexibilidade com que o GATT-1947 sempre contara, permitindo

estabelecer compromissos entre os países em torno do que consistiria em matéria

comercial que deveria ser objeto de regulação, assim como permitimdo transigir

sobre a aplicação estrita do conteúdo dos acordos.

Nesse sentido, a partir da maior institucionalização, aduziu-se maior

rigidez na aplicação das regras, comprometendo a ambiguidade que sempre esteve

presente no funcionamento do GATT-1947. Essa “ambiguidade construtiva”

sempre consistiu no modus operandi das negociações do regime (SCHOTT, 2002)

e fornecia a base para que, a partir dela, os negociadores dispusessem de espaço

político para reconciliar as divergentes demandas em confronto que surgiam entre

os negociadores de diferentes países em Genebra, frente à representação política

doméstica em nome da qual negociavam na OMC.

O principal dilema colocado pela institucionalização do regime sobre as

bases da lei internacional, portanto, precisaria buscar uma forma de convivência

entre a nova institucionalidade da OMC e o seu número ampliado de novos

membros. Somente mediante uma resposta para esse dilema é que a OMC seria

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capaz de conciliar os objetivos tradicionais do regime entre enquanto a

liberalização comercial, conjugada a um compromisso que envolvesse ou

assegurasse o grau necessário de autonomia para a política econômica doméstica

dos países.

Nesse sentido, sobressai-se na trajetória de maior institucionalização da

OMC algumas características que convergiam para solapar as bases dessa

autonomia política, enquanto o fortalecimento do seu sistema de Solução de

Controvérsias, a regra do Single Undertaking e a inovação representada pelos seus

encontros ministeriais bienais.

Embora o GATT houvesse permanecido comprometido com a

liberalização comercial, mediante o multilateralismo e a não-discriminação,

muitas concessões foram estabelecidas, pois o GATT não exigia o esforço político

de conciliar a liberalização comercial dos países instantaneamente e

incondicionalmente. Os Estados avaliavam seus interesses internos, de forma a

fazer as concessões possíveis e compensadoras, segundo os seus cálculos. O

GATT constituiu uma força de liberalização comercial que procedia mediante

pequenos avanços. A conciliação entre o desejo de erigir regras para comércio

internacional e o resguardo da autonomia interna dos Estados no seu processo

decisório, podia ser observado nos mecanismos de resolução de conflitos entre as

partes contratantes (O’BRIEN, 2000).

O dispositivo de solução de controvérsias não era efetivo, pois um Estado

violador das regras poderia bloquear o processo de consenso necessário a sua

operação. Além disso, mesmo que um Estado aceitasse o resultado de um painel,

o país poderia decidir manter a política de violação, a despeito de a parte

prejudicada suspender os benefícios que seriam concedidos na sua relação

comercial com o violador. A disputa, nesse caso, reduzia-se a uma ação unilateral

da parte prejudicada contra o violador e essa parte teria de recorrer à retaliação a

partir da sua legislação doméstica (O’BRIEN, 2000).

Desse modo, os violadores não sofriam sanções, apenas deixavam de

contar com os benefícios que teriam direito nas relações comerciais com o seu

contendor. Isso fazia com que os países violadores costumassem ser os mais

poderosos economicamente. Os países menos desenvolvidos não violavam tanto

as regras, pois as perspectivas de proceder às retaliações unilaterais contra os

grandes, poderiam se revelar muito dispendiosas.

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Ao contrário, o procedimento de resolução de controvérsias da OMC

reverteu esse principio da unanimidade, que era necessário para a aceitação de um

relatório, pois os relatórios agora seriam aceitos automaticamente, após um prazo

fixo do começo do processo. A única exceção à adoção do relatório consistia

agora nos casos em que houvesse um consenso na direção da sua rejeição. Uma

vez que a parte beneficiada pela decisão provavelmente jamais concordaria em

rejeitar o relatório, a obtenção de um consenso para a rejeição do relatório se

tornou bastante improvável.

Essa mudança resultou na adoção de quase todos os painéis abertos na

Organização, mesmo nos casos daqueles desfavoráveis aos países mais poderosos.

Equivaleu, portanto, a tornar o sistema de solução de controvérsias mais

dinâmico, por meio do favorecimento da unanimidade de aceitação do relatório,

operando em um nível acima do poder dos Estados (O’BRIEN, 2000). O resultado

dessa mudança tornou a OMC uma Organização internacional proeminente,

contribuindo com a sua legitimidade, ao contar com um mecanismo de exigir o

cumprimento das suas decisões.

Esse processo fortaleceu o firme apoio nas regras pelo qual se caracteriza o

atual regime de comércio. No entanto, um sistema internacional legal mais

robusto implicava na redução da autonomia doméstica dos Estados.

Outra inovação da OMC que atua no mesmo sentido consistiu na

prevenção da fragmentação dos compromissos nas negociações. Nesse sentido, ao

ingresso de um Estado na OMC deve corresponder à adesão a um conjunto de

normas, o chamado GATT-1994 (composto de outros acordos, como o TRIPS,79 o

GATS,80 o ESC, assim como o Acordo que assegura a revisão da política

comercial dos Estados), através da regra do single undertaking (MORAES, 2005).

Essa forma de vinculação entre os Estados membros da OMC implicou em

custos maiores do que aqueles prevalecentes, caso se procedesse às negociações

por setores, como no regime do GATT-1947. Afinal, a pretensão de um membro

em incrementar a regulamentação sobre uma área comercial iria de encontro aos

interesses dos outros Estados em obter vantagens em outros setores (MORAES,

2005).

                                                            79 Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. 80 General Agreement on Trade in Services.

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A combinação dessa vinculação do single undertaking com a abrangência

das negociações englobadas pela OMC a partir dos novos temas produziu amplas

conseqüências. O single undertaking se constitui numa base sobre a qual se erige

o caráter impositivo do regime comercial. Além de orientar a ação dos Estados

durante as negociações, essa regra enfatiza a necessidade de cumprimento dos

acordos pela possibilidade de que os transgressores se tenham de haver com as

sanções de uma disputa, envolvendo outros setores além daquele que originou a

contenda original, a partir das decisões do Órgão de Solução de Controvérsias.

Desse modo, produz-se uma relação de equilíbrio entre as concessões de

parte a parte que responde pelo cumprimento dos compromissos assumidos, muito

além da prevalência exclusiva das decisões de caráter jurídico na OMC

(MORAES, 2005). Crescentemente, o cumprimento dos acordos assumidos

estabelece uma relação com a dimensão das possíveis sanções decorrentes de

transgressões desses compromissos, nos termos das perdas sobre as concessões

obtidas dos demais Estados.

Desse modo, o discurso acerca da neutralidade do processo decisório

precisa contemplar o nível de interesses comerciais recíprocos entre as atores, pois

a despeito do caráter técnico das decisões do Órgão de Solução de Controvérsias,

o interesse das partes em cumprir essas decisões é condicionado pelos interesses

em jogo ou pela relação comercial que há entre elas

O acúmulo de tensões políticas sobre a Organização foi o resultado

inevitável da sua maior institucionalização, pois muitas dessas decisões de

natureza técnica do processo de legalização não se ajustam às características

políticas do regime comercial. Um exemplo disso consiste no fato de que, apesar

de haver uma obrigação legal de que sejam acatadas as decisões do Órgão de

Solução de Controvérsias, essas decisões podem não ser politicamente

apropriadas em todos os contextos.

Quando forças políticas domésticas são contrárias à adoção das decisões,

um país pode conceder uma compensação, por meio da redução das suas tarifas

sobre produtos originários de países prejudicados pela contravenção. Entretanto,

pagar uma compensação pode ser politicamente mais vantajoso do que aderir à

regra automaticamente, assim a quebra de regras permite uma solução das

disputas por outras alternativas institucionais, viabilizando um processo que seja

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mais sustentável politicamente do que o enfoque legalista em sentido estrito

(BARTON et al., 2006).

No que diz respeito à grande legalização por que passou o regime, o

Comitê de Apelação da OMC gerou muitas decisões que se assentaram sobre uma

grande ampliação da Lei internacional pública, aumentando a precisão das regras

(BARTON et al., 2006). No entanto, atingir os objetivos da OMC, mediante o

recurso ao Órgão de Apelação, coloca a necessidade de produção de regras

judiciais, o que é potencialmente capaz tanto de fortalecer, quanto de enfraquecer

o suporte político da Organização. A análise política se torna, portanto,

fundamental para definir ou estabelecer os parâmetros pelos quais a produção de

disciplinas possa avançar sem colocar em risco o apoio político da Organização.

Sally (2007) sistematiza as implicações discutidas acerca da maior

institucionalização da OMC, relacionando-as ao acúmulo de tensões políticas

sobre a Organização. A instituição assumiria uma crescente fragilidade política

decorrente do acumúlo de temas sobre regulação no seu interior. Temas que

deslocam crescentemente o foco da sua regulação sobre as áreas antes reservadas

à soberania dos Estados, configurando uma intrusão política em áreas sensíveis

que podem ameaçar a legitimidade dessa regulação. Além disso, a legalização da

OMC consiste num processo que se por um lado aumenta a legitimidade da

instituição, pela observância das suas regras, por outro estimula o recurso a esse

dispositivo para buscar preencher as lacunas da lei internacional, convertendo a

OMC em palco de crescentes disputas políticas entre os Estados. Como

conseqüência, a OMC tende a se tornar crescentemente politizada abrindo espaço,

a partir da grande expansão do seu número de membros, para disputas retóricas e

polarização das posições negociadores em direções que se afastam do design

original de operação da Organização com base num conteúdo técnico e normativo.

Essas inovações que enrijeceram a estrtura regulatória do regime de comércio, a partir do predomínio da lei internacional, equivaleram ao aprofundamento das modificações que vinham conformando a trajetória do regime na sua evolução. Essas modificações, entretanto, implicaram numa crescente fragilidade política do regime que assume um formato mais preciso e baseado em regras. A partir desse ponto, aquela flexibilidade do GATT-1947 não mais econtraria o mesmo espaço no interior do regime. No entanto, a institucionalização do comércio preservou na sua recriação uma parcela fundamental daquela flexibilidade anterior que foi incorporada à nova institucionalidade da OMC, sob a forma do processo decisório do consenso.

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Como analisado no capítulo 2 desse trabalho, esse processo possibilitava uma grande informalidade das negociações que permitia aproximar os interesses dos negociadores, sendo tradicionalmente utilizado pelos países desenvolvidos na liderança das negociações. A partir da criação da OMC, esse processo decisório predominante no GATT-1947 e que era derivado de uma prática informal, passaria a fazer parte da lei internacional pela criação da instituição (BARTON et al, 2006). Essa carcaterística do regime que evoluiu sobre a base anterior, preservando essa característica, permitiria que a OMC superasse muitos constrangimentos associados à nova rigidez da lei internacional no comércio. Precisamente por esse processo se desenvolver às margens das negociações oficiais, conservou-se um instrumento poderoso para a condução das negociações e constante aperfeiçoamento do processo negociador que podia se adaptar aos constrangimentos identificados no cenário internacional, no momento preciso da evolução da conjuntura. Foi sobre as bases dessa flexiblidade - que respondeu por uma grande capacidade de adaptação da OMC à evolução da crise internacional, desde o início da sua operação - que se tornaria possível a manutenção do engajamento dos Estados com a rodada, mesmo após o colapso de Cancun (2003). O Início das Negociações da OMC e os Desafios nos Primeiros Anos do Regime: o Poder do Processo Decisório do Consenso

Os anos que se seguiram à criação da OMC testemunharam a proliferação

do surgimento de novas coalizões de países em desenvolvimento nas reuniões

ministeriais de Singapura (1996) e Genebra (1998), num processo que conduziria

ao aumento da importância dessas novas coalizões, nas conferências de Seattle

(1999) e Doha (2001) (NARLIKAR, 2003).

Embora o debate sobre reformas na OMC não tenha resultado em

mudanças formais, isso não equivale dizer que a OMC permanecera estática na

ausência dessas reformas. Embora nenhuma proposta de reestruturação tenha sido

implementada, a prática da negociação pelo consenso permitiu que houvesse uma

modificação gradual, orientada no sentido de responder à proliferação dessas

coalizões de países em desenvolvimento, terminando por incluí-las enquanto

plataformas conjuntas de representação desses países no processo decisório da

OMC (ROLLAND, 2007).

Essa trajetória possibilitaria que mais tarde a OMC fosse capaz de lançar a

sua primeira rodada de negociações. Esse processo de aumento informal da

representatividade da OMC foi pontuado por marcos que assinalavam as etapas da

adaptação da operação da Organização à ampliação do seu número de membros.

Como apontam Tussie e Stancanelly (2006), esse processo se caracterizou por

quatro etapas fundamentais:

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A primeira consistiu no fracasso do lançamento da rodada em Seattle

(1999), quando o círculo decisório informal composto por 30 membros causou a

recusa dos PEDs em pactuarem com a exclusão dos seus interesses da agenda da

Organização.

A segunda consiste na repercussão dos ataques do 11 de Setembro de

2001, quando a OCDE foi capaz de conservar as bases do sistema multilateral de

acordo com suas bases prévias, muito embora seus membros estivessem cônscios

das mudanças que haviam ocorrido e da diversidade de interesses agora

envolvidos que deveriam ser incorporados nas negociações (ROLLAND, 2007).

O terceiro marco consistiu na resposta da comunidade internacional às

repercussões dos ataques, quando a IV Conferência Ministerial de Doha (2001)

aprovou o Programa de trabalho da Rodada, cujo objetivo era responder as

inquietações dos PEDs, de forma a promover a sua maior integração na economia

internacional, quando na Conferência se colocava em evidência a necessidade de

reforma estrutural da OMC e das instituições de Bretton Woods (ROLLAND,

2007). Nesse sentido, o impacto desses acontecimentos sobre a OMC veio pelo

sentido de urgência da necessidade de reforçar quatro aspectos chave do seu

processo de negociação: o princípio de um país um voto, o processo de votação

por consenso e a importância dos processos informais de forma que a plena

participação dos PEDs pudesse ser atingida pela OMC.

Em quarto lugar, viria o colapso da Conferência Ministerial de Cancun

(2003), trazendo o grande desapontamento com a falência em materializar o

avanço da Rodada de Doha (2001) (ROLLAND, 2007).

Nesse sentido, é necessário retomar a evolução dessas negociações que

terminaram conduzindo ao lançamento da rodada do desenvolvimento de Doha

(2001).

 

5.3

A OMC e os impasses ao avanço do regime na fase pré-Cancun

(2003)

O avanço do regime era previsto pelo Acordo de Marraquesche (1994),

celebrado ao final da Rodada Uruguai (1986-1994), pois houve áreas em que o

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progresso obtido era considerado modesto. Duas destas áreas eram Agricultura e

Serviços. Nesses dois casos, novas negociações deveriam acontecer.

Além disso, havia a percepção dos países desenvolvidos de que uma série

de questões não tinham sido adequadamente abordadas na última rodada, havendo

a recomendação para a reabertura das negociações em Propriedade Intelectual –

TRIPs- tema no qual havia a pressão dos PEDs para adiar a plena implementação

do Acordo. Em TRIMs também havia a previsão de reabertura de negociações

para o começo do novo século, pois desde 1997, travava-se a discussão na OMC

sobre a relação entre comércio e investimentos, que havia gerado a pressão de

certos países para a inclusão de regras de investimento, enquanto tema que

também sofria forte resistência dos PEDs. Têxteis e vestuário continham também

uma proposta de retomada negociadora, pois o Acordo Multifibras deixaria de

vigorar transicionalmente, a partir de 2001 (GRIMWADE, 2000).

Essa agenda seria ainda ampliada por iniciativa da UE, pois em 1995, o

seu representante comercial, Sir Leon Brittan, fez circular documento em que

sugeria que a OMC incorporasse acordos sobre novos temas como política de

investimentos, de competição, facilitação comercial e compras governamentais,

que dariam origem aos Temas de Singapura (1996). Desde aquela Conferência

Ministerial (1996), quando os membros da Organização se reuniram em base

bienal, como determinava o Acordo estabelecendo a OMC, já havia ecos do

impasse e da clivagem Norte-Sul que mais tarde se manifestaria em Cancun

(2003) (CHO, 2004). Na ocasião, os membros deveriam avaliar a implementação

dos compromissos acordados e proceder a uma revisão das regras e das

negociações em curso.

Contribuía para essa percepção, a crescente certeza de que esses novos

temas polêmicos para os países em desenvolvimento de Singapura (1996) seriam

também levados às negociações (GRUPTA, 2004). Nesse sentido, a percepção da

OMC como instituição que não atende aos interesses dos países em

desenvolvimento era reforçada pela possibilidade de uma expansão ulterior da

agenda (GRUPTA, 2004).

A Declaração Ministerial de Singapura (1996) foi baseada num esboço

preparado em Genebra, contendo um texto acordado sobre todos os temas, com

exceção de alguns temas considerados sensíveis. Nessas negociações, um círculo

restrito de 34 países dentre os então 128 membros da OMC tomaram sobre si a

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responsabilidade de chegar a um acordo sobre os temas remanescentes. Na última

noite da Conferência, quando a sessão se destinava a produzir esse consenso sobre

o esboço da Declaração, a maior parte dos 90 membros com delegações presentes

na reunião fizeram intervenções que se assemelharam por sublinharem três pontos

centrais:

1) eles agradeceram os 34 membros do círculo restrito por seu trabalho; 2)

apesar de terem certa reserva em certos pontos, eles poderiam apoiar o consenso

em torno da Declaração; e 3) a forma como o esboço de Declaração foi preparado

foi não-democrático, injusto e danoso para os seus interesses, afirmando que eles

não tolerariam mais o processo decisório do consenso enquanto ele continuasse

sempre a lhes apresentar uma situação pronta. Eles enfatizaram, em seguida que

atribuíam a mais alta prioridade a uma revisão fundamental da forma como

importantes decisões vinham sendo tomadas no interior do regime

(BLACKHURST et al, 2004).

No entanto, a OMC seria capaz de endereçar as preocupações dos PEDs.

No entanto, a Declaração Ministerial de Singapura (1996) já mencionava os

problemas que mais tarde contribuíram para o fracasso da Conferência Ministerial

de Cancun (2003). Ela sublinhou as preocupações com o desenvolvimento dos

LCDs, advertindo contra sua marginalização do sistema multilateral de comércio.

Exigiu a completa e fiel implementação do Acordo sobre têxteis e vestuário, de

forma a ajudar os países mais pobres, incluindo os exportadores de Algodão

(CHO, 2004) e reconheceu a importância e particularidade das necessidades dos

países em desenvolvimento como relevantes para as negociações comerciais.

Nesse sentido, a Conferência Ministerial se comprometeu a organizar um

encontro com a UNCTAD e o International Trade Centre, ainda em 1997, com a

participação de agências de ajuda internacional, instituições financeiras

multilaterais e países menos desenvolvidos para promover uma abordagem

integrada para assistência desses países para aumentarem suas oportunidades de

comércio81 (ALQADHAFI, 2003).

                                                            81 Esse encontro resultou na fundação do Quadro Integrado de Assistência Técnica Relacionada ao Comércio para Países Menos Desenvolvidos (IF). Uma multiagência, programa de doadores múltiplos que assistem os países menos desenvolvidos para aumentarem sua participação na economia global, enfatizando estratégias para o crescimento econômico e redução da pobreza. Isso juntou o FMI, o International Trade Centre, a UNCTAD, o United Nations Development

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Os avanços do regime vieram pela inclusão de um acordo sobre o livre

comércio em produtos de tecnologia da informação, exigindo dos membros da

OMC a liberalização de tarifas e outros encargos sobre um amplo conjunto desses

produtos. No entanto, um claro sinal de que as causas do colapso de Cancun já

estavam presentes consistiu no impasse entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento que se tornou aparente nas discussões sobre padrões trabalhistas

(CHO, 2004). Na ocasião, os PEDs conseguiram desvincular esse tema do regime,

estabelecendo que o fórum adequado para tratar dessa questão consistia na

Organização Internacional do Trabalho, determinando que aquela disciplina não

deveria ser empregada para justificar objetivos protecionistas.

Dentro do aumento da representatividade dos PEDs no regime, papel de

destaque para esse resultado coube ao Grupo Informal de países em

desenvolvimento, que apesar do racha ocorrido em 1985, permaneceu se reunindo

mensalmente para debater e trocar informações sobre questões do seu interesse

conjunto. Devido tanto à diversidade compreendida pelos seus membros, quanto

aos interesses divergentes que essa diversidade dava origem, ao invés de

permanecer como uma coalizão de barganha, o Grupo Informal se concentrou

sobre o objetivo da troca de informações entre os seus membros, sendo capazes de

obter o consenso nesse tema, garantindo a exclusão dos padrões trabalhistas da

agenda da OMC (NARLIKAR, 2003).

Desde Singapura (1996), portanto, os PEDs exerceram a sua influência

sobre o processo negociador mediante a construção de coalizões. As novas

coalizões dos PEDs passaram a atuar de modo a aliviar as demandas por reforma

da Organização ou do seu design enquanto fórum de negociação, propiciando que

os membros da OMC e o Secretariado gerenciassem as pressões do modelo de

círculo cocêntrico de processo decisório (PATEL, 2008).

Essas coalizões ao se valerem das capacidades adaptativas da OMC ao

aumento da representação dos PEDs poderiam apresentar maiores possibilidades

de aliviar as tensões da OMC do que as propostas de reforma da Organização

focadas sobre a reformulação do seu processo decisório. Essas coalizões, ao

contribuírem no processo de formação de consenso, permitiam uma grande

                                                                                                                                                                   Programme, o Banco Mundial e a OMC para construir um objetivo de assistência direcionado a produzir projetos e assistência técnica para integrar os LDCs no sistema de comércio multilateral.

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flexibilidade para os negociadores, ao deixar seus membros livres para conformar

as suas características que podem se reformular em resposta à dinâmica do

processo negociador (PATEL, 2008). Entretanto, exatamente por isso, essa forma

de representação também implicava em desafios em relação à sua dinâmica

interna e dos mecanismos de delegação nas relações entre os seus membros.

Uma coalizão de PEDs fundamental nesse processo de crescente influência

dos PEDs sobre as negociações consistiu no Like Minded Group82 que iniciou

seus trabalhos em outubro de 1996 como uma coalizão clássica issue-based, com

o objetivo comum entre seus membros de bloquear a inclusão dos Temas de

Singapura na agenda da OMC (NARLIKAR, 2003). O Grupo emitiu um

comunicado conjunto no qual refutavam a inclusão dos novos temas, obtendo

limitado sucesso, pois os temas foram incluídos como parte de um programa de

estudos e não como parte da agenda de negociações na Declaração Ministerial

(CHO, 2004).

A partir do aprendizado da rodada anterior e reconhecendo a necessidade

de uma agenda positiva ao invés de uma bloqueadora, essa coalizão foi capaz de

levar à OMC o reconhecimento das dificuldades dos PEDs em implementarem os

acordos e compromissos assumidos na instituição, quando dois tipos de questões

de implementação foram reconhecidas, enquanto os altos custos dos

compromissos assumidos na Rodada Uruguai e as promessas não concretizadas e

benefícios não auferidos pelos PEDs. Como resultado da sua atuação, mais tarde,

a Declaração de Genebra (1998) recomendaria atenção a essas questões

(NARLIKAR, 2003).

Pela sua participação via coalizões, os PEDs se incluíam nas negociações

do regime e faziam sua participação se refletir no processo de negociações da

nova rodada desde o início, pois como observa Wolfe (2008), o Single

Undertaking da Rodada Doha começava a emergir com a “built in” agenda que

era descrita no parágrafo 19 da Declaração Ministerial de Singapura (1996),

reconhecendo que as várias provisões do Ato final da Rodada Uruguai e outros

textos acordados no encontro ministerial de Marraquesche (1994) demandavam a

reabertura de novas negociações em Agricultura e Serviços.

                                                            82 Cuba, Egito, Indonésia, Índia, Malásia, Pakistão, Uganda, Tanzânia.

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A Segunda Conferência Ministerial da OMC de Genebra (1998) ocorreria

sob os efeitos da crise de fugas de capitais nos mercados emergentes, resultando

numa Conferência mais simbólica do que substantiva (CHO, 2004) que celebrava

o quinquagésimo aniversário do regime. Na Declaração Ministerial (1998), os

ministros sublinharam que o protecionismo não consistia na forma adequada de

lidar com a crise financeira, mas o regime avançou, pois se estabeleceu que o

processo de lançamento de uma nova rodada deveria ser negociado na

Conferência de Seattle (1999). A Conferência também foi capaz de aprovar a

Declaração sobre Comércio Eletrônico Global, contando com um amplo Programa

de Trabalho sobre o tema (CHO, 2004).

Os impactos das crises e das críticas ao processo de liberalização

comercial da OMC, entretanto, se fariam sentir sobre o regime não obstante a

maior influência dos PEDs sobre as negociações. Esses países se ressentiam da

ausência de substância dos compromissos assumidos em relação aos seus

interesses e manifestariam sua apreensão quanto ao conteúdo das novas

negociações. Isso aparecia pelo conteúdo das suas propostas no processo

preparatório para a Conferência de Seattle (1999).

Na ocasião, foram submetidas 250 propostas de países individuais ao

Conselho Geral da OMC. Os PEDs foram responsáveis por mais da metade dessas

propostas. Elas concentraram-se, sobretudo, em dois temas: 1) sobre como

certificar-se de que essa nova agenda em construção para as negociações em

serviços e agricultura atenderiam aos seus interesses em particular; e 2) ações

específicas relacionadas aos mandatos de acordos comerciais, incluindo a revisão

de mandatos, agrupados junto sobre a ampla designação de “implementation

issues”, onde as propostas dos PEDs se concentravam, sobretudo, sobre a questão

do seu direito ao tratamento especial e diferenciado (RICUPERO, 2001).

Em Seattle (1999), os PEDs denunciaram as iniquidades da distribuição de

benefícios do processo de liberalização comercial e os modestos resultados da

implementação dos acordos da Rodada Uruguai. Na sua percepção, eram estas

questões as responsáveis pela falência da materialização do objetivo do

desenvolvimento sustentável sob os auspícios da Organização.

Na ocasião, os EUA e a UE buscavam proteger seu sistema de subsídios

domésticos, prevenindo a abertura de mercados nessa área. A UE insistia na

inclusão dos Temas de Singapura (1996) na agenda da nova rodada. Segundo

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Wilkinson (2004), o colapso da Conferência marcava o ponto culminante de

frustração dos PEDs com as pressões dos EUA e da UE para a ampliação da

agenda da OMC, ao tempo em que os temas centrais de interesse daqueles países

permaneciam sob implementação dos resultados obtidos na última rodada.

Muitas razões contribuíram para o fracasso do lançamento de uma nova

rodada em Seattle (1999), para além do impacto das crises financeiras sobre o

crescimento da visão crítica em relação ao processo de liberalização comercial da

OMC. Questões internas ao regime também contribuíram para esse resultado, pois

muitos ministros chegaram à Conferência sem o esboço de um texto acordado

para a Declaração Ministerial que deveria lançar uma nova Rodada de

negociações.

Houve problemas com o processo de preparação do encontro e também de

sobrecarga política referente à sucessão de Renato Ruggiero,83 razão pela qual os

Comitês foram estabelecidos apenas algumas semanas antes da Conferência, não

havendo um texto sobre o qual as negociações pudessem se basear (CHO, 2004).

O presidente Clinton buscou se identificar com os manifestantes de

Seattle, mas ao declarar que buscaria ressuscitar a questão dos padrões

trabalhistas, buscando associá-los ao comércio via sanções comerciais,

incrementou a polarização das posições negociadoras (CHO, 2004). Os EUA

também contribuíram para que o encontro fosse deslegitimado pela postura do

Chair da Conferência, a chefe do USTR em exercício, Charlene Brashefski, que

assumiu durante a Conferência a liderança da delegação norte-americana.

Sob esses acontecimentos, quase ao final da Conferência, o círculo restrito

de 34 membros que foi responsável pelo avanço das negociações em Singapura

(1996) se cindia quando os comentários dos países excluídos do Green Room84 e

                                                            83 No processo de seleção de um DG em 1999, os países desenvolvidos quebraram o acordo feito quando a OMC estava sendo criada. Havia o entendimento de que após o primeiro DG, Renato Ruggiero, o novo DG deveria ser um representante dos PEDs. Desde o começo do processo, o ministro tailandês, Supachai Panitchpakdi, era o favorito da maioria. Entretanto, quando o processo seletivo se encaminhou para a disputa entre ele e Mike Moore, houve grande pressão principalmente dos EUA sobre os PEDs. O Chair do Conselho Geral terminou por apresentar o último como vencedor, o que causou grande indignação dos membros. O processo de consultas que se seguiu deu a oportunidade aos países desenvolvidos de pressionarem as capitais dos países diretamente, fazendo com que vários países retirassem o apoio a Supachai Panitchpakdi. O resultado foi uma solução negociada, pela qual ambos candidatos serviriam por apenas três anos (KWA, 2003). 84 No GATT os encontros informais de Green Room se tornaram uma característica regular do regime, pela iniciativa de Arthur Dunkel, que convidava os chefes de delegação dos Estados que representavam três quartos do comércio mundial para se encontrarem em caráter privado. Os

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suas críticas ganharam forte expressão na mídia internacional (BLACKHURST;

HARTRIDGE, 2004).

Esses acontecimentos levaram à denúncia da natureza democrática da

OMC em Seattle (1999), quando os membros se revoltaram com seu processo

decisório, buscando tornar públicos os procedimentos da instituição. O Grupo

Africano se revoltou contra a sua marginalização nas discussões e emitiu um

comunicado afirmando que o Grupo não seria parte de nenhum pacote ao qual eles

não se houvessem envolvido na negociação (Kwa, 2003). Esse comunicado foi

acompanhado de outro comunicado conjunto dos países latino-americanos e do

Caribe, de 2 de dezembro de 1999, que dava expressão a estas tensões internas e

externas ao regime, cristalizadas sobre o processo decisório da Organização.

Segundo Kwa (2003):

[...] negotiations are being conducted at the Ministerial Conference in a way that shows a parallel course of action between a discourse oriented to transparency and the participation by the delegations, and a process of limited and reserved participation by some members which intends to define the scope and extent of the future negotiating round that all member-countries are to adopt. We are particularly concerned over the stated intentions to produce a ministerial text that at any cost, including the modification of procedures designed to secure participation and consensus. 85 O reconhecimento dos problemas com o processo decisório baseado no

consenso não se restringiam aos PEDs. No pronunciamento em que declarava o

fracasso da reunião ministerial, a representante comercial dos EUA, Charlene

Brashefsky, chegou a reconhecer que a OMC havia ultrapassado os processos e

práticas condizentes a uma Organização com poucos membros como o GATT.

Como reconheceu Shuterland (2000), a questão central se encontrava no processo

decisório da Organização, baseado no consenso, adotado extra-oficialmente

quando o GATT reunia poucos membros e que se achava deslocado pela sua

                                                                                                                                                                   outros membros não eram notificados de que um encontro ocorreria, não havia um registro escrito dos encontros ou das posições dos negociadores e todos os participantes eram livres para falarem pessoalmente. Após as queixas dos excluídos, passou-se a reuniões em jantares particulares em sua casa envolvendo chefes de delegações. Não havia muita variação na lista dos países convidados, talvez chegando a 20%. Incluía muitas vezes alguns PEDs, como Brasil, Argentina, Chile, México, Egito, Índia e Marrocos dentre outros. Os DGs mantiveram esta tradição de encontros informais dos estados mais importantes ocasionalmente em Genebra ou como forma de superar os impasses das negociações (ODELL, 2005, p. 425-448). 85 KWA, Aileen. Power Politics in the WTO. Bangkok: Focus on the Global South, 2003. Disponível em: http://www.focusweb.org. Acesso em: 12 maio 2009.

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institucionalização que o incorporou à OMC, contando na época com 140

membros.

If consensus is to remain by default the preffered mode of decision making – and there is no reason to believe that WTO governments will accept any other approach, especially one involving the wide use of voting – new mechanisms for improving the effectiveness and speed of consensus-building must be adopted. (SUTHERLAND, 2000, p. 99)

Após o colapso de Seattle (1999), a OMC deveria ser capaz de superar os

desafios colocados pelo crescente questionamento dos PEDs sobre o seu processo

de negociação. Entretanto, isso colocava um dilema para a Organização, pois a

partir do reconhecimento geral da necessidade de mudança, mediante qual

processo poderiam os membros negociare as mudanças, uma vez que o processo

vigente era denunciado como inadequado. No entanto, a flexibilidade do processo

decisório do consenso reservava amplas possibilidades para o progresso das

negociações, a partir da sua grande capacidade de reformulação. São esses

desdobramentos que serão explorados na próxima seção.

5.3.1

A Flexibilidade do Processo Decisório do Consenso no Processo de

Lançamento da nova rodada de negociações na OMC

Em 2000, o Diretor Geral da OMC, Mike Moore, passou a endereçar o

desafio lançado sobre a Organização e propôs algumas medidas de construção de

confiança “confidence building measures”. Essas medidas incluíam encontros

especiais para dar atenção aos países em desenvolvimento no que diz respeito às

questões de implementação da Rodada anterior. Ele também se reuniu com

coalizões em Genebra e viajou para algumas capitais para se encontrar com

ministros de países que se sentiam excluídos,86 buscando resgatar o compromisso

com o multilateralismo da OMC para a próxima Conferência Ministerial

(ODELL, 2005).

                                                            86 É significativo dos esforços da OMC contrabalançar a ausência das mudanças formais na Organização, empregando esforços para restaurar a confiança na Organização por parte dos PEDs. Nesse sentido, Mike Moore foi o primeiro DG a visitar a África, realizando sete visitas ao continente africano.

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Além do DG, o presidente do Conselho Geral, Kâre Brynt,87 também

buscava restaurar a confiança na Organização, mantendo frequentes reuniões do

Conselho, realizando consultas privadas e buscando identificar um conjunto de

práticas que permitiria que algum trabalho fosse feito em caráter privado, em

grupos pequenos, mas respeitando simultaneamente a autoridade da sessão

plenária.

Segundo Odell (2005), esse tema da transparência interna permaneceu

politicamente sensível, havendo sido rejeitado por alguns membros da OMC. Ele

tentou também propor alguns princípios para guiar os procedimentos, mas

também não obteve consenso. Diante disso, ele publicou, sob sua

responsabilidade, um documento salientando dois pontos em especial:

1) Seria importante que os membros da OMC como um todo fossem

avisados das intenções do Chair e os membros menores, com interesse

específico em um desses temas, deveriam ter a oportunidade de

manifestar sua opinião.

2) Pequenos grupos nunca poderiam tomar uma decisão pelos outros, mas

todos os resultados dos seus encontros deveriam ser reportados para a

totalidade dos membros da OMC para sua apreciação.

Não houve unanimidade no apoio dos membros da Organização a esses

pontos, mas foi mediante essas bases que os membros continuaram a cooperar

desde então. No ano seguinte, na sua sucessão como Chair do Conselho Geral,

Stuart Harbinson seguiu esse entendimento durante os preparativos para a

Conferência Ministerial de Doha (2001), ressaltando que naquele ano não houve

reclamações oficiais sobre exclusão no processo de consultas de Genebra para o

lançamento das negociações e a OMC seria capaz de obter um Acordo para

lançamento de uma nova rodada88 (ODELL, 2005).

Uma das razões para o sucesso do lançamento de uma nova rodada de

negociações, portanto, consistiu numa série de reformas nas práticas do processo

decisório informal da OMC, desde o fracasso do lançamento da rodada em Seattle

                                                            87 Embaixador neozelandês. 88 Em 2002, o Comitê de Negociações Comerciais concordou em trabalhar sobre as suas melhores práticas do passado e citou os pontos de Brynt. (ODELL, 2005, p. 425-448)

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(1999). Após Seattle, havia grande expectativa de reformas no processo decisório

da OMC, uma vez que esse tema passou a constar como prioridade para a nova

Organização. No entanto, ao invés de reformas formais, a OMC seria capaz de

lançar a rodada de negociações de Doha (2001), com a sua estrutura formal intacta

e não-reformada (KWA, 2003).

Em Genebra, houve intensas discussões plenárias na fase preparatória e

nos encontros dos chefes de delegação. Cada tema e as posições dos países foram

explorados e divulgados antes da Conferência, quando esforços eram feitos para

manter todos os ministros e delegações envolvidos. No caso dos encontros mais

limitados, de Green Room, eles envolveram a mais ampla representação que

jamais se dera sob o GATT (MOORE, 2005).

A despeito da falta de consenso quanto ao lançamento de uma nova rodada

e da desconfiança do mundo em desenvolvimento quanto às suas perspectivas em

relação ao resultado das futuras negociações, o poder de atração da OMC se

manifestava sobre os PEDs e o lançamento de uma nova rodada também criava

expectativas positivas, quanto às oportunidades de uma grande liberalização

comercial em temas aos quais historicamente o GATT havia passado ao largo,

como era o caso da agricultura e dos serviços.

Principalmente, diante do fracasso de Seattle, que gerou a ambição

generalizada de resgatar o compromisso entre as posições dos países

desenvolvidos e em desenvolvimento. Da parte dos países desenvolvidos,

implicava, sobretudo, o lançamento de uma nova rodada como parte de um amplo

projeto, cujo fim seria uma integração mais completa dos países em

desenvolvimento no sistema de comércio multilateral (VAN DJICK; GARRIT,

2006).

5.4

Os Impactos do Onze de Setembro sobre as Negociações da OMC

A partir das mudanças na prática do regime, o impacto dos ataques de

11/09/2001 se revelou fundamental para o lançamento da Rodada. Não há dúvidas

de que o fato de a reunião se realizar a apenas dois meses dos ataques ao World

Trade Center consistiu no grande estímulo para o engajamento dos principais

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negociadores em torno da incorporação do tema do desenvolvimento na agenda do

regime enquanto tema da rodada.

As consequências do onze de Setembro de 2001 far-se-iam sentir sobre a

disposição de cooperação nas Relações Internacionais pela magnitude do

significado político daquele evento. Como observa Jackson (2002), a atmosfera

política criada pelos ataques que possibilitou o lançamento da primeira rodada de

negociações comerciais da OMC centrada no tema do desenvolvimento teve a

capacidade de reverter o esgarçamento das posições negociadoras de Seattle

(1999).

Perhaps one of the few bright spots in this landscape is that it seems to have created an international relations atmosphere that demands greater international cooperation. Perhaps, some might say, this is a weak up call to nations that might otherwise be tempted to indulge in unilateral measures without consideration of impact on foreign societies. (JACKSON, 2002, p. 107)

Sob a sombra do onze de Setembro, os países desenvolvidos passaram a se

focar na OMC sobre a desigualdade mundial como obstáculo à paz, associada à

ideia da via para o desenvolvimento dos PEDs, pela liberalização do comércio

agrícola. Essa ideia se tornava um consenso que envolvia o Secretário Geral da

ONU, o Presidente do Banco Mundial e o Diretor Gerente do FMI que

manifestavam a necessidade urgente de endereçar a questão da pobreza global

para o que seria reservado um papel fundamental para o comércio (CHO, 2004).

Segundo Karmakar (2007), a comoção causada pelos ataques alterou o

foco dos interesses negociadores criando as bases para o lançamento de uma

Rodada do Desenvolvimento:89

It is...a significant divergence from previous rounds that the launch of the current round of negotiations was not market or trade interest driven. In fact, the circunstances leading to the launch of the current round merits recounting. It was in the aftermath of the 9/11 terror strikes that the developed countries pushed (much against the wishes of the developing countries members the initiation of

                                                            89 Em março de 1999, Stiglitz foi à sede da OMC, em Genebra reivindicar o lançamento de uma rodada que remediasse esse desequilíbrio. Apesar de aparentemente seu pedido não ter sido aceito antes dos ataques; previamente a Cancun; em 2003, a Commonwealth parecia incorporar as repercussões das assimetrias no comércio multilateral, pois lhe solicitou que preparasse um estudo sobre as características necessárias à realização de uma verdadeira rodada do desenvolvimento. Esse trabalho foi publicado, sob o título de “Livre Comércio Para Todos: como o progresso pode promover o desenvolvimento” em dezembro de 2005, pela Oxford University Press. (STIGLITZ, 2005)

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this round, at a time when there was widespread agreement that poverty creates conditions hostile to peace. It was expressly for this reason that it was decided that the ninth round of the multilateral talks would be termed a ‘development round. (KARMAKAR, 2007, p. 63)

Também relacionado aos ataques se situa a alteração do comportamento

dos EUA em Doha (2001), comparado a sua postura em Seattle (1999). Para

Panagariya (2002), dois acontecimentos foram fundamentais para a reversão da

falta de consenso quanto ao lançamento de uma nova rodada em Doha: 1) a maior

determinação dos EUA em lançar uma nova rodada, para provar que os

acontecimentos não inibiriam sua capacidade de promover e atingir o objetivo da

liberalização comercial, o que teria refletido sobre o posicionamento dos outros

países que os teriam acompanhado e sido mais flexíveis em Doha; e 2) a mudança

do Congresso norte-americano de democrata para republicano, o que teria

permitido ao país alterar sua postura de insistência na inclusão de padrões

trabalhistas como parte da agenda de negociações (PANAGARIYA , 2002).

Da parte dos países desenvolvidos, interessava prosseguir avançando o

objetivo da adesão dos PEDs ao sistema multilateral, buscando deixar para trás a

memória de Seattle (1999). Já os PEDs buscaram incluir seus interesses na agenda

de negociações, valendo-se de uma peculiaridade institucional da OMC,

estimulados pelas repercussões sobre a sua influência do recente ingresso da

China na Organização (LAIDI, 2008).

Como na Organização não há um órgão político central, todos os membros

têm o direito de veto, devendo concordar com o lançamento de uma nova rodada.

Assim, apesar da sua heterogeneidade enquanto Grupo, os PEDs tomavam

consciência de que a natureza da OMC, de cada país um voto consistia num ativo

político fundamental, exercendo sua influência sobre a amplitude da agenda da

rodada, como necessária para acomodar a diversidade de objetivos e de

expectativas entre o número expandido de membros da OMC (LAIDI, 2008).

Foi esse momento fundamental de inflexão que tornou possível o

lançamento da Rodada em torno dos compromissos assumidos em relação ao

desenvolvimento dos PEDs. Isso permitiria que mais tarde, quando o

posicionamento dos países desenvolvidos se revertesse, o G-20 pudesse obter a

coesão necessária em torno da ambição do Mandato Negociador de Doha e

prosseguisse unido, em torno desse documento (SHAFAEDDIN, 2007).

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5.4.1

A Declaração Ministerial de DOHA: A incorporação do

desenvolvimento à agenda da OMC

 Na Declaração Ministerial de Doha (WT/MIN(01)/DEC/1), os países em

desenvolvimento asseguraram um papel de destaque nas futuras negociações de

comércio multilateral, através do conceito de desenvolvimento. O Comércio

internacional deveria desempenhar um papel importante da promoção do

desenvolvimento econômico dos PEDs e a Declaração Ministerial menciona os

termos “development” e “developing” 63 vezes, ao longo de 10 páginas e 52

parágrafos (BROWN; STERN; DEARDOFF, 2003). Todas as seções desse

documento fazem menção às necessidades especiais dos países em

desenvolvimento e das suas dificuldades de implementação do Acordo a ser

negociado.

International trade can play a major role in the promotion of economic development and the alleviation of poverty. We recognize the need to for all our peoples to benefit from the increased opportunities and welfare gains that the multilateral trade system generates. The majority of WTO members are developing countries. We seek to place their needs and interests at the heart of the Work Programme adopted in this Declaration…. we shall continue to make positive efforts to designed to ensure that developing countries, and specially the least developed among them, secure a share in the growth of world trade commensurate with the needs of their economic development. In this context, enhanced market access, balanced rules and well targeted, sustainably financed technical assistance and capacity building programmes have important roles to play…we recognize the particular vulnerability of the Least Developed Countries and the special structural difficulties they face in the global economy. We are committed to addressing the marginalization of the least developed countries in international trade and to improve their effective participation in the multilateral trading system…to help least developed countries secure beneficial and meaningful integration into the multilateral trade system and the global economy. We are determined that the WTO will play its part in building effective on these commitments under the Work Programme we are establishing […] 90

No programa de trabalho da rodada, figuram 21 temas. Na sua maior parte,

envolveriam negociações subseqüentes. Entretanto, uma parte deles se constituía

de acordos já negociados e sob implementação, análise e supervisão da OMC.

                                                            90 WT/MIN(01)/DEC/1.

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Essas questões de implementação foram endereçadas de duas maneiras: os

ministros acordaram em adotar cerca de 50 decisões que tornavam mais claras as

obrigações dos países desenvolvidos acerca de temas, como subsídios, agricultura,

têxteis e vestuário, barreiras técnicas ao comércio, regras de origem e medidas de

comércio relacionadas a investimentos. Assim, no parágrafo 12 da Declaração, os

ministros afirmam que acordaram as referidas decisões, num documento

ministerial em separado “the 14 november 2001 Decision on Implementation-

Related Issues and Concerns”;91 declarando que as negociações em temas de

implementação destacados92 deveriam constituir parte integral do Programa de

Trabalho nas negociações que se seguiriam.

Foi adotada uma estratégia em duas frentes: os temas nos quais havia um

mandato negociador na Declaração - Agricultura e Serviços - seriam negociados

de acordo com esse mandato. Os outros temas deveriam ser abordados com

prioridade pelos Conselhos e Comitês da OMC, os quais deveriam relatar o

andamento dos trabalhos ao Comitê de negociações comerciais ao fim de 2002,

para que fossem então apreciados pela Organização. Segundo as provisões do

parágrafo 47:

(a) where we provide a specific negotiating mandate in this declaration, the relevant implementation issues shall be addressed under the mandate; (b) the other outstanding implementation issues shall be addressed as a matter of priority by the relevant WTO bodies, wich shall report to the Trade Negotiations Commitee, established under paragraph 46 below, by the end of 2002 for appropriate action.

O Programa de Trabalho de Doha consistia numa agenda de negociações

multilaterais em áreas mais amplas e mais intrusivas no que diz respeito à

autonomia das economias e políticas nacionais do que a agenda da Rodada

Uruguai (Khor, 2002). Como ponta o autor, o programa de trabalho era

sobrecarregado por incluir temas complexos e difíceis, que demandam tempo,

recursos humanos e capacidade técnica, os quais os PEDs careciam na sua grande

maioria.

                                                            91 Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop e/dda e/dohaexplained e.htm. Acesso em: 20 jul. 2008. 92 “[…] negotiations on outstanding implementation issues should be an integral part of the Work Programme”.

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As negociações com mandato de negociação incluíam Agricultura e

Serviços, havendo mandatos para revisão das negociações em TRIPs e TRIMs. As

novas áreas de negociação compreendiam NAMA, comércio e meio-ambiente e

clarificação das regras da OMC, do seu processo de solução de controvérsias, mas

também em medidas anti-dumping, subsídios, medidas de retaliação, subsídios

pesqueiros e acordos regionais de comércio.

Compreendiam também os Temas de Singapura, onde havia a provisão

para Comércio e investimentos para a clarificação dos seus elementos em Grupos

de Trabalho. Em comércio e política de competição, também havia a provisão

para a clarificação em Grupos de Trabalho. Os outros temas compreediam

transparência em compras do governo e facilitação do comércio.

Além disso, novos Grupos de Trabalho deveriam discutir a relação entre

comércio, débito e finanças, assim como entre comércio e transferência de

tecnologia.

Outros temas que figuravam na declaração consistiam em comércio

eletrônico, países menos desenvolvidos (PMDs), tratamento especial e

diferenciado, cooperação técnica e construção de capacidades e pequenas

economias.

Àparte da Declaração Ministerial, dois documentos legais apresentavam

seu foco sobre o desenvolvimento: a Declaração sobre o acordo de TRIPs e Saúde

Pública, que assegurava aos membros a obtenção de licenciamento compulsório

em casos de crises de saúde pública, e a decisão de 14 de novembro de 2001 sobre

implementação, que os PEDs incluíram na agenda e da qual apenas algumas

questões foram endereçadas. No entanto, a barganha envolvia, em contrapartida

pela menção ao tratamento especial e diferenciado, à construção de capacidades,

aos países menos desenvolvidos e às pequenas economias, a Declaração deixava

caminho aberto para o avanço nos quatro temas de Singapura (1996) (CHO,

2004).

Os principais interesses dos PEDs residiam nas questões de

implementação dos acordos da Rodada Uruguai ainda pendentes, assim como nas

questões institucionais e sistêmicas que surgiram nos primeiros anos de

funcionamento da nova instituição. Estas questões envolviam a ausência dos

benefícios esperados, em grande medida devido à inadequada implementação dos

compromissos assumidos pelos países desenvolvidos. Os PEDs reivindicavam

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maior acesso aos seus mercados para os seus produtos, em agricultura e têxteis, o

aumento da transparência interna no processo decisório da OMC, assim como

uma solução para o declínio dos preços das commodities e os constrangimentos

enfrentados para diversificarem sua pauta de exportações, devido ao nível

limitado do acesso a mercados (KHOR, 2002).

Apesar do reconhecimento de que havia questões a serem resolvidas, os

países desenvolvidos não incorporaram a reivindicação de atenção às questões

sistêmicas e de necessidade de rebalanceamento das regras e do sistema. Essas

questões terminaram sendo consideradas questões de implementação e, apesar de

submetidas à apreciação da Organização pelos PEDs, não foram endereçadas. O

pleito dos PEDs de que elas fossem resolvidas antes que novos temas fossem

apreciados não foi atendido. Ao invés disso, os membros desenvolvidos da

Organização permaneceram preocupados com a expansão do regime nos novos

temas e com a criação de novas regras (KHOR, 2002).

Como aponta Las Das (2002) o novo Programa de Trabalho acentuava os

desequilíbrios do regime comercial, em lugar de buscar endereçá-los,

principalmente ao priorizar os temas de interesse dos países desenvolvidos em

relação aos interesses da maior parte dos membros da OMC. Nesse sentido, houve

o lançamento de negociações em uma nova área, como meio-ambiente, enquanto

o foco sobre os temas de Singapura e o comércio eletrônico se acentuou, a

despeito da resistência dos PEDs.

A maior parte das propostas destes últimos consistiam em questões de

implementação, nos quais praticamente nenhum progresso foi atingido, ao passo

que temas prioritários para a agenda daqueles países como têxteis e provisões para

o balanço de pagamentos sequer figuraram no texto principal do Programa de

Trabalho. Sobre o Tratamento Especial e Diferenciado, que deveria fazer as

provisões existentes mais precisas, efetivas e operacionais havia muito poucas

provisões reduzindo os níveis de obrigações dos PEDs.

The work program is a gain for the major developed countries, but they have given nothing in return to the developing world. This is totally contrary to the GATT/WTO process where reciprocity is expected to be the main guiding principle in negotiations. Reciprocity should not be assessed only in terms of specific commitments in agreements, but also in selection of items for special attention in the work. Sadly, the new phase of the WTO has started with enhancement of imbalance. Ironically the Work Program has been sometimes termed as a “development agenda” which is quite erroneous…the agenda of the

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Work Program has been totally set by the major developed countries guided by their own economic interests. The priority of the development of the developing countries is not reflected in it. (LAS DAS, 2002, p. 23)

5.4.2

Agricultura

A agricultura se tornou parte do single undertaking, que deveria ser

acordado até janeiro de 2005. Foram reconhecidas todas negociações que

ocorreram desde 2000, sob o Artigo 20 do Acordo Agrícola, destacando-se que as

modalidades para futuros compromissos deveriam, incluindo as provisões para

tratamento especial e diferenciado, ser estabelecidas até 31 de março de 2003.

A declaração fornecia uma melhor definição para o mandato das

negociações agrícolas, incluindo o compromisso com melhoras substanciais no

acesso a mercados, reduções com vistas à eliminação de todas as formas de

subsídios à exportação, e substanciais reduções em suporte doméstico distorcivo

ao comércio. A necessidade de tratamento especial e diferenciado para os PEDs e

das suas demandas em segurança alimentar e desenvolvimento rural foram

reconhecidas (COSTACHE, 2007).

Nesse sentido, os países deveriam submeter um esboço de cronograma

para essas modalidades até a Quinta Conferência Ministerial da OMC, quando as

negociações, que incluíam as regras e os textos legais correspondentes deveriam

ser concluídos na data do fim das negociações da agenda como um todo,

consoante o formato do single undertaking. Salientava-se o compromisso com

uma reforma fundamental do setor, orientada no sentido do mercado e de um

sistema de comércio agrícola mais equitativo, que levasse em conta as

necessidades dos membros em desenvolvimento da OMC nos três pilares do

Acordo Agrícola.

[...]We recall the long-term objective referred to in the Agreement to establish a fair and market oriented trading system through a programme of fundamental reform encompassing strengthened rules and specific commitments on support and protection in order to correct and prevent restrictions and distortion on world agricultural markets, we reconfirm our commitment to this programme. Building on the work carried out to date and without prejudging the outcome of the negotiations we commit ourselves to comprehensive negotiations aimed at: substantial improvements in market access, reductions of, with a view to phasing out, all forms of export subsidies; and substantial reductions in trade-distorting domestic support. We agree that special and differential treatment for developing

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countries shall be an integral part of all elements of the negotiations and shell be embodied in the schedules of concessions and commitments and as appropriate in the rules and disciplines to be negotiated, so as to be operationally effective and to enable developing countries to effectively take account of their development needs, including food security and rural development. We take not of the non-trade concerns reflected in the negotiations proposals submitted by members and confirm that non-trade concerns will be taken into account in the negotiations as provided for in the Agreement on Agriculture.(WT/MIN(01)/DEC/1; parágrafo 13).

5.4.3

A ambiguidade da declaração ministerial

Desde a Conferência Ministerial de Seattle (1999) já havia desacordo

quanto aos novos temas que deveriam ser incorporados na agenda. Esses

problemas permaneceram como questões abertas no caminho de Seattle (1999) a

Doha (2001).

As divergências de opinião quanto a esses assuntos gerava contradições,

como a manifestada pelo DG Mike Moore, em abril de 2001, quando afirmou que

os Estados membros deveriam “urgently need to broaden the agenda beyond the

mandated negotiations listed in the WTO agreements”. No entanto, ao mesmo

tempo em que ele advertia que a agenda deveria ser ampliada o suficiente

buscando: “to have something in for everyone, it must exclude issues that are

innapropriate or where compromise is impossible”,93 não eram fornecidas

indicações sobre quais temas deveriam ser excluídos ou incorporados na agenda

(ROSENBAUM et al., 2003).

Algumas semanas mais tarde, o Grupo dos 15 (G-15) emitiu um

comunicado, afirmando que padrões trabalhistas e condicionalidades relacionadas

ao meio-ambiente não deveriam fazer parte da agenda da OMC. Esse comunicado

endereçava estas questões especificamente, não obstante não fazia menção das

razões pelas quais eles não deveriam ser incorporados à regulação multilateral do

comércio.94 No começo de 2001, os três antecessores de Mike Moore circularam

um comunicado conjunto afirmando que a OMC não deveria ser usada: “[...] as a

                                                            93 MOORE, Michael. The WTO: Challenges Ahead, Adress Before the German Council of Foreign Relations (23 de abril de 2001). Disponível em: http://www.wto.org/english/news_e/news_e.htm. Acesso em: 11 mar. 2009. 94 CHARNOVITZ, Steve. Triangulating the World Trade Organization. The American Journal

of International Law, v. 96, n. 1, Jan. 2002). Pp 28-55. http://www.jstor.org/stable/2686124. Acesso: em 21 mar. 2008.

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Christma’s tree on which to hang any and every good cause that might be secured

by exercising trade power”.95 Igualmente nesse caso, os critérios ou razões porque

certos temas na sejam sujeitos ao poder do comércio permaneceram em aberto

(ROSENBAUM et al., 2003).96

Essa incerteza quanto ao papel que a OMC deveria desempenhar reflete a

transição do regime de comércio, ao pretender lançar a sua primeira rodada de

negociações, expressando-se sobre a forma da ambiguidade da Declaração

Ministerial. Mesmo em agricultura, a despeito da ênfase no desenvolvimento para

o qual o comércio deveria desempenhar um papel fundamental, a declaração não

autorizava o pré-julgamento ou estimativas sobre o resultado das negociações,

como evidenciado no trecho sobre aquelas negociações: “without prejudging the

outcome of the negotiations”.97

A futura paralização da rodada e os impasses recorrentes nas negociações

se associavam desde o nascedouro ao teor ambíguo desse documento. Como

aponta Wolfe (2007), essa ambiguidade se enunciava pela forma como a

Declaração determinava os temas para discussão e negociações posteriores, pois

permanecia a incerteza acerca do conteúdo exato que deveria conformar um

resultado final, sob o single undertaking (WOLFE, 2007).

Os membros da OMC responderam a circunstâncias geopolíticas agudas,

na segunda metade de 2001 e num ato de solidariedade internacional lançaram a

Rodada do Desenvolvimento de Doha. Isso explica como os países estavam

prontos a se comprometerem com uma data para o fim das negociações (janeiro de

2005), mas não para finalizarem o conteúdo da agenda daquelas negociações,

efetivamente deixando indefinido o conteúdo de uma pontencial barganha. Sobre

essa ambiguidade e indefinição, exerceria pressão crescente a sombra do passado,

não apenas em termos da chamada built-in agenda, mas também das preocupações

com os custos de implementação dos compromissos da Rodada Uruguai (1986-

                                                            95DUNKEL, Arthur; SHUTERLAND, Peter; RUGGIERO, Renato. Joint Statement on the

Multilateral Trade System, 1 Feb. 2001. Disponível em: http://www.wto.org/english/news_e/news_e.htm. 96ROSENBAUM, Jon T.; TYLER, Willian G. South-South Relations; The Economic and Political Content of Interactions Among Developing Countries. International Organization, v. 29, n. 1, 2003. Disponível em: http://www.Jstor.org/stable/2706291. Acesso em: 24 mar. 2009. 97Declaração Ministerial de Doha (WT/MIN(01)/DEC/1; parágrafo 13).  

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1994) que pesavam bastante sobre as negociações subsequentes (EVENETT,

2007).

O resultado dessa ambiguidade repercutiria sobre o que poderia ser

percebido como um triângulo de trade offs, conformado naquele momento por:

temas tradicionais, como agricultura, NAMA e algumas regras; temas novos ou

“intangíveis”, como serviços e os temas de Singapura e a questão do

desenvolvimento.

O objetivo do encontro de Doha era ampliar a agenda em progresso da

Rodada Uruguai (1986-1994). Como agricultura e serviços não seriam temas

suficientes para uma nova rodada e o progresso nessas áreas era improvável e na

ausência de maiores possibilidades de “linkagem”, incorporavam-se às

negociações “NAMA plus rules”, enquanto subsídios e anti-dumping, que trariam

capacidade de maiores trade offs. Sobre essa base de negociacões para a rodada,

conjugava-se o reconhecimento político de observarem-se as necessidades dos

países em desenvolvimento, tanto nos textos, quanto no que diz respeito à

assistência técnica necessária à sua participação no processo negociador

(WOLFE, 2007).

O futuro estreitamento desse triângulo, que assim seria referido pelo DG,

Pascal Lamy, em 2006, ainda durante o transcorrer das negociações, associava-se

intimamente aos Temas de Singapura (1996). Em Doha (2001), a UE insistia na

inclusão dos temas, como parte da agenda de negociações, enquanto muitos países

em desenvolvimento se opunham, principalmente a Índia que permaneceu

resistindo até o final da Conferência. Esses temas seriam fundamentais para o

fracasso da Conferência de Cancun (2001) e para o fortalecimento da coesão do

G-20.

Nesse sentido, a ambiguidade quanto aos temas se enunciava pela frase:

“…members agree that negotiations will take place after the Fifth Session of the Ministerial Conference on the basis of a decision to be taken, by explicit consensus, at that Session, on modalities of negotiations”98.

Como aponta Panigariya (2002), os países desenvolvidos traduziram essa

sentença enquanto significando que em Cancun seria decidido apenas sobre as

                                                            98 WT/MIN(01)/DEC/1. Parágrafo 27.

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modalidades de negociação, enquanto o acordo para lançamento daquelas

negociações já estaria em vigência. Nesse sentido, as negociações fariam parte do

single undertaking a ser realizado até o começo de janeiro de 2005. Em

contrapartida, os países em desenvolvimento interpretavam a mesma frase como

significando que a decisão sobre modalidades por consenso explícito lhes

permitiria o recurso ao veto àquelas negociações como um todo.

O posicionamento da Índia em Doha foi o de exigir a retificação ou

clarificação do texto da Declaração Ministerial, o que forçou o Chair da

Conferência, Yussef Hussain Kamal, a manifestar seu entendimento de que o

direito de veto às negociações estaria assegurado (PANAGARIYA, 2002).

Entretanto, esse pronunciamento foi feito enquanto parte das observações finais da

Conferência, não gozando de validade legal, apesar de consistir em parte dos

procedimentos do encontro. Esse pronunciamento não resolveu as diferenças de

percepção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, permanecendo a

dúvida para as futuras negociações, quanto a se os temas de Singapura fariam

parte ou não de um acordo no formato do single undertaking.

Esta interpretação do Acordo e a clarificação feita pelo Chair lançavam os

membros da Organização à dura prova de disputar o significado da Declaração de

Doha na Conferência seguinte e, como aponta Khor (2002), já era suficiente para

causar sérias dúvidas quanto às possibilidades dos membros chegarem a um

consenso em relação ao futuro das negociações que aconteceriam em Cancun

(2003).

Admitida a interpretação dos países desenvolvidos que de fato terminou

por prevalecer, Wilkinson (2004) aponta para os constrangimentos em que os

PEDs se encontraram após o lançamento da Rodada. Se no começo das

negociações havia o claro compromisso de proceder à revisão dos acordos da

Rodada Uruguai99 antes do começo das negociações nos temas de Singapura

(1996) e comércio eletrônico, o programa de trabalho da rodada terminou por

estabelecer um cronograma específico que determinava que as negociações

deveriam começar nos temas de Singapura (1996) em Cancun (2003), após um

                                                            99 Associado às promessas de endereçar a relação entre comércio, débito e finanças, os constrangimentos sistêmicos das pequenas economias, transferência de tecnologia, cooperação técnica e construção de capacidades, assim como o compromisso de revisar e fortalecer as provisões de tratamento especial e diferenciado. (WILKINSON, 2004)

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período curto de clarificação dos temas, e os resultados passariam a conformar um

segundo single undertaking.

Como resultado, a arquitetura do programa de trabalho garantiria que

qualquer movimento de avanço nos temas de interesse dos PEDs deveria ser

precedido pela pressão para a aderência desses países aos temas caros ao mundo

desenvolvido. Tornava-se inevitável que, uma vez que as preocupações dos PEDs

fossem reconhecidas e concessões fossem prometidas, as negociações deveriam

começar nas novas áreas. Ou seja, sem um movimento de avanço subsequente das

negociações nos temas de Singapura não haveria qualquer acordo formal ou a

operacionalização de quaisquer provisões de interesse dos PEDs (WILKINSON,

2004).

Given the situation developing states find themselves in, coupled with the broad-based acceptance of trade liberalisation as an engine for growth among their number, it is highly unlikely that they will wish not to agree in the medium term to a deal that includes the Singapore issues. (WILKINSON, 2004, p. 12)

A alternativa à não aceitação da negociação nessas bases conformaria um

novo fenômeno nas negociações de comércio que emerge do impasse atingido em

Cancun, pela falta de alternativas dos PEDs diante da expansão da agenda dos

países desenvolvidos em prejuízo dos seus interesses nas futuras negociações.

A Declaração de Doha, portanto, apresentava-se já como dilema para os

PEDs, muito antes mesmo que qualquer negociação de substância fosse

endereçada, pois como aponta Wolfe (2008), as rodadas de negociação que

normalmente começam com grandes pacotes legislativos e uma grande

negociação multilateral que se move através de um processo “botton up” de baixo

para cima, de uma grande variedade de temas possíveis para discussão, mover-se-

ia através de uma agenda imprecisa em Doha, para uma agenda cristalizada, no

Marco de Julho de 2004, para um texto de negociação, apenas no começo de

2008, como condição para um texto negociado, e só então para um texto acordado

e, finalmente, para um tratado (WOLFE, 2008). O single undertaking da rodada

Doha só começaria a tomar forma quando o trabalho inacabado da Conferência de

Cancun de 2003 foi concluído, com o Acordo-quadro do Marco de Julho de 2004,

o que estabeleceu o status negociador dos temas de Singapura.

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5.5

A OMC enfrenta as resistências dos PEDs: o avanço das

negociações através das mini-ministeriais e da criação do Comitê de

Negociações Comerciais

Como aponta Khor (2002), a OMC se encontravam em uma encruzilhada,

pois as decisões anteriores a conferência ministerial de Cancun (2003) teriam

importante efeito sobre a direção que o regime tomaria nos próximos anos. Na

conjuntura, a OMC teria de optar entre: endereçar as questões problemáticas e as

incongruências nas regras e no sistema ou optar pela inclusão dos novos temas

que poderiam distorcer o sistema multilateral de comércio e adicionar mais

questões aos problemas já acumulados pela Organização (KHOR, 2002). A partir

desse dilema e da forma como a Organização buscou resolvê-lo as condições para

o impasse em Cancun eram lançadas.

A influência que os países desenvolvidos exercem sobre a Organização se

manifestaria como um desafio aos PEDs pela sua interferência sobre o processo

negociador, por meio de duas medidas: a institucionalização das reuniões mini-

ministeriais e a criação de um Comitê de Negociações Comerciais (TNC).

Naquele momento, a prática das mini-ministeriais que começou no

processo pré-Doha começava a ser instituicionalizada, pois o DG e os

facilitadores já haviam declarado que elas consistiam em instrumentos úteis para o

avanço das negociações. O problema central era que elas ultrapassavam o

processo de Genebra (KWA, 2003), despertando a resistência dos PEDs.

A OMC buscava contornar o problema e o presidente do Conselho

Geral100 tentou avançar a discussão avançando uma série de propostas em

dezembro de 2002, retomando a discussão anterior sobre transparência de 2000,

realizada pelo último DG.

Essa iniciativa deu origem a um refinamento da iniciativa anterior,

originando as seguintes diretrizes para o futuro processo de consultas da

Organização: 1) os membros deveriam ser avisados com antecedência sobre essas

consultas; 2) os membros com interesse em um tema específico sob consulta

deveriam ter a oportunidade de explicar sua percepção sobre o tema; 3) não

                                                            100 Ministro canadense Sérgio Machi.

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deveria haver a pressuposição de representação de qualquer membro por outro

país, com a exceção dos casos em que isso tenha sido previamente e

explicitamente acordado; 4) o resultado dessas consultas deveria ser

expressamente reportado ao conjunto dos membros da Organização para sua

apreciação (WOLFE, 2004).

Dentro do debate que deu origem a estas diretrizes, a representação dos

PEDs via coalizões expressou sua perspectiva, mediante a iniciativa do Like

Minded Group,101 que em abril de 2002 elaborou um conjunto de propostas

(WT/GC/W/471) para aperfeiçoar o processo preparatório de Genebra e os

procedimentos de negociação das Conferências Ministeriais (WOLFE, 2004).

Embora não mencionasse o formato das mini-ministeriais, os princípios

defendidos pelo documento se aplicavam a esse formato de reuniões informais,

sem um critério de seleção de participantes e nenhum registro formal das

discussões e decisões tomadas nesses círculos que afetam todos os membros da

OMC (WOLFE, 2004). Não obstante a iniciativa do LMG, as negociações

subsequentes se baseariam nesse formato de negociações.

A outra iniciativa dos países desenvolvidos consistiu na proposta de

criação de um Comitê de Negociações Comerciais (TNC) para supervisionar as

negociações da Rodada Doha (2001), tendo o DG Mike Moore como o seu

presidente e que também enfrentou grande resistência dos PEDs que julgavam a

medida desnecessária, pois apesar de o GATT haver contado com um Comitê de

Negociações Comerciais, a OMC contava com um Conselho Geral, que o GATT

jamais possuíra concentrando autoridade decisória nas negociações que

ocorressem no interregno das reuniões ministeriais.

O TNC criava um problema estrutural para a OMC, pois o Secretariado da

instituição não deveria tomar parte nas negociações, mas ser neutro e servir a

todos os membros da mesma forma. Ele não deveria promover certas perspectivas

ou posições de certos membros. Por essa medida, o TNC passaria a funcionar ou

se identificar crescentemente como o Comitê Executivo da OMC, um Comitê

Gerencial (KWA, 2003). Os LDCs se opuseram à ideia, pois isso criaria um

conflito de interesses e os forçaria a negociarem diretamente com o Secretariado

da Organização. A Tanzânia representou os países menos desenvolvidos,

                                                            101 Cuba, Dominican Republic, Egypt, Honduras, India, Indonesia, Jamaica, Kenya, Malaysia, Mauritius, Pakistan, Sri Lanka, Tanzania, Uganda, and Zimbabwe.

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declarando que o Chair e vice-Chair deveriam ser representantes de países em

Genebra, o que possibilitaria respeitar o princípio do controle dos membros sobre

o processo negociador, destacando que o secretariado não deveria se envolver nas

negociações.102

A reação dos LDCs, do Like Minded Group e da maioria do Grupo

Africano foi defender a nomeação de um embaixador de Genebra, como Chair do

TNC; enquanto o Comissário de Comércio da UE, Pascal Lamy e o QUAD

apoiavam o DG, Mike Moore (KWA, 2003). A conquista dos países

desenvolvidos no estabelecimento do TNC foi possível pela quebra da resistência

do LMG; devido a sua postura comprometida com o futuro DG da Organização,

que seria o tailandês Supachai Panitchpakdi. Consequentemente, o ASEAN foi a

favor do DG, como presidente do TNC (KWA, 2003).103

Foi a partir da criação do TNC que o secretariado da Organização foi

capaz de assumir prerrogativas dos membros e obter a indicação de Stuart

Harbinson104 para Chair do Comitê de Agricultura, em fevereiro de 2002,

enquanto embaixador responsável pelo texto claro de Cancun que omitia as

posições dos países em desenvolvimento e que daria surgimento ao G-20. Esse

ministro contava com o ativo político dos seus últimos dias de Chairman do

Conselho Geral haver procedido às consultas e às nomeações dos principais

Chairs dos Comitês de negociação, razão pela qual seu nome consistiu numa

opção mais fácil para os países desenvolvidos (KWA, 2003).

Foi assim que as negociações de modalidades em agricultura começaram

em março de 2002, no Comitê de Agricultura, presidido por Stuart Harbinson e

contando com um prazo de doze meses para sua conclusão prosseguiram tendo

como palco central as reuniões mini-ministeriais.

A influência dos países desenvolvidos sobre o processo de negociação da

OMC ocorria paralelamente à reversão do seu posicionamento anterior em prol de

uma rodada do desenvolvimento. Como aponta Mercurio (2007), o tom

conciliatório e de cooperação que permitiu o lançamento da Rodada como

possível de ser mantido durante o transcorrer das negociações rapidamente

                                                            102 WTO 2001 WT/GC/M/72’Minutes of General Council Meeting, 19-20 Dec. Disponível em: http://www.wto.org. 103 Establishment of the trade Negotiation Commitee (TNC) and Related Issues. Paper, 21 dez. 2001. 104 Embaixador de Hong Kong na OMC e Chair do Conselho Geral em 2001.

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desapareceu e as negociações retornaram a serem direcionadas pelo mercantilismo

tradicional das rodadas de negociação comercial:

The reflection of this changed mindset was recently brought to the attention of the world by a statement from the United States Trade Representative (USTR) when Susan Schwab pointed out that the focus of US in the Doha Round is on real market Access and the new trade flows rather than addressing issues on development. (MERCURIO, 2007, p. 63)

O Congresso norte-americano aprovaria a Farm Security and Rural

Investment Act, em 2002, que aumentava o apoio governamental à agricultura,

sob a forma de subsídios, ao mesmo tempo em que não concedeu ao Executivo o

Trade Promotion Act (TPA), o que minava o compromisso do país com a

ratificação dos resultados das negociações (CARVALHO, 2005).

5.6

A formação da aliança entre EUA e UE no processo preparatório da

OMC para a Conferência de Cancun

Como as negociações não se aproximavam de um consenso e talvez

buscando explorar o poder da alteração das suas propostas negociadoras sobre os

outros membros da OMC, os EUA apresentaram propostas negociadoras radicais

em agricultura no verão de 2002 que exigiriam que o próprio país reformulasse a

política agrícola vigente. Entretanto, quando o fizeram, a UE era incapaz de

avançar no mesmo sentido, observando que não poderia se mover antes da

aprovação da nova Política Agrícola Comum, a ser lançada no verão de 2003.

Essas divergências entre os principais negociadores da rodada deram

origem a uma série de iniciativas formais e informais com o intuito de avançar

com a Agenda de Doha. Essas iniciativas compreenderam uma reunião mini-

ministerial, em Sharm-El-Sheik, no Egito, entre 21 e 22 de junho, a qual

fracassou, devido ao adiamento do anúncio da Reforma da PAC, pela UE, que só

foi anunciada em 26 de junho. As expectativas, então, se direcionaram para a

reunião mini-ministerial de Montreal, de fins de julho de 2003.

Como não era possível obter um acordo, os outros temas da rodada

passavam a sofrer o impacto do impasse em agricultura, já que o primeiro projeto

de texto preparado pelo presidente Stuart Harbinson não foi capaz de suplantar as

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divergências entre os principais negociadores na Sessão Especial sobre

Agricultura105, quando a determinação das modalidades para essas negociações

deveriam ocorrer até 31/03.106

Como as negociações falhavam porque não foram capazes de respeitar o

prazo final para a conclusão das negociações sobre as modalidades e como a data

para a Conferência Ministerial de Cancun se aproximava; em 7 de julho de 2003,

o presidente do Comitê de Agricultura relatou ao Comitê de Negociações

Comerciais, que não havia consenso no estabelecimento das modalidades

(SCHOTT, 2004).

Diante do impasse, a resposta do Diretor-Geral da OMC, Supachai

Panitchpakdi consistiu em uma dupla iniciativa: buscou o compromisso da UE e

dos EUA para que juntos encontrassem uma forma de superação do impasse nas

negociações, mas também advertiu os países em desenvolvimento de que

deveriam flexibilizar as suas posições (LENK et al., 2004).

Para os EUA as negociações em agricultura naquele momento não

deixavam muitas opções em relação à aliança com a UE, pois o bloco tinha pouco

e sofria fortes resistências internas para avançar elaborando uma proposta. No

entanto, se trabalhar com a UE provavelmente produziria um acordo limitado, não

trabalhar com o bloco iria fatalmente condenar Cancun. A estratégia possível para

os EUA, portanto, deveria ser trabalhar com a UE e esperar que os demais

membros da OMC levassem os EUA em direção dos seus interesses de reforma

do setor agrícola (SCHOTT, 2004).

Em resposta à solicitação do Diretor-Geral, EUA e UE fizeram circular sua

proposta conjunta, em 13 de agosto, emergente da aproximação desses atores

ocorrida na reunião mini-ministerial de Montreal107, onde foi formada a sua

aliança (WOLFE, 2004). Essa proposta se caracterizou, entretanto, por um

retrocesso na posição negociadora dos EUA, ao invés de um avanço na posição

                                                            105 Enquanto as primeiras ofertas em serviços deveriam ocorrer na mesma data; as modalidades de negociação para NAMA, assim como a revisão do mecanismo de solução de controvérsias. As negociações em serviços até então bem sucedidas começavam a se ressentir dessas perspectivas, assim como as discussões sobre NAMA. Além disso, a revisão do mecanismo de solução de controvérsias era outra área que as divergências quanto às dimensões dessa revisão começaram a apresentar problemas. O insucesso em TRIPs e saúde pública assim como a definição da implementação e do tratamento especial e diferenciado também se somaram a estes constrangimentos, pois as negociações previstas para 2002 não se concretizaram até dezembro. In: Carta de Genebra: informativo sobre a OMC e a Rodada de Doha. Ano 2, No 2, Fevereiro de 2003. 106 Carta de Genebra: informativo sobre a OMC e a Rodada de Doha. Ano 2, n. 2, fev. 2003. 107 Julho de 2003.

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européia, conforme a avaliação dos PEDs, que desde o início denunciaram o

conteúdo do documento. Nessa proposta, a adesão dos EUA ao compromisso com

as sensibilidades europeias afastaria definitivamente os compromissos assumidos

em relação ao Mandato de Doha e a sua agenda focada no desenvolvimento

A conjuntura interna dos EUA, com a aprovação da Lei Agrícola de 2002

e a proximidade das eleições presidenciais de 2004 também contribuíram para o

compromisso com a UE em agricultura, pela qual a UE apoiaria os novos

subsídios dos EUA, em troca do apoio desse país a menores reduções tarifárias.

Isso aconteceu pelo apoio à chamada fórmula mista para o acesso a mercados −

1/3 reduzida pela fórmula da rodada Uruguai, 1/3 pela fórmula Suíça e 1/3

reduzidos a zero (JENK, PRESSER; MADUREIRA, 2004).

[...] a proposta conjunta teve sua ambição em acesso a mercados restringida pela sensibilidade européia, sua ambição em redução de subsídios domésticos limitada pelos EUA, e sua ambição quanto a à eliminação dos subsídios à exportação constrangida pela sensibilidade dos dois. (JENK; PRESSER; MADUREIRA, 2004, p. 9)

Essa proposta trazia ainda uma nova categorização de países em

desenvolvimento, que pode apontar para uma iniciativa de tentar subdividir a sua

posição negociadora na rodada, “países em desenvolvimento significativamente

exportadores de alimentos”,108 que deveriam ser beneficiados por medidas de

tratamento especial e diferenciado a eles adaptadas (JENK; PRESSER,

MADUREIRA, 2004).

A forma como os interesses dos PEDs eram escamoteados pela proposta

conjunta se mantinha ostentando a mesma ambiguidade que esteve presente no

lançamento da rodada, quanto aos temas e distanciando-se tanto quanto possível

de uma maior substância ou números concretos como base para futuras

negociações.

Segundo Messerlim (2004), o texto dos EUA e da UE sobre agricultura era

deficiente de substância e foi assim percebido pelos membros do G-20, não

fornecendo quaisquer indicações claras das intenções daqueles dois negociadores,

omitindo quaisquer percentagens das linhas tarifárias que deveriam ser submetidas

à fórmula suíça ou à fórmula da Rodada Uruguai. Não havia menção ao teto

tarifário ao final do período de implementação da Rodada de Doha em agricultura                                                             108 Significant Net Food Exporting Countries.

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ou em relação à evolução dos subsídios à exportação. Como resultado, o texto não

poderia sequer ser visto como uma primeira etapa das negociações. Como

observou a The Economist (14/08/2003):

The text offers a commitment to eliminate subsidies, over time, on those products of particular interest to poor countries. Which products exactly? it doesn’t say. And how long before the subsidies are eliminated? Again we are left to fill in the blanks by ourselves. All that can be known from the text is that exports credits that America favours will be phased out just as quickly (or slowly) as the export subsidies the EU so cherishes. The pact’s commitments on import tariffs are even more opaque. The EU and America will try to improve access to their markets in not one but three different ways, blending these measures by some secret formula they do not see fit to divulge. Some tariffs will be cut although the pact does not say by how much. Some product lines will be even duty free. Still others will be subject to a Swiss formula coefficient. That’s clear then…the pact is not so much a trade deal as a signal that the EU and the United States are not yet willing to give up to the Doha Round. After American farm bill last year and the EU’s anemic efforts to reform its common agricultural policy, the Doha Round had looked set to fail. Don’t cancel your tickets to Cancun just yet, is the unstated but substantive message of this pact.109

5.6.1

A conferência de Cancun e o surgimento do G-20

 O processo de negociação que levou à edição da V Conferência Ministerial

combinou encontros e textos submetidos ao processo formal em Genebra com

encontros mini-ministeriais, envolvendo de 20 a 30 ministros dos países

desenvolvidos e PEDs vistos como chave por seu tamanho, interesses e efetiva

participação no progresso negociador. Houve, contudo, uma alteração importante

nas negociações que ocorreram em Cancun e que repondia pela satisfação parcial

das demandas dos PEDs por maior representatividade na OMC e os

procedimentos informais de negociação foram formalizados em certa medida, pois

os representantes dos Grupos Informais foram tratados como seus representantes,

ao invés desta escolha permanecer relegada ao arbítrio do Chair das negociações

(SAUVÉ, 2004).

A única área em que houve efetivamente negociações em Cancun seria a

agricultura e essas negociações assumiram a forma de encontros de nível

ministerial comandados pelo facilitador das negociações agrícolas, ministro

                                                            109 A Small step on the road to Cancun: Europe and America have presented a plan on agriculture, the main sticking point in the Doha trade talks. But other members of the World Trade organization are unimpressed. The Economist, 14 Aug. 2003. p. 33.

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George Yeo, de Singapura. Esses encontros levaram em consideração os três

pilares agrícolas tomando como referência os textos Castillo e propostas

individuais como a do G-20. Essas negociações tomaram a forma de rodadas de

consultas entre o G-20, primeiramente com os EUA e a UE individualmente e,

então, com uma rodada final entre os três (MESSERLIM, 2004). O facilitador

também se reunia com outros grupos negociadores, especialmente com o Grupo

de Cairns; entretanto, o peso político dos PEDs reunidos no G-20 e as discussões

de confrontação entre a sua proposta e a dos EUA e EU que foi incorporada no

texto do Chairman foram conduzidas pelo G-20.

Como aponta Anania (2005), a maior consequência de Cancun foi a

emergência dos países em desenvolvimento como negociadores efetivos no

sistema multilateral de comércio, pois na ocasião ficaria definitivamente provado

que as preocupações desses países deveriam ser levadas em consideração para que

qualquer acordo posterior pudesse ser atingido. Somente mediante a participação

dos PEDs no Grupo de Cairns é que esses países foram capazes de atuar em

conjunto com os países desenvolvidos e consistir em uma via média de

amortecimento para as tensões entre EUA e UE que impossibilitaram o avanço

das negociações em agricultura.

A emergência do G-20 resgataria a clivagem Norte e Sul, mantendo,

contudo, a pertinência de muitos membros nos dois Grupos, assinalando a

emancipação da representação dos PEDs em agricultura da co-participação com o

mundo desenvolvido em uma cross-over coalition. Se a principal coalizão

responsável pelo sucesso das negociações em agricultura na rodada anterior havia

sido o Grupo de Cairns, em Cancun, os PEDs se desvinculavam da parceria com o

mundo desenvolvido para, a partir das regras e da nova institucionalidade da

OMC se valerem delas para bloquearem o consenso, exigindo que seus interesses

fossem levados em consideração nas negociações.

Essa emancipação que se deu a partir das características que distinguem os

dois Grupos e que foi indispensável para a materialização da aliança do Brasil

com a Índia se converteria em um obstáculo difícil de ser superado nas futuras

negociações de acesso a mercados e que condenaria o G-20 a permanecer numa

posição intermediária em relação aos interesses dos EUA e da EU. Posição

intermediária que se relacionaria intimamente com as circunstâncias de formação

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do Grupo na Conferência de Cancun e sobre a qual se assentou a sua coesão em

torno do Mandato de Doha.

As origens do G-20 ou o fator catalizador da sua união podem ser traçadas

desde a Declaração de Brasília, assinada por Brasil, África do Sul e Índia, em

junho de 2003, enquanto reação ou resposta ao texto conjunto de EUA e EU sobre

agricultura. A partir de então se reforçaria a estratégia brasileira de aproximação

com a Índia que permitiu a criação do Grupo e que vinha ocorrendo desde as

negociações de modalidades que ocorriam no Comitê de Agricultura da OMC

(NARLIKAR; TUSSIE, 2005).

O começo dessa aproximação do Brasil em relação à Índia, entretanto,

pode ser identificado já em março de 2003. Como observaram Delgado e Soares

(2005) em um documento sobre acesso a mercados foi aceito por 75 países,

contando com a adesão da UE, da Índia e de muitos PEDs. Naquele momento, o

Brasil passaria a buscar uma maior aproximação com o futuro parceiro do G-20.

O Brasil teria identificado uma ameaça de isolamento, diante do possível

surgimento de um grande bloco protecionista. Assim, o país começou a avaliar os

impactos, mediante pesquisas da sua delegação em Genebra, relativos ao

encampamento da reivindicação indiana de salvaguardas e de produtos especiais

para os países em desenvolvimento. O resultado da iniciativa concluiu que o país

não seria ferido no fundamental do seu interesse exportador, abrindo caminho

para o novo direcionamento da política comercial brasileira.

Até o lançamento da proposta conjunta em 13 de agosto, os membros do

Grupo de Cairns ainda esperavam que os EUA apoiassem a sua proposta;

enquanto os PEDs com posições mais defensivas em agricultura esperavam que a

EU pudesse encampar as suas reivindicações (NARLIKAR; TUSSIE, 2005). A

partir do momento em que EUA e UE materializam sua aliança em agricultura, os

PEDs perceberam que não poderiam contar a não ser consigo próprios.

A proposta conjunta constituiria a base do esboço de Declaração

Ministerial que seria apresentada em Cancun pelo presidente do Conselho Geral

da OMC, Carlos Pérez de Castillo, com a agravante de ainda trazer quatro anexos

que versavam sobre os temas de Singapura, incluídos na última hora das

negociações, por iniciativa de Japão, Coreia do Sul e UE.

Em reação a esse texto e na fase preparatória da Conferência de Cancun a

ocorrer entre 10 e 14 de Setembro, o Grupo foi formalmente constituído em 20 de

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Agosto. O caráter reativo da formação dessa aliança entre membros da OMC com

interesses tão heterogêneos inspirou desde o início a desconfiança e falta de

credibilidade dos países desenvolvidos em relação às reais possibilidades da

manutenção da coesão do Grupo. Desde o início, o G-20 teve de conquistar o

espaço político necessário para submeter uma proposta negociadora em Cancun e

insistir que fosse levada à Conferência.

As tentativas de desqualificar o Grupo e atribuir-lhe a intenção de

introdução da pretensamente superada clivagem Norte Sul eram constantes, e em

1 de setembro o Grupo enviou uma carta ao embaixador uruguaio Perez de

Castilho, exigindo que a sua proposta agrícola fosse encaminhada à Conferência

de Cancun, pois havia forte resistência principalmente dos EUA, para que o texto

Castillo consistisse na única proposta oficial das negociações. Como o texto em

questão era rejeitado por um grande número de delegações de PEDs e seus

Grupos, o G-20 sustentou que não havia necessidade de quaisquer disputas de

procedimentos e que suas propostas sobre a reforma nos três pilares do Acordo

Agrícola deveriam ser colocadas também sobre a mesa de negociação

(HUGUENEY, 2009).

A proposta de framework alternativo do G-20 reunia África do Sul,

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El

Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Índia, México, Paquistão, Paraguai,

Peru, Tailândia e Venezuela em reação à posição negociadora da aliança entre os

EUA e a UE de não abrir sua proposta à negociação.

Ao lado dessa reivindicação, surgia a defesa do compromisso da OMC

com o Mandato negociador de Doha (2001), fornecendo um texto alternativo de

resgatasse desse compromisso que trouxesse os países desenvolvidos para o que

consistiria na trajetória correta das negociações. Segundo Campolina (2003), o

processo de negociação de Cancun tornava evidente a discordância da maioria dos

membros da OMC, em relação aos processos de decisão e preparação dos

documentos. A despeito das diferenças ou heterogeneidade de interesses do

Grupo, a primeira fonte da homogeneidade do G-20 era política:

Memory of the failures of the old bloc-style diplomacy has persisted, and hence most delegates are quick to claim publicly that their coalitions are based not on identity or ideology but interests in particular issues. However, closer investigation reveals that many of these coalitions have also re-incorporated the key features of blocs. They are often limited to the developing world, outlive the

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issue of focus, frequently come to operate across issues, and are bound by a collective idea that the developing world shares several problems and needs to address them collectively (NARLIKAR; TUSSIE, 2005, p. 21)

5.6.2

O impasse de Cancun e a formação do G-20 em torno do mandato de

Doha

A coalizão se forma guardando estreita relação com o Mandato negociador

de Doha, que figurava como o cerne de coesão do Grupo ou fonte da legitimidade

do objetivo político de endereçar a questão do desenvolvimento enquanto tema

central do lançamento da nova rodada de negociações No Comunicado Ministerial

de Cancun110 do G-20 era reafirmado o compromisso com a agricultura que

constituía a “peça central” da rodada de Doha. O Grupo afirmou existir uma

relação inegável entre comércio e desenvolvimento e que para concretizar a

Agenda de Desenvolvimento de Doha seria fundamental que a agricultura

estivesse plenamente incorporada às regras do sistema multilateral de comércio,

de forma a corrigir as distorções existentes no comércio e na produção agrícolas

mundiais, mediante a realização de um comércio mais justo e equitativo.

O Grupo justificava a formulação da sua proposta quadro

(WT/MIN(03)/W/6), enquanto fiel ao Mandato Negociador de Doha, criticando o

Projeto do Presidente do Conselho Geral por não refletir o nível de ambição do

Mandato de Doha nos três pilares do Acordo Agrícola, ao não endereçar tanto a

questão das reduções expressivas e necessárias no apoio doméstico que distorce o

comércio, quanto um aumento expressivo no acesso aos mercados dos países

desenvolvidos, assim como a eliminação dos subsídios à exportações desses

produtos.

A característica política das reivindicações de reforma agrícola era

ressaltada no documento ressucitando a dimensão Norte-Sul e trazendo para as

negociações agrícolas da OMC, pois o G-20 propunha uma reforma expressiva do

comércio agrícola, mas exigia para isso uma contribuição fundamental dos países

desenvolvidos, pois na percepção do Grupo, a responsabilidade pelas distorções

comerciais existentes em agricultura era dos países desenvolvidos, devendo caber

                                                            110 Disponível em: http://www.g-20.mre.gov.br/conteudo/ministerials Cancun port01.htm. Acesso em: 20 jul. 2008.

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a eles a maior responsabilidade nas negociações, cujo objetivo fosse encaminhar

sua solução.

Essa proposta de framework alternativo do G-20 com toda sua iniciativa

política de uma reforma fundamental da agricultura acabou sendo acatada pelo

chanceler mexicano e Chair da Conferência, Luiz Ernesto Derbez e o G-20 tomou

parte em reuniões ministeriais com os EUA e a UE na tentativa de superar o

impasse. Como isso não foi possível, o Chair da Conferência terminou

convocando o Secretariado da Organização para redigir um documento único que

servisse de base para a negociação de uma Declaração Ministerial.

Naquele momento, surgiu uma grande oposição dos países em

desenvolvimento que se associava ao conteúdo do texto Derbez, que não avançava

maiores compromissos nos três pilares do Acordo Agrícola, guardando grandes

semelhanças com o texto anterior de Castillo e não exigindo maior

comprometimento dos países desenvolvidos. Em conjunto, o documento mantinha

a caixa azul, mantinha o conteúdo da proposta EUA-UE em acesso a mercados e

não se comprometia com a eliminação de todos os subsídios à exportação, mas

apenas daqueles constantes em listas de produtos específicas.

O G-20 não rejeitou completamente o texto, mas apontou seus problemas,

declarando que se prestaria a uma longa e difícil negociação. O ponto nevrálgico

do documento, contudo, consistiu nos temas de Singapura, que além de constarem

do texto Derbez, apresentavam-se nesse documento como áreas de negociação da

Conferência. Nesses temas esse texto era mais ambicioso do que o anterior.

Segundo Delgado e Soares (2005), o texto:

Removeu todos os colchetes que aí restavam, propôs um acordo sobre modalidades que deveriam ser adotadas pelo Conselho Geral para a negociação de investimentos (que correspondia a um framework multilateral de investimentos) e optou pelo início das negociações em compras governamentais e facilitação do comércio a partir das modalidades de negociação sugeridas nos Anexos D e E do texto Castillo. (DELGADO; SOARES, 2005, p. 5)

Como o texto sequer mencionava as posições dos PED e propunha a

abertura de negociações em três dos novos temas,111 ele foi rejeitado pela maioria

dos PEDs e o impasse se estabeleceu terminando por conduzir à suspensão dos

                                                            111 Compras governamentais, facilitação comercial e investimentos.

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trabalhos pelo ministro Derbez no último dia da Conferência quando as discussões

se iniciaram nos temas de Singapura.

Apesar de a UE flexibilizar sua posição sobre os novos temas, aceitando

abandonar os investimentos e a concorrência, para obter negociações sobre

facilitação comercial e compras governamentais, isso não foi o suficiente para

superar o impasse, principalmente em razão da oposição do G-90 que manteve sua

oposição a todos os temas, afirmando que sem um consenso nessas questões não

poderia haver um consenso na agenda de negociações da rodada como um todo.

Essa coalizão se formou em Cancun (2003), assumindo uma posição na

Conferência intimamente relacionada com a questão do Algodão, permitindo

perceber como a paralisação das negociações não coube exclusivamente ao G-20.

Ao contrário, esse resultado se deveu fundamentalmente ao esforço conjunto do

ACP e do Grupo Africano para formação do G-90, com o objetivo de deter o

avanço dos temas de Singapura (1996) e excluí-los da agenda de Doha (TUSSIE;

STANCANELLY, 2006).

Durante a Reunião de Cancun, a posição do G-90 era firme na rejeição ao

começo de negociações em áreas que poderiam resultar em compromissos

adicionais na OMC e buscava simplificar a agenda da Organização, para

concentrar-se em temas simples como implementação, tratamento especial e

diferenciado e agricultura, como pré-condição para o avanço das negociações em

outras áreas.

A rejeição dos temas de Singapura (1996) e a inflexibilidade do acordo,

entretanto, tiveram de passar pela agricultura; pois uma parte importante da

intransigência dos países do ACP se relacionava à indignação com o tratamento

da iniciativa sobre os subsídios do Algodão. Quatro países da África Ocidental112

apresentaram uma proposta para reduzir ou eliminar os subsídios aos produtores

denunciando que esses subsídios concedidos pela UE e pelos EUA e também na

China prejudicavam os produtores eficientes da sua região.

Essa proposta recebeu apoio de outros países em desenvolvimento, assim

com de muitos países da OCDE, apesar de o tema não integrar a agenda de Doha

na sua primeira minuta em que constavam apenas referencias ao tema. As

consultas terminaram por levar à sua inclusão na segunda minuta do texto

                                                            112 Burkina Faso, Mali, Benin, Chade.

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ministerial, no seu parágrafo 27, causando a indignação dos países da África

Ocidental, pois o texto propunha que diversos órgãos da OMC devessem

endereçar a questão “dos impactos das distorções existentes no comércio de

algodão, fibras sintéticas, têxteis e vestuário, a fim de assegurar a ampla

consideração de todo o setor”. No texto, também apareceu a sugestão de que os

órgãos internacionais empregassem os recursos existentes para a diversificação da

atividade econômica da região, onde o Algodão responde pela parcela mais

significativa do PIB. Essa resistência à mudança e a postura dos EUA de que o

peso do ajuste recaísse sobre os produtores eficientes e não sobre os produtores

subsidiados levou a que surgisse grande ressentimento quanto às negociações

(SAUVÉ, 2003).

A reação do ACP veio sob a forma da exigência da extinção dos subsídios

à exportação do Algodão no prazo de três anos e dos subsídios de produção em

quatro anos, a começar em 2005. Nesse ínterim devia haver o pagamento de uma

compensação de até US$ 300 milhões anuais aos países africanos prejudicados

pelos subsídios. A questão adquiriu forte conotação política e respondeu em larga

medida pela reunião exaltada e retórica dos chefes de delegação na noite de 13 de

setembro. O clima político pouco favorável permitia então prever o insucesso dos

avanços das negociações, ainda mesmo antes de a UE fazer sua oferta dos temas

de Singapura (SAUVÉ, 2003).

O colapso da Conferência de Cancun ocorreu nos temas de Singapura

(1996), mas a agricultura enquanto a questão politicamente mais sensível

contribuiu decisivamente para esse resultado. A falência da Conferência de

Cancun sinalizava uma importante distinção dos impasses prévios, pois um

antagonismo central entre países desenvolvidos e em desenvolvimento denunciou

o ressurgimento da clivagem Norte-Sul (ANANIA, 2005). Entretanto, o fazia a

partir de uma grande divergência de interesses comuns substantivos, permitindo

que o Grupo se mantivesse unido durante as negociações em reação ao

posicionamento da aliança dos países desenvolvidos.

Como foi o caso após Seattle (1999), o colapso de Cancun (2003) levantou

o questionamento quanto à governança do processo decisório da OMC, a despeito

dos avanços implementados desde a última ministerial para melhorar a

transparência do processo de consultas da OMC, pois os custos de informação

permaneceram altos para muitos membros que possuíam apenas uma fraca

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presença em Genebra (SAUVÉ, 2004), como era o caso de muitos membros do G-

90.

O processo decisório do consenso se apresentava crescentemente como um

dilema para a OMC, consistindo em uma força e uma fraqueza da Organização,

pois se havia grande dificuldade em negociações envolvendo os 148 membros da

OMC, o movimento na direção da formação de coalizões por parte dos PEDs

poderia facilitar a construção do consenso, aumentando a representatividade e

legitimidade da Organização. Entretanto, apresentava-se a consequência de

aumentar sua representatividade ao custo de aumentar também a inflexibilidade

política e, portanto, os riscos de falência das negociações (SCHOTT, 2004).

A partir do resultado de Cancun (2003), o G-20 aufere grande prestígio

para prosseguir negociando suas propostas com o mundo desenvolvido podendo

ser percebido como um ator fundamental para as negociações agrícolas futuras.

As bases da sua união, entretanto apesar de se restringirem à defesa do Mandato

negociador de Doha, em torno da importância da agricultura para o

desenvolvimento não deixaram de chamar a atenção para o fato de que o

desenvolvimento não se relaciona exclusivamente ao âmbito dos resultados

econômico, mas também envolve a efetiva participação no sistema internacional

(SAUVÉ, 2003). Isso implica perceber que tanto quanto o critério dos resultados,

a análise se debruce sobre a questão de como o processo negociador se altera no

sentido de encorajar e tornar efetiva a participação dos países em desenvolvimento

nas futuras negociações.

5.7

As divergências das propostas do G-20 e a da aliança EUA-UE nos

três pilares do acordo agrícola

A proposta agrícola do G-20 (WT/MIN(03)/W/6) se refere apenas às

negociações em agricultura, deixando claro que o progresso em outras áreas de

negociação deveria se subordinar aos avanços obtidos nessa área. A proposta do

G-20 avançava bastante em relação ao texto da EUA-UE, pois enquanto ambos os

países reivindicavam algumas mudanças pequenas no pilar suporte doméstico, o

texto do G-20 propunha grandes cortes para o mundo desenvolvido, reivindicando

a extinção do Artigo 6.5 do Acordo Agrícola, sobre Medidas de Apoio

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Doméstico, o qual permitia pagamentos diretos para Programas de Limitação da

Produção, que eram imunes aos compromissos e regras já acordadas de redução

do Apoio Doméstico (BATTISTI; MALTZAN; D”ATRI, 2006).

Em suporte doméstico, a proposta do G-20 se refere à declaração de

Doha, citando que os países desenvolvidos devem reduzir substancialmente seu

suporte doméstico distorcivo dos mercados agrícolas mundiais. Nesse sentido, os

membros da OMC que se valem dos maiores níveis de apoio doméstico deveriam

fazer os maiores esforços, devendo para isso:

1- reduzir todas as medidas de apoio doméstico que distorcem o comércio

em (x)%; (x)%, na base de produtos específicos, sendo que a diferença entre o

limite maior e menor não deveria ser maior que (x)%. Os produtos que se

beneficiassem de níveis de apoio doméstico maiores do que a média durante o

período (x) deveriam ser objeto de maiores reduções tarifárias.

Independentemente da redução aplicada a cada caso, uma redução inicial de não

menos do que (x)% deve ser aplicado a todas as medidas que apoio doméstico que

distorcem o comércio, dentro de 12 meses; 2- Nos produtos beneficiados pelo

apoio domestico que se destinam à exportação e que têm somado na média dos

últimos x anos mais do que (x)% das exportações mundiais desse produto, as

medidas de apoio doméstico deveriam ser sujeitas aos maiores níveis de redução,

com vistas à sua eliminação; 3- eliminação do Artigo 6.5 do Acordo Agrícola que

corresponde à caixa azul; 4- reduzir de minimis em (x)% para os países

desenvolvidos; A soma de apoio AMS e de minimis deveria ser submetida a um

corte de pelo menos (x)%; além disso, os pagamentos feitos à caixa verde

deveriam ser restringidos ou reduzidos pelos países desenvolvidos. Nesse sentido,

disciplinas adicionais deveriam ser elaboradas e negociadas

A proposta da aliança EUA-UE113 recomendava apenas a redução de (x)%

nas medidas de apoio doméstico mais distorcivas. Em vez da eliminação da caixa

azul, apenas sugeria a criação de novos critérios sobre ela; em relação à de

minimis, recomendava uma redução (x)%; a caixa verde sequer aparecia na

proposta, devendo permanecer inalterada.

                                                            113 JOB (03)/162 - AGRICULTURE FRAMEWORK PROPOSAL.

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Em Acesso a Mercados, pela proposta do G-20, a fórmula aplicada para

as reduções de tarifas nos países desenvolvidos deveria ser uma fórmula mista,

sob a qual cada elemento contribuiria para uma melhora significativa em acesso a

mercados para todos os produtos, de forma efetiva e mensurável.

Das linhas tarifárias, (x)% deveriam ser submetidas a um corte tarifário de

x%, para atacar a questão da escalada tarifária, um fator (x) deveria ser aplicado

para o nível de corte tarifário do produto processado , nos casos em que suas

tarifas se apresentassem mais altas do que a tarifa do produto na sua forma

primária; (x)% das linhas tarifárias deveriam ser submetidas à fórmula Suíça com

o emprego do coeficiente (x); (x)% das linhas de tarifas deveriam ser livres de

tarifas; a média total de cortes tarifários nos dois últimos itens deveria se situar em

pelo menos (x)% e ser superior ao corte do primeiro ítem. As linhas de tarifas que

deveriam ser mais reduzidas seriam aquelas que superassem (x)%. Salvaguardas

Especiais em Agricultura para os países desenvolvidos deveriam ser extintas;

todos os países desenvolvidos deveriam oferecer completo acesso sem tarifas para

todos os produtos tropicais e outros mencionados no preâmbulo do Acordo

Agrícola, assim como outros produtos agrícolas representados pelo menos (x)%

das importações dos países dos países em desenvolvimento. Deveria haver

salvaguardas especiais para os países em desenvolvimento, em produtos sensíveis,

guardando estreita relação com o impacto do acesso nesses casos. O escopo do

Acordo Agrícola deveria ser expandido de forma a incluir programas mais

específicos; deveriam ser mantidas as de minimis para os países em

desenvolvimento.

Devido as suas necessidades de desenvolvimento rural e segurança

alimentar, os países em desenvolvimento devem se beneficiar do tratamento

especial e diferenciado, incluindo reduções tarifárias inferiores e períodos de

implementação mais longos, assim como no que diz respeito ao estabelecimento

de produtos especiais, sob condições a serem determinadas no transcurso das

negociações. Nesse caso a fórmula aplicada para reduções tarifárias deveria ser: 1)

todas as linhas tarifárias deveriam se sujeitar a x% de um corte tarifário médio e

um corte mínimo de (x)%; 2) Não haveria compromisso de redução em relação a

expansão de TRQ e redução dos níveis tarifários dentro das cotas de níveis

tarifários para os países em desenvolvimento; Em condições a serem estabelecidas

nas negociações, um mecanismo especial de salvaguarda deve ser estabelecido

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para os países em desenvolvimento, o escopo do qual deveria ser baseado no

impacto dos cortes tarifários, segundo o que estabelece o princípio do tratamento

especial e diferenciado.

A proposta dos EUA-UE propunha uma fórmula mista para todos os

países, contando com uma redução de (x)% de linhas tarifárias sofrendo (x)% de

corte médio, restringindo-se o corte mínimo a (x)%; nos casos de categorias de

produtos sensíveis, o acesso se daria através de uma combinação de redução com

cotas tarifárias; (x)% das tarifas seriam reduzidas pela fórmula suíça com

coeficiente (x); (x)% das linhas deveriam ser isentas de tarifas; a salvaguarda

especial deveria ser mantida para o mundo desenvolvido; o acesso dos produtos

dos países em desenvolvimento aos mercados desenvolvidos deveria ser garantido

por um patamar mínimo de (x)% do acesso desses produtos, através da

combinação do tratamento de MFN e do acesso preferencial; a salvaguarda

especial para os países em desenvolvimento deveria se concentrar sobre produtos

sensíveis; países em desenvolvimento fariam jus ao tratamento especial e

diferenciado, através de maiores prazos de implementação e menor redução de

tarifas.

Em Acesso a Mercados, a proposta do G-20 é mais específica do que a

proposta conjunta EUA-EU, pois a reivindicação era a de que se procedesse à

garantia de acesso a mercados para todos os produtos de forma mensurável e

efetiva. O G-20 exigia regras claras sobre administração dos quocientes tarifários,

de forma que as cotas tarifárias deveriam ser expandidas até uma percentagem da

absorção doméstica da produção e que as tarifas dentro das cotas deveriam ser

abolidas. Além disso, os países em desenvolvimento não deveriam ser

requisitados a contribuir com compromissos relativos à apreciação dos níveis

tarifários e de redução de níveis tarifários nas cotas (BATTISTI; MALTZAN e

D’ATRI, 2006).

Em subsídios à exportação, o G-20 reivindicava permissões quantitativas

e orçamentárias: os países deveriam se comprometer a eliminar durante um

período de (x) anos, os subsídios à exportação para os produtos de maior interesse

para os países em desenvolvimento; Eles também deveriam se comprometer com

a eliminação dentro de um prazo dos subsídios à exportação nos produtos

remanescentes; com relação aos créditos à exportação oficiais, garantias e

programas de seguros, disciplinas deveriam ser implementadas baseadas em

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regras, sem prejuízo das disciplinas existentes sobre a restrição e limitação dos

compromissos assumidos com relação aos subsídios à exportação anteriormente.

A proposta EUA-UE se pautava pelo paralelismo, que determinava que o

processo de redução dos apoios à exportação deveria ser realizado em uma base

de integração entre áreas diversas do suporte à exportação, que englobam

subsídios, créditos e ajuda alimentar. Deveria haver o compromisso de em (x)

anos reduzir os subsídios à exportação nos produtos especificados como de

interesse dos países em desenvolvimento (x). Os produtos remanescentes

deveriam sofrer reduções quantitativas e orçamentárias; eliminação dos elementos

distorcivos dos créditos à exportação nos casos dos produtos remanescentes

acima; disciplinas adicionais deveriam ser estabelecidas para neutralizar os efeitos

sobre o mercado da ajuda alimentar e a regulação das empresas de comércio

estatais.

5.8

Quem é o G-20: as características da coalizão

 

O G-20 surgiu por iniciativa do Brasil que desempenhou papel

determinante para a sua formação. Esse protagonismo se relacionava diretamente

com o rumo das negociações no Comitê de Agricultura da OMC, quando em

março de 2003 a UE apresentou um documento sobre acesso a mercados que

contava com a assinatura de mais de 75 países, dentre os quais muitos membros

em desenvolvimento da OMC, como a Índia (Delgado; Soares, 2005).

Esse momento teria consistido num ponto de inflexão na posição do Brasil

nas negociações, pois o Brasil se confrontava com a possibilidade concreta do

surgimento de um grande bloco protecionista liderado pela UE, envolvendo

muitos países em desenvolvimento e podendo isolar o país nas negociações.

A partir desse ponto, a delegação brasileira em Genebra parte para a

realização de pesquisas e estudos sobre a agricultura indiana que prospectassem a

possibilidade de uma aliança entre os países. A premissa desses estudos era a de

que o Brasil pudesse encampar as propostas indianas sobre salvaguardas e

produtos especiais para os países em desenvolvimento. A conclusão dessas

pesquisas apontou que os custos dessas concessões para os demais países em

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desenvolvimento não seriam tão elevados ou comprometeriam os interesses

fundamentais do Brasil.

A partir dessa aproximação entre Brasil e Índia, começam as negociações

para a elaboração de uma proposta alternativa entre esses dois atores. Nesse

ponto, a presença da Argentina no Grupo foi considerada fundamental e o começo

dessas negociações envolveu, além do Brasil e da Índia, também esse país, que

chegou a fornecer a proposta base sobre a qual se basearam as negociações da

proposta oficial do grupo.

Delgado e Soares (2005) apontam que a partir do resultado das

negociações entre esses três países, o embaixador indiano teve a iniciativa de

procurar um diplomata chinês, trazendo a China para o Grupo. A partir de então,

coube ao Brasil trazer os membros latino-americanos para o G-20, culminando em

agosto de 2003, num grupo composto de 17 países a assinarem a proposta

alternativa do G-20. Nos dias subseqüentes e ainda durante a fase preparatória da

Conferência Ministerial de Cancun, mais três adesões seriam contabilizadas.

O surgimento do G-20 constituiu-se numa coalizão histórica dos países em

desenvolvimento, sobretudo pela participação e compromisso da China com o

Grupo de PEDs, a partir do seu recente ingresso na OMC.

O G-20 apresentou uma nova versão da diplomacia das potências

emergentes, contando com o Brasil, a China e a Índia no comando. Nesse sentido,

a coalizão tinha grande significado em termos econômicos, abrangendo 69% dos

agricultores de todo o mundo. Como tal, representava ameaça plausível no que se

referia a vetar consensos na OMC apresentando grande legitimidade para isso. No

mesmo sentido, o grupo faria uso da sua grande representatividade populacional,

pois representava os interesses de mais da metade da população do mundial.  

A coalizão combinava uma variedade de países em desenvolvimento,

inclusive pequenos países cuja suscetibilidade a quedas de braço bilaterais era

grande e cuja capacidade de resistir a pressões dessa natureza era pequena.

Embora focalizasse a agricultura, reuniu países com posições divergentes quanto à

questão da liberalização nesse tema. Nesse sentido, apesar da semelhança com o

Grupo de Cairns, quanto ao objetivo declarado da liberalização do comércio

agrícola, havia grandes diferenças entre o perfil de ambos os grupos.

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A maioria dos membros do G-20 eram também membros do Grupo de

Cairns, havendo um grau de semelhança grande entre as posições de ambos os

Grupos. No entanto, enquanto o G-20 busca um balanço entre a liberalização da

agricultura e os objetivos do desenvolvimento dos seus membros, o Grupo de

Cairns restringe seu foco à liberalização da agricultura (HUGUENEY, 2009),

coincidindo suas agendas no que diz respeito à abertura dos mercados dos países

desenvolvidos e também na rejeição das distorções do mercado agrícola

internacional pelos subsídios dos países desenvolvidos.

Uma diferença fundamental entre o G-20 e o Grupo de Cairns reside na

definição do tratamento especial e diferenciado para os países em

desenvolvimento, especialmente na área de acesso a mercados. O G-20,

claramente, aceita uma abordagem dual com espaço para negociações de acesso a

mercados em que sejam levadas em consideração as necessidades do

desenvolvimento rural e a situação de países como a Índia com uma grande

população rural. Já o Grupo de Cairns reconhece a necessidade de tratamento

especial e diferenciado para os PEDs, mas a partir da sua composição majoritária

por grandes exportadores desses produtos, defende um maior compromisso com a

abertura de mercados em agricultura, tanto em países desenvolvidos como em

desenvolvimento (HUGUENEY, 2009).

Não apenas no seu tema por excelência da reforma da agricultura havia

espaço para divergências internas no grupo, mas a grande divergência das

trajetórias de desenvolvimento econômico que congregava no seu interior fazia

com que houvesse grandes divisões entre os seus membros. No entanto,

exatamente a partir dessa grande diversidade, o G-20 sempre reivindicou seu

direito à voz nas negociações pela grande representatividade que possuía.

Nesse sentido, o grupo apresenta uma ampla representação geográfica,

inserindo-se no continente africano pela presença de cinco países: África do Sul,

Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue. A Ásia se faz representada por seis

membros: China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia. Não obstante,

sua maior representação regional coube à América Latina, contando com 12

membros do Grupo: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala,

México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela

Segundo o sítio do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o G-20

consolidou-se como interlocutor essencial e reconhecido nas negociações

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agrícolas, a partir da legitimidade do Grupo que se deveria a três características do

Grupo. A primeira consiste na relevância dos seus membros para o âmbito da

produção e do comércio agrícola internacionais. Nesse sentido, o Grupo

representa quase 60% da população mundial, 70% da população rural em nível

mundial e 26% de todas as exportações agrícolas. Além disso, o Grupo possuiria

uma grande capacidade de traduzir os interesses dos seus membros em propostas

concretas. Em paralelo e como coadjuvante dessa habilidade, o G-20 apresentaria

uma destacada aptidão para coordenar o posicionamento dos seus membros nas

negociações frente aos outros grupos de países na OMC (MRE, 2009)114.

Após a Conferência Ministerial de Cancun (2003), os EUA reagiram à

paralisação das negociações na OMC, investindo numa ofensiva unilateral em

direção aos acordos bilaterais e sub-regionais de comércio, criando a Área de livre

Comércio da América Central115 e celebrando tratados de livre comércio com

Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Um dos objetivos dessa investida consistia

em buscar defecções no G-20, as quais se materializaram da parte desses países.

Em outubro de 2003, a composição do G-20 que havia atingido 22 países em

Cancun (2003) se reduziu a 18 membros, com as defecções de Colômbia, Costa

Rica, Equador, El Salvador, Guatemala e Peru (Delgado; Soares, 2005).

Como aponta Vizentini (2009)116, após a fase de defecções, o G-20

chegaria a contar com apenas 12 membros, o que levou o grupo a ser chamado de

“G-X” ou “G-20 Plus”, o que indiretamente foi reconhecido pelo próprio

chanceler Celso Amorin que reconheceu que o EUA estavam sendo bem

sucedidos na estratégia de minar a coesão do grupo. No entanto, quando as

negociações foram paralizadas em 2008, o G-20 era composto por 23 países-

membros.

O grupo sustentou por bastante tempo a sua união, a despeito da grande

heterogeneidade, que sugeria uma alta vulnerabilidade e risco de fragmentação.

Isso se torna mais desafiador por ele utilizar uma estratégia distributiva nas

negociações, solicitando concessões ao Quad e oferecendo muito pouco em

                                                            114 http://www.g-20.mre.gov.br/history_port.asp. Consulta em 11/11/2009. 115 EUA, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Posteriormente, houve a adesão da República Dominicana. 116 O G-3 e o G-20: O Brasil e as Novas Coalizões Internacionais. UFRGS - NERINT, 2009. In: http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo0644.pdf. Consulta em 11/11/2009

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contrapartidas. Para Narlikar e Tussie (2003.p 12) 117, a formação do Grupo

apresentava um fascinante dilema para os analistas de coalizões e negociações

comerciais da OMC, pois o grupo polarizou as negociações da OMC entre o

mundo desenvolvido e em desenvolvimento a partir da materialização de uma

improvável aliança entre países com tantas divergências de interesses sobre o

tema fundamental do comércio agrícola que consistia no foco central e exclusivo

da sua agenda negociadora.

“The biggest potential fault-line within the group was between the Cairns Group exporters and the defensive food importers. It combined some of the largest and most powerful members of the developing world with some of the smallest. Observers and several of our interviewees (from international organizations and non-members countries) repeatedly predicted the likely collapse of the group, particularly in the endgame when the Quad would wield a bilateral carrots and sticks on the group” (Narlikar; Tussie, 2009. P 13).

 

Pela ótica da dimensão da convergência de interesses comerciais, a

parceria entre Brasil e Índia na construção de coalizões seria “contra-intuitiva”.

Sabidamente Índia e Brasil tinham interesses divergentes na agenda multilateral

de agricultura, pois enquanto o Brasil se insere nas negociações através de uma

postura demandante e ofensiva que avança concessões de liberalização dos seus

mercados em troca de ganhos nas negociações, a Índia se distingue por uma

postura defensiva e protecionista na questão do acesso a mercados para produtos

agrícolas (Oliveira; Onuki; Oliveira, 2006. p 2)118.

Essa grande heterogeneidade de interesses deu origem a um grupo com

grande concentração de poder, num G-3, composto por BRICs – Brasil, China e

Índia- que se somava a um outro G-3, envolvendo Argentina, Chile e África do

Sul. Esse G-6 já era portador de uma grande diversidade que incorporava

trajetórias de desenvolvimento radicalmente distintas e preferências igualmente

inconciliáveis. Considerado esse G-6, a partir da sua aliança com a maioria de

membros do G-20, conformada por países pobres, os dilemas para a rodada que

prosseguiria as negociações tendo o grupo no seu centro tenderiam a aumentar.

                                                            117 Narlikar, Amrita; Tussie, Diana. O G20 e a Reunião Ministerial de Cancún: os países em desenvolvimento e suas novas coalizões (2004). In: http://www.funcex.com.br/material/rbce/79-g20-ANDT.pdf. Consulta em 11/11/2009. 118 Oliveira, Amâncio Jorge Nunes; Onuki, Janaína; Oliveira, Emmanuel. Coalizões Sul-Sul e Multilateralismo: Índia, Brasil e África do Sul. In: Contexto Internacional, Vol 28, No 2. Rio de Janeiro. Jul/Dez 2006.

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Principalmente porque o grupo detinha uma grande legitimidade pela sua

representação populacional, e em especial pelo grande número de agricultores

pobres que vivem nesses países. Paralelamente, essa concentração de poder

fortalecia o G-20 nas iniciativas de assédio que os EUA bucaram acestar contra o

grupo, pois a única margem para uma fissura significativa na coalizão se referia

ao desfaque de um desses seus grandes membros.

5.9

O G-20 após Cancun: a busca pela aliança dos países em

desenvolvimento frente às investidas dos países desenvolvidos

Após o fim da Conferência de Cancun (2003), o Chair Luis Erneto Derbez

foi criticado por encerrar a Conferência, pois não seria exceção que as

negociações efetivamente começassem quase no fim do encontro, pedindo seu

adiamento. Quanto mais após a alteração das posições de um negociadore-chave

como a UE em relação aos temas de Singapura (1996), sinalizando que poderia

desvinculá-los. Isso permitiria que temas mais delicados como política de

competição e investimentos pudessem ser transferidas para o dia posterior,

possibilitando progressos nas outras áreas.

Wilkinson (2004) menciona que Jagdish Baghwatti acreditava que a

suspensão das negociações consistia em parte de uma estratégia de negociação

posta em prática por iniciativa do chefe do USTR, Robert Zoellick, com o fito de

trazer os outros negociadores novamente à mesa de negociação com melhores

ofertas.119

Nesse sentido, as negociações que se seguiriam seriam marcadas por uma

diferença marcante da postura dos países desenvolvidos após o colapso da

Conferência Ministerial de Cancun (2003) em relação ao pós Seattle (1999). Em

seguida ao colapso de 1999, observou-se um esforço dos países desenvolvidos

para a obtenção do apoio entre os países em desenvolvimento para o lançamento

de uma nova rodada, em torno da questão do desenvolvimento enquanto tema                                                             119 A frustração do chefe do USTR com os PEDs durante a Conferência teria sido alimentada pela sua postura prévia ao encontro de não responder aos acenos e movimentos dos EUA, como no caso do waiver sobre o acordo de TRIPs e Saúde Pública e os sinais de que os EUA poderiam reduzir seus subsídios à exportação. Essa frustração teria se tornado exacerbada quando nos momentos finais do encontro os representantes dos países menos desenvolvidos, da África e do Caribe ensaiaram o abandono da Conferência. (WILKINSON, 2004)

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central da agenda das negociações. Após Cancun (2003), entretanto, esses

esforços não se materializariam da mesma forma, pois os PEDs já haviam

embarcado em uma nova rodada em Doha (2001).

A primeira tentativa de resgate da rodada ocorreu, mediante a iniciativa de

Pérez de Castillo, que declarou identificar avanços, sugerindo que o seu

prosseguimento retomasse por base o texto Derbez, bastante próximo do anterior e

contando como principais propostas com a redução no suporte doméstico e de

minimis, mediante uma dilatação no seu cronograma e a isenção de reduções de

minimis para os países em desenvolvimento. Negociações de acesso a mercados se

fariam pela fórmula mista e extinção dos subsídios à exportação em produtos de

interesse dos países em desenvolvimento, ocorrendo as demais reduções de forma

paralela a serem negociadas, determinando a prorrogação de alguns meses para a

Cláusula de Paz (JENK; PRESSER; MADUREIRA, 2004).

Paralelamente, os países desenvolvidos investiriam contra o G-20,

passando a buscar iniciativas bilaterais ou regionais, envolvendo em muitas dessas

iniciativas o assédio aos membros do grupo. O representante comercial dos EUA,

Robert Zoellick, declarou, que o seu país passaria a perseguir uma estratégia de

enfatizar a celebração de acordos bilaterais, havendo conseguido provocar

algumas defecções no G-20, como nos casos de El Salvador, Colômbia, Costa

Rica, Peru e Guatemala e Uruguai (BELLO; KWA, 2004).

A iniciativa dos países desenvolvidos, contudo, não seria capaz de abalar o

G-20. Como observa Messerlim (2004), um aspecto importante do G-20 consiste

na concentração do seu poder. O G-20 consiste em uma coalizão equivalente a um

G3+3; no sentido de que a flutuação do número dos seus membros não consiste

num indicador fundamental do peso do Grupo, pois ele é dominado pelos seus três

maiores membros, Brasil, Índia e China e os outros três membros relevantes,

como Argentina, Chile e África do Sul que têm poucas opções, pois seus

interesses agrícolas ofensivos não deixam alternativas a seguir participando no

Grupo na esperança de que o objetivo de um comércio agrícola mais livre

terminará sendo atingido. Essa configuração de G3+3 mantém intactas as

características do Grupo, enquanto o seu núcleo se mantiver estável ou as

mudanças não atingirem os membros desse G3+3.

Apesar das iniciativas de cooptação dos seus membros, a postura brasileira

na liderança do G-20 permanecia refletindo o compromisso com o

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multilateralismo e com o Mandato de Doha, reafirmando que a política externa

desenvolvida à frente do G-20 não buscava substituir as relações do país com o

mundo desenvolvido, que eram de grande importância. Segundo o embaixador

Seixas Correa: “Our relations with the wealthy nations are not marked by

confrontation but rather by defending our interests and adopting a firm stance that

is, at the same time, open to negotiation”.120

Para resistir às investidas dos países desenvolvidos à sua coesão e ao

mesmo tempo evitar a confrontação direta, ao G-20 restava estabelecer relações

próximas com outros Grupos com interesses em agricultura, investindo na

formação de alianças e na abertura à participação de outros países e Grupos. A

estratégia consistia em buscar apoio de países que compartilhassem dos interesses

em agricultura como via para o desenvolvimento dos PEDs. Para isso, o

instrumento fundamental da legitimidade do Grupo na persecução da aliança dos

demais grupos de PEDs consistia na ambição do Mandato Negociador de Doha.

Na reunião do G-20 de Brasília entre 11 e 12 de dezembro de 2003121, o

peso político que o Grupo adquirira era ilustrado pelas presenças do DG Supachai

Panitchpakdi e o Comissário da UE, Pascal Lamy. Na ocasião, ressaltou-se a

integralidade da Agenda de Doha para o desenvolvimento, asseverando-se que

outras interpretações ou a diluição do mandato negociador comprometeriam a

harmonia existente entre as várias frentes negociadoras, alterando o foco no

desenvolvimento que caracterizava o Programa de Trabalho da Rodada.

Insistiu-se que a liberalização e a reforma efetiva do comércio agrícola que

endereçasse a questão das barreiras e distorções ao comércio constituiriam um

passo fundamental para o objetivo do desenvolvimento dos países mais pobres. A

liberalização do comércio agrícola também consistiria em ativo importante para

endereçar a deterioração dos preços das commodities e a eliminação e de barreiras

e distorções comerciais, contribuindo para transformações econômicas, redução

da probreza e a conquista da estabilidade política e social nos países em

desenvolvimento. 122

                                                            120 Brazil’s Foreign Policy not aimed at confrontation with first world. In: BBC Monitoring Americas, London, 07 June 2004. Text of report by Adriana Fernandes and Denise Madueno, carried by Brazilian news agency Estado. p. 1. 121 Participaram: África do Sul, Argentina, Bolívia, Chile, China, Cuba, Egito, Filipinas, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Tanzânia, Venezuela e Zimbábue. O Equador enviou observador, assim como o CARICOM. 122 Comunicado da Reunião Ministerial do G-20. Brasília, 12 de dezembro de 2003.

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Na Declaração final do encontro, ressaltou-se que ao unir PEDs da África,

Ásia e América Latina com diversidade de estruturas produtivas e políticas

agrícolas em torno de um programa comum, o Grupo dava contribuição

fundamental para uma maior inclusão no processo decisório da OMC. Nesse

sentido, o G-20 declarava que pretendia ampliar sua colaboração com outros

Grupos, conclamando os demais membros da OMC a incorporarem as

preocupações dos países de menor desenvolvimento relativo. Os membros do G-

20 cortejaram a Declaração do Cairo, oriunda da Reunião mini-ministerial dos

países africanos, reconhecendo existir grandes áreas de convergência entre o

Grupo Africano e o G-20, pelo que recomendava uma cooperação estreita entre os

dois grupos, salientando a importância do algodão para aqueles países

(VIZENTINI, 2008).

Já na Reunião do Grupo de Cairns, na Costa Rica, em fevereiro de 2004, o

Brasil buscou aproximar os dois Grupos dos quais é membro. Na ocasião, o

representante estadunidense, Robert Zoellick, declarou disposição de mais

flexibilidade negociadora, ressaltando, contudo, que os EUA condicionariam suas

concessões à reciprocidade europeia (VIZENTINI, 2008). Na ocasião o Ministro

da Agricultura brasileiro, Roberto Rodrigues, propôs a revisão das posições do

Grupo de Cairns, distribuindo questionário com 25 perguntas sobre as posições

dos países sobre os três pilares do acordo agrícola, com o objetivo de flexibilizar

as propostas do Grupo e adaptá-las a uma maior convergência com as do G-20.

Na reunião de São Paulo do G-20, em 12 de junho, o Grupo parecia

identificar a oportunidade de estreitar posições com o G-90 enquanto ativo

fundamental para as futuras negociações. Nessa reunião, o chanceler brasileiro

conclamava o G-90 a cooperar intimamente com o G-20 no sentido de defender a

implementação da Agenda de Doha para o desenvolvimento123. No caso do G-90,

a aproximação com o Grupo buscava explorar interesses comuns em acesso a

mercados, enfrentar as distorções ao comércio em subsídios à produção e à

exportação e a preservação dos meios de subsistência e segurança alimentar das

populações dos países mais pobres. O G-20 investiria nesse objetivo de aliança

como forma de garantir maior força para as futuras negociações da OMC. Como

afirmava o chanceler Celso Amorin no encontro do G-90:

                                                            123 Comunicado Ministerial do G-20. São Paulo, 12 de junho de 2004.

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[...] a menos que sejamos capazes de arregimentar uma ampla coalizão de países em desenvolvimento, a meta de atingir os objetivos de desenvolvimento da Rodada será prejudicada pelos Grupos de interesse dos países desenvolvidos. Pequenos grupos de produtores em países ricos beneficiam-se de enormes apoios financeiros de seus tesouros, deprimindo preços, aumentando injustamente sua fatia de mercado e comprometendo a segurança alimentar e a sobrevivência de agricultores em muitos países em desenvolvimento...os membros do G-90 têm a possibilidade de ganhar com a liberalização dos mercado agrícolas e a eliminação de distorções que os afligem. Mas, para chegar lá, precisamos da participação de todos os membros da OMC para apoiar nossa luta. Tenho certeza de contar com vocês.124

A aproximação entre o G-90 e o G-20 era ressaltada enquanto ativo

importante para o progresso da agenda do desenvolvimento de Doha.125

Em 12 de julho de 2004, na Reunião do G-90 nas Ilhas Maurício, o

chanceler prosseguiu nessa estratégia, divulgando as possibilidades do

desenvolvimento a partir da aproximação econômica entre os PEDs e do

compromisso desses países com o Mandato de Doha126. Como contrapartida, o

Ministro foi solidário às preocupações do G-90 em relação aos temas de

Singapura (1996), declarando que partilhava das apreensões quanto aos temas nos

termos dos compromissos adicionais que teriam de ser assumidos pelos PEDs.

A tônica do comunicado, entretanto, consistia na capacidade do G-20 em,

aliado ao G-90, mudar a dinâmica de negociações da OMC, obtendo seu

aperfeiçoamento pela maior inclusão dos PEDs na Organização.

A Reunião Ministerial do G-90 pode efetivamente contribuir para dar maior precisão à posição negociadora da grande maioria dos membros da OMC. De várias formas, a Reunião Ministerial de Cancún, indiretamente, conseguiu reestruturar a maneira como as negociações comerciais multilaterais são levadas a cabo. O G-90 e o G-20 estiveram no centro dessa revolução coperniana. Nosso movimento agora atrai a atenção e o interesse de todos os membros da OMC. Ainda estamos muito longe de mudar o mundo. Mas certamente estamos mudando a forma como as negociações da OMC são conduzidas. Isto, sem sombra de dúvida, não é um feito sem importância. Aumentou a nossa participação da Organização. Divididos, éramos fracos e ineficientes, mas quando juntamos nossas forças, passamos a ser um ator poderoso e construtivo. Temos que aumentar o nosso envolvimento em todas as deliberações da OMC e não nos resignarmos a nos concentrar em apenas alguns temas específicos. Neste nosso mundo nada é gratuito. De uma forma ou de outra, nós acabaremos por pagar os favores que são – ou aparentam ser − conferidos a nós. ... Juntos, temos que trabalhar duro para maximizar convergências e tirar delas o maior proveito.

                                                            124 Discurso do Ministro Celso Amorin na Reunião Ministerial do G-90. Georgetown, 3 e 4 jun. 2004. Disponível em: http://www.mre.gov.br. Acesso em: 20 fev. 2008. 125 Ibid. 126 Discurso do Ministro Celso Amorin na Reunião Ministerial do G-90. Ilhas Maurício, 12 jul.e 2004.

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Chegou a hora de trazer o tema do desenvolvimento para a ordem do dia de uma Organização com herança cultural notoriamente tendenciosa para os ricos e poderosos.127

As negociações da décima primeira UNCTAD seriam lançadas em 16 de

junho, em São Paulo, com os seus 132 membros também buscando o acesso aos

mercados dos países desenvolvidos e o fim dos subsídios à agricultura naqueles

países. A estratégia visava à cooperação Sul-Sul, mediante o Sistema Geral de

Preferências para o corte de tarifas e incremento comercial entre os países

membros.

Isso gerava apreensão da OMC, diante da inflexibilidade das posições

negociadoras. Durante a Conferência, o Diretor-Geral da OMC, Supachai

Panitchpakdi, defendia que o comércio Sul-Sul e o Sistema Geral de Preferências

seriam complementares e não substitutos das regras da OMC.128.

Naquela oportunidade, o G-20 buscou reafirmar a solidariedade com os

países da África Ocidental e Central produtores de Algodão e reivindicando uma

solução para os produtores daquela commodity. Reafirmaram a relevância da

UNCTAD para tratar da relação entre comércio e desenvolvimento, assim como

para a solução para a produção de um consenso que permitisse endereçar a

questão do desenvolvimento no interior da OMC. Enfatizou-se a necessidade do

aumento do comércio Sul-Sul como forma de facilitar a integração dos PEDs no

comércio multilateral como um todo, concluindo pela necessidade de lançamento

do lançamento de uma terceira rodada de negociações no SGP entre países em

desenvolvimento no âmbito da XI UNCTAD, além de acenar com a ideia do

presidente Lula de lançamento de uma Área de livre Comércio entre os membros

do G-20.

5.10

As negociações do Acordo-Quadro do Marco de Julho de 2004 e a

mudança do formato das negociações: A reação da OMC ao

surgimento do G-20 e a criação do FIPS

                                                            127 Discurso do Ministro Celso Amorin na Reunião Ministerial do G-90. Ilhas Maurício. 12 jul. 2004. 128 RITZEL, Lucia. Países presentes na UNCTAD negociam acordos internacionais de comércio. Noticias Financieras, Miami, 15 jun. 2004.

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O aumento da influência dos PEDS pela sua participação em coalizões

possibilitou que o G-20 e o G-90 bloqueassem o consenso por seus interesses não

haverem sido considerados em Cancun (2003). Quando a agricultura foi excluída

da mesa das negociações foram as posições adotadas por estas coalizões que

levaram ao colapso da Conferência.

Se essa demostração de aumento da influência dos PEDs sobre as

negociações ocorreu quando a OMC já buscava endereçar a demanda por maior

participação dos PEDs no seu processo decisório, alterando os procedimentos da

Oganização e do seu processo de consultas, agora esse processo de alteração de

procedimentos passaria por uma nova etapa marcada pela incorporação dos

líderes-chave do G-20 aos círculos mais restritos de negociação da OMC.

Os temas de Singapura (1996) terem representado um papel tão relevante

para o bloqueio das negociações pelos PEDs também refletia uma mudança

importante. A tentativa de ampliação da agenda da OMC apresentava o efeito de

expor os limites do poder dos EUA e da Europa, tornando-se claro que quando os

interesses e as políticas domésticas dos países em desenvolvimento eram

colocadas no centro dos debates esses países deveriam fazer parte das consultas e

dos processos que estabelecessem os parâmtros dos compromissos levados às

conferências para aprovação (BARTON et al, 2006).

Refletindo o impacto dessas mudanças, os EUA alterariam sua estratégia

de negociação para a rodada, revertendo a adesão ao posicionamento europeu

estabelecida no lançamento da proposta conjunta. A quebra da aliança ocorreu

mediante carta enviada pelo seu representante comercial, Robert Zoellick, em

11/01/2004, à OMC, onde ele altera a postura negociadora norte-americana,

afirmando a disposição do seu país em evitar que o ano de 2004 fosse um ano

perdido para as negociações. Nessa carta, ele busca concentrar o foco das

negociações em acesso a mercados, retirando o apoio antes hipotecado às posições

defensivas da Europa e aos temas de Singapura (JENK; PRESSER;

MADUREIRA, 2004).

A retirada do apoio dos EUA às propostas da UE se fez sentir ainda no

começo de fevereiro de 2004, sobre o seu parceiro. A visita do ministro das

relações exteriores da França, Dominique de Villepin, a Brasilia, em 04/02/2004,

surpreendeu pelo otimismo ao exortar o G-20, enquanto “indispensable

interlocutor”, e a UE a se debruçarem sobre todos os aspectos da agenda agrícola

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da OMC. O ministro francês saudou o surgimento do G-20, ressaltando que a

Rodada de Doha abria caminho o surgimento de um “novo sistema

internacional”129.

Essa mudança da postura europeia nas negociações ocorreria formalmente

mediante outra carta à OMC, dos Comissários Lamy e Fischler, de nove de maio,

pela qual são abandonados três dos temas de Singapura, mantendo apenas o

menos controverso facilitação de comércio. Nessa carta, a UE concordava

também com a eliminação dos subsídios à exportação na medida em que todas as

formas de competição de exportações fossem submetidas ao mesmo compromisso

(ANANIA, 2005).

Esse período pode ser percebido como caracterizado pela consolidação das

posições negociadoras dos países em desenvolvimento e por uma maior aceitação

da parte dos membros da OMC como um todo de que a dinâmica das negociações

teria que mudar, o que determinou uma mudança não apenas de conteúdo, mas

também de processo nas negociações.

A maior flexibilidade dos países desenvolvidos previamente às

negociações do Acordo-Quadro do Marco de Julho se associava à mudança do

centro de negociações tradicionalmente circunscrito ao QUAD130 para o G-6131

nos esforços para quebrar o impasse das negociações, abrindo caminho para que o

G-20 assumisse um papel de destaque nessa nova fase (TUSSIE;

STANCANELLY, 2006).

Entretanto, essa mudança não apenas refletia o reconhecimento de que os

países em desenvolvimento passavam a se constituir numa força que deveria ser

reconhecida durante as negociações; mas também assinalava desde esse ponto a

fragilidade do Global South enquanto coalizão (CLAPP, 2006). Principalmente

em razão de haver cabido a apenas dois países, Brasil e Índia, representá-lo nos

encontros mais exclusivos e restritos da Organização; pois desde o início surgiu

grande descontentamento dos países em desenvolvimento em relação ao espaço de

defesa dos seus interesses por parte desses dois atores nos encontros mais restritos

onde a negociação agrícola passou a ser realizada.

                                                            129 Brazil: Foreign minister welcomes French counterpart’s views on G-20, Doha Round. BBC

monitoring Americas. London, 05 Feb. 2004. Text of report by Denise Chrispin Marin, carried by Brazilian news agency Estado. 130 EUA, EU, Japão, Canadá. 131 EUA, EU, Austrália, Japão, Índia e Brasil.

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O novo processo de negociação teve sua origem no começo de abril,

quando os EUA abandonaram sua estratégia de confronto bilateral de provocar a

defecção dos membros do G-20, para uma iniciativa de cooptação dos líderes do

Grupo. O Acordo-Quadro de Julho de 2004 consistiu em uma iniciativa de

desbloquear as negociações por parte dos EUA e da UE, fornecendo diretrizes

para as negociações (PRESSER, 2005). Por iniciativa dos países desenvolvidos,

Brasil e Índia tornaram-se parte do grupo central responsável pelas negociações

agrícolas que deveriam destravar todos os demais temas da rodada, conformando

o novo grupo informal denominado Five Interested Parties – FIPS − composto

ainda por Austrália, EUA e EU.

A partir da formação do Grupo, os seus membros participaram

estreitamente de consultas com o Chairman do Comitê Agrícola da OMC, Tim

Groser, para a preparação do texto agrícola do Marco de Julho. Para Bello (2005),

a estratégia conjunta dos EUA e da UE em incorporar a Índia e o Brasil no FIPs

consistia em satisfazer algumas das suas demandas de forma a separá-los dos

demais membros do G-20. Já na negociação do Acordo observou-se a cisão no

processo decisório dos PEDs, cujos compromissos assumidos e negociados pelos

seus líderes, Brasil e Índia, começavam a isolar os demais membros, contribuindo

para o surgimento das divergências dentro da coalizão.

Divergências que partiam da demanda por inclusão dos interesses dos

membros do G-20 que se sentiram excluídos dos encontros mais restritos,

envolvendo apenas os seus líderes Brasil e Índia. Essa incorporação dos líderes do

G-20 ameaçava, inclusive, o núcleo de liderança da aliança, a partir da

divergência de interesses dos seus maiores líderes.

A grande demanda indiana consistia em evitar maiores cortes nas tarifas

agrícolas mais altas, preocupação que aproximava a Índia da UE. A preocupação

da Índia com a manutenção das suas tarifas prevenia a sua postura nas

negociações de se aproximar da reivindicação de eliminação dos subsídios

agrícolas, de forma a não pôr em risco o suporte do bloco nas negociações sobre

acesso a mercados, pois tanto ela como a UE se sentiriam mais confortáveis com

uma fórmula como a da rodada Uruguai de corte de tarifas linear sobre as tarifas

vigentes, blindando de certa forma os setores domésticos que recebiam maior

proteção tarifária (BELLO, 2005).

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Por outro lado, a preocupação central do Brasil consistia em eliminar os

subsídios agrícolas nos países desenvolvidos, como terminaria incorporado ao

Acordo-Quadro, a despeito dessa menção no documento de Julho não estabelecer

prazos ou etapas para esse processo, ficando subordinada ao progresso posterior

das negociações.

A estratégia dos países desenvolvidos de incorporar esses PEDs ao centro

do processo de negociações refletia a percepção de que após o colapso de Seattle

(1999) e de Cancun (2003), os encontros ministeriais consistiam no seu principal

ponto de vulnerabilidade, pois o processo de tomada de decisão mediante

consenso, tradicionalmente liderado pelo QUAD funcionava melhor no formato

de reuniões menores e não-transparentes, convertendo-se em um desafio nos

encontros maiores e mais participativos (BELLO, 2005).

Isso abriu caminho para outra alteração fundamental no processo de

negociação. Como apontam Bello e Kwa (2004), o Conselho Geral da OMC

passava agora a se tornar a instituição suprema do processo decisório da OMC no

processo de negociação desse documento. Para o autor, o formato das negociações

equivaleu à produção de uma Declaração Ministerial, sem a realização de um

encontro ministerial, pois a negociação que deu origem ao Marco de Julho no

Conselho Geral não atraiu mais do que 40 ministros de comércio, diante da

ausência de mais de 100 representantes de países, incluindo ministros que tiveram

um papel destacado nas negociações de Cancun (2003).

5.10.1

A influência do G-20 sobre o Acordo-Quadro de modalidades

O primeiro esboço do Acordo-Quadro circulou a partir de 16 de julho. O

texto incorporava os princípios defendidos pelo G-20 da progressividade (maiores

cortes para maiores tarifas) e proporcionalidade (menos compromissos de redução

tarifária para os PEDs) nas negociações de acesso a mercados, assim como

recomendava uma redução geral, fortalecimento da disciplina, transparência e

maior monitoramento no pilar suporte doméstico. No pilar subsídios à exportação

o princípio da equivalência, paralelamente à progressiva extinção dos subsídios

nos créditos à exportação, ajuda alimentar e empresas estatais de exportação

(ISMAIL, 2005).

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O G-20 entendia que esse texto era enviesado a favor dos países

desenvolvidos que queriam manter seus subsídios à agricultura. O documento

permitia à UE a exclusão dos seus produtos sensíveis de quaisquer reduções

significativas, assim como permitia aos EUA o uso de uma nova caixa azul, sem

quaisquer novas disciplinas, permitindo ao país não se comprometer com reduções

de subsídios domésticos. Além disso, carecia de uma especificação detalhada do

tratamento especial e diferenciado para os PEDs, contrastando com a

especificação robusta do dispositivo sob o qual seriam abrigados os produtos

sensíveis dos países desenvolvidos (ISMAIL, 2005).

Após intensas negociações, o texto apresentado pelo Chairman do

Conselho Geral terminou reconhecido como Texto Oshima, pois em resposta às

solicitações do Grupo de Cairns e do G-20 houve modificações no texto que

foram decididas em 31 de julho. Desse modo, o G-20 e o Grupo de Cairns

contando com o apoio de uma miríade de PEDs foram até certo ponto bem

sucedidos em assegurar que o Acordo-Quadro se aproximasse do Mandato de

Doha (ISMAIL, 2005).

Esse texto foi oficialmente lançado em 1 de agosto de 2004, contendo em

si o Programa de Trabalho da Rodada, adotado pelo Conselho Geral, enquanto

primeira decisão após Cancun. O conteúdo do pacote de julho em agricultura

estabelecia algumas medidas concretas, que deveriam servir como base das

negociações de modalidades na próxima fase das negociações. O balanço final e o

resultado das negociações deveriam ser estabelecidos após o fim das negociações

subsequentes, através do single undertaking.

O cronograma previa a celebração de um acordo de modalidades de

negociação até agosto de 2005 e então um consenso em um esboço avançado

antes de 13-18 de dezembro na Conferência Ministerial de Hong Kong, onde um

compromisso sobre as questões não resolvidas deveria acontecer (ANANIA,

2005).

A influência do G-20 também aparece nesse documento pela reafirmação

do compromisso com a Declaração Ministerial de Doha (2001), estabelecendo o

andamento das negociações em agricultura no Anexo A - Framework for

Establishing Modalities in Agriculture. Nele se reconhece que o ponto inicial das

negociações agrícolas em andamento se situava na Declaração Ministerial de

Doha, baseado no objetivo de longo prazo de obtenção de um acordo em

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agricultura que estabelecesse um sistema comercial justo e orientado para o

mercado, mediante um programa de reforma fundamental: “The level of ambition

set by the Doha Mandate will continue to be the basis for the negotiations on

agriculture” .132

Entretanto, embora o documento contivesse as provisões para o

estabelecimento das modalidades de negociação em agricultura, ele se restringe a

descrever algumas características-chave dessas modalidades, mas não desce a

maiores detalhes, não estabelecendo nenhum compromisso quantificável

(ANANIAS, 2005).

Em competição de exportações, o G-20 conquistou um grande avanço,

pois pela primeira vez todos os membros incluindo a UE concordaram com a

necessidade de eliminação dos subsídios á exportação (ANANIA, 2005).

Estabelecia-se que os países deveriam negociar as medidas necessárias para que

fossem eliminadas as concessões desses subsídios até uma data a ser futuramente

acordada (RODRIGUES; PAULA, 2008).

O princípio da equivalência foi aplicado para a extinção dos elementos de

subsídios nos créditos à exportação, nas empresas estatais de comércio e na ajuda

alimentar. O princípio do tratamento especial e diferenciado seria aplicado aos

PEDs para o processo de extinção de todas as formas de subsídios à exportação.

Além disso, os subsídios à exportação dos PEDs poderiam ser mantidos por um

período mais longo a ser negociado e as empresas de comércio estatais dos PEDs

que preservem a estabilidade de preços e a segurança alimentar receberiam

consideração especial.

Afirma-se que os créditos à exportação subsidiados, as práticas distorcivas

do comércio das empresas comerciais estatais e formas impróprias de ajuda

alimentar que inibem compras comerciais deveriam ser eliminadas em paralelo.

Entretanto, o documento abria espaço para alguma flexibilidade quando afirma

que a fase de eliminação deveria levar em conta a necessidade de coerência com o

progresso das reformas internas dos Estados (ANANIA, 2005).

A partir do compromisso de extinção futura desses subsídios, as discussões

sobre os subsídios na rodada passariam a se focar sobre o pilar suporte doméstico

(PRESSER, 2005).

                                                            132 Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop e/dda e/draft text gc dg 31july04_e.htm. Acesso em: 17 jul. 2008.

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O suporte doméstico é visto como portando menores dificuldades do que

acesso a mercados. Uma vez que o acordo afirma que as reduções no suporte

distorcivo serão feitas na base dos níveis acordados “bound”, que atuam como os

tetos atuais isso resultava em apenas limitadas pressões sobre alguns dos grandes

negociadores, como era o caso da UE (ANANIA, 2005). Entretanto, a principal

dificuldade recaía sobre a compatibilização entre a sua redução e os novos

incentivos concedidos pela lei agrícola dos EUA (PRESSER, 2005).

Foi acordado que o tratamento especial e diferenciado seria parte

integrante do pilar suporte doméstico e, portanto, poderia incluir reduções mais

baixas e períodos de implementação mais longos. Apesar do que foi acordado

poder ser aplicado às reduções em suporte de minimis, alguns países insistiram e

conseguiram obter no acordo que os países em desenvolvimento que alocam quase

todo o seu suporte de minimis para subsistência e ajuda aos agricultores pobres

seriam isentos (ISMAIL, 2005).

O texto determina prioridade para a redução dos subsídios ao Algodão e

também em relação ao estabelecimento de um teto para o corte de subsídios na

caixa amarela e na caixa azul, assim como no de minimis, que consiste no valor

máximo permitido para proteção, com o qual ainda se mantém a competitividade

(RODRIGUES; PAULA, 2008).

A caixa azul, entretanto, era expandida, pois dos programas de suporte da

renda dos agricultores associados a programas de limitação da produção, essa

caixa passou a poder admitir pagamentos diretos não associados a esses

programas. Isso acomodava boa parte dos subsídios aprovados pela nova Farm

Bill dos EUA, de 2002. A caixa azul poderia incluir pagamentos anticíclicos

conforme a conveniência dos EUA e foi estabelecido que seria futuramente

revista. O suporte dessa caixa foi limitado a 5% do valor médio de produção

(ANANIA, 2005).

A caixa verde seria revisada e clarificada. O que significa que a

elegibilidade para várias formas de pagamento para a exceção dos compromissos

de redução seria examinada.

O princípio da progressividade do G-20 de maiores níveis de suporte

recebendo maiores cortes foi aprovado. Foi acordado que o nível médio de suporte

seria reduzido e haveria um corte prévio de 20% nos níveis vinculados no

primeiro ano do processo de implementação. Haveria também cortes específicos

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por produto e tetos em níveis a serem negociados futuramente. Além disso,

embora houvesse a provisão de que uma nova caixa azul deveria ser criada para

permitir a reforma no suporte agrícola, foi acordado que ele se sujeitaria a

critérios adicionais que deveriam ser negociados (ISMAIL, 2005).

Como conquista do G-20 em acesso a mercados, no texto Oshima, a

“Blended Formula”, constante do texto Groser e como queriam os EUA e a UE,

foi abandonada em favor da “Tiered Approach” que apresenta diferentes níveis ou

bandas. Essa abordagem levava em conta a diferença existente entre as estruturas

tarifárias dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, incorporando essa

distinção na fórmula de cortes tarifários. O princípio da progressividade foi aceito,

determinando que as maiores tarifas deveriam sofrer os maiores cortes,

estabelecendo bases para um aumento significativo em acesso a mercados.

Isso ocorreria pela aplicação de uma “tiered formula” sobre os níveis

tarifários acordados em vez de sobre aqueles praticados. No entanto, o critério e o

tratamento desses produtos deveriam ser decididos mais tarde nas negociações,

envolvendo o número de bandas tarifárias, os patamares de definição dessas

bandas e o tipo de reduções em cada banda permaneceram por serem negociados.

O papel desempenhado pelas tarifas mais altas em um sistema de cortes tarifários

com o da tiered fórmula que apresentava tratamento distinto para diferentes

produtos permaneceria igualmente para ser avaliado posteriormente133.

A outra conquista do G-20 nesse documento era relativa ao princípio da

proporcionalidade que deveria ser obtida exigindo menores cortes de tarifas dos

membros em desenvolvimento ou expansão de suas cotas tarifárias. Países em

desenvolvimento poderiam desfrutar da flexibilidade para designar um número de

produtos especiais baseados no critério de segurança alimentar, condições de vida

da população e desenvolvimento rural. Esses produtos receberiam um tratamento

mais flexível nas negociações. A forma de tratamento desses produtos seria

posteriormente definida no transcorrer das negociações, reconhecendo-se a

importância fundamental dos produtos especiais para os países em

desenvolvimento. Além disso, o Acordo estabeleceu que os PEDs poderiam

                                                            133 Disponível em: http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/draft_text_gc__dg_31july04_e.htm.

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designar alguns produtos como especiais, baseados no critério de segurança

alimentar, de sobrevivência e das necessidades de desenvolvimento rural.134

Como observa Ismail (2005), essas provisões podem ser vistas como um

adicional ao tratamento especial e diferenciado, pois os níveis de vulnerabilidade

e desenvolvimento desses países seriam levados em consideração, ao aplicar esses

critérios para certosprodutos.

O Acordo, entretanto, permanecia elusivo no que dizia respeito aos

aspectos técnicos dos compromissos de acesso a mercados. O impacto do acordo

dependeria do tamanho dos cortes e da dimensão das exceções negociadas. Os

níveis ou camadas deveriam ser acordados, (quantos? em que patamares?), assim

como os parâmetros que deveriam incidir sobre a fórmula de redução tarifária.

Isso refletia o fato de que em acesso a mercados os obstáculos para um

acordo eram maiores, pois sem um corte expressivo de tarifas, qualquer

liberalização comercial era impossibilitada. Uma grande liberalização comercial

forçaria muitos países a alterarem radicalmente suas políticas agrícolas, o que

fazia da área um tem muito sensível (Anania, 2005).

Como resultado, o Framework em agricultura era muito menos específico

em acesso a mercados agrícolas do que alguns documentos anteriores, como o

Texto Harbinson. Onde o texto em questão propôs abordagens específicas para

reduções tarifárias e até mesmo sugeria números concretos para as negociações

tarifárias. O Framework de Julho fala num nível mais genérico sobre uma “tiered”

fórmula (JEAN; LABORDE; MARTIN, 2005). Isso refletia a recorrência de

perdas de prazos para a definição das modalidades de negociação, pois o esboço

do chairman do Comitê de Agricultura da OMC, Stuart Harbinson

(TN/AG/W/1/Rev.1) que não foi adotado permanecia constituindo um ponto

central de referência para as negociações.

Apesar desse documento não apresentar valor oficial, ele constituiu o

único documento que propôs um conjunto de compromissos precisos e

substantivos, continuando a ilustrar o centro de gravidade entre as posições dos

principais negociadores da rodada (ANANIA, 2005).

Em temas de importância considerável para os PEDs, portanto, o acordo

permaneceu abstrato. Havia um compromisso de negociar uma “cotton initiative”

                                                            134 Ibid.

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e para que essa negociação fosse parte das negociações em agricultura, no entanto,

nem mesmo princípios gerais foram estabelecidos para as novas disciplinas no

setor.

O Acordo-Quadro de julho terminou consistindo apenas num

“framework”, pois os detalhes dos compromissos assumidos e a forma como eles

seriam atingidos deveriam ser decididos nas negociações subsequentes, como

objetivo de atingir modalidades completas de negociação nos três pilares em Hong

Kong (2005). No entanto, como observa Clapp (2006), a aceitação do acordo pela

Índia e pelo Brasil abria caminho para que a estratégia dos EUA no sentido de

dividir o G-20 começasse a render frutos nas negociações subsequentes da rodada,

a partir da oposição dos demais países em desenvolvimento em relação ao

conteúdo do documento de julho.

Os países em desenvolvimento foram capazes de incluir no documento o

tratamento especial e diferenciado, o mecanismo de salvaguarda especial e a

“tiered fórmula” como responsável pelo processo de redução de tarifas, além de

um prazo mais dilatado para cortar suas próprias tarifas e manter as suas de

minimis com o objetivo de apoiar a sua produção de subsistência. Entretanto, a

solução de adiamento das questões de substância que endereçavam os seus

interesses preservava as iniquidades e assimetrias do poder dentro da OMC, que a

sua atuação conjunta buscava resolver.

Institucionalmente, seus interesses são reafirmados nesse documento,

acenando para o compromisso da instituição com o Mandato de Doha (2001).

Entretanto, já nas negociações desse documento a transição dos compromissos

assumidos institucionalmente em medidas concretas não se traduzia pela

participação conjunta dos membros desenvolvidos e em desenvolvimento nas

negociações.

A única possibilidade nesse caso era postergar os compromissos a serem

negociados para uma fase posterior. Solução que apresentava um dilema de difícil

solução para o G-20, pois o processo negociador que se iniciaria adentramdo as

negociações substantivas tornaria o Grupo cada vez mais vulnerável às

divergências de interesses entre os seus membros. A dilatação do prazo das

negociações que se iniciava no Marco de Julho tinha o poder de apresentar

crescentes dilemas, pois a aproximação de discussões distributivas poria

crescentemente em teste à sua capacidade de coesão em torno do Mandato de

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Doha (2001). Como apontam Narlikar e Tussie (2005), as possibilidades de

sobrevivência do G-20 se tornavam uma interessante e delicada questão, a partir

do momento em que as discussões na OMC deixavam a fase de estabelecimento

de agenda e avançavam para negociações de maior substância.

5.11

A caminho de Hong Kong: a negociações nos preparativos para a

Conferência Ministerial

 A retomada das negociações constituiu a fase dos preparativos para as

negociações de Hong Kong, a ocorrerem em dezembro de 2005. As expectativas

se concentravam sobre a sua agenda, pois diante da ausência de resultados

concretos cresciam as expectativas de definição da forma de aplicação da fórmula

para os cortes tarifários, da participação dos países na redução tarifária por

setores, das provisões sobre o tratamento especial e diferenciado para os países em

desenvolvimento e da ausência de um prazo de implementação do Acordo

(CÓRDOBA et al., 2005).

De certo modo, o Acordo agradou ao G-20, por seu forte compromisso

com o Mandato de Doha (2001), mas inspirava cautela ao Brasil num momento

em que a sua incorporação no FIPs gerara muitas críticas dos PEDs.

O chanceler brasileiro percebia o desafio e alertava que o Grupo deveria

permanecer coeso, durante as negociações das modalidades, enquanto os

compromissos não fossem concretizados. Essa percepção refletia, desde Agosto

de 2004, os limites e a vulnerabilidade do G-20, pois o mesmo Grupo que resistia

a depreciar suas ambições em agricultura, bloqueando as negociações, poderia não

ser tão eficiente no que dizia respeito aos outros temas de Doha, como acesso a

mercados a bens não-agrícolas − NAMA.135

Muitos desafios deveriam ser enfrentados nessa fase das negociações. Um

deles consistiu na fórmula estabelecida para redução tarifária no documento de

modalidades que consistia na “tiered approach”.

Desde os primeiros encontros se manifestaram as divergências em torno da

aplicação da fórmula. Enquanto alguns países defendiam a aplicação de uma

                                                            135 MARIN, Denise Chrispin. Brazilian minister acknowledges G-20 may lack strength in non-agricultural talks. BBC Monitoring Americas, London, 22 Aug. 2004. p. 1.

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fórmula suíça não-linear a ser aplicada em cada banda da “tiered approach”,

outros defendiam a aplicação de uma redução média linear em cada banda, ao

estilo da fórmula da Rodada Uruguai. Outro problema surgido pela adoção da

“tiered approach” referia-se ao cálculo dos equivalentes ad valorem (AVEs) de

cada tarifa específica, que as tornaria comparáveis e permitiria o uso da fórmula

(CONSTANTINI et al., 2005).

Esse não consistia apenas num obstáculo técnico a ser vencido pelos

negociadores, mas em contrário se convertera numa questão sensível e altamente

politizada Essa discussão envolveu o encontro em Paris, em maio de 2005, de

ministros de mais de 30 países, dentre os quais G-20, G-10 e UE. Após três dias

de negociações, aprovou-se uma fórmula de simplificação das tarifas,

convertendo-as em porcentagens comparáveis. O G-20 celebrava o resultado,

considerando-o a porta de entrada para novas negociações.136

Essa fase se caracterizou pelo engajamento da UE, que buscando viabilizar

o processo de negociações na OMC,137 reviu sua posição quanto ao tema, pois o

maior obstáculo à aprovação dessa fórmula era a sua oposição à padronização

dessas tarifas, o que levou os europeus a apresentarem uma solução de

compromisso, viabilizando o consenso138.

Entretanto, vencido o impasse técnico a evolução dos debates sobre tarifas

evidenciaria grandes obstáculos no caminho do G-20. No encontro de ministros da

OMC, em 12 de julho de 2005, na China, o G-20 apresentou uma fórmula de

redução do protecionismo agrícola. Essa proposta se defrontaria com a da UE, que

determinava cortes em poucos produtos, baseando-se sobre o cálculo da tarifa

média aplicada em cada país e que os cortes fossem feitos a partir das tarifas mais

altas até o limite dessa média tarifária. Na perspectiva do G-20, essa proposta não

atacaria o problema efetivamente, pois a UE possuía em alguns produtos especiais

ou sensíveis tarifas muito altas, que chegavam a 255%. Ao mesmo tempo, o bloco

                                                            136 Ministros aprovam formula para simplificar as tarifas agrícolas mundiais. In: Gazeta Mercantil, 05/05/2005. 137 Segundo o representante dos EUA, Robert Portnam: “Se não resolvêssemos essa questão, ela não apenas passaria a barrar o avanço na questão agrícola. Teria também um efeito danoso sobre toda a rodada de negociações da OMC”. Ministros aprovam formula para simplificar as tarifas agrícolas mundiais. Gazeta Mercantil, 05 maio 2005. 138 Ibid.

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possuía produtos com baixas tarifas, o que faria com que a média fosse elevada

pelos picos tarifários.139

A proposta do G-20 era baseada nos três pilares: em suporte doméstico, a

proposta reivindicava a criação de um patamar para a redução das tarifas que

distorciam o comércio mundial. Em subsídios à exportação, propunha-se o seu

congelamento e posterior eliminação no lapso máximo de cinco anos. Em acesso a

mercados, a ambição do Grupo era que fosse eleita uma fórmula de redução de

tarifas linear, subdividida em diferentes níveis de acordo com os produtos em

questão140. A rejeição pelos países desenvolvidos dessa proposta, em Genebra, em

26 de julho de 2005, deixava configurado outro impasse.141

Principalmente em razão da impossibilidade de as negociações avançarem

na ausência desse compromisso, pois os negociadores abandonaram a reunião sem

sequer definir uma nova data para o prosseguimento dos debates. A única etapa

confirmada seria a reunião ministerial de Hong Kong (2005), em dezembro.

Segundo o Diretor Geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, essa divergência

inviabilizava os prazos assumidos para o fim das negociações. A mesma opinião,

quanto à impossibilidade de progressos foi compartilhada pelo presidente do

Comitê Agrícola da OMC, Tim Groser.142

5.12

O balanço da posição do G-20 no caminho a Hong Kong: A

Declaração Ministerial de Bhurban (2005)

 O Grupo começava a perceber a distância que havia entre conquistas

substantivas e a reafirmação ou inclusão do compromisso da OMC com o

desenvolvimento, como constava no documento de Julho. A reunião no Paquistão

consistiu num momento em que o G-20 fazia um balanço dos obstáculos

identificados no período anterior a Hong Kong, como o real significado do

                                                            139 Negociações: Países ricos avaliam proposta de redução de protecionismo do G-20. Folha de São Paulo, 13 jul. 2005/Alves, Aluísio. Brazil speeds up contacts with developing countries that are members of the G-20. Notícias Financieras, Miami, 17 maio 2005. 140 Cardoso, Cíntia. Análise: Pretensão de liderança brasileira fracassa. Folha de São Paulo, 28 jul. 2005. 141 Negociações da OMC não chegaram a um acordo sobre subsídio. Gazeta Mercantil, 27 jul. 2005. 142 Negociações da OMC não chegaram a um acordo sobre subsídio. In: Gazeta Mercantil, 27/07/2005. p. 12/ Proposta do grupo G-20 ajuda acordo em favor de países em desenvolvimento. In: Noticias Financieras, Miami, 08 ago. 2005.

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documento de julho e as dificuldades em torno da aplicação da fórmula de cortes

tarifários e das conquistas dos países desenvolvidos no framework de negociações

da rodada.143

Assim, na Declaração Ministerial de Bhurban,144 o G-20 demonstrou

compromisso em chegar às modalidades completas até a sexta conferência

Ministerial da OMC, concluindo que a falta desses resultados no acordo de Julho

colocava a rodada sob uma situação crítica. O Grupo advertiu que não havia

margem para conduzir o processo negociador de forma habitual, recomendando

que se acelerasse o ritmo das negociações, mediante a definição prévia dos

números concretos que possibilitassem o estabelecimento de um acordo nos três

pilares das negociações.

Ao identificarem constrangimentos no formato das negociações para os

seus interesses, os ministros observaram que, por as negociações serem

conduzidas com base no princípio do single undertaking, os países desenvolvidos

que concediam grandes subsídios tentariam barganhar as mudanças nas suas

políticas internas por concessões por parte dos países em desenvolvimento. Isso

levaria a resultados desequilibrados, acarretando ônus elevados e desproporcionais

para os PEDs. Em reação, o G-20 marcava posição declarando que os países que

não distorciam o comércio agrícola não deveriam pagar pela correção e custos das

reformas no sistema.145

Percebendo o possível isolamento em que o grupo poderia incorrer,

ressaltou-se a importância de investir nas alianças com outros grupos de países em

desenvolvimento. Os ministros deram boas vindas aos membros do G-33, dos

Países com Menor Desenvolvimento Relativo, Grupo Africano, Países ACP e

CARICOM. O G-20 deveria continuar a perseguir a estratégia de trabalhar com

outros grupos como o G-90 para assegurar que a dimensão do desenvolvimento

seja levada em conta nas negociações.146

Buscando maior coesão entre o Grupo, após o que foi avaliado por muitos

membros como um resultado desequilibrado em favor dos países desenvolvidos

no Framework de Julho, a Declaração de Bhurban reafirmava a posição do G-20

                                                            143 Amorin participa de reunião do G-20. LANS - Latin América Newsstand, 09 Set. 2005. 144 Disponível em: http://www.g-20.mre.gov.br/conteudo/ministerials Bhurban port01.htm. Acesso em: 20 ago. 2008. 145 Ibid. 146 Ibid.

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sobre os três pilares das negociações agrícolas contidas na Declaração de Nova

Delhi, de 19 de março de 2005.

Entretanto, a proposta sofreu algumas alterações buscando firmar posição

em relação às conquistas do mundo desenvolvido no documento de modalidades

de Julho de 2004147, ao endurecer sua posição negociadora em alguns pontos.148

Em apoio interno, só seriam admitidas fórmulas de redução geral e da

Medida Agregada de Apoio (MAS), que conduzissem às reduções efetivas do

apoio distorcivo ao comércio. Propunha novas disciplinas sobre as caixas azul e

verde: a caixa azul deveria ser menos distorciva do que a MAS149. À Caixa Verde

deveria ser assegurado que as suas medidas não fossem distorcivas ao comércio e

à produção ou que o fossem minimamente. A ênfase no desenvolvimento deveria

estar refletida no pilar do apoio interno. Assim, os países em desenvolvimento,

sem MAS, não se sujeitariam a nenhuma redução no seu apoio de minimis, assim

como os países em desenvolvimento que dirijam o total ou parte substancial dos

seus apoios de minimis aos agricultores pobres ou que se dedicam a culturas de

subsistência.150

Com relação aos subsídios às exportações, requisitou-se um compromisso

de congelamento (standstill) de todos eles, de modo a tornar efetivo o espírito do

Acordo quadro de Julho. Aludindo ao caráter inconclusivo dos compromissos

assumidos, reivindicava-se a eliminação de todas as formas de subsídios à

exportação num prazo de cinco anos.151

Em acesso a mercados, a proposta se concentrou sobre a natureza da

fórmula de cortes tarifários: o Grupo defendeu a adoção de uma fórmula linear de

reduções tarifárias dentro das bandas, que garantisse a proporcionalidade entre os

membros desenvolvidos e em desenvolvimento, como melhor maneira de garantir

acesso a mercados de todos os países, especialmente dos produtos dos países em

desenvolvimento. Além disso, reivindicou o estabelecimento de tetos tarifários; a

consolidação de todas as tarifas em ad valorem; a eliminação da salvaguarda

                                                            147 Ibid. 148 Ibid. 149 Measure of Aggregate Support. 150 Ibid 151 Ibid

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agrícola especial para países desenvolvidos e um acordo restrito para produtos

sensíveis.152

O resultado desse processo seria o aumento do acesso a mercados a partir

da combinação entre o corte de tarifas e o aumento das quotas tarifárias segundo o

princípio da Nação Mais Favorecida. Enfatizou-se a necessidade de

operacionalizar dentro do Acordo-Quadro o tratamento especial e diferenciado

para os países em desenvolvimento, preservando o desenvolvimento rural, a

segurança alimentar e o nível de vida de milhões de pessoas.153

5.13

As propostas dos FIPS: impasse e a aproximação dos EUA e do G-20

isolando a Europa

 Anteriormente ao encontro de Hong Kong, muito pouco foi feito para

definir modalidades de negociação em agricultura, que pudessem ser adotadas na

Conferência Ministerial. A falta de progresso até então se relacionava também

com duas decisões de disputas comerciais sobre subsídios agrícolas e

recentemente concluídas em painéis da OMC em 2004 que impactaram sobre as

negociações agrícolas.

Os dois casos envolveram abertura de painéis por iniciativa do Brasil. Uma

delas se refere à abertura de painel contra os EUA para os subsídios ao Algodão,

na qual o Brasil argumentou que os subsídios aos produtores que os EUA

concediam sob a caixa verde distorciam os preços no mercado internacional.

Nesse caso a vitória do Brasil se baseou no entendimento de que a Cláusula de

Paz já havia expirado e o país poderia proceder às retaliações determinadas pela

OMC (CLAPP, 2007).

No outro caso, o Brasil, a Austrália e Tailândia iniciaram o procedimento

alegando dumping em açúcar, por parte da UE, pois os subsídios concedidos ao

produto se situavam além dos níveis permitidos pela OMC. O resultado favorável

ao Brasil e seus aliados resultou em apelo da UE, mas a vitória permaneceu com a

tríade.

                                                            152 Ibid. 153 Ibid.

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O sucesso nessas disputas aumentava a crença dos membros da coalizão,

quanto ao seu crescente poder de barganha associada ao papel de guardião do

Mandato de Doha ou da legitimidade do acordo institucional da OMC, a que as

negociações sobre substância da rodada deveriam se subordinar.

As vitórias do Brasil e dos seus aliados eram interpretadas pelos membros

do Grupo dos 20 como efeito ou externalidades positivas do surgimento do G-20

em Cancun (2003), podendo representar um elemento novo numa nova

configuração do regime de comércio internacional que estaria surgindo. Essa é a

percepção de Oliveira (2005, p. 7).

Já a ação do G-20 durante a V Conferência de Cancún da OMC, no bojo da rodada Doha, com externalidades positivas representadas pelas vitórias no contencioso do algodão os Estados Unidos e do açúcar contra a UE, podem desencadear o início do fim do protecionismo agrícola dos países desenvolvidos. O significado simbólico dessa ação foi demonstrar que “os países ricos não podem mais continuar ficando na negativa absoluta das negociações agrícolas” (Folha de São Paulo, 2004-b) em detrimento dos países em desenvolvimento e dos PMDR. Na prática, a ação do G-20 e suas externalidades positivas consolidariam jurisprudência na OMC em favor dos países em desenvolvimento (Financial Times, 2004), podendo ser expandida pra produtos semelhantes, como arroz e o trigo em prol dos interesses dos PMDR.

Esses contenciosos causaram um impacto sobre as negociações anteriores

a Hong Kong, pois durante o processo de resolução dessas questões, as

negociações agrícolas tinham seu ritmo reduzido. Naquele momento, o G-20 que

já havia reformulado sua posição negociadora esperava um primeiro movimento

dos EUA e da UE. Este, entretanto, não se materializava diante da divisão entre

esses países em acesso a mercados (CLAPP, 2007).

As expectativas sobre o possível resultado de Hong Kong começavam a

parecer obscuras, diante da falta de acordo ou novas propostas sobre a mesa de

negociação. Naquele momento, o novo DG da OMC, Pascal Lamy, foi empossado

em setembro de 2005. A partir de então, a OMC buscou conduzir o rumo das

negociações, estabelecendo os termos da barganha e passou a estimular os

negociadores dos países desenvolvidos a avançarem suas ofertas de acesso a

mercados, especificando ainda que, com exceção dos PMDs, deveria haver

contrapartidas sob a forma do aumento das concessões dos PEDs, em agricultura,

serviços e NAMA.

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O G-20 protestou retorquindo que a abertura dos mercados agrícolas havia

sido acertada na Rodada Uruguai em troca do aumento das suas obrigações na

OMC e que essa nova contrapartida de maior abertura em diferentes setores e que

era defendida pela UE, pelos EUA e pela OMC, através de Pascal Lamy,

significaria pagar em dobro a liberalização da agrícultura. Para o G-20, uma

rodada do desenvolvimento significava que, antes de qualquer avanço em outra

área, deveria haver a abertura do setor nos mercados desenvolvidos que

distorciam os preços dos mercados agrícolas internacionais (PRESSER, 2005).

Como ponto de partida para as negociações em acesso a mercados, a

proposta do G-20 enfatizava a distinção entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento. Enquanto os desenvolvidos deveriam assumir um teto tarifário

de 100% e realizar reduções tarifárias médias de 54%, variando os cortes entre

45% a 65%. Os PEDs teriam um teto de 150% e reduziriam tarifas entre 25% e

40%. Os países desenvolvidos ficariam com um número limitado de linhas

tarifárias sensíveis 1% e quanto maior o número de produtos sensíveis, maior a

compensação oferecida em quotas mínimas de acesso (PRESSER, 2005). Além

disso, os PEDs poderiam designar produtos especiais para assegurar a segurança

alimentar e o desenvolvimento rural e poderiam fazer uso de medidas especiais de

salvaguarda para fazer frente aos surtos de importações.

Foi então que colaborando com a iniciativa do novo DG, Pascal Lamy, e

buscando estimular a retomada das negociações para a Conferência de Hong

Kong; a UE lançou sua proposta agrícola no final de setembro. Em suporte

doméstico, determinava reduções em quatro níveis, de acordo com os subsídios

concedidos por país, englobando cortes de 30 a 65%. Em acesso a mercados

também cortes em quatro níveis, entre 20 e 50%, com teto tarifário para os países

desenvolvidos de 100%. Isso permitiria aos PEDs executarem dois terços dos

cortes incidentes sobre os países desenvolvidos, bem como um teto tarifário de

150%. Na proposta, a UE reservava 10% das suas linhas tarifárias para serem

isentas como produtos sensíveis. O bloco se comprometia com o fim dos

subsídios à exportação, entretanto não estabelecia qualquer prazo formal (CLAPP,

2007).

Os EUA se decepcionaram com a proposta européia, mas também

atenderam à iniciativa do novo DG e apresentaram sua proposta agrícola em

outubro pela qual acenavam com maiores ganhos em acesso a mercados, a

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eliminação dos subsídios às exportações e a busca de uma maior convergência

com a UE em subsídios domésticos.154

O conteúdo dessa proposta refletia a intenção de evitar novos desafios e

decisões desfavoráveis no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, pois

em suporte doméstico consolidava as suas políticas recentes de trocar subsídios

contestados como empréstimos de marketing e pagamentos anticíclicos pelos

permitidos sob a caixa verde, sem oferecer redução substantiva do suporte

doméstico geral (PRESSER, 2005); pois não admitiam limites na caixa verde e

intentavam colocar seus subsídios anticíclicos na caixa azul. Esse movimento em

direção aos subsídios permitidos tinha também razões fiscais, mas

fundamentalmente se associava às derrotas recentes dos EUA nos painéis do

algodão e do açúcar.

Em acesso a mercados se embutia o maior desafio para o G-20, pois os

EUA voltariam à sua posição livre cambista abandonada no início da Rodada

Doha, exigindo grandes cortes nas tarifas de países desenvolvidos e em

desenvolvimento, sem distinção, contrariando as promessas de tratamento especial

e diferenciado e não reciprocidade plena nas negociações feitas em Doha e no

Acordo-Quadro de 2004 (PRESSER, 2005).

A proposta dos EUA propunha a eliminação dos subsídios à exportação até

2010 e de todos os apoios domésticos distorcivos ao comércio até 2023.

Requisitava o corte sobre os apoios domésticos em três níveis, de 37 a 83% e um

teto para a caixa azul de 2,5%, avançando nesse sentido, em relação ao Marco de

Julho. Em contrapartida exigia o estabelecimento de uma nova Cláusula de Paz,

que deteria as iniciativas dos PEDs de abertura de painéis na OMC. Entretanto, os

EUA condicionavam a sua proposta a um movimento ofensivo de exigir progresso

substantivo em acesso a mercados, estabelecendo cortes tarifários em quatro

bandas, entre 55 e 90%, com os produtos sensíveis compondo apenas 1% das

linhas tarifárias (CLAPP, 2007).

Em meio ao pessimismo generalizado quanto a Hong Kong, o G-20

rejeitava a proposta de corte dos subsídios agrícolas feita pelos EUA, denunciando

que a oferta dos EUA não previa cortes orçamentários efetivos com subsídios.

                                                            154 A proposta dos EUA em subsídios domésticos refletia a preocupação em apresentar uma proposta de harmonização para reduzir a disparidade dos subsídios que podem ser concedidos sob a AMS entre os EUA e a UE da proporção de 1:4 para 1:2. (PRESSER, 2005)

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Na contra - proposta apresentada, o Grupo reivindicava o corte de 70% a

80% em todas as categorias de ajudas distorcivas ao comércio, inclusive, no que

diz respeito à caixa azul.155 O G-20 politizava as negociações, denunciando a

proposta dos EUA em suporte doméstico como troca de caixas “Box shifting”, e

que os gastos com esse tipo de suporte poderiam inclusive aumentar,

acrescentando que a nova Cláusula de Paz se destinava a evitar as disputas

comerciais que o Brasil poderia levar à OMC contra aquele país.156

O G-20 aludia às vitórias brasileiras que aumentavam a legitimidade da

posição do G-20, frente à OMC e investia na estratégia de guardião do Mandato

de Doha, buscando a associação entre as suas propostas e o perfil da nova

Organização que, a partir da instauração do seu mecanismo de solução de

controvérsias, teria passado a apresentar novas alternativas aos PEDs.

A proposta dos EUA se seguia à provocação feita pelo seu representante

comercial, que afirmou que o total do corte de subsídios domésticos no seu país só

se daria em razão direta do aumento do acesso dos produtores agrícolas norte-

americanos aos mercados desenvolvidos, como os da UE, do Japão e da Suíça,

frisando que os EUA vinculariam o acesso a mercados agrícolas, também, ao

acesso aos mercados para produtos manufaturados.157

Por um lado, os EUA buscavam explorar as limitações do G-20,

avançando a vinculação entre os subsídios agrícolas e NAMA. Entretanto, por

outro lado buscavam uma aproximação com o Brasil que tornasse mais clara as

divergências entre os membros do Grupo.

Os EUA também acenavam para a parceria com o líder do G-20,

afirmando que: “O Brasil e os EUA têm atuado como aliados na negociação em

Doha”, no que concordava o representante brasileiro, Celso Amorin: “Temos na

área de acesso a mercados uma posição parecida com a dos EUA na OMC”.158

Segundo o embaixador dos EUA, as negociações de Doha aproximaram seu país

do Brasil, já que ambos nutriam interesse em reduzir o protecionismo europeu. A

relação entre os países teria se tornado mais construtiva nos últimos meses,

                                                            155 Sem abertura de mercado na AL não haverá acordo em agrícolas, diz EU. Folha de São Paulo, 14 out. 2005. 156 G-20 diz que proposta dos EUA é insuficiente. Folha de São Paulo, 12 out. 2005. 157 EUA querem passar parte de subsídios a programas legais. In: Valor Econômico, 28 set. 2005. 158 Ibid.

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atribuindo ao país o papel de mediador entre a UE e os EUA nas negociações,

como no caso da proposta de redução tarifária em negociação na OMC.

Essa pressão de isolamento sobre a Europa colocada pela estratégia

negociadora dos EUA ocorria quando a Europa já havia apresentado uma proposta

que era criticada duramente pelo G-20, que alegara que os seus 10% de linhas

tarifárias sensíveis era um número muito alto e que cortes tarifários restritos em

acesso a mercados caracterizavam uma proposta inadequada e incongruente com a

ambição do Mandato de Doha (CLAPP, 2007). Embora a UE houvesse se

comprometido com a eliminação dos subsídios à exportação em uma data não

especificada, os EUA sabiam que a UE não poderia ir além, pois a França se

opunha até mesmo às propostas já colocadas sobre a mesa de negociações

exercendo constante pressão sobre o seu negociador Peter Mandhelson.

A aproximação do Brasil e o isolamento da Europa provocaram a reação

esperada sobre os países em desenvolvimento. Esse movimento era ampliado pela

aceitação do Brasil do papel de grande mediador, pois quando embarcava na

estratégia dos EUA e passava a representar ou atribuir ao G-20 o papel de se

intitular como via média entre os países desenvolvidos, abria caminho para a

pressão da Europa, no sentido de enrijecer sua posição defensiva em agricultura e

explorar sua coesão com os demais países desenvolvidos, exercendo pressão sobre

o Grupo, quanto aos temas de interesse daqueles países.

Esse padrão irá se repetir em diferentes fases do processo de negociação,

levando a que o Grupo cada vez mais se torne vulnerável ao levar ao começo da

ampliação dos temas sob discussão no G-20, originalmente restritos à agricultura.

Enquanto o G-20 se dividia entre a aproximação do Brasil em relação aos EUA

em acesso a mercados e a resistência indiana sobre a profundidade da reforma

agrícola, crescia a pressão sobre o G-20 da parte da UE.

Desse modo, em reação à rejeição da proposta norte-americana pelo G-20,

o bloco criticava a América Latina, enrijecendo sua posição. Segundo Peter

Mandelson:

Se a abertura não se der para produtos industriais e serviços, me permitam ser perfeitamente claro, não haverá acordo sobre agricultura. Simplesmente não é possível... não podemos oferecer maiores perspectivas para o comércio de

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produtos agrícolas para os produtos competitivos da América Latina se, em troca, eles não abrirem seus mercados nos setores que buscamos maior acesso.159 Paralelamente ao aumento da pressão sobre o G-20, a UE também buscava

a aproximação com os EUA, pelas declarações de Peter Mandhelson, de que o

acordo entre EUA e Europa sobre agricultura consistia em condição sine qua non

para o progresso da rodada.160

No entanto, era sobre o Brasil como líder do G-20 que queria obter um

acordo em Hong Kong (2005) que o impasse exercia maior pressão, forçando uma

possível flexibilização das propostas do G-20, com a qual acenava o ministro da

Fazenda do Brasil, Antonio Palloci, que passava a defender uma maior abertura

do país em NAMA nas negociações comerciais na OMC161. Em Xianghe, na

China, após a reunião de ministros da fazenda e presidentes de Bancos Centrais,

do encontro do G-20 econômico, em 16/10/2005, o ministro declarava que os

países em desenvolvimento deveriam abrir mais suas economias, caso quisessem

obter a cooperação dos países desenvolvidos nas negociações da rodada.162

O enrijecimento das posições negociadoras também repercutia

internamente aos blocos de negociação, como a UE, pois a pressão do G-20 sobre

as tarifas agrícolas europeias gerava crescente oposição da França que retirava seu

apoio da última proposta feita pelo novo negociador da UE, Peter Mandelson, na

OMC.163

Em meados de outubro, logo em seguida à rejeição da proposta norte-

americana pelo G-20, os EUA buscaram alterar o rumo das negociações, ao

surpreenderem os demais negociadores com a oferta de uma redução de subsídios

domésticos de 72,5%. O G-20 adquiria, então, importante argumento para

pressionar a UE a aumentar a sua oferta de negociação. Nesse sentido, Celso

Amorin reivindica um posicionamento europeu, criticando a coerência da sua

posição negociadora:

                                                            159 Sem abertura de mercado na AL não haverá acordo agrícola, diz UE. Folha de São Paulo, 14 out. 2005 160 Ibid. 161 TREVISAN, Claudia. A Fazenda brasileira havia se posicionado em relação à abertura comercial do país, em documento de setembro de 2005, no qual defendia a redução das tarifas máximas de importação de produtos industrializados de 35% para 10,5%. Ministro da Fazenda defende nova abertura comercial. Folha de São Paulo, 17 out. 2005. 162 TREVISAN, Claudia. Ministro da Fazenda defende nova abertura comercial. Folha de São

Paulo, 17 out. 2005. 163 G-20 diz querer mais concessões agrícolas da EU. Folha de São Paulo, 20 out. 2005.

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Sempre ouvimos que a disposição dos europeus em negociar acesso ao mercado agrícola dependia da disposição dos EUA de fazer o mesmo. Os EUA fizeram a parte deles e a partir de agora esse argumento é deslegitimado.164 O jogo dos EUA refletia a composição da sua pauta de exportações, que

engloba apenas 4,5% de produtos agrícolas; em contraposição à soma de 90% em

manufaturados e serviços. Como observa Polaski (2007), as propostas radicais dos

EUA em agricultura não defendiam necessariamente os interesses dos agricultores

norte-americanos, pois as perspectivas das exportações agrícolas dos EUA eram

positivas sob as regras comerciais então vigentes:

Overall the US agricultural exports to developing countries now exceed those to wealthy countries and are growing at a faster pace...In much of the developing world, countries that were net agricultural exporters a generation or even a few years ago are now net importers. This growth is ocurring under current trade rules and current tariffs policies of developing countries governments. The US has consistently been the top exporter of agricultural goods to developing countries as a group. In 2005, the US exported three times as much as Brazil, the next largest exporter, into these countrie’s markets. The claim that developing country agricultural markets are closed to US exports and must be pried open during the Doha round is simply not supported by the facts. (POLASKI, 2007, p. 2). O novo posicionamento dos EUA teve o efeito de trazer definitivamente o

G-20 ao papel de via média das negociações, pois a sua proposta era de 54% nos

cortes tarifários, enquanto a proposta dos EUA era mais radical. Situando-se entre

as pretensões de EUA e EU, e potencialmente apresentando grande potencial de

conciliação entre os negociadores, o G-20 passa à estratégia de convencimento

dos líderes europeus para que apoiem uma oferta significativa de redução dos

subsídios agrícolas, como na carta do presidente Lula aos líderes da França, Itália,

Espanha e Portugal, em fins de outubro: “Neste momento crucial, encareço a

melhor atenção e cooperação no sentido de influir para que a proposta da EU

sobre acesso a mercados em agricultura represente um verdadeiro impulso às

negociações agrícolas”.165

Começava assim a se tornar claro que a Europa seria o grande obstáculo à

formulação de qualquer acordo em Hong Kong. Diante das ameaças de que o

encontro poderia ser cancelado caso ela não melhorasse sua oferta, a UE

                                                            164 Ibid. 165 DIANNI, Claudia. Carta de Lula faz apelo a líderes da EU. Folha de São Paulo, 29 out. 2005.

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formularia uma segunda proposta, em 28 de outubro, mas que não avançava em

acesso a mercados.

Nesse pilar, a aproposta previa cortes médios de 35% a 60% para os países

desenvolvidos, com um teto de 100%; como queria o G-20. Os cortes para os

PEDs seriam de 2/3 dos cortes dos desenvolvidos, com teto tarifário de 150%

(PRESSER, 2005). A fórmula da UE era construída de modo a que possuíssem

uma flexibilidade que permitia que pudesse haver produtos da UE que sofressem

cortes de apenas 20%. A fórmula também continha uma exigência da UE para que

pudesse designar uma lista de produtos sensíveis, com capacidade para até 166

linhas tarifárias, onde os cortes seriam menores, o que englobaria a maior parte

dos produtos em que os demais negociadores tinham interesses ofensivos.

Em competição de exportações, a proposta trazia a sugestão de um

movimento gradual para ajuda alimentar paga em dinheiro e não reguladas até

então. Embora a proposta houvesse modestamente avançado em suporte

doméstico, havia um ponto sensível para o G-20, pois ela também vinculava os

avanços em agricultura a avanços em outros temas. Os cortes que a UE queria que

os países em desenvolvimento fizessem em indústria e serviços, entretanto, eram

muito mais profundos do que aqueles que ela se comprometia a adotar em

agricultura.

A percepção predominante sobre a proposta da UE era a de que aquele era

um movimento para evitar a responsabilidade sobre o fracasso eventual das

negociações em agricultura (CLAPP, 2007).

Assim, os FIPs foram unânimes em rejeitar a proposta dos europeus, na

sede da OMC, em 29/10/2005.166 A rejeição da “oferta final” oferecida pela União

Europeia deixava claro que, a despeito do avanço na última proposta, ainda havia

grande distância entre as ambições europeias e a posição do G-20 e dos EUA.

Começava assim a aproximação do G-20 com os EUA nas negociações agrícolas

que prevaleceria em Hong Kong (2005).

Isso significava que a segunda manobra dos EUA surtia efeitos pelo

isolamento da UE e aproximação entre EUA e o G-20. Isso aparece pela

perspectiva que assumiu o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que

divulgava que segundo a sua metodologia, a oferta europeia não ultrapassaria uma

                                                            166 ROSSI, Clovis. Comércio Global: Oferta Final da UE para Doha é rejeitada. Folha de São

Paulo, 29 out. 2005.

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redução tarifária de 39%. Número aquém da proposta do G-20 de 54% e ainda

mais modesto do que as ambições dos EUA,167 tornando claro para o G-20 a

discrepância entre a oferta e as reivindicações dos Europeus de cortes tarifários,

da parte dos países em desenvolvimento, em áreas como bens industriais e

serviços.

A estratégia dos EUA também produzia efeitos sobre a UE, pois a

polarização que resultava da sua iniciativa também tinha sua contraparte na fratura

da posição negociadora européia. Novamente, a França criticava a última proposta

de Peter Mandelson, ameaçando vetar qualquer acordo comercial celebrado que

excedesse os compromissos constantes da Política Agrícola Comum Europeia.168

Percebendo a resistência e conformação de mais um impasse, bem como o

que se encontrava em jogo, o G-20 alertava aos líderes dos seus países membros,

pelo presidente Lula, em carta de 4 de novembro de 2005,169 que o Grupo deveria

estar coeso e atento para estratégias que buscassem enfraquecê-lo durante a

crucial reunião da OMC de dezembro, em Hong Kong,170 assinalando que, o

Grupo se fortalecera, tornando-se referência central das negociações, repousando,

portanto, na sua unidade, a garantia de que os interesses dos países em

desenvolvimento fossem levados em conta nas negociações.171

Em meio ao descrédito sobre o futuro das negociações e a troca de

acusações entre os negociadores, o Diretor Geral da OMC criticou o “espírito das

negociações” entre o G-20 e os europeus, defendendo a manutenção do prazo final

de 2006 para a rodada e se reunindo com os negociadores em Genebra.172

A OMC buscaria conduzir as negociações a um novo rumo que revertesse

as divergências. Por solicitação do Diretor Geral, reuniram-se novamente o

representante do G-20 e o representante europeu, Peter Mandelson, em Roma, na

segunda semana de novembro173. No encontro, o G-20 insistiu que a proposta

europeia traria uma abertura efetiva mínima no mercado agrícola do bloco. Mais

                                                            167 Ibid. 168 World economy: Trade talks in the rough. The Economist Intelligence Unit (EIU Views Wire). New York, 4, Nov., 2005. 169 Carta divulgada pelo Itamaraty, em 10/11/2005. 170 Lula pede unidade em negociações ao G-20. Folha de São Paulo, 11 nov. 2005. 171 Amorin reúne-se com Mandelson. Gazeta Mercantil, 11 nov. 2005. 172 Lamy defende fim da Rodada Doha em 2006. Folha de São Paulo, 11 nov. 2005. 173 Amorin reune-se com Mandelson. Gazeta Mercantil, 11 nov. 2005.

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tarde,174 o representante europeu, Peter Mandelson se reuniu com ministros

europeus, em Bruxelas; trazendo o recado de que caso as negociações

progredissem, a UE teria de assumir maiores compromissos em agricultura, assim

como em outros temas, em algum momento do percurso das negociações.175

Devido ao conturbado ano de 2005 de retomada do processo negociador, a

percepção que os negociadores mantinham sobre a reunião de Hong Kong já era a

de uma etapa que deveria ser cumprida para que os trabalhos pudessem continuar

posteriormente, o que é bem captado pelo depoimento do representante norte-

americano Robert Portman: “Hong Kong nunca teve a intenção de ser o final do

processo. Nós temos a obrigação de fazer o melhor durante a reunião e a partir daí

utilizar este momento de sucesso para atingir um acordo satisfatório no final de

2006”.176

Essa percepção levou o presidente Lula, ainda antes do encontro de Hong

Kong, a propor um encontro em janeiro de 2006, entre o G-20 e o G-8,177 como

iniciativa que pudesse aumentar o engajamento dos líderes políticos dos principais

negociadores da rodada e resultar no avanço das negociações, pois a falta de

vontade política como obstáculo às negociações já era percebida pelo Grupo.

5.13.1

A Conferência Ministerial de Hong Kong (2005): aliança entre G-20 e

EUA e a derrota do G-110

 O progresso obtido em Hong Kong foi muito modesto (MARTIN;

ANDERSON, 2008), já que as discussões seguiram o ritmo do impasse anterior

ao encontro, com a agricultura representando o ponto central das divergências e a

UE não apresentou uma oferta melhorada de cortes tarifários na área agrícola, sob

os protestos do G-20 e dos EUA.178

                                                            174 21 de novembro. 175 Comércio: Europeus acenam com melhora em oferta agrícola. Folha de São Paulo, 22 nov. 2005. 176 Negociador dos EUA descarta solução em Hong Kong. Noticias Financieras. Miami, Dec. 10, 2005. p. 1. 177 Integração: Lula pede a parceiros mais pressão contra subsídios agrícolas. Folha de São Paulo, 10 nov. 2005. 178 Comércio Global: Tiroteio verbal aumenta impasse na OMC. Folha de São Paulo, 15 dez. 2005.

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Wilkinson e Lee (2007) apontam que, a despeito do modesto progresso

feito na ocasião, os sinais de colapso já eram iminentes graças à disputa entre os

EUA e a UE em relação a qual desses atores seria responsável pela falta de

progresso da rodada no período posterior a Hong Kong.

No controverso debate sobre acesso a mercados, as propostas da UE, dos

EUA e do G-20 divergiam profundamente. Como observam Brockmeier e Pelikan

(2008), embora o Programa de Trabalho da Rodada houvesse estabelecido que as

negociações procedessem mediante a aplicação de uma “tiered fórmula”, que

garantiria maiores cortes para as maiores tarifas, um número de bandas para

aplicação dos cortes tarifários e uma metodologia de conversão das tarifas não

advalorem, tarifas específicas e equivalentes ad valorem (AVEs), além desse

ponto não houvera avanços (BROCKMEIER; PELICAN, 2008). Além disso,

outras questões permaneciam em aberto em relação aos cortes tarifários para

abertura de mercados, criando espaços para o surgimento de maiores divergências.

Outro grande espaço para disputa consistia na proximidade entre o Grupo

e os EUA em agricultura que isolava a Europa, pois tanto o G-20 quanto os EUA

chegaram à conclusão de que resolver essa questão consistia na solução para o

impasse das negociações em outros temas. Nesse sentido propunham que a UE

melhorasse sua oferta em acesso a mercados e se comprometesse com o fim dos

subsídios às suas exportações até 2010. A UE concordava com o fim dos

subsídios à exportação, mas se recusava em assumir um cronograma ou prazo

final, enquanto os EUA não desistissem de reformar seus créditos de exportação

agrícola e programas de auxílio à produção de alimentos.179

A aproximação entre o G-20 e os EUA em torno da agricultura passava a

ser vista como ponto central que permitiria destravar as negociações e gerou a

acusação da UE, de que essa postura consistiria em estratégia para deslocar o foco

liberalizante das áreas de negociação onde se concentram os interesses europeus,

como indústria e serviços.180 A Europa buscava oferecer pequenas reduções em

subsídios à agricultura em barganha por uma maior abertura nesses setores, pela

aproximação com os EUA.

                                                            179 JUNQUIERES, Guy de; WILLIANS, Frances. EU under pressure on agriculture subsidies to avert Doha deadlock WTO Conference. Financial Times, London (UK), Dec. 16, 2005. 180 Comércio Mundial: Brasil fez união oportuna com EUA, diz UE. Follha de São Paulo, 17 dez. 2005.

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No transcorrer das negociações, os países em desenvolvimento cada vez

mais se achavam pressionados a assumirem compromissos nesse sentido. Em

troca do estabelecimento da data para redução dos subsídios à agricultura, os

PEDs se comprometeriam com uma maior liberalização em Serviços e Indústria.

No entanto, esse compromisso não fez parte do acordo formalmente e se

encontraria na dependência das negociações posteriores em subsídios e acesso a

mercados em agricultura.

Como observa Taylor (2007), essa barganha ilustrava que os subsídios à

exportação se tornavam o instrumento central de barganha para o mundo

desenvolvido para obter concessões dos PEDs em outros setores.

No entanto, essa estratégia sofreu grande resistência dos PEDs e a resposta

do mundo em desenvolvimento veio sob a forma da sua grande união, originada

como reação dos países em desenvolvimento ao avanço com a agenda de Serviços

que pretendiam os países desenvolvidos.

No momento em que essas posições polares em relação à agricultura

ocorreram foi gerada uma grande coesão entre os PEDs em torno do G-20, quando

mais de 110 países em desenvolvimento, divididos por pertencerem originalmente

a seis diferentes Grupos,181 inauguraram um encontro ministerial entre si, às

margens da Conferência de Hong Kong, do qual resultou um comunicado

conjunto pelo qual defenderam os mesmos pontos defendidos pelo G-20 em

agricultura, incluindo a eliminação total de todas as formas de subsídio à

agricultura até o ano de 2010182.

Entretanto, a força da coalizão do G-110 que surgiu para impedir o avanço

da agenda de serviços já estaria comprometida como se comprovou no final das

negociações de Hong Kong. Muitos países em desenvolvimento temiam serem

considerados os responsáveis pela falência do encontro de Hong Kong e um

colapso das negociações multilaterais. Nesse sentido, mesmo Cuba e Venezuela

                                                            181 A aliança foi composta pelo G-20; pelo G33, composto por 42 países pobres, geralmente concentrando o principal de suas exportações em um único produto; pelo ACPs, que consiste em 77 países africanos, caribenhos e do Pacífico, beneficiados por acordos que lhes asseguram a entrada dos seus produtos na EU, resultante de serem ex-colônias da Europa; LCDs, como os países menos desenvolvidos, que são 49, contando com 32 deles como membros da OMC; assim como o Grupo Africano, composto pelos 41 países da África. Brasil e G-20 atraem “80% da humanidade”. (FOLHA DE SÃO PAULO, 17 dez. 2005) 182 Comércio Mundial: Brasil fez união oportuna com EUA, diz UE. Follha de São Paulo, 17 dez. 2005.

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apenas registraram sua reserva em relação ao texto aprovado em serviços na

sessão final do encontro de Hong Kong (WILKINSON; LEE, 2007).

Da parte dos líderes do G-20, o papel desempenhado pelo Brasil e pela

Índia foi fundamental para que essa grande polarização ocorresse, pois a maior

ambição do Brasil era obter uma data para o fim dos subsídios em agricultura

pelos países desenvolvidos, conduzindo a Índia naquelas negociações (TAYLOR,

2007).

No entanto, esses mesmos países, que lideravam o Grupo em torno do qual

se deu a grande união do G-110 como representante do mundo em

desenvolvimento em torno da agricultura, aceitaram a fórmula Suíça em NAMA e

a abordagem plurilateral em Serviços. Isso reflete que naquele momento das

negociações, a grande questão que se achava em jogo para ambos não era o

impacto direto sobre as suas economias, mas a afirmação da sua grande influência

sobre a OMC. Nesse sentido, Bello (2005) observa:

The role of Brazil and Índia was to extract the assent of the developing countries to an unbalanced agreement that would make this possible in the face of reluctance of the UE and US to make substantive concessions in agriculture. Delivering this consent was to be the proof that Brazil and Índia were responsible global actors. It was the price that they had to pay for full membership in the new, enlarged power structure.183

O G-20 embarcava numa barganha que só teria por fim enfraquecer a

custosa e difícil coesão que seus membros puderam ostentar naquela Conferência.

Em troca de um compromisso simbólico, o G-20 concorda com um resultado que

não apresentava ganhos reais para as negociações agrícolas e concedia a

aprovação dos serviços como contrapartida que desagradava profundamente aos

seus aliados no G-110. Com a agravante de que as modalidades principais

envolvendo as fórmulas para cortes de tarifas e subsídios não foram definidas. O

resultado de Hong Kong consistia em poucas concessões para os países em

desenvolvimento em troca de substanciais concessões ao mundo desenvolvido

(TAYLOR, 2007).

Não obstante, houve grande repercussão dessa grande coalizão sobre a

OMC, pois a ênfase da OMC no botton up proccess como processo de negociação

                                                            183 Bello, Walden. The Real Meaning of Hong Kong: Brazil and Índia join Big Boy’s Club. Focus on the Global South, 22 december. Apud Op Cit Taylor, 2007, p. 36.

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de baixo para cima que consistia na preparação de esboços de textos que deveriam

ser reescritos, num processo de negociação conduzido pelos membros da

Organização passaria por modificações. A partir do surgimento do G-110, o

Diretor-Geral, os facilitadores e o Secretariado da OMC passaram a criticar esse

processo, por encorajar a formação de grandes coalizões ao permitir que a união

de muitos grupos de países aumentasse sua força nas negociações (WILKINSON;

LEE, 2007).

Esse foi precisamente o caso da aliança que o G-20 foi capaz de conquistar

na ocasião, conformando um “G-110”, pela adesão do G-90 e do G-33.

Entretanto, como observam Wilkinsons; Lee (2007), esse tipo de coalizão entre

grupos conformava um “self-styled” e “unconvincing Group” que tornava as

discussões menos objetivas e dificultava avanços nas negociações.

Isso se refletiu na falta de compromisso da UE com o fim dos subsídios

acordada, pois a coesão do mundo em desenvolvimento era facilmente posta à

prova, pois ela não permitia ao Grupo avançar nas negociações mediante o poder

político conquistado com a grande aliança.

Os EUA e o G-20 queriam a data de 2010 para o fim dos subsídios, mas a

UE resistia e defendia 2015. Após muita resistência foi acordada a data de 2013.

A razão para isso era que a reforma agrícola de 2003 da PAC já extinguiria muitos

subsídios naquela data (CLAPP, 2007). As divergências e tensão entre a Europa e

o G-20, contudo, permaneceram durante e após as negociações, pois após a

votação da proposta de prazo para o fim dos subsídios, o representante comercial

da UE, Peter Mandelson, declarou que a Europa se comprometia com esse prazo

para o fim dos subsídios, com a condição de que essa proposta também incluísse o

fim dos chamados subsídios indiretos, como créditos ou financiamentos à

exportação e programas de assistência à produção de alimentos, concedidos pelos

EUA.

A afirmação europeia que estabelecia condições para o cumprimento de

um compromisso acordado provocou a reação do chanceler brasileiro, Celso

Amorim, que criticou a alegação de Peter Mandhelson de que seria impossível

reduzir os subsídios europeus, uma vez que apenas isso não poria fim a outras

iniciativas de distorção de mercados empregadas por outros países. Segundo o

líder do G-20, a postura europeia não enfocava a questão central que emergiu de

Hong Kong, enquanto o compromisso final com o prazo acordado para a redução

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dos subsídios, decisão que deveria ser aplicada por todos os membros da OMC ou

não ser aplicada a nenhum.184

O gap entre o acordo institucional de Doha e as negociações de substância

era instrumentalizado pelos europeus. O processo negociador da OMC que

permitia o surgimento das novas coalizões de geometria variável facilitava esta

estratégia, pois a UE investia no adiamento da discussão de muitas questões

substantivas, sabendo que a união do G-110 não poderia ser mantida em outras

fases de negociação.

O G-20, sobretudo, tornava-se cônscio em Hong Kong de que a sua

incorporação ao FIPS gerava crescentemente a percepção dos outros países em

desenvolvimento de que sua voz estaria sendo ouvida no centro das negociações,

mas também gerava críticas e reivindicações de outros PEDs por maior

transparência e inclusão no grupo. Nesse sentido, o G-20 buscava a coesão com os

demais países em desenvolvimento enfatizando seus pontos de concordância em

termos amplos. No entanto, como havia grandes detalhes de modalidades para

serem negociados era cada vez mais improvável que a sua coesão seria duradoura

(CLAPP, 2007).

Esse resultado da aprovação dos serviços, a despeito da oposição do novo

G-110 se deveu a um processo que já vinha se estabelecendo desde muito antes de

Hong Kong. Liga-se diretamente ao crescimento do papel dos países em

desenvolvimento na OMC, pressionando a instituição por avanços na liberalização

do comércio e ostensivamente travando discussões e se opondo aos países

desenvolvidos. Esse processo começou com a percepção dos países desenvolvidos

após o surgimento do G-20 em Cancun, de que a sua dominação tradicional das

negociações estaria deslegitimando a OMC, pela pressão e denúncias crescentes

dos países em desenvolvimento. Consequentemente, era necessário cooptar ou

trazer para o centro da sua aliança com o fito de conferir um aspecto mais

democrático e legítimo à instituição.

Esse processo estava por trás da formação do FIPs. Através do FIPs, foi

acordado o formato do encontro de julho de 2004; o qual abriu caminho para o

encontro de Hong Kong. Desse modo, no caminho para Hong Kong e                                                             184 Celso Amorin: “They say they can’t reduce the subsidies, because that would omit alternative forms of distortion employed by other countries. That is not true. Either it (the deadline) applies to everyone or to no one at all”. Tense atmosphere marks third day of WTO’s Hong Kong meeting. Noticias Financieras, Miami, 28 Dec. 2005. p. 1.

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anteriormente ao encontro Ministerial, foi criado um novo QUAD, consistindo na

união de EUA, EU, Brasil e Índia e Austrália (TAYLOR, 2007), enquanto grupo

informal que foi responsável pela agenda e curso das negociações em Hong Kong,

refletindo a perspectiva do G-20 de que a OMC era imprescindível para o mundo

em desenvolvimento e que o preço a ser pago pelo avanço das negociações

consistia em transigir com os temas de interesse dos países desenvolvidos.

Além do desgaste a que o Grupo se expôs na aceitação dos temas

rejeitados pelo G-110, os modestos resultados substantivos da Declaração

Ministerial também ameaçariam a sua coesão, o documento de Hong Kong

consistiu em um tímido passo, a partir de um grande passivo de modalidades em

agricultura que permaneceu a ser decidido. Os detalhes de decisões em muitas

áreas eram vagos e as consequências do que foi acordado só seriam

completamente compreendidas, quando o texto final foi redigido. Chegou-se, na

prática, a um acordo com o objetivo de que as negociações fossem retomadas.

A Declaração Ministerial não especificava nem objetivos concretos ou

fórmulas para cortes de tarifas ou subsídios. O trabalho se concentrou sobre linhas

gerais que pudessem conduzir o processo de negociação em direção das

“modalidades completas” em agricultura e acesso a mercados para produtos não

agrícolas (WILKINSON; LEE, 2007). O prazo para o fim dos subsídios à

agricultura em 2013 foi subordinado: à conclusão das modalidades, das

negociações sobre o Algodão e da demanda tradicional dos Países de Menor

Desenvolvimento relativa ao acesso a mercados, mediante isenção de tarifas e

cotas. O Algodão figurava proeminentemente nas negociações, mas como no caso

dos subsídios à exportação, consistia mais em gesto do que em substância, pois os

EUA ensaiaram uma manobra com a UE para negociarem primeiro as demais

questões agrícolas e deixarem o Algodão para depois, no que o representante

europeu Peter Mandelson designava como levar as negociações a um novo nível

tático (WILKINSON; LEE, 2007).

Em suporte doméstico, a redefinição da caixa azul permitiria aos EUA

injetar imediatamente US$ 10 bilhões nessa categoria, de subsídios que constavam

previamente na caixa amarela. A UE poderia desviar a maior parte dos seus

subsídios das caixas azul e amarela para sua caixa verde. Segundo a OXFAN a

UE e os EUA poderiam aumentar seu suporte doméstico na ordem de $ 35 bilhões

e US$7,9 bilhões respectivamente, ao fim do período de implementação, havendo

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sido deixado espaço também para que ambos aumentassem seus subsídios à

exportação antes que os mesmos fossem eliminados (CLAPP, 2007).

Em acesso a mercados, a Declaração Ministerial menciona que a fórmula

de redução tarifária seria composta de quatro níveis e que produtos sensíveis

teriam tratamento diferenciado, que levaria em conta todos os aspectos

relacionados.

5.14

A reação da OMC a formação do G-110: os encontros do G-6 e o

abandono da centralidade da agricultura

A partir da falência de Hong Kong não houve mais vontade política que

possibilitaria um amplo acordo, pois Washington passou novamente a perseguir

uma agenda neoprotecionista que tinha amplo apoio do Congresso, investindo na

celebração de acordos bilaterais de comércio e investimentos (DRACHE, 2006).

Os principais atores, US, UE, Brasil e Índia – G-4- que haviam

anteriormente incluído a Austrália, conformando os FIPs, agora incorporavam

também o Japão para conformar o G-6. O G-6 acordou que o processo de

negociações de modalidades seria facilitado por simulações de acesso a mercados

em NAMA e Agricultura.185

Apesar do esforço em superar o impasse das negociações buscando incluir

mais países nas simulações de resultados da OMC, a ausência de vontade política

dos principais atores não permitiu que as grandes divergências que sobreviveram a

Hong Kong fossem resolvidas em Genebra, pois ambos não haviam se movido em

relação às suas últimas propostas de acesso a mercados e suporte doméstico.

Em contrário, nesses encontros, tanto a UE, quanto os EUA passaram a

enrijecer suas posições negociadoras. A UE representada por Peter Mandelson e

Marianne Fischer Boel afirmou que já havia feito movimentos suficientes em

agricultura na recente reforma da PAC. O bloco reafirmava sua posição em acesso

                                                            185 Com o objetivo de desenvolvimento dessas simulações, o Grupo se ampliou para incluir a Noruega, o Canadá, a Malásia, o Egito, o Kenia e a China, formando o S-12. Os EUA se encarregaram das simulações para agricultura, enquanto os canadenses se encarregaram de NAMA. Os resultados dessas simulações que se iniciaram com esses doze países instrumentalizaram o debate entre o G6 e então para todos os membros da OMC. Os Chairs dos comitês de agricultura e NAMA decidiram realizar encontros sob a forma de semanas intensas de agricultura e NAMA que ocorreram em paralelo. (ISMAIL, 2006)

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a mercados de 28 de outubro de 2005, de 39% de corte linear com a manutenção

de 8% das suas tarifas para ser designada como produtos sensíveis, além das

maiores flexibilidades necessárias para cerca de 70% das suas linhas tarifárias

(ISMAIL, 2006).

Após abril de 2006, quando o prazo para a conclusão das negociações foi

perdido novamente, a posição negociadora dos EUA em relação aos cortes no seu

suporte doméstico passaria, inclusive, a se tornar mais rígida, tornando-se cada

vez mais claro que não haveria avanços em relação à sua oferta de outubro de

2005.

Em 28 de janeiro de 2006, os ministros se encontraram à margem do

Fórum Econômico de Davos. Na ocasião, Robert Portmann defendeu a adoção do

princípio de que seria necessário que todos os negociadores se movessem em

conjunto, conforme proposta o Ministro da Malásia. Esse momento assinalava a

reversão do posicionamento norte-americano ao lado do G-20 e a favor da

centralidade da agricultura para o avanço das negociações da rodada, advertindo a

Europa e o G-20 de que também deveriam se mover nesse processo.186

Naquele momento, os EUA investiam na postura esperada pela UE, que

desde o início das negociações buscava a aliança desse país. A coesão

demonstrada pelo G-20 em torno da centralidade da agricultura começou a

apresentar brechas ou espaços para divergências dentro da coalizão, pois a partir

do momento que os EUA abandonam o G-20 nessa reivindicação, alguns dos seus

membros também se aproximam da postura europeia.

O ministro de comércio egípcio, Rachid Mohammed Rachid, líder do

Grupo Africano nas negociações comerciais e seu representante no G-20 passou a

denunciar a postura do grupo como não condizente com as aspirações do seu país

e do restante dos membros do Grupo. Ele declarava que enquanto o G-20 e os

EUA estariam esperando que a UE oferecesse uma proposta mais ambiciosa em

acesso a mercados em agricultura, o G-20 é que deveria oferecer maiores

concessões em NAMA e serviços para o avanço das negociações.187

Como as negociações não evoluíam e devido à proximidade das eleições

nos EUA e da expiração da autoridade negociadora do governo George Bush, a

                                                            186 BEATTIE, Alan. Us signals new approach to Doha round of trade talks. Financial Times, London (UK), 27 Jan., 2006. p. 8. 187 Ibid.

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OMC buscou alterar a dinâmica das negociações. No começo de abril, Pascal

Lamy afirmou que as negociações de modalidades para não serem perdidas pelo

prazo de novo deveriam requerer movimento nos três dos seus ângulos: NAMA;

acesso a mercados em agricultura e suporte doméstico.

Na OMC, ele convocou um encontro em 21 de abril e afirmou que não

acreditava na conveniência de um encontro ministerial no fim de abril, sugerindo

o retorno do processo negociador para Genebra, uma vez que os encontros do G-4

e do G-6 não haviam se mostrado proveitosos. As negociações deveriam voltar a

ser baseadas nos textos e num intensivo processo de baixo para cima “botton-up”,

e coordenado pelos Chairs dos Grupos de agricultura e NAMA (ISMAIL, 2006).

O prazo para o fim das negociações em abril foi assim adiado.

Como Wolfe (2007) observa, naquele ponto das negociações, era notável

como em retrospecto o triângulo de trade offs se reduzia crescentemente, pois a

rodada havia sido atrasada por um longo processo que resultou na eliminação dos

temas de Cingapura da mesa de negociações. As preocupações quanto à

implementação dos acordos da Rodada Uruguai em favor dos países em

desenvolvimento e as demandas de tratamento especial e diferenciado também

ocuparam espaço considerável na agenda. Após todo esse investimento, chegava-

se agora a conclusão de que o necessário para o avanço das negociações seria

quebrar a rigidez desse triângulo.

A percepção do Diretor Geral assinalava a alternativa possível diante do

comportamento dos países desenvolvidos nas negociações. Segundo Las Das

(2007) os países desenvolvidos investiam em avançar agressivamente com a

agenda de acesso a mercados, deixando para isso de lado no transcorrer das

negociações temas que permitiriam trade offs, principalmente em relação aos

interesses de muitos membros do G-20, como a Índia e os países de menor

desenvolvimento. Nesse sentido destacam-se: o tratamento especial e diferenciado

para os países em desenvolvimento, as questões de implementação, débito e

finanças e a questão da tecnologia.

Nesse ponto, também crescia a pressão sobre as negociações, devido ao

fato da autoridade concedida pelo Senado norte-americano para que o governo

celebrasse o acordo comercial da rodada de Doha, o “fast track”, encerrar-se em

2007. Assim, o impasse cíclico em que se convertera a rodada deveria ser

superado ainda em 2006. Entretanto, esse prognóstico se tornava mais e mais

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improvável, devido à oposição do lobby agrícola norte-americano, em relação ao

acordo e à postura dos EUA que consistia na paralisia ou novo abandono em

relação às negociações na OMC.

A influência da OMC sobre o G-20 foi imediata, pois o chanceler

brasileiro Celso Amorin incorporara no seu discurso o triângulo básico de trade

offs, flexibilizando a centralidade da agricultura como condição para o avanço das

negociações da rodada. Os obstáculos sobre a coesão do Grupo deveriam ser

enfrentados posteriormente. Para o líder do G-20, a rodada poderia ser concluída a

partir da satisfação dos interesses da UE e do G-20, no sentido do corte dos

subsídios domésticos ao setor agrícola norte-americano, por um lado; O seu

segundo vértice consistia na aliança do G-20 com os EUA, com o fito de

pressionar a UE, e em alguma medida a Índia, a reduzir suas barreiras ou tarifas às

importações de gêneros agrícolas. O último lado consistia nos interesses, tanto dos

EUA, como da UE, no aumento do seu acesso aos mercados de mercadorias e

serviços do mundo em desenvolvimento.188

Se desde o começo das negociações da rodada, a Índia parecia adotar uma

postura defensiva e baseada em considerações acerca da política doméstica, ao

invés de focada nos possíveis benefícios advindos do comércio (PANT, 2002),

naquele ponto, o país começava a questionar o significado real de um acordo

substantivo nas negociações agrícolas e as declarações do ministro de comércio

indiano, Kamal Nath, começavam a colocar em relevo a fragilidade da sua adesão

ao G-20.

O representante indiano passava a afirmar que a Índia necessitava

resguardar algum espaço político, para proteger a pequena produção familiar, pois

os ganhos obtidos da redução dos subsídios agrícolas dos EUA poderia não

compensar a competitividade da produção agrícola norte-americana adentrando o

seu mercado doméstico. Igualmente, a entrada de manufaturas chinesas no seu

mercado caso o país reduzisse suas tarifas de importação desses bens, também se

revelava como ameaça à sua economia.189

No encontro entre os Ministros de Comércio da OMC às margens do

encontro de ministros da OCDE em Paris entre 23 e 24 de maio de 2006, o Diretor                                                             188 BEATTIE, Alan. Doha round goes in circles as deal remains elusive persistent skepticism on all sides means hopes are fading of imminent agreement on farm subsidies and good tariffs. Financial

Times, London (UK), 18 Apr. 2006. 189 Ibid.

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Geral alegou que diversos ministros reivindicaram maior clareza no processo de

negociações e uma data final para a conclusão das negociações de modalidades da

rodada. Os ministros deveriam ser convidados para Genebra no fim de junho para

ajudarem a concluir as negociações. Assim, ele estabeleceu um processo em três

fases: 1) o esboço dos textos de agricultura e NAMA até 19 de junho; 2) depois a

consulta em relação aos textos com possíveis Green Rooms; e 3) engajamento

ministerial até o final de junho (ISMAIL, 2006).

5.14.1

O encontro do G-6 de junho de 2006 e a aproximação entre o G-20 e a

UE

Após abril de 2006, a UE começou a apresentar maior flexibilidade na sua

proposta de 28 de outubro de 2005 de acesso a mercados. Segundo Drache (2006)

naquele momento, a Europa estava buscando estabelecer compromissos em

agricultura e desenvolvimento, preparando-se para negociar diretamente com o

Global South. O bloco estaria preparado também para entreter alguma

ambiguidade em relação à reforma da sua política agrícola comum, assim como

investir no retorno ao modelo do sistema GATT que abrigava uma série de

cláusulas de escape das obrigações comerciais para os PEDs.

Para os EUA, como a aliança com a UE não seria possível em meados de

junho de 2006, na Reunião da Cúpula para o Desenvolvimento Global, em

Washington, sob a pressão interna do setor agrícola no Congresso, o presidente

George Bush declarava que a rodada de Doha atingia um momento crítico e que

pressionaria a UE por avanços nas negociações de bens manufaturados:

“Countries in Europe have to make a tough decision on manufacturing. And the

United States is prepared to make a tough decision along with them”,190 referindo-

se ao encontro dos ministros de comércio, em Genebra, em fins de junho de 2006.

A declaração dos EUA encontrou eco no diretor da OMC, Pascal Lamy,

que desafiou os ministros do comércio mundial a fecharem um acordo sobre bens

agrícolas e industriais, em Genebra. No primeiro dia do encontro, ele afirmou que

o número 20 poderia ser decisivo, referindo-se à proposta do G-20 para tarifas

                                                            190 ALDEN, Edward. US will take tough decisions as trade talks hit critical moment. Financial

Times, London (UK), Jun. 16, 2006. p. 2.

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agrárias: menos de US$ 20 bilhões para os subsídios dos EUA e a fórmula suíça,

“Swiss 20”, equivalente a 20% para o corte tarifário de produtos industriais, para

os países em desenvolvimento.191

Entretanto, apesar dos esforços da OMC para que os EUA se

aproximassem mais da UE e do G-20 que pareciam afinar posições para a

celebração de um acordo, a aproximação da UE com o G-20 abriu caminho para

que os EUA fossem percebidos no encontro ministerial de junho de 2006 como o

maior obstáculo para os progressos nas negociações. O afastamento dos países

desenvolvidos em agricultura não interditava a sua colaboração para pressionar os

países em desenvolvimento para abrirem seus mercados em NAMA e Serviços.

Nesse sentido, os EUA passaram a pressionar o G-33 para reduzirem suas

demandas em termos de maior flexibilidade na defesa da sua agricultura de

subsistência.192

Produtos especiais e mecanismos de salvaguardas especiais eram

reivindicações do G-33 que correspondiam a flexibilidades que o Grupo

reivindicava para possibilitar que esses PEDs menos competitivos pudessem

proteger sua agricultura prioritariamente de subsistência da invasão de

importações subsidiadas dos países desenvolvidos. O Grupo reivindicava 20% de

linhas tarifárias para produtos especiais dos países em desenvolvimento. Os EUA

queriam limitar essas linhas a 5 linhas por país. Em reação, o G-33 reivindicou um

mecanismo de salvaguarda especial para esses países prevenirem surtos de

importações. Os ministros da Índia e da Indonésia declararam que não estariam

prontos a negociar a sobrevivência e a subsistência das suas populações,

declarando também que essas flexibilidades do G-33 já haviam sido garantidas

pelo compromisso obtido em Hong Kong.193

Os EUA se isolavam crescentemente, criticando o Japão e a UE por

reivindicarem uma grande percentagem de linhas tarifárias para serem designadas

como produtos sensíveis e declaravam que essas flexibilidades iriam bloquear

suas exportações, denunciando que 94% das suas exportações para esses países

                                                            191 Pascal Lamy: “Em qualquer negociação, há um momento em que as coisas surgem tarde demais, o momento de quebrar a noz é agora” − Lamy desafia os ministros a fecharem um acordo em Genebra. Gazeta Mercantil, 29 jun. 2006. p. 12. 192 Ibid. 193 LAS DAS, Bhagirath. The WTO’s Doha Negotiations: An Assessment. Research and Information System for Developing Countries - RIS-DP#132, março de 2008. Disponível em: http://www.ris.org.in. Acesso em: 22 jan. 2009.

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seriam bloqueadas caso as propostas do G-33 e da UE fossem aprovadas

(ISMAIL, 2006).

Esse isolamento refletia o constrangimento do escritório de representação

comercial pelo Congresso norte-americano, às vésperas da eleição de novembro

de 2006. Nas semanas anteriores ao encontro de junho, grupos agrícolas norte-

americanos e 57 senadores escreveram uma carta ao presidente Bush solicitando

que não houvesse compromissos de redução de pagamentos ao sistema de suporte

doméstico à agricultura. Susan Schwab recém empossada no USTR fez referência

a essa atitude política do Congresso (ISMAIL, 2006).

Desse modo, no final de junho as negociações em Genebra sofreram uma

alteração do foco da resistência europeia em aumentar o acesso aos seus mercados

agrícolas para a falta de vontade política e resistência dos EUA em reduzir os

níveis do seu suporte doméstico (Ismail, 2006). Assim, na reunião do G-6,194,195 de

fins de junho, Pascal Lamy continuava a insistir no risco em que a posição

negociadora norte-americana colocava tanto a rodada Doha, quanto o sistema

multilateral, convocando os negociadores a chegar a um acordo.

Os EUA assumiam a postura de que seria possível esperar até o final de

julho, defendendo um corte dos seus subsídios de 60%, exigindo contrapartidas da

UE e do G-20. Essa proposta era vista com desconfiança, pois esse número

conservaria os subsídios norte-americanos em mais de US$ 20 bilhões. A UE

admitia uma flexibilização nas suas propostas, porém não admitia chegar aos 54%

de redução tarifária, como queria o G-20. Em tarifas industriais, permanecia a

divisao entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil acenava

aceitar a fórmula “Swiss 30”, que reduziria as tarifas a um coeficiente máximo de

30%, enquanto os EUA e a UE se uniam em torno da fórmula “Swiss 10”, para os

países desenvolvidos e “Swiss 15”, para os países em desenvolvimento196.

A resposta dos EUA ou alternativa diante da sua posição nas negociações e

das críticas que sofria da UE consistia em direcionar a sua crítica ao G-20,

atribuindo-lhe a culpa pelo impasse nas negociações e buscando denunciar a

presença de grandes países em desenvolvimento na coalizão que não fariam jus ao

tratamento que deveria ser desfrutado pelo restante dos seus membros: “A pouca

                                                            194 Idem. 195 Idem. 196 Lamy desafia os ministros a fecharem um acordo em Genebra. Gazeta mercantil, 29 jun. 2006.

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ambição da UE significa que os mercados emergentes representados por países em

desenvolvimento mais avançados como Brasil e Índia estão oferecendo bem

menos do que deveriam quando considerada sua posição econômica e comercial,

não apenas na agricultura, mas também nas tarifas industriais e sobre serviços”.197

Os EUA reagiam à aproximação entre o G-20 e a UE após a paralisia nas

negociações, tendo por objetivo pressioná-los a avançarem novas propostas ou

responderem a um possível avanço da sua posição negociadora conjunta.

A UE aprendera com o isolamento em Hong Kong e apresentou posturas

mais flexíveis em acesso a mercados. Peter Mandelson indicou que poderia se

mover da oferta de 39 para 47 ou 48%, mas não indicou disposição de avançar em

produtos sensíveis (ISMAIL, 2006). A proposta da UE era de 8% das linhas

tarifárias, não mencionando também a dimensão em que se desviaria da fórmula

em produtos sensíveis, pois não fez menção ao tratamento desses produtos. O

representante europeu teria demonstrado cautela, pois os ministros da agricultura

da Finlândia e da França advertiram-no dias antes do encontro de que a reforma

da PAC assinala os limites das concessões que poderia fazer.

O representante europeu afirmou que se aproximaria tanto quanto possível

da proposta do G-20 nos três pilares. Ressaltou que um movimento para perto do

G-20 em acesso a mercados deveria equivaler a um movimento da parte do G-20

em relação ao suporte doméstico. O representante da UE admitiu se aproximar da

proposta do G-20, de corte dos subsídios à agricultura da ordem de 54%, em

substituição à oferta anterior de 39%.198 De acordo com ele este movimento

deveria corresponder também a um movimento dos EUA para US$ 12 bilhões no

seu suporte doméstico.

Ao ver-se sem alternativas senão aproximar-se da UE, o G-20 aceitava

flexibilizar sua posição concedendo um maior nível de abertura em indústria.

Assim, o chanceler brasileiro passou a admitir que colocaria na mesa de

negociações um maior grau de abertura no setor industrial, em troca de um acordo

que satisfizesse as ambições do G-20 em agricultura, de forma “plena ou quase

                                                            197 ALBUQUERQUE, Vinicius. Ministro espera proposta dos EEUU para desbloquear negociação na OMC. Notícias Financieras, Miami, 30 Jun. 2006. 198 D’AMORIN, Sheila. Brasil acena com maior abertura na indústria. Folha de São Paulo, 30 jun. 2006.

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plena”, abrindo caminho para um corte maior no coeficiente de 30% para bens

industriais.199

Apesar dessa iniciativa conjunta do G-20 e da UE, o problema maior com

a postura norte-americana refletia a pressão do Congresso que se opunha

crescentemente a cortes no apoio doméstico, diminuindo a margem de manobra

do país nas negociações. A percepção do G-20 era a de que as posições se

enrijeciam independentemente da sua aliança com a UE.200

A paralizia dos EUA assumiu outra consequência para o G-20. Tornava-se

cada vez mais claro que quaisquer avanços não poderiam prescindir do

engajamento dos EUA na rodada. O foco das discussões se alterava. Enquanto no

ano anterior, em Hong Kong (2005), as discussões giravam em torno da forma

pela qual se daria um maior acesso aos mercados dos países desenvolvidos aos

bens agrícolas dos países em desenvolvimento, nesse momento passou-se a

centrar as discussões em torno da possibilidade das economias desenvolvidas

aumentarem o acesso desses produtos dos países em desenvolvimento.

Essa crítica surgiu como um desabafo do representante indiano, Kamal

Nath, que enrijecia sua posição negociadora, abrindo a oportunidade para um

maior desgaste da coalizão na fase seguinte das negociações que compreenderia

os produtos sensíveis e especiais. Em um momento em que, aparentemente, as

desavenças e o debate central da rodada se concentravam sobre os EUA, que

resistiam em reduzir seu apoio ao setor agrícola doméstico e a UE, que reclamava

avanços dos EUA, para progredir com a sua redução tarifária,201 foi o G-20 quem

mais teve a perder com o avanço da rodada.

Nesse ponto, a partir das polarizações nessa discussão entre a UE e os

EUA, surgiram as divergências entre alguns dos principais membros do G-20,

pois enquanto o Brasil se aliava aos EUA, pela instauração de um regime

contendo um mínimo de exceções possíveis, a Índia se aproximava dos europeus,

em favor de uma lista ampla de produtos recebendo o tratamento diferenciado ou

fora das regras.

As negociações na OMC não avançavam e a vulnerabilidade do Grupo

crescia. O G-20 apresentou um cronograma para o congelamento dos subsídios à                                                             199 Ibid. 200 WILLIANS, Frances; YEE, Amy. Interim Doha deal proves elusive. Financial Times, London (UK), 30 Jun. 2006. p. 7. 201 Desavenças no G-20 ameaçam negociações. Folha de São Paulo, 01 jul. 2006.

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agricultura e sua redução paulatina, até 2010, incluindo a eliminação completa em

2013. O G-20 propôs que esse cronograma fosse discutido na reunião do G-8, de

15 a 17 de julho de 2006, em São Petersburgo, quando também estariam presentes

os países em desenvolvimento. O comissário de comércio europeu, Peter

Mandelson, rechaçava a proposta.202 Entretanto, apesar do ano de eleições

legislativas nos EUA, o chanceler Celso Amorin transferia suas esperanças de um

avanço na posição negociadora dos EUA no encontro do G-8.203

O recurso a uma instância onde os líderes políticos se encontram sem a

formalidade institucional da OMC e de onde o G-20 imaginava poder conquistar o

impulso político necessário ao atendimento das reivindicações do Grupo

começava a assinalar a sua percepção de que concentrando seu foco apenas nas

negociações da OMC e consoante o processo negociador prevalecente na

instituição a reforma agrícola desejada pelos seus membros não seria possível.

Isso se confirmava diante da resistência norte-americana em conceder as

exceções às regras comerciais aos países em desenvolvimento. Pois nesse ponto,

os EUA passavam a afirmar que a contribuição central da rodada para o

desenvolvimento se daria sob a forma de novos fluxos de comércio, destacando

que o país queria avanços nas três áreas do triângulo (ISMAIL, 2006).

Os PEDs se ressentiam da paralisia dos EUA aliada à postura do DG e do

G-6 que restringiram as discussões daquela fase das negociações aos vértices do

triângulo de Pascal Lamy, excluindo os seus temas de interesse prioritário da

agenda das negociações204. Entretanto, as negociações prosseguiram com seu foco

sobre o impasse entre os países desenvolvidos, considerado fundamental para o

destravamento da rodada.

Como a OMC se dispunha a encerrar as negociações de Doha no final de

julho de 2006, o Diretor Geral, Pascal Lamy, exortava os seus maiores membros a

tentarem salvar Doha até aquela data. Desta vez, após se reunir com o primeiro-

                                                            202 Reunião da OMC não avança na redução de subsídios. O Globo, 02 jul. 2006. 203 EXMAN, Fernando. Para Amorin, sinal deve vir dos EUA. Gazeta Mercantil, 07 jul. 2006. 204 Segundo Ismail (2006), os ministros dos LDCs, do Grupo Africano e do ACP se frustraram pela ausência das discussões sobre a erosão de preferências e a redução proporcional dos compromissos das economias mais fracas e vulneráveis. Isso não se aplicava, entretanto, aos interesses dos países da África ocidental produtores de algodão, cujas preocupações eram centrais para as discussões sobre as modalidades de suporte doméstico agrícola e suas disciplinas. Os LDCs também queriam avançar com seus interesses e negociar com os grandes países, especificamente quanto às formas de implementar a declaração de Hong Kong sobre o acesso livre de cotas e tarifas para os países menos desenvolvidos.

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ministro japonês, Junichiro Koizumi, o Japão era intimado a reduzir os direitos

aduaneiros para produtos agrícolas,205 pois a OMC buscava afastar o foco central

do impasse dos EUA, buscando evitar que a polarização atingisse um ponto de

não retorno, como sugeriam as declarações do representante europeu, Peter

Mandelson:

Os EUA foram o único grande participante do mercado que se recusou a tomar qualquer atitude neste sentido e não quis indicar nenhum espaço para novos avanços. Ao contrário, os EUA exigiram dos outros participantes novos avanços significativos para manterem sua oferta sobre a mesa de negociação, oferta que todos os outros consideram insuficiente.206

A posição negociadora dos Estados Unidos era sustentada com o

argumento de que tanto os europeus, quanto os países emergentes do G-20, teriam

ambições menores, em termos de cortes tarifários do que os EUA.207

Uma interpretação possível para o comportamento dos EUA reside na

divergência entre as ambições dos EUA e as dos demais negociadores da rodada

Doha, inclusive no interior do G-20. Neste sentido, enquanto a UE e o Brasil se

aproximavam da proposta do diretor da OMC, Pascal Lamy, a Índia se tornaria

menos flexível, principalmente após a discussão sobre exceções e produtos

especiais, centrando suas reivindicações sobre a abertura de maiores mercados no

mundo desenvolvido para as commodities dos países em desenvolvimento, e não

avançando maiores concessões em quaisquer setores do interesse dos países

desenvolvidos. Isso refletia a observação de Narlikar (2007), de que desde o

começo era certo que uma vez que as negociações evoluíssem de agricultura e

NAMA, para se concentrarem sobre o tratamento especial e diferenciado, os

problemas enfrentados pelo G-20 seriam crescentes.208

Como uma reação ou investindo no que seria o oposto dessa postura, os

EUA estariam interessados em que a rodada trouxesse grandes resultados em

termos de cortes tarifários e tão comprometidos com esse objetivo que passariam                                                             205 Lamy inicia em Tóquio missão por Doha. Gazeta Mercantil, 07 jul. 2006. 206 Ibid. 207 Em produtos agrícolas, os EUA propunham uma redução de tarifas da ordem de 66%, enquanto a proposta original dos europeus era de 39%, até Hong Kong; ao passo que mesmo os emergentes do G-20 reivindicavam uma queda nas tarifas de 54%, que ainda deveria sofrer uma série de exceções e resguardo das regras, por parte de produtos sensíveis ou especiais, com o fito de proteger a produção de subsistência de muitos agricultores pobres desses países. World Economy: Trade troubles. The Economist Intelligence Unit (EIU ViewsWire). New York, Jul. 7, 2006. 208 Narlikar, Amrita. All’s fair in love and trade. In: The WTO after Hong Kong Wilkinson, Horden & Lee, Dona (ED). Routledge: London, 2007.

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a rejeitar outro resultado que não um acordo ambicioso, mesmo ao preço da

falência da rodada como um todo.

Neste sentido, por meio dos acordos bilaterais, os Estados Unidos se

sentiriam mais confortáveis em estabelecer os termos da sua inserção comercial

do que recorrendo ao multilateralismo. Afinal, mesmo da parte das empresas

norte-americanas209 haveria pouca pressão ou expectativa para que os EUA

concluíssem o acordo210. Como aponta Davis (2004), os EUA tradicionalmente

exercem seu poder em negociações econômicas, mediante a ameaça de recorrer à

retaliação fechando os mercados norte-americanos aos países que não

cooperassem com seus objetivos. Nesse sentido, o suporte doméstico ao

protecionismo comercial reforçava a credibilidade dessas ameaças. (DAVIS,

2004, p. 153-159)

Washington investia numa posição que parecia testar a resistência da

coalizão dos PEDs em torno do G-20, uma vez que a aliança parecia dar mostras

de fragilidade diante da resistência norte-americana em discutir sua última oferta.

Neste sentido, pode ser interpretada a crítica da representante norte-americana,

Susan Schwab, de que, ao se aliarem à UE para pressionar os EUA, alguns

grandes países em desenvolvimento do G-20 buscam dissimular sua posição, em

relação aos seus compromissos com o mundo em desenvolvimento, através da

reedição dos termos em que se dava no passado o debate Norte-Sul:

Isso não é um debate Norte-Sul. Há países em desenvolvimento que estavam na reunião da OMC, em Genebra, que foram tão ou mais enfáticos que os EUA na questão da abertura de mercados. Mas há países em desenvolvimento avançados, poderes emergentes ou existentes, que gostariam de se esconder atrás dos menos desenvolvidos e mais pobres, que, claramente deveriam ter concessões nessas negociações...os Brasis, as Índias e as Chinas deste mundo deveriam e poderiam participar desta negociação, inclusive abrindo os mercados para beneficiar outros países em desenvolvimento...se nós queremos realmente atingir a promessa da Rodada Doha, precisamos gerar não só mais comércio Norte-Sul, como claramente queremos; não só mais comércio Norte-Norte, como queremos, mas também mais comércio Sul-Sul.211

                                                            209 “[...] American companies seem to have accepted that the talks will not yield much. Even some trade wonks are sceptical about Mr Lamy’s compromise. Jeffrei Schott, of the Institute for International Economics… suggests it would do little to advance global trade and could even harm the multilateral system. Who would bother with such cumbersome talks in future if they yielded so little this time around… rather than settle for Mr Lamy’s formula… America should keep pushing for a bolder deal even if it takes longer ”. World Economy: Trade troubles. The Economist

Intelligence Unit (EIU ViewsWire), New York, 7 Jul. 2006. 210 World Economy: Trade troubles. The Economist Intelligence Unit (EIU ViewsWire), New York, 7 Jul. 2006. 211 Washington cobra maior abertura comercial do país. Folha de São Paulo, 08 jul. 2006.

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5.15

O G-20 vai ao G-8: a busca de uma solução política para as

negociações e a suspensão das negociações em 2006

Havia a expectativa de que o encontro do G-8 proveria a liderança política

necessária ao destravamento das negociações, endereçando a crise identificada por

Pascal Lamy no encontro do fim de junho. Em 15 de julho o G-8 discutiu Doha,

quando os líderes dos países em desenvolvimento prepararam um comunicado que

circulou no encontro entre o Grupo e os PEDs presentes ao encontro.

Os líderes do G-8 concordaram com o comunicado dos PEDs que

identificava uma crise nas negociações de comércio multilateral e que ela deveria

ser revertida, gerando um comunicado do G-8 de que a rodada deveria ser

concluída no prazo de um ano. Para acentuar o tom de urgência, os líderes do G-8

aconselharam Pascal Lamy a continuar as consultas, com o objetivo de facilitar as

negociações de modalidades em agricultura e tarifas industriais dentro de um

mês212. Esse comunicado soou como grande vitória para o Brasil e os países do G-

20 que compareceram à reunião, principalmente pelo caráter impositivo do

documento que estabelecia um prazo exíguo para a conclusão da rodada.213

Entretanto, esse pronunciamento continha um ponto polêmico que se

referia a: “the round should deliver real cuts in tariffs, effective cuts in subsidies

and real new trade flows”. No que diz respeito a “real new trade flows”, referia-se

a NAMA e, principalmente, às obrigações dos países em desenvolvimento, como

já salientado pela postura norte-americana nas negociações de junho (ISMAIL,

2006). Os EUA foram capazes de incluir no comunicado do G-8 a sua postura

negociadora que exigia o surgimento de novos fluxos de comércio, como devendo

provir das relações Sul-Sul, mediante a flexibilização do posicionamento de

alguns membros do G-20, como China, Índia e Brasil, implicando numa investida

contra a coesão do Grupo.

A dimensão do encontro do G-8 como capaz de resolver o impasse a partir

de uma iniciativa política mobilizava não apenas os membros do G-20, mas o

Diretor Geral da OMC também reconhecia que apenas um impulso político vindo                                                             212 LAPPER, Richard and Wheatley, Jonathan. Brazil’s Lula to promote Doha trade talks during G-8 summit. Financial Times, London (UK), 12 Jul. 2006. 213 CANZIAN, Fernando. G-8 acata posição brasileira e pede conclusão de negociações na OMC. Folha de São Paulo, 17 jul. 2006.

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de fora da instituição poderia consistir na solução para as negociações: “the

deadlock in which we are caught will lead us to failure very soon if you do not

give your ministers further room for negociation”, convocando, em seguida, uma

reunião noturna de emergência, em 17/07/2006, uma vez que, durante o encontro,

Brasil, EUA e alguns representantes da UE, como o presidente da comissão

europeia, Jose Manoel Barroso; o premiê britânico, Tony Blair, a chanceler alemã,

Ângela Merkel e o primeiro ministro italiano, Romano Prodi, declararam

disposição para estabelecerem um acordo. Entretanto, a resistência da França

impediu que se prosseguissem essas negociações.214

O recuo da França ocorreu quando a UE já havia elaborado uma oferta que

traria os cortes nos subsídios à sua agricultura para bem perto das reivindicações

do G-20. Entretanto, não foi apenas a França que impediu a formação de um

consenso durante a reunião do G-8, pois, na reunião de emergência convocada por

Pascal Lamy, enquanto os EUA afirmavam necessitar de novos mercados para

exportação da sua produção agrícola, o grande sócio do Brasil a frente do G-20, a

Índia, recusava-se a reduzir suas tarifas e exigia seu direito de proteger seu setor

agrícola.

Em reação, os EUA deixaram o encontro sem mexer em sua última

oferta215. Diante da ausência dos resultados, as negociações retornaram para a

OMC. Novamente, no encontro de 23 e 24 de Julho em Genebra, durante quatorze

horas os ministros não foram capazes de superar o impasse, o que resultou na

convocação de um encontro informal pelo Diretor Geral, quando ele afirmou que

a única alternativa seria a suspensão das negociações para que os países tivessem

tempo de rever suas posições.

Entretanto, Pascal Lamy enfatizou que não mais estabeleceria prazos para

quaisquer temas, uma vez que não seriam possíveis avanços na ausência de novos

posicionamentos. Não obstante, o Diretor Geral manteve o compromisso de

buscar um impulso político como solução capaz de desobstruir as negociações,

acentuando que sobre os membros da Organização se assentava a maior

responsabilidade nesse sentido (ISMAIL, 2006).

                                                            214 BEATTIE, Alan; BUCKLEY, Neil; DOMBEY, Daniel. Urgent talks on Doha follow warning by Lamy. Financial Times, London (UK), 18 Jul., 2006. p. 5. 215 Ibid. p. 5.

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Devido ao impasse e ao prazo informal para o fechamento das negociações

agrícolas, pela expiração do “Fast Track”216, as negociações são suspensas e é

cancelamento o encontro subsequente do G-6, agendado para 29 e 30 de julho.217

Por trás dessa decisão, situava-se a iniciativa dos EUA de, novamente, alterar o

rumo das negociações surpreendendo os negociadores, mediante a apresentação

de uma proposta inesperada.

Segundo o presidente do Instituto de Comércio e Negociações

Internacionais – ICONE − Marcus Jank, o impasse que pôs fim às negociações

consistiu na proposta dos EUA de que cada dólar de subsídio não pago pelos EUA

ao seu setor agrícola fosse convertido em um dólar de abertura nos mercados

agrícolas dos países em desenvolvimento.218 Enquanto todos esperavam que tanto

os EUA, quanto a UE se concentrassem sobre a abertura no setor industrial, a

proposta dos EUA em agricultura consistiu em estratégia certeira, no sentido de

abalar as bases da coalizão do G-20, uma vez que a Índia e a China se

caracterizam pelo protecionismo dos seus mercados agrícolas.

Ao anunciar a suspensão das negociações, o Diretor Geral da OMC, Pascal

Lamy, referiu-se a ela como “uma pausa”. Entretanto, as partes procuraram

atribuir o desfecho negativo umas às outras e era grande a tensão entre os

negociadores: enquanto Peter Mandelson, da UE, acusava os EUA,219 o secretário

de agricultura dos EUA, Mike Johanns, atribuía o impasse ao Brasil, à Índia e à

UE. Para o ministro de comércio da Nova Zelândia, o G-6 como um todo seria

responsável;220 para o Brasil, a Índia e a UE, os EUA também seriam os grandes

responsáveis pela sua inércia durante as últimas negociações. Como

tradicionalmente, o chanceler brasileiro atribuiu essa postura norte-americana à

                                                            216 O “Fast Track” ou “TPA” consiste na autorização concedida pelo Congresso Nacional dos EUA ao governo para, num prazo de 5 anos negociar acordos comerciais. Os acordos celebrados durante a sua vigência podem ser, em um prazo de noventa dias aprovados ou rejeitados pelo Congresso, mas não modificados. 217 HESSEL, Rosana. Surpresa e Preocupação entre brasileiros. Gazeta Mercantil, 25 jul. 2006. 218 ROSAS, Rafael. Para especialista, há poucas chances de o G-20 destravar Doha. Gazeta

Mercantil, 09 ago. 2006. 219 Segundo Mandelson: “Os EUA julgam que seria melhor se o processo fosse suspenso neste estágio. Com certeza o maior e mais forte país do mundo, com o melhor padrão de vida poderia tanto dar como receber...a paralisação das negociações não foi desejável, nem inevitável e poderia ter sido evitada com facilidade”. Sem acordo, Rodada Doha é cancelada. Notícias Financieras, Miami, 25 Jul., 2006. p. 1. 220 ALBUQUERQUE, Vinicius. Suspensão da Rodada Doha é uma pausa, diz diretor da OMC. Notícias Financieras, Miami, 25 Jul., 2006. p. 1.

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proximidade das eleições parlamentares naquele país, acreditando nas

possibilidades da rodada após o fim das eleições nos EUA.221

Em relação ao futuro de Doha, os EUA se posicionavam afirmando que

uma rodada de Doha “light”, nunca foi uma opção para o país. A representante

comercial, Susan Schwab, fez questão de deixar claro que não havia da parte dos

EUA uma desistência. Segundo ela, não teria havido qualquer proposta sobre a

mesa de negociação que pudesse ser aprovada pelo Congresso do seu país:

“Enquanto os EUA estavam preparados para fazer mais, o foco...foi nas exceções

do acesso a mercados...revelando que vários países avançados e em

desenvolvimento estão procurando maneiras de fazer contribuições menos

ambiciosas”.222

5.16

A retomada das negociações no encontro do Rio de Janeiro: a nova

aproximação entre o G-20 e os EUA fragiliza o grupo

No começo de agosto de 2006, a representante de comércio dos EUA,

Susan Schwab, agendava visita ao Rio de Janeiro, assinalando o compromisso dos

EUA com o prosseguimento das negociações.223 A partir do encontro no Rio, o

Brasil a frente do G-20 e os EUA estabeleceram uma nova estratégia de para a

rodada, baseada em reuniões menores e num prazo de oito meses para a conclusão

das negociações.

O Brasil representando o G-20 e os EUA deveriam se reunir com as

representações comerciais de outros países, bilateralmente ou em pequenos

grupos, buscando encontrar alternativas para o avanço das negociações.224O país

percebia que se envolvia em uma situação delicada nessa aliança, em relação aos

seus demais membros, insistindo na necessidade de uma nova reunião formal do

G-20.

O esforço do Brasil em reunir o Grupo para avaliar como prosseguir na

nova reabertura das negociações, buscando assegurar a sua coesão, refletia a

                                                            221 Sem acordo, Rodada Doha é cancelada. Notícias Financieras, Miami, 25 Jul., 2006. 222 Ibid. p. 1. 223 CATANHEDE, Eliane. Luta na OMC não tem fim. Noticias Financieras, Miami, 27 Jul., 2006. 224 EUA e Brasil tentam salvar Rodada Doha em 8 meses. Folha de São Paulo, 30 jul. 2006.

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ameaça nesse sentido representada pela posição indiana, após a paralisação das

negociações, pois o representante indiano, Kamal Nath, anunciou que passaria a

buscar acordos bilaterais com o Japão e a UE, declarando que a falta de acordo

não limitaria o crescimento da economia do seu país.225

O chanceler brasileiro agendou uma reunião do G-20, nos dias 19 e 20 de

setembro, também no Rio de Janeiro, com o objetivo de levar os membros do

Grupo a fazerem uma avaliação do fracasso da reunião do G-6 e da paralização

das negociações. Na Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro, em

02/08/2006, o chanceler assumia uma postura que demonstrava o engajamento do

G-20, com a OMC, defendendo as vantagens do multilateralismo para o país,

contrariamente ao engajamento no bilateralismo ou regionalismo, ilustrado pela

posição indiana. Na ocasião, o chanceler citava as vitórias brasileiras na OMC, em

relação aos subsídios norte-americanos ao algodão, assim como contra os

subsídios da UE ao açúcar, insistindo que o Brasil deveria esforçar-se para

reverter um retorno às negociações bilaterais, que não seriam de interesse do

país.226

O Brasil já avaliava que a inflexibilidade da posição indiana, que não

admitia concessões na proteção ao seu setor agrícola, consistia em justo motivo de

preocupação do Brasil no G-20, principalmente em razão do grande apoio do

agronegócio em relação à atuação Brasil no Grupo, pois a resistência indiana se

mostrava cada vez mais capaz de desgastar o compromisso dos atores domésticos

do Brasil, em relação às possibilidades da política externa do país no G-20.

Isso se confirmava no encontro do Rio de janeiro, quando após o discurso

indiano. O presidente do ICONE, Marcos Jank afirmava: “Tambem foi bom a

pressão sobre a Índia. Acho que a Índia precisa fazer alguma coisa. A Índia está

exagerando. A Índia não precisa de 20% de produtos especiais. Quando ela cria

isso, ela da margem para que a EU aumente as proteções. Eles querem preservar

200 linhas e só comercializam 50 em agricultura”.227

A reunião da estratégia conjunta entre G-20 e EUA contou com a presença

dos principais negociadores da rodada, que deveriam discutir com os ministros do

                                                            225 ALBUQUERQUE, Vinicius. Suspensão da Rodada Doha é uma pausa, diz diretor da OMC. Notícias Financieras, Miami, 25 Jul., 2006. p. 1. 226 Fracasso de Doha ameaça multilateralismo, diz Amorin. Folha de São Paulo, 03 ago. 2006. 227 HESSEL, Rosana. Para analista, a reuniao do G-20 teve poucos resultados. Gazeta Mercantil, 12 set. 2006.

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G-20, separadamente, os detalhes da negociação. Além disso, estiveram presentes

os representantes da UE, EUA, Japão e do diretor Geral da OMC, Pascal Lamy.228

Nesse ponto, havia se tornado consenso entre os negociadores que

quaisquer avanços dos EUA só seriam possíveis após a eleição do novo congresso

norte-americano. Entretanto, os EUA não cediam à pressão e as declarações neste

sentido foram rebatidas, pela negociadora norte-americana, Susan Schwab, para

quem as eleições no seu país não constituíam o principal problema nas

negociações, mas, sim, a falta de clareza nas propostas, em relação às políticas de

subsídios agrícolas, assim como em relação às ofertas feitas em serviços e bens

industrializados.229

Após a reunião, as estimativas para conclusão da rodada foram atualizadas

a partir da retomada das negociações em março de 2007, data considerada a mais

realista pelo Diretor Geral da OMC, Pascal Lamy.230 Nesse período de pausa, o G-

20 assimilava as críticas dos EUA e buscava superar a fragilidade da posição do

Grupo que apresentava problemas de coesão crescentes na oposição às propostas

dos países desenvolvidos.

Com o objetivo de buscar uma identidade nas propostas do Grupo, que

permitisse amenizar as divergências internas, Celso Amorim reconhecia que o

grande desafio naquele momento consistia em superar as assimetrias, entre os

países emergentes:

Concordamos que temos de começar um trabalho entre nós em Genebra para reaproximar posições sobre temas em que há diferenças. Queremos desenvolver uma posição comum para batalharmos juntos por uma posição realmente comum. Não em termos genéricos, mas como o uso de produtos especiais e salvaguardas especiais. Além disso, queremos desenvolver uma estratégia para países de menor desenvolvimento relativo no que diz respeito a cotas e tarifas livres. Vamos discutir temas que interessam a alguns países mais pobres e vulneráveis de forma criativa.231 Esse desafio com que o G-20 teria de se haver também foi percebido como

obstáculo ao prosseguimento da rodada, pelo diretor da OMC, Pascal Lamy,

durante a cerimônia de celebração dos 20 anos da rodada Uruguai, em

                                                            228 DIANNI, Claudia. G-20 faz reunião no Rio de Janeiro no próximo fim de semana. Noticias

Financieras, Miami, 7 Sept., 2006. 229 ROSA, Bruno. Acordo depende de eleições nos EUA. Gazeta Mercantil, 11 set. 2006. p. 14. 230 Doha só deve ser retomada em março. Folha de São Paulo, 11 set. 2006. 231 ROSA, Bruno. Acordo depende de eleições nos EUA. Gazeta Mercantil, 11 set. 2006. p. 14.

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Montevidéu.232 Para ele, o Grupo deveria se esforçar no estabelecimento de uma

posição comum entre seus membros, no período de pausa das negociações.

Entretanto, mais de dois meses depois em 23/11/2006 e diante da não

materialização ou impossibilidade dessa posição comum o chanceler brasileiro

mudava a sua postura e buscava atribuir o impasse aos países desenvolvidos:

É querer colocar o carro diante dos bois achar que o G-20 vai resolver esse problema (das nuances internas) antes de haver um gesto claro dos países desenvolvidos que nos permita ter confiança de que a rodada vai terminar...Se esse gesto vier, a própria pressão gerada vai fazer com que as posições se aproximem, mas não creio que seja um assunto para o G-20 discutir dentro dele. Podemos ter diferenças, mas não somos nós que estamos pressionando a Índia ou a Indonésia para mudar de posição, são os Estados Unidos.233 A posição do representante do G-20, Celso Amorim, a respeito da

superação das divergências internas do G-20, mostrou-se contraditória se

comparada com sua declaração acerca do mesmo tema, a primeira em 11 de

setembro e a segunda em 26 de novembro de 2006, o que sugere as dificuldades

com que se defrontou o G-20 ao tentar buscar maior coesão ou unidade

negociadora.234 Principalmente, no caso do maior parceiro do Brasil, como

representante do G-20, a Índia235 No ultimo dia das negociações no Rio de

Janeiro, o ministro da indústria e comercio da Índia, Kamal Nath, ainda buscava

minimizar as assimetrias na coalizão do G-20: “Brasil e Índia são muito

diferentes, mas tem sinergias e complementaridades entre suas economias. E

vamos progredir com base nisso. Estamos unidos e isso está demonstrado em

nossas propostas. Estamos propensos a negociações e a fazer esforços. Mas não

vamos fazer concessões”.236

                                                            232 Em 22 de novembro de 2006. 233 LIMA, Bruno. Para Lamy, acordo do G-20 pode ajudar Doha. Folha de São Paulo, 23 nov. 2006. 234 Ibid. 235 O esforço de aproximação entre Brasil e Índia resultou na assinatura de nove acordos de cooperação, em 2006, com a visita do primeiro ministro indiano, Manohan Singh, após a vinda de Indira Ghandi. Esforços brasileiros nesse sentido englobam a visita de FHC, em 1997 e a de Lula em 2004. De 1996 a 2006, o comércio bilateral saltou de US$ 200 milhões para US$ 3 bilhões, graças à diversificação das parcerias promovida pelo G-20. Muito do interesse indiano no Brasil se explica pela posse pelo Brasil de reservas de minerais nucleares, que, após o sinal verde de Washington, a Índia pretende comprar, além do acordo confidencial celebrado em junho de 2006, entre a Petrobrás e a companhia petrolífera indiana ONGC, para a parceria em exploração conjunta de reservas em outros lugares do mundo como no Irã. Visão indiana. O Globo, 13 set. 2006. 236 ROSA, Bruno. Acordo depende de eleicoes nos EUA. Folha de São Paulo, 11 set. 2006.

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A capacidade de cooperação entre os líderes do Grupo se tornaria cada vez

mais restrita, diante da paralização das negociações e do fim do maior motivador

da união do Grupo, enquanto a união entre os países desenvolvidos, no sentido de

oferecer um acordo incongruente com as ambições do Mandato negociador de

Doha.

5.17

A aproximação EUA e UE por uma “Big DOHA” e a nova estrégia do

G-20 para as negociações: os biocombustíveis entram na rodada

O ano de 2007 começou com a iniciativa do representante da UE, Peter

Mandelson, de persuadir o presidente George Bush, a aumentar seu legado

político, incentivando o multilateralismo pela conclusão das negociações. Na

avaliação da UE e do governo dos EUA, o novo Congresso de maioria democrata

não constituiria empecilho ao prosseguimento da rodada.237

Esse mesmo congresso norte-americano era avaliado pelo Itamaraty como

responsável por tornar as negociações mais dependentes dos EUA. Como

contraparte do esforço europeu, a iniciativa do G-20 consistiu no envio de

representantes do Ministério das Relações Exteriores do Brasil a Washington,

onde deveriam pleitear a renovação do TPA238. A Índia embarcou na mesma

estratégia, buscando obter maior flexibilidade em agricultura. Essas medidas

sinalizavam as providências mais urgentes a serem tomadas antes do Fórum

Econômico Mundial de Davos, que seria realizado, em 24 de janeiro de 2007.239

O resultado das conversações entre europeus e norte-americanos resultou

em propostas divulgadas pelo periódico britânico Financial Times, em

22/01/2007. Elas foram comentadas pelo representante do G-20, Celso Amorim,

como caminhando na direção correta para o êxito das negociações. Essas

propostas estabeleciam uma posição comum, a partir da redução das tarifas de

importação da UE, em 54% e da limitação dos subsídios dos EUA, em US$ 17

                                                            237 BOUNDS, Andrew; CALLAN, Eoin; DANIEL, Caroline; PARKER, George. Mandelson will use unique ties to push Bush on trade EU commissioner believes the US leader is impatient to do a deal, FT reporters write. Financial Times, London (UK), 8 Jan. 2007. 238 Trade Promotion Authority. 239 Brasil pensa em Lobby nos EUA e India por Doha. Noticias Financieras, Miami, 16 Jan, 2007.

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bilhões. O nível mais baixo já atingido durante as negociações, embora ainda

distantes dos US$ 12 bilhões pretendidos pelo G-20240.

Naquele momento, EUA e UE se aproximaram, anunciando que o futuro

das negociações caminharia não no sentido de uma “Doha Light”, mas em direção

a uma “Big Doha”. Para Susan Schwab, a definição desse acordo permitiria que

tanto os agricultores, quanto o Congresso daquele país fossem incentivados a

conceder o TPA: “Os EUA precisam do Fast Track e terão o Fast Track se houver

uma proposta viável sobre a mesa”.241

A pressão que se faria sentir sobre o G-20 tornava-se insustentável, pois

quando os EUA atribuíam as dificuldades às dimensões que o acordo viesse a

assumir, as divergências internas entre os seus membros passavam a por à prova a

coesão do grupo.

Segundo I.M Destler, os EUA não contariam com o suporte interno

necessário à aprovação de um acordo restrito ou em versão “mini”, uma vez que

isso encontrava forte oposição dos setore industrial. Em contrapartida, para os

europeus, o que mais conviria seria um acordo menos ambicioso. Exatamente na

interseção desses posicionamentos se achava o G-20. Entretanto, enquanto o

Brasil se mostrava partidário de um acordo amplo, sua aliança se veria ameaçada

pela maioria dos seus parceiros em desenvolvimento, sobretudo a Índia.242

Os EUA haviam se colocado em uma posição delicada, após a sua oferta

radical e maximalista em agricultura, pois a partir daquele ponto a única maneira

de quebrar o impasse seria uma mudança radical de posicionamento (POLASKI,

2007). No entanto, mesmo para isso o presidente teria de obter um novo “Fast

Track”, barganhando concessões com os congressistas democratas favoráveis ao

livre comércio para mobilizar os lobbies empresariais. As duas Casas do

Congresso norte-americano se dividiam em dois grandes grupos: os favoráveis ao

comércio, mas preocupados com a questão trabalhista e os que se opunham ao

livre comércio por princípio. As possibilidades de um acordo repouavam sobre os

                                                            240 ROSSI, Clovis. Chanceler brasileiro diz que planos podem destravar Rodada Doha. Folha de

São Paulo, 23 jan. 2007. 241 HESSEL, Rosana. Negociação da rodada Doha recomeça hoje. Gazeta Mercantil, 29 jan. 2007. p. 12. 242 LANDIN, Raquel. Opinião-simbolicamente, Brasil está ao lado de Chavez. Mas fica com Bush. Valor Econômico, 06 mar. 2007.

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democratas favoráveis à liberdade comercial que se encontravam bem

posicionados e liderando comissões importantes no Congresso.243

Mais uma vez na posição de via média nas negociações, o G-20 se tornaria

alvo de uma crescente pressão com grande possibilidade de desestabilização da

coalizão. Essa pressão se acumulava principalmente sobre o Brasil como principal

líder do G-20, que era visto crescentemente como capaz de destravar as

negociações uma vez que concessões maiores em serviços e indústria teriam o

poder de mobilizar os lobbies industriais estadunidenses a pressionarem o

legislativo a conceder o TPA.

Naquele momento o Brasil se achava numa situação delicada, pois a

pressão sobre os membros do G-20 para que aumentassem suas ofertas em

indústria e serviços arriscava pôr a perder seu projeto de liderança de um Grupo

que poderia não sobreviver coeso à iniciativa. Simultaneamente, os EUA já

haviam dado mostras de que não se moveriam sem uma oferta mais ambiciosa e

palpável sobre a mesa.

Conformava-se um dilema para uma efetiva reforma do comércio agrícola

como proposta pelo G-20, pois as resistências à mudança da parte dos governos

dos países desenvolvidos refletiam interesses internos refratários ao progresso do

multilateralismo. Naquele momento o crescimento da pressão sobre o Brasil

punha sob seus ombros a responsabilidade de conduzir o grupo a uma postura que

permitisse reverter essa rejeição no cenário doméstico daqueles países.

O G-20 parecia identificar oportunidades de reação ao impasse, a partir

precisamente dessa resistência e das capacidades de investimento da sua atuação

sobre a polarização das discussões no cenário interno dos países desenvolvidos. O

Brasil identificava a existência de setores internos dos países desenvolvidos

sensíveis à necessidade da mudança como forma de aumentar a legitimidade e

resgatar o compromisso com o multilateralismo comercial naquele momento de

crise das negociações:

A busca pela solução desse dilema político já havia se traduzido

estrategicamente pelo recurso do G-20 ao G-8, como possivelmente capaz de

solucionar o impasse nas negociações ao permitir um engajamento político dos

líderes das grandes economias mundiais com a causa da reforma agrícola na

                                                            243 Ibid.

 

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OMC, como já havia sido reconhecido, inclusive, por Pascal Lamy como única

solução possível para o avanço da rodada.

Nessa fase das negociações a estratégia para lidar com esse dilema

assumiu uma forma diferente e que pretendia lidar de forma direta com a oposição

interna dos países desenvolvidos ao compromisso com a reforma agrícola na

OMC. Ela consistia em buscar politizar ainda mais as negociações, conquistando

o apoio da opinião pública dos países desenvolvidos para a legitimidade da

proposta do G-20, a partir da associação da liberalização da agricultura com temas

como a redução da pobreza e a preservação do meio ambiente.

Diante da conjuntura de crise das negociações, o Brasil cogitava embarcar

numa estratégia política de dar a visibilidade ao G-20 que tornaria possível a

conquista da opinião pública dos países desenvolvidos para as causas de

erradicação da fome, da pobreza e em prol do desenvolvimento sustentável.

Essa estratégia refletia o reconhecimento de que diante da impossibilidade

de extrair concessões dos países desenvolvidos nas negociações, havendo para

isso já investido na aproximação com a UE e com os EUA, as suas contradições

internas passariam crescentemente a comprometer a coesão da coalizão.

Principalmente por essa coesão se assentar sobre a legitimidade do

mandato de Doha (2001) que assegurava o direito ao desenvolvimento aos PEDs.

Essa coesão demonstrava crescente vulnerabilidade ao descer a níveis mais

concretos das negociações.

A nova estratégia já era cogitada pelo Grupo nos preparativos para o

Fórum Econômico Mundial de Davos de 2007. Estratégia arriscada, pois ampliava

o escopo de reivindicações, podendo comprometer as bases da aliança. Entretanto,

a evolução das negociações anterior já havia demonstrado que naquele momento a

pressão da UE e do G-20 sobre os EUA tinha o potencial de polarizar ainda mais

as posições dos negociadores. Além disso, a aliança com a UE tinha espaço

político restrito e possibilidades limitadas, diante das fraturas nas posições do

Grupo, principalmente diante da resistência francesa.

No entanto, essa estratégia assiscada poderia reforçar a coesão do G-20 em

torno da legitimidade de um mundo mais justo e do direito ao desenvolvimento

dos PEDs, através da reforma do comércio agrícola, renovando o compromisso

original que havia gerado aquela união em torno do Mandato de Doha.

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O meio de prosseguir diante desses constrangimentos consistia em se

concentrar sobre uma estratégia em duas frentes, de modo a buscar cultivar

simultaneamente a aliança dos negociadores norte-americanos em relação ao

Grupo, não desgastando essas relações. No entanto, esse caminho tamém

apresentava riscos, pois ao embarcar nessa aliança, o líder do G-20 seria

constrangido a instrumentalizar a presença do Brasil no G-20, buscando

flexibilizar a posição de parceiros-chave no Grupo, como China e Índia, assim

como da parte dos PEDs reunidos no G-33.

Como a aproximação com os EUA punha em risco a liderança brasileira

sobre o Grupo, podendo isolar o Brasil, seria fundamental entreter uma maior

ambiguidade na substância das negociações que se paralizaram. Isso tornaria

possível ou abria espaço para a nova estratégia do G-20 que consistia em investir

numa maior coesão do Grupo, a partir da polarização entre países desenvolvidos e

em desenvolvimento. Naquele momento, a estratégia para isso consistia em

capitalizar a legitimidade de temas sensíveis como meio ambiente, pobreza e fome

para as suas propostas.

Em janeiro de 2007, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o

presidente Lula associou a estratégia norte-americana de produção do etanol, a

partir do milho, com o consequente subsídio aos plantadores da commodity,

consistindo esta circunstancia em uma armadilha a ser desmontada na retomada

das negociações da Rodada de Doha, uma vez que o objetivo das negociações

fosse a real liberalização do comércio agrícola mundial.

Essa iniciativa do presidente do Brasil se esforçava por acentuar o lado

político da liberalização do comércio agrícola, frisando que os países

desenvolvidos teriam a responsabilidade de flexibilizar suas posições

negociadoras, para permitir a igualdade de condições competitivas no mercado

agrícola internacional.244

Esse tom político para reivindicar a abertura dos mercados desenvolvidos

aos produtos agrícolas dos PEDs também buscava evitar também que a dimensão

econômica do agronegócio brasileiro fizesse o país ser percebido como uma

ameaça aos setore agrícola europeu e norte-americano. Nesse sentido, o Brasil se

valeu dos exemplos do etanol, da cana-de-açúcar, assim como do biodiesel para

                                                            244 PEREIRA, Merval. Milho Para as Galinhas. O Globo, 31 jan. 2007

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ilustrar as possibilidades que os países desenvolvidos têm, para permitir o

crescimento econômico dos países emergentes, associando dois objetivos: liberar

o comércio agrícola como via para o desenvolvimento dos países pobres, mas

também com o objetivo da despoluição do planeta.245

Os problemas enfrentados dentro da coalizão já eram evidentes e diante da

necessidade de resgate do compromisso dos líderes do G-20 e aumento da sua

coesão para essa nova fase das negociações, o Brasil buscava reforçar seus laços

de coesão com a Índia em torno da bandeira de uma nova ordem internacional,

minimizando as dificuldades de manutenção da unidade negociadora do Grupo246.

Através dessa nova estratégia, seria possível revigorar a ação conjunta

desses países para destravar as negociações da Rodada do Desenvolvimento.

Referindo-se às assimetrias do G-20, como obstáculo que seria superado, Lula

discursava ao lado do primeiro ministro indiano, Manmohan Singh:

Lógico que ainda não conseguimos tudo o que queremos. E não será fácil, porque temos parceiros que pensam diferente, temos adversários, temos gente que quer negociar com outros de forma privilegiada e não conosco...Será exatamente essa coesão política entre os países que compõem o G-20, liderados por Índia, Brasil, África do Sul e China, que poderá garantir a todos nós, sonhadores, que o mundo será mais justo. 247

O encerramento do Fórum Econômico Mundial de Davos, em 28/01/207,

assinalou o recomeço formal das negociações da rodada de Doha da OMC,

paralisadas desde julho de 2006. A decisão de prosseguimento das negociações foi

tomada durante o encontro de Davos, em reunião mini-ministerial, com o diretor

da OMC, Pascal Lamy. Durante o encontro, a representante norte-americana,

Susan Schwab, assegurou que o presidente George Bush encaminharia ao

Congresso, na semana seguinte, uma solicitação de renovação da concessão da

autorização necessária ao Executivo para celebrar acordos comerciais.

Em seguida ao Fórum, os membros da OMC foram a Genebra, para

retomada dos debates, quando a representante dos EUA fez menção à urgência do

detalhamento das propostas sobre produtos sensíveis e preferenciais, que deveria

vir acompanhado de números objetivos.

                                                            245 O GLOBO, 31 jan. 2007. 246 JUNGBLUT, C. Lula: não é fácil integrar países emergentes. O Globo, 13 set. 2006. 247 Ibid.

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A pressão que se fazia sentir sobre o G-20 e o Grupo mais uma vez

demonstrava que faria concessões, pois a resposta do G-20 veio pelo Presidente

Lula, que afirmava que os países do G-20 aceitariam a flexibilização das tarifas

protecionistas na agricultura, consoante a dimensão e situação econômica de cada

país, abrindo espaço para maiores cortes de subsídios agrícolas para os países

mais pobres.248 Entretanto, o presidente brasileiro não abandonava o tom mais

político que o G-20 assumiria desde então, declarando que também discutiria a

parceria estratégica com os EUA na questão do etanol, assim como apresentaria

formalmente a proposta da flexibilização tarifária, que corresponderia a uma

proposta concreta para a superação do impasse.249

Entretanto, os EUA não davam mostras de limitar seus subsídios agrícolas

a US$ 17 bilhões, conforme a proposta anterior de 22 de janeiro divulgada pelo

Financial Times, não avançando além dos US$ 22 bilhões, que haviam paralisado

as negociações no semestre anterior.

As iniciativas de pressão da UE e do G-20 sobre os EUA, com as ofertas

de avanços da parte do G-20, em Serviços e Indústria haviam sido feitas na

iminência da expiração do Trade Promotion Act, em julho de 2006, na

circunstância de que uma possível permissão do Congresso americano para sua

renovação tornava-se crescentemente improvável, diante da maioria democrata

que prevalecia desde as últimas eleições. Neste sentido, não somente a concessão

de um novo TPA, quanto à aprovação de um acordo pareciam ameaçadas.250

Além disso, o G-20 encontraria problemas nesse momento das

negociações em razão do seu parceiro nas pressões sobre os EUA, pois a

resistência francesa se interpunha em relação à evolução da parceira G-20-UE,

nos termos de avanços na proposta negociadora europeia.

O G-20 reuniu-se com o representante comercial da União Europeia, Peter

Mandelson, em 29/01/2007. No entanto, não surgiram efeitos concretos para o

prosseguimento da rodada.251 A posição negociadora do representante europeu se

enfraquecia pelas críticas, em relação à sua iniciativa de retomada das

                                                            248 CAETANO, Valderez; HESSEL, Rosana; BALDI, Neila; AGUIAR, Isabel. Corte Flexível de apoio é bem visto por Lula. Gazeta Mercantil, 09 mar. 2007. p. 1. 249 CAETANO, Valderez. Bush aterrisa no Brasil sob críticas de Lula. Gazeta Mercantil, 09 mar. 2007. 250 Retomada de negociação sobre comércio na OMC interessa ao Brasil. Noticias Financieras, Miami. 30 Jan., 2007. 251 Agrofolha: Discussão de Doha não avança, diz Amorin. Folha de São Paulo, 30 jan. 2007.

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negociações. Para o ministro francês da agricultura, Dominique Bussereau,

Mandelson estaria utilizando métodos “inaceitáveis”, com esse objetivo. A França

insistia na recusa a quaisquer números inferiores a 39%, para a redução das tarifas

de importação de gêneros agrícolas na UE. Para Brusseau, qualquer outra oferta

estaria além dos poderes de Mandelson. Além da França, o representante da

Áustria, Josef Pröll, corroborava a falta de apoio do negociador europeu. Para ele,

os EUA deveriam melhorar sua oferta, antes da EU buscar avançar nas

negociações.252

A postura francesa insistia na polarização, em relação aos EUA e ao G-20.

As declarações do ministro das relações exteriores, Christine Legarde, em visita a

São Paulo, em 01/02/2007, deixavam clara a falta de compromisso com a rodada

Doha. Para ela, as negociações não permitiriam antever qualquer solução rápida,

em razão da ausência de concessões substanciais sendo apresentadas, tanto da

parte dos EUA, quanto do G-20253

Reagindo à resistência dos EUA e da Europa, o presidente brasileiro se

reuniria com o presidente dos EUA, em 09/03/2007, em São Paulo. Na véspera,

Lula pretendia convocar todos os negociadores a fazerem sua parte, inclusive

membros da coalizão liderada pelo Brasil, investindo no resgate do argumento

central do G-20 e principal razão da designação da rodada Doha, como a do

desenvolvimento.254 O esforço do presidente brasileiro no prosseguimento das

negociações envolvia a estratégia inaugurada no Fórum Econômico Mundial de

Davos, de associação da meta do desenvolvimento dos países menos

desenvolvidos com a produção de combustíveis renováveis e não poluentes nesses

países. Nesse sentido, Lula revelava a tática que seria usada para convencer os

países desenvolvidos a desbloquearem as negociações da rodada.255

Essa estratégia, na qual vinha trabalhando o Itamaraty se inseria dentro da

negociação sobre Serviços, como contrapartida dos PEDS à abertura dos

mercados dos países desenvolvidos para a agricultura. Neste sentido, o G-20

acenaria com a possibilidade de avanços nesse tema, em troca das concessões em

agrícultura. Esse movimento do Brasil deveria trazer à tona para as discussões do                                                             252 Ibid. 253 BOZZO, Cláudia. Ministra francesa não crê em solução rápida. Gazeta Mercantil, 02 fev. 2007. p. 9. 254 Lula volta a criticar subsídios agrícolas concedidos por países desenvolvidos. Valor On line, Rio de Janeiro, 05 mar. 2007. 255 Livre comércio? O Globo, 06 mar. 2007. p. 6.

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Grupo o setor de Serviços,256 mas o faria, contudo, sob a perspectiva de uma

parceria estratégica do Brasil com os EUA, para a produção do álcool de cana que

deveria abrir mercados para o país mediante a exportação da tecnologia de

produção do etanol.257

5.18

Aumento da pressão sobre o Brasil entre a parceria dos EUA e a

aliança indiana: o encontro de São Paulo

No encontro de Bush com Lula em São Paulo,258 houve um encontro

reservado entre o presidente norte-americano e Lula,259 quando George Bush

solicitou a Lula que pressionasse a Índia, para flexibilizar sua posição

negociadora, em prol da conclusão da rodada, segundo fontes dos dois governos,

ouvidas pelo jornal Valor Econômico (12/03/2007). O governo dos EUA estaria

preocupado em relação aos seus lobbies agrícolas, que só consentiriam em cortes

de subsídios se conseguissem aumentar suas exportações aos mercados

emergentes. Entretanto, o pedido de Bush expunha a vulnerabilidade do G-20 e

deixava o governo brasileiro constrangido, no seu esforço de manter sua posição

negociadora, em meio à heterogeneidade do Grupo.260

A estratégia dos EUA de se aproximar do Brasil para convencer a Índia

lançava um desafio à postura do Brasil à frente do G-20, pois ao invés de tomar a

iniciativa de buscar fechar um posicionamento comum com seu maior parceiro no

G-20, o Brasil optou por não arriscar-se nessa empreitada face à fragilidade dos

termos em que se dava a aliança do Grupo.

                                                            256 Essa estratégia do Brasil para avanço das negociações, a partir da discussão de serviços encontra paralelo na iniciativa de Celso Amorin ao negociar a falecida ALCA: “Nos momentos mais duros das negociações da Alca, o chanceler brasileiro, Celso Amorin, conseguiu colocar na mesa de negociações valores mais amplos que o simples comércio. Definiu que excluir das negociações temas de interesse direto dos países desenvolvidos, como, por exemplo, regras de investimento, seria mais que um contraponto à decisão dos EUA e da UE de não discutir a liberação dos subsídios à agricultura. Seria defender os interesses nacionais. Na opinião dele, a Alça, para se justificar, teria que permitir políticas de desenvolvimento nacionais. Amorin baseava sua ação na assertiva de que não poderíamos aceitar regras de compras governamentais, ou de proteção a investimentos estrangeiros, que impedissem o país de ter uma política industrial própria”. Livre comércio? O Globo, 06 mar. 2007. p. 6. 257 Ibid. 258 Em 06/03/2007. 259 O encontro contaria com a presença de apenas quatro assessores de cada lado. 260 LANDIM, Raquel; BAUTZER, Tatiana. Promoção do etanol e Rodada Doha dominaram as conversas com Bush. Valor Econômico, 12 mar. 2007. p. 1.

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Durante o encontro de São Paulo, a representante comercial dos EUA

declarava ao jornal Valor Econômico, que insistiria na aliança com o Brasil para

destravar as negociações, uma vez que a conjuntura interna nos EUA não

permitiria um avanço261. Os EUA investiam na cooptação do Brasil, atribuindo-

lhe responsabilidade que punha à prova a coalizão dos PEDs, pois correlacionava

as possibilidades de êxito das negociações da rodada à postura do Brasil, a quem

caberia convencer a Índia.262

O preço dessa aliança exercia um impacto desestruturador da coesão do G-

20. Nesse sentido, a solicitação de cooptação da Índia nos termos dos EUA

consistia em um golpe sobre o G-20 no seu ponto mais sensível que era a

divergência, quanto à amplitude das negociações agrícolas Segundo a negociadora

norte-americana:

O papel brasileiro é ajudar-nos a abrir outros mercados para o comércio agrícola. O Brasil pode ser um líder crítico encorajando outros países desenvolvidos e em desenvolvimento a abrir mais seus mercados em agricultura..... A Índia está no G-20 como o Brasil. Também está no G-33, grupo do qual o Brasil não participa, e que terá uma reunião em breve. E dada a liderança brasileira entre os países em desenvolvimento e seu relacionamento com a Índia, falando francamente, o papel do Brasil pode significar a diferença entre o fracasso e o sucesso da rodada.263

No mesmo sentido, o chefe do USTR buscava desqualificar a presença de

muitos parceiros do Brasil no G-20, enfatizando as possibilidades de uma aliança

do Brasil com os EUA e tentando descaracterizar a fonte de coesão e legitimidade

do Grupo enquanto o direito ao desenvolvimento, como objetivo deslocado dentro

de um Grupo que era composto por grandes mercados emergentes que não fariam

jus a serem tratados como PEDs

Acho que não é realista esperar que os EUA façam mais se não houver significativo avanço em acesso a mercado e consideramos que as ofertas de acesso até agora são insuficientes. A chave é que Brasil e EUA trabalhem juntos para abrir mercados agrícolas na EU, Japão e em países desenvolvidos “avançados” como China, Índia e Indonésia. Já dissemos quando apresentamos nossa proposta que aceitaríamos chegar a zero, se fossem eliminadas todas

                                                            261 Fragilidade que não se restringe à resistência indiana ao corte de subsídios à agricultura,mas que encontra eco nas preocupações do G-33, em relação ao mesmo tema, grupo com o qual o ministro Celso Amorin se reuniria na Indonésia e onde estaria presente também a Índia, na mesma semana do encontro de Bush com Lula. LANDIM, Raquel; BAUTZER, Tatiana. Promoção do etanol e Rodada Doha dominaram as conversas com Bush. Valor Econômico, 12 mar. 2007. 262 Ibid. 263 BAUTZER, Tatiana; LANDIM, Raquel. Estados Unidos querem que Brasil pressione Índia a abrir seu mercado na OMC. Valor Econômico, 12 mar. 2007. p. 1.

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barreiras ao comércio agrícola e houvesse um fluxo totalmente livre de commodities agrícolas. Mas você sabe que isso não vai acontecer. Então eu acho que a posição do G-20 é apenas negocial, focada nos máximos cortes em subsídios internos e aumento mínimo no acesso a Mercado.264 Após a partida de Bush, a representante do USTR permaneceu no Brasil,

na busca pelo seu apoio e buscando convencer o empresariado brasileiro,

engajando-se em discussões técnicas e acenando a possibilidade de avanços na

proposta norte-americana.265

Essa estratégia norte-americana foi bem sucedida, resultando na aliança

entre Brasil e EUA na condução das negociações posteriores ao encontro de São

Paulo. Ela resultava no entendimento de que o avanço das negociações se daria

pela celebração de um pré-acordo comum entre Brasil e EUA, até junho, para,

num segundo momento, buscar a adesão dos membros do G-20 mais arredios à

abertura dos seus mercados, como Argentina e Índia.

A reação indiana ao acordo dos EUA com o Brasil veio em 14/03/2007,

quando o Ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, respondeu que o G-20 não

se comprometia a alcançar um acordo com os países industrializados até o final de

junho: “A Índia não se comprometeu com esse prazo. Dissemos que faremos

esforços, dependendo do que se concretizar na mesa de negociações. Se o

conteúdo for aceitável, então porque esperar até junho?”266

A Índia marcava posição como líder do G-20, exigindo que os países

desenvolvidos se reponsabilzassem pelo impasse e perda do prazo para as

negociações. Segundo o primeiro-ministro Manmoham Singh:267 “Para acabar

com o impasse, os países ricos precisam fazer propostas significativas para reduzir

os enormes subsídios que distorcem o comércio a favor de seus setores

agrícolas”.268

Além da Índia, outros parceiros no G-20 divergiam no rumo das

negociações, em 15/03/2007, em reunião na sede da OMC. Enquanto o Brasil se

aliava a Washington nas discussões da OMC, sobre estratégias para a celebração

de um acordo, a Argentina denunciava, em comunicado apresentado na sessão

                                                            264 Ibid. 265 Ibid. 266 Contrapartida brasileira na OMC em discussão. Gazeta Mercantil, 13 mar. 2007. 267 Em conferência, organizada pela revista The Economist, em Nova Delhi. 268 REUTERS; BLOOMBERG NEWS. Nath nega compromisso para acordo até junho. Gazeta

Mercantil, 14 mar. 2007. p. 15.

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especial sobre a reforma do comércio do algodão, a proposta da nova lei agrícola

americana − Farm Bill.

Para os sócios do Brasil no G-20, a aprovação dessa lei nos EUA

implicaria no desrespeito às recomendações da OMC, quanto mais diante da

disputa sobre o Algodão que se processava na OMC entre Brasil e Washington. A

nova lei norte-americana aumentava em 65% o auxílio aos seus produtores e

infringia o compromisso que os EUA assumiam de redução dos seus subsídios. A

Argentina buscava forçar uma alteração no comportamento do líder do G-20 na

sua aliança com os EUA provocando o país a se manifestar sobre aquela disputa

na qual o Brasil havia embarcado.269

A resposta do Brasil veio sob a forma da censura da iniciativa do seu

parceiro no Mercosul, para não perturbar suas relações com Washington, no

momento em que ambos celebravam aliança para possivelmente destravar as

negociações, conforme a declaração do Embaixador Clodoaldo Hugeney, em

Sessão Especial da OMC: “Estamos esperando os resultados do painel. Entretanto,

não é apropriado fazer observações específicas sobre o tema nessa sessão”.270

Enquanto a aliança entre o Brasil e os EUA afastava o Brasil do restante

do G-20, o embaixador brasileiro Rubens Ricupero denunciava o conteúdo da

postura brasileira à frente do G-20 como “uma jogada desesperada”, no sentido de

obter, num prazo exíguo, um compromisso mínimo, que estabelecesse condições

propícias para que o Congresso norte-americano se sentisse estimulado a renovar

a concessão do “TPA”. O quadro que estaria se desenhando consistiria no

isolamento da Índia, Argentina e outros membros do G-20, enquanto o Brasil

estaria se preparando para celebrar um acordo com os EUA e a UE, ao qual só

restaria aos demais membros da coalizão aderirem.271

                                                            269 MOREIRA, Assis. Brasil e Argentina divergem sobre corte de subsídios agrícolas nos EUA. Valor Econômico, 16 mar. 2007. p. 1. 270 Ibid. 271 Ricupero aponta alguns indícios da sua percepção: “1-A movimentação diplomática de alto nível entre brasileiros, americanos e europeus (inclusive a vinda do presidente da Alemanha, país que preside a EU), culminando com a visita de Bush; a próxima, de Lula a Camp David [...]). 2- A surpresa que foi criada pelo representante brasileiro, ao afirmar, em recente reunião do G-20, em Genebra, que a exigência do teto máximo de US$ 12 bilhões para os subsídios dos Estados Unidos ‘não estava mais na mesa’. 3- As palavras de Celso Amorin, que teria dito, no Grupo, estar convencido que o pior acordo agora seria melhor do que o melhor Cancun”. Ricupero, Rubens. Três eixos que dominam o governo Luiz Inacio Lula da Silva. Noticias Financieras, Miami, 18 mar. 2007. p. 1.

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A percepção de Ricupero identificava o sucesso que a longa paralisia desse

país nas negociações representava para as ambições do Brasil enquanto principal

negociador do G-20, quando a aliança que potencialmente destravaria a rodada era

ofertada como oportunidade que ia ao encontro dos seus interesses. Diante dessa

oportunidade, o Brasil abraçava a oferta dos EUA e arriscava a integridade da

coalizão que até então lutara para defender. Crescentemente, a inviabilidade da

coalizão se tornava presente para a sua principal liderança, pois uma vez que as

negociações se aproximaram de um acordo de maior substância ou concretude, os

limites de negociação em que o Brasil se encapsulava se tornavam mais claros.

Ao permanecer na aliança, o Brasil se desgastava não apenas com os

demais membros do Grupo, mas teria que sacrificar continuamente seus interesses

pró-mercado que o caracterizavam no período anterior à aliança com a Índia para

assegurar a coesão de um Grupo, que não permitia avanços concretos para além

da obstrução das propostas do mundo desenvolvido. Além disso, o apoio

doméstico ao projeto do G-20 começava a se desgastar naquela ocasião.

Nesse sentido, a estratégia que o país parecia adotar desde que começou a

assumir publicamente o grande desafio de lidar com suas diferenças internas

consistia em fazer o jogo dos EUA na aliança e buscar intervir no convencimento

da Índia e de demais membros do Grupo, mesmo ao preço de desgastar a sua

coesão.

O Brasil entretinha relações muito próximas com Washington com o

objetivo de fechar uma proposta para a conclusão da rodada. No começo de abril,

Lula retornava de visita aos EUA, anunciando o prazo de um mês, acordado com

o presidente Bush, para que os dois países chegassem a uma proposta concreta

para o fim da rodada.272 Enquanto isso, em 12/04/2007, o G-4, formado por

Brasil, EU, EUA e Índia, reunia-se em Nova Dhéli, após um dia de consultas

bilaterais informais, para tentar retomar as negociações, paralisadas desde julho de

2006. Nessas negociações informais detectava-se uma divisão nítida entre os

negociadores: enquanto o representante da UE reuniu-se com o dos EUA e, em

                                                            272 LEO, Sergio. Governo e EUA buscam destravar a rodada de negociações comerciais na OMC. Valor Econômico, 03 abr. 2007.

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seguida, com o Brasil, o representante indiano só havia agendado uma reunião

com o Brasil.273

O protagonismo do Brasil das negociações, concomitante ao isolamento da

Índia, levava a uma crescente aproximação do país em relação ao mundo

desenvolvido. O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acenava com a

concessão do estatuto de “parceiro comercial privilegiado” ao país, em abril.274

No entanto, o Brasil permanecia buscando investir na adesão do mundo em

desenvolvimento, em torno das propostas do G-20.

Atuando em duas frentes, o país procurava ser o mediador e grande

negociador da rodada, por se destacar e ser visto como parceiro privilegiado nas

duas esferas, pois como representante do G-20 também coordenava as

negociações da rodada na OMC com os demais Grupos de PEDs e o Brasil

liderava reunião de alto nível com o Grupo Africano, o ACP (Ásia, Pacífico e

Caribe), o Caricom, representante das pequenas economias, como Bolívia e Cuba,

assim como com o “Cotton 4”, enquanto grandes produtores africanos de algodão

− Burkina Faso, Mali, Tchad e Benin.

Entretanto, as divergências se antepunham à celebração de um acordo, pois

até mesmo internamente ao G-20 a questão do acesso a mercados desafiava o

estabelecimento de uma posição comum. Enquanto a Índia era refratária à

liberalização dos mercados agrícolas; o Paquistão, membro do G-20 e de Cairns,

era favorável a uma ampla liberalização, sendo também membro do G-33, que se

caracteriza pelo posicionamento defensivo em agricultura.275

Diante das divergências, o mediador das negociações na OMC, Crawford

Falconer, reuniu-se com os negociadores previamente à apresentação de um texto,

com o objetivo de avaliar os posicionamentos dos países e, em 30/04/2007,

apresentou em Genebra a primeira parte do seu texto aos 150 membros da

organização, exemplificando o que considerava como o “centro de gravidade” da

rodada ou no que seria possível a obtenção de um acordo imediato, reconhecendo

                                                            273 EFE, Bloomberg News. Membros do G-4 aparam arestas em Nova Délhi. Gazeta Mercantil, 12 abr. 2007. 274 ROSSI, Clovis. União Europeia quer o Brasil como parceiro privilegiado. Folha de São Paulo, 22 abr. 2007. 275 MOREIRA, Assis. Brasil coordena negociação agrícola na Organização Mundial do Comércio. Valor Econômico, 25 abr. 2007.

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que a proposta do G-20, de corte médio de 52% nas tarifas agrícolas constituía

uma base para um acordo nessa etapa da negociação.276

Essas negociações seriam sucedidas por reuniões do G-4, num cronograma

que previa avanços até meados de Julho, em agricultura, serviços, indústria e

regras. Isso seria obtido, a partir do engajamento sobre o estabelecimento da

dimensão dos cortes de tarifas e subsídios, a partir dos conceitos discutidos, desde

a paralisação das negociações.277

Entretanto, a despeito desse prognóstico, como os EUA não avançavam na

sua proposta, crescendo novamente as expectativas de celebração de um acordo

mínimo no final do ano de 2007, seguido por negociações posteriores, conforme

proposta Suíça.278

As possibilidades que o Brasil vislumbrava de trazer os EUA de volta à

rodada vinham pela declaração do ministro brasileiro, Roberto Azevedo, que

falando em nome do G-20 declarava que isso não interessaria, nem ao Brasil, nem

ao Grupo: “Acordo mínimo não seria satisfatório para o Brasil e não podemos

aceitá-lo... a rodada é um empreendimento único (single undertaking), ou caminha

tudo ou não caminha nada...” 279

5.18.1

Os preparativos do Brasil para a reunião do G-4 e para o encontro do

G-8: a busca pelo resgate da Índia na aliança

O Brasil continuou investindo no seu papel de protagonista das

negociações da rodada, convocando uma reunião ministerial do G-20, para

11/06/2007, na semana anterior à negociação do G-4,280 de 19 a 22/06/2007, na

qual deveriam seriam resolvidas as últimas divergências para celebração de um

acordo até julho de 2007. Essa aposta no avanço da rodada nesse momento da

negociação se relacionava também às esperanças quanto a um possível impulso

político de fora da OMC ou da reunião do G-8,281 a ocorrer em 08/06/2007,

                                                            276 MOREIRA, Assis. Divisão da Rodada Doha em duas partes não é aceitável para o Brasil. Valor Econômico, 30 abr. 2007. 277 Ibid. 278 Ibid. 279 Ibid. 280 Brasil, India, EUA e UE. 281 EUA, Alemanha, Japão, França, Grã-Bretanha, Canadá e Itália, além da Rússia.

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quando as economias mais desenvolvidas se encontrariam com o G-5282, na

Alemanha, contando com a presença do Diretor Geral da OMC, Pascal Lamy.283

Isso fazia com que naquele momento das negociações as expectativas

quanto a um acordo se tornassem mais presentes.

A tática do Brasil de apresentar o G-20 como síntese heterogênea da OMC

que permitiria o avanço da rodada esbarrava em duas questões delicadas: o

mecanismo de salvaguarda especial e a questão da definição dos produtos

especiais, que, potencialmente, obstruiria o ingresso de produtos agrícolas em

muitos mercados em desenvolvimento, pois o texto do mediador das negociações

agrícolas, Crawford Falconer, que identificava os pontos de convergência e

divergência das negociações, recomendava o estabelecimento de limites a esses

mecanismos de salvaguarda especial, para que ele não pudesse ser usado

livremente, como defendiam a Índia e a Indonésia.284

Diante desses desafios, o país reavaliou a postura que a sua liderança vinha

tomando a frente do G-20, pois na iminência de uma oportunidade de debates em

um fórum distinto da OMC, onde chefes de Estado se reuniriam para debater com

o Grupo, tornava-se fundamental fortalecer sua coesão com a Índia. Assim, a

estratégia do Brasil para essa fase das negociações deveria consistir na defesa de

três pontos:

1) Reforçar sua aliança com a Índia, no sentido de pressionar o G-8 por maior

abertura dos seus mercados para produtos agrícolas dos países menos

desenvolvidos. Nesse sentido, o argumento utilizado consistia no

recorrente tema do direito ao desenvolvimento, como principal objetivo da

rodada, ressaltando que os países desenvolvidos teriam em suas mãos um

meio de melhorar as condições de vida no planeta, a partir do

desenvolvimento econômico dos países pobres;

2) Investir na associação entre o tema da queda dos subsídios à agricultura e a

criação de um mercado mundial de álcool combustível;

                                                            282 Brasil, China, Africa do Sul, India e México. 283 Moreira, Assis. Brasil convoca G-20 de olho em negociação do G-4. Valor Econômico, 28 maio 2007. 284 Ibid.

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3) O estabelecimento de um mecanismo de compensação para os países em

desenvolvimento que reduzissem o desmatamento no interior de suas

fronteiras.285

Essa estratégia brasileira para as negociações de junho era reativa a um dos

principais temas que constavam da agenda da reunião do G-8, sob a forma da

discussão de uma política internacional de proteção ao meio-ambiente. Esse tema

consistia numa fonte de pressão dos países desenvolvidos, em relação a certos

países em desenvolvimento, em razão do argumento de que o crescimento

expressivo de países como China e Índia, que seriam competidores dos países do

G-8, tanto pelo acesso aos recursos naturais, quando em comércio e indústria,

haviam se tornado grandes poluidores e consumidores da energia que subsidiava

seu crescimento econômico.286

Esse argumento permitia o questionamento do direito ao desenvolvimento

desses países, caso o mesmo não fosse acompanhado pelo compromisso com

medidas de preservação ambiental. Embora, China e Índia não houvessem

aderido, por consistirem em países em desenvolvimento, a expiração do protocolo

de Kyoto em 2012, gerava pressões por um futuro comprometimento com metas

de preservação ambiental e de consumo de energias renováveis nas suas matrizes

energéticas.287

Nesse sentido, a UE havia recentemente formulado essa exigência em

relação a esses países, na reunião Ásia-Europa, de 29/05/2007, na Alemanha. Na

ocasião, tanto a China, quanto a Índia protestaram. Para o ministro das relações

exteriores da Índia, Pranab Mukherjee:

[…] los intentos para obtener compromisos de reduccion de emissiones de los paises em desarrollo no son el mejor camino para realizar progresos...propuso uma respuesta constructiva, que reconozca lãs comunes pero diferenciadas responsabilidades de los paises em desarrollo y los industrializados. La reduccion de la contaminacion no debe limitar lãs possibilidades de crescimento econômico y reduccion de la pobreza.288

                                                            285 Lula articula aliança com a India para pressionar G-8. Folha de São Paulo, 03 jun. 2007. 286 GODOY, Julio. G5 de las naciones en desarrollo se reune con G-8. Noticias Financieras, Miami, 04 jun. 2007. 287 Ibid. 288 Ibid.

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Desse modo, o primeiro obstáculo com que o G-20 teria de se haver seria

contornar esse argumento. A forma para superar esse obstáculo não resultou em

um impulso político adicional às negociações da rodada no encontro do G-8,

como esperava o Grupo.

Entretanto, ela foi capaz de resgatar a sua coesão interna, pois o Grupo

passou a enfatizar a questão das diferenças entre o nível de desenvolvimento dos

países, num retorno às bases da sua coesão original sobre o mandato de Doha,

para firmar posição no sentido de que países desenvolvidos e em desenvolvimento

não deveriam se comprometer com as mesmas metas, mas promover a

preservação do meio-ambiente a partir das suas diferenças e possibilidades de

contribuição com o tema. Por outro lado, para combater o argumento de que a

Índia não se comprometia com o meio-ambiente, ao fim da reunião do Brasil com

a Índia em Nova Dehli, em 5 de junho de 2007, já havia compromissos celebrados

do Brasil com o seu parceiro no G-20, no sentido de aumentar a produção indiana

de etanol, mediante a transferência e o uso da tecnologia brasileira para sua

produção.289

Após o reforço da coesão entre os líderes do Grupo em 11/06/2007, o G-20

se reunia em Genebra, por iniciativa do Brasil, com o objetivo de que atuasse

unido numa iniciativa destinada a provocar uma reação dos EUA, sem necessitar

agora da presença da UE, como aliada.

Naquele momento das negociações, o Brasil identificou uma oportunidade

de atuação nesse sentido, mediante o ingresso na disputa que o Canadá movia na

OMC, contra os Estados Unidos, questionando seus subsídios agrícolas. A aliança

com o Canadá contra os EUA interessava ao líder do G-20, pois a denúncia

canadense de violação das regras da OMC, pela concessão de subsídios agrícolas

e pagamento de subvenções à exportação repercutiria sobre a negociação da

rodada, aduzindo pressão sobre os EUA, no sentido do fim das distorções ao

comércio agrícola mundial.290 A estratégia também buscava influir na aprovação

da lei agrícola americana Farm Bill, que determinaria o gasto global com o setor

agrícola, no próximo quinquênio.

                                                            289 O Brasil propôs que a Índia aumentasse de 5% para 10% o porcentual de álcool misturado à gasolina, em nove estados, ou então, que mantivesse 5% de etanol nos 27 estados do país. 290 MOREIRA, Assis. Brasil reúne G-20 e aguarda disputa entre Canadá e EUA. Valor

Econômico, 11 jun. 2007.

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Enquanto a disputa Canadá versus EUA teria examinado seu pedido de

abertura de painel, no dia 20/06; no dia anterior, o G-4 começaria sua reunião, que

poderia se estender por vários dias, com o fito de decidir as negociações da

rodada.291

A reunião consistia num esforço do Grupo para fechar posições

negociadoras a serem adotadas na reunião do G-4.292 O chanceler brasileiro, Celso

Amorin, afirmava que os esforços de facilitação que Índia e Brasil realizariam, ao

tomarem parte no encontro do G-4, deveriam ser recíprocos ao apoio e confiança

que deveriam ser depositados em ambos os países às negociações pelos membros

dos diferentes grupos de países em desenvolvimento. Para assegurar essa

confiança, ele se comprometia em que qualquer resultado negociado pelo G-4 não

seria um resultado final, mas que após a reunião, o Brasil e a Índia voltariam ao

processo multilateral para obter a aquiescência dos demais países em

desenvolvimento.293

O apoio do mundo em desenvolvimento ao Brasil e à Índia era reforçado

pela expectativa de obtenção de um acordo em agricultura, principalmente pela

proximidade do prazo de final de junho, para a distribuição de dois rascunhos com

as modalidades que os presidentes de negociações agrícolas e de acesso a

mercados em agricultura,294 da OMC, sugeriam para o prosseguimento das

negociações.295 O conteúdo desses documentos permitiria vislumbrar um desfecho

ou algo concreto que sinalizasse na direção do êxito de um acordo agrícola.296

5.19

O fracasso da reunião do G-4 em Potsdam

 

A reunião do G-4 de fins de julho deveria discutir o Programa de Doha

para o Desenvolvimento, num momento em que cresciam as apreensões dos

                                                            291 Ibid. 292 HESSEL, Rosana; REUTERS. Ministros do G-20 voltam à Mesa. Gazeta Mercantil, 11 jun. 2007. 293 CAPDEVILLA, Gustavo. Ronda de Doha entra en la etapa de decisiones. Noticias

Financieras, Miami, 12 jun. 2007. 294 Negociações e acesso a mercados agrícolas - NAMA, sigla em inglês. 295 CAPDEVILLA, Gustavo. Países em desenvolvimento negociam com Organização Mundial do Comércio. Noticias Financieras, Miami, 13 jun. 2007. 296 VILLAS BOAS, Bruno. Mercosul e União Europeia negociam acordo de livre comércio no segundo semestre. Jornal do Comércio, 13 jun. 2007. p. 1.

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PEDS de que a reunião terminasse por reduzir o alcance das metas de

desenvolvimento da rodada, pressionando os países pobres a cederem mais. O

impasse se confirmava na posição da Índia. Para o ministro Kamal Nath: “Estados

Unidos tiene que cumprir lãs normas de la OMC sobre apoyo a los productores

que distorciona el comercio y demonstrar su compromisso com recortes reales y

efectivos a menos de 13.000 milliones de dólares anuales, para que reunion de

Potsdam sea exitosa”.297

O negociador europeu, Peter Mandelson, captava bem as possibilidades da

reunião do G-4, quando afirmou que a reunião não poderia finalizar a rodada de

Doha, mas sim determinar se a rodada teria condições de ser finalizada.298

Enquanto o presidente brasileiro demonstrava seu descontentamento

recorrendo a líderes de países como a Inglaterra para afirmar que os países ricos

estariam acomodando seus interesses e exigindo contribuições desproporcionais

dos países em desenvolvimento,299 a reunião de Potsdam fracassava em

21/06/2007.

A maior coesão do G-20 nessa fase das negociações endureceu a postura

negociadora do Grupo. Da parte do Brasil, o Grupo sofria crescentes pressões do

agronegócio e do empresariado. Isso se somava à maior coesão com a Índia,

refletindo-se sobre a postura do G-20300.

O G-20 investiu no confronto Norte-Sul, acusando os países desenvolvidos

de não avançarem nenhuma oferta, exigindo simultaneamente contrapartidas em

bens industriais dos membros do Grupo e o encontro foi interrompido, com um

dia de antecedência, pois o Brasil abandonou a mesa de negociações. Para o líder

do G-20, no G-4, Celso Amorin, celebrar um acordo nos moldes propostos seria:

“uma traição aos empresários brasileiros, ao Mercosul e aos países do G-20, que

confiaram na gente”. 301

O representante brasileiro fazia coro com as declarações do representante

indiano, Kamal Nath, concluindo que um acordo em Potsdam teria como

                                                            297 DEVARAKONDA, Ravi Kanth. Ministros de Comércio de EU, EEUU, Brasil e Índia se reúnem por Doha. Noticias Financieras, Miami, 20 jun. 2007. p. 1. 298 Ibid. 299 JUNGBLUT, Cristiane. Lula diz a Blair que ricos querem contribuição desproporcional do G-20. O Globo, 22 jun. 2007. 300 Fracassa a última tentativa de salvar Doha. O Globo, 22 jun. 2007. 301 Ibid.

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consequência a desindustrialização dos países em desenvolvimento, diante das

exigências de abertura de seus mercados sem contrapartidas.

Em seguida ao fracasso de Potsdam, a discussão seria retomada pelos 150

membros da OMC, em Genebra, mas não havia mais perspectivas de conclusão da

rodada num curto prazo. À sombra do fracasso da rodada e da crescente pressão

por um acordo;302 as defecções começaram a se manifestar no G-20.

Em 25/06/2007, um grupo de países latino-americanos e asiáticos303,

dentre os quais alguns membros do Grupo, apresentaram uma proposta para que

as negociações com os países desenvolvidos fossem retomadas na OMC, o que

evidenciava que o G-20 não teria o apoio incondicional de todos os seus

membros. Essa proposta reivindicava maiores concessões, tanto dos países em

desenvolvimento, quanto dos desenvolvidos. Nesse sentido, a proposta se

comprometeu com uma abertura maior do mercado de bens e serviços dos PEDs

do que aquela defendida por Índia e Brasil. Lia-se no documento que: “As perdas

ligadas ao fracasso ou paralisação da rodada ultrapassam em muito os custos de

um acordo menos que perfeito”. 304

Brasil e Índia negociavam em Potsdam com o coeficiente 30305, contra a

exigência de EUA e UE, que insistiam no coeficiente 20. Em reação à liderança

do G-20, a proposta em questão se baseava sobre a flexibilização desse coeficiente

entre 15 e 25%, para os países em desenvolvimento; em contrapartida a um

avanço dos países desenvolvidos para além do coeficiente 10, que EUA e UE

colocaram sobre a mesa de negociação, para a abertura dos seus mercados

agrícolas.306

O aumento das pressões sobre o impasse em relação ao G-20 gerava as

acusações ao Grupo de que o tratamento diferenciado que era proposto pela

coalizão seria gerador de distorções no comércio internacional, caso fosse

celebrado o acordo na OMC. Investindo nesse ponto, o secretário do tesouro dos

                                                            302 Grupo de países em desenvolvimento faz proposta na OMC sem Brasil e Índia. Globo, 26 jun. 2007. p. 23. 303 A proposta foi assinada por: Chile, México, Tailândia, Colômbia, Costa Rica, Hong Kong, Peru, Cingapura. Os três primeiros pertenciam ao G-20. 304 Países pobres racham com G-20 e apresentam nova proposta na OMC. Folha de São Paulo, 25 jun. 2007. 305 Fórmula de redução tarifária aplicada pelos países em desenvolvimento sobre os produtos industriais dos países desenvolvidos ao ingressarem nos seus mercados. Quanto menor maior o corte tarifário e o fluxo de importações desses bens. 306 Países pobres racham com G-20 e apresentam nova proposta na OMC. Folha de São Paulo, 25 jun. 2007.

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Estados Unidos, Henry Paulson, reuniu-se, em Brasília, com o ministro da

Fazenda do Brasil, Guido Mantega, em 11 de julho, insistindo junto ao governo

brasileiro para que o Brasil pressionasse a China307 a desvalorizar a sua moeda.308

5.20

A retomada das negociações em Agricultura e NAMA a partir dos

textos Falconer e Stephenson: a maior substância das negociações e

aumento da vulnerabilidade do G-20

A retomada das negociações prosseguia com a divulgação dos textos

preparados pelos mediadores da OMC, em 17/07/2007.309

Em agricultura, o corte máximo de subsídios dos EUA, para US$ 13

bilhões, situava-se próximo da proposta defendida pelo G-20, de US$ 12 bilhões;

entretanto seria bastante improvável que os Estados Unidos aceitassem avançar

além da sua última proposta de US$ 17 bilhões, para o máximo, e US$ 16 bilhões

para o mínimo, conforme a proposta da OMC. No caso da EU, os cortes de 66% a

73%, na sua tarifa agrícola também chegavam bem perto da reivindicação do G-

20, de 75%. Já em relação às negociações de NAMA, o coeficiente pretendido de

19 a 23, da Fórmula Suíça, distanciava-se bastante do número do G-20, que

aceitaria uma variância de 20 a 25%.310

No entanto, mesmo esse número não seria aceitável para o G-20, pois

representaria um corte muito grande sobre uma grande variedade de produtos. O

G-20 defendia o coeficiente 30 da Fórmula Suíça, equivalente a uma tarifa

                                                            307 A pedido dos EUA, o líder do G-20 incluiria a discussão sobre a desvalorização da moeda chinesa, na agenda dos encontros do G-20, assegurando, inclusive que, na reunião seguinte do FMI, em outubro, o Brasil aumentaria a pressão internacional sobre a China neste sentido. Segundo o ministro, seria interesse direto do Brasil que tal desvalorização ocorresse, pois a China teria desvalorizado artificialmente sua moeda, com o fito de que as exportações do país adquirissem vantagem comparativa no mercado internacional. Rocha, Juliana. Brasil pedirá para que a China reduza atuação no seu câmbio, In: Noticias Financieras, Miami, 12/07/2007. pp1 / Peres, Leandra; Nakagawa, Fernando; Dantas, Iuri e DAmorin, Scheila. Câmbio chinês é contestado pelo Brasil. In: Folha de São Paulo, 13/07/2007 /Izaguirre, Mônica. Brasil tenta convencer o governo chinês a permitir valorização do Yuan. In: Noticias Financieras, Miami, 13/07/2007/ Brasil questiona câmbio da China. In: Folha de São Paulo, 13/07/2007. 308 Ibid. 309 Non-agricultural Market Access Negociations. 310 HESSEL, Rosana. Setor privado começa a avaliar o texto. Gazeta Mercantil, 18 jul. 2007.

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máxima de 16,15% para a Tarifa Externa Comum, de 35%, sobre um total de

2.474 produtos.311

A oposição ao texto de Falconer causava grande resistência doméstica no

Brasil, tanto no que dizia respeito à representação industrial, quanto ao

agronegócio,312 o que sugeria as dificuldades com que o G-20 teria de se

defrontar.313

Em contraponto à oposição interna, o chanceler Celso Amorin, avaliava a

continuação das negociações de forma otimista, tendo declarado à Folha de São

Paulo, ao sair de uma reunião com o representante europeu, Peter Mandelson, que

acreditava na continuação das negociações. Entretanto, a declaração do

representante brasileiro era cautelosa, pois ainda não havia consultado os demais

membros do G-20; assim como pelo fato de um deles, a África do Sul,

recentemente haver reagido negativamente à proposta de abertura do setor

industrial dos países em desenvolvimento. O cálculo feito pelo chanceler

brasileiro refletia o fato de que apesar da proposta apresentada se afastar das

pretensões do G-20, por englobar um corte tarifário entre 53% e 58% em bens

industriais para os PEDs, ela também contava com cortes de tarifas mais altos do

que o esperado para acesso aos mercados dos países desenvolvidos.314

Nesse sentido, haveria espaço para a barganha entre o mundo

desenvolvido e em desenvolvimento, sendo possível esperar que nessa barganha o

coeficiente defendido pelo G-20, de 25%, fosse atingido, em lugar do de 19% a

23%, que constava na proposta da OMC; em contrapartida, seria possível concluir

as negociações em torno de um coeficiente 10 para os mercados dos países

desenvolvidos. Esse cenário que o chanceler vislumbrava, entretanto, tinha

obstáculos a serem vencidos, pois se o Brasil seria capaz de aceitar o coeficiente

                                                            311 Ibid. 312 Para o presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Mario Marconini, os documentos divulgados pela OMC não traziam qualquer avanço, em relação às discussões anteriores, mas apenas objetivava as propostas antes apresentadas, no sentido de conformar um acordo mais modesto, no interesse de que a falência da rodada não fosse completa. No mesmo sentido, situa-se a avaliação da pesquisadora sênior do ICONE, Cínthia Cabral da Costa, para quem o texto do embaixador neozelandês só não mereceria ser criticado completamente, por haver deixado espaço para ser trabalhado posteriormente. A pesquisadora criticou a margem reservada para linhas tarifárias de produtos sensíveis, entre 4% e 6%; aduzindo que ela estava bem acima da margem defendida pela OMC, e dos 2% que o Brasil pretendia. HESSEL, Rosana. Setor privado começa a avaliar o texto. Gazeta Mercantil, 18 jul. 2007. 313 Ibid. 314 Ibid.

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de 25%, superando as suas resistências internas, nos casos da Argentina e da

África do Sul o problema se revelaria bem maior, implicando no recurso a uma

maior pressão sobre esses membros.315

Os números dos cortes tarifários em agricultura, contudo, não explicavam

o otimismo da atitude do Brasil, no momento subsequente ao abandono das

negociações em Potsdam.316

A explicação para a mudança de atitude do Brasil pode ser encontrada se

atentarmos para as discussões ou troca de acusações que foram travadas após o

colapso de Potsdam. Naquele momento, a negociadora norte-americana investiu

sobre a coesão do G-20, avançando a explicação para o abandono das negociações

pelo Brasil e pela Índia, em razão da ameaça que ambos os membros do G-20

percebiam, sob a forma de uma redução significativa das tarifas de bens

industriais. Essa percepção de ameaça por parte do G-20, contudo, não se

relacionaria tão diretamente às trocas comerciais que seriam estabelecidas por

esses países com os países desenvolvidos, mas principalmente, em relação a um

outro membro do G-20, a China.317

Explicar-se-ia assim o comportamento de um subgrupo de países do G-20,

desautorizando as propostas e representatividade do Grupo, ao apresentarem

proposta alternativa, que acenava com a aceitação de até 60% de cortes em tarifas

industriais. Quanto mais diante da urgência de conclusão da rodada, uma vez que

a autorização para o governo dos EUA celebrar o acordo comercial encontrava-se

em vias de expiração, além da proximidade das eleições de 2008, o que também

sinalizava para uma interrupção de quaisquer possibilidades de avanço no

processo negociador a partir de então.318

Da parte da UE, o momento também era delicado, pois ao final da mesma

semana de Potsdam, em Bruxelas, celebrou-se um novo tratado, com o fito de

contornar o impasse surgido, em razão da Holanda e da França se haverem

recusado a aderirem ao projeto de constituição, em 2005. Nesse sentido, as

propostas e concessões colocadas sobre a mesa de negociação pelo bloco, desde

Hong Kong, que envolviam mudanças na Política Agrícola Comum, não                                                             315 ROSSI, Clóvis. Chanceler brasileiro diz que negociação de Doha reabriu. Folha de São Paulo, 19 jul. 2007. p.1. 316 Ibid. 317 FLÔRES Jr, Renato G. A herança controversa da cúpula de Potsdam. Gazeta Mercantil, 20 jul. 2007 318 Ibid.

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deixavam espaço para nenhuma flexibilidade da parte do bloco ou medidas de

maior abertura comercial.319

Essa conjuntura, aliada à percepção da fragilidade da coalizão do G-20,

entretanto, conduziu ao seu grande engajamento em fins de julho na OMC, no

sentido da retomada dos trabalhos em setembro, após a pausa de verão no

hemisfério norte, na expectativa de uma possível conclusão da rodada em fins de

2007, baseada nas propostas apresentadas pelos dois grupos negociadores. Em

comunicado de 25/08/2007, em que afirmava ser esse um bom ponto de partida

para as negociações em setembro.

Apesar de muitos países do G-20 solicitarem esclarecimentos sobre a

minuta de agricultura, assim como em relação ao equilíbrio entre as reduções

tarifárias em indústria, nenhum membro do grupo havia rejeitado os textos.320 A

partir desse encontro foram avaliadas como reais as possibilidades de um acordo e

o governo brasileiro passou a se reunir com o setor industrial, conquistando a sua

adesão que passava a admitir como “palatável” o coeficiente 23, inferior ao

coeficiente 30, que consistia no número defendido até Potsdam. 321,322

Naquele ponto das negociações, os rumores que rondavam a retomada das

negociações sinalizavam para a incapacidade dos EUA respeitarem qualquer

acordo na OMC, caso os preços altos que as commodities assumiam, entrassem

em declínio, uma vez que com a sua valorização a necessidade dos subsídios

havia diminuído.323 Além disso, na conjuntura pré-eleitoral dos EUA, o

Congresso debatia uma proposta de lei agrícola que aumentaria os subsídios

agrícolas ao invés de diminuí-los.324

A reação do G-20 consistiu em convocar sucessivas reuniões, de nível

técnico, com o objetivo de chegar a soluções concretas e afinar suas posições, no

                                                            319 Ibid. 320 EFE e Reuters Genebra. Para G-20, propostas não são ruins. Gazeta Mercantil, 25 jul. 2007. 321 Entretanto, alguns setores da indústria, como têxteis, de calçados e automotivo, por vulneráveis a essa fórmula, permaneceriam como obstáculo a ser resolvido. A data de 03 de setembro passou a figurar como retomada das negociações da OMC na área agrícola; somente duas semanas mais tarde debater-se-iam bens industriais. MOREIRA, Assis. Brasil espera definição sobre Doha até outubro. Valor Econômico, 28 ago. 2007. 322 Ibid. 323 MOREIRA, Assis. Parte da Indústria já admite corte maior de tarifas. Valor Econômico, 16 ago. 2007. 324 Ibid.

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que diz respeito à Caixa Verde325, passando a defender a incorporação, em

qualquer acordo da OMC, de gastos com reforma agrária, políticas de

assentamento e de formação de estoques públicos, como subsídios autorizados. O

G-20 passaria a lutar pela negociação de uma “Caixa Verde” que beneficiasse os

países em desenvolvimento, controlando, simultaneamente, os gastos dos países

industrializados, de modo a deixar espaço nas negociações apenas para os

programas que se legitimassem enquanto de desenvolvimento agrícola e rural das

nações em desenvolvimento.326

O Brasil também buscava naquele momento chamar a atenção para as

possibilidades da energia renovável mediante as visitas do presidente brasileiro à

Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega e Espanha, em 09/09/2000.327 Essa

estratégia de investir na campanha pela causa ambiental e da energia renovável se

tornava possível devido ao grande prestígio internacional que o país passava a

desfrutar a frente do G-20.328

Esse prestígio era reforçado naquele momento pela divulgação dos EUA

de que aceitariam negociar cortes nos seus subsídios agrícolas nas negociações

subsequentes da OMC, em 20/09/2007.329 A partir da flexibilidade com a qual os

EUA acenaram para o G-20, o presidente George Bush e Lula reuniram-se330

Nesse encontro, reafirmaram o compromisso com a retomada das negociações da

OMC. O presidente do Brasil teria afirmado a Bush que os avanços na posição

negociadora do G-20 dependeriam da capacidade da diplomacia brasileira em

convencer os demais membros do G-20 a avançarem propostas mais ousadas na

OMC. Na saída do encontro, o presidente Bush elogiou a iniciativa brasileira da

produção de energia a partir do etanol e se comprometeu com a flexibilização da

                                                            325 MOREIRA, Assis. Brasil espera definição sobre Doha até outubro. Valor Econômico, 28 ago. 2007. 326 MOREIRA, Assis. Brasil quer tratar reforma agrária como subsídio legal. Valor Econômico, 30 ago. 2007. 327 Ao aterrissar em Helsinque em 09/09/2007, em entrevista ao jornal Helsingin Sanomat, declarou pretender fazer do Brasil uma “potência mundial”, confessando estar obcecado pela expansão mundial do etanol, enquanto projeto que constituiria uma “revolução na matriz energética global”, cuja consequência seria permitir ao país “elevar” seu “perfil global. ROSSI, Clovis. Lula chega à Finlândia e fala sobre etanol. Folha de São Paulo, 10 set. 2007. 328 CHADE, Jamil. Brasil consegue influir nas negociações da OMC. Jornal do Comércio, 30 jul. 2007. 329 HOWELS, Kim. Compromisso e liderança global. O Globo, 14 set. 2007. p. 8. 330 No hotel Waldorf Astoria, em Nova Yorque, em 24/09/2007. Ibid.

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posição do seu país em agricultura, em prol da conclusão das negociações da

rodada.331

Entretanto, a flexibilidade apresentada pelos EUA poderia consistir numa

armadilha para o G-20, pois diante da heterogeneidade dos membros da coalizão,

a bola que os EUA teriam passado para o Brasil converter-se-ia em teste para o

seu poder de articulador do G-20.332

Principalmente diante da postura do USTR333, que atribuía a falta de

avanços ao G-20. Em 4 de outubro, em artigo no Financial Times, a representante

norte-americana, Susan Schwab, observava que a UE já havia se movido e

acenado com a redução de suas tarifas em 50%334, dentro do parâmetro proposto

pelo mediador das negociações agrícolas da OMC, Craword Falconer:

Lamentavelmente, a maioria dos principais países não demonstrou suas intenções... Pior ainda, alguns sinalizaram sua má vontade em negociar nas faixas dos textos ou o desejo de anular compromissos de abertura comercial através de escapatórias... não há mais espaço para tergiversar: sim, mas ou seremos flexíveis primeiro não são mais respostas para levar Doha à conclusão335. Paralelamente ao quase ultimato dado ao G-20 por Susan Schwab, para

quem só haveriam duas respostas possíveis da parte dos países em

desenvolvimento: “sim” ou “não”; o G-20 vinha investindo em negociações

internas no sentido de superar as divergências no Grupo, quando os EUA

passaram a exigir que membros do G-20, como Brasil, Índia, África do Sul e

Argentina aceitassem o texto industrial das propostas dos mediadores de forma

integral, com cortes tarifários da ordem de 55% a 60%, contando apenas com as

flexibilidades já incluídas nessas propostas. As pressões sobre o Grupo surtiam

efeito, instabilizando a coalizão, pois enquanto a maioria dos seus membros não

aceitava o texto integral de Falconer e Stephenson, México, Chile e Singapura já

haviam aceitado essas propostas.336

                                                            331 O GLOBO; REUTERS. Presidentes de Brasil e EUA, após encontro, anunciam flexibilização para Doha. O Globo, 24 set. 2007 RAMIREZ, Marinella Ortiz. Director de OMC comenta el rol de los países em desarrolo. Noticias

Financieras, Miami, 21 set. 2007. 332 ROSSI, Clóvis. Análise: Jogo só vai ser decidido em Genebra. Folha de São Paulo, 25 set. 2007. 333 United States Trade Representative. 334 ROSSI, Clovis. Americanos cobram do Brasil nova posição sobre Doha. Folha de São Paulo, 05 out. 2007. 335 Ibid. 336 MOREIRA, Assis. Pressões crescem e G-20 busca aliados. Valor Econômico, 05 out. 2007.

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Essa conjuntura reclamava uma resposta do G-20, conforme cobrou a

negociadora norte americana, Susan Schwab, em 04/10/2007. Entretanto, naquele

momento em que o Grupo se sentia ameaçado pelas ameaças recentes de defecção

e vivia um momento de conciliação da Índia com o Brasil, o seu posicionamento

não seria no sentido de acenar com a redução de suas tarifas industriais, mas, ao

contrário, concentrar-se sobre as reivindicações originais do G-20, em favor do

teto máximo de subsídios dos EUA, em US$12 bilhões.337

O G-20 investiria na pressão sobre os EUA, que se comprometia apenas

com o teto máximo do texto Falconer (US$ 16 bilhões), recusando-se a se

aproximar da proposta do Grupo. O G-20 criticava o fato de os EUA aceitarem

negociar apenas um teto máximo de subsídios, rejeitando a limitação ou

estabelecimento de tetos por produto, conforme sua proposta. Segundo o

embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugueney, a UE também estaria agindo com

má-fé, ao negociar a redução de suas tarifas, mas exigindo a inclusão de uma série

de produtos na lista de produtos sensíveis, o que não permitiria o acesso dos

produtos dos países em desenvolvimento a esses mercados. O embaixador insistia

no retorno da posição do Brasil àquela orginária do G-20 de que a redução das

tarifas industriais do G-20 é que estaria na dependência da ambição dos países

desenvolvidos em agricultura, o que não aparecia em ambos os textos de Falconer

ou Stephenson.338

Naquele momento, os maiores obstáculos a um acordo se situavam na

Argentina e na África do Sul, que haviam demonstrado forte insatisfação com

esses textos. A posição do Brasil era delicada, não podendo avançar ou ceder nas

negociações, caso pretendesse manter a unidade do Grupo.

Assim, após a reunião de Celso Amorin com Allan Hubbart, assessor do

presidente George Bush, em Brasília, em 10/10/2007, o chanceler brasileiro

endureceu a posição do Grupo, declarando que de nada adiantariam os apelos de

Washington, no sentido do Brasil convencer seus parceiros no G-20, como Índia e

África do Sul, pois o próprio Brasil não estaria convencido do comprometimento

genuíno dos EUA com a liberalização do comércio.339 O G-20 não abriria mão de

                                                            337 ROSSI, Clóvis. OMC inicia debate decisivo sobre agricultura. Folha de São Paulo, 09 out. 2007. 338 Ibid. 339 Nesse mesmo dia, em reunião na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, o secretário de comércio dos EUA, Carlos Gutierrez insistia procurava levar o Brasil a pressionar seus

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que os EUA chegassem nos US$ 13 bilhões, rejeitando cortes de menores

proporções.340

Naquele momento, o Brasil buscava fortalecer a aliança dos países mais

pobres com o G-20, buscando maior representatividade para o grupo que se

achava ameaçado pelas defecções diante das propostas da OMC. Nesse sentido,

Lula viajou a Burkina Faso, em meados de outubro, quando novamente associou o

etanol aos objetivos da rodada Doha, declarando que os biocombustíveis

democratizariam o “acesso a energia sustentável”, diminuindo o efeito do

aquecimento global, que vitimava mais os países pobres. Álcool e biodiesel

seriam as soluções para as ameaças representadas pela alta dos preços do petróleo

e para a geração de emprego, autonomia energética, renda, autossuficiência

energética e aumento das exportações nos países pobres. Para isso, entretanto,

seria fundamental a aliança em torno do G-20:

Nas negociações comerciais multilaterais, estamos juntos na luta contra os subsídios dos países ricos. Burkina Faso...atua na OMC em sintonia com o G-20, no combate aos subsídios aos produtores de algodão nos países desenvolvidos. Tais subsídios deprimem os preços do produto no mercado internacional e ferem diretamente a economia de países pobres da África...a vitória brasileira no contencioso do algodão na OMC foi também uma vitória de Burkina Faso.341 Em seguida, Lula visita a República do Congo, conclamando os países

pobres da África subsaariana a aderirem ao G-20, em 16 de outubro de 2007. No

dia seguinte, reuniu-se com líderes sul-africanos e da Índia – IBAS − 342 em

Pretória, capital da África do Sul, quando exortou os líderes africanos a

partilharem sua iniciativa de fazer com que os ricos parem de tratar os países

                                                                                                                                                                   parceiros do G-20: “Doha é uma oportunidade única para a redução da pobreza no mundo inteiro e estimular investimentos e inovações. O Brasil pode exercer sua liderança e convencer outros países a discutir os subsídios agrícolas, que serão a base das negociações. Não podemos perder a oportunidade de ter um acordo bem sucedido...O Brasil é um líder e pode desempenhar papel de importância na consecução do acordo de Doha...o êxito da agenda de desenvolvimento de Doha...depende mais do que nunca da liderança brasileira no G-20”. GUIMARÃES, Cristina Borges; BICCA, Alexandra. EUA cobram liderança do Brasil no G-20. Gazeta Mercantil, 11 out. 2007. 340 SEVERO, Rivadavia. Saída para Doha é negociar, diz Amorin. Gazeta Mercantil, 11 out. 2007. p. 16. 341 Na África, Lula defende biocombustíveis e nega ameaça a segurança alimentar. Folha de São

Paulo, 15 out. 2007. p. 23. 342 “India, Brasil and South África”, na sigla em inglês.

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pobres como pedintes. A investida pelo apoio africano rendeu frutos, pois o

presidente brasileiro conquistou o apoio desses países a suas propostas.343

Nessa segunda reunião de Cúpula do Fórum de Diálogo do IBAS, emitiu-

se comunicado conjunto em que figurava ser possível a conclusão da rodada Doha

da OMC, nos temas agricultura e indústria, até o final do ano de 2007; houve

também o comprometimento da atuação conjunta desses países para o sucesso das

negociações.344

Durante a reunião,345 os EUA pressionavam o Brasil, no sentido do

convencimento dos seus parceiros em ofertar proposta que permitisse um avanço

das negociações, quando areação brasileira teria afirmado que para isso seria

necessário que os EUA ofertassem “concessões reais”, até o momento não

identificadas pelos membros do G-20.

A contrapartida a essa posição surgia na declaração do chanceler Celso

Amorin, que declarava na ocasião que tanto o IBAS, quanto o G-20 admitiriam

reduzir suas posições sobre produtos industriais: “Estamos partindo de um

coeficiente 30. E provável que aceitemos um coeficiente um pouco menor”.346 O

jogo de sinais trocados entre ambos parecia destinado a estimular os EUA a

negociarem um corte tarifário maior em agricultura.347

De volta da Viagem à África, Lula insistia em que a falta de avanço nas

negociações era responsabilidade dos países desenvolvidos. Além disso, buscava

reiterar a oposição entre países ricos versus países pobres, que deveriam figurar

como os ganhadores ou grandes beneficiários desse processo de negociação.348

Essa reaproximação dos países mais pobres do G-20 era necessária para a

estratégia negociadora que o Brasil imprimia ao G-20 quando buscava politizar o

debate sobre a liberalização do comércio agrícola e extravasar os limites da OMC,

                                                            343 SANTOS, Chico. Lula chama países pobres para uma aliança com o G-20. Valor Econômico, 17 out. 2007. 344 SANTOS, Chico. Fórum de Pretória prevê acordo em Rodada. Valor Econômico, 18 out. 2007. 345 Lula teria recebido um telefonema de George Bush. 346 O IBAS foi idealizado como iniciativa dos três países para aumento da massa crítica dos países em desenvolvimento, como fórum a se transformar em bloco comercial que englobe, na América do Sul, os países que fazem parte do Mercosul, e, na África, os países da União da Comunidade Sul Africana de nações. SANTOS, Chico. Fórum de Pretória prevê acordo em Rodada. Valor

Econômico, 18 out. 2007. 347 SANTOS, Chico. Fórum de Pretória prevê acordo em Rodada. Valor Econômico, 18 out. 2007. 348 Lula diz acreditar em acordo nas negociações da rodada Doha. Folha de São Paulo, 22 out. 2007.

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na conquista de apoio às reivindicações do Grupo. Essa iniciativa se revelou

proveitosa em muitas ocasiões anteriores e teria seu êxito reconhecido com a

ocupação da presidência do Grupo pelo Brasil em novembro de 2007. O Brasil

continuaria perseguindo essa estratégia de ampliação do escopo de atuação do G-

20, conforme declarava o ministro da fazenda brasileiro.

Segundo Guido Mantega, esse novo status inauguraria uma nova fase de

iniciativas multilaterais para o país. A primeira delas consistiria em buscar a

aliança de outros países, no sentido de pressionar o FMI349 a criar uma linha de

crédito específica para o atendimento das necessidades dos países que sofressem

uma crise financeira repentina. Essa declaração, no final da reunião conjunta do

FMI e do Banco Mundial, em 22/10/2007, se inseria na postura incisiva que o

Brasil assumiu naquela reunião, quando o ministro chegou a declarar que o

organismo corria o risco da irrelevância, por despreparado para alertar ou lidar

com a crise que atingiu vários mercados em agosto de 2007. Para ele, a crise

financeira teria pegado o FMI de “calça curta”, uma vez que o Fundo “não propôs

nada”.

Após a reunião, ficou decidido que seria aumentada, a representatividade

dos países emergentes na instituição, mediante a ampliação em 10%, do total das

suas cotas. O comentário do ministro brasileiro foi o de que: “o dinossauro se

moveu”, enquanto outros países do G-4, como Índia, China e África do Sul,

também apoiaram a medida. Já em discurso no Comitê de Desenvolvimento do

Banco Mundial, Guido Mantega cobrava que a instituição se adaptasse à nova

realidade de um mundo com países emergentes, buscando formas de proceder,

com relação a essas economias em transição.350

Os países em desenvolvimento haviam chegado a um consenso em torno

de dois dos três pilares das negociações naquela etapa do processo negociador:

concordavam em relação ao combate aos subsídios às exportações agrícolas do

mundo desenvolvido, assim como em relação às subvenções domésticas dos

mercados dos países desenvolvidos, que distorciam o processo de formação da

cadeia de preços das commodities no mercado internacional.

                                                            349 Fundo Monetário Internacional. 350 CANZIAN, Fernando. O dinoussauro se moveu, afirma Mantega sobre mudança nas cotas de países no FMI. Folha de São Paulo, 22 out. 2007.

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Entretanto, as divergências quanto ao acesso aos mercados ameaçavam a coesão

desses países em torno do G-20, pois, no caso dos países mais pobres da África do

Caribe ou do Pacífico, que detinham direitos preferenciais da exportação dos seus

produtos para os EUA e a Europa, uma redução geral das tarifas de importação

consistia em ameaça do fim da vantagem comparativa desfrutada até aquele

momento.351

No sentido de manter a união do grupo, acordando uma estratégia para as

negociações, o Brasil convocou uma reunião dos ministros do G-20, para

15/11/2007.352 Além dos membros do grupo, o Brasil faria pressão também sobre

os demais grupos de países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento. A

situação era tão delicada que o embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugeney

preferia não falar em aliança dos países em desenvolvimento, mas em um “esforço

para obter equilíbrio na negociação”.

Na questão industrial, os problemas para assegurar a coesão dos países em

desenvolvimento eram maiores.353 A reivindicação do Brasil, da África do Sul e

da Argentina por uma maior flexibilidade, no sentido de proteger as indústrias

desses países sofria forte oposição não apenas dos países desenvolvidos, mas

também do México. Nesse ínterim, o Chile, que anteriormente se mostrava

favorável aos textos apresentados pelos mediadores nesse tema, agora parecia

reverter a postura adesiva. Além disso, a demanda por flexibilidade nessa área,

para o Mercosul também não encontrou solução nas discussões técnicas da OMC,

mas deveria ser encaminhada para uma negociação política entre os ministros

negociadores.

Ainda em bens industriais, a China declarava que vetaria qualquer acordo,

caso não dispusesse de um prazo maior para reduzir suas tarifas, uma vez que no

recente processo de entrada na OMC (2001), ela reduzira bastante suas barreiras e

que teria passado a administrar um incremento nas suas importações, necessitando

de tempo para se adaptar a esse processo.

Somava-se a isso o impasse na questão do etanol: era consenso que os

produtos pertencentes à categoria de produtos ambientais deveriam ter suas tarifas                                                             351 MOREIRA, Assis. País prepara reunião de emergentes para discutir Doha. Valor Econômico, 29 out. 2007. 352 LYNN, Jonathan; REUTERS. Brasil chama G-20 para reunião em novembro. Gazeta

Mercantil, 30 out. 2007. 353 MOREIRA, Assis. País prepara reunião de emergentes para discutir Doha. Valor Econômico, 29 out. 2007.

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bastante reduzidas ou eliminadas. Entretanto, não havia consenso em torno da

inclusão do etanol nessa categoria, pois EUA e UE rejeitavam a demanda do

Brasil nesse sentido.354

Naquele momento, quando os impasses se avolumavam por recorrentes, a

despeito da longa trajetória percorrida na rodada e da concretude dos textos

apresentados pela OMC, a estratégia de pressão sobre o fim dos subsídios

agrícolas dos EUA, da parte de Brasil e Canadá era acolhida pela OMC. Em

08/11/2007, Brasil e Canadá formalizaram a denúncia contra todos os subsídios

agrícolas praticados pelos EUA355, na Organização, cujo Órgão de Soluções de

Controvérsias examinaria a solicitação de abertura de painel para a questão. Essa

estratégia conjunta, perseguida desde julho, causava impacto sobre as

negociações, contribuindo para o pessimismo disseminado acerca da sua possível

conclusão no ano de 2007.356

5.21

O fórum do G-20 de novembro de 2007: fortalecimento da coalizão

pela ausência de substância das negociações

A reunião do dia 15 de novembro do G-20 deveria consistir em fator de

pressão sobre o facilitador da OMC para divulgação de um novo texto até o fim de

novembro. Entretanto, as negociações anteriores não deixavam margens para

maiores avanços.357 Assim, o G-20 se reuniu, emitindo um comunicado em que

reafirmava que o objetivo central de Doha consistia na agricultura, que

determinaria o ritmo e o escopo das outras áreas das negociações358.

Exatamente pela impossibilidade de celebração de um acordo naquele

momento, o encontro terminou por consistir na demonstração de um alto nível de

                                                            354 MOREIRA, Assis. Brasil e Canadá formalizam denúncia contra subsídios dos Estados Unidos. Valor Econômico, 09 nov. 2007. 355 O contencioso diz respeito a programas e práticas agrícolas, já condenadas na disputa do algodão , vencida pelo Brasil, em 2004. Segundo os autores, os EUA teriam ultrapassado o teto de US$ 19,1 bilhões de subsídios permitidos ao ano, além da ocorrência de muitos programas proibidos pela OMC, como os de créditos à exportação. Moreira, Assis. Brasil e Canadá formalizam denúncia contra subsídios dos Estados Unidos. Valor Econômico, 09 nov. 2007. 356 Moreira, Assis. Brasil e Canadá formalizam denúncia contra subsídio dos Estados Unidos. Valor Econômico, 09 nov. 2007. 357 Ibid. 358 OLIVEIRA, Eliane. Países desenvolvidos devem assumir compromissos maiores, diz G-20. O

Globo, 15 nov. 2007.

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coesão entre o mundo em desenvolvimento. Sem discussões substantivas, os

objetivos centrais da rodada e a coesão do mundo em desenvolvimento em torno

de maior acesso a mercados e fim dos subsídios dos países ricos poderiam

continuar consistindo na argamassa da aliança. Conservava-se um grande nível de

generalidade nas reivindicações que não desciam ao nível concreto dos

compromissos efetivos que todos os membros da coalizão teriam de implementar

no caso de um acordo real.

Por não precisar avançar além dos objetivos comuns o G-20 foi capaz de

reunir mais de 100 países do mundo em desenvolvimento, demonstrando forte

comprometimento com os objetivos do Grupo e emitindo uma série de

comunicados conjuntos, refletindo a sua posição, em todas as áreas de negociação,

como tarifas industriais, serviços, regras de comércio, tratamento especial e

diferenciado, assim como a reivindicação de implementação de regras existentes

que beneficiam as economias em desenvolvimento.359

A reunião terminou se ampliando, convertendo-se num encontro entre o G-

20 com o Grupo de Países Menos Desenvolvidos, as Economias Pequenas e

Vulneráveis e as Nações da África, do Pacífico e do Caribe.360 Entretanto, México

e Chile não compareceram, manifestando sua insatisfação com o Grupo, já que

insistiam em maior proteção aos seus setores industriais.

Insistindo no tom original das reivindicações, os países em

desenvolvimento reafirmavam a centralidade da agricultura, denunciando

manobras urdidas pelos países desenvolvidos, para jogar a culpa pelo fracasso das

negociações sobre os PEDs. Segundo Celso Amorin:

Genebra é uma cidade cheia de rumores. Alguns são apenas sussurros outros parecem trovões...um desses rumores é o de que os países desenvolvidos estão preparando um documento próprio. Não podemos permitir que interpretações erradas, para usar um termo suave, desviem o foco da agricultura. A agricultura sempre foi a razão e a locomotiva da Rodada...Se esse documento existir, é um evidente conluio para, no fundo, desviar a atenção da agricultura...a estratégia é essa. Eles encontraram uma zona de conforto mútuo, em que um não tem que cortar muito em subsídios e o outro não tem que dar muito em acesso a mercados. Para a atenção não ficar nisso, botam toda a atenção em NAMA.361 362

                                                            359 CAPDEVILLA, Gustavo. Governments of poor countries made a show of unity in WTO. In: Noticias Financieras, Miami, 16/11/2007. 360 G-20 diz que êxito da Rodada Doha está ao nosso alcance. Gazeta Mercantil, 16 nov. 2007. 361 Non-agricultural Market Access, na sigla em inglês. 362 Agricultura é o centro de Doha, diz Amorin. Folha de São Paulo, 16 nov. 2007. p. 32.

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O Fórum terminou, em 18/11/2007. A ausência de perspectivas levava o

Grupo a manifestar preocupações em temas de natureza financeira, quanto ao

destino dos recursos energéticos do planeta, assim como em relação ao constante

aumento dos preços tanto do petróleo, quanto das commodities. Em reunião a

portas fechadas, os ministros chegaram a recomendar uma melhor supervisão e

gerenciamento dos riscos financeiros, propondo que o FMI e o Banco Mundial

atuassem de forma correspondente à crescente importância dos países em

desenvolvimento.363

A reação dos EUA ao aumento da coesão do mundo em desenvolvimento

veio pela ameaça do abandono das negociações. Em reunião no Conselho de

Exportação do Presidente, associação conformada por representantes empresariais

e membros do executivo e do legislativo dos EUA, a representante dos EUA, em

Doha, Susan Schwab, acusava Brasil e Índia de, após terem lutado para fazer parte

das negociações de liberalização comercial, se comportarem de modo avesso às

responsabilidades decorrentes de sua nova condição de negociadores centrais da

rodada. A reunião desse Conselho emitiu uma carta ao presidente dos EUA, em

04/12/2007, recomendando que o governo celebrasse acordos bilaterais com os

Brics,364 pois caso isso não ocorresse os EUA poderiam experimentar

“significativa desvantagem”, nas suas relações comerciais multilaterais.365

Com o fim das expectativas de acordo na OMC, outros problemas da

coalizão começaram a se manifestar entre seus principais representantes.366 A

sinergia entre os membros da coalizão diminuía na razão direta da falta de

objetivos comuns a serem perseguidos na OMC.

Enquanto no Brasil, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar – ÚNICA –

manifestava descontentamento com a política indiana de prorrogação dos

subsídios aos plantadores de cana, pois em outubro, aquele país havia renovado

por um ano a concessão desses subsídios; a entidade brasileira pedia explicações à

Índia, mediante requerimento, em 07/12/2007. Naquele momento, o Itamaraty

                                                            363 Energia e preço dos alimentos preocupam o G-20. Folha de São Paulo, 19 nov. 2007. 364 Brasil, China, Rússia, Índia. 365 Para EUA, Brasil age em Doha como adolescente. Folha de São Paulo, 06 dez. 2007. 366 LAFER, Celso. Novas Variações sobre a política externa. O Estado de São Paulo, 16 dez. 2007.

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afirmou que aguardaria a resposta indiana ao requerimento, antes de tomar

qualquer iniciativa na OMC.

A coesão do G-20 se encontraria fortemente abalada caso seus principais

representantes se digladiassem no Fórum no qual sua união deveria forçar o

sentido das negociações em favor do mundo em desenvolvimento. Entretanto,

Austrália e Tailândia demandaram esclarecimentos à OMC, a respeito dos

subsídios indianos, tema que constou da agenda da reunião do Comitê Agrícola da

OMC, em novembro de 2007.367

Diante da descrença geral no resultado dos trabalhos, a OMC realizou sua

última reunião do ano de 2007, quando o G-20 enviou três propostas, numa

tentativa de atingir um acordo em 2008. Nas propostas, o Grupo flexibilizava o

teto tarifário que os países poderiam aplicar à entrada de bens agrícolas nos seus

mercados. Enquanto anteriormente o G-20 se recusava a negociar algo além de

100%, por essa proposta o G-20 aceitava o teto de 150%. Naquele momento a

tarifa anterior já havia inclusive sido aceita pela UE.368

O G-20 buscava atrair para sua proposta o G-10, enquanto grupo dos

países mais protecionistas, que conta com Japão, Coreia do Sul e Suíça, e que

sempre se recusaram ao estabelecimento de qualquer teto tarifário. Nessa reunião

da OMC, entretanto, os EUA e a UE apresentaram propostas mais duras, não

facilitando a dinâmica das negociações. Em contrário, o Senado norte-americano

havia aprovado na segunda semana de dezembro uma lei agrícola que destinava

US$ 286 bilhões para a agricultura no quinquênio seguinte. O presidente dos EUA

ameaçava vetar essa lei, quando o G-20 se esforçava por fornecer condições para

que o mediador, Crawford Falconer, pudesse apresentar um texto até o começo de

março.369

                                                            367 Subsídio indiano mobiliza usineiros. Gazeta Mercantil, 07 dez. 2007. 368 MOREIRA, Assis. G-20 flexibiliza teto tarifário para atrair protecionistas. In: Valor Econômico, 17/12/2007. 369 Ibid.

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5.22

O fórum econômico mundial de Davos de 2008: crise econômica

internacional e a começo da polêmica em relação aos

biocombustíveis

As preocupações no Fórum Econômico de Davos incluíram a recessão

norte-americana e suas repercussões nos termos da tradução da desaceleração

econômica mundial em crescimento do protecionismo comercial. Nesse sentido, o

primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown insistia para que os países não

fechassem suas portas para o comércio e os investimentos, o que ajudaria a lidar

com a crise. Pascal Lamy endossou o argumento, afirmando que, diante de uma

crise, os riscos de protecionismo seriam maiores, sendo, por isso, aquela uma

ótima hora para que os negociadores celebrassem um acordo de liberalização

comercial370.

O Diretor Geral da OMC insistiano argumento de que à medida que parte

do crescimento mundial dependia das economias dos emergentes, elas teriam o

poder de expressar suas vantagens comparativas e sua capacidade de crescimento,

tornando oportuno satisfazer algumas das suas reivindicações, especialmente em

agricultura.371 Essa percepção correlacionava diretamente a crise com

oportunidades para os emergentes, pois a recessão na economia internacional

poderia levar os EUA e a UE a aceitarem a redução dos seus subsídios, caso

houvesse contrapartidas em indústria e serviços por parte do G-20.

Celso Amorin também fazia declarações de que a conclusão da Rodada

Doha seria um elemento importante na superação da recessão dos EUA. Esse era

o pano de fundo para as negociações em torno da retomada das negociações que

ocorreram nos bastidores do Fórum Econômico Mundial de 2008.

Naquela ocasião, os principais negociadores se reuniram com esse

propósito, tendo também por preocupação, as eleições norte-americanas, pois era

grande a apreensão de que, caso um acordo não fosse celebrado até as eleições de

                                                            370 OMC: crise nos EUA pode elevar barreiras comerciais. O Globo, 18 jan. 2008. 371 Ibid.

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novembro, a rodada poderia se arrastar por vários anos, diante da iniciativa de um

novo governo tentar imprimir sua marca no resultado da rodada.372

O economista britânico que cunhou o termo Brics,373 Jim O’Neill, tinha

posição divergente quanto ao potencial de um acordo ser capaz de atenuar a

ameaça de recessão na economia. Naquele momento, exatamente por conta da

crise, seria difícil obter a atenção necessária dos EUA para as negociações de

Doha (2001), pois o país estaria concentrado sobre problemas domésticos.

A sua percepção sobre o G-20 econômico, que reunia alguns dos principais

membros do Grupo dos Vinte na OMC, correspondia às aspirações do Grupo, que

na defesa da liberalização do comércio agrícola internacional, terminava

reclamando maior influência e voz no debate econômico multilateral.

[...] o G-20 está, de várias formas, tomando parte da importância que o G-7 tinha no passado. É muito decepcionante que uma burocracia herdada do passado torne a mudança tão lenta. Se olharmos para o mundo hoje, os Brics respondem por 15% do PIB mundial. É metade do tamanho dos Estados Unidos. A China está prestes a ultrapassar a Alemanha, em tamanho do PIB. É incrivelmente idiota que os Brics não sejam parte dos Fóruns multilaterais. Está muito claro para mim que os Brics, incluindo o Brasil, deveriam ser trazidos para o centro das decisões mundiais.374

Entretanto, grava-se na ocasião uma nova discussão sobre a alta das

commodities no mercado internacional que atribuía o incremento nesses preços ao

aumento da demanda, em grande parte originado nos países em desenvolvimento.

Nesse quadro, a polarização das opiniões se dava entre os que acusavam os

subsídios dos países desenvolvidos como responsáveis pela apreciação desses

preços e aqueles que atribuíam aos programas de produção de biocombustíveis

                                                            372BERLINCK, Deborah. Brasil deve aumentar pressão pelo fim dos subsídios agrícolas, diz Pascal Lamy. Segundo diretor-geral da OMC, setor relaxou devido a altos preços das commodities. O Globo, 26 jan. 2008. 373 Brics refere-se ao Brasil, Rússia, Índia e China, enquanto sigla criada pelo economista britânico Jim O’Neill, em relatório designado “Sonhando com os Brics: a trajetória até 2050”, produzido para a Goldman Sachs, em 2003. O principal argumento do documento era o de que, em 50 anos, esses países se situariam entre as maiores economias mundiais, atingindo em conjunto, um PIB de US$ 15,44 trilhões e um enorme contingente demográfico da ordem de 39% dos habitantes do planeta. 374 Jim O’Neill: “O Brasil é o melhor dos Brics”. Em meio à crise dos EUA, pai da sigla destaca confiança de investidores no país. O Globo, 03 fev. 2008.

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dos países em desenvolvimento, parcela substancial de culpa pela alta de custos

das commodities.375

Essa clivagem emergia nos debates do fórum entre membros

desenvolvidos e em desenvolvimento da OMC, desviando o foco das atenções da

rodada e ameaçando abastecer os países desenvolvidos de justificativas para

comprometer a bandeira de luta legítima do G-20, já associada ao combate à fome

e à conservação do meio-ambiente.

Ilustrativo dessa polêmica em torno dos biocombustíveis foi a

declaração376 do diretor do FMI, Strauss-Khan, à emissora televisiva francesa,

Europe 1: “[...] os biocombustíveis obtidos a partir de produtos agrícolas criaram

um verdadeiro problema moral. Nas revoltas da fome, o pior, infelizmente, talvez

ainda esteja por vir”.

No dia seguinte, na 30ª Conferência Regional da Organização das Nações

Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO, o chanceler brasileiro, Celso

Amorim rebatia a acusação, buscando trazer as negociações da rodada para o

centro do debate:

[...] o exemplo mais claro e nítido que existe de que esse discurso é equivocado é o Brasil. No Brasil, a produção de etanol aumentou com a produção de alimentos. Se o diretor-geral do FMI e o presidente do Banco Mundial querem dar uma recomendação que realmente melhore a produção de alimentos nesses países, deveriam dizer o seguinte: olha em vez de reduzir para US$ 14 bilhões os subsídios nos EUA, ou US$ 20 bilhões na Europa, reduz a zero...o que impediu o crescimento da produção de alimentos em países africanos, em países sul-americanos, foram os subsídios. Não foi o biocombustível. Quer dizer, na África, que me conste, não se deixou de produzir alimentos para se passar a produzir biocombustíveis. Não produziam alimentos e continuam sem produzir alimentos, porque os subsídios da Europa e dos Estados Unidos impedem que isso ocorra.377

O Brasil sustentava que, a partir do manejo correto, a produção de

alimentos poderia conviver sem problemas com os biocombustíveis. Essa posição

foi defendida à época pelo presidente brasileiro, em Gana, em 20 de abril de 2008,

para o discurso inaugural da 12ª Unctad, durante a qual defenderia a luta pela

produção dos biocombustíveis nos países em desenvolvimento. Naquele                                                             375 BERLINCK, Deborah. Brasil deve aumentar pressão pelo fim dos subsídios agrícolas, diz Pascal Lamy: Segundo diretor-geral da OMC, setor relaxou devido a altos preços das commodities. O Globo, 26 jan. 2008. 376 Em 18/04/2008. 377 OLIVEIRA; Eliane. Amorim rebate FMI por crítica a biocombustível: Strauss-Khan diz que a produção a partir de alimentos cria “problema moral”. Ministro cobra fim de subsídios. O Globo, 19 abr. 2008.

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momento, a alternativa de defesa do Brasil veio pela acusação da política norte-

americana pela crise nos setores de alimentos básicos, a partir da produção do

etanol de milho.378

No encontro, o Brasil buscava a adesão da África a dois objetivos: o fim

dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos e a defesa dos biocombustíveis.

Segundo o presidente Lula, essa luta representaria uma batalha comercial a ser

disputada em duas frentes: dentro da OMC, no que diz respeito à questão dos

subsídios agrícolas e fora dela, pelo aumento na demanda de consumo alimentar,

causada pela própria melhoria da situação econômica do mundo em

desenvolvimento.379

Naquele ponto, o chanceler brasileiro já previa perspectivas sombrias para

um acordo, pois se reuníra, na capital de Gana, com o secretário-geral da OMC,

Pascal Lamy, afirmando que considerava muito difícil um acordo caso as

negociações avançassem para o segundo semestre de 2008, devido á proximidade

das eleições norte-americanas nos EUA.380

Para Pascal Lamy, o problema da crise do aumento dos preços das

commodities residia no desajuste entre a oferta e a demanda. Nesse sentido, seria

necessário aumentar a produção e a linha de transmissão entre oferta e demanda é

o comércio. Apesar de o comércio internacional não ser suficiente para, por si só,

resolver a crise, uma das causas dessa incapacidade residia na baixa capacidade de

produção prevalecente nos países em desenvolvimento. Isso era consequência da

falta de investimentos no setor que não permitiu que esses países explorassem o

potencial inaproveitado das suas vantagens comparativas. Para que o quadro se

revertesse, seria necessário que as regras do comércio internacional fossem justas

e que não houvesse o impacto do protecionismo dos países desenvolvidos sobre o

mercado agrícola mundial. Os recursos para incrementar a produção nos países

em desenvolvimento poderiam vir, alternativamente, do Banco Mundial ou da

FAO.381

                                                            378 AGGEGE; Soraia. Lula culpa EUA por crise mundial de alimentos: Presidente diz a Bush que errou ao usar o milho para produzir etanol e defende o biocombustível brasileiro. O Globo, 20 abr. 2008. 379 Ibid. 380 Ibid. 381 BERLINCK, Deborah. Sob Pressão: Pascal Lamy alerta que restrição à exportação de produtos agrícolas pode agravar crise no setor – Diretor-Geral da OMC afirma que solução para alta de preços alimentícios passa pela abertura do comércio. O Globo, 11 maio. 2008.

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A perspectiva do Diretor Geral era a de que o comércio era parte do

problema da crise, assim como parte da sua solução. O que talvez seja indicativo

de que ele não mais acreditava numa solução a curto-prazo para a Rodada de

Doha da OMC consistisse na solução para a questão da crise agrícola com base

apenas nas iniciativas do mundo em desenvolvimento:

Se países em desenvolvimento precisam de apoio e subsídios para aumentar a capacidade de sua produção agrícola, a OMC permite isso. Os países em desenvolvimento têm amplo espaço dentro das regras do comércio para subsidiar em agricultura...as regras da OMC não impedem os países em desenvolvimento de aumentarem sua produção com subsídios à irrigação, por exemplo, ou pesquisa, treinamento, ou esquemas para melhorar capacidade...desde que respeitem as regras da OMC está bom para mim! O problema das negociações são os subsídios às exportações agrícolas e os subsídios domésticos. E quem está sob o foco dos holofotes? EUA, EU, Japão, Suíça, Noruega. Não é Índia, China, Brasil ou Senegal”... “Três quartos dos membros da OMC são países em desenvolvimento. Eles têm lutado muito nos últimos vinte anos para assegurar que as regras que são aplicadas para carros, sapatos, pneus, podem ser de alguma forma aplicáveis à agricultura. Francamente, dado o peso dos países em desenvolvimento, não vejo como mudar isso.382

5.22.1

O encontro dos BRICs

A polêmica em relação aos biocombustíveis prosseguia com repercussões

sobre o G-20 e sua bandeira de luta política, quando simultaneamente ao encontro

dos BRICs, a UE se reunia para discutir a reforma da política agrícola do bloco

que deveria ser implantada até 2012, com grande potencial de beneficiar

produtores de biodiesel brasileiros.

As expectativas eram tão grandes, que a União da Indústria Açucareira -

uma das maiores produtoras de etanol no Brasil- instalara escritório em Bruxelas

para acompanhar as negociações entre os 27 Estados membros. Naquele

momento, entretanto, a polêmica dos biocombustíveis chegara às Nações Unidas.

O novo relator da ONU para o Direito à Alimentação, Oliver de Schutter,

denunciava a produção de biocombustíveis como responsável por 30% da crise de

aumento dos preços das commodities, na reunião do Conselho de Direitos

                                                            382 Ibid.

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Humanos da ONU, de meados de maio,383 propondo o congelamento de novos

investimentos no setor e recomendando que a UE cancelasse a meta de inclusão

de 10% de etanol à gasolina até 2020.384

Essa polêmica terminou por dominar o primeiro encontro formal dos

BRICs, na Rússia, em meados de maio de 2008. A partir desse encontro, surgia

uma clivagem pronunciada entre a defesa dos biocombustíveis, que consistiam na

bandeira do G-20 e resultava no ataque aos subsídios do mundo desenvolvido.

Essa clivagem na defesa da bandeira do G-20 resultou no relatório final do

encontro trazendo expressamente o compromisso daqueles países com os

biocombustíveis.385 Em comunicado, divulgado em Genebra, em 20/07/2008, após

a reunião, eles reafirmariam que o centro das negociações da rodada era a

agricultura e não produtos industriais.

Nesse encontro, os ânimos dos negociadores estavam desgastados pelo

longo período de negociações que não se aproximavam de um acordo. O

representante do G-20, Celso Amorin, acusou os países desenvolvidos de

articularem uma campanha de desinformação sobre as negociações da OMC ao

atribuírem ao G-20 a responsabilidade pelas dificuldades de celebração de um

acordo que concluísse a Rodada. Para formular sua acusação, o representante

brasileiro aludiu ao chefe da propaganda nazista, Joseph Goebels e seu axioma de

que “uma mentira repetida mil vezes acaba se tornando verdade”. Esse

pronunciamento foi capitalizado como estratégia para desqualificar o Brasil, às

vésperas de reunião importante, em 21 de julho na sede da OMC, em Genebra.

Nesse sentido, os EUA procederam mediante pronunciamento do porta-

voz da negociadora norte-americana, Susan Schwab, Sean Spicer, que declarou ao

jornal francês Le Monde, que: “no momento em que tentamos encontrar um

resultado favorável para as negociações, esse tipo de comentário é muito mal

recebido”, invocando a história pessoal da representante dos EUA, enquanto

descendente de vítimas do nazismo.386

                                                            383 MAGALHÃES-RUETHER; Graça. Reforma agrícola da EU beneficia exportações de óleo e carne do Brasil: Ministros dos 27 países do bloco se reúnem hoje para debater proposta. O Globo, 25 mai. 2008. 384 Ibid. 385 OSWALD; Vivian. Emergentes culpam ricos por crise de alimentos: Em reunião do Bric, Brasil e Índia atribuem inflação a subsídios à produção de grãos. China critica especuladores. O Globo, 17 maio 2008. 386 BERLINCK; Deborah. Propaganda negativa: Analogia de Amorim sobre tática nazista de ricos vira arma contra o Brasil na OMC. O Globo, 21 jul. 2008.

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5.23

O racha no G-20 nos encontros na sede da OMC de julho de 2008

As apreensões quanto à fragmentação do G-20 não abandonavam o Grupo.

Em 20 de julho, o Paraguai e o Uruguai acusavam a articulação da China, da

Índia, da Indonésia e de outros países em desenvolvimento em torno de um

mecanismo que possibilitaria estancar um rápido aumento de importações

agrícolas. Apesar de Brasil e Argentina, enquanto grandes exportadores do

Mercosul priorizarem o foco sobre as distorções ao comércio provocadas pelos

subsídios europeus e norte-americanos, quaisquer divergências no interior da

coalizão só deveriam ser resolvidas depois daquela etapa fundamental das

negociações.387

Nesse encontro, o foco passaria a se concentrar sobre subsídios e tarifas,

tema cuja ênfase recaía sobre os subsídios dos EUA aos seus agricultores. A

proposta do mediador norte-americano, Crawford Falconer, consistia numa

redução dos subsídios do seu país, para uma variação entre US$ 13 a 16,4 bilhões

por ano. Entretanto, a posição defendida por muitos países em desenvolvimento

era a de US$ 7 bilhões, nível praticado efetivamente pelos EUA, ao que este país

não concordava. Para a UE, a principal questão se referia ao corte de tarifas

agrícolas, que o G-20 defendia na ordem de 54%. Isso causava forte resistência da

UE, que não abria mão de controlar a abertura do seu mercado, mediante cotas de

importação de uma série de produtos, como carne, açúcar e tabaco. Por outro lado,

os países desenvolvidos exigiam que os países em desenvolvimento do G-20

abrissem seus mercados em indústria.388

Diante da manutenção desse quadro, a inflexibilidade foi a tônica do

encontro. Do lado do G-20, o representante brasileiro afirmou que a reunião havia

sido inútil, pois não houvera avanços ou ideias novas. Da parte da UE, houve

decepção com as negociações, pois o comissário de comércio Peter Mandelson

havia afirmado que os europeus iriam avançar até um corte de 60% das suas

tarifas, pela manhã. Mais tarde, entretanto, os europeus desautorizavam esse

prognóstico, enfatizaram que não houve avanços e que o número de 60% se

referia à inclusão de produtos tropicais com redução de tarifas já confirmada

                                                            387 Ibid. 388 Ibid.

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anteriormente.389 A Europa assinalava que não iria progredir para além daquele

ponto.390

Os EUA chegaram a reduzir em US$ 2 bilhões o nível de subsídios, em

relação a sua proposta anterior, mas a oferta de US$ 15 bilhões ficou muito acima

do nível efetivamente praticado em 2007, de US$ 8 bilhões, sendo rechaçada pela

grande maioria dos países em desenvolvimento, incluindo China, Brasil e Índia.

Para o G-20, esse número deveria ficar em US$ 13 bilhões. Entretanto, mesmo

essa proposta não seria ofertada sem a contrapartida de maior abertura dos

mercados emergentes aos produtos industriais e serviços.391

Os EUA acenariam com mais uma oferta para tentar convencer o G-20 a

aumentar o teor das suas propostas. Em 23 de julho, os norte-americanos

colocaram sobre a mesa de negociação a proposta de limitar o seu apoio interno,

sob a forma de subsídios por produto, o que equivaleria a acabar com a

concentração do seu apoio doméstico em commodities como algodão, arroz, soja e

milho, produtos que afetam as exportações brasileiras, por apresentarem um

impacto sobre os preços internacionais desses produtos, assim como aumentarem

a participação dos EUA no mercado mundial. O acordo anterior celebrado na

Rodada Uruguai permitia que os EUA subsidiassem um só produto em até US$

19,1 bilhões. A proposta dos EUA foi de restringir esse número a US$ 7,6 bilhões,

além de especificar tetos específicos por produto.392

Na mesma data, o ministro do comércio indiano Kamal Nath se reuniu

com o chanceler brasileiro. Entretanto, as divergências com a Índia nessa fase se

concentravam na discordância do Brasil quanto à defesa indiana de medidas

especiais de salvaguardas, que permitiriam ao país se proteger de grandes

aumentos de importações de certas commodities, por flutuações de preços no

mercado internacional. Na reunião, o Brasil resistia à medida, deixando claro que

                                                            389 BERLINCK; Deborah. Para Amorim, reunião foi totalmente inútil: Europa diz ter chegado ao limite de suas ofertas, mas proposta de reduzir tarifas agrícolas em até 60% não muda nada. O

Globo, 22 jul. 2008. 390 Ibid. 391 BERLINCK; Deborah. EUA propõem limitar subsídios a US$ 15 bi: Em 2007, apoio a produtos foi metade disso. Para Amorim, oferta é insuficiente para concluir Doha. O Globo, 23 jul. 2008. 392 BERLINCK, Deborah; Góis, Chico. OMC: EUA aceitam limitar subsídio por produto. Proposta favorece Brasil, pois apoio não será concentrado em um só item, como soja. Lula critica países ricos. O Globo, 24 jul. 2008.

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na sua concepção tratava-se de um retrocesso nos ganhos de liberalização

comercial.393

No quinto dia da reunião, o Diretor-Geral da OMC apresentou uma nova

proposta que contemplava a redução do teto dos subsídios dos EUA, para US$

14,5 bilhões, assim como a redução do nível de exclusão do acordo de

liberalização comercial dos produtos para exportação de cada país, de 14 para

12%. O Brasil foi um dos primeiros países a aceitarem o texto, enquanto o

representante da UE, Peter Mandelson, identificou a iniciativa como um incentivo

valioso para a economia mundial. Entretanto, Índia, Argentina, África do Sul e a

representante comercial norte-americana, Susan Schwab, não se mostraram

convencidos.394

Essa adesão brasileira à proposta teve por efeito afastar o Brasil de dois

aliados fundamentais, a Índia e a Argentina. Além da recusa dos parceiros do

Brasil quanto ao teto norte-americano para os subsídios, o Brasil divergia dos

parceiros por apoiar a proposta de corte médio nas tarifas industriais de 54%,

enquanto a Argentina afirmava que isso quebraria sua indústria. A proposta de

Pascal Lamy aprovada pelo Brasil reservava ao Mercosul a possibilidade de

proteger, mediante corte tarifário menor, 14% da sua indústria, enquanto a

Argentina exigia um mínimo de 16%.

Diante do crescimento das divergências entre os parceiros do G-20, o

presidente Lula interpretava o resultado das negociações de Lisboa, em

26/07/2008: “O Brasil não quebrou solidariedade nenhuma. Participamos do G-20,

queremos que o acordo seja de interesse do G-20, mas vocês hão de convir que

dentro do G-20 temos assimetrias e disparidades enormes entre os países. Os

interesses dos países não são os mesmos, embora nós precisemos encontrar um

denominador comum”.395

As críticas ao Brasil se somaram, provenientes, de um lado, da Argentina e

do Mercosul e, do outro, dos seus parceiros do G-20, que se sentiram

abandonados. Ao aceitar a proposta sem discuti-la antes com seus parceiros nas

negociações, o Brasil acabou provocando um racha no G-20. Ao ser questionado a

respeito do tema, o ministro Celso Amorim justificou o rompimento da sua

                                                            393 Ibid. 394 Aumentam as chances de um acordo na OMC. O Globo, 26 jul. 2008. 395 BERLINCK; Deborah. Proposta da OMC provoca racha no Mercosul. O Globo, 27 jul. 2008.

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aliança com alguns dos seus principais parceiros, afirmando que a criação de um

grupo de países emergentes não era “um fim em si mesmo. O objetivo é a

conclusão da Rodada Doha”, assinalando uma mudança de perspectiva que

refletia o quase abandono do Grupo, pelo seu principal representante.396

As salvaguardas, reclamadas como proteção indispensável, pela Índia e

pela Indonésia, não figuravam na proposta aprovada pelo Brasil. Ao ser

questionado sobre a coesão do G-20, o ministro do comércio indiano, Kamal

Nath, devolveu a pergunta, afirmando que ela deveria ser feita ao chanceler

brasileiro. A posição da Índia era que a proposta deveria ser totalmente

reformulada, de modo a contemplar as salvaguardas. O chanceler brasileiro

passou a devolver as críticas do representante indiano, afirmando sobre a questão

das salvaguardas que o G-20 jamais atingiu um acordo sobre essa questão.

“Essa era uma de nossas limitações e sabíamos disso. Na verdade, jamais haverá um acordo entre nós sobre esse ponto. Temos posições antagônicas”. No entanto, a despeito de admitir a possível extinção da aliança, e enquanto ela se desfazia, o ministro brasileiro buscava um tom conciliador: “Não acho que a aliança precisa acabar por causa de apenas um ponto. A unidade será importante para continuar negociando”.397

O desafio colocado para o G-20 era a descoberta de uma nova base de

articulação entre os parceiros, que tornaria possível superar o descrédito

acumulado pelo abandono do grupo por um dos seus principais representantes às

negociações.

Quanto mais se tendo em conta a oportunidade que o racha no G-20 abriu

para os países desenvolvidos endurecerem sua posição, pressionando o mundo em

desenvolvimento por mais concessões, naquele momento quando sua força dava

mostras da fragilidade dos interesses em que se assentava sua coesão enquanto

grupo. Assim, a França e Itália anunciaram que estariam apreensivas em relação à

proposta de Pascal Lamy, insinuando que, caso não houvesse maiores concessões,

elas poderiam bloquear o processo de negociação. O gabinete do primeiro

ministro italiano divulgou naquela data comunicado no qual acentuava sua coesão

com o presidente francês, Nicolas Sarkozy: “O presidente da França, Nicolas

Sarkozy, compartilha a profunda preocupação expressada pelo primeiro-ministro

                                                            396 Ibid. 397 CHADE; Jamil. Doha abre nova crise no Mercosul. O Estado de São Paulo, 27 jul. 2008.

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italiano, Silvio Berlusconi, sobre o texto de compromisso que está sendo discutido

em Genebra”.398

No mesmo dia, acentuavam-se os esforços do representante e comissário

de comércio europeu, Peter Mandelson, que se reunira com os 27 membros da

Comissão Europeia, para tentar convencê-los a autorizá-lo a prosseguir nas

negociações. No entanto, apesar de haver obtido a concessão, a França, enquanto

presidente da UE afirmava que bloquearia o acordo, caso este se mantivesse da

forma como se encontrava. A França reagia à fraqueza do G-20, demandando

maiores concessões em serviços dos países em desenvolvimento. Segundo a

secretária de comércio da França, Anne-Marie Idrac, o acordo não garantiria

acesso suficiente aos mercados emergentes.399

Outra grande divergência que minava a coesão do G-20 era a China, que

anunciava que não concordava com a abertura do mercado em três commodities:

açúcar, algodão e arroz. O racha no G-20 se tornava cada vez mais evidente, pois

vários grupos reunindo países mais pobres que constavam como membros da

coalizão, da Ásia, África e do Caribe, divulgaram documento em separado,

questionando a proposta do Diretor-Geral da OMC.

A Índia deu seu apoio a esse documento, quando o ministro Kamal Nath se

utilizou do texto para ilustrar que o seu país não estava isolado na recusa da

proposta aceita pelo Brasil. Esse documento, subscrito por mais de 100 países,

defendia a adoção de salvaguardas especiais para a agricultura, contrapondo-se à

proposta oficial da OMC, que estabelecia um surto de importações, a partir do

momento em que o influxo exceda 40% da média das importações do último

triênio. O documento exigia que esse teto fosse de 10%.400

Na noite de 28/07/2008, quando a China401 aderiu à Índia e ao bloco de

países que rejeitavam a proposta oficial do diretor-geral da OMC, as negociações

se aproximavam do colapso, onde acusações recíprocas entre alguns dos

principais negociadores da Rodada opunham EUA, China e Índia. A tensão que

crescia durante as negociações levou o porta-voz da OMC, Keith Rockwell a

anunciar: “A situação está muito tensa, o resultado é incerto”.                                                             398 CHADE; Jamil. Racha entre os emergentes leva europeus a pedir mais. O Estado de São

Paulo, 27 jul. 2008 399 Ibid. 400 BERLINCK, Deborah. Incerteza e divisão entre emergentes marcam negociações finais na OMC. O Globo, 28 jul. 2008. 401 Romper as amarras. O Globo, 29 jul. 2008.

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O temor do fracasso pairava sobre os negociadores, que encerraram a

reunião às duas horas da madrugada do dia 29/07/2008. Temor que se relacionava

ao impacto do fracasso das negociações sobre não apenas a liberalização

comercial, mas também relacionado ao status da OMC. Nessa reunião, o Brasil e

Austrália ainda tentaram articular um acordo entre a Índia, a China e os EUA, mas

não foram bem sucedidos. Nesse ínterim, Pascal Lamy se reunia com, Brasil,

Índia, China, EUA, UE, Austrália e Japão, individualmente, tentando costurar um

acordo que salvasse a rodada, diante da divisão entre aqueles que aceitaram a sua

proposta de negociação: Brasil, Austrália, EUA e EU versus os seus opositores:

Índia, China e Japão. Como não houve avanços, os EUA responsabilizavam a

China e a Índia por causarem o fracasso da rodada.402

As negociações entravam em colapso por conta da agricultura,

especificamente as salvaguardas especiais para os países em desenvolvimento

trouxeram à tona divergências de interesses entre os membros do G-20 que

sempre foram inconciliáveis. A proposta do Diretor-Geral, que passou a consistir

na base das negociações, aceitava criar salvaguardas para agricultura. Entretanto,

apesar de o Brasil ser contrário à elas, consentiu em aceitá-las, para preservar a

coesão do G-20.

Quando a discussão se encaminhava para a especificação dos critérios

adotados para a sua adoção, tornara-se impossível qualquer acordo. China e Índia

insistiam que precisavam defender milhões de pequenos agricultores pobres, cuja

exposição a surtos de importação seria fatal. Neste sentido, esses países não

admitiam negociar nada acima do porcentual de 10% acima do volume médio de

comércio do último triênio, como ponto de início de aplicação das salvaguardas.

Esse número não poderia jamais se aproximar do porcentual de 40%, do qual os

EUA não abriam mão e que constavam na proposta oficial.403Em 29/07/2008, as

negociações em Genebra fracassam definitivamente, diante do impasse entre a

Índia e os EUA. A percepção do chanceler brasileiro é ilustrativa das repercussões

daquela data: “Estou muito decepcionado. Havia dito que as negociações estavam

por um fio e o fio arrebentou... É incrível que tenhamos fracassado por causa de

                                                            402 BERLINCK; Deborah. Por um Fio: Discussões em Genebra entraram pela madrugada e serão retomadas ainda hoje. O Globo, 29 jul. 2008. 403 Ibid.

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apenas uma questão. Se eu fosse o treinador, teria substituído os jogadores”.404

Dois dias depois, o chanceler brasileiro afirmaria que o clima político propício

para a conclusão das negociações teria de ser ressuscitado, se as negociações

tivessem de contar com qualquer possibilidade de êxito: “Deus queira que não

seja preciso outro 11 de Setembro... De repente, uma crise alimentar mais forte

pode até... Nós não desejamos isso”. 405

                                                            404 BERLINCK; Deborah. O Fio Arrebentou: Índia, e EUA não chegam a acordo sobre abertura comercial. Brasil perde com imapsse em Doha. O Globo, 30 jul. 2008. 405 BERLINCK; Deborah. Fiasco em Genebra: “Que não seja preciso outro 11/9”. O Globo, 31 jul. 2008.

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