44 – março de 2018 · 2018-03-17 · apresentar um trabalho sobre paleotocas, ... essa...

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MATÉRIA SOBRE PALEOTOCAS Concedemos entrevista sobre as paleotocas para mais um jornalista, que está editando a matéria para publicação futura. Como será veiculada no Exterior, vai contribuir para a divulgação das paleotocas em países que nunca ouviram falar disso. Quem sabe alguém localiza um toca lá? PALEOTOCAS EM CONGRESSO Em agosto transcorre o 49º Congresso Brasileiro de Geologia, desta vez no Rio de Janeiro (www.49cbg.com.br). Vamos apresentar um trabalho sobre paleotocas, desta vez sobre duas novas ocorrências em Taquara (RS). Os túneis são grandes (2,0 – 2,5 m) de largura, mostrando que são de preguiças gigantes. Os comprimentos originais calculamos em 40 e 60 metros, respectivamente. Túneis enormes. NÚMEROS NO YOUTUBE Após a publicação de matérias no Exterior sobre paleotocas, teve gente que aproveitou para fazer vídeos. O número de visualizações impressiona: centenas de milhares. É divulgação científica em outro nível. Um dos vídeos pode ser encontrado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=lqXtNCAMDX 44 – março de 2018 EDITORIAL Começamos 2018 com a identificação de uma paleotoca espetacular em Estância Velha. A ocorrência está no meio da cidade, o que mostra que é necessário acompanhar escavações durante obras, implantações de loteamentos, duplicações de estradas e por outros motivos. Sempre podem aparecer paleotocas. Pelo menos aqui no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Nos outros estados brasileiros aparentemente paleotocas são muito mais raras. Se você passar por uma escavação e enxergar um túnel ou uma mancha redonda de outra cor que aquela da rocha – nos avise que vamos lá olhar.

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MATÉRIA SOBRE PALEOTOCAS Concedemos entrevista sobre as

paleotocas para mais um jornalista, que está

editando a matéria para publicação futura.

Como será veiculada no Exterior, vai

contribuir para a divulgação das paleotocas

em países que nunca ouviram falar disso.

Quem sabe alguém localiza um toca lá?

PALEOTOCAS EM CONGRESSO Em agosto transcorre o 49º Congresso

Brasileiro de Geologia, desta vez no Rio de

Janeiro (www.49cbg.com.br). Vamos

apresentar um trabalho sobre paleotocas,

desta vez sobre duas novas ocorrências em

Taquara (RS). Os túneis são grandes (2,0 –

2,5 m) de largura, mostrando que são de

preguiças gigantes. Os comprimentos

originais calculamos em 40 e 60 metros,

respectivamente. Túneis enormes.

NÚMEROS NO YOUTUBE Após a publicação de matérias no Exterior

sobre paleotocas, teve gente que aproveitou

para fazer vídeos. O número de visualizações

impressiona: centenas de milhares. É

divulgação científica em outro nível. Um dos

vídeos pode ser encontrado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=lqXtNCAMDX

44 – março de 2018

EDITORIAL Começamos 2018 com a

identificação de uma paleotoca

espetacular em Estância Velha. A

ocorrência está no meio da cidade, o que

mostra que é necessário acompanhar

escavações durante obras, implantações

de loteamentos, duplicações de estradas e

por outros motivos. Sempre podem

aparecer paleotocas. Pelo menos aqui no

Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.

Nos outros estados brasileiros

aparentemente paleotocas são muito mais

raras.

Se você passar por uma escavação

e enxergar um túnel ou uma mancha

redonda de outra cor que aquela da rocha

– nos avise que vamos lá olhar.

A importância do cocô Se você é uma planta e quer que suas sementes sejam carregadas a grandes distâncias, o que

você faz? Produz um fruto grande com sementes grandes que sejam apetitosas para animais

grandes, que se deslocam por quilômetros e quilômetros. Os bichos comem as frutas com sementes

e tudo, se deslocam e, ao defecar, dezenas de horas mais tarde, vão espalhando as sementes por uma

área enorme. Bingo.

Pequi

Pois essa era a uma das funções da Megafauna que vivia aqui na América do Sul até 10.000

anos atrás. Elefantes, “rinocerontes” (Toxodon”), preguiças gigantes, ursos, gliptodontes e outros.

Certas plantas da flora, ao longo dos milhões de anos, programaram sua reprodução em cima desses

bichos grandes. Além disso, importantíssimo: o cocô e a urina dos bichos fertilizavam a região com

nitrogênio, fósforo e outros nutrientes. Na Bacia Amazônica a Megafauna era essencial ao bioma.

Onde há solos pobres que não recebem outra contribuição em termos de nutrientes, os excrementos

da Megafauna eram a única fonte de adubo.

Mas a Megafauna foi extinta.

Considerando o tempo geológico, essa extinção 10.000 anos atrás foi num piscar de olhos.

Subitamente o continente perdeu seus dispersores de sementes e seus adubadores naturais. Na Bacia

Amazônica, por exemplo, a dispersão de fósforo despencou 98%. Certas plantas perderam o

dispersor para o qual se programaram. Para outras plantas sobraram dispersores que se deslocam

muito menos. Uma anta se movimenta muito menos que um elefante. A importância dos dispersores

é avaliada por três fatores: o quanto de alimento, em média, as diversas espécies comem; quanto

tempo o alimento fica retido no sistema digestório e qual a distância percorrida pelo animal antes de

defecar as sementes.

A queda na distância de dispersão de sementes experimentada nos últimos 10 mil anos tem

várias consequências para a formação e diversidade de plantas nas matas e para a diversidade

genética das plantas. As maiores distâncias de dispersão de sementes da megafauna permitiam que

aumentasse a distribuição espacial das espécies de plantas. Sem os dispersores, as populações de

plantas não trocam material genético e essa separação entre indivíduos da mesma espécie resulta em

baixa variabilidade genética, o que pode diminuir as chances de sobrevivência dessas plantas em

longo prazo.

Matéria completa: http://agencia.fapesp.br/fim_da_megafauna_reduziu_a_distancia_de_dispersao_de_sementes_grandes/27284/

Novas Paleotocas 1 Alertados pelo biólogo Claiton Pens, fomos em janeiro para Estância Velha, onde um corte

expôs uma grande paleotoca aberta. Uma visita preliminar confirmou que o túnel ainda aberto tem

uns 30 metros de comprimento. Um resto de túnel ao lado possui 4 a 5 metros. Avaliando o

provável comprimento original mínimo do túnel, chegamos à conclusão que se situava ao redor de

100 metros. Provavelmente mais, porque esta distância foi medida em linha reta e os túneis sempre

são curvos.

A boa notícia é que a toca situa-se em área de preservação e que o empreendedor do

loteamento e a Prefeitura querem preservar a ocorrência. Foi realizada reunião na Prefeitura a

respeito, onde foram esclarecidos todos os aspectos que envolvem a preservação. Uma iniciativa a

ser seguida!

Novas Paleotocas 2 Estávamos indo para Flores da Cunha, investigar cavernas. Dia chuvoso, com neblina, Rota

do Sol, trânsito intenso. Ao dirigir, é proibido olhar para o celular. Mas não é proibido olhar os

cortes de estrada ao longo da rodovia! Apareceu um corte no perímetro urbano de Caxias do Sul.

Bingo! Paleotoca clássica. Integralmente preenchida com sedimentos que entraram depois.

Tem até uma pedra no “recheio” – provavelmente entrou por uma enxurrada ou algo assim. Corte

perpendicular ao eixo, por isso a seção da toca está bem redondinha.

Na imagem dá para perceber que a rocha acima dela está menos alterada e que o túnel foi

escavado num nível alterado da rocha vulcânica que ocorre na região. É como a gente vem dizendo

há anos: paleotoca só não ocorre em rocha magmática e metamórfica inalteradas. De resto, vale

qualquer material.

Novas Paleotocas 3 Investigação de grutas na região entre Bom Princípio e Montenegro. A gente sai

perguntando – principalmente aos mais velhos. Pergunta se não conhecem uma gruta ou caverna ou

um “Bugerfels” (Pedra dos Índios), como os descendentes de alemães chamam qualquer local com

pedras onde supõe que os índios habitaram.

Você nunca sabe o que vai achar. Pode ser qualquer coisa. Apenas um paredão, talvez um

abrigo sob rocha, pode ser uma rachadura na rocha ou uma caverna, pode ser uma paleotoca.

Também já apareceram escavações antropogênicas e pedras caídas.

Na região de Harmonia, recebi uma dica. “Tem uma caverna na propriedade do Fulano”. Me

perdi naquelas estradas de chão. Um emaranhado de estradinhas sem placa nem nada. Mas cheguei

lá. Uma propriedade grande, com aviários. Um guri me atendeu. Quando indago sobre a caverna,

ele diz: “sim, tem duas aqui”. Uma fica longe, mas a outra “logo ali no pasto”. Descemos até lá.

Uma baita paleotoca na encosta da colina. Um túnel redondo com mais de um metro de

diâmetro. Aberto. Saindo água de dentro. Tanta água que alguém fez um murinho na boca do túnel

e represou a água. Provavelmente a água abastecia a casa dos proprietários ou o gado antigamente.

Hoje o murinho não tem mais função. Posso demolir ele, drenar a água e investigar a toca.

Claro que essa toca é barra pesada. Toca raiz. Não tem nada de Nutella. Tem que entrar de

macacão de borracha e luvas até o cotovelo. Deve ter um palmo ou mais de lama no fundo. Não dá

para ficar de pé, tem que entrar de quatro. Com uma bacia boiando ao seu lado. Na bacia, trena a

laser, bússola, toalha, máquina fotográfica, lanterna reserva e tal. Na boca da toca, alguém para

ajudar, anotando na prancheta os números que você grita lá de dentro, sentado na lama e água.

Bem, nem foto tirei nessa primeira visita.

Onde essa toca vai “aparecer”? Num evento científico. Como banner ou em apresentação

oral. É a primeira paleotoca encontrada no município de Harmonia. Numa posição estratégica: na

primeira elevação depois da planície de inundação do rio Caí, que fica a 1 km de distância.

Obrigado pelo interesse e pela leitura