4.2 hélio franchini neto. a política externa independente em ação

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    A POLTICA EXTERNA INDEPENDENTE EMAO: A CONFERNCIA DE PUNTA DEL ESTE DE1962

    A Poltica Externa Independente em ao:a Conferncia de Punta del Este de 1962

    Independent Foreign Politics in Action: An Overviewof the Punta del Este Convention in 1962

    HLIO FRANCHINI NETO*

    Introduo1

    Em 22 de janeiro de 1962, Ministros das Relaes Exteriores dos Estados-membros da Organizao dos Estados Americanos (OEA) reuniram-se sob osauspcios do Tratado Interamericano de Assistncia Recproca (Tiar) paraconsiderar as ameaas paz e independncia poltica dos EstadosAmericanos2. A Conferncia focava-se na situao poltica do governo de Cuba,

    cujo lder Fidel Castro declarara adeso ao marxismo-leninismo, e nasalegadas aes contra pases vizinhos. Aps dez dias de discusses, em 31 dejaneiro, Cuba foi suspensa da Junta Interamericana de Defesa e da OEA, sendoque esta ltima deciso no contou com votos favorveis dos maiores Estadoslatino-americanos. Desde ento, as decises da VIII Reunio so debatidaspor polticos, diplomatas e estudiosos da cincia poltica, sem, todavia, proceder-se a anlise pormenorizada. Em certo sentido, continua sem resposta a perguntado embaixador Teixeira Soares (1980: 154): que mrito teve a Conferncia dePunta Del Este?.

    O problema cubano representou captulo determinante das relaeshemisfricas. Nele, inclua-se o tratamento de temas como as relaes EstadosUnidos Amrica Latina, a solidariedade continental, o problema do comunismoe o princpio da no-interveno. O sistema interamericano, representado peloTiar e pela OEA, foi obrigado a lidar, de um lado, com a possibilidade de instalaode modelo de governo fundamentado em ideologia distinta daquela do bloco

    Rev. Bras. Polt. Int.48 (2): 129-151 [2005]

    ARTIGO

    * Diplomata, mestre em Cincia Poltica pela Universidade de So Paulo USP ([email protected]). Opresente artigo reflete apenas as opinies pessoais do autor e no busca representar as posies oficiais dogoverno brasileiro.1 Este artigo extensivamente baseado na dissertao de mestrado do autor, apresentada ao Programa dePs-Graduao em Cincia Poltica da Universidade de So Paulo, em novembro de 2004.2 Ata final da VIII Reunio de Consultas dos Ministros das Relaes Exteriores Americanos.

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    ocidental, sem ferir princpios da no-interveno ou mesmo da autodeterminao(citado, por exemplo, por Roberto Campos em suas memrias); de outro, comuma revoluo que patrocinava guerrilhas pelo continente, alm da ameaa(ainda que improvvel), de interveno extracontinetal, sem que se estabelecesse

    o precedente de interveno em Estados americanos.Nesse intrincado jogo de interesses que dividiu as repblicas americanas,

    teve destaque a posio brasileira. A delegao, liderada por FranciscoClementino de San Tiago Dantas, ops-se s sanes contra Cuba e, juntocom Argentina, Mxico, Chile, Bolvia e Equador, absteve-se da resoluo quesuspendia o governo cubano da OEA. San Tiago Dantas tornou-se uma dasprincipais figuras da reunio, defendendo firmemente a inoperncia e ilegalidadede sanes, cujo resultado (na viso de San Tiago), seria a consolidao da

    influncia sovitica.A Conferncia de Punta Del Este, ao mesmo tempo, teve granderepercusso na poltica brasileira. Poucas vezes a opinio pblica brasileiramobilizou-se em assuntos de poltica internacional como o fez em janeiro de1962. Nas palavras de Alceu Amoroso Lima (1962), em artigo da poca:[...]Tenho, como todo mundo, o pensamento voltado para Punta Del Este.Ali comea hoje (quando escrevo essas linhas), a jogar-se o destino da instituiointernacional mais antiga dos nossos tempos: a Organizao dos EstadosAmericanos, rgo do pan-americanismo, idealizado por Bolvar em 1826, e

    laboriosamente edificado em quase sculo e meio de ingentes esforos.Se no h dvida da importncia da reunio de Punta para as relaes

    hemisfricas em geral, e para a poltica externa brasileira em especial,permanecem pouco estudadas as razes que levaram o governo brasileiro a seposicionar da forma como o fez em 1962. Muitos autores comentaram-nasbrevemente, mas ainda restam algumas perguntas a serem respondidas: aposio brasileira fundou-se apenas em defesa do respeito s regras da OEA?Quais as razes polticas para esse ponto de vista? Por que o Brasil se absteve eno votou contra a suspenso? Qual a relevncia de Punta para a poltica externabrasileira? Tratou-se de exemplo de ao da poltica externa independente?

    O objetivo do presente trabalho apontar elementos que permitamcompreender as razes pelas quais o governo brasileiro tomou a deciso deabster-se na VIII Reunio de Ministros das Relaes Exteriores, luz de suarelao com os Estados Unidos e a Amrica Latina, em meio Guerra Fria.Como se ver, a VIII RMRE constituiu um ponto de convergncia entredesdobramentos da Guerra Fria na Amrica Latina, e projetos e constrangimentosespecficos da poltica brasileira; tem-se, dessa forma, a possibilidade de se

    verificar como o pas lidou com um problema de poltica externa, mas queafetava diretamente os desenvolvimentos internos, as presses e os limites deuma atuao internacional dentro de um sistema especfico.

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    A conjuntura internacional

    Guerra Fria e a Amrica Latina

    Em janeiro de 1962, a Guerra Fria e a estrutura internacional decorrenteda confrontao bipolar j definira contornos especficos realidadeinternacional, que se desenvolveram especialmente a partir de 1947. Existemdivergncias quanto ao momento de seu incio, mas autores como Aron (1975)e Walker (1993), dentre outros, destacam 1947 como o ponto em que a disputaadquire contornos mais claros. Aron (1975: 74), destaca que o termo deve serentendido como a fase de tenso entre os aliados (que combatiam o Nazismo),que se desenrola desde o fim da Segunda Guerra Mundial e que adquire contornosmais ntidos em 1947, com a Doutrina Truman; a ruptura aprofunda-se naConferncia de Paris, na discusso do Plano Marshall, e com a situao dospases da Europa Oriental. A partir desses episdios, resumidamente, aconfrontao amplia-se em casos como o Bloqueio de Berlim, em 1948, com abomba sovitica e a vitria do comunismo na China, em 1949.

    A Guerra da Coria ampliou o campo de confrontao bipolar para almda Europa:foi o incidente coreano que lhe deu ( Guerra Fria) uma dimensomilitar e uma extenso planetria (Aron, 1975: 76). Estabeleceu, na dcadade 1950, padro de relacionamento caracterizado por fases mais tensas, perodos

    de relaxamento ou coexistncia pacfica. A morte de Stalin e o fim da Guerrana Coria, em 1953, provocaram certa diminuio na tenso bipolar, mas nosanos subseqentes, destaca-se principalmente a corrida armamentista. As duassuperpotncias adquiriram bombas de hidrognio e novos vetores delanamento, o que ampliou suas possibilidades de second strikee estabeleceu achamada destruio mtua assegurada, ou MAD. Episdios como o lanamentodo Sputnik, em 1957, estabeleceram a percepo na administrao, de que osEstados Unidos estariam perdendo a disputa tecnolgica3. Assim, no fim dosanos 50, a conjuntura internacional desenvolvia-se em um sistema j bem

    estabelecido entre leste-oeste, com aparente vantagem para o bloco sovitico.Com a eleio de Kennedy, buscou-se superar a Unio Sovitica, cujogoverno de Kruschev se aproveitava da conjuntura favorvel para pressionar osEstados Unidos em casos como o do U-2, em 1960, e na questo de Berlim.Desde o governo Eisenhower, havia presso para o estabelecimento de um estatutodefinitivo sobre a capital alem, mas com Kennedy que a tenso se elevar, emmomentos como o de Checkpoint Charlie, em 1961, quando tanques americanose soviticos se posicionaram frente frente e uma guerra parecia iminente.

    3 Walker sobre a mensagem que o Sputnik enviava: the American homeland was now in pawn to superiorSoviet Technology. Op. cit. p. 114.

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    Havia tambm um novo elemento na confrontao bipolar: a RevoluoCubana. Seus movimentos iniciais tambm se deram anteriormente administrao Kennedy, mas foi a partir de 1961, que adquiriu contornosespecficos da Guerra Fria. Junto com Berlim, a questo cubana tornou-se o

    principal problema dos norte-americanos no incio da dcada de 1960,especialmente por se tratar de uma ameaa muito prxima fisicamente e quemodificava os contornos da geografia da confrontao bipolar. Tratava-se demais um elemento percebido como derrota ou desvantagem que os norte-americanos deveriam tratar com urgncia. Cuba, assim, estava no centro daGuerra Fria.

    A revoluo de Fidel e seus desdobramentos, porm, continham tambmelementos especficos das relaes interamericanas: marcava-se principalmentepela relao entre Estados Unidos e Amrica Latina, cujas tendncias histricas

    foram desenvolvidas nos sculos XIX e XX, e que adquiriram contornosespecficos com a Guerra Fria.

    Deve-se destacar que relaes interamericanas anteriores 1945, forammarcadas por constantes intervenes diretas dos Estados Unidos,principalmente na regio caribenha, alm de atuaes indiretas, presseseconmicas ou favorecimento de determinados grupos polticos. A doutrinaMonroe adquiriu novos contornos com o chamado Corolrio Roosevelt e, nasprimeiras dcadas do sculo XX, pases como Haiti, Costa Rica, RepblicaDominicana e Panam sofreram constantes intervenes. Cuba talvez seja opas de mais destaque: sua independncia teve atuao direta dos EstadosUnidos, que adquiriram controle direto sobre o pas pela Emenda Platt. Entre1906 e 1922, ocorreram cinco intervenes na ilha; mesmo quando os marinesno desembarcavam, Cuba permanecia em grande medida controlada, o quese manteve at a revoluo em 1959.

    Ao mesmo tempo, a partir de 1889, com a I Conferncia Interamericana,os Estados Unidos buscaram meios de cooperao. O objetivo inicial concentrava-se principalmente no comrcio, mas a presso dos latino-americanos direcionou

    as relaes hemisfricas para aspectos polticos. Foram realizadas reunies noMxico (1901), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago (1923),e Havana (1928), que tratavam de assuntos como medidas relacionadas paz,adoo de regras de arbitragem e relacionamento diplomtico.

    Os resultados foram, contudo, limitados, especialmente em razo dasdesconfianas contra os norte-americanos, que se recusavam a aderir ao princpioda no-interveno. Essa adeso ocorreu apenas na conferncia de Montevidu,em 1933, que iniciou nova aproximao interamericana liderada por F. D.Roosevelt. Tratou-se da Poltica de Boa-Vizinhana, que durante a dcada de

    1930, tinha como um de seus objetivos reforar a segurana no continentecontra as novas ameaas que surgiam, com destaque para a ascenso donazifascismo. A aproximao foi reforada em Buenos Aires, em 1936 (Conferncia

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    Interamericana de Consolidao da Paz), e em Lima, 1938; nesta, em meio screscentes tenses na Europa, estabeleceu-se mecanismo de consultas que seriadeterminante na conduo das relaes interamericanas durante a guerra.

    Talvez o grande exemplo de cooperao americana se deu na Segunda

    Guerra Mundial. No s ocorreram diversas conferncias (1939, 1940, 1942e 1945), as quais contriburam para o estabelecimento de uma posio comum(salvo a Argentina), mas se colocou em prtica os mecanismos acordados, comono fornecimento de matrias-primas para os Estados Unidos ou na utilizaode bases brasileiras como ponta de lana para a frica.

    A Conferncia de Chapultepec, em 1945, marcou mais um passo naconsolidao da parceria regional, visto que se estabeleceu o mecanismo dedefesa coletiva das Amricas, posteriormente institucionalizado no TratadoInteramericano de Assistncia Recproca (Tiar), 1947, e na Organizao dos

    Estados Americanos (OEA), 1948. Quando do advento da criao dessesinstitutos, a guerra j terminara, mas ainda se mantinha como o principalelemento organizador das relaes regionais.

    Em certa medida, havia entre os Estados Unidos e as demais naes,vises diferentes sobre a cooperao (os norte-americanos viam os latinos apenascomo fornecedores de matrias-primas), as quais eram eclipsadas pela urgnciada guerra. Com o fim do conflito, divergncias comearam a surgir. Esperava-se a continuidade da Poltica de Boa-vizinhana, o que no ocorreu devido crescente tenso entre Estados Unidos e Unio Sovitica. O imediato ps-guerra,assim, marcou-se tanto por iniciativas de cooperao importantes (como o Tiar ea OEA), quanto por um progressivo distanciamento de aspiraes e interessesentre os pases americanos; no se tratava de divergncia profunda que causasseruptura, mas foi responsvel pelos problemas no relacionamento posterior.

    A Guerra Fria deu nova configurao s relaes interamericanas,especialmente com a Guerra da Coria. Inicialmente, a regio perdeu importnciaestratgica. Os Estados Unidos desviaram todos seus esforos para outras regies,o que criou insatisfaes entre os latino-americanos. Perkings (1961: 4),

    diagnosticava que, da perspectiva da segurana nacional, a Amrica Latinaencontrava-se em segundo plano. Segundo o autor, trs razes justificavamessa viso: 1) os pases da regio permaneciam livres por mais de um sculo;2) as repblicas sentiam-se parte da civilizao ocidental; 3) existiam forteslaos econmicos com os EUA.

    importante destacar que, em relao ao confronto mundial, a maioriados governos latino-americanos apoiava os Estados Unidos, como se observouna IV Reunio de Ministros das Relaes Exteriores de 26 de maro a 7 deabril de 1951, em Washington, convocada para tratar da defesa comum contra

    as atividades do comunismo internacional. Em meio ao conflito coreano, osmembros da OEA votaram uma resoluo que considerava o comunismo formade ameaa paz.

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    Posteriormente, ao longo da dcada de 1950, a poltica externa norte-americana desenvolveu a percepo de que o comunismo na regio constituaameaa real. Essa constatao moldou grande parte das iniciativas em relao Amrica Latina, fossem elas relacionadas segurana ou ao desenvolvimento

    econmico. Foi determinante, tambm, para criar srios erros de interpretaoque confundiram revoltas nacionais com avanos da infiltrao comunista. Issose dava em razo do tipo de ameaa que se figurava no hemisfrio ocidental: nose tratava de possibilidade de interferncia direta da Unio Sovitica no hemisfrioocidental, como se dava ao longo da Cortina de Ferro na Europa, mas sim, operigo da organizao de grupos (apoiados ou no pela URSS), que ameaasseminternamente a estrutura poltica de Estados da regio. Assim, a agenda desegurana para o hemisfrio era mais anti-subversiva do que anti-sovitica4.

    Em dois casos (anteriores Cuba), esses elementos estiveram claros: em

    1952, na Bolvia, e em 1954, na Guatemala. Em 1952, ocorreu revoluo naBolvia liderada por Paz Estenssoro. Aps uma guerra civil que terminou em1949, Estenssoro foi eleito em 1951 mesmo exilado na Argentina o queprovocou a renncia do presidente Mamerto Urriolagoitia e a ascenso dajunta militar, com o propsito de impedir a posse de Estenssoro. Em 9 deabril, ocorreram insurgncias em vrias cidades bolivianas, com inmerosmortos e feridos. Aps intensos combates entre 9 e 11 de abril, a junta derrubada e Paz Estenssoro chega ao poder. Dentre suas principais medidas,determinou a encampao de minas de estanho e iniciou programa de reforma

    agrria. A situao boliviana mobilizou atenes sobre suas reformas econmicas,principalmente dos Estados Unidos, interessados em proteger seus interessescomerciais e de suas empresas, e temerosos de possvel infiltrao comunista.

    A base de apoio de Paz Estenssoro agrupava elementos de diferentestendncias ideolgicas, tanto de direita, como de extrema esquerda conformetelegrama da embaixada brasileira em La Paz (Moniz Bandeira, 1998: 108 ) o que motivou maior cautela por parte do governo dos Estados Unidos, natentativa de evitar que o governo boliviano se radicalizasse. Bandeira cita outromemorando do embaixador brasileiro em La Paz, para quem o no

    reconhecimento poderia enfraquecer o governo revolucionrio e deixar o pas,em pleno corao da Amrica, vulnervel ao comunismo internacional. Aresoluo do caso contou com importante mediao brasileira e a intervenodo irmo do Presidente Eisenhower, Milton Eisenhower, que percorrera a regioem viagem de observao. Sua opinio no caso destacava a necessidade doDepartamento de Estado no confundir qualquer movimento social commarxismo, toda reforma agrria com comunismo ou antiamericanismo composio pr-sovitica.

    4 Vide FERREIRA, Oliveiros. A Agenda interamericana ps Iraque. Perspectiva vista da Amrica Latina.In: Seminrio Internacional As relaes Estados Unidos Amrica Latina no contexto da doutrina Bush . 15e 16 de setembro de 2003.

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    A moderao no caso boliviano, porm, no se refletiu no episdio seguinte,ocorrido na Guatemala. Medidas semelhantes de nacionalizao foram adotadasno governo de Juan Jos Arvalo (1945-1950), o que levou seus inimigos atentar caracteriz-lo como comunista. Conforme relata Gaddis Smith (1994:

    72), em 1949, o Departamento de Estado iniciou uma guerra diplomtico-econmica de baixa intensidade contra a Guatemala. Em 1951, Jacob Arbenzassume a presidncia e amplia as polticas de Arvalo, principalmente oprograma de reforma agrria que entrou em conflito com interesses dacompanhia norte-americana United Fruit.

    Independentemente das causas, as atitudes de Arbenz foram vistas pormuitos como indcios de infiltrao comunista na Amrica Central,especialmente pelo governo dos Estados Unidos, e motivaram a convocao da

    X Conferncia Interamericana, realizada em Caracas, em 1954. Na reunioaprovou-se a chamada Declarao de solidariedade para a preservao daintegridade poltica dos Estados americanos contra a interveno do comunismointernacional, cuja clusula primeira condenava as atividades do movimentocomunista internacional, por constiturem interveno nos assuntos americanos.O texto ainda recomendava a convocao de Reunies de Consulta previstasno Tiar para tratar de possveis ameaas.

    A resoluo foi aprovada pela grande maioria dos participantes (Guatemalavotou contra, e Mxico e Argentina se abstiveram), mas, ao mesmo tempo em

    que condenava o comunismo, a resoluo reforou a necessidade de respeito aoprincpio da no-interveno, outra preocupao central para os latino-americanos, mesmo antes da construo da OEA. A Declarao deSolidariedade, assim, conclua de forma a dar razo queles que viam na atitudedos governos latino-americanos uma clara definio de Comunismo, no!Interveno Ianque, tambm no! (Ferreira, 1985). H que se ressaltar oprecedente jurdico fundamental que constituiu a reunio em Caracas: definiu-se o comunismo internacional como ameaa paz e segurana hemisfrica,incluindo-o dentre os eventos que justificariam a convocao de reunio deconsulta do Tiar. A Reunio de Caracas ser um dos pilares para a convocaoda VIII Reunio de Consulta de 1962.

    O caso da Guatemala terminou com a derrubada de Arbenz em 1954, aqual, contudo, desgastou o prestgio norte-americano ao reforar desconfianascontra o imperialismo do norte. Ao mesmo tempo, estabeleceu modelo deao para o governo dos Estados Unidos em eventos posteriores e, possivelmente,influenciou a operao da CIA, que culminou com a derrota na Baa dos Porcosem Cuba, 1961. Segundo Seyom Brown (1994: 106), a invaso da Guatemala

    a partir de Honduras, por Castillo Armas, financiada pela CIA, estabeleceuum modelo de ao para tratar de casos de subverso. O precedente de sucessopode ser relacionado, dentre outros, ao na Baa dos Porcos, em Cuba, 1961.

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    A viagem de Nixon Amrica Latina e a criao da Operao Pan-Americana (OPA) so os ltimos pontos a se destacar. Nos fins da dcada de1950, a insatisfao dos latino-americanos contra as atitudes norte-americanasficou patente na visita do vice-presidente, Richard Nixon. Houve protestos

    em quase todos os locais visitados e algumas tentativas de agresso,principalmente em Caracas. Assim, em 1958, Juscelino Kubitschek envioucarta ao presidente Eisenhower, na qual propunha reviso nas relaeshemisfricas e nos ideais do pan-americanismo. Conforme a anlise de Alexandrade Mello e Silva (1992: 219), a OPA foi relevante ao relacionar osubdesenvolvimento infiltrao comunista. Mesmo sem o sucesso do projeto,a OPA serviu de inspirao para a Aliana, para o Progresso de Kennedy e,talvez o mais importante, reforou a viso latino-americana sobre a ameaacomunista (relacionada ao desenvolvimento).

    De forma resumida, portanto, possvel descrever o relacionamento dosEstados Unidos com a Amrica Latina nos seguintes pontos: a) discrepnciaentre a preocupao com segurana e a conteno do comunismo por partedos norte-americanos, e a aspirao ao desenvolvimento por parte dos latino-americanos; b) os Estados Unidos confundiam o nacionalismo nascente naregio com infiltrao comunista, o que os levava a apoiar ditadores impopulares.Por sua vez, a Amrica Latina ressentia profundamente o apoio norte-americanos companhias multinacionais e conseqentes intervenes, como no caso daGuatemala, que reforavam a desconfiana contra o imperialismo do norte;c) em decorrncia desses dois pontos, os pases latino-americanos, apesar deposicionar-se contrrios ameaa comunista e apoiar os EUA no confrontomundial, defendiam a aplicao do princpio da no-interveno nas relaeshemisfricas (essa diferenciao ser fundamental para se compreender a posiode alguns pases em relao Cuba).

    Tem-se, assim, exemplos de expectativas e desconfianas nas relaesregionais que perfazem o quadro poltico anterior revoluo liderada porFidel Castro, verdadeiro ponto de inflexo. Pode-se dizer que os eventos descritos

    at aqui representam acontecimentos preliminares, que formaram as vises eos modelos de ao que influenciariam o tratamento da questo do comunismono continente. Os desenrolares da Revoluo cubana, por sua vez, obrigaramo sistema interamericano a enfrentar um problema da Guerra Fria5.

    A Revoluo Cubana

    Muito j foi escrito sobre a revoluo liderada por Fidel Castro, iniciadaem 1959, e que resultou, dentre outras questes, na VIII RMRE em Punta

    del Este, em 1962. O que importa destacar no presente a reao das Amricas5DANTAS, San Tiago. Discurso na Cmara dos Deputados. 17 de fevereiro de 1962.

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    no caso e o que motivou a reunio aqui estudada. O ponto central, assim, arelao entre Cuba e os comunistas. Conforme os exemplos anterioresdemonstraram, os Estados Unidos reagiam, na Amrica Latina, s reformas ourevolues nacionalistas, confundindo-as muitas vezes com ameaas de subverso.

    O incio da revoluo cubana repetiu em certa medida o caso daGuatemala, com encampaes e estatizaes que provocaram atritos com ogoverno norte-americano. Inicialmente, foi vista de forma positiva por grandeparte dos pases da regio (mesmo nos Estados Unidos, segundo Kaplan{1968:259}). As aes posteriores do governo revolucionrio, todavia, criaramdesconfianas sobre os rumos do movimento. Em 1960, apesar das suspeitas,documentos do Conselho de Segurana Nacional (memorando de 21 de junhode 1960, CIA Historical Review Program), demonstram que os norte-americanosno podiam confirmar se Castro era comunista ou no.

    A indefinio era contrastada com os crescentes contatos entre autoridadescubanas e soviticas, que culminou com a visita de Anastas Mykoyan emfevereiro de 1960, e o posterior convnio de venda de acar (reao aos cortesdos Estados Unidos). Em 1960, portanto, alm dos atritos esperados entreum governo revolucionrio latino-americano e os norte-americanos, tem-se apresena da Unio Sovitica. As relaes diplomticas entre Estados Unidos eCuba so rompidas em 3 de janeiro de 1961, ano em que aes mais diretasganharam vulto. A ao na Baa dos Porcos foi sria derrota administraoKennedy e provocou a declarao de Fidel sobre o carter socialista da revoluo,primeiro ponto importante na definio.

    H que se ressaltar que, durante todo o ano de 1961, os norte-americanose alguns governos latino-americanos (como a Colmbia), buscaram convocarreunio de consulta para tratar da questo, mas havia resistncia da maiorparte dos governos, especialmente dos grandes Estados: Brasil, Mxico eArgentina. Aps o fracasso da Baa dos Porcos, a opo por uma resposta coletivatornou-se necessria para os Estados Unidos. Volta-se, assim, para a relao doresto do hemisfrio com Cuba.

    Na Amrica Latina, a mudana de simpatia para apreenso advinhaespecialmente das atitudes do governo revolucionrio em relao aos pasesprximos a Cuba. Desde o incio do movimento, as foras revolucionriasplanejavam ultrapassar os limites da ilha caribenha, espalhando-se pela AmricaLatina. Moniz Bandeira (1998: 192), relata que o prprio Che dissera que ofuturo de Cuba estava relacionado ampliao da revoluo, e o mtodo maiseficiente seria a luta de guerrilhas.

    Cuba transformou-se, assim, em foco de irradiao de atividadesguerrilheiras que provocaram instabilidade nos Estados da regio, governados

    por ditaduras ou no. Os documentos da CIA6, de 1960 e 1961, mostram6 CIA Historical Review Program.

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    crescentes infiltraes guerrilheiras em grande parte dos pases da AmricaCentral, no Equador, Peru e Colmbia. Foram esses Estados os principaispromotores das tentativas de convocao da reunio de consulta. At dezembrode 1961, contudo, no se logrou a aprovao de uma RMRE.

    A situao modifica-se completamente com a declarao de Fidel Castro,de 2 de dezembro de 1961, sobre sua vinculao ao marxismo-leninismo, aqual colocava Cuba diretamente no bloco sovitico. A convocao de umareunio de consulta tornou-se praticamente inevitvel. Com a guerrilhaavanando sobre pases da Amrica Latina, o governo da Colmbia havia pedidoao Conselho da OEA, em 10 de novembro de 1961, uma Reunio de Consultaprevista no Tiar. A convocao foi votada apenas em 4 de dezembro, subseqente declarao de Fidel. Aprovada por 14 votos a favor, 2 contra (Cuba e Mxico),e cinco abstenes (Equador, Bolvia, Brasil, Chile e Argentina), a resoluo

    estabelecia uma RMRE para 10 de janeiro de 1962, com o objetivo de analisarameaas paz e independncia poltica dos pases americanos.

    Iniciava-se a preparao para a VIII Reunio de Ministros das RelaesExteriores, prevista inicialmente7 para 10 de janeiro de 1962, em Punta DelEste, Uruguai. A Amrica Latina caminhou dividia para a reunio que assentariaa forma de tratamento do comunismo na regio.

    A reunio de janeiro de 1962 e as principais decises

    A preparao para a VIII RMRE foi marcada por grandes movimentaes,em antecipao reunio em si. Noticiava no Jornal do Commercio, em 10 dedezembro de 1961, que a futura conferncia indicava possvel rompimentocom Cuba, sem, contudo, haver um consenso entre os membros da OEA.Alguns dias depois, o Dirio de Notcias (de 19 de dezembro de 1961),ressaltava como as propostas ainda estavam se construindo, com o exemplo dadelegao Colombiana, que o jornal indicava se limitar a pedir a Cuba o fielcumprimento dos tratados vigentes.

    A busca por sanes era patrocinada principalmente pelos Estados Unidose os vizinhos da ilha, alm de outros pases que tambm sofriam com aesguerrilheiras supostamente patrocinadas por Cuba. Propunha-se tanto saneseconmicas e diplomticas, quanto a possibilidade de uma ao armada; esta,porm, foi rapidamente descartada.

    De outro lado, um grupo de pases, liderados por Mxico e Brasil8,mostrava-se contrrio s sanes e advogava uma soluo negociada. A posiobrasileira exemplifica as razes desse grupo, estabelecida principalmente naalocuo do Ministro San Tiago Dantas aos chefes de misso diplomtica no

    7Realizada em 22 de janeiro de 1962.8 A posio cubana, como seria esperado, era contrria RMRE.

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    Brasil, em 12 de janeiro de 1962. No documento, o chanceler admite que aevoluo do regime revolucionrio significava um profundo distanciamentode Cuba com os princpios americanos. Concordava, assim, com a necessidadede tratamento da questo. Afirmava, todavia, que Qualquer ao internacional

    em relao a Cuba, da resultante (da declarao do marxismo-leninismo deFidel), para ser legtima e eficaz deve estrita observncia aos princpios e normasde direito internacional e no pode deixar de ser orientada pelo propsitoconstrutivo de eliminar os riscos eventuais, que a presena de um regimesocialista no Hemisfrio venha a apresentar [...] Frmulas intervencionistas oupunitivas, que no encontram fundamento jurdico, e produzem, comoresultado prtico, apenas o agravamento das paixes e a exacerbao dasincompatibilidades, no podem esperar apoio do governo do Brasil.

    Em seu discurso, San Tiago desqualifica todas as possibilidades de sano.

    A busca pela soluo diplomtica traduzia-se no que ficou conhecido como oprojeto de Finlandizao de Cuba, ou seja, na sua transformao em Estadoneutro, a partir de um tratado de obrigaes negativas. Essa proposta estevepresente em toda a reunio e tornou-se o centro da posio brasileira.

    Percebe-se, ento, que em grande medida a reunio se iniciara antes mesmoda data marcada, com posies no muito flexveis. Limitava-se seriamente aspossibilidades de um consenso e criava-se a necessidade de novas idias. Hque se ressaltar que no existia, nos discursos, referncias diretas suspensode Cuba da OEA.

    Marcada para 22 de janeiro, a Conferncia iniciou-se efetivamente no dia23, a pedido da delegao brasileira. De acordo com o Correio da Manh de23 de janeiro de 1962, esse adiamento foi aprovado por unanimidade, paraque as delegaes tivessem mais um dia de consultas sem protocolo. Revela-sea intensidade dos contatos diplomticos e, em certa medida, as dificuldadesde consenso.

    No dia 23, reuniram-se, assim, as delegaes para a primeira sesso plenriano Hotel San Rafael, em Punta Del Este. Aps a eleio do presidente e vice-

    presidente da conferncia, tratou-se de questes protocolares (credenciais, carterpblico das reunies e comisso de estilo) e, por fim, marcou-se a primeirasesso para o dia seguinte, dia 24. Os principais temas da VIII RMRE foramdiscutidos na Comisso Geral, que teve nove sesses, sem contar os encontrosextraordinrios, muitas vezes restritos apenas aos chanceleres e que buscavamsolucionar os impasses.

    Os discursos refletiam a j estabelecida diviso. Patrocinadora da reunio,merece destaque o discurso da Colmbia que, nas palavras de Jose JoaquinCaicedo de Castilla, pode ser visto como sntese da posio dos pases latino-

    americanos que defendiam sanes. O chanceler colombiano abriu a confernciae se pronunciou a favor de medidas contra Cuba. Com o propsito de preservaodo sistema interamericano, ressaltou a necessidade de respeito ao princpio da

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    igualdade e no-interveno; exatamente esses princpios que justificariam anecessidade de sanes. Segundo Castilla, mesmo que a revoluo cubana fosseaplaudida inicialmente, os rumos adotados desviavam-se dos ideais hemisfricos.O constante patrocnio cubano a mecanismos subversivos constitua o

    descumprimento do princpio da no-interveno. Assim, a natureza do regimecubano e o patrocnio s guerrilhas justificavam a reunio de consulta e aadoo de sanes, na sua proposta, a ruptura de relaes diplomticas,consulares e econmicas, alm da criao de um comit de vigilncia.

    Pronunciando-se no mesmo dia de Castilla (24 de janeiro), o chancelerbrasileiro, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, representava o grupoque discordava de medidas punitivas. Em seu discurso, estabeleceu como osprincipais objetivos da reunio a preservao da unidade do sistema regional,a manuteno de seus princpios e o fortalecimento da democracia. Buscar a

    solidariedade continental no significava, contudo, a unanimidade a qualquercusto, ou sacrifcio dos outros dois elementos. Na conjuntura da Guerra Fria caracterstica permanente da realidade internacional seria necessrio encontraruma nova forma de convivncia com o Oriente (aqui se percebe claramente osprincpios da PEI) e, na luta pela democracia dentro dessa realidade, serianecessrio favorecer a preservao, robustecimento ou mesmo a recuperaode instituies.

    Em especfico no caso de Cuba, no se negava que a adoo do comunismoera um problema para as relaes hemisfricas, mas o melhor seria reaproxim-la do sistema, e no adotar medidas que levariam opo ao bloco sovitico.San Tiago sugere a criao de um tratado de obrigaes negativas, dentro do jmencionado projeto de Finlandizao. No mesmo sentido, retoma o discursode 12 de janeiro, e critica a possibilidade de sanes em razo de sua ineficcia.

    Nos discursos de Caicedo Castilla e San Tiago Dantas percebe-se autilizao dos mesmos conceitos, mas com interpretaes diferentes sobre aspossibilidades de ao. Os dois pronunciamentos revelam a permanncia dadiviso entre as naes latino-americanas e o impasse na reunio. Para muitos,

    novas frmulas seriam necessrias.No dia seguinte, na terceira sesso da Comisso Geral, pronuncia-se osecretrio de Estado norte-americano, Dean Rusk, e uma nova possibilidade levantada. Segundo Moniz Bandeira (1998: 365), o presidente Kennedy haviaindicado na imprensa que poderia modificar a posio norte-americana, o quese refletiu no discurso do secretrio de Estado.

    Compartilhando, em parte, a viso de Castilla e San Tiago, Rusk afirmaque os Estados Unidos simpatizavam com as aspiraes de liberdade poltica eprogresso social do povo cubano. Inaceitvel era a filiao ao marxismo-

    leninismo e o auxlio aos propsitos soviticos, situao condenada previamente,na reunio de San Jos da Costa Rica, em 1960 (VII RMRE). O secretrio deEstado exemplifica esse apoio cubano pelas votaes nas Naes Unidas, nas

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    quais Cuba havia sistematicamente posicionado-se com o bloco sovitico.Postula, ento: Impulsado por esa f marxista-leninista, el rgimen de Castro seha dedicado, no a luchar por la democracia dentro del Hemisferio ni siquiera enCuba, sino a pervertir y corromper esa lucha para servir los intereses del comunismo

    internacional.Rusk procura, assim, demonstrar a incompatibilidade do governo

    revolucionrio, o que justificaria as seguintes medidas: reconhecimento daincompatibilidade; excluso do regime de Castro da participao de rgos eorganismos do sistema interamericano, encomendando-se, ao Conselho daOEA, relatrio que mostrasse a melhor maneira de dar rpido cumprimento deciso; interrupo da venda de armas; criao de srie de medidas defensivas,individuais e conjuntas, contra as diferentes formas de agresso poltica e indiretaque se dirigiam contra o hemisfrio. Dean Rusk termina seu discurso com

    referncia Guerra Fria: esta no se restringiria contenda entre Estados Unidose Unio Sovitica; tratava-se de luta de todos, contra a tirania e pela liberdade.Especificamente, reunio, nuestra misin actual no es la de permitir que umtiranuelo que h surgido entre nosotros nos aparte de estas grandes tareas, sino msbien ponerlo em su lugar y proseguir esta gran empresa em la que todos estamosempenados.

    Tem-se, portanto, trs discursos exemplificativos das posies adotadaspelos pases americanos na VIII Reunio de Ministros das Relaes Exteriores.A posio cubana constituiria quarta vertente, representada pelo ministroOsvaldo Dortics Torrado, que se pronuncia na tarde do dia 25 de janeiro. Odiscurso reflete a posio do governo de Castro durante toda a reunio, e negaa legalidade e a legitimidade das possveis medidas que viriam a ser tomadas.

    As discusses continuam por mais cinco dias. No dia 30 de janeiro, anona sesso da Comisso Geral inicia os procedimentos de votao dos dezprojetos de resoluo que haviam sido apresentados. Os projetos tratavam desdea celebrao de eleies livres e reforma do estatuto da Comisso Interamericanade Direitos Humanos, at as medidas mais controversas, relacionadas Junta

    Interamericana de Defesa e a participao do governo de Cuba em rgos eorganismos do sistema interamericano. A referncia suspenso do governocubano da OEA (e no apenas de rgos, conforme o discurso de Rusk), ocorrerna plenria final, por meio de emenda.

    As reunies da Comisso Geral terminam, assim, com a diviso entre oslatino-americanos (o Haiti j mudara sua posio), sem as sanes inicialmenteelaboradas, mas com a alternativa da suspenso. Na prpria nona sesso, SanTiago expusera a ilegalidade da medida, por no estar prevista no art. 8 doTiar. Sua argumentao foi apoiada por outros cinco pases e todos se abstiveram

    na votao.Chega-se questo da suspenso de Cuba da OEA. A autoria do projetoem si no clara. Mesmo que fosse cogitado antes da reunio, os discursos no

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    faziam referncias ele. Dean Rusk oficializa a possibilidade, mas Caicedo deCastilla (1970: 296), afirmou que a idia foi colombiana. Arthur SchlesingerJr (1965: 716), porm, indica que a proposta foi colocada pelos argentinos. Aposio argentina era prxima brasileira, mas havia urgncia na busca por

    solues intermedirias, principalmente por razes internas. Mesmo assim,no final, a Argentina manteve-se ao lado de Brasil e Mxico.

    O projeto de suspenso de Cuba da OEA (e da Junta Interamericana deDefesa), avanou sobre propostas como o tratado de obrigaes negativas,mesmo com as alegaes brasileiras, dentre outras, de que a medida seria ilegal.Para aprov-la, necessitava-se de maioria de 2/3, o que s foi conseguido coma mudana de posio do Haiti. Aqui tambm h uma controvrsia: diz-se queo Haiti mudou de posio por presso norte-americana, que ofereciafinanciamentos em troca dos votos. Schlesinger Jr. afirma que foram os haitianos

    quem chantagearam os Estados Unidos. De qualquer forma, a posio haitianafoi modificada e a suspenso aprovada.

    H que se destacar que apenas a suspenso da OEA no conseguiuunanimidade. A declarao de incompatibilidade entre o regime cubano e osprincpios do sistema, assim como a suspenso da JID, dentre outros, foramaprovados por unanimidade. A maioria dos pases afirmaram posteriormente osucesso da reunio e rogaram-se vitria sobre as outras propostas.

    De uma certa forma, a reunio foi relativamente satisfatria. Sem qualquerincompatibilidade com a defesa da posio brasileira, a suspenso de Cubapossivelmente foi soluo necessria para a manuteno da solidariedadecontinental. O sistema fora construdo antes da Guerra Fria e, em 1962, eraobrigado a tratar de um tema que no havia previsto. Houve um processo deadaptao realidade internacional sem grandes prejuzos (mesmo que a soluotenha sido ilegal em relao ao Tiar), e estabeleceu-se bases mais slidas paranovas eventualidades. Apenas em 1964, votou-se sanes contra Cuba emodificou-se a Carta da OEA para prever a suspenso, mas Punta del Estetornou-se a base do sistema interamericano, por exemplo, no caso da crise dos

    msseis de outubro de 1962. Criou-se mecanismos de ao na Guerra Fria;talvez esse tenha sido um dos mritos da VIII RMRE.

    Em buscas das razes brasileiras

    O problema ao projeto de suspenso de Cuba apontado em discursos deSan Tiago Dantas, durante a reunio, foi sua ilegalidade. O Brasil questionaraa prpria convocao da conferncia e, quando surgiu a proposta, mostrou-seinflexvel na sua condenao. Do ponto de vista jurdico-institucional, a reunio

    de Punta del Este foi convocada legalmente, em razo dos precedentesestabelecidos na X Conferncia Interamericana (1954), e na VII RMRE (1960).A natureza do regime cubano no poderia justificar sanes de qualquer forma,

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    mas o patrocnio de guerrilhas na Amrica Latina abria a possibilidade depunio. No havia previso no Tiar a suspenso de um pas, o que tornou oato de suspenso de Cuba contrrio letra do tratado. A reflexo jurdica,assim, favorece a posio que o Brasil adotou.

    No explica, todavia, as razes que levaram a um posicionamento quecondenou qualquer medida contra a ilha, que se manteve coerente nos discursose props medidas alternativas na busca por uma soluo negociada, mas queno votou negativamente suspenso do governo de Fidel Castro, preferindo aabsteno. Oliveiros Ferreira (1985: 212), e Adolf Berle Jr (1962:103),oferecem elementos a partir dos quais parte este exerccio de compreenso dapoltica externa do evento. Segundo Ferreira, para o Brasil, no era apenas oproblema jurdico que estava em jogo. Era tambm a questo de afirmar posioque no discrepasse da de Quadros, para no dar a impresso de subservincia

    aos Estados Unidos. Berle, por seu turno, afirma que a crucial fact was thatseveral of the six governments abstaining from voting on the resolution excludingthe Castro regime from the Inter-American councils did so not because of inherentdisagreement, but because their internal situation was such that their governmentsfelt they could not act.

    A participao brasileira na VIII RMRE deve ser entendida como ainterseco entre um projeto de poltica externa claramente delimitado nogoverno Jnio Quadros, que definiu uma linha poltica para o caso cubano em1961, e que foi mantido por Goulart no incio de 1962, mais exigncias doquadro poltico domstico aps a crise da renncia, caracterizado pelaradicalizao poltica. Assim, a Poltica Externa Independente (PEI), teve emCuba um desafio concreto e a utilizou, possivelmente, como vitrine de atuao.Sua liberdade de movimento, porm, estava seriamente limitada pelacontrovrsia interna.

    Formulada pelo presidente Jnio Quadros e seu chanceler, Afonso Arinos,a PEI adquiriu essa designao posteriormente, j na gesto de San TiagoDantas. Mesmo assim, convencionou-se denominar todo o perodo com aexpresso Quadros-Goulart , devido continuidade que se pde observar.Os princpios fundamentais da PEI foram publicados em artigo de Quadrospara a Foreign Affairs de agosto de 19619.

    O presidente Jnio Quadros destaca a dimenso e a fora do crescimentopopulacional e do potencial econmico do pas, e afirma que o Brasil deixarade seguir uma linha subsidiria para perseguir efetivamente seus interesses. Oprincipal desses interesses centrava-se no desenvolvimento econmico; esteorientava a poltica externa, a partir da busca por se tornar independente daGuerra Fria, aproveitando assim todas as oportunidades que fossem oferecidas.

    Reafirma a ligao brasileira com o mundo ocidental, com a prioridade da9 Publicado tambm na Revista Brasileira de Poltica Internacional de dezembro de 1961

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    democracia (fala da associao brasileira ao bloco ocidental), o reconhecimentoda legitimidade da luta pela liberdade econmica e poltica. No deixa dereconhecer que o socialismo no interessa aos pases latino-americanos, mas,dada a pobreza que assolava a regio, ele poderia avanar. Percebe-se, assim, a

    relao que o autor faz entre o desenvolvimento econmico e o enfrentamentoda ameaa comunista, retomando, de certa forma, o argumento central da OPA.

    O princpio de ao retirado dessa definio consistia em impedir que aconfrontao ideolgica afetasse as possibilidades de crescimento que o pastanto necessitava. Conforme afirmou a Mensagem ao Congresso Nacional de196110: O Brasil s pode ver a causa ideolgica condicionada por seu carternacional e seus interesses legtimos. O grande interesse brasileiro, nesta fasehistrica, o de vencer a pobreza, o de realizar efetivamente seu desenvolvimento.O desenvolvimento e a justia social so da essncia mesma dos ideais

    democrticos.Salienta Clodoaldo Bueno (2002: 310), que a poltica de Jnio Quadros,

    mesmo que possusse um importante componente regional, partia de umaconcepo universal e se caracterizava essencialmente por seu pragmatismo.Buscava promover os interesses nacionais, adotando uma posio independente(e no neutralista, segundo o presidente), perante outras naes, sendo queum dos elementos fundamentais caracterizava-se pela busca pordesenvolvimento dentro de um quadro internacional especfico. A Guerra Friaseparava as naes em blocos, o que limitava a margem de ao, principalmenteem relao aos mercados; por exemplo, o Brasil ficava limitado majoritariamente Europa e aos Estados Unidos. O termo independente, portanto, talvezpossa ser utilizado tanto como uma afirmao da ruptura com linhas anterioresda Poltica Externa Brasileira, quanto como uma declarao em relao GuerraFria, de independncia da disputa ideolgica.

    Poucos eventos conjugaram os desafios da PEI como Cuba. Conformeapontado na primeira parte do presente trabalho, no incio da dcada de 1960,Cuba era (junto com Berlim), elemento de grande tenso da disputa ideolgicaentre Estados Unidos e a Unio Sovitica. Para um pas que buscava aindependncia ideolgica, a atuao nesse caso seria praticamente uma vitrine,principalmente para os pases do bloco oriental.

    Havia, tambm, as variveis regionais e as tendncias histricas dorelacionamento interamericano, que inspiravam a busca pela no-intervenoe solues negociadas contra aes intervencionistas, as quais poderiam abrirprecedentes (talvez at contra atitudes como a PEI). Finalmente, tinha-se adiplomacia entre Brasil e Estados Unidos, sobre a qual se buscava imprimirum relacionamento mais igualitrio (e no mera oposio), mas cujas

    repercusses no Brasil, dividiam a opinio pblica. Assim, a questo cubana10 In: ARINOS, Filho. Diplomacia Independente. p. 156.

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    possivelmente consistiu num dos maiores testes da PEI, o que destaca aimportncia da VIII RMRE.

    A construo da poltica de Jnio Quadros em relao Cuba iniciou-seainda na campanha presidencial, em visita que o ento candidato fez, junto

    com Arinos em 1960. Segundo as consideraes deste (2001: 129), a questopassaria pela revitalizao da ONU e da OEA, com a reintegrao de Cuba aosistema, processo cuja mediao brasileira poderia ser til. J nesse momento,Arinos tratava de se evitar jogar os cubanos para o bloco oriental.

    At 1961, as relaes das Amricas com Cuba ainda no haviam entradoem fase mais aguda. O governo JK via a Revoluo Cubana sob o prisma daOperao Pan-Americana e o relacionamento com os Estados Unidos. Nasreunies interamericanas, principalmente na VII RMRE (em 1960) na qualse condenou o comunismo sem referncias diretas a Cuba em tendncia

    mais prxima aos Estados Unidos. No assumiu, contudo, apoio completo aogoverno Eisenhower, defendendo, dentre outros, o princpio da no intervenoe a busca por uma soluo pacfica11.

    Foi no governo Jnio Quadros que o Brasil construiu um plano maiselaborado para o tratamento do tema. Com a radicalizao do conflito,ocorreram vrias gestes do governo norte-americano, fosse para pressionarpor uma reunio de consulta, ou um posicionamento contrrio a Castro, fossepara pedir a ajuda brasileira em uma soluo negociada12. De uma dessasconsultas (25 de abril), resultou memorando de 2 de maio de 1961 (Arinos,2001: 179), do chanceler para o presidente, no qual se aprofunda a questo ese define linhas de ao.

    O chanceler afirma que, dada a capacidade de os Estados Unidos conseguiremapoio de outros governos para uma reunio de consulta, o Brasil no deveriadeixar de comparecer, principalmente em razo de sua importncia nocontinente. Em questo, encontravam-se, na viso do ministro, duas tesesaparentemente antagnicas: a solidariedade continental e a no-interveno.O ponto mais sensvel talvez fosse a posio norte-americana, que parecia aochanceler decidida ao diplomtica e jurdica (sanes), at porque umainterveno sem cobertura legal lhe criaria uma situao extremamente grave(como de fato ocorreu com a Baa dos Porcos).

    Com esse pressuposto, afirmou-se que duas linhas de ao eram possveisao Brasil: na primeira, evitar-se-ia a condenao do comunismo, mas o resultadono seria profcuo, visto que isolaria o pas no continente, alm de efeitosdanosos com relao opinio pblica interna. Por outro lado, a possibilidadede apoiar uma interveno em Cuba poderia afetar a linha de independncia

    11 Documento de 24 de novembro de 1960, assinado por Vasco Leito, apontava uma possibilidade dediminuio da tenso entre Cuba e EUA. Embaixada dos Estados Unidos do Brasil em Cuba, telegraman 255/920. (24h)(22). Arquivo Ministrio das Relaes Exteriores.12 Informe da chancelaria brasileira ao ministro Arinos. In : ARINOS, Filho. p. 175

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    da poltica externa, que tinha como pontos fundamentais o apoio ao princpioda no-interveno e luta anticolonialista. Acreditava-se, assim, que comhabilidade e boa-f, o pas conseguiria entrosar as regras de direito e manteruma defesa coerente da solidariedade interamericana. Diante da constatao

    de que caso Cuba radicalizasse sua posio, os Estados Unidos interviriam,disse Arinos (Arinos Filho, 2001: 175): Ento, ns nos oporamos interveno em Cuba, feita a pretexto de prevenir a Amrica contra a intervenodo comunismo internacional. Mas, ao mesmo tempo, ns concordaramoscom todas as medidas preventivas que visassem evitar os riscos que o comunismotraria a certos pases mais expostos da Amrica do Sul [...], os quais, realmente,ficaro em srios apuros, caso se consolide, em Cuba, um fidelismo comunista.Faramos algo como o cordo sanitrio que cerca a Alemanha oriental.

    Esse posicionamento permaneceu durante todo o governo de Jnio

    Quadros13, tanto na condenao ao episdio da Baa dos Porcos, quanto natentativa do Brasil de auxiliar as partes a chegarem a um acordo, como ocorreuno episdio relatado por Roberto Campos, entre Che Guevara e o embaixadornorte-americano, na Conferncia de Punta Del Este de agosto de 1961, poucosdias antes da renncia do presidente.

    A poltica desenvolvida por Jnio Quadros foi mantida na soluoparlamentarista do governo de Joo Goulart. O programa de governoapresentado pelo presidente do Conselho de Ministros, Tancredo Neves, Cmara dos Deputados14, mantinha as linhas da PEI, lideradas agora pelochanceler San Tiago Dantas. A continuidade fica patente na conhecida reunioda Casa das Pedras. Reuniram-se diplomatas, polticos e especialistas, grandeparte nomeados ainda no governo Jnio, para discutir diversos assuntos daagenda externa, principalmente Cuba. Na mesma linha do memorando deAfonso Arinos, Vasco Leito da Cunha props o que ficou chamado de projetode Finlandizao de Cuba, consubstanciada no tratado de obrigaesnegativas. Isso no significava a aceitao de um regime comunista (asautoridades brasileiras condenavam-no unanimemente); centrava-se na garantiacubana de no contrair alianas militares, limitar suas compras de armas eabster-se de propaganda poltica nos vizinhos (criando uma situao semelhantea da Finlndia). San Tiago Dantas aprovou o plano imediatamente, cujas linhasgerais foram expressas na alocuo de 12 de janeiro de 1962.

    Em Punta del Este, assim, o Brasil, em grande medida, manteve posiocoesa, a partir de planos elaborados ao longo de 61. O Brasil buscava umaforma de atuao internacional que, ao mesmo tempo em que defendia valorescomo a democracia ocidental, permitia o contato e negociao com outrosblocos. A independncia significava a diminuio da influncia do confronto

    13Discursos de Arinos na Cmara dos Deputados. 17 de maio, 6 de junho e 28 de julho.14 In: DANTAS. 1962. p. 17.

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    ideolgico na formulao da poltica externa. Isso constituiu ponto essencialpara a posio brasileira na VIII Reunio.

    Houve, porm, contradies. Se, por mais que fosse ideal, o tratado deobrigaes negativas encontrava resistncia nos prprios cubanos o que

    inviabilizava-o por que manter o posicionamento e no aceitar medidas maisenrgicas? Por outro lado, se se vislumbrava a possibilidade de aplicao dotratado e a mediao entre Cuba e o hemisfrio, por que houve absteno, eno se votou contra a resoluo que suspendia o governo revolucionrio?

    As respostas a essas indagaes possivelmente se encontram no segundoponto de influncia da poltica externa brasileira para a poca, a questo interna.Desde o incio da Revoluo Cubana, em 1959, a viso dos atores domsticosdividia-se, em grande medida, pela prpria polarizao no pas. SegundoSkidmore (2000: 18), no fim da dcada de 1950 e incio dos anos 1960, o

    Brasil viu-se em profunda crise institucional, resultante do fracasso em criarinstituies e processos polticos que pudessem canalizar e dirigir as rpidasmudanas sociais e econmicas que transformaram o Brasil, desde 1930. Ogoverno de Jnio enfrentou graves problemas, polticos e econmicos, os quaispodem ser relacionados, por exemplo, aos motivos que levaram criao da PEI.

    A prpria execuo da PEI, especialmente no caso de Cuba, causavacontrovrsias. Jos de Brito Cruz (1989: 70), afirma que um dos objetivos daPEI era de mbito interno, de cooptar setores da esquerda para um governooriginrio de uma coalizo conservadora. No era possvel, porm, desconsiderara oposio anticomunista, o que o prprio chanceler Arinos revela emmemorando (2001: 128), elaborado aps a visita do embaixador Cabot.

    Talvez seja importante retomar as consideraes iniciais sobre a PEI.Mesmo que Jnio buscasse cooptar a esquerda, mais provvel pelos discursos que a poltica externa buscava efetivamente isolar-se da disputa ideolgica,favorecendo interesses nacionais, com qualquer dos blocos. O resultado maisimediato, porm, foi principalmente a oposio dos dois lados. Um dos eventosmais reveladores dos problemas internos da PEI foi o episdio da condecorao

    de Che Guevara. Provavelmente, resultado de uma intermediao de Jnioentre Cuba e a Santa S, ocorreu pouco antes da renncia e atraiu ainda maisateno para a questo cubana.

    Tem-se, em seguida, a crise da posse e as questes da ascenso do presidenteJoo Goulart. Mais uma vez, conforme Brito Cruz (1989: 71), o governoGoulart nasce sobre o signo da suspeio ideolgica. A continuidade da linhaadotada por Jnio, assim, torna-se mais difcil, especialmente s vsperas daVIII RMRE. Mesmo setores mais moderados entram no debate, como foi ocaso da carta publicada por quatro ex-chanceleres, a qual pedia medidas mais

    enrgicas em relao ao governo Castro. Mario Gibson Barbosa (1992), relataque a proposta brasileira tinha o apoio de vrios setores da esquerda, mas ele setornava incmodo por polarizar a questo.

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    As presses internas so observadas claramente nas instrues do Conselhode Ministros delegao brasileira. O documento afirma que o Brasil novotaria sanes contra Cuba, pois essas medidas apenas serviriam para agitar aopinio pblica e radicalizar ainda mais a poltica interna do Brasil. Tanto os

    relatos de Arinos e Gibson Barbosa, quanto reportagens da poca (por exemplo,artigo do Correio Paulistano de 20 de janeiro), demonstram a clara influnciados eventos internos na posio brasileira em Punta del Este.

    Talvez o principal efeito das presses domsticas tenha sido o de limitaras opes da delegao e no modificar sensivelmente a linha de ao traadaainda no governo Jnio. O Brasil manteve uma posio consistente com osprincpios da PEI e ganhou a simpatia de diversas delegaes e setores daimprensa ocidental, como o caso do New York Timese The Economist. O apegoinflexvel ao Direito, porm, pode tanto significar a consistncia do respeito

    brasileiro s regras interamericanas, quanto a tentativa de utilizar-se deargumentos neutros, sobre os quais nenhuma posio ideolgica poderia sesobrepor. Assim, se possvel que a posio contrria suspenso de Cubatenha se dado pelo respeito s normas, especialmente do chanceler brasileiro,pode ser que buscasse se isolar da deciso; conforme o relato de OliveirosFerreira no incio deste trabalho, a questo jurdica no era impossvel de serresolvida.

    A absteno brasileira sobre suspenso de Cuba da OEA refletia, de certaforma, a necessidade de minimizar controvrsias internas. Ao mesmo tempo,aprovou-se a suspenso cubana da Junta Interamericana de Defesa. Essas duasvotaes possivelmente indicam o desejo de atender s reivindicaes diversas,da esquerda (absteno suspenso), e da direita (sim na suspenso da JID).No se pode esquecer, conforme Gibson Barbosa, que o presidente Goulartchegou a mudar de posio em razo da presso norte-americana, mas amodificao no se concretizou devido recusa do chanceler em atender aligao, pouco antes da sesso final.

    Na volta ao Brasil, San Tiago enfrentou problemas (em debates na Cmara),

    e provavelmente sua atuao em Cuba influenciou negativamente a suaindicao a primeiro-ministro. Mesmo assim, a poltica adotada somente foialterada com o golpe de 1964.

    A posio brasileira em Punta del Este pode ser entendida, assim, comoo resultado de um projeto de poltica externa traado em razo das necessidadesdo pas dentro de uma conjuntura internacional especfica, no qual destacava-se o problema cubano. Cuba conjugava diversos elementos da realidadeinternacional e tornava-se uma espcie de vitrine para a demonstrao do novoposicionamento do pas. Era necessrio encontrar uma soluo negociada, dentro

    dos princpios da PEI, mas elementos domsticos limitavam a participaonacional. O resultado da VIII RMRE, mesmo sem a prevalncia completa daviso brasileira, foi relevante na concretizao dos princpios e idias contidos

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    nos discursos que instituram a PEI e na revelao dos seus limites domsticose internacionais.

    Concluso

    No presente trabalho se procurou analisar a posio brasileira na VIII RMRE,a qual, dentre outras medidas, suspendeu o governo de Fidel Castro da OEA.Para tanto, procedeu-se contextualizao da questo e o caminho percorridoat a aprovao e incio da conferncia, em janeiro de 1962. Em seguida, analisou-se a reunio, seus argumentos e resultados. Com todos os elementos geraisestabelecidos, estudou-se a poltica externa brasileira. Cabe, talvez, voltar aoquestionamento inicial do embaixador Teixeira Soares, sobre o mrito da reunio.

    Uma viso positiva da VIII RMRE possvel tanto do ponto de vista do

    sistema (que favoreceu a suspenso), quanto da posio brasileira: a confernciaatingiu resultados satisfatrios, a partir de uma viso do contexto da GuerraFria (sua escalada na regio), e a necessidade de manuteno da solidariedadecontinental; exatamente essa questo do conflito global interferindo no planoregional (ou mesmo domstico), que o Brasil buscava superar, neutralizando oconflito ideolgico, por exemplo, pela Finlandizao de Cuba. Portanto, apoltica externa brasileira traduzida na proposta de Punta del Este, talvez fosse amais eficaz para a Amrica Latina, por afastar-se do conflito ideolgico e abrirespao para o tema do desenvolvimento. Como isso no foi possvel, o resultadofoi satisfatrio se observado dentro da conjuntura mundial. Nesse sentido, talvezseja possvel afirmar que o resultado da VIII RMRE foi um second best.

    H tambm a relao entre o evento e as mudanas na poltica externabrasileira. A reunio demonstrou a fora e os limites da PEI. Talvez este tenhasido, em relao poltica externa brasileira, o maior mrito da Conferncia dePunta del Este de janeiro de 1962.

    Recebido em 11 de abril de 2005

    Aprovado em 10 de setembro de /2005

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    Resumo

    Considerada por San Tiago Dantas como uma reunio que marcou poca na formaodo americanismo, a Conferncia de Punta del Este, de janeiro de 1962, dedicou-se atratar dos efeitos da Revoluo Cubana no hemisfrio. Declarou-se a incompatibilidadedo comunismo com os princpios americanos e suspendeu-se Cuba da JuntaInteramericana de Defesa (JID) e da OEA. A participao brasileira teve grande destaquee repercusso tanto interna quanto internacionalmente. Procura-se analisar as razes

    que levaram o Brasil a adotar a posio de condenar o comunismo cubano e aprovar asuspenso de Cuba da JID, sem, porm, concordar com sua suspenso da OEA.

    Abstract

    Considered by San Tiago Dantas as a landmark meeting for the formation ofAmericanism, the Conference of Punta del Este of January 1962 dealt with the effectsof the Cuban Revolution on the Hemisphere. A resolution was approved declaring theincompatibility of communism with American principles, suspended Cuba from theInter-American Defense Board (IDB) and from the Organization of American States (OAS).The Brazilian participation gained high distinction and had repercussions not onlydomestically but also internationally. The present work seeks to analyse the reasons thatled Brazil to condemn communism in Cuba and approve the suspension of this countryfrom the IDB, without, however, agreeing to the suspension of Cuba from the OAS.

    Palavras-chave: Conferncia de Punta del Est Poltica Externa BrasilKey words:Conference of Punta Del Est Foreign Affairs Brazil