46-as origens da quadrilha de vinhais

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 336 permitia que mais animais escavassem em simultâneo, ao contrário do que se sucedera no interior do túnel em que o local de trabalho era tão estreito que os animais só se podiam revezar de tempos a tempos, o que aumentava o ritmo de trabalho. Os efeitos da aplicação do método fizeram-se sentir rapidamente: até à conclusão do túnel, no final desse dia, os animais fariam 45 metros de via por hora, em vez dos 40 cm que em média fizeram até aí. A chegada do Dia 11 trouxera pela primeira vez a luz do dia à Quinta da Confusão após o regresso dos donos, vindos de uma estadia de 4 dias em Madrid, permitindo-lhes ver com clareza as construções da quinta que desde a sua fundação em 1953 pertencia à família Gomes. Os dois filhos da família, Afonso e Aníbal Gomes, decidiram ir explorar a quinta quando acordaram, embrenhando-se no ambiente frio e levemente enevoado que envolvia a Quinta da Confusão. Estes acabaram por parar na margem da Ribeira da Confusão, junto aos quartéis do Exército e da Marinha, onde também já estava o cavalo 3, Comandante Supremo do Exército da Quinta da Confusão. Enquanto os seus soldados trabalhavam para se sustentarem, o seu comandante observava a capital do império a partir da margem da Ribeira da Confusão, envergando o peitoral pintado a carvão que ostentava as palavras «Comandante Supremo». Este começara a falar com os donos quando estes alcançaram o curso de água, e acabara por lhes explicar o que acontecera na Quinta da Confusão durante a sua ausência. Todavia, a explicação nunca seria concluída. De súbito, surgiu um navio a grande velocidade, a sul, algo estranho atendendo ao facto de que nunca navios a vapor tinham navegado na Ribeira da Confusão. O próprio cavalo 3, ao ver a embarcação, comentou «Mas… Eles vão bater na ponte [sobre a Ribeira da Confusão]. A ponte é muito baixa, não vão conseguir passar». No entanto, o navio continuou a avançar velozmente pela ribeira. E o inevitável aconteceu: este embateu a 60 km\h na ponte de ferro de 2 metros de altura que cruzava a ribeira, destruindo a cabina e atirando a chaminé para a água. Os animais a bordo tinham tentado antes evitar a colisão subindo para terra, mas a manobra só fizera pior: o lado esquerdo do navio embateu no fundo da ponte em arco, arrancando parte do casco de ferro. Os tripulantes da embarcação salvaram-se de embaterem também eles na ponte ao entrarem rapidamente no porão. O navio ficou bastante danificado em consequência do embate: a cabina fora destruída e os destroços arremessados à água; a chaminé simplesmente soltara-se; metade do tecto do porão desaparecera, deixando ver tubos que levavam o vapor e o fumo para a chaminé principal com fugas devido aos danos; e metade da parede esquerda do casco fora arrancada pela ponte como um abre-latas abre uma lata, deixando entrar água. A embarcação fora literalmente transformada numa banheira flutuante, incontrolável (porque os comandos ficavam na cabina destruída) mas ao mesmo tempo veloz.

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 336 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 337 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 338 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 339 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 340 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 341

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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permitia que mais animais escavassem em simultâneo, ao contrário do que se sucedera no interior do túnel em que o local de trabalho era tão estreito que os animais só se podiam revezar de tempos a tempos, o que aumentava o ritmo de trabalho. Os efeitos da aplicação do método fizeram-se sentir rapidamente: até à conclusão do túnel, no final desse dia, os animais fariam 45 metros de via por hora, em vez dos 40 cm que em média fizeram até aí.

A chegada do Dia 11 trouxera pela primeira vez a luz do dia à Quinta da Confusão após o regresso dos donos, vindos de uma estadia de 4 dias em Madrid, permitindo-lhes ver com clareza as construções da quinta que desde a sua fundação em 1953 pertencia à família Gomes. Os dois filhos da família, Afonso e Aníbal Gomes, decidiram ir explorar a quinta quando acordaram, embrenhando-se no ambiente frio e levemente enevoado que envolvia a Quinta da Confusão. Estes acabaram por parar na margem da Ribeira da Confusão, junto aos quartéis do Exército e da Marinha, onde também já estava o cavalo 3, Comandante Supremo do Exército da Quinta da Confusão. Enquanto os seus soldados trabalhavam para se sustentarem, o seu comandante observava a capital do império a partir da margem da Ribeira da Confusão, envergando o peitoral pintado a carvão que ostentava as palavras «Comandante Supremo». Este começara a falar com os donos quando estes alcançaram o curso de água, e acabara por lhes explicar o que acontecera na Quinta da Confusão durante a sua ausência. Todavia, a explicação nunca seria concluída. De súbito, surgiu um navio a grande velocidade, a sul, algo estranho atendendo ao facto de que nunca navios a vapor tinham navegado na Ribeira da Confusão. O próprio cavalo 3, ao ver a embarcação, comentou «Mas… Eles vão bater na ponte [sobre a Ribeira da Confusão]. A ponte é muito baixa, não vão conseguir passar». No entanto, o navio continuou a avançar velozmente pela ribeira. E o inevitável aconteceu: este embateu a 60 km\h na ponte de ferro de 2 metros de altura que cruzava a ribeira, destruindo a cabina e atirando a chaminé para a água. Os animais a bordo tinham tentado antes evitar a colisão subindo para terra, mas a manobra só fizera pior: o lado esquerdo do navio embateu no fundo da ponte em arco, arrancando parte do casco de ferro. Os tripulantes da embarcação salvaram-se de embaterem também eles na ponte ao entrarem rapidamente no porão. O navio ficou bastante danificado em consequência do embate: a cabina fora destruída e os destroços arremessados à água; a chaminé simplesmente soltara-se; metade do tecto do porão desaparecera, deixando ver tubos que levavam o vapor e o fumo para a chaminé principal com fugas devido aos danos; e metade da parede esquerda do casco fora arrancada pela ponte como um abre-latas abre uma lata, deixando entrar água. A embarcação fora literalmente transformada numa banheira flutuante, incontrolável (porque os comandos ficavam na cabina destruída) mas ao mesmo tempo veloz.

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Logo a seguir ao embate, os donos ouviram um dos animais a bordo do navio danificado dizer «Bolas, assim isto não vai servir para o Grupo de Vinhais, pelo rio já não poderemos atacar». Foi o que bastou para dizerem a última coisa que o cavalo 3 esperava ouvir: «A Quadrilha de Vinhais está aqui na Quinta da Confusão? Ó diabo, vai haver pancada de meia-noite se os rumores estão correctos». Sendo o Comandante Supremo do Exército do império, bastou ao cavalo 3 ouvir as palavras «quadrilha», «pancada» e «Quinta da Confusão» nas mesmas frases para querer saber mais. Os donos então, com base nas notícias que tinham ouvido sobre o assunto e nas informações de amigos e familiares, contaram então a história da Quadrilha de Vinhais ao cavalo 3. Havia pormenores que só os membros da quadrilha sabiam, mas o essencial era conhecido pelos Gomes. Tudo começara na tarde do dia 1 de Janeiro, num pequeno terreno agrícola alguns km a noroeste de Vinhais, uma capital de concelho no noroeste do distrito de Bragança. Nesse terreno agrícola viviam, até 2009, 20 animais aos quais era afeiçoado o dono do terreno, um milionário dono de uma pequena cadeia de hotéis de luxo com sucesso em Lisboa e Madrid. Este costumava usufruir dos serviços dos seus hotéis e mesmo de outros estabelecimentos hoteleiros e de termas, experiências essas que eram contadas ao pormenor aos 20 animais do seu terreno agrícola no regresso. Assim, a 1 de Janeiro de 2009, os animais tinham anos de vida passados a ouvir histórias de estadias em hotéis de 5 estrelas e em boas termas. Quando os animais de dezenas de quintas e centenas de terrenos agrícolas em todo o mundo se tornaram racionais os 20 animais do terreno a noroeste de Vinhais não foram excepção. Enquanto que na Quinta da Confusão os animais faziam o Conselho da Quinta da Confusão e se defrontavam com os donos e com os funcionários na I Guerra dos Animais, os animais do terreno agrícola decidiram pedir dinheiro ao dono do terreno para poderem também ir a hotéis e termas. Assim, a meio da tarde, deixaram a construção onde eram alojados (em bom estado e com condições, ao contrário das estruturas da Quinta da Confusão do Dia 1) e dirigiram-se à casa do dono, junto dali. Este era solteiro, vivendo sozinho no terreno. Três empregados leais, amigos de longa data, ajudavam o milionário com o terreno e com os animais, mas como era o dia de Ano Novo estes só lá iriam no dia 2.

Confrontado com o pedido de pagar estadias em hotéis caros a 20 animais, o milionário recusou entregar o dinheiro alegando que o preço das estadias somado daria uma soma muito elevada. Dez dos animais aceitaram logo o veredicto, desculpando-se até. Os restantes 10, porém, continuaram a insistir. O diálogo, até então pacífico, logo descambou para as exigências, e depois para as ameaças. Já irritado, o dono do terreno tirou então uma pistola da cintura e apontou-a aos 10 animais que pretendiam o dinheiro a todo o custo, ordenando-lhes que deixassem a sua propriedade, sendo prontamente apoiado pelos restantes 10 animais do terreno. Então, um dos

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animais do primeiro grupo avançou para o dono e tentou tirar-lhe a arma, ao que este ofereceu grande resistência. Após alguns segundos, ouviu-se um disparo. O milionário sentiu uma forte dor no peito, e quando olhou para o casaco viu nele um buraco de bala. O animal que o defrontara premira acidentalmente o gatilho da arma ao tentar tirá-la ao dono, alojando-lhe fatalmente uma bala no pulmão esquerdo. O milionário só teve tempo de dizer as suas últimas palavras, «Se eu soubesse que tinha aqui esta gente…», e logo caiu morto no chão da sala de estar da sua casa, morto pela sua própria arma. Seguiram-se alguns segundos de silêncio, em que os 20 animais olharam para o cadáver do seu antigo dono. Depois, cada facção olhou para a outra. O animal que matara o milionário logo disse «O dono está morto, vamos buscar o dinheiro que não lha fará mais falta». Todavia, os 10 animais que apoiavam o dono bloquearam o caminho dos que queriam o dinheiro, exclamando «Só levarão o dinheiro por cima do nosso cadáver!». A luta foi inevitável: primeiro ao murro e ao pontapé, depois com quaisquer instrumentos que se encontrassem pela sala, desde livros grossos a vasos. Ao fim de alguns minutos sem que nenhuma facção saísse vencedora, o assassino do dono do terreno lembrou-se de usar a pistola que lhe tirara a vida para por sua vez abater os adversários, e os animais da sua facção logo fizeram o combate evoluir para uma luta armada, com facas e pistolas. Ao contrário dos Gomes, o milionário só tinha uma arma em casa, que rapidamente ficou sem balas. Sem saberem como a recarregar, a facção que queria o dinheiro continuou a luta com facas. A facção apoiante do dono tentou por sua vez ripostar de forma igual, mas era tarde: dez minutos depois do homicídio do milionário, o último animal da facção que o apoiava foi morto, enquanto que 5 animais da outra facção ainda estavam vivos. Surgia a Quadrilha de Vinhais.

Liderados pelo animal que matara a tiro o milionário, os sobreviventes do confronto revistaram a casa e o cadáver do seu ex-dono em busca de dinheiro, acabando por encontrar alguns milhares de euros e ainda ouro e jóias, que sabiam ser valiosos pelos relatos do milionário. O dinheiro, no entanto, apenas chegava para poucos dias de estadia num hotel de 5 estrelas para os cinco, insuficientes para a ambição do grupo. Assim, ao cair da noite, a Quadrilha de Vinhais abandonou a casa do milionário, carregando o dinheiro, o ouro e as jóias em sacos de plástico, para seguirem em busca de outros terrenos agrícolas para assaltar. Os seus 5 membros sabiam que os 3 empregados do terreno só viriam no dia seguinte, logo podiam fugir tranquilamente sem que alguém soubesse do seu crime. Após algumas horas de marcha pelo campo, sem pressas, a Quadrilha de Vinhais alcançou um outro terreno agrícola, igualmente a noroeste de Vinhais. Neste viviam 20 animais que se tinham também tornado racionais, mas as suas condições de vida eram semelhantes aos dos animais da Quinta da Confusão na altura. Por isso, andavam a recolher erva pelo terreno para terem o que comer

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quando fugissem. Os 5 membros da Quadrilha de Vinhais inteiraram-se da situação desses animais, e não lhes foi difícil convencê-los a juntarem-se à quadrilha na sua busca por dinheiro e objectos de valor, para que os seus membros pudessem passar meses e anos em hotéis de luxo e termas. Foi nessa altura que os animais usaram pela primeira vez o termo «Quadrilha de Vinhais» para designarem o seu grupo. Para evitarem conflitos com os novos membros, os 5 fundadores da quadrilha propuseram o roubo de somente uma parte do dinheiro dos donos do terreno, um casal de 40 anos de idade, e às escondidas destes. A táctica começou por resultar pois os donos, sentados na sala a verem televisão, não deram pela entrada dos 25 animais por uma janela aberta da casa e pelo seu avanço pelas diferentes divisões da moradia, à excepção da sala. Todavia, tudo mudou quando o casal, achando que era já tarde, decidiu ir-se deitar. Mal este alcançou o seu quarto, o par deparou-se com 3 animais na divisão, a abrir gavetas e a espreitar atrás de móveis. Este reagiu muito mal, gritando para os invasores «Ladrões!» e atacando-os com o primeiro objecto que agarraram. Movidos pelas más condições de vida que tinham tido durante anos à conta dos donos, e incitados pelos 5 membros iniciais da Quadrilha de Vinhais, os 20 animais do terreno partiram ao ataque.

Ao contrário do terreno agrícola onde fora fundada a Quadrilha de Vinhais, onde haviam 10 animais a combater outros 10 animais, naquele terreno eram somente 2 contra 25, uma proporção esmagadora de 12 para 1. O casal cedo fugiu para a cozinha, obtendo facas que tiraram a vida a 4 animais, mas a arma mais potente da casa, uma espingarda pendurada em cima da lareira da sala como decoração, foi usada pela Quadrilha de Vinhais. Quando a multidão que combatia o casal se tornou numerosa, estes tentaram alcançar a arma da sala numa tentativa de se salvarem. Todavia, foi tarde: quando chegaram à divisão, viram a arma na posse de um dos seus animais, apontada a eles. De imediato, a esposa arremessou uma faca na direcção do atirador, atingindo-o fatalmente no pescoço. Outro animal, no entanto, prontamente pegou na espingarda e matou o casal a tiro. O líder da quadrilha, ao ver alguns dos animais do grupo com uma expressão que demonstrava tristeza, tentou justificar o acto dizendo «Se não os matássemos, eles matar-nos-iam a nós. Assim, também não nos denunciarão às autoridades». A Quadrilha de Vinhais, agora com 20 membros, vasculhou então a casa em busca de dinheiro e objectos de valor, abandonando-a em seguida. Naquele terreno não trabalhava nenhum empregado, logo em princípio não apareceria ali ninguém nos dias seguintes. Deixando atrás de si um negro e violento rasto de sangue que tirara a vida a 3 pessoas e 10 animais, para além dos membros da quadrilha mortos, os animais passaram a noite numa zona arborizada, onde não vivia ninguém. Na manhã seguinte, os seus crimes seriam descobertos. Os empregados do milionário morto e um familiar do casal assassinado foram

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aos terrenos em questão, logo descobrindo os mortos. As autoridades foram de imediato chamadas, tendo o caso sido entregue à Polícia Judiciária. A magnitude dos crimes levou a que estes fossem notícia de abertura nos noticiários de estações de televisão e rádio dessa tarde, sendo neles chamados de «Homicídios do Ano Novo». Enquanto isso, a Quadrilha de Vinhais tornou-se mais numerosa com a entrada de novos membros, que até à noite de 2 de Janeiro a fizeram atingir os 50 animais. Os novos membros, no entanto, desconheciam os verdadeiros propósitos da Quadrilha de Vinhais, e a sua própria história. Para estes, a Quadrilha de Vinhais era simplesmente o «Grupo de Vinhais», tendo vindo de um terreno agrícola ali perto. Este dizia querer recolher dinheiro dos ricos para o distribuir aos mais carenciados, o que infelizmente era totalmente falso.

Na noite de 2 de Janeiro, enquanto a maioria dos animais da Quinta da Confusão dormia no Mercado do Bolhão e no Matadouro do Porto, a Quadrilha de Vinhais alcançou a capital do concelho onde surgira: a vila de Vinhais. Os membros mais antigos da quadrilha, a par de todas as informações sobre esta, perceberam que em Vinhais podiam conseguir somas imensas de dinheiro, e para levarem para o ataque os membros mais recentes inventaram que tinham uma lista de moradas de pessoas ricas onde podiam obter dinheiro, dada pelo dono do seu terreno, para posteriormente o entregarem aos que precisavam dele. Estes acreditaram, e assim os 50 animais dirigiram-se para Vinhais. Os que iam à frente eram os membros da Quadrilha de Vinhais mais recentes, que acreditavam estar a ajudar numa causa na verdade fictícia. Quando a vila foi alcançada estes começaram a perguntar aos restantes membros da quadrilha onde ficavam as casas da sua lista, e estes indicaram moradias ao acaso fingido que faziam parte desta. Levando-os para janelas nas traseiras, alegando que segundo o dono do seu terreno os habitantes das casas não se importavam, os membros mais antigos da Quadrilha de Vinhais forçaram a sua abertura com paus e pedras das ruas e entraram no seu interior, procurando dinheiro, ouro e jóias, sendo seguidos pelos membros mais recentes. Inevitavelmente, o grupo foi descoberto. A notícia dos Homicídios do Ano Novo chocara as populações daquela região pela sua violência e pela própria data, e o facto de os assassinos não terem ainda sido capturados pusera esquadras dos distritos de Bragança e de Vila Real de sobreaviso. Os habitantes das casas que estavam a ser assaltadas prontamente chamaram as autoridades, e estas não tardaram a comparecer nos locais dos assaltos. Os indícios dos locais dos homicídios davam a entender que os assassinos haviam sido animais, e quando a GNR soube que os assaltantes eram animais concluiu que se tratavam dos mesmos. Por isso, concluindo que se encontravam armados e que eram muito perigosos, os agentes da GNR atacaram a matar. O fenómeno da racionalização era muito recente, logo não haviam ainda leis a proteger os direitos dos animais racionais.

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Vários animais foram abatidos assim que foram detectados pela polícia, e alguns dos sobreviventes ripostaram com armas de fogo encontradas no interior das casas onde estavam.

Ao verem que os membros mais recentes da Quadrilha de Vinhais começavam a recuar ao perceberem que a polícia chegara, e que alguns pensavam mesmo entregar-se, os membros mais antigos inventaram rapidamente uma mentira elaborada: disseram aos membros mais recentes que os seus atacantes eram na verdade membros de uma organização armada que defendia os mais ricos de grupos como aquele, e que alegavam ser da GNR apenas para que os animais se rendessem sem luta. A mentira teve várias versões, consoante quem a contava, mas todas acabaram por ser semelhantes. A estratégia resultou, e muitos dos membros recentes da Quadrilha de Vinhais permaneceram onde estavam, a ripostar aos disparos dos agentes da GNR. Os membros mais antigos, por seu lado, continuaram a procurar dinheiro e valores pelas casas, acabando por fugir deixando para trás os animais que tinham enganado. O resultado foi óbvio: dos 35 novos membros da Quadrilha de Vinhais 20 foram mortos a tiro pela polícia em Vinhais, e apenas 15 conseguiram fugir após perceberem que não conseguiam resistir mais à suposta organização que defendia os mais ricos. Todos os 15 membros mais antigos da Quadrilha de Vinhais sobreviveram ao ataque à vila. Enquanto a GNR avançava pelo local dos roubos e dos tiroteios para ver se o perímetro era seguro, os 30 membros da Quadrilha de Vinhais sobreviventes fugiram para este, só parando de correr já a mais de 3 km da vila. O ataque revelara-se um fracasso, devido ao elevado número de mortos na quadrilha e devido à escassa soma de dinheiro recolhida. As culpas foram então postas na falta de organização dos animais, e na manhã seguinte definiram-se grupos de animais e líderes para estes. Cinco animais formariam um subgrupo, liderado por um líder de subgrupo, e cinco subgrupos formariam um grupo, com o respectivo líder. O conjunto dos grupos englobaria toda a Quadrilha de Vinhais, estando o seu líder hierarquicamente acima dos líderes dos grupos, no topo da hierarquia. Os dias 3 e 4 de Janeiro foram dedicados à obtenção de novos membros para a quadrilha, sendo que as mentiras inventadas até aí foram contadas aos novos membros para garantir o seu apoio. Chegou-se até a inventar que existiam duas GNR, a Guarda Nacional Republicana e a «Guarda Nacional dos Ricos», que os atacaria sempre que tentassem tirar dinheiro dos ricos. A história do ataque a Vinhais foi até contada para ilustrar a suposta ferocidade com que atacavam.

Alguns dos novos animais que conheciam a história da lista de pessoas dispostas a dar dinheiro questionaram os membros mais antigos acerca disso, ao que estes rapidamente inventaram que a lista deveria ser falsa, que deveria ter sido apenas uma armadilha. Assim, na noite de 4 de Janeiro, a Quadrilha de Vinhais chegou às portas de Bragança. No ataque a Vinhais