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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013) DOURADOS (MS) 2017

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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE

O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)

DOURADOS (MS) – 2017

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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE

O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História

(PPGH), da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD),

como requisito parcial para a obtenção do Título de Doutor em

História.

Área de concentração: Fronteiras, Identidades e

Representações.

Orientador: Professor-doutor Losandro Antônio Tedeschi.

DOURADOS (MS) – 2017

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ANATÓLIO MEDEIROS ARCE

O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013)

TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD

Aprovada em ______ de dezembro de 2017

BANCA EXAMINADORA

Presidente e Orientador:

Losandro Antônio Tedeschi (Dr., UFGD)_____________________________________

2a Examinadora:

Gabriela Pellegrino Soares (Dra., USP)_______________________________________

3o Examinador:

Marcos Antonio da Silva (Dr., UFGD)_______________________________________

4o Examinador:

Protasio Paulo Langer (Dr., UFGD)__________________________________________

5o Examinador:

Fernando Perli (Dr., UFGD)________________________________________________

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Mirla Alcibíades, a quem dedico esta tese. Mulher, mãe, feminista e

venezuelana. Um gesto de carinho deste jovem a genuína representante da força

de todos aqueles/aquelas que enfrentam as batalhas diárias, sonham com um país

melhor e, muitas vezes, contestam a dura realidade dos países da América

Latina.

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Agradecimentos

A formação espírita não me permite deixar de agradecer a Deus. Portanto, assim

o faço!

Uma tese não surge por acaso. Somente uma pessoa a escreve, mas um número

incontável participa deste processo. Por isso, dividi os agradecimentos em três partes: à

família, aos amigos e, o mais penoso, a todos aqueles que participaram de minha

formação desde fevereiro de 1994, quando entrei na escola, com 5 anos, para ser mais

um aluno “chorão” do pré-escolar na Escola Municipal Clarisse Bastos Rosa.

Meu pai Elecir Ribeiro Arce e minha mãe Euzanete Medeiros da Costa

encabeçam esta lista. Foram meus primeiros professores. Minhas irmãs, Domitilla

Medeiros Arce e Ticiana Medeiros Arce, as colegas de jornada. Meu sobrinho Leonardo

Arce um valoroso aprendizado. A partir deles, agradeço aos meus avós paternos,

Elpídio Ribeiro e Eva Arce, e aos meus avós maternos, Lourdes de Medeiros e Paulino

Costa (in memoriam). Também menciono meus cunhados, Aparecido Montora e Nuno

Bexiga. A partir destas pessoas especiais, estendo meus agradecimentos a toda família,

a do Brasil e a de Portugal, composta por tios, tias, primos e primas.

O que seria de nós sem os amigos! Busco valorizá-los, pois cada um deles

participou desta trajetória. Não há como mencionar a todos, peço perdão aos que por

ventura me esqueci. Começo por Valdinei de Lima, Ênio Ribeiro, Elizeu Cristaldo,

Oslon Carlos, Marcelo Matos, Vinícius Matos e sua família. Ariane Saraiva, Erica

Manari, Regiane Pucker, Kátia Aline, Hávila Borges, Kellen Oliveira, Rubens Rosa,

Francieli Meira, Kezia Pereira, Silvana Nascimento, Rosangela Farias, Vinícius Farah,

Eliane Cristina...

Sem dúvida, as maiores dívidas em que contraí foram as acadêmicas. Muitos

deles podem ser considerados amigos. Mas, começo pela professora Nilza Coimbra, que

me ensinou a ler e escrever em 1994, tarefa nada fácil em se tratando de um aluno

introvertido, gago e canhoto. Pela senhora Coimbra, reverencio a todos os homens e

mulheres que foram meus professores até 2005, quando concluí o Ensino Médio. Em

nome de Alzira Menegat e André Faisting, agradeço a todos os docentes do curso de

Ciências Sociais. Uma saudação especial ao professor Marcos Antonio da Silva,

primeiro que me incentivou no estudo das questões políticas da América Latina.

No mestrado em História adquiri aprendizado e experiência. Agradeço aos

docentes e colegas da turma de 2011, em especial aos professores Paulo Cimó,

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Linderval Monteiro, Guillermo Johnson e Ceres Moraes. Aos colegas Maurício Lemes e

Mathiel da Silva. No doutorado agradeço aos colegas da turma de 2014, Ana Paula

Dias, Fernando Castro Além, Fernando Anjos e Jocimar Lomba. Também aos

professores Ana Maria Colling, Thiago Cavalcante e Anibal Herib Caballero Campos.

Poderia escrever várias páginas falando da honra de ser orientado pelo professor

Losandro Tedeschi. Porém, me limito a dizer um Muito Obrigado e expressar minha

eterna gratidão por este período de imenso aprendizado, com críticas e sugestões no

tocante a tese. Coloco o senhor Tedeschi no patamar de um autêntico educador e figura

comprometida com o desenvolvimento de uma historiografia dotada de capacidade

transformadora na América Latina. Tratou-se de alguém que exerceu o papel além de

orientador, é uma figura a se inspirar nas batalhas futuras.

Menciono os amigos e contatos que fiz em Caracas. Eles foram importantes. Por

meio deles, dispus de amplo acesso à Biblioteca Nacional (BN). Em nome de Orlando

Soto, estendo meus agradecimentos a todos os funcionários da instituição. O êxito com

as fontes venezuelanas foi possível graças a Mirla Alcibíades, a quem expresso

profundo agradecimento. Literata, mulher e mãe de Francisco Javier e tia de Sophia

Morales, señora Alcibíades me auxiliou e me hospedou em sua casa. Por seu

intermédio, conheci o historiador venezuelano Germán Carrera Damas que me recebeu

em seu apartamento, em 15 de abril de 2015. Em entrevista foi possível conhecer

melhor a amplitude do culto a Bolívar na Venezuela. Sem dúvida um aprendizado ao

ouvir alguém que estuda o tema há mais de 40 anos.

Agradeço aos professores que fizeram parte das bancas de qualificação e defesa.

Começo pela professora Gabriela Pellegrino, que encontrou um espaço em sua agenda e

gentilmente aceitou participar. Em seu nome, agradeço aos demais docentes: Fernando

Perli, Protasio Paulo Langer, Marcos Antonio da Silva e Losandro Tedeschi e o suplente

Leandro Baller. Por fim, expresso minha gratidão a duas instituições: Universidade

Federal da Grande Dourados (UFGD) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal

de Ensino Superior (CAPES). Essa última forneceu uma bolsa que me proporcionou,

por meio de R$ 2.200 mensais, dedicar-me a tese com mais tranquilidade.

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Resumo

O bolivarianismo pode ser caracterizado como o culto a Simón Bolívar, figura histórico-política

elevada à categoria de Libertador e herói nacional pela historiografia da Venezuela. Desde

1842, o culto a este personagem da Independência vem sendo um instrumento, utilizado por

grupos políticos, para ascender e se manter no poder. Todos os presidentes venezuelanos, em

distintos graus de intensidade, prestaram homenagens e reverências ao prócer. A partir desta

premissa, a tese possui o objetivo de analisar o culto ao Libertador durante o governo do

presidente Hugo Chávez, no poder de 1999 a 2013. Com base nas fontes, a tese sustenta que no

governo de Chávez houve a construção de um bolivarianismo ressignificado, demonstrado pela

retórica do presidente e influenciada pela ação do tempo histórico. Tratou-se de uma ruptura,

pois Chávez se posicionava no cenário político como alguém ‘distinto’ de seus antecessores.

Porém, esta ruptura não atingiu os propósitos pelos quais o culto tem sido usado ao longo da

história, ou seja, Chávez manteve o bolivarianismo com os mesmos propósitos de seus

antecessores: ascender e se manter no poder. Esta tese se ancorou em diversas fontes, recolhidas

online e in loco na Venezuela. As principais foram os discursos do presidente Chávez, forma

mais usual de perceber como o regime construiu sua retórica bolivariana e matérias publicadas

nos jornais Correo del Orinoco (porta-voz do regime) e Folha de S. Paulo (crítico). A maneira

como o presidente utilizou o culto foi um dos principais instrumentos de mobilização social em

torno do presidente. Isso o permitiu vencer praticamente todas as eleições, plebiscitos e demais

consultas populares realizadas ao longo de 14 anos. Submeter-se ao crivo de sufrágios foi uma

das estratégias adotada por Chávez para se relegitimar na presidência e aprovar suas políticas.

Por isso, o culto a Bolívar desempenhou importante função na manutenção de Chávez e seu

grupo político no poder.

Palavras-chave: Bolivarianismo; Culto; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;

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Abstract

The Bolivarianism is the cult of Bolívar, a political-historic symbol raised to Liberator and

national hero level by Venezuelan historiography. Since 1842, the cult for this Independence

process figure has been a tool, used by political groups, to ascend and keep the position into the

power. All the Venezuelans president, too many acuteness, honored and reverenced Bolívar.

From this point, the thesis has the aims to analyze the cult of Bolívar during Hugo Chávez

administration, on office between 1999 and 2013. By the sources the thesis supports that

Chávez’s administration had built a meaningless Bolivarianism. It was demonstrated by

presidential rhetoric and influenced for historic action. There was a rupture because Chávez

took place on political arena like someone ‘different’ in relation to predecessors. Meanwhile,

this rupture was incapable to change the intension to which the Bolivarianism has been used

throughout history. Chávez kept the cult of Bolívar function like the predecessors: ascend and

keep into the power. This thesis is based on many sources gathered online and in loco in

Venezuela. The main of them was President Chávez speeches, the easiest way to perceive how

Chávez’s regime built the Bolivarian rhetoric and articles published on newspapers like Correo

del Orinoco (government supporter) and Folha de S. Paulo (opposition). The way how the

president used the cult was one of the means tools of social mobilization around the Chávez.

This permitted him to win almost all elections and popular referendums realized over 14 years.

Submitting to suffrages was a strategy adopted by Chávez to remain on the presidential office

and indorsed the regime’s politics. Thus, the cult of Bolívar played an important role to keep

Chávez and him political group into the power.

Keywords: Bolivarianism; Cult; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;

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Resumen

El bolivarianismo es caracterizado como el culto a Simón Bolívar, personaje histórico-político

alzado al rango de Libertador y héroe nacional por la historiografía de Venezuela. Desde 1842,

el culto a este personaje de la Independencia ha sido un instrumento, utilizado por grupos

políticos, para ascenderse y mantenerse en el poder. Todos los presidentes venezolanos, en

distintos grados de intensidad, rindieron homenajes y reverencias al prócer. Bajo esta premisa,

la tesis posee el objetivo de analizar el culto al Libertador durante el gobierno del presidente

Hugo Chávez, en el poder entre 1999 e 2013. Fundamentado en las fuentes, la tesis sostiene que

en el gobierno de Chávez hubo la construcción de un bolivarianismo resignificado, demostrado

por la retórica del presidente e influenciada por la acción del tiempo histórico. Hubo una

ruptura, pues Chávez se posicionaba en el escenario político como alguien ‘distinto’ de sus

antecesores. Sin embargo, la ruptura tuvo sus límites, pues no logró cambiar la finalidad por la

cual el culto ha sido utilizado en la historia, es decir, Chávez mantuvo el bolivarianismo con los

mismos propósitos de sus antecesores: ascenderse y mantenerse en el poder. Esta tesis se

fundamentó en distintas fuentes, buscadas online e in loco en Venezuela. Las principales fueron

los discursos del presidente Chávez, forma más aclarada de percibir como el régimen construyó

su retórica bolivariana, y artículos publicados en periódicos como Correo del Orinoco

(oficialista) y Folha de S. Paulo (crítico). La manera como el presidente utilizó el culto fue una

de las principales herramientas de movilización social alrededor del presidente. Eso lo permitió

vencer casi todas las elecciones, plebiscitos, referendos y otras consultas populares realizadas a

lo largo de 14 años. Someterse al sufragio fue una de las estrategias adoptadas por Chávez para

relegitimarse en la presidencia y aprobar sus políticas. Por eso, el culto a Bolívar desempeñó

importante rol en la manutención de Chávez y su grupo político en el poder.

Palabras-clave: Bolivarianismo; Culto; Hugo Chávez; Simón Bolívar; Venezuela;

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Résumé

Le bolivarianisme peut être défini comme le culte a Simon Bolivar, une figure historique et

politique qui a été augmenté au catégorie de Libérateur et héros nationale pour la

historiographie vénézuélienne. Depuis 1842, le culte a cette personnage de l'Indépendance s'est

devenu un instrument, utilisé par les groupes politiques, pour accéder et continuer au pouvoir.

Tous les présidents vénézuéliennes, en différents intensités, ont rendu l'hommage et la révérence

au Bolivar. Après cette prémisse, la thèse a l'objective d'expliquer le culte au Libérateur pendent

le gouvernement du président Hugo Chávez, dans le pouvoir de 1999 a 2013. Désormais les

sources historiques, la thèse soutient que dans le gouvernement de Chávez a eu la construction

d'un bolivarianisme signifié. Il l'a démontré a travers de la rhétorique du président et influencé

par l'action du temps historique. C'était une rupture parce que Chávez s'est positionné dans le

scène politique comme l'homme 'différent' devant leurs prédécesseurs. Cependant, cette rupture

s'est limitée aux mêmes but qu'ils avaient utilisé tout au long de l'histoire. Chávez a maintenu le

bolivarianisme avec les mêmes but de leurs prédécesseurs : accéder et continuer au pouvoir.

Cette thèse se fondement aux discours du président Chávez, la forme plus commun de percevoir

comment le régime a construit la rhétorique bolivarienne et les articles publiés par les journal

Correo del Orinoco (la porte-parole du régime) et Folha de S. Paulo (critiqué). La forme

comme le président a utilisé le culte l'a été des instruments aux mobilisations sociales autour du

président. Ceci lui a permit vaincre presque tous les élections et référendum réalisé pendent 14

ans du domaine. Aussitôt, le culte au Bolivar a joué l'importante rôle au Chávez et lui groupe

politique a la présidence.

Mots-clef : Bolivarianisme ; Culte ; Hugo Chávez ; Simon Bolivar ; Venezuela ;

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Lista de Ilustrações

IMAGEM 1 – Mapa da Capitania Geral da Venezuela de 1805............................................p.277

IMAGEM 2 – Mapa atual da Venezuela................................................................................p.277

IMAGEM 3 – Simón Bolívar.................................................................................................p.278

IMAGEM 4 – La Muerte del Libertador…………………………………………………....p.278

IMAGEM 5 – Tenente-coronel Hugo Chávez.......................................................................p.279

IMAGEM 6 – Chávez mostra o rosto de Simón Bolívar.......................................................p.279

IMAGEM 7 – Chávez ‘entrega’ a espada a Simón Bolívar e ambos são ‘amparados’ por Jesus

Cristo no ‘céu’.........................................................................................................................p.280

IMAGEM 8 – Panteão Nacional da República Bolivariana da Venezuela............................p.280

IMAGEM 9 – Entrevista com o historiador venezuelano Germán Carrera Damas...............p.281

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Lista de Tabelas

Tabela 1 – Preço do Barril de Petróleo no mercado internacional (1998-2013)....................p.276

Tabela 2 – Resultados de Eleições Presidenciais (1998/2000/2006/2012)............................p.276

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Lista de Abreviaturas e Siglas

3D – Terceira Dimensão

AD – Ação Democrática (partido político)

AGN – Arquivo Geral da Nação

ANC – Assembleia Nacional Constituinte

ANH – Academia Nacional de História

BCV – Banco Central da Venezuela

BN – Biblioteca Nacional

CD – Coordenadora Democrática (coalizão opositora a Chávez)

CNE – Conselho Nacional Eleitoral

COMACATE – Coronéis, Majores, Capitães e Tenentes (abreviações)

Copei – Comitê de Organização Político-Eleitoral Independente (partido político)

CTV – Confederação dos Trabalhadores da Venezuela

DNA – Deoxyribonucleic Acid

EBR-200 – Exército Bolivariano Revolucionário 200

Fedecámaras – Federação de Câmaras (sindicato patronal)

Globovision – Emissora de TV da Venezuela

LIT-CI – Liga Internacional de los Trabajadores-Cuarta Internacional

MBR-200 – Movimento Bolivariano Revolucionário 200

Mercal – Mercados y Alimentos (Missão Social implantada na era Chávez)

MTB – Mycobacterium Tuberculosis

MUD – Mesa de Unidade Democrática (coalizão de partidos opositores a Chávez)

MVaR – Movimento Quinta República (coalizão de partidos apoiadores a Chávez)

Oficialista – Aliado do governo

PCV – Partido Comunista da Venezuela

PDVSA – Petróleos de Venezuela Sociedad Anónima (estatal petrolífera)

PJ – Primero Justicia (partido político)

PODEMOS – Por la Democracia Social (partido político)

PPT – Partido Pátria para Todos

PSUV – Partido Socialista Unido de Venezuela

RCTV – Radio Caracas de Televisão

TSJ – Tribunal Supremo de Justiça

Tves – Televisora Venezolana Social

UCV – Universidade Central da Venezuela

UNESCO – United Nations Education, Scientific and Cultural Organization

UPV – União Popular Venezuelana (partido político fundido ao PSUV)

URD – União Republicana Democrática (partido político)

US$ – Dólares Norte-americanos

VTV – Venezolana de Televisión (canal estatal)

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Sumário

Lista de Ilustrações..................................................................................................................p.12

Lista de Tabelas.......................................................................................................................p.13

Lista de Abreviaturas e Siglas................................................................................................p.14

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................p.17

CAPÍTULO 1 – Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da

Venezuela.................................................................................................................................p.29

Introdução..................................................................................................................................p.29

1.1 – Simón Bolívar e a Independência da Venezuela..............................................................p.29

1.2 – De um culto de um povo a um culto para o povo: o bolivarianismo na historiografia

venezuelana...............................................................................................................................p.45

Considerações finais do capítulo...............................................................................................p.59

CAPÍTULO 2 – As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez........................p.61

Introdução..................................................................................................................................p.61

2.1 – O comandante-presidente e o bolivarianismo militar.......................................................p.62

2.2 – Entre o ‘letrado’ e o ‘popular’: a confluência bolivariana de Chávez..............................p.76

2.3 – Dramaticidade e historiografia: o ‘assassinato’ de Simón Bolívar..................................p.89

2.4 – Um mestiço de nariz ancha: o Simón Bolívar do presidente Hugo Chávez..................p.106

Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.119

CAPÍTULO 3 – Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón Bolívar..............p.121

Introdução................................................................................................................................p.121

3.1 – A tentativa de golpe de Estado em 1992: um por ahora a Bolívar e uma vitória a

Chávez.....................................................................................................................................p.122

3.2 – O Poder Constituinte: a institucionalização da República Bolivariana na Venezuela...p.138

3.3 – O golpe de 2002: a reação contra o projeto atribuído a Simón Bolívar.........................p.149

Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.161

CAPÍTULO 4 – A exploração do culto a Bolívar como vantagem eleitoral a Chávez:

eleições e referendos na Venezuela bolivariana..................................................................p.163

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Introdução................................................................................................................................p.163

4.1 – O Referendo Revocatório de agosto de 2004: o triunfo de Bolívar e a vitória de

Chávez.....................................................................................................................................p.164

4.2 – A Reforma Constitucional de dezembro de 2007: nem sempre “Bolívar vence”..........p.181

4.3 – A reeleição sem limites: um referendo para manter o ‘segundo Libertador’ na presidência

da República............................................................................................................................p.205

4.4 – Eleições e comoção social: Bolívar e Chávez nas presidenciais de 2012......................p.226

Considerações finais do capítulo.............................................................................................p.247

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................p.249

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................p.256

ANEXOS................................................................................................................................p.276

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INTRODUÇÃO

Hugo Rafael Chávez Frías foi presidente da Venezuela de 2 de fevereiro de 1999

a 5 de março de 2013. Tratou-se de um período extremamente longo, se comparado com

outros presidentes de nações latino-americanas da mesma época, pois foram 14 anos,

um mês e três dias na presidência da República.

Este período histórico pode apresentar duas denominações: era Chávez e

Revolução Bolivariana. O primeiro se limita a definir os 14 anos em que Hugo Chávez

esteve no poder; o segundo denomina o processo político desencadeado após sua

ascensão à presidência, ou seja, se refere às políticas implantadas pelo regime, sua

Constituição, regras e demais ordenamentos, dinâmica social e relação Estado-

sociedade civil. Em certa medida, a Revolução Bolivariana continua (com revezes) até o

presente momento (2017) por meio do presidente Nicolás Maduro, escolhido por

Chávez para sucedê-lo alguns meses antes de morrer1.

Entre 1999 e 2013, a Venezuela passou por transformações estruturais que

refletiram em distintos âmbitos desta sociedade. De certa maneira, tais mudanças foram

viabilizadas pela capacidade do presidente em agregar apoio político e popular em torno

delas, como uma forma de conter a crise econômica, política e social, vivida pelo país

desde a década de 1980. A ampliação dos mecanismos de participação popular,

estabelecidos pela Constituição promulgada em 1999, possibilitou a grande maioria

destas mudanças. Por meio dos inúmeros referendos, plebiscitos e demais consultas

populares, realizados entre 1999 e 2013, Chávez construiu uma maioria capaz de

relegitimá-lo no poder e de respaldar a maioria das políticas implantadas pelo regime.

No entanto, estas vitórias também foram viabilizadas devido a um estilo próprio

de condução presidencial, perceptível em três estratégias adotadas por este presidente:

reforçar a tese de que a Venezuela era a pátria de Simón Bolívar, ao conferir

notoriedade e ressignificar o culto à figura do herói da Independência venezuelana;

vislumbrar no petróleo e na diplomacia petroleira uma estratégia para aumentar o poder

de influência da Venezuela no âmbito regional, bem como construir a retórica da

unidade nacional em torno de seu nome; e, por fim, chamar atenção da mídia

internacional, ao ser informal para com autoridades estrangeiras, utilizar frases

1. Em razão da abrangência cronológica proposta por esta tese, isto é, restringe-se a analisar o período em

que Chávez esteve no poder, ambos os termos serão tratados como sinônimos.

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polêmicas, ao cantar, dançar e contar piadas e, por fim, ao desferir bravatas contra

líderes das potências mundiais, sobretudo aos presidentes norte-americanos.

Contudo, a ascensão de Chávez ao poder não se limitou a instituir uma nova

postura de condução presidencial ou a alterar a realidade estrutural da Venezuela,

embora estes pontos devam ser considerados em qualquer análise que abarque este

período. Houve uma mudança no tocante a visibilidade do país no âmbito internacional.

Com a chegada do ex-militar ao Palácio de Miraflores2, a imprensa em nível mundial

passou a conferir visibilidade maior à Venezuela e a seus acontecimentos políticos. Isso

já caracteriza uma importante mudança. Embora a abordagem feita pela grande maioria

dos meios de comunicações ao redor do mundo fosse superficial, pois enfatizava o lado

‘excêntrico’ de Chávez, sua enorme devoção a Bolívar, a maneira pouco protocolar de

se dirigir às autoridades estrangeiras e sua rispidez em relação aos Estados Unidos; tudo

isso contribuiu para tornar a Revolução Bolivariana conhecida em nível internacional e

mais discutida no âmbito acadêmico.

Entretanto, ainda assim haviam poucas pesquisas acadêmicas sobre a Venezuela,

sentidas na dificuldade de entender e/ou explicar dois acontecimentos cruciais à

reflexão de sua história recente: a tentativa de golpe de Estado de fevereiro de 1992,

comandada pelo então tenente-coronel Chávez; e no golpe de Estado contra o já

presidente Hugo Chávez em abril de 2002. No primeiro caso, a dificuldade estava em

explicar como um militar golpista pôde angariar tanto apoio popular após uma tentativa

violenta de chegar ao poder. No segundo, a barreira estava em explicar como conseguiu

retornar à presidência, pois a forma em que foi descrito este acontecimento indicava que

não mais voltaria ao cargo, pois havia perdido o respaldo das Forças Armadas.

Ao considerar estes questionamentos, os acontecimentos ocorridos durante a

Revolução Bolivariana despertaram um maior interesse em estudar a realidade deste

país. Isso porque, nas pesquisas sobre a América Latina, a Venezuela vem sendo pouco

estudada, se for comparado com o volume de pesquisas realizadas sobre outras nações

latino-americanas, a exemplo de Brasil, Argentina, México, Chile e, principalmente,

Cuba. A maioria das análises econômica, política, histórica, sociológica, etc. sobre a

Venezuela são realizadas por pesquisadores deste país e norte-americanos, a maioria

deles situados em centros de pesquisas dos Estados Unidos e voltados à análise da

exploração e comercialização do petróleo.

2. Sede do governo da Venezuela desde 1900.

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No caso do Brasil, a escassez de pesquisas sobre este país vizinho pode ser

explicada pelo histórico de relativo distanciamento político-diplomático alimentado por

ambas as partes; pelo desinteresse brasileiro em adquirir petróleo venezuelano, uma

realidade que somente começou a ser superada na década de 1990; e, principalmente,

em razão das poucas traduções de livros de autores venezuelanos para a língua

portuguesa. É muito difícil encontrar uma obra de algum historiador, sociólogo,

economista, filósofo ou literata venezuelano traduzida ao português, sendo inevitável

que o pesquisador brasileiro interessado neste tema domine os idiomas espanhol e

inglês para ter acesso às fontes e demais referências bibliográficas.

Esta situação refletiu de igual maneira para que houvesse poucas pesquisas sobre

a Venezuela escritas neste idioma. Intelectuais venezuelanos, como Germán Carrera

Damas, Elías Pino Iturrieta, Manuel Caballero, Margarita Lopez Maya, Edgardo

Lander, Inés Quintero, dentre outros, são raramente conhecidos e estudados no Brasil, o

que dificulta o entendimento dos fenômenos sociais particulares à Venezuela. Por isso,

ao desconhecer a historiografia venezuelana, torna-se complicado compreender o

porquê do presidente Hugo Chávez ter sustentado determinada postura enquanto figura

pública, sobretudo no tocante ao culto a Simón Bolívar, tema estudado por esta tese e,

conforme pontua Carrera Damas, ‘o assunto mais fecundo da historiografia nacional’.

No Brasil, a Venezuela permaneceu durante muito tempo um país pouco

estudado no meio acadêmico, que priorizava as pesquisas sobre os vizinhos da Bacia do

Prata (Argentina, Paraguai e Uruguai) e de Cuba. O superficial conhecimento da história

e da historiografia fez com que Simón Bolívar fosse visto como uma figura distante. O

fato do legado histórico de Bolívar ser receptível a variadas interpretações também

contribui para este processo, mas a escassez de estudos legitima um pensamento que

não trata o culto ao Libertador no patamar de um fenômeno histórico-político essencial

ao entendimento da dinâmica social da Venezuela. Sendo assim, minimiza-se a

significativa capacidade que o bolivarianismo possui de influenciar no debate político-

eleitoral em favor de determinada figura, no caso analisado o presidente Chávez.

Ao considerar os argumentos expostos acima, justifica-se a necessidade desta

tese, pois o referido tema contribui para preencher uma lacuna nas pesquisas sobre a

América Latina produzidas em universidades do Brasil. Ademais, objetiva-se contribuir

com o debate sobre este país, tornando a Venezuela um pouco menos desconhecida no

meio acadêmico brasileiro.

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Por outro lado, o fato de ser uma tese produzida em uma universidade não

venezuelana, escrita por um pesquisador não nascido neste país e que tampouco estudou

em seu sistema educacional, traz implicações à maneira como o objeto e suas

problemáticas são abordadas. Isso é potencializado em razão desta tese tratar sobre o

culto ao Libertador Simón Bolívar, fenômeno portador de um considerável poder de

mobilização sócio-política na Venezuela.

Provavelmente, uma análise de alguém que nasceu, cresceu e estudou fora da

Venezuela, ou seja, afastado da influência do culto desde tenra idade, não vislumbrará

este fenômeno da mesma maneira que um pesquisador venezuelano, ainda que ambos

utilizassem os mesmos referenciais teórico-metodológicos. Isso porque, para um

estrangeiro, produzir estranhamento e distanciamento do culto ao Libertador constitui

uma tarefa menos penosa. Portanto, sem hierarquizar as inúmeras leituras possíveis de

serem feitas sobre a Venezuela bolivariana, trata-se de um ponto de vista de um

pesquisador de um determinado país (no caso, Brasil) sobre outro país ‘estrangeiro’.

Pesquisar a Venezuela durante a Revolução Bolivariana também é lidar com um

tema controverso. Enquanto figura histórico-política, Chávez costuma despertar

extremos em muitos daqueles que o analisa, pois possibilita tanto críticas vorazes

quanto defesas efusivas. Isso se tornou mais evidente após denominar como ‘de

esquerda’ a Revolução que comandava e se aproximar de Fidel Castro. Se por um lado

manter intensas relações com Cuba provocaram desconfianças, críticas e o rechaço das

forças políticas hegemônicas em nível mundial, por outro, ganhou defensores entre

líderes políticos, intelectuais e artistas identificados com o regime cubano. Ou seja,

tornou-se difícil se posicionar de forma indiferente ante o processo bolivariano.

Todos estes pontos atingem maior notoriedade quando a tese também se ocupa

do um assunto extremamente sensível à sociedade venezuelana: o culto aos heróis da

Independência, no caso a Simón Bolívar. Elevado à categoria de herói nacional e objeto

de um culto construído desde o período de formação da República no século XIX, o

Libertador constitui o assunto mais fecundo da historiografia nacional. Ao ser analisado

sob a perspectiva da abordagem do presidente Hugo Chávez, ou seja, do papel ocupado

pelo culto a Bolívar em sua Revolução, isto tende a se potencializar. A sensibilidade e

complexidade do tema tratado nesta tese pôde ser sentida em visita à Venezuela.

Qualquer estrangeiro que chegue ao país, ao desembarcar no Aeroporto de Maiquetía e

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tomar um ônibus para subir rumo à Caracas3, rapidamente percebe a enorme presença

dos símbolos nacionais. No caso analisado, trata-se de pinturas, estátuas, fotos, gravuras

e pichações de Chávez, Bolívar, artistas populares e heróis da Independência. Eles

influenciam no cotidiano do país, pois estão localizados em locais visivelmente

estratégicos como praças, viadutos, ônibus, vans, metrô, dentre outros espaços públicos.

Todas estas impressões foram reforçadas ao entrevistar o historiador Germán

Carrera Damas. Ao receber este pesquisador e a escritora Mirla Alcibíades em sua casa

em Caracas, na manhã de 15 de abril de 20154, sustentou a ideia de que a consciência

histórica da nação havia sido ‘substituída’, no processo de formação do Estado Nacional

no século XIX, pelo culto aos ‘heróis libertadores’, algo mantido ao longo do tempo.

Portanto, o país foi incapaz de romper com a exploração da figura de Bolívar e dos

demais próceres da Independência com o propósito de sustentar grupos políticos no

poder5.

É preciso enfatizar que o culto e a exploração de ‘heróis’ não são fenômenos

exclusivos da Venezuela. Contudo, para fins desta tese, durante a Revolução

Bolivariana, os cultos e os símbolos pátrios ocuparam um papel estratégico na

manutenção do regime. Ou seja, foi utilizado de forma eficaz pelo grupo no poder

naquele momento para manter sua posição no comando do Estado. Portanto, o culto a

Bolívar é um fenômeno histórico-político de raízes antigas na Venezuela e sua

exploração vem sendo legitimada pela historiografia nacional e relegitimada pelos

sucessivos governos ao longo da história. Praticamente todos os presidentes, sobretudo

aqueles que mais tempo permaneceram no poder e que possuíam identificação com as

Forças Armadas, prestaram homenagens e reverências ao Libertador da Venezuela, com

o propósito de se ‘parecer’ com Bolívar, ou o mais próximo de imitá-lo.

É possível constatar que a exploração do culto a Bolívar é utilizada para

legitimar interesses políticos de grupos no poder na Venezuela desde 1842, conforme

será exposto nos capítulos abaixo. Porém, uma tese de doutorado precisa trazer

discussões inovadoras, ainda que se proponha a discutir a era Chávez sob o aspecto do

culto a Bolívar, fenômeno de raízes antigas no país. Por isso, a problemática desta tese

3. A cidade de Caracas se localiza em um vale rodeado pelo Monte Ávila. Trata-se de uma barreira

natural à cidade fundada em 1557 com o nome de Santiago de León de Caracas. Mas, esta especificidade

dificulta a existência de um aeroporto de grande porte dentro da cidade, por isso ele está localizado em

Maiquetía, no estado Vargas, há cerca de 35 quilômetros do centro de Caracas. Para chegar e sair da

capital rumo ao Aeroporto, passa-se por vários túneis que ‘cortam’ as montanhas.

4. Ver: Anexo, Imagem 9.

5. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015. Ver:

Anexo, Imagem 9.

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se fundamenta em duas questões que orientarão as discussões ao longo do texto: em que

se legitima as bases do culto a Bolívar na era Chávez? Durante a Revolução houve a

emersão de um novo bolivarianismo na Venezuela?

Conforme será possível vislumbrar ao longo do texto, Hugo Chávez

fundamentou as bases de sua versão do culto em quatro pontos: o bolivarianismo

militar, por meio do papel estratégico ocupado pelas Forças Armadas no cenário

político e na manutenção de Chávez no poder; a confluência entre as versões letrada e

popular do culto, com a qual moldou a retórica do regime ao popularizar alguns

aspectos do culto e institucionalizar outros; o aprofundamento da dramatização da

figura de Bolívar através do esforço em comprovar que o prócer havia sido assassinado,

não morrido de tuberculose; e a reconstrução facial do que supostamente havia sido o

rosto do Libertador, com o propósito de torná-lo fisicamente parecido com Chávez.

Estes quatro pontos, por sua vez, refletiram na postura do presidente. Ele se

posicionou no cenário político como um continuador da obra de Simón Bolívar, que

havia sido iniciada no século XIX, mas retomada a partir da insurreição militar de 1992

e confirmada por meio da promulgação de uma Constituição (1999), que em seus

dispositivos reivindicava o legado de Bolívar. Como resultado, uma versão do culto

favorável e ‘própria’ do regime foi um importante instrumento na formação de uma

ampla vantagem eleitoral a Chávez. Isso viabilizou a vitória em 4 eleições presidenciais

e em praticamente todos os referendos, plebiscitos e demais consultas populares

realizadas entre 1999 e 2013.

No tocante a segunda questão, ou seja, se houve ou não a emersão de um ‘novo’

bolivarianismo na Venezuela da era Chávez, a resposta é afirmativa. Conforme será

possível perceber ao longo da tese, houve a emersão de uma nova forma de representar

o herói da Independência. No entanto, isso não significou uma ruptura nos objetivos em

que o Libertador havia sido utilizado ao longo da história. Embora o Bolívar de Chávez

não fosse o mesmo Bolívar de seus antecessores, pois a ação do tempo histórico não o

permitiu se apropriar da mesma leitura de Bolívar feita pelos antecessores, em sua

gestão o culto ao Libertador foi utilizado com a mesma finalidade que vinha sendo

usada desde 1842: ascender e se perpetuar no poder e dominar o cenário político.

A finalidade deste fenômeno histórico-político se tornou ainda mais nítida ao

pesquisador após viagem à Venezuela em abril de 2015, ocasião em que adquiriu fontes

na Biblioteca Nacional da Venezuela e conversou com vários cidadãos do país, tanto

defensores quanto críticos do regime.

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Em qualquer pesquisa séria de história, ainda mais em uma tese de doutorado, é

imprescindível uma discussão no tocante as fontes utilizadas para fundamentar os

argumentos levantados ao longo do texto. Faz-se necessário salientar quais foram, como

elas foram produzidas, em qual contexto e a partir de qual ator político-social. Ou seja,

de onde ‘fala’ determinada fonte. Estes questionamentos influenciam na natureza da

fonte e no que ela pretende demonstrar.

Esta tese de doutorado se fundamenta em fontes produzidas no Brasil e na

Venezuela, sendo três delas as mais frequentemente utilizadas: discursos,

pronunciamentos e demais intervenções públicas do presidente Hugo Chávez; discursos,

cartas e proclamas de Simón Bolívar; e matérias publicadas em dois jornais de grande

circulação no Brasil e na Venezuela: o Folha de S. Paulo e o Correo del Orinoco.

Os discursos do presidente Chávez estão disponíveis online6 e exigem paciência

e perspicácia para analisá-los. Paciência porque são extensos, não sendo possível lê-los

em sua totalidade, pois abarcam um período de 14 anos. Perspicácia para selecionar

aqueles que se referem ao tema estudado para possibilitar a reflexão e a fundamentação

dos argumentos expostos nesta tese. Isso porque este tipo de fontes, ou seja, discursos,

pronunciamentos e intervenções públicas, apresentam particularidades e devem ser

analisadas com o rigor historiográfico exigido a qualquer tipo de fonte, ainda mais por

se tratar de líderes políticos que se destacaram como exímios oradores.

De acordo com Albuquerque Junior (2012), no campo da história os discursos e

pronunciamentos objetivam materializar na narrativa do passado os personagens que

dela fizeram parte, com o propósito de beneficiar quem está os utilizando no momento.

Os discursos e pronunciamentos tem [...] a função de tornar o passado

e seus personagens vivos [...] aparecem, então, como forma de

intervenção, de participação nas decisões que levaram a história a um

dado desfecho7.

Parte-se deste princípio ao analisar os discursos de Chávez em relação a Bolívar.

Cada um de seus discursos e pronunciamentos tiveram um objetivo específico e, ao se

fundamentarem no passado, visavam atingir algo para aquele exato momento em que foi

proferido.

Na perspectiva lançada por Albuquerque Junior, os discursos e pronunciamentos

de Chávez, Simón Bolívar e de outros líderes políticos devem ser analisados levando

6. Por meio do site: www.todochavez.gob.ve.

7. ALBUQUERQUE JUNIOR., Durval Muniz. A dimensão retórica da historiografia, p.223-249.

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em consideração a época em que foram produzidos, as motivações e as circunstâncias

políticas, econômicas e sociais que os viabilizaram8. Os discursos, cartas e proclamas de

Simón Bolívar também se encontram disponíveis online9, pois trata-se de um

personagem histórico-político bem documentado. Mas, para fins desta análise, foram

selecionados os principais documentos referentes ao Libertador, como o Discurso de

Angostura (1819), a Carta da Jamaica (1815) e os documentos de Bolívar utilizados

pelo presidente Chávez no intuito de fundamentar seu bolivarianismo.

Esta não é uma tese sobre Simón Bolívar, mas sobre o bolivarianismo na era

Chávez. Sendo assim, os discursos, cartas e proclamas do Libertador utilizados são

aqueles referenciados por Chávez. Na maioria das vezes, problematizados com o

propósito de ‘descontruir’ o discurso de Chávez com base nas fontes históricas,

conforme será possível perceber ao longo do texto.

No tocante à fonte jornalística, ou seja, as matérias publicadas nos periódicos

Folha de S. Paulo e Correo del Orinoco, elas foram analisadas seguindo o máximo

rigor historiográfico, pois, trata-se de um tipo de fonte com perfil inexato e totalmente

“tendenciosa”. Portanto, os especialistas apontam que, na maioria dos casos,

As ambiguidades e hesitações que marcaram os órgãos da grande

imprensa, suas ligações cotidianas com diferentes poderes, a

venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e

dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de

determinadas conjunturas [...]10.

Apesar destas especificidades, a imprensa como fonte historiográfica vem sendo

cada vez mais indispensável ao estudo da chamada História Política11. Esse fato é

extremamente pertinente à esta tese que trata de um período histórico considerado

recente, ou seja, é uma história do presente. Segundo Eric Hobsbawm, a medida que o

historiador se aproxima do ‘tempo presente’ fica cada vez mais ‘dependente’ da

imprensa diária como fonte de fundamentação historiográfica12. Em outro texto e sem

desconsiderar os desafios de se escrever uma “história de seu próprio tempo”, este

historiador sustenta que toda história é do presente. O momento em que o historiador

escreve influencia no olhar através do qual analisa o fenômeno13.

8. Idem.

9. Por meio do site: www.bibliotecayacucho.gob.ve.

10. DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos, p.130.

11. Idem, p.128.

12. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991, p.9.

13. HOBSBAWM, Eric. O presente como História: escrever a História de seu próprio tempo, p.1.

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Portanto, esta tese pode ser enquadrada como ‘do presente’ não apenas porque

utiliza a imprensa diária como uma de suas fontes. Seu caráter recente se fundamenta no

período histórico que se propõe a analisar, ou seja, os anos de 1999 a 2013, considerado

historicamente recente.

O jornal brasileiro Folha de S. Paulo foi escolhido em razão de possuir fácil

acesso a seu acervo (via Internet14) e por dedicar um espaço considerável em suas

páginas para relatar os acontecimentos políticos dos países da América Latina, algo não

usual a jornais e revistas de grande circulação nacional do Brasil. Durante a maior parte

do período analisado (1999-2013), possuiu correspondente em Caracas. É indispensável

enfatizar que sua linha editorial no tocante ao governo de Chávez era de rechaço ao

regime. Essa abordagem crítica foi potencializada em razão do jornal possuir o

propósito de influenciar no debate político no Brasil. Chávez governou a Venezuela

durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), os 2 mandatos

de Lula (2003-2010) e o primeiro de Dilma Rousseff (2011-2014). Dos dois últimos foi

um aliado, pois, a grosso modo, ambos compartilhavam com o líder venezuelano o

esforço pela integração dos países latino-americanos para diminuir a hegemonia dos

Estados Unidos na região.

Por outro lado, o jornal venezuelano escolhido foi o Correo del Orinoco. Com

linha editorial oficialista, ou seja, amplamente favorável ao regime, este jornal foi

considerado um porta-voz do governo Chávez, quase um instrumento de propaganda.

Sua abrangência não abarca todo o governo, apenas entre os anos de 2009 a 2013.

Porém, sua escolha ocorreu em razão de ser o periódico ‘oficial’ da Revolução e

fundado pelo governo. Isso permite ao historiador perceber a forma como são

difundidos os argumentos e o pensamento do regime, ao perceber as estratégias

utilizadas no convencimento da opinião pública, no intuito de galvanizar apoio às

medidas tomadas por Chávez e seu grupo político. Além disso, o papel desempenhado

pelo Correo del Orinoco nos últimos anos da era Chávez teve muita importância.

Durante o procedimento de exumação dos ossos de Simón Bolívar, ajudou a difundir a

ideia especulativa de que o Libertador havia sido assassinado. Quando Chávez foi

diagnosticado com câncer, o periódico publicou inúmeras matérias negando a gravidade

da doença, muitas vezes afirmava que o presidente já havia se curado da enfermidade.

14. Por meio do site: http://acervo.folha.uol.com.br/

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Também foram utilizadas outras fontes adquiridas em viagem à Venezuela,

realizada no mês de abril de 2015. Além da compra de livros que não se encontram no

Brasil, foram feitas pesquisas na Biblioteca Nacional (BN) da República Bolivariana da

Venezuela, localizada em Caracas, onde foram recolhidos inúmeros arquivos

digitalizados, porém não publicados na Internet, com destaque a panfletos e matérias do

jornal El universal de 1992, logo após Chávez tentar um golpe de Estado. Nesta mesma

ocasião, conforme destacado acima, foi realizada uma entrevista com o historiador

Carrera Damas, utilizada nesta tese para melhor compreender o pensamento de Bolívar

e o culto formado em torno de sua figura.

Por fim, cabe ressaltar que a tese foi escrita com base em ampla revisão

bibliográfica de autores que pesquisaram sobre o governo Chávez, a história da

Venezuela nos séculos XIX, XX e XXI, o culto a Bolívar e aos demais heróis nacionais,

e teoria e história da América Latina; todos eles publicados em livros e artigos

científicos nos idiomas português, espanhol, inglês e francês.

Estrutura da tese...

Optou-se em dividir esta tese em 4 capítulos, cada um deles com um propósito

específico, mas todos abarcam a problemática que orienta o trabalho.

O Capítulo 1 – “Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da

Venezuela” – está dividido em dois itens. No primeiro, analisa-se o papel ocupado pelo

general Simón Bolívar no processo de Independência. Não se objetiva explicar os

desdobramentos que culminaram na emancipação política do território onde atualmente

se localiza a Venezuela. Focaliza-se apenas no papel ocupado por aquele a quem a

historiografia nacional conferiu o protagonismo, ao elevá-lo à categoria de Libertador.

No segundo item, analisa-se o culto formado em torno da figura de Bolívar ao longo da

história venezuelana, com ênfase nos momentos em que exerceu maior influência no

cenário político, ou seja, nos governos dos presidentes que se posicionaram de forma

mais explícita como ‘herdeiros das proezas’ do Libertador.

No Capítulo 2 – “As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez” –

pretende-se analisar os sustentáculos que estruturaram a versão do culto no governo de

Chávez. Para tanto, defende-se que o bolivarianismo deste período se fundamentou sob

quatro bases, constituindo os 4 itens do capítulo. No primeiro, destaca-se o

bolivarianismo militar, com base no crucial papel exercido pelas Forças Armadas na

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ressignificação do culto ao Libertador. No segundo, a confluência entre as versões

letrada e popular do culto é analisada. Ao longo da história, foram sendo construídas

estas duas versões do culto a Bolívar, mas, na era Chávez ambas se confluíram na

retórica do regime. No terceiro, destaca-se a exumação dos ossos do Libertador, evento

realizado em julho de 2010 com o propósito de sustentar o argumento pouco confiável

de que Bolívar havia sido assassinado. No quarto item, com a impossibilidade de provar

o assassinato do prócer e ancorado no laudo pós-exumação, o regime optou em fazer a

reconstrução facial do que teoricamente havia sido o rosto de Bolívar, conferindo-lhe

características mestiças, assim como o mestiço presidente Chávez.

O Capítulo 3 – “Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón

Bolívar” – se propõe a analisar a postura de Chávez enquanto presidente da República.

Desde a fracassada tentativa de golpe de Estado em 4 de fevereiro de 1992, ele se

posicionou como alguém imbuído da missão de continuar a obra de Simón Bolívar,

interrompida pela oligarquia dirigente no século XIX. Esta imagem de continuador

tornou-se perceptível em três momentos, cada um deles constitui um item do capítulo.

No primeiro, analisa-se o papel ocupado pelo 4 de fevereiro na retórica do regime. A

data foi elevada à categoria de “Dia da Dignidade Nacional” e motivo de comemoração

com desfiles militares e eventos oficiais. No segundo, o foco é a Constituição de 1999,

promulgada no primeiro ano de governo e que, para Chávez e seus colaboradores,

constituía uma versão revisada da Carta Magna proposta por Bolívar no século XIX e

refutada pelo Congresso de Angostura (1819). Por fim, o terceiro item se ocupa do

golpe de Estado sofrido por Chávez em abril de 2002. O retorno à presidência o

permitiu legitimar o argumento de que aquela frustrada estratégia da oposição havia

sido uma tentativa de retirar o ‘segundo Libertador’ da presidência.

Por fim, o Capítulo 4 – “A exploração do culto a Bolívar como vantagem

eleitoral a Chávez: eleições e referendos na Venezuela bolivariana” – pretende

destacar como a exploração do culto foi importante a Chávez nas eleições e referendos

realizados em 14 anos no poder. A exploração do culto em pleitos eleitorais foi

estratégica em 4 momentos, analisados nos 4 itens. No primeiro, destaca-se a vitória no

Referendo Revocatório de agosto de 2004 que permitiu a Chávez terminar o mandato e

ampliar seu domínio no cenário político. No segundo, analisa-se o Referendo da

Reforma Constitucional de dezembro 2007. Embora o governo tenha saído derrotado

deste pleito por margem mínima de votos, oportunizou ao regime ressignificar o culto

ao Libertador e atenuar os desgastes políticos sofrido por Chávez ao longo do ano de

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2007. No terceiro item, destaca-se a vitória no Referendo à Reeleição de fevereiro de

2009, que o permitiu se candidatar sem limites de vezes à presidência. Por fim, o quarto

item se ocupa em analisar o processo eleitoral de outubro de 2012, vencido por Chávez

e que contou, além da exploração do culto, com a adição da comoção social em razão do

diagnóstico de câncer no presidente em junho de 2011.

Além dos 4 capítulos, esta tese possui Introdução, Considerações Finais,

Referências Bibliográficas e Anexo, onde estão localizadas 2 tabelas e algumas imagens

referentes ao objeto analisado.

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CAPÍTULO 1

Bolívar e o bolivarianismo na história e na historiografia da Venezuela

Introdução

Este capítulo foi escrito com dois propósitos. Primeiro, analisar o papel ocupado

por Simón Bolívar na Independência da Venezuela, ao explicar como seu protagonismo

naquele processo foi capaz de alçá-lo à categoria de Libertador, pai da pátria, herói

nacional, mito, dentre outras denominações. Segundo, explicar como a formação de um

culto em torno de sua figura, gestado historicamente, influenciou na realidade política

do país e em todos aqueles que ocuparam o cargo de presidente da República antes de

Hugo Chávez.

Isto não significa que as ‘proezas’ político-militares do Libertador tenham sido

viabilizadas somente em razão de suas virtudes pessoais. Foi a historiografia

venezuelana, por meio do culto, que se encarregou de formar e reforçar esta imagem.

Portanto, explorar o culto a Bolívar é uma constante na história da Venezuela desde

1842 e foi utilizada por todos aqueles que ocuparam o cargo de presidente da República,

em distintos graus de intensidade.

O capítulo se divide em dois itens. No primeiro, analisa-se o papel ocupado por

Bolívar – membro de uma das famílias mais proeminentes da aristocracia criolla de

Caracas – no processo de Independência e de formação da República. No segundo,

analisa-se o culto ao Libertador. O início, por meio do translado de seu corpo da

Colômbia à Venezuela em 1842, e seu uso em alguns períodos históricos, sobretudo

durante os governos daqueles presidentes que mais se colocaram como ‘substitutos’ do

herói da Independência, a exemplo de José Páez (1830-1835/1839-1844/1861-1863),

Guzmán Blanco (1870-1888) e Juan Vicente Gómez (1908-1935).

1.1 – Simón Bolívar e a Independência da Venezuela

Nascido em 24 de julho de 1783, no seio de uma família aristocrática de

Caracas15, Simón Bolívar16 reunia as características suficientes para colocá-lo no

patamar de membro da elite criolla, na época o grupo social economicamente

15. Cidade elevada à categoria de sede da Capitania Geral da Venezuela em 1777.

16. Batizado com o nome de: Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-

Andrade y Blanco.

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dominante nas colônias espanholas da América. De acordo com John Lynch, a

aristocracia da América Hispânica era constituída pelos donos das terras e dos escravos,

além de serem os comandantes das milícias coloniais em suas respectivas localidades17.

Eles estavam no topo da estrutura social daquele período.

A família Bolívar era uma das mais ricas e proeminentes de Caracas há algumas

gerações. Conforme destacam alguns autores, ao ficar órfão de pai e mãe aos nove anos

de idade, o menino Simón herdou muitas propriedades. Estima-se que ele e seu irmão,

Juan Vicente, herdaram dos pais o equivalente a US$ 40 milhões18 em patrimônio

líquido19. Simón também foi incluído como herdeiro de seu tio, José Félix Aristigueta,

que era padre e o havia batizado20.

Assim como a maioria dos jovens do sexo masculino da elite criolla, recebeu

formação intelectual por meio de tutores (Simón Rodríguez e Andrés Bello).

Posteriormente, mais precisamente em 1799, foi enviado à Metrópole, acompanhado

pelos tios Esteban e Pedro Palácios, a fim de ‘aprimorar os conhecimentos’. Para Lynch

(2006), no velho mundo, Bolívar pôde adquirir os referenciais e a experiência

necessárias ao papel político que desempenharia após 181021.

É fato que estes requisitos não fariam de Simón alguém dotado inevitavelmente

da missão de comandar as batalhas durante o processo de Independência dos territórios

que atualmente correspondem à Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia e

Panamá. Todavia, as possibilidades oferecidas em razão de ter nascido na proeminente

família Bolívar, lhe forneceria as bases, em seu sentido político, econômico e social,

para se tornar uma figura de destaque naquele processo.

Além disso, o momento político vivido pelas colônias americanas era propício a

figuras com posturas e perfis iguais a de Simón Bolívar. O questionamento em relação à

Metrópole, no tocante às medidas econômicas consideradas arbitrárias pela elite criolla,

vinha crescendo ao longo do século XVIII e se acentuou no começo do XIX. O cenário

de descontentamento se somou à invasão da península ibérica pelas tropas de Napoleão

em 1808 e a consequente deposição do Rei Carlos IV e de seu herdeiro Fernando VII.

De 1809 a 1811, foram instituídas as Juntas governamentais em praticamente

todos os domínios espanhóis na América, ao abarcar desde o México até Buenos

17. LYNCH, John. As origens da Independência da América Espanhola, p.50.

18. Esta estimativa foi calculada por Arana (2015, p.481) com base no Índice de Preços ao Consumidor

Norte-americano de 2010.

19. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.37.

20. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.

21. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.21.

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Aires22. Todavia, a primeira ruptura ocorreu em Caracas, em razão da Venezuela ser,

das colônias continentais, a que se localizava mais perto da Espanha e, portanto, recebia

primeiro as notícias do que estava acontecendo na Metrópole23. Após a invasão da

península, a elite criolla da Capitania da Venezuela se reuniu no intuito de avaliar o

cenário pós-destituição monárquica. Como resultado, decidiu-se depor o capitão-geral,

Vicente Emparan, e formar a Junta Suprema de Caracas em 19 de abril de 1810. É

importante destacar que as sucessões de eventos acontecidos na Venezuela também

eram consequências de outros processos revolucionários do mundo ocidental, a exemplo

das Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 178924.

Todavia, diferente dos exemplos americano e francês que visavam uma ruptura

com a ordem vigente, no caso da Venezuela, a Junta de Caracas havia sido formada com

o propósito de governar a Capitania em nome do Rei Fernando VII. Seu caráter

conservador e transitório era notável e nem todas as províncias da Capitania aceitaram

submeter-se à Caracas, pois haviam rivalidades entre as oligarquias locais, a exemplo de

Coro, Valência e Maracaibo. Para dirimir as resistências e buscar apoio internacional, a

Junta enviou missões diplomáticas à Curaçao, Nova Granada, Estados Unidos e

Inglaterra. A missão enviada à Londres foi chefiada pelo recém-promovido coronel

Simón Bolívar25.

A ordem emanada ao jovem coronel era clara: conseguir o apoio inglês à causa

revolucionária. Porém, os objetivos não foram alcançados. Naquele momento, Londres

decidiu não apoiar as revoluções nas colônias espanholas, não lhes forneceu

armamentos, nem ajuda financeira, pois não era interessante se indispor com os

espanhóis, ‘aliados’ na guerra contra Napoleão. O Conselho de Regência, órgão que

deliberava para Fernando VII na Espanha, havia declarado as Juntas constituídas na

América como rebeldes. Isso repercutiu nos meios políticos ingleses, conforme Bolívar

informou em carta dirigida ao Secretário de Relações Exteriores do Governo Supremo

da Venezuela, datada de 8 de setembro de 181026.

Contudo, a hipótese de uma ruptura política com a Metrópole estava ficando

cada vez mais perceptível, não apenas em razão da ausência do Rei. Havia a

incapacidade espanhola em reformar o sistema colonial. A própria Junta, inicialmente

22. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.228-236.

23. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.128.

24. Idem, p.132.

25. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.234.

26. BOLÍVAR, Simón. Carta al Señor Secretario de Estado y Relaciones Exteriores del Gobierno

Supremo de Venezuela. Londres, 8 de septiembre de 1810.

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formada para garantir os direitos monárquicos, produziu um órgão com postura mais

receptiva à Independência: a Sociedade Patriótica de Caracas, formada pela burguesia

comercial e agrária e por representantes de outros segmentos sociais, a exemplo dos

pardos27. Rapidamente a Sociedade Patriótica foi agregando uma característica de órgão

dissidente em relação à Junta e ao Congresso instalado em março de 1811. Isto é, “[...]

logo se transformou num fórum para aqueles que, como o jovem Simón Bolívar [...] não

acreditavam na capacidade da Espanha de realizar as mudanças em seu sistema colonial

[...]”28.

O papel exercido pela Sociedade ganhou cada vez mais relevância em razão das

indefinições políticas na Metrópole e, sobretudo, do esgotamento do sistema colonial.

Foi justamente na Sociedade que Simón Bolívar começou a exercer um papel de

destaque naquele processo, por meio de seus discursos, oportunidade em que defendia

suas ideias. Ao se pronunciar à Sociedade Patriótica em 4 de julho de 1811, ou seja, um

dia antes de promulgada a Ata da Independência, Bolívar defendeu a emancipação

política, tratada naquele momento como o desejo de ser livre.

¿Qué nos importa que España venda a Bonaparte sus esclavos o que

los conserve, si estamos resueltos a ser libres? Esas dudas son tristes

efectos de las antiguas cadenas. ¡Que los grandes proyectos deben

prepararse con calma! Trescientos años de calma ¿no bastan? La

Junta [Sociedad] Patriótica respecta, como debe, al Congreso de la

nación, pero el Congreso debe oír a la Junta [Sociedad] Patriótica,

centro de luces y de todos los intereses revolucionarios29.

A postura dos membros da Sociedade Patriótica era considerada subversiva e

extremamente radical por aqueles que defendiam a pronta restauração monárquica após

a expulsão dos franceses da península ibérica. Isso indicava que não havia um consenso

no interior da elite dirigente acerca de pôr fim ao sistema colonial e monárquico. O

caráter considerado subversivo de Bolívar e de seus colaboradores da Sociedade

Patriótica tornou-se nítido quando eles apoiaram o retorno de Francisco de Miranda30 à

Venezuela.

27. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.135.

28. Idem.

29. BOLÍVAR, Simón. Discurso ante la Sociedad Patriótica de Caracas. Caracas, 4 de julio de 1811.

30. Nascido em Caracas em 28 de março de 1750, filho de um comerciante canário com uma caraqueña,

Francisco de Miranda começou sua trajetória militar em 1772, como capitão no Regimento de Infantaria

da Princesa. Logo, foi enviado a batalhas no norte da África e se destacou como combatente. Em 1780 foi

enviado à Havana e lutou na Revolução Americana ao lado dos Estados Unidos, aliado da Espanha contra

os ingleses. Em 1782, recebeu uma carta de alguns ‘notáveis’ venezuelanos, dentre os quais Juan Vicente

Bolívar (pai do que viria a ser o Libertador) para comandar uma insurreição contra os espanhóis em

Caracas. Porém, Miranda não os atendeu, pois havia sido acusado pela Corte de Madri de revelar a

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Quando esteve em Londres em busca de apoio diplomático em 1810, Bolívar

conheceu Miranda e o convenceu a retornar à Caracas para se juntar aos partidários da

Independência. Naquele momento, o jovem coronel enxergava em Miranda o perfil

mais adequado, em razão de seu prestígio e de sua larga experiência em guerras,

batalhas e revoluções, para formar um exército capaz de enfrentar à resistência do

‘inimigo’ metropolitano.

Entretanto, o velho combatente tinha um histórico de sérias desavenças com a

justiça espanhola, que o considerava um foragido, além de ser um crítico do sistema

monárquico-colonial. A presença de Miranda na Venezuela estava longe de ser

unanimidade, por isso alguns membros da Junta tentaram impedir seu desembarque.

Este temor era explicado pela influência que sua figura exercia em parte da elite

dirigente que se mostrava favorável a causa revolucionária. O sistema colonial estava

em crise, ‘acéfalo’ na península e o cenário possibilitava à elite criolla desempenhar um

papel dominante no Estado e na hierarquia eclesiástica, postos até aquele momento

monopolizados pelos espanhóis peninsulares31.

A Independência, promulgada oficialmente pelo Congresso em 5 de julho de

1811, e a Constituição de dezembro do mesmo ano foram capazes de conferir bases

jurídicas à recém-proclamada República. Entretanto, a Venezuela não foi pacificada. A

Independência foi seguida por revezes, restaurações e longas e sangrentas batalhas, pois

teve que enfrentar resistências vindas da Espanha e de parte das oligarquias locais que

vislumbravam a emancipação política como desfavorável a seus interesses, por isso

lutavam em favor da restauração colonial-monárquica.

A Constituição de 1811 foi duramente criticada por duas figuras proeminentes

daquele processo: Simón Bolívar e Francisco de Miranda. Ambos rechaçavam a

estrutura federalista, inspirada nos Estados Unidos, ao considerá-la inadequada à

Venezuela por apresentar riscos de cisão territorial. Outra questão que desencadeava a

localização de uma fortaleza militar a um general inglês. Em razão disso, foi condenado a dez anos de

prisão. Contudo, antes da sentença fugiu para os Estados Unidos em 1783. Em solo norte-americano,

torna-se amigo de George Washington, Thomas Pine, John Adams, dentre outros combatentes da

Revolução. Em 1785 retorna à Europa, iniciando uma série de viagens pelo continente. Junta-se aos

revolucionários franceses em 1792 para comandar o exército do norte, sendo determinante na tomada da

cidade de Ambres. Miranda se tornava uma figura com posturas cada vez mais críticas em relação a

monarquia espanhola e seu sistema colonial. Publicou alguns textos críticos em jornais franceses. Nos

primeiros anos do século XIX, tentou em diversas ocasiões formar uma armada capaz de desembarcar

soldados nos domínios espanhóis na América. Quando houve a formação das Juntas após a deposição do

Rei espanhol em 1808, o combatente enxergou a possibilidade de realizar o que almejava há alguns anos,

razão pela qual aceitou o convite feito por Simón Bolívar para retornar à Caracas, ao desembarcar em

dezembro de 1810 (GONZÁLEZ. Alfonso Rumazo. Francisco de Miranda, p.343-348).

31. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.235.

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resistência da elite criolla era a pretensa igualdade, conferida pela Carta Magna, aos

pardos e mestiços32.

A reação espanhola não demorou. Em 1812, foram enviadas de Porto Rico

tropas à Venezuela, comandadas por Domingo Monteverde, destinadas a ajudar os

combates de Coro, Maracaibo e Valencia, províncias que haviam se rebelado contra as

disposições vindas de Caracas. O pretenso apoio, que os partidários da Independência

julgavam possuir, ruiu rapidamente com o terremoto que atingiu Caracas no mesmo ano

da chegada de Monteverde. Em uma sociedade predominantemente católica como a

Venezuela daquele período, não demorou para uma parte considerável da população

vislumbrar aquele abalo sísmico como um ‘castigo dos céus’ aos que estavam se

insurgindo contra a monarquia-divina33.

Como resposta em meio ao caos, os partidários da Independência conferiram a

Francisco de Miranda o comando supremo com poderes ditatoriais. Nos primeiros

meses de batalhas, Miranda e Bolívar ‘dividiram’ o protagonismo. Entretanto, a elite

criolla não demonstrava confiança em Miranda, muitos consideravam o velho general

arrogante, egoísta, pedante e insuportável. Sentiam indiferença por parte dele34.

O insucesso em pacificar as províncias rebeldes acentuou o descontentamento. O

episódio derradeiro foi a perda de Puerto Cabello, uma fortaleza estratégica aos

revolucionários na resistência contra as tropas metropolitanas. Na ocasião, soldados que

vigiavam o forte, comandados por Simón Bolívar, foram dominados de uma maneira

considerada fácil. Como resposta, Miranda resolveu capitular e preparou sua saída da

Venezuela em 25 de julho de 1812. A capitulação de Miranda foi considerada um ato de

traição e covardia, não condizente com o prestígio que possuía na época, entendida

como abandono da luta revolucionária e não como uma estratégia para voltar com mais

força em momento oportuno. Conforme pontua Sherwell (2005), “All the patriots

denounced Miranda for the capitulation, which meant the dissolution of the army and

the abandonment of all the elements which had so raised their hopes”35.

Sendo assim, um grupo de militares, liderados por Simón Bolívar, se rebelaram

contra Miranda e o impediram de fugir. O general foi entregue a Monteverde alguns

32. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.136.

33. DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina, p.73.

34. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.110.

35. “Todos os patriotas acusaram Miranda pela capitulação, o que significou a dissolução do exército e o

abandono de todos os ideais em que suas esperanças se apoiavam”. (SHERWELL, Guillermo. Simon

Bolivar: the Liberator, Patriot, Warrior, Statesman Father of five nations, p.39).

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dias após a capitulação e enviado à prisão em Cádiz, onde morreria no ‘ostracismo’ em

181636.

Salcedo-Bastardo sintetiza esta ‘troca de comando’ da seguinte forma: “Mientras

Miranda declina, se eleva Bolívar”37. A deposição do velho general e seu envio à prisão

na Espanha permitiu a Bolívar exercer o protagonismo daquele processo, por meio do

comando das batalhas e do recrutamento de soldados entre os escravos negros, mestiços

e indígenas. Para tanto, Bolívar apelava a um sentimento de ‘invencibilidade’ e de

resistência àqueles que lutam em uma batalha, instando-os a serem capazes de resistir

aos primeiros insucessos de uma campanha. Começava-se, portanto, a construir em

torno de Bolívar uma ‘aura’ revolucionária e a imagem do homem a cavalo destinado a

propagar a liberdade aos povos outrora oprimidos pela tirania colonial-monárquica,

conforme expressou no Discurso de Cartagena:

[…] sólo ejércitos aguerridos son capaces de sobreponerse a los

primeros infaustos sucesos de una campaña. El soldado bisoño lo

cree todo perdido, desde que es derrotado una vez, porque la

experiencia no le ha probado que el valor, la habilidad y la

constancia corrigen la mala fortuna38.

A prisão de Miranda tornou Bolívar o comandante mais notável, alguém por

quem a elite criolla venezuelana transferiria a responsabilidade pelos logros e malogros

do processo. O avanço das tropas e o fascínio exercido pela forma como discursava

após as batalhas contribuíram para robustecer seu protagonismo e ofereceria bases à

formação do culto, construído após 1842.

Contudo, entre 1812 e 1814, o protagonismo de Bolívar também foi viabilizado

pelo suporte militar vindo de Nova Granada, oferecido pelo general Francisco de Paula

Santander. Isso permitiu a retomada da luta pela Independência após os malogros

sofridos nas batalhas travadas sob o comando de Miranda.

Sendo assim, a imagem de que realmente Bolívar era o Libertador crescia e se

tornou conhecida na Venezuela após publicar o Decreto da Guerra de Morte, de 15 de

junho de 1813. Nesse documento, Bolívar foi enfático: “Nosotros somos enviados a

destruir a los españoles, a proteger a los americanos y a establecer los gobiernos

36. A escritora Marie Arana sustenta a versão de que havia um ressentimento muito forte de Bolívar em

relação a Miranda, alimentado durante a primeira República. Isso pesou em desfavor do velho general

(ARANA, Marie. Simón Bolívar: o Libertador da América, p.132).

37. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.245.

38. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812, p.13.

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republicanos que formaban la Confederación de Venezuela”39. Bolívar foi

extremamente duro e condenou a fuzilamento todo espanhol que se recusasse a lutar em

favor da Revolução.

Em razão de vitórias obtidas nas batalhas para expulsar as tropas de Monteverde

de parte da Venezuela, em 18 de outubro de 1813, Simón Bolívar foi condecorado pela

municipalidade de Caracas com o título de El Libertador da Venezuela40. Esta honraria

o acompanharia pelo resto de sua vida e seria o título por ele mais valorizado, conforme

escreveu em vários de seus escritos, em detrimento de todos os outros existentes na

época. A partir desse momento, passaria a ser conhecido ‘oficialmente’ como o

Libertador. Nesta mesma ocasião, Bolívar foi proclamado general de todos os exércitos

revolucionários.

Em janeiro de 1814, uma Assembleia, formada às pressas em Caracas, outorgou

plenos poderes ao Libertador para se contrapor a situação política do país,

extremamente incerta e ainda vulnerável à resistência da ex-Metrópole41. Em discurso

proferido após receber o comando supremo, Bolívar enfatizou qual seria o propósito de

todas aquelas sangrentas batalhas que estariam por vir: a liberdade. Reforçava-se,

portanto, a imagem de Libertador ao prometer não embainhar a espada enquanto a

liberdade de sua pátria não fosse conquistada. Embora estivesse recebendo o comando

supremo com o título de ditador, descartou haver opressão, por mais que fosse

improvável não haver. Por fim, Bolívar se colocou como um cidadão disposto a lutar

em favor da liberdade42.

Começava-se, portanto, a segunda República, uma ditadura personalista e

centralizada comandada por Bolívar. Contudo, o Libertador não governaria apenas por

meio da força militar, também utilizaria a estratégia e o cálculo. Nos momentos

complicados, recorria à falsas renúncias para que a elite criolla lhe devolvesse o

comando imbuído com mais poderes. Assim construiria a ‘aura’ de ser indispensável

naquele processo43. Esta característica o acompanhou até o final de sua vida em

dezembro de 1830.

Bolívar criticava a estrutura federalista, sob a qual havia sido estruturada a

República anterior, e atribuiu sua ruína a este fato. Portanto, a segunda República

39. BOLÍVAR, Simón. “Decreto de la Guerra de Muerte”. Ciudad Trujillo, 15 de junio de 1813, p.24.

40. BOLÍVAR, Simón. Gratitud a la Municipalidad de Caracas. Caracas, 18 de octubre de 1813, p.35.

41. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.246.

42. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado por el Libertador en la Asamblea Popular. Caracas, 2 de

Enero de 1814, p.40-46.

43. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.166.

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deveria ser estruturada sob bases distintas, ou seja, seria uma ditadura suprema,

centralizada e personalista. Contudo, a almejada pacificação do país não foi atingida

com a outorga do comando supremo ao Libertador. As tropas de Monteverde haviam

sido afugentadas, mas outra figura surgiu no cenário portando ódio em relação à elite

criolla e simpatias monárquicas: José Tomás Boves. Conhecido como el león de los

llanos, Boves era popular entre os lleneros, tinha inserção nos estratos sociais mais

pobres e sabia galvanizar o ódio à elite como uma forma de se insurgir contra a

República e em favor da restauração monárquica.

As ações de Boves eram marcadas pela crueldade, pilhagem, astúcia, carisma

entre os llaneiros e valentia. A historiografia venezuelana assim o constrói, sob aspectos

negativos para não suplantar o culto a Bolívar, apesar de que atrocidades também eram

comedidas em semelhante intensidade pelo exército do Libertador. Ou seja, não havia

superioridade ‘moral’ em nenhum dos lados. Contudo, o interessante para esta análise

foi que Boves e seu exército ‘popular’ impuseram resistências ao exército de Bolívar.

Isso porque a questão racial pendia a favor dos monarquistas. Eles, por sua vez,

conseguiam recrutar soldados a uma velocidade maior do que as tropas do Libertador,

pois havia um evidente ódio racial que Bolívar precisava dirimir, caso quisesse recrutar

mais soldados a fim de derrotar Boves. Conforme destaca Arana (2015) “as massas

compreendiam que o mundo era injusto, que os criollos que estavam acima deles eram

ricos e brancos [...]”44.

A segunda República teve curtíssima duração. Em pouco mais de um ano foi à

ruína e Simón Bolívar atribuiu sua queda à incapacidade de homens que não desejavam

ser livres e preferiam a tirania e o colonialismo45.

Contudo, a situação chegou a este ponto não apenas em virtude das ações de

Boves com seu exército truculento e devastador. Em 1814, houve uma redefinição na

balança de poder na Europa, em razão da derrota de Napoleão, que provocou uma onda

restauradora nas monarquias do continente. Sendo assim, Fernando VII foi

reintroduzido ao trono espanhol. O absolutismo foi gradualmente reinstalado e o Rei,

fortalecido politicamente e dispondo de apoio das principais potências europeias,

conferiu a Pablo Morillo, seu general mais prestigiado nas guerras napoleônicas, a

missão de retomar o controle metropolitano nas rebeldes colônias americanas. O general

44. Idem, p.165.

45. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Curúpano. Curúpano, 7 de septiembre de 1814, p.50-54.

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e suas tropas foram enviados à América em fevereiro de 1815 com um efetivo de 10 mil

homens veteranos das batalhas contra Napoleão, para retomar o domínio colonial46.

As tropas de Pablo Morillo eram numericamente superiores. O general chegou a

Venezuela em abril de 1815 e encontrou cidades dominadas pelas tropas de Boves, com

o exército republicano praticamente aniquilado. Partiu para Nova Granada via Santa

Marta e ocupou Bogotá em maio de 1816. As tropas pró-Independência foram

derrotadas e uma parte de seus comandantes fuzilados. Outros conseguiram penas

brandas em razão de lealdades antigas, ou dúbias relações com a Coroa. Um terceiro

grupo, incluindo Bolívar, já havia deixado Nova Granada para reunir forças em outras

localidades e retomar a luta pela Independência. No final de 1816, praticamente todo o

território que compreendia o vice-reinado de Nova Granada (que abrangia Colômbia,

Venezuela e Equador) estavam novamente sob o domínio da Coroa Espanhola47.

Embora tenha retomado o território dos insurgentes, Morillo esteve diante da

mesma encruzilhada dos partidários da República: não conseguiu pacificar o território

aparentemente dominado. Permanecia o sentimento de insatisfação com a Coroa,

acentuado em razão de medidas drásticas (fuzilamentos e julgamentos apressados) que

Morillo teve que tomar para restabelecer a ‘ordem monárquica’ naquela parte da

América Hispânica. Contudo, a situação era instável para ambos os lados. A elite criolla

parecia vislumbrar a Independência como um caminho favorável a seus interesses,

porém, não estavam seguros se deveriam pagar o preço para conquistá-la.

A retomada metropolitana convenceu Bolívar de que sem o apoio de alguma

potência estrangeira, de preferência a Inglaterra, não haveria como lutar em favor da

Independência. A derrota de seu exército, a guerra civil travada contra as províncias que

se recusavam a acatar as ordens de Caracas, o melancólico término da segunda

República e a indiferença de potências estrangeiras levaram o Libertador a se refugiar

na Jamaica, ilha de domínio inglês. A escolha não foi uma coincidência. Bolívar

mantinha laços de amizades com cidadãos britânicos. Por meio deles, esperava obter

apoio à sua empreitada independentista. Em março de 1815, partiu à Jamaica como um

exilado. Entretanto, seu propósito era retornar brevemente à Nova Granada ou à

Venezuela com o apoio militar suficiente a fim de retomar as batalhas pela

Independência e expulsar as tropas de Morillo.

46. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.247.

47. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.143.

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Porém, Bolívar encontrou dificuldades em convencer cidadãos e membros da

coroa britânica a apoiarem seus propósitos. Contudo, esforçou-se para obtê-lo. Em 6 de

setembro de 1815, escreveu uma carta à Henry Cullen, um comerciante de origem

britânica, com quem mantinha correspondência. Este escrito se tornaria posteriormente

conhecido como a Carta da Jamaica e nela Bolívar analisou a situação política das

colônias espanholas na América. Para o Libertador, o rompimento com a Metrópole era

irreversível, pois o mar que separava geograficamente a Espanha de suas colônias era

menor do que o ódio existente nos americanos em relação a Metrópole. No caso

específico da Venezuela, Bolívar a chamou de desgraçada, pois estava reduzida a mais

completa indigência, com a população praticamente dizimada e vulnerável às

atrocidades do exército de Boves48.

A intenção de Bolívar com a carta seria convencer autoridades inglesas a ajudá-

lo neste processo de libertação das colônias americanas. Todavia, rapidamente concluiu

que, mesmo com a carta e o exílio em domínios ingleses, sua tentativa de obter o apoio

de Londres seria infrutífera. Hostilidades vindas de partidários da Coroa Espanhola e

uma pouca esclarecida tentativa de assassinato por meio de uma facada, desferida de

madrugada na rede de Bolívar (ele não se encontrava dormindo no local, portanto,

escapou do ataque), apressaram sua saída da ilha.

Conforme destaca Pierre Vayssière, Bolívar tinha um plano caso malograsse a

empreitada na Jamaica: embarcaria ao Haiti. O Libertador possuía um contato que

permitiria sua inserção na República de ex-escravos: o comerciante de armas Luis

Brión, um mestiço nascido em Curaçao. Em dezembro de 1815, Bolívar embarcou à

Porto Príncipe e, na companhia de Brión, foi recebido pelo presidente Alexandre Pétion.

O Haiti havia sido a primeira colônia americana a se livrar do domínio metropolitano

por meio da Revolução Haitiana, liderada por Toussaint L’ouverture, que durou de 1791

a 1804. Tratou-se de uma colônia de escravos que se revoltou contra o domínio

metropolitano e derrotou as tropas de Napoleão que tentaram retomar o território à

França. Diferente de líderes de outros países, Pétion se mostrou simpático as intenções

de Bolívar que se traduziu em ajuda material à causa revolucionária: buques, canhões,

fuzis, pólvora, dinheiro e uma imprensa móvel49. Em troca, Pétion exigiu que Bolívar

extinguisse a escravidão assim que retomasse o comando do processo.

48. BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica. Kingston, 6 de septiembre de 1815, p.66-87.

49. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.85-86.

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40

O suporte de Pétion e a ajuda financeira de Luiz Brión foram suficientes para

Bolívar restabelecer a confiança em reiniciar a luta em favor da Independência. Sendo

assim, partiu rumo à ilha de Margarita onde desembarcaria em maio de 1816. A chegada

do Libertador em solo venezuelano, com o suporte militar adquirido no Haiti, provocou

uma redefinição no cenário político e militar em favor da Independência. A

historiografia venezuelana considera este fato, talvez em razão dos desdobramentos

posteriores, como o início da terceira República.

Na visão de Salcedo-Bastardo (1982, p.248), Bolívar havia aprendido com as

derrotas anteriores e sabia que consolidaria seu comando se tomasse medidas que

provocassem impactos na estrutura social da época. Conforme prometeu a Pétion,

decretou a libertação dos escravos. Em seguida, emitiu leis sobre a distribuição de

terras, destinando-as aos combatentes da Revolução, e elaborou grande parte de sua

‘teoria política’. Todavia, as medidas tomadas pelo Libertador naquele momento

ocorreram em virtude da necessidade em obter o máximo de apoio possível à

Independência. Não estava movido por um sentimento de ‘sensibilidade’ em razão da

desigualdade existente naquela sociedade. Conforme pontua Bushnell (2009),

Bolívar tomou medidas para aumentar sua base de apoio de outras

maneiras, incorporando a emancipação dos escravos a seus objetivos

declarados [...] e se certificando de que os soldados pardos fossem

incluídos nas promoções. Seu empenho na abolição da escravidão teve

resultado imediato apenas para os escravos incorporados ao serviço

militar, mas ajustava-se muito bem ao tipo de populismo militar que

Bolívar esposava no momento50.

Ao retornar à Venezuela, o Libertador recebeu a notícia de que as tropas de

Boves haviam sido vencidas pela ação de outro comandante llanero: José Antonio Páez.

Diferente de Boves, Páez era partidário da Independência. Isso foi determinante para

que as batalhas pendessem a favor de Bolívar na Venezuela. Além disso, houve uma

importante redefinição política na Europa. Com o término das guerras napoleónicas e a

formação da Santa Aliança, as pretensões de Londres em relação à América foram

alteradas. Se em anos anteriores permaneciam em compasso de espera para não

desagradar a ‘aliada’ Espanha, “ahora interesa más la perspectiva americana para la

expansión del comercio, que las buenas relaciones con la disminuida España”51.

Com a reorganização de seu exército para lutar contra as tropas de Pablo

Morillo, Bolívar partiu rumo ao sul do rio Orinoco onde, junto com seu exército, obteve

50. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.166.

51. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.248.

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uma vitória determinante ao processo de Independência: a tomada da cidade de

Angostura em julho de 1817. O controle da rota da bacia do Orinoco era estratégico,

pois serviria de ligação com o mundo exterior, por onde chegaria alimentos, soldados e

armamentos, por isso aquela havia sido uma derrota considerável ao exército

monarquista. A rota do Orinoco permitiu às tropas de Bolívar alcançar às tropas do

llanero Páez, que havia derrotado Boves. A aliança entre Páez e Bolívar foi selada em

janeiro de 1818 quando ambos se encontraram. Tratou-se de um fato essencial ao êxito

da empreitada independentista na Venezuela52. Em seu livro de memórias, publicado em

1867 em Nova Iorque, Páez descreveu Bolívar como alguém obstinado em tomar a

capital Caracas, por entender o controle da cidade como essencial à retomada da

Independência53.

O papel de José Antonio Páez neste processo nem sempre é reconhecido em

virtude da supremacia ocupada pelo culto a Bolívar na historiografia venezuelana.

Entretanto, o apoio de Páez permitiu ao Libertador obter o reconhecimento dos llaneros.

Isso não era algo desprezível. Naquele momento, havia um aflorado sentimento de

rechaço à elite criolla entre pardos e negros, praticamente todos eles analfabetos ou

semianalfabetos, que combatiam sob o comando de Páez. Simón Bolívar pertencia a

uma posição social diferente de todos aqueles homens, havia recebido uma formação

militar e intelectual típica de um membro da aristocracia criolla. Portanto, o controle

exercido por Páez sobre aqueles homens foi importante à vitória das tropas

independentistas na Venezuela.

Entretanto, Morillo ainda não estava derrotado. Havia um equilíbrio maior nas

batalhas, pois, assim como as tropas pró-Independência encontravam dificuldades em

tomar a parte andina do território venezuelano, Morillo e seus veteranos não

conseguiram retomar as planícies, sobretudo a faixa do rio Orinoco. O propósito do

Libertador seria, por meio do domínio do Orinoco, conseguir voluntários europeus com

experiência em batalhas, muitos deles desempregados desde o fim das guerras contra

Napoleão. Eles começaram a chegar lentamente e mais uma vez demonstrou-se o quão

estratégico havia sido o domínio do porto de Angostura54.

Se do ponto de vista militar havia prognósticos otimistas, o mesmo não poderia

ser dito em relação ao arcabouço jurídico da República. Não havia um ordenamento e

52. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.165.

53. PÁEZ, José Antonio. Memorias del general José Antonio Páez (autobiografía). Madrid: Editorial

América, 1961, p.185.

54. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.166-167.

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Bolívar precisava fazê-lo rapidamente. A República não poderia prescindir de um

sustentáculo ‘racional-legal’, ainda que a guerra parecesse estar longe de terminar. Na

mesma Angostura, convocou-se um Congresso, por meio do qual instituiria a República

da Colômbia, que seria formada da união do que havia sido o território do antigo vice-

reinado de Nova Granada, que abarca Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá sob um

único comando político, militar e administrativo. Por meio de um arcabouço jurídico, o

Libertador esperava pôr fim à guerra civil que tanto dano causava à República. O

Congresso também consagrou Bolívar como presidente da Colômbia e o permitiu

utilizar o título de Libertador antes de presidente.

Em 15 de fevereiro de 1819, pronunciou o Discurso de Angostura, um dos

documentos mais importantes ao pensamento bolivariano. Nele, sintetizou suas ideias e

propôs formas de estruturar o Estado em uma República. Tratava-se de um desafio, pois

visava-se introduzir uma forma ‘estranha’ de governo em um ambiente marcado por

mais de 300 anos de domínio monárquico-colonial. Por isso, o conteúdo do Discurso era

uma proposta ousada e visionária e seu impacto em reforçar a aura revolucionária e de

Libertador que rondava Bolívar aumentou. Por outro lado, o prócer demonstrava ter

consciência da difícil situação vivida pela República, tendo em vista que apostava em

instituições sólidas como a única forma de manter a unidade e a estabilidade da pátria55,

algo que Caracas, Bogotá e Quito estavam longe de possuir.

Entretanto, a instabilidade não era uma realidade exclusiva dos domínios

americanos. Da Espanha veio um revés que atingiu o exército monarquista. Em janeiro

de 1820, uma revolta, comandada por recrutas que seriam enviados à América,

provocou uma onda de violência no Reino. Os revoltosos exigiam que Fernando VII se

submetesse à Constituição de 1812 que limitava seus poderes e havia sido abolida pelo

monarca. Como parte do acordo, ao invés de enviar mais soldados à Morillo, o Rei

instruiu o general a negociar com os rebeldes para pôr fim a guerra. Como reação,

Bolívar instou seus contatos em Londres e Washington à pressionar (por meio da

imprensa) a opinião pública europeia e norte-americana de que a única saída para a paz

seria o reconhecimento da Independência dos territórios que a Espanha não mais

controlava na América56.

55. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819,

p.120-147.

56. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.87-88.

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Alguns meses depois, a ordem surtiu resultado. Além do armistício, “the Spanish

government initiated peace negotiations with the patriots, and Morillo was made

president of a commissions which went to talk this matter over with the heads of the

Colombian revolution in July, 1820”57.

Em novembro de 1820, Simón Bolívar se encontrou com Pablo Morillo aos

arredores de Santa Ana. O encontro foi cordial e respeito. Beberam vinho, cada um

elogiou as ‘façanhas’ militares do outro e, por fim, Morillo propôs construir um

monumento no local. No dia seguinte, o espanhol partiu e algumas semanas mais tarde

embarcou para a Espanha. Foi substituído pelo general Miguel de La Torre58. Não há

fontes capazes de afirmar se houve algum entendimento entre os comandantes. Porém,

como resultado do encontro, Bolívar enviou dois representantes à Madri e uma carta à

sua majestade católica Fernando VII. O tom da carta era relativamente cordial e o

Libertador instou o monarca a reconhecer a Independência da Colômbia/Venezuela,

oferecendo aos espanhóis uma segunda pátria59.

Contudo, Fernando VII não se sensibilizou com a carta de Bolívar, a quem havia

conhecido em 1800 quando o jovem venezuelano visitou à Corte. O fato do monarca ter

sido forçado a se submeter à Constituição de 1812 apenas faria com que a Espanha

oferecesse à suas colônias revoltosas a mesma submissão. Ademais, o general La Torre

havia sido enviado à Venezuela com o propósito de retomar a colônia.

Em abril de 1821, o armistício assinado com Morillo foi rompido e ainda seriam

necessárias algumas batalhas para expulsar de vez o exército monarquista da Venezuela.

Uma delas ocorreria no campo de Carabobo em junho de 1821. No que se tornou

conhecida como Batalha de Carabobo, uma tropa de 5 mil soldados pró-Espanha foi

derrotada por 6 mil soldados comandados por Simón Bolívar. Tratou-se de uma batalha

breve, porém sangrenta. Em 29 de junho do mesmo ano, o Libertador entrou em

Caracas aparentemente triunfante.

O general La Torre continuava controlando Puerto Cabello e em dezembro de

1821 refugiou-se em Coro, bastião monarquista desde 1810. Contudo, as tropas

independentistas controlaram a cidade em maio de 1823. O poder do exército

57. “O governo espanhol iniciou as negociações de paz com os patriotas e Morillo tornou-se o presidente

da comissão e foi discutir exaustivamente este assunto com os líderes da Revolução Colombiana em julho

de 1820” (SHERWELL, Guillermo. Simon Bolivar: the Liberator, Patriot, Warrior, Statesman Father of

five nations, p.128).

58. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.88-89.

59. BOLÍVAR, Simón. Carta a Su Majestad Católica el Señor Don Fernando VII. Bogotá, 24 de enero

de 1821, p.181-182.

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monárquico estava cada vez menor e meses depois foi a vez de Maracaibo ser dominada

pelas tropas de Bolívar. A retomada derradeira foi a de Puerto Cabello em novembro de

1823, sob o comando do general Páez. Ele ofereceu uma capitulação aos comandantes

das tropas monarquistas e os permitiu evacuar as cidades60. Desde 1810, muito sangue

havia sido derramado, porém, em 1823 a Venezuela estava definitivamente ‘livre’ do

domínio espanhol, por meio da ação de um heterogêneo exército liderado por José

Antonio Páez. No entanto, a glória vinda daquelas batalhas foi toda a Simón Bolívar, o

Libertador.

A partir destas batalhas, pôde se colocar como alguém capaz de ‘libertar povos

oprimidos’, ao reluzir a liberdade onde existia tirania e monarquia, palavras sinônimas

naquele contexto. Conforme pontua Bushnell (2009), Bolívar não se sentaria em uma

escrivaninha para despachar burocraticamente enquanto houvesse exércitos espanhóis

em campo61. Não o faria em nenhum momento. Assim sendo, foi-se construindo uma

imagem capaz de convencer as aristocracias de outras localidades (Bogotá, Quito, Lima,

La Paz) de que era alguém dotado de uma capacidade ‘diferenciada’. Bolívar seguiu seu

caminho e a Venezuela, independente da Espanha, ficou sob o comando de José

Antonio Páez.

A partir de Carabobo, Bolívar iniciou uma campanha de libertação de outros

territórios, pois extrapolou os limites territoriais do antigo vice-reinado de Nova

Granada. Libertou Bogotá em 1822, o Peru e o Alto-Peru (atual Bolívia) em 1826 com a

ajuda das tropas de San Martín, general argentino. Foram anos de glória a Bolívar sendo

que, por meio das tropas comandadas pelo general Sucre, o exército patriota se sagrou

vencedor na derradeira Batalha de Ayacucho (1824). A América estava definitivamente

‘livre’ do exército espanhol e já não era mais uma colônia.

Conforme vislumbrou-se ao longo deste item, os desdobramentos do processo

que culminou na Independência da Venezuela levaram Simón Bolívar a se tornar o

principal ator político e militar daquelas batalhas. A capitulação de Francisco de

Miranda e seu posterior envio às autoridades espanholas, fez com que o processo se

concentrasse cada vez mais na figura de Bolívar.

Entretanto, o Libertador se tornou um personagem histórico-político controverso

e de apropriação diversa ao longo da história venezuelana, americana e até mesmo na

Europa e nos Estados Unidos. Para Pierre Vayssière, cada historiador, biógrafo ou

60. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.250.

61. BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola, p.171.

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escritor que se ocupou da controversa vida do prócer, possui ‘seu Bolívar’. A gama

variada de análises vai desde aquelas mais vexatórias, a exemplo do espanhol Salvador

de Madariaga que o representa como alguém que preencheu sua vida com mulheres para

amenizar seu ‘vazio existencial’, até aquelas análises mais ‘dramáticas’, que o

vislumbra por meio da “pura imaginação de um novelista” 62. John Lynch o descreve de

uma forma que sintetiza toda a polêmica, contradição e controversa inerente a sua

figura, ao formular uma das mais perspicazes sínteses de definições do Libertador:

“Bolívar was an exceptionally complex man, a liberator who scorned liberalism, a

soldier who disparaged militarism, a republican who admired monarchy”63.

Em seu sentido político, a Independência da Venezuela estava concluída,

tornando-a uma ex-colônia da Espanha. Entretanto, enquanto um processo social e

estrutural ainda permanecia inconclusa. A maior prova histórica de que isto era uma

realidade foi a construção de um culto em torno da figura do principal ator daquele

processo: Simón Bolívar. Este assunto é tratado no próximo item.

1.2 – De um culto de um povo a um culto para o povo: o bolivarianismo na

historiografia venezuelana

Conforme demonstrou-se no item anterior, Simón Bolívar foi alçado, em razão

das circunstâncias e da posição em que ocupava naquela sociedade, à categoria de

principal ator político-militar do processo histórico denominado de Independência da

Venezuela. Membro inegável da elite criolla, tornou-se o Libertador em vários países e

autor ‘genuíno’ de uma teoria política da Independência, construída e influenciada por

longas e sangrentas batalhas. Sob o comando de Bolívar, inúmeros indivíduos lutaram

contra o exército monarquista, sejam eles comandantes conhecidos ou soldados não

mencionados pelos documentos da época.

No entanto, a ‘glória’ foi transferida a Bolívar e ao longo de décadas foi

construído um culto em torno de sua figura histórica denominado bolivarianismo, ao

torna-lo um herói romântico por excelência64. O culto a Bolívar está imerso em uma

ampla e complexa gama de significados. Conforme define Carrera Damas (2013), “[...]

por culto a Bolívar entendemos la compleja formación histórico-ideológica que ha

62. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.14-17.

63. “Bolívar foi um homem complexo e excepcional, um libertador que desprezava o liberalismo, um

soldado que rechaçava o militarismo, um republicano que admirava a monarquia” (LYNCH, John. Simón

Bolívar: a life, p.xi).

64. HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografía, p.7.

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permitido proyectar los valores derivados de la figura del Héroe sobre todos los

aspectos de la vida de un pueblo”65.

Portanto, o culto ao Libertador deve ser analisado como um fenômeno histórico

de fundamental impacto na sociedade venezuelana. Não há como visualizá-lo descolado

desta perspectiva sem correr o risco de agregar prejuízos à análise do fenômeno. Na

realidade política do país, o bolivarianismo pode se manifestar concretamente de

diversas formas. Por exemplo, a reverência com que os presidentes venezuelanos se

referiram ao prócer ao longo da história e assim o fazem atualmente, as praças e demais

espaços públicos batizados de Simón Bolívar, o município com o nome de Libertador, o

estado chamado Bolívar, sua espada, estátuas espalhadas pelo país, pinturas e demais

representações. Todas elas podem ser consideradas a materialização do culto ao prócer,

fenômeno atrelado à cultura política venezuelana.

Sob uma perspectiva historiográfica, o bolivarianismo venezuelano pode ser

considerado uma ‘tradição inventada’, categoria desenvolvida pelo historiador britânico

Eric Hobsbawm. Para esse autor, uma tradição inventada seria um conjunto de práticas,

reguladas e aceitas, que visam estabelecer normas, valores e rituais simbólicos ao

espaço público. Normalmente se ancora em uma continuidade do passado66, pois “[...]

toda a tradição inventada na medida do possível utiliza a história como legitimadora das

ações e como cimento de coesão grupal”67. Para Octavio Ianni, este fenômeno é uma

constante no cenário político da América Latina, não se restringindo a esta realidade.

As heranças políticas do passado recente e antigo, envolvendo práticas

e ideais, heróis e mitos, monumentos e ruínas, entram na construção

da vida política do presente, na imaginação do futuro. [...] É ampla e

complexa a trama dos ideais, valores, padrões e estilos de pensar e

atuar na política que compõem o que se pode denominar cultura

política68.

Para além de análises generalizantes, definir quando começou e qual é o papel

ocupado pelo culto a figura de Bolívar na historiografia venezuelana não têm sido uma

tarefa consensual. Até mesmo os especialistas apresentam visões divergentes e, muitas

vezes, as datas atribuídas ao começo do culto não coincidem.

Apesar disso, é perceptível que após a morte de Bolívar, em 17 de dezembro de

1830, o processo de santificação de sua figura se intensificou, como uma consequência

65. CARRERA DAMAS, Germán. El culto a Bolívar, p.29.

66. HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições, p.8.

67. Idem, p.21.

68. IANNI, Octavio. O labirinto Latino-americano, p.83.

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de seus feitos – considerados heroicos – durante as batalhas pela Independência. Além

disso, a forma dramática como a historiografia venezuelana narrou seus últimos dias

contribuiu neste processo de dramatização, santificação e martirização pelo qual a figura

do Libertador passou em quase dois séculos de construção histórica do culto.

Para John Lynch, “the tragedy of his [Bolívar] premature death was his final

glory, a glory undimmed by longevity and the fate of an unsuccessful administrator”69.

Um Simón Bolívar isolado, doente (tísico), traído e abandonado por seus principais

aliados (Francisco de Paula Santander e José Páez) contribuiu para formar um culto

santificado a Bolívar, como se isto houvesse sido sua ‘última glória’.

De acordo com Carrera Damas, a construção do que foi denominado culto a

Bolívar teve origem ainda durante o processo de Independência70. Conforme

demonstrou-se no item anterior, a emancipação política da Venezuela foi consolidada

após treze anos de longas e sangrentas batalhas e o prócer liderou um exército também

formado por mestiços, pardos, escravos negros e indígenas. Na visão deste historiador,

as pessoas nutriam uma grande admiração pelo general e presidente Simón Bolívar.

Dessa forma, o círculo de pessoas que o rodeavam, ao perceberem que a Independência

não estava fazendo com que a República proporcionasse os benefícios que muitos

esperavam, isto é, a felicidade destacada pelo Libertador no Discurso de Angostura

(1819), fez com que fosse transferida toda aquela responsabilidade a Bolívar71.

Esta transferência de responsabilidade era tão forte naquela época que José Páez

chegou a propor que Bolívar se coroasse Rei, como uma forma de manter a unidade das

jovens Repúblicas e conseguir a felicidade prometida. Esta sugestão foi rechaçada pelo

Libertador em diversas oportunidades, dentre as quais em uma carta de 1829 destinada

ao jornalista Antonio Leocadio Guzmán72.

Desta forma, Carrera Damas destaca que Bolívar se tornou o ator único daquele

processo. Com base nesta admiração e na transferência de responsabilidades pelos

logros e malogros das jovens Repúblicas, após a morte de Bolívar se consolidou a

construção de um culto em torno de sua figura visando manipular o povo, apelando a

seus sentimentos genuínos, porém com propósitos nada genuínos, tais como alcançar o

69. “A tragédia de sua [Bolívar] morte prematura foi sua última glória, uma glória não ofuscada pela

longevidade e pelo fato de não ter sido um exitoso administrador” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life,

p.300).

70. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

71. Idem.

72. BOLÍVAR, Simón. Carta dirigida a Antonio Leocadio Guzmán. Popayán, 6 de diciembre de 1829.

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poder, exercer o poder e beneficiar-se do poder73. Por isso, Lynch (2006) destaca que,

embora Bolívar não possa ser considerado Deus, ele pode ser considerado um santo,

pois o culto a sua figura é paralelo a uma religião74.

O historiador Manuel Caballero é mais enfático ao afirmar: “[…] el

bolivarianismo es además una religión mesiánica. El héroe ha de regresar al final de

los tiempos, encarnado en un hijo suyo. Que por casualidad es siempre el hombre en el

poder […]”75. É exatamente desta forma que determinada sociedade constrói o que

Baczko (1985) chama de fato religioso que seria uma construção simbólica do fato

social.

Através dos Deuses que os homens criam, estes dão corpo a

consciência de pertencerem a um todo comunitário, enquanto as

representações coletivas reconstituem e perpetuam as crenças

necessárias ao consenso social. Qualquer sociedade é capaz de se

erigir em Deus ou de criar deuses, isto é, produzir representações

carregadas de sagrado76.

No caso específico do culto a Bolívar na Venezuela, todo este arcabouço teórico-

simbólico de ressignificação do Libertador no cenário político é possível de ser

visualizado com base no livro El culto a Bolívar, publicado em 1970. Nele, Carrera

Damas defende a tese de que a elite dirigente, ou seja, muitos daqueles que haviam

lutado ao lado de Bolívar e ficaram no comando da Venezuela após a cisão da Colômbia

em novembro de 1831, converteram um culto de um povo em um culto para o povo77.

La conversión del culto de un pueblo en un culto para el pueblo, con

la relegación primero al ámbito de lo folclórico como expresión

típicamente popular, ha significado mucho más que un cambio en la

estructura del culto, al volverlo parte de las funciones del Estado y

por lo mismo objeto de reglamentación y de administración78.

É possível afirmar que, ao agregar este culto às próprias funções do Estado, foi

proporcionado longevidade, melhor inserção na sociedade venezuelana e, sobretudo,

legitimidade à presença de uma elite ou governante no poder. O papel do Estado na

transformação do culto de um povo em um culto para o povo foi essencial e realizado

pelo próprio Estado venezuelano durante seu processo de consolidação, a partir da

morte de Bolívar em dezembro de 1830. Com base neste raciocínio, o culto foi

73. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

74. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.301.

75. CABALLERO, Manuel. ¿Por qué no soy bolivariano? Una reflexión antipatriótica, p.156-157.

76. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.306-307.

77. CARRERA DAMAS, Germán. El culto a Bolívar, p.278-279.

78. Idem.

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construído antes de 1842, ano em que os restos mortais do Libertador foram repatriados

à Caracas com honras fúnebres e todo tipo de reverência feita pelo Estado79.

Embora Carrera Damas sustente o caráter anterior a repatriação dos restos

mortais como início do culto, ele não desconsidera a importância simbólica que a

repatriação dos ossos de Bolívar teve naquele momento (1842), sobretudo para a elite

dirigente. Isso porque tratou-se de um feito reivindicado tanto por José Páez, presidente

da República e aliado da elite agrária, quanto pelo opositor e fundador do Partido

Liberal (Los Amarillos) Antonio Leocadio Guzmán. Dessa forma, compreende-se que a

repatriação dos restos mortais de Bolívar era uma vontade da nação, por isso havia sido

convertida em lei.

Cuando el 17 de diciembre de 1842 Caracas y toda Venezuela

acogieron solemnemente los restos repatriados de Bolívar, no solo

afirmó su presencia de derecho en la vida política nacional su más

fecundo tema, sino que se dio nuevo impulso a una admiración

popular apenas mellada por la reacción antibolivariana de 183080.

Este processo de repatriação dos restos mortais do Libertador é essencial para

compreender a inserção do culto na sociedade venezuelana, sendo determinante para se

medir o nível de receptividade daquela sociedade em relação ao Libertador. Devido a

sua relevância histórica, este acontecimento é narrado de forma detalhada pelo

historiador britânico John Lynch (2006):

In November 1842 the body of Bolívar was exhumed from the

Cathedral of Santa Marta, escorted in a small fleet to La Guaira and

from there transported to Caracas, where it arrived on 16 December.

Amidst exuberant funeral honours the body was followed in

procession by leaders of the government, the Church, the military, the

administration, the foreign envoys and ‘an elegant body of citizens’

[...]81.

José Páez, presidente da Venezuela em 1842 e que dominou a política

venezuelana até 1870, havia sido um dos principais combatentes nas guerras pela

Independência. Conforme já destacado, lutou ao lado de Simón Bolívar e foi nomeado

pelo Libertador o chefe superior da Venezuela. Porém, Páez atuou como um dos

principais articuladores do isolamento político sofrido pelo prócer em seus últimos anos

79. Idem, p.276-279.

80. Idem, p.268.

81. “Em novembro de 1842, o corpo de Bolívar foi exumado da Catedral de Santa Marta, escoltado por

uma pequena frota até La Guaira e transportado para Caracas, onde chegou em 16 de dezembro. Em meio

a um exuberante e honroso funeral, o corpo foi seguido em procissão por líderes do governo, da Igreja,

militares, funcionários públicos, enviados estrangeiros e ‘um elegante corpo de cidadãos’” (LYNCH,

John. Simon Bolívar: a life, p.300).

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de vida. Portanto, o ato de transladar os restos mortais de Bolívar à Caracas com honras

fúnebres simbolizou a reconciliação entre o Libertador e Páez, sob o propósito de que

passasse a ser visto, a partir daquele momento, como o ‘segundo Libertador’82.

Em 1842, Páez estava em seu segundo período constitucional como presidente

da Venezuela. Diferente do primeiro (de 1830 a 1835), governou sob forte oposição

feita pelo partido Liberal, liderado pelo jornalista Leocadio Guzmán. Os preços do café

e do cacau no mercado internacional haviam baixado sistematicamente. Portanto,

‘reconciliar-se’ com Bolívar era algo extremamente importante a Páez.

Na visão de Lynch,

Homage to the Father and Liberator was homage to the fatherland;

the voice of the people had broken through and twelve years of error,

envy and calumny now ended in a supreme national celebration. […]

He who bequeathed to Venezuelans and to the masas populares the

liberty won in battle and left them the means to defend it83.

Para Manuel Caballero, foi somente em 1883 que o culto ao Libertador se tornou

algo oficial, ao ser de fato apropriado pelo Estado. Neste ano, comemorava-se o

centenário do nascimento de Bolívar e a Venezuela era comanda pelo general Antonio

Guzmán Blanco84, no poder de 1870 a 1888. Portanto, as comemorações do centenário

de nascimento do Libertador podem ser consideradas o ‘batismo institucional’ da

religião bolivariana, com o propósito de exaltar Guzmán Blanco e colocá-lo com as

mesmas qualidades de Simón Bolívar. Embora também reconheça a importância

histórica da repatriação dos restos mortais do Libertador em 1842, Caballero (2007)

estabelece 1883 como o marco de início oficial do culto.

De acordo com Vayssière (2008), o primeiro centenário foi uma oportunidade

para os venezuelanos ressignificarem a imagem do Libertador. A República seguia

sendo um projeto inconcluso, vulnerável aos interesses dos caudilhos locais e as guerras

civis sacudiam o país. A paz e a prosperidade continuavam inacessíveis à maioria da

população85. Neste cenário, explorar a imagem de Bolívar serviria como uma forma de

atenuar todos aqueles problemas, pois um morto tão glorioso era um pretexto para

reforçar o sentimento de identidade coletiva. Ou seja, “se desarrolló un complicado 82. CABALLERO, Manuel. Revolución, reacción y falsificación, p.23.

83. “Homenagear o pai e Libertador era homenagear a pátria; a voz do povo havia sido quebrada por doze

anos de erro, inveja e calúnia que foi encerrada com uma grande celebração nacional. [...] Aquele que

legou aos venezuelanos e às massas populares a liberdade conquistada no campo de batalha, deixou meios

para defendê-la” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.300).

84. Filho do jornalista Antonio Leocadio Guzmán, a quem Bolívar havia escrito uma carta em 1829

recusando a proclamar-se Rei.

85. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.347.

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proceso de invención y reproducción de un simbolismo nacional, alimentado por

discursos, himnos, ceremonias publicas, retratos y estatuas” 86.

Guzmán Blanco instalou um regime autocrático, porém, foi modernizador em

alguns aspectos, sobretudo na educação e nas finanças públicas. Instituiu a gratuidade

da educação primária e o registro civil de casamento, nascimento e óbito. Seu governo,

portanto, possuía uma orientação considerada receptível ao laicismo, até certo ponto

anticlerical e agressiva na visão da Igreja Católica. Sob o pontificado de Pio IX que

transformou a ‘infalibilidade papal’ em dogma de fé, o presidente da Venezuela não

aceitou nenhum tipo de oposição vinda da Igreja87 e chegou a ameaçar a Santa Sé com a

cisma, caso não aceitasse as diretrizes do Estado. Conforme aponta Harwich (2003),

[…] el conflicto que, a partir de 1872 opuso el poder civil a las

autoridades eclesiásticas, favoreció la promoción de la versión

tropicalizada de una kulturkampf en que la figura del Libertador

serviría de referencia central. Además de favorecer un sentido de

cohesión nacional, esta nueva religión cívica podía valerse de un

conjunto de circunstancias que contribuían a su justificación88.

Portanto, Guzmán Blanco enxergou no Libertador e, principalmente, na

formação de uma ‘religião bolivariana’ e cívica à Venezuela, uma forma de viabilizar

suas medidas modernizadoras e diminuir o impacto da oposição feita por uma

instituição poderosa (Igreja Católica). Conforme destaca Salvador González (2009),

La mitificación de Simón Bolívar […] es utilizada por Antonio

Guzmán Blanco como instrumento ideológico-propagandístico para

indoctrinar a los ciudadanos en la consciencia de su identidad

nacional, de su pertenencia a una misma comunidad identitaria,

basada en los mismos símbolos e idearios provenientes del imaginario

colectivo de Patria y Nación89.

Durante a longa ditadura de Juan Vicente Gómez (1908-1935), o culto a Bolívar

continuou seu processo de propagação e constante reforço por meio do Estado.

Entretanto, o bolivarianismo da era Gómez não pode ser vislumbrado como algo

desprovido de uma revisão histórica para aquele momento. Ao contrário, pode-se

considerar que o processo de construção do culto a Bolívar se tornou mais complexo

neste período. Isso porque o regime havia conferido ao escritor, historiador e sociólogo

Laureano Vallenilla Lanz, com quem o ditador mantinha próximas relações, o papel de

86. Idem, p.341-342.

87. DEAS, Malcon. Venezuela, Colômbia e Equador (1870-1930), p.276.

88. HARWICH, Nikita. Un héroe para todas las causas: Bolívar en la historiografía, p.11.

89. SALVADOR GONZÁLEZ. José María. La mitificación verbal de Simón Bolívar en Venezuela bajo

el régimen de Antonio Guzmán Blanco, p.319.

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apologista do regime ao desempenhar a estratégica função de construtor da

interpretação considerada a mais adequada do legado de Bolívar. Em seu livro

Cesarismo Democratico (1919)90, Vallenilla Lanz fundamenta sua interpretação no que

denominou de “princípios constitucionais do Libertador”.

Na visão do apologista de Gómez, Bolívar havia sido o único estadista original e

genial que a América Espanhola havia produzido. Para o ideólogo gomezcista, o

‘brilhantismo’ do Libertador estava na defesa de uma Constituição com estrutura

político-administrativa centralizada, em detrimento de um federalismo com base no

adotado pelos Estados Unidos. A estrutura federalista era defendida por vários

legisladores que acompanhavam o Libertador, porém, Bolívar a considerava

incompatível e inadaptável à realidade política da Venezuela. Para Vallenilla Lanz

(1999),

Los hombres que como el Libertador poseyeron toda la amplitud de

criterio para romper con los dogmas y solicitar no la mejor

constitución, sino la que más convenía a pueblos inorgánicos recién

emancipados de la larga tutela monárquica, tenían que chocar con

los que contrariamente creían que bastaba decretar para crear, y,

tomando demasiado en serio el papel de representantes de pueblos

que ni siquiera sospechaban la existencia de sus legisladores […]91.

É fato que no Manifesto de Cartagena, de 15 de dezembro de 1812, Simón

Bolívar reconheceu que o denominado “sistema federal” seria o mais perfeito e mais

capaz de proporcionar felicidade ao povo. Porém, o reputou como inadequado à

realidade política dos recém-criados Estados Nacionais. Para o Libertador, os cidadãos

daquela época (1812) não estavam aptos a exercerem amplamente seus direitos, pois

careciam das “virtudes políticas” que um verdadeiro republicano deveria possuir. Tais

virtudes não poderiam ser adquiridas sob a égide de regimes absolutistas92, a exemplo

do que havia vigorado durante a era colonial em relação à Coroa Espanhola.

Com base na interpretação construída por Vallenilla Lanz no tocante ao

pensamento de Bolívar, legitimava-se a tese de que somente uma ditadura personalista,

forte e centralizadora poderia ser capaz de garantir paz, estabilidade e crescimento

90. Embora tenha sido escrita em 1919, a edição utilizada para fundamentar a tese é de 1999, ano da

ascensão de Chávez à presidência. Foi uma publicação comemorativa dos 80 anos, com o propósito de

oferecer bases para pensar a realidade venezuelana do momento (1999), demonstrando sua atualidade 8

décadas depois. Conforme a introdução feita por Jesús Sanoja Hernández, trata-se de uma obra pertinente

para repensar o passado da Venezuela e entrar no século XXI ‘livre’ do ‘mito’ dos ‘bons tiranos’.

91. VALLENILLA LANZ, Laureano. Cesarismo democrático, p.156.

92. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812, p.14.

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econômico à Venezuela93. Esta ditadura, considerada a mais adequada e não

necessariamente a melhor, era justamente a de Juan Vicente Gómez que representava

exatamente o tipo de líder e a representação de um sistema político e de governo

considerados o mais adequado à realidade venezuelana.

O presidente Juan Vicente Gómez exerceu o poder de uma forma através da qual

dominava o cenário político do país em praticamente todos os âmbitos. Era um ditador-

autocrata e “nenhum outro governo latino-americano reprimiu de maneira tão

implacável seus inimigos no plano interno e vigiou-os tão de perto no exterior94. Talvez

seja esta a razão pela qual ocupou a presidência da República de 1908 a 1935 quando

faleceu, em 17 de dezembro, coincidentemente no mesmo dia de falecimento de

Bolívar. As bases formadas durante o longo regime ditatorial eram tão fortes e tão

arraigadas elas estavam na sociedade venezuelana que a sucessão do general Gómez foi

um complicado processo político que durou 10 anos, conduzido pelos governos dos

generais Eleazar Lopez Contreras e Isaías Medina Angarita (1935-1945).

O bolivarianismo da era Gómez também foi difundido em âmbito internacional,

por meio de uma interpretação ‘cesarista’ do Libertador, alimentada com o apoio do

regime fascista italiano.

En 1928, Mussolini organizó una misión de propaganda en la

Venezuela del dictador Juan Vicente Gómez, que estaba en el poder

desde 1908. Este último había llenado el país de estatuas del

Libertador. Además, le encantaba ver en los diarios su proprio retrato

junto al de Bolívar, con la leyenda “los padres de la patria”95.

Na visão de ambos os regimes ditatoriais, Bolívar era representado como um

precursor incompreendido de um modelo de República que seria a ‘síntese perfeita’

entre dois extremos: a absoluta liberdade e a ditadura cega96, por meio de um governo

forte e centralizado, cuja representação do momento seria Benito Mussolini na Itália e

Juan Vicente Gómez na Venezuela.

Gómez ainda estava no poder quando foram realizados os atos oficiais com o

propósito de relembrar os 100 anos da morte de Simón Bolívar. Nessa ocasião, todo o

arquétipo bolivariano e do culto ao Libertador na era Gómez pôde ser mais uma vez

visualizado. Segundo Caballero (2007), neste momento o governo do general utilizou a

data a fim de consolidar o que chamou de “religião patriótica”. Para este historiador, em

93. VALLENILLA LANZ, Laureano. Cesarismo democrático, p.141-146.

94. DEAS, Malcon. Venezuela, Colômbia e Equador (1870-1930), p.285.

95. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.364.

96. Idem.

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1930, “[…] muchas de las ideas del Libertador expresadas en Angostura, en la

Constitución boliviana y al final de su vida, casaban estrechamente con la justificación

de la dictadura: sobre todo la idea de la presidencia vitalicia”97.

A crítica feita por Caballero (2007) era percebida pela forma autocrática e

autoritária como Gómez conduzia suas políticas, emanava ordens e, sobretudo, na forma

patrimonialista com que enxergava o bem público, pois alguns autores afirmavam que o

ditador tratava o país como uma fazenda. “Gómez se foi, deixando uma confusão; havia

tratado a Venezuela como uma propriedade exclusiva, uma fazenda particular,

administrada para seu próprio enriquecimento”98.

Neste sentido, a ideia de uma presidência vitalícia, exercida por Gómez de forma

plena já que ele morreu presidente da República, era legitimada pela apropriação da

mensagem feita pelo Libertador ao analisar o Projeto de Constituição da Bolívia em

1826. Nesta Mensagem, Bolívar havia exaltado o papel exercido pelo presidente da

República em caráter vitalício, sendo ele o ator único e centro do universo político de

um país, ao se expressar de maneira enfática.

El presidente de la República viene a ser en nuestra Constitución,

como el sol, firme en su centro, da vida al universo. Esta suprema

autoridad debe ser perpetua; porque en los sistemas sin jerarquías se

necesita más que en otros un punto fijo alrededor del cual los

magistrados y los ciudadanos: los hombres y las cosas99.

Isto significava que uma presidência vitalícia como a de Gómez estava

plenamente legitimada pelas palavras do próprio Bolívar, ao desconsiderar o momento e

a realidade política em que elas haviam sido proferidas. A legitimação de Gómez, com

base no entendimento de Vallenilla Lanz, também agiu no intuito de fundamentar as

mudanças estruturais que estavam ocorrendo na Venezuela daquele período. Entre 1908

e 1935 o país fomentou um processo de abertura ao capital internacional por intermédio

da exploração de seus poços de petróleo pelas grandes petrolíferas transnacionais. Com

base no raciocínio de Vallenilla Lanz, o processo de crescimento econômico somente

seria viável com um líder do perfil do general Gómez. O ideólogo do gomezcismo,

portanto, nada mais fazia com seu raciocínio do que legitimar a elite no poder, pois

interpretava os escritos de Bolívar como um conjunto de pensamento teórico, político e

ideológico legitimador daquela ditadura.

97. CABALLERO, Manuel. Revolución, reacción y falsificación, p.24.

98. YERGIN, Daniel. O petróleo, p.487-488.

99. BOLÍVAR, Simón. Mensaje al Congreso de Bolivia. Lima, 25 de mayo de 1826, p.280.

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A morte de Gómez, em 17 de dezembro de 1935, acirrou em seu séquito a

disputa pela sucessão, iniciada no final da década de 1920. O ditador faleceu sem

indicar um substituto e, ainda em vida, rechaçou a hipótese de delegar o comando da

República a um de seus filhos ou irmãos. Não haviam regras objetivas que apontasse

um sucessor no marco das leis do momento, mas as Forças Armadas exerciam grande

influência na indicação e o escolhido foi Eleazar López Contreras, o general mais

antigo, aliado de primeira-ordem de Gómez e seu ministro da guerra de marinha.

Contudo, ao ocupar a presidência, o indicado teve que dissipar as incertezas,

conter a população e isolar os descontentes entre os militares. O governo de López

Contreras (1936-1941) usou de todos os recursos disponíveis para continuar no

comando da República, dentre os quais o culto a Bolívar. Em sua gestão, o

bolivarianismo foi aproveitado de forma hábil e singular pelo presidente, por isso,

incentivou a formação, em várias localidades do país, dos denominados Agrupamentos

Cívicos Bolivarianos, grupos de pessoas apoiadoras do regime que buscavam interpretar

o Libertador de forma favorável ao homem no poder naquele momento100. Estes

agrupamentos possuíam considerável capacidade de inserção na sociedade venezuelana

e serviram para diminuir as desconfianças em relação ao ‘novo’ presidente.

Com base nos argumentos expostos e fundamentados acima, o constante uso do

culto à figura de Simón Bolívar com o propósito de chegar ao poder, se manter e se

legitimar nele, tem sido uma regra na história política da Venezuela. Neste sentido,

durante muito tempo a discussão historiográfica acerca do bolivarianismo se

fundamentava em autores que exaltavam líderes com o propósito de colocá-los

próximos ou em patamares semelhantes ao pai e fundador da pátria. Ou seja, utilizavam

o culto para o povo como uma forma de chegar e se manter no poder para dominar o

cenário político.

Todavia, nas últimas quatro décadas a discussão começou a tomar um rumo

diferente. A partir de 1970, o livro El culto a Bolívar, de Germán Carrera Damas,

marcou um ponto de inflexão nas discussões no sentido de criticar o uso do culto ao

prócer, isto é, um culto do povo, com a finalidade de chegar ao poder, se perpetuar nele

e controlar o sistema político, ou seja, utilizá-lo como um culto para o povo. Para

melhor compreensão do tema, em entrevista, Carrera Damas pontua que os

100. MAZA ZAVALA, Domingo. História de meio século na Venezuela: 1926-1975, p.284.

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acontecimentos políticos ocorridos em 1958 o fizeram escrever esta obra, movido pelo

que denominou de “dever social do historiador”101.

Em janeiro de 1958, a Venezuela viveu um momento crucial em seu sistema

político. Havia chegado ao fim a corrupta e autoritária ditadura de Marcos Pérez

Jiménez (1952-1958) e as forças partidárias desarticuladas pelo ditador estavam se

reorganizando com o propósito de construir instituições democráticas na Venezuela,

país sem histórico de amplas liberdades individuais, políticas e econômicas até aquele

momento.

Os líderes dos maiores partidos articularam o que a historiografia venezuelana

denominou de Pacto de Punto Fijo, acordo estabelecido entre os líderes das três maiores

agremiações do momento: Rómulo Betancourt da Ação Democrática (AD), Rafael

Caldera do Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) e Jóvito

Villalba da União Republicana Democrática (URD). Esse Pacto foi realizado com o

propósito de que fossem respeitados os resultados das eleições de 1958 pelos partidos

derrotados no pleito. Contudo, na prática, este acordo consolidou o domínio dos

partidos AD e Copei no cenário político, se estendendo até a ascensão de Hugo Chávez

à presidência em 1998.

O Pacto de Punto Fijo é considerado pela historiografia venezuelana como o

nascimento da democracia no país, pois desde 1958 a Venezuela vem realizando

periodicamente eleições para presidente da República. O principal articulador do Pacto

foi Rómulo Betancourt, que se tornaria presidente ao ser eleito pelo voto popular em

eleições diretas em 1958. Por isso, ele é considerado o ‘pai’ da democracia venezuelana.

No entanto, de acordo com Ewell (2002), Betancourt acreditava que para

consolidar a democracia haveria de se tomar medidas consideradas duras, tais como

encarcerar ou exilar os conspiradores. Para Betancourt, em alguns casos, governos

democráticos devem lançar mão de meios não democráticos para se consolidar. “Al

hacer uso del patronazgo, el personalismo y la cooperación con partidos no

comunistas, Betancourt aprovechó diestramente las condiciones nacionales y consiguió

proporcionar estabilidad”102.

Ao citar o uso constante do patrimonialismo, do personalismo e dos conchavos

entre elites partidárias, Ewell (2002) deixava nítido que a Venezuela construía sua

democracia sob as mesmas bases estratégicas que haviam sustentado os regimes

101. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

102. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.326.

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ditatoriais. Sob uma perspectiva semelhante, Carrera Damas elabora seu raciocínio no

tocante ao bolivarianismo, ao afirmar que observou, ao regressar do exílio em 1958, que

os líderes partidários responsáveis pela construção da democracia usavam as mesmas

ideias que as ditaduras passadas haviam utilizado. Ou seja, estes líderes continuaram

reforçando o culto à figura de Bolívar com os mesmos propósitos de seus antecessores:

legitimar grupos políticos no poder, dominar e controlar a sociedade.

Sendo assim, o historiador venezuelano afirmou ter escrito a obra El culto a

Bolívar com o propósito de “alertar” aos dirigentes da Venezuela no tocante aos

“perigos” e ao “erro” de continuar explorando a figura histórica de Bolívar para

permanecer no poder. Porém, reconhece que os líderes políticos daquele momento não

levaram em consideração suas críticas103.

[…] veía que íbamos por un camino malo, en el sentido de que esas

ideas de Bolívar corresponden a otro tiempo y fueran pervertidas y

utilizadas para justamente dominar y controlar a la sociedad, no para

un desarrollo democrático. Y yo escribí este libro para alertarlo, o

mejo dicho, con la emoción de que yo iba a alertar a estos dirigentes

políticos. Por supuesto nadie lo leyó. ¡Olvídate! E hicieron

exactamente lo mismo104.

As palavras colocadas acima evidenciam o fato de que as elites dirigentes da

Venezuela não abandonam a prática de sempre abordar o Libertador com os propósitos

considerados pouco genuínos por este autor, ainda mais em um cenário com eleições

competitivas à presidência da República105. Neste sentido, explorar a figura de Bolívar e

sua memória histórica se tornam eficazes instrumentos de mobilização das massas em

favor de grupos no poder, trata-se de uma eficiente estratégia para conseguir votos e

atenuar efeitos de crises momentâneas.

Por isso, o primeiro governo da ‘era democrática’ de Punto Fijo evidenciou tais

contradições. Rómulo Betancourt foi presidente de 1959 a 1964, tratou-se de um

momento político extremamente conturbado na Venezuela, bem como em toda a

América Latina, e mais uma vez encontrava-se diante do desafio de pacificar o país. A

Guerra Fria, a influência cubana sobre a guerrilha e o atentado sofrido por Betancourt

em 1961 a mando do ditador dominicano Rafael Trujillo, acirraram ainda mais os

103. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

104. Idem.

105. É importante frisar que na Venezuela de 1958 a 1989 o voto direto em eleições era somente para

presidente da República. Os governadores eram nomeados pelo presidente e os prefeitos escolhidos pelas

câmaras municipais por meio de eleições indiretas. Somente com a minirreforma política de 1989, feita

pelo presidente Carlos Andrés Pérez com o propósito de amenizar a crise instalada, foi estabelecida

eleições diretas aos cargos do Poder Executivo em todos os níveis.

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ânimos. Por meio da chamada Doutrina Betancourt, o presidente marcou posição de

rechaço ao comunismo, as ditaduras, aos governos instalados mediante golpes de Estado

e, principalmente, se empenhou em eliminar qualquer foco de influência comunista nas

Forças Armadas.

O Libertador foi útil ao presidente para reforçar a importância desta tarefa. Em

seu discurso de despedida do cargo, disse ter sido fiel ao mandato deixado a ele como

herança por Bolívar: lutar contra a tirania em favor da liberdade, tanto na Venezuela

quanto além das fronteiras do país. Betancourt se colocava como um herdeiro da

geração de 1810 (que lutou nas batalhas pela Independência, em suma Simón Bolívar) e

que comandava um ‘segundo’ Carabobo106, se referindo a batalha travada em 1821,

considerada a que consolidou a Independência da República.

Assim como fizeram os antecessores e viriam a fazer os sucessores, o Libertador

aparecia nos discursos de Betancourt em momentos extremamente conturbados, a

exemplo de quando o presidente foi vítima de um atentado a bomba em julho de 1961 e

na condução do processo de ‘expurgo’ realizado nas Forças Armadas. Ou seja, os

presidentes puntofijistas não se abstiveram em usar o culto a Bolívar na forma criticada

acima por Carrera Damas. Em 1983, ano do bicentenário do nascimento de Bolívar, o

culto foi utilizado pelo governo de Luis Herrera Campins (1979-1984) para atenuar os

efeitos de uma crise bancária, responsável por provocar um caos nas contas públicas e

aumentar o déficit fiscal do país.

Era o começo da ‘década perdida’ na Venezuela. Ainda assim, em dezembro de

1983, governadores, líderes partidários, ministros, militares, acadêmicos, artistas e uma

parcela da população, renderam amplas homenagens ao Libertador. Conforme destaca

Lynch (2006), enquanto a economia nacional e mundial entrava em colapso, a

Venezuela continuava gastando na construção de seu metrô, sediando congressos

internacionais e encenava as pomposas comemorações do bicentenário de nascimento

de Simón Bolívar107.

Com base no destacado ao longo deste item, o culto a Bolívar é uma constante

na história e na historiografia da Venezuela. Portanto, parte-se da premissa de que seu

uso durante a era Chávez (1999-2013) não pode ser considerado uma inovação. Todos

os presidentes venezuelanos, desde José Páez, cada um à sua maneira e possibilidade, se

106. BETANCOURT, Rómulo. Despedida: “El precio de la libertad es la eterna vigilancia”. Caracas, 9

de abril de 1964, p.436.

107. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.304.

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apropriaram do culto ao Libertador, assunto mais fecundo da historiografia venezuelana.

Portanto, o herói da Independência nunca ‘desapareceu’ do cenário político, sempre

esteve presente por meio do culto a sua figura. O culto a Bolívar é definitivamente uma

constante e domina o debate histórico-político nacional.

Considerações finais do capítulo

Com base no discutido ao longo deste capítulo, é possível perceber que na

Venezuela há uma mistura entre a historiografia nacional e o culto aos heróis

libertadores, com especial ênfase a Simón Bolívar. Muitas vezes, estas categorias e estas

figuras históricas são abordadas como se tivessem o mesmo significado. Um debate que

em outros países seria distinto, na Venezuela torna-se uma fusão, transplantada do

campo acadêmico para influenciar no debate político nacional.

Não há como deixar de reconhecer que Bolívar desempenhou um papel

fundamental no processo de Independência da Venezuela e de outros países

(Colômbia/Panamá, Peru, Equador e Bolívia). Foi um hábil comandante militar e

possuía uma bagagem intelectual diferenciada em vista das pessoas que o rodeava.

Entretanto, ele não ‘fez a Independência’ sozinho, tampouco enfrentou o exército

monarquista apenas na companhia de sua espada e de seu cavalo. Bolívar liderou

batalhas, recrutou soldados, convenceu comandantes de milícias locais e proporcionou

uma determinada unidade às tropas revolucionárias. Elaborou uma ‘teoria política’ da

Independência capaz de legitimar suas ações naquele momento e, posteriormente, de

oferecer bases históricas ao culto forjado em torno de sua figura após 1842. Todavia, o

Libertador contou com o apoio de figuras como José Páez, Francisco de Paula

Santander, Antonio José de Sucre, Juan José Flores, dentre tantos outros, sejam eles

documentados ou não pela história.

Entretanto, no tocante ao culto a Bolívar, é preciso ponderar que sua construção

ocorreu em razão da necessidade em impedir a cisão do jovem país. Após a morte do

Libertador, a Colômbia, formada em Angostura em 1819 e que agregava os territórios

do vice-reinado de Nova Granada com capital em Bogotá, foi dissolvida e dividida em

três países: Colômbia, Equador e Venezuela. Essa última formada a partir da dimensão

territorial da antiga Capitania Geral da Venezuela que possuía vínculos frágeis entre as

províncias.

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Sendo assim, para evitar a dissolução do país, a elite dirigente das décadas de

1830 e 1840 decidiu construir um ‘mito de criação’ à República. Ou seja, a pátria

precisava de um ‘pai-fundador’ e aquele que melhor preenchia os requisitos para ser o

eleito à função era Simón Bolívar, o Libertador. O isolamento político que Páez e a elite

dirigente impuseram a Bolívar em seus últimos anos de vida foram amainados pela

‘reconciliação’ feita através da repatriação do corpo de Bolívar à Caracas em 1842 e,

mais tarde, na construção do Panteão Nacional em 1872, onde atualmente encontram-se

os ossos do Libertador e de outros heróis nacionais.

Ao longo da história venezuelana, os presidentes da República somente se

apropriaram de um culto que vinha sendo construído historicamente por muitos autores,

fomentado pelo Estado e entranhado no senso comum do venezuelano. Neste sentido,

Hugo Chávez repetiu seus antecessores ao fazer uso de uma intensa exploração do culto

ao Libertador durante seu governo.

Desta premissa, surge a necessidade de contextualizar e explicar os antecedentes

bolivarianos da era Chávez, sobretudo o papel ocupado pela abordagem do Libertador

feita durante este regime. Portanto, o bolivarianismo da era Chávez possuiu

características próprias, calcadas em uma revisão histórica exagerada do culto, ao ponto

de denominar de Revolução Bolivariana o processo político responsável por sua

ascensão ao poder. Partindo deste princípio, faz-se necessário explicar sob quais bases

está estruturado o culto a Bolívar da era Chávez, assunto do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2

As bases do culto a Bolívar na Venezuela da era Chávez

Introdução

Este capítulo analisa as bases do culto a Simón Bolívar durante o governo do

presidente Hugo Rafael Chávez Frías (1999-2013). É sabido que o culto à figura do

herói da Independência da Venezuela é uma constante na realidade político-social do

país desde 1842. Portanto, trata-se de uma apropriação realizada por Chávez de

características comuns aos políticos venezuelanos, ainda mais para alguém que obteve

formação histórico-política nas Forças Armadas.

Porém, a forma como foi construída as bases teóricas e empíricas do culto ao

Libertador na era Chávez não pode ser compreendida sob a mesma lógica de seus

antecessores. Com base no difundido pelo historiador Marc Bloch, a história seria uma

ciência “dos homens no tempo”108. Portanto, Chávez não esteve submetido as mesmas

condições – nos âmbitos histórico, político, econômico, geopolítico e social – dos

presidentes que o antecederam. A partir desta premissa, a trajetória histórica de um

determinado país obedeceria a uma lógica (não linear) influenciada pela ação do tempo

histórico, ainda que se tratasse de fenômenos sociais com raízes antigas, a exemplo do

culto a Bolívar na Venezuela.

Chávez construiu seu bolivarianismo sob quatro bases. Primeiramente, sua

gestão se apoiou no militarismo que pode ser denominado, no caso venezuelano, de

bolivarianismo militar. O fato de ter sido tenente-coronel do Exército e ter conferido um

papel estratégico às Forças Armadas fez com que houvesse um significativo aumento da

influência dos militares na política, ao lhes conferir o direito a votar e serem votados.

Segundo, Chávez elaborou uma retórica presidencial com a confluência entre duas

formas de culto a Bolívar historicamente construídas na Venezuela: o letrado e o

popular.

Terceiro, o esforço de revisão historiográfica sobre as causas da morte de Simón

Bolívar, com o propósito de provar que ele havia sido assassinado, fato que viabilizou o

processo de exumação dos ossos do Libertador em julho de 2010. Por fim, o último

ponto a caracterizar o bolivarianismo de Chávez foi a reconstrução facial do que

108. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador, p.55.

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supostamente teria sido o rosto do Libertador, com o propósito de formar um Bolívar a

‘imagem de semelhança’ do homem no poder daquele momento.

Ou seja, os quatro aspectos destacados acima constituem as bases sob as quais o

presidente Hugo Chávez construiu o bolivarianismo no período em que esteve no poder.

2.1 – O comandante-presidente e o bolivarianismo militar

Assim como Simón Bolívar, Hugo Chávez também foi um militar, formou as

bases de seu pensamento nas Forças Armadas e costumava enxergar a política pelo viés

da estratégia, do confronto e dos riscos. Em muitas ocasiões afirmou estar em ‘guerra’,

seja contra a fome e a miséria que grassava grande parte da população venezuelana em

1999, ou contra seus adversários. Essa característica esteve marcadamente presente em

seus discursos e nas decisões que tomou na presidência da República. Ao ser

questionado sobre a situação política da Venezuela em maio de 2010, ocasião em que

concedeu uma longa entrevista a um jornalista brasileiro, Chávez comparou o embate

no campo político com uma interminável batalha militar, ao afirmar que as dissidências

ocorridas em seu governo eram normais e citou como exemplo um piloto que se ejeta de

um avião109.

Vislumbrar a política como uma batalha militarmente disputada é fundamental

na compreensão da Revolução Bolivariana. O bolivarianismo da era Chávez pode ser

caracterizado como um bolivarianismo militar, em razão da origem militar do presidente

e, sobretudo, do preponderante papel ocupado pelas Forças Armadas nos

desdobramentos políticos e nas mudanças de ordem estrutural ocorridas no país entre

1999 e 2013. Esse fenômeno também foi perceptível nas frequentes paradas e demais

eventos militares para comemorar dias específicos que simbolizassem a instituição

armada, que neste período passou a se chamar Forças Armadas Bolivarianas.

Na era Chávez, um dos principais eventos no calendário militar venezuelano

acontecia todo 4 de fevereiro, quando se comemorava com desfiles, acrobacias aéreas e

longos discursos, o aniversário da tentativa de golpe de Estado comandada por Chávez

em 1992. Tratava-se de uma eficiente forma do regime se relegitimar e demonstrar sua

preponderância no espaço público. O evento realizado em 2012 foi o último a contar

109. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Bolivariana da

Venezuela, Hugo Rafael Chávez Frías, ao Jornalista Kennedy Alencar. Programa É Notícia, Rede TV.

Embaixada da Venezuela no Brasil. Brasília, 3 de maio de 2010. Transcrição do autor, p.12-13.

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com a participação física de Chávez e, naquela ocasião, o governo promoveu um

grande, longo e pomposo desfile em Caracas para celebrar os 20 anos do

acontecimento110. Esse evento foi ainda mais estratégico para o presidente, pois em

outubro do mesmo ano (2012) haveriam eleições e ele se candidataria a um quarto

mandato. Além disso, já havia sido diagnosticado com câncer e fazia tratamento em

Cuba, o que o obrigava a passar um tempo considerável fora do país.

Contudo, conforme noticiou o Correo del Orinoco, um dos principais meios de

divulgação do regime, Chávez desfilou em carro aberto com uma de suas filhas (figura

frequente ao seu lado desde quando se divorciou em 2003) e em discurso afirmou que as

Forças Armadas eram bolivarianas e chavistas, pois ele e o Libertador estavam

presentes no coração da instituição, doa a quem doesse. Por fim, se eximiu, ao afirmar

que o povo dizia isso, não ele111. Para tanto, não havia sentido deixar de reverenciar as

Forças Armadas e seus símbolos. Isso era parte essencial do culto à figura do

Libertador, encarado como o fundador e principal símbolo desta instituição. Enquanto

presidente da República, muitos partidários e colaboradores de Chávez o chamavam de

comandante-presidente, uma denominação que remete automaticamente às instituições

militares e suas divisões hierárquicas.

Conforme demonstrou-se no capítulo anterior, a Venezuela tem sido

historicamente marcada pela cultura do militarismo. As Forças Armadas e seus

presidentes-militares foram fundamentais na formação da nacionalidade venezuelana,

que se confluiu com o culto a Bolívar. Ademais, 30 dos 55 presidentes que o país teve

saíram das fileiras castrenses e foram aqueles que exerceram o cargo pelos períodos

mais longos. Três destes presidentes-militares (cada um deles ao seu modo) instalaram

regimes que se prolongaram por mais de uma década: Guzmán Blanco governou de

1870 a 1888 (18 anos); Juan Vicente Gómez comandou a Venezuela com mãos de ferro

entre 1908 e 1935 (27 anos) e Hugo Chávez liderou a Revolução Bolivariana entre 1999

e 2013 (14 anos).

Este imaginário da ‘proeminência militar’ é marcante na historiografia

venezuelana e reporta-se ao período das guerras pela Independência. Segundo Elias

110. O evento de 2013 não teve a participação de Chávez, pois ele encontrava-se em Cuba para

tratamento do câncer. Na ocasião, Nicolás Maduro leu uma carta enviada pelo presidente que exaltava o 4

de fevereiro e a Revolução Bolivariana, segundo ele a responsável por ter ‘novamente libertado’ a

Venezuela (DAVIDES, Vanessa. Presidente Chávez: necesitamos estar cada vez más unidos como

pueblo. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2013, p.3, No 1.225). O 4 de fevereiro e o papel

ocupado por esta data durante a era Chávez é discutido no próximo capítulo.

111. DAVIES, Vanessa & LOSANO, Hector. Chávez reiteró que la Fuerza Armada “es chavista, duélale

a quien duela”. Coreo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2012, p.2, No 872.

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Pino Ituriera, os militares fazem a leitura de que foi o Exército que conquistou a

Independência e a liberdade da pátria, ou seja, a emancipação da colônia foi um

‘presente’ dos militares ao povo112. Não por acaso a principal figura daquele processo,

Simón Bolívar, foi general e em seus discursos sempre exaltou a instituição armada. Por

isso, este imaginário é constantemente recuperado pelos presidentes venezuelanos,

sobretudo os presidentes-militares, razão pela qual a cultura do militarismo tem sido

extremamente forte no país.

Contudo, esta maciça presença de militares na história política da Venezuela é

criticada por alguns historiadores. Para Manuel Caballero, o militarismo é perigoso

devido a sua ‘condição intrínseca de enfermidade mortal à pátria’, pois o fim de todo

processo de militarização da sociedade seria a guerra113. Essa tese, defendida por

Caballero, pode ser confirmada com base na história venezuelana, marcada pelas

insurgências militares e saídas forçadas de presidentes. Durante a maior parte do século

XIX, a Venezuela viveu momentos de grande turbulência política, período denominado

pela historiografia nacional de la violência. Nesse período, o domínio dos caudilhos no

cenário político foi a principal forma de exercício do poder, situação agravada após a

morte de Bolívar em 1830. De acordo com Salcedo-Bastardo (1982), isso ocorreu

porque, nesse momento,

El caudillo es el nuevo dirigente; es una potencia incuestionable,

síntesis humana de poder material – físico, económico y social –

aureolado con la magia del ‘prestigio’ y de su inefable proyección

carismática. Autoritario, elemental y arbitrario, de cualidades

positivas y negativas es capaz de obrar prodigios en la vida social114.

Inevitavelmente, Chávez e seu regime estiveram imersos nas contradições e

heranças existentes na estrutura social do país, visto que a noção de militarismo é

crucial no entendimento dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais ocorridos

na Venezuela entre 1999 e 2013. Para Norberto Bobbio, a categoria de militarismo é

complexa, pois agrega um conjunto de hábitos, interesses, ações e pensamentos. Ela

visa objetivos ilimitados, dentre os quais penetrar em amplos setores da sociedade,

conferir às Forças Armadas uma condição de superioridade em relação ao governo e

ostentar atitudes de casta, culto, autoridade e fé115. Ou seja, na prática, o militarismo

112. PINO ITURIETA, Elías. Nada sino un hombre, p.224-237.

113. CABALLERO, Manuel. La peste militar: escritos polémicos (1992-2007), p.40.

114. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. Historia fundamental de Venezuela, p.328.

115. BOBBIO, Norberto. Dicionário de política, p.748.

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significa “[...] o controle dos militares sobre os civis e a sistemática vitória das

instâncias dos primeiros sobre os segundos”116.

Na América Latina, o conceito de militarismo é importante no entendimento da

história, dos desdobramentos e da cultura política117 da maioria destes países. De acordo

com Alain Rouquié, este conceito passa a fazer sentido somente no século XX, quando

se inicia o processo de profissionalização das instituições militares, pois, “as Forças

Armadas de um país são símbolos de sua soberania nacional”118. No entanto, na maioria

dos países latino-americanos, a história demonstra que o militarismo tem sido usado

como principal sustentáculo do que Ianni denominou de “predomínio da cultura política

não democrática”. Ela pode até se mesclar com ideais aparentemente democráticos,

porém suas práticas estão longe de serem democráticas119.

Na visão de Rômulo Neves, o conceito de militarismo reúne diferentes

categorias, as quais podem ser utilizadas para caracterizar desde os militares

‘profissionais’ até aqueles ‘não profissionais’, que seriam os políticos-militares, ou

caudilhos, personagem histórico importante ao se analisar a formação da estrutura social

venezuelana.

A equação militarismo-democracia é compreendida normalmente pelo

pensamento político do venezuelano, pois sintetiza a modernidade do

discurso da democracia com estruturas de significação profundas e,

por vezes, atávicas [...] no campo político120.

Tal como o destacado acima, Neves (2010) sintetiza a equação militarismo e

democracia como sendo perceptível e normalizada pelo senso comum do eleitor

venezuelano. Contudo, ele vislumbra o militarismo e o bolivarianismo sob a perspectiva

de duas categorias distintas, algo do qual essa tese discorda, pois parte-se do princípio

de que na Venezuela existe um bolivarianismo militar. Nesse caso específico, o

116. Idem, p.749.

117. Em razão de abarcar uma ampla e complexa gama de fatores (comportamento individual ou coletivo,

valores religiosos, tradições, etc.), o conceito de cultura política possui definição problemática para

cientistas políticos, historiadores e sociólogos. É inegável seu caráter multidisciplinar. Segundo Serge

Berstein (1992), o termo cultura política foi apropriado pelos historiadores, vindo da antropologia, que

identifica a cultura como uma gama de comportamentos coletivos, sistemas de representação e de valores

de uma determinada sociedade. A cultura política é, portanto, a junção destes significados culturais

aplicados ao cenário político, que podem variar de um período histórico a outro, de um sistema político a

outro (BERSTEIN, Serge. L'historien et la culture politique, p.68). Nesta tese, o conceito de cultura

política será entendido como a influência de traços da cultura venezuelana – o militarismo e o culto a

Bolívar – em sua realidade política.

118. ROUQUIÉ, Alain & SUFFERN, Stephen. Os militares na política Latino-americana após 1930,

p.201.

119. IANNI, Octavio. O labirinto Latino-americano, p.84.

120. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.116.

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militarismo atinge uma conotação mais complexa devido a sua junção com o culto a

Bolívar. Entre 1999 e 2013, foi gestada uma sistemática tentativa de reforçar esse culto

através da estratégia de aliar a imagem de Chávez com a de Bolívar, sobretudo quando

determinado assunto envolvia as Forças Armadas. Desta forma, o militarismo e o culto

a Bolívar são categorias indissociáveis na realidade política venezuelana.

Outro termo indissociável ao de bolivarianismo é o nacionalismo. Trata-se de

um conceito complexo e de definição difusa nos países latino-americanos. Para

Hobsbawm (2010), esta categoria tem origens na Europa do século XIX, sede do

nacionalismo e considerado um ‘filho’ das Revoluções Industrial e Francesa, além de

ter sido elemento norteador das lutas pelos direitos sociais e, em alguns casos, de

unificação de Estados Nacionais121.

Contudo, na América Hispânica recém-independente do século XIX não havia

um nacionalismo. Tratava-se de um protonacionalismo, entendido como “[...]

movimentos nacionais [que] podem mobilizar certas variantes do sentido de vínculo

coletivo já existente” 122. Sendo assim, os ideais que haviam sido defendidos por homens

como Bolívar e San Martín não se realizaram, pois “[...] as revoluções latino-americanas

foram obra de pequenos grupos de aristocratas, soldados e elites afrancesadas

“evoluídas”, deixando a massa da passiva população branca, católica e pobre, e dos

índios indiferentes ou hostis” 123.

Na visão de Bobbio (1998), a ideia de nacionalismo está atrelada a uma

ideologia nacional, restrita ou não a determinado grupo, que na prática tem por objetivo

se sobrepor as ideologias partidárias. Esse significado se tornou mais evidente no século

XX. Aliado a isso, há outra designação mais restrita atrelada à radicalização das ideias

de unidade e de independência da nação, aplicado a um grupo que se comporta como o

único interprete capaz de gerir os interesses nacionais124. Historicamente, os militares

têm desempenhado este papel na Venezuela.

Portanto, o nacionalismo venezuelano é materializado, ou até mesmo fundido,

no culto a Bolívar, não havendo como separar ambas as categorias. Neste sentido, o

bolivarianismo militar também pode ser considerado um ‘nacionalismo-militar’. O

militarismo, portanto, age como uma expressão praticamente ‘inevitável’ de um

nacionalismo permeado pelo culto exacerbado aos heróis da Independência, com larga

121. HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções (1789-1848), p.217-233.

122. Idem. Nações de nacionalismos desde 1780, p.63.

123. Idem. A era das revoluções (1789-1848), p.232.

124. BOBBIO, Norberto. Dicionário de política, p.799-806.

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ênfase em Simón Bolívar. Isso é perceptível na maneira como Chávez construiu a

retórica bolivariana do regime e é fundamental para se compreender a Revolução

Bolivariana.

Em discurso proferido no dia em que se celebra o nascimento de Bolívar,

Chávez fez questão de fazer referência ao que pode ser considerado o principal objeto

simbólico do culto ao prócer: a espada do Libertador125. Neste evento, quando também

se comemora o dia da Armada Venezuelana, Chávez afirmou ser uma contradição o fato

da espada de Bolívar encontrar-se guardada em um cofre no Banco Central da

Venezuela (BCV). O presidente da República disse abertamente que desejaria tê-la em

suas mãos, com o propósito de defender a pátria contra a pobreza e a antiga oligarquia

dirigente, a mesma que, em sua visão, havia traído e expulsado o Libertador da

Venezuela126.

Chávez não combateria a pobreza utilizando uma espada, mas com

investimentos em políticas que pudessem prover alimento, saúde, educação,

infraestrutura e, sobretudo, a recuperação do setor agrário-produtivo do país, após

décadas de sucateamento e excessiva dependência das rendas do petróleo. Até certo

ponto Chávez as fez, exceto no tocante a dependência petrolífera. Porém, tais políticas,

aliadas ao uso simbólico da espada, poderiam ser utilizadas para reforçar a imagem de

que Bolívar governava a Venezuela e libertava o povo venezuelano por meio de Chávez

que, por sua vez, buscava reforçar, diante dos militares venezuelanos, sua imagem de

figura legítima na função de continuador da obra iniciada por Bolívar no século XIX.

No entanto, Chávez insistia em reforçar o que Baczko (1985) denominava de

‘o peso dos símbolos no exercício do poder carismático’. Na visão deste autor, “os

atores políticos, em especial os “chefes”, são julgados não só pelas suas competências,

mas também pela imaginação política e social que lhes é atribuída ou recusada”127.

Havia uma associação entre a imaginação criada a partir dos símbolos, ou seja, a espada

do Libertador, com o exercício do poder presidencial. Portanto, neste caso, a espada de

Simón Bolívar ganhava peso simbólico no momento do presidente dizer que com ela

combateria a pobreza que grassava a maioria dos venezuelanos naquele momento, ainda

125. Essa honraria foi oferecida a Bolívar, em 1825, pela municipalidade de Lima, como um presente em

reconhecimento pelas vitórias obtidas nas batalhas de Junin e Ayacucho (1824), motivo pelo qual também

é conhecida como “la espada del Perú”.

126. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la celebración del 216o aniversario del natalicio del libertador Simón Bolívar, en

176o aniversario de la Batalla Naval del Lago de Maracaibo y día de la Armada Venezolana. Panteón

Nacional. Caracas, 24 de julio de 1999, p.253-260.

127. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.296.

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que fosse de uma maneira figurada. Por isso, ter em mãos um dos maiores símbolos

referentes ao prócer era útil no intuito de reforçar sua identificação com Bolívar e,

consequentemente, com os militares.

Portanto, é possível dizer que o bolivarianismo militar da era Chávez outorgou

às Forças Armadas um papel considerado estratégico no processo político desencadeado

em fevereiro de 1999. Tal como havia prometido na campanha eleitoral, Chávez

expediu um decreto, em abril de 1999, com o qual convocou uma Assembleia Nacional

Constituinte, instalada em agosto do mesmo ano. Dentre os inúmeros propósitos

estabelecidos no intuito de justificar o processo de elaboração de uma nova

Constituição, estava a possibilidade de atribuir aos militares ativos o direito de votarem

e de serem votados nas eleições realizadas no país128.

Em dezembro de 1999, a nova Carta Magna foi promulgada, por meio da qual

os militares adquiriram esse direito, diferente do estabelecido na Constituição de 1961

que os proibia de votar. Conforme o estipulado em seu Artigo 330: “los o las

integrantes de la Fuerza Armada Nacional en situación de actividad tiene derecho al

sufragio de conformidad con la ley […]”129.

Ao discursar durante a apresentação do projeto de Constituição em novembro

de 1999, Chávez fez questão de ler na íntegra o Artigo 330 da nova Carta Magna, se

referindo aos militares como “meus irmãos”. Para o presidente, o fato dos militares

passarem a ter direito a voto enquanto estivessem na ativa seria uma forma de

reivindicar o restabelecimento do que chamou de “a essência dos militares

venezuelanos”130, isto é, a participação e a influência na política, algo considerado, em

sua visão, fundamental à recuperação da unidade das Forças Armadas.

Na realidade, o sufrágio aos militares, consagrado na Constituição Bolivariana

de 1999, pode ser considerado o ‘retorno oficial’ das Forças Armadas à política na

Venezuela, bem como de sua capacidade de intervenção, ao ocupar um papel de

protagonistas e se tornar uma instituição ainda mais estratégica nas decisões tomadas

pelo regime. Ou seja, esse fato representou o término da subordinação dos militares à

autoridade civil, principal característica da Constituição promulgada em 1961.

128. O processo Constituinte de 1999 é analisado mais profundamente no capítulo 3.

129. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 330, p.571.

130. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de

noviembre de 1999, p.477-478.

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Contudo, esta ‘volta’ dos militares ao protagonismo no cenário político

venezuelano expôs a resistência e a desconfiança de parte da base de apoio do

presidente em relação aos militares. Segundo Richard Gott, os descontentes

costumavam dizer a seguinte frase: “os militares estão em toda parte”. Logo, é possível

afirmar: “Senior military officers had in fact been placed in all the principal ministries

[…]”131. Porém, tal ‘desconforto’ não foi capaz de conter o avanço no processo de

consolidação do bolivarianismo militar na Venezuela entre 1999 e 2013.

Em entrevista à socióloga Marta Harnecker, Chávez viu-se obrigado a defender

os militares ao dizer que as críticas feitas a eles, de que seriam pouco propensos a

participação, eram injustas. Harnecker insistiu no fato de ser uma contradição um

processo revolucionário que se denomina de esquerda possuir militares como os

“principais executores práticos das tarefas mais importantes”. No entanto, o presidente

da Venezuela afirmou de maneira categórica: “Eu sou o primeiro militar desse

grupo”132. Chávez concedeu essa entrevista entre junho e julho de 2002, pouco tempo

após debelar um golpe de Estado que o havia retirado do poder por mais de 48 horas em

abril de 2002, acontecimento que contou com a participação de vários oficiais das

Forças Armadas133.

Contudo, o golpe não prosperou e Chávez foi resgatado por um grupo de

paraquedistas comandado pelo general Raúl Isaías Baduel. Em discurso pronunciado

poucos minutos após retornar ao cargo, Chávez fez questão de enfatizar que, embora

tenha havido ‘traições’ entre os oficiais, as Forças Armadas eram a instituição mais

poderosa na Venezuela daquele momento, somente estando abaixo de Deus, pois os

militares e o povo constituíam uma só força. O presidente também chamou os militares

dissidentes de “grupo virtual” e fez questão de dizer que, enquanto esteve preso, não foi

torturado134. Chávez defendeu os militares em seu sentido estratégico, pois demonstrava

possuir a consciência de que governar o país sem o respaldo irrestrito das Forças

Armadas seria inviável. A eclosão da tentativa de golpe em abril de 2002 confirmou a

viabilidade desta estratégia.

131. “Foram colocados oficiais militares de alta-patente em todos os principais ministérios” (GOTT,

Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.177).

132. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista concedida por Hugo Chávez Frías a Marta Harnecker. In:

HARNECKER, Marta. Um homem, um povo, p.83-84.

133. Os desdobramentos e as consequências relativas ao golpe de Estado, sofrido por Chávez em abril de

2002, é discutido no capítulo 3.

134. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías, al retornar al Palacio de Miraflores.

Caracas, 14 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Julián Isaías. Palabras de abril, p.85-98.

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70

Harnecker entrevistou Chávez em um momento extremamente delicado, pois

estava em andamento um sensível processo de reestruturação nos quadros das Forças

Armadas, para isolar os militares não comprometidos com a Revolução Bolivariana. Por

isso, a insistência em defender a instituição armada, mesmo com os fatos não

condizentes com a realidade.

O presidente da Venezuela possuía o pensamento de que as Forças Armadas

deveriam agir na vanguarda dos acontecimentos, munidos por um sentimento de

consciência social, com o propósito de combater a pobreza e a miséria na Venezuela.

Mesmo antes de chegar à presidência da República, tais características eram

marcadamente perceptíveis em suas reflexões.

Na prisão, Chávez concedeu algumas entrevistas à jornalistas venezuelanos. O

principal deles foi José Vicente Rangel, que mais tarde ocuparia cargos estratégicos em

seu governo. Em uma delas, realizada no Centro Penitenciário de Yare, em 30 de agosto

de 1992, Rangel perguntou a Chávez o que as Forças Armadas significavam para ele. O

futuro presidente afirmou que essa instituição poderia ser considerada como um grande

“terreno, pronto e semeado” para colher os frutos com os quais, em tese, permitiriam

aos militares exercerem um papel de protagonismo no desenvolvimento do país. Em sua

visão, era justamente isso que a sociedade venezuelana esperava dos militares, como

parte da nova relação que se formaria entre a política e as Forças Armadas135.

O entendimento de que as Forças Armadas eram uma instituição portadora de

protagonismo no cenário político tornou-se nítida nessa resposta, proferida por alguém

que seria eleito presidente da República alguns anos depois (1998) e implantaria

mudanças significativas na estrutura social do país, com os militares a ocupar os

principais postos de comando. Ademais, Chávez demonstrava conhecer as heranças

históricas da nação, marcadamente militarizada, somado à tácita aceitação de grande

parte da população venezuelana para com um eventual governo comandado por um

militar. Em linhas gerais, percebia que contar com o maciço respaldo das Forças

Armadas seria estratégico para continuar no poder.

Para Chávez, outro ponto fundamental na Revolução Bolivariana era o fato do

presidente da República também ser um militar, visão reforçada ao longo do processo.

Em entrevista concedida em 2009, foi enfático ao afirmar que o fato de ser militar

exercia influência nos soldados, algo fundamental ao êxito de seu governo.

135. CHÁVEZ, Hugo. Nos duele la patria. Penitenciaria de Yare, 30 de agosto de 1992. In: RANGEL,

José Vicente. De Yare a Miraflores, el mismo subversivo, p.48.

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71

[…] a lo largo de estos últimos veinte años, ahora, en este momento

[2009], si yo no fuera militar, si yo fuera un presidente civil,

difícilmente ese presidente civil pudiera tener la influencia que yo

tengo sobre ellos [militares]. Esa particularidad ha sido muy

importante y además le ha dado al pueblo mayor fortaleza a la hora

de las definiciones, porque sabe que cuenta con unos soldados

dispuestos a todo, en caso de crisis como la que hemos pasado… y las

que puedan pasar136.

Desta forma, enquanto esteve na presidência da República, sempre deixou

visível que governaria com os militares, pois os considerava os protagonistas no

processo de restituição da gloria e da liberdade à Venezuela. Chávez se colocava no

cenário político como o líder capaz de restituir a liberdade ao povo venezuelano,

destituída após a morte de Bolívar (1830), quando o poder foi ‘sequestrado’ pela

oligarquia que governou a Venezuela até 1998. Esse traço de continuidade histórica está

presente no discurso que fez sobre a nova Doutrina Militar, formulada com base no que

chamou de luta anti-imperialista: “Los principios de la guerra revolucionaria en

Venezuela son los mismos, desde la época de la independencia para acá”137.

Todavia, conforme discutiu-se no capítulo anterior, durante as batalhas pela

Independência, o conceito de liberdade significava livrar-se do domínio espanhol, a

exemplo do que propagava Bolívar ao justificar as sangrentas batalhas que lutou. Já na

era Chávez, liberdade correspondia a livrar-se da dominação imposta pela antiga

oligarquia dirigente, representada pelos grupos políticos que o precederam, além de

retomar o ideário defendido por Bolívar no século XIX.

Já no discurso proferido durante a posse em fevereiro de 1999, Chávez

enfatizou o potencial logístico das Forças Armadas ao ponderar o número de militares-

engenheiros presentes no quadro da instituição. O presidente havia pedido ao seu

ministro da defesa, general Salazar, uma lista com o número de militares que possuíam

formação em engenharia. Chávez fez questão de se mostrar publicamente surpreso pela

quantidade de militares engenheiros138.

Por meio de tais palavras, sinalizava mais uma vez o importante papel que as

Forças Armadas ocupariam em seu governo, ao enfatizar a capacidade logística da

instituição no processo de ‘reconstrução’ do país. Chávez chegou à presidência da

136. CHÁVEZ, Hugo. In: RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez, mi primera vida, p.269-270.

137. CHÁVEZ, Hugo. La doctrina militar bolivariana y el poder nacional. Alô Presidente Teórico 5.

Fuerte Tiuna. Caracas, 23 de julio de 2009, p.5.

138. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la toma de posesión. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 2 de febrero de 1999,

p.28-29.

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República no bojo da crise estrutural que atingiu o sistema erigido em 1958,

denominado pela historiografia de Pacto de Punto Fijo (1958-1998). Neste período, as

Forças Armadas tiveram seu papel político reduzido, subordinadas ao controle civil139.

Os militares ativos não podiam votar e ser votados, embora neste período, ao contrário

do que o regime de Chávez difunde, eles intervieram no debate político. Manteve-se

como uma instituição importante, porém, desprovida do protagonismo que retomaria na

era Chávez. Para Rouquié & Suffern (2009),

Durante o governo de Betancourt até o começo dos anos 1990, as

forças armadas venezuelanas permaneceram caladas no tocante à

política. No entanto, não careciam de poder e os meios que

empregaram para garantir o controle dos civis não se limitavam

estritamente aos estipulados pela Constituição do país. [...] Os oficiais

cumpriram numerosas funções extramilitares no setor nacionalizado

da economia e na gestão dos programas de desenvolvimento. Cabe

perguntar se a atribuição dessas tarefas às forças armadas foi

meramente uma utilização sensata dos conhecimentos dos militares ou

se foi, primordialmente, um meio ambíguo – e talvez, a longo prazo,

ineficaz ou mesmo contraproducente – de controlar os civis140.

Ao contrário do descrito acima, segundo a análise difundida pelo regime e

favorável a Chávez, a crise do regime anterior ocorreu devido ao fato das Forças

Armadas terem sofrido um processo de desmobilização e desmoralização entre 1958 e

1998. Esse raciocínio é perceptível no discurso proferido a fim de apresentar o projeto

de Constituição ao país em novembro de 1999, quando Chávez chegou a dizer que o

regime anterior (representado na figura de Rómulo Betancourt) havia dividido as Forças

Armadas em pedaços141. Era perceptível que o presidente entendia as Forças Armadas

como um poder militar, provido de protagonismo e os militares como os componentes

desse poder, sob o ponto de vista de um conjunto de soldados subordinados a

perspectiva de retomada e manutenção da liberdade142.

Desta forma, construía a imagem do líder de um processo revolucionário capaz

de ‘devolver’ a glória à pátria de Bolívar através do ‘retorno’ das Forças Armadas a um

papel de protagonismo no cenário político, ao trazê-las para o cotidiano do país e a

139. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.327.

140. ROUQUIÉ, Alain & SUFFERN, Stephen. Os militares na política latino-americana após 1930,

p.240-241.

141. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de

noviembre de 1999, p.477.

142. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del inicio de un nuevo curso de la Fuerza Aérea Venezolana. Base Aérea “Francisco de

Miranda”, La Carlota-Caracas, 14 de septiembre de 2000, p.281-282.

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população as visse ‘trabalhando’ em prol da nação. Conforme pronunciou ao refletir

sobre o tema em 2009: “Yo quiero que la Fuerza Armada participe cada día más en el

desarrollo económico del país de muchas maneras. Aquí hay mucho potencial creativo,

investigativo, técnico”143.

Ao considerar tais argumentos, é compreensível que o presidente Chávez tenha

dado início ao chamado Plano Bolívar 2000 poucos dias após tomar posse na

presidência. Para aproveitar a estrutura das Forças Armadas no intuito de realizar

mutirões de serviços nas áreas de saúde e infraestrutura, esse Plano envolveu mais de 40

mil pessoas, dentre soldados e voluntários144. No dia de seu lançamento, refutou a tese

de que militarizava a sociedade venezuelana. Preferia utilizar o termo “união cívico-

militar” que, a seu modo de ver, representaria a junção entre o povo e o Exército145. Por

um lado, o Plano Bolívar 2000 era um movimento cívico-militar, pois agregava um

contingente de voluntários e líderes comunitários locais. Mas, por outro, apresentava

uma nítida prevalência dos militares, sobretudo devido a melhor coesão na atuação

logística. Isso se tornou evidente no decorrer das três fases pelas quais o Plano passou,

antes de ser substituído pelas Missões Sociais em 2003146.

Contudo, o contingente empregado na iniciativa foi insuficiente, se comparado

com a carência venezuelana daquele momento. O Plano Bolívar 2000 também

apresentou problemas e expôs suas limitações devido a excessiva improvisação, falta de

transparência com acusações de corrupção e ausência de garantias institucionais mais

sólidas147. De acordo com o destacado ao longo deste item, as Forças Armadas

desempenharam os papéis mais estratégicos na manutenção do governo Chávez e no

respaldo a sua interpretação do culto a figura de Simón Bolívar. Utilizava-se das Forças

Armadas como uma instituição ‘verdadeiramente’ bolivariana e do bolivarianismo

militar como uma das bases do culto ao Libertador difundido na era Chávez. Além de

ter debelado a tentativa de golpe em abril de 2002, o apoio a Chávez vindo dos militares

e de sua logística foi determinante para superar uma das maiores crises enfrentadas por

sua administração: a greve dos altos funcionários da estatal Petróleos de Venezuela

Sociedad Anónima (PDVSA).

143. CHÁVEZ, Hugo. La doctrina militar bolivariana y el poder nacional. Alô Presidente Teórico 5.

Fuerte Tiuna, Caracas, 23 de julio de 2009, p.6.

144. GOTT, Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.178.

145. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez cita Mao e cria ‘exército’ de 140 mil para ‘salvar’

Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo, 23 de fevereiro de 1999, p. 10, No 25.528.

146. GOTT, Richard. Hugo Chávez and the Bolivarian Revolution, p.178.

147. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.208.

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Esse ‘paro’ ocorreu de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003 e paralisou de

forma quase total o setor produtivo do país, provocou desabastecimento de

combustíveis, prejudicou a logística e paralisou os transportes. Como consequência, a

Venezuela enfrentou uma grave situação de desabastecimento, fazendo com que a

economia venezuelana, ainda em crise, praticamente entrasse em colapso. Essa situação

afetava a população mais pobre, justamente onde se encontravam a maior parte dos

eleitores do presidente. Apesar disso, o governo conseguiu vencer os grevistas e demitiu

quase toda a diretoria da PDVSA em fevereiro de 2003. Contudo, esse sucesso para o

governo foi obtido devido ao apoio das Forças Armadas que interceptaram barcos da

estatal, invadiram as salas da diretoria e começaram a operar o sistema de informática

que havia sido hackeado.

Visando colocar os grevistas na defensiva, Chávez fez vários discursos

inflamados e condenava duramente a greve, a chamando de golpe econômico. O

presidente não economizou nos ataques aos grevistas e em dezembro de 2002 discursou

na Avenida Urdaneta, ocasião em que disse diretamente aos militares:

Compañeros de armas, desde aquí les hablo como soldado y como

hombre de esta tierra. Yo a ustedes les juro una vez más […] que este

soldado que está aquí no cederá al chantaje, ni a la presión de ningún

grupo, y que estaré con ustedes toda mi vida. Estoy seguro que aquí

estaremos siempre unidos aguantando cualquier ataque de cualquier

signo que sea148.

Este apelo à unidade e ao fato do presidente ser um soldado era extremamente

útil, pois durante os dias mais difíceis da paralisação os militares tiveram que agir de

forma autoritária, estratégia que não cessaria até o fim da greve. O fato dos militares

serem obrigados a pilotar barcos interceptados, arrombar as portas para entrar nas salas

de comando da PDVSA, dentre outras atitudes, estava desgastando a imagem da

instituição perante a mídia nacional e internacional.

Além disso, os militares também foram enviados para tomar indústrias

alimentícias e cervejarias, acusadas pelo governo de estocarem seus produtos no intuito

de agravar o desabastecimento. Em janeiro de 2003 houve um momento de grande

tensão quando soldados tomaram uma fábrica da Coca-Cola, evento amplamente

destacado pela imprensa local e internacional. Após dominar as instalações, o

148. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha por la paz, la democracia y defensa de la constitución. Avenida

Urdaneta. Caracas, 7 de diciembre de 2002, p.513.

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comandante da operação, general Luis Acosta Carlez, tomou uma cerveja diante das

câmeras e arrotou149, atitude descrita como um abuso pela imprensa oposicionista150.

Todavia, como parte da estratégia, Chávez insistia em reverenciar o papel dos

militares até mesmo neste episódio, sempre enfatizava este fato sob uma perspectiva

positiva para atenuar os possíveis desgastes sofridos pela instituição. Neste mesmo

discurso da Avenida Urdaneta, afirmou que as Forças Armadas estavam de fato

assumindo seu papel junto ao povo, pois seriam invencíveis no processo de resgatar a

dignidade que havia sido estabelecida pelos libertadores do continente, em especial por

Simón Bolívar151. Quando deu posse à nova diretoria da empresa após demitir a

anterior, Chávez novamente agradeceu aos militares pelo apoio durante a greve152.

Dessa forma, entende-se que o papel desempenhado pelas Forças Armadas no

processo político desencadeado em fevereiro de 1999 foi extremamente reforçado ao

ponto de viabilizar a construção de um sistema político fortemente militarizado.

Ademais, o fato da presidência da República ser ocupada por alguém identificado com

essa instituição e que havia formado as bases de seu pensamento nela, serviu para

reforçar o bolivarianismo militar na Venezuela.

Entre 1999 e 2013, houve uma prevalência dos militares no sistema político,

sobretudo entre aqueles que ocupavam cargos eletivos, aumentou-se o número de

militares exercendo mandatos neste período. Nas eleições regionais de dezembro de

2012, último pleito realizado na era Chávez, 20 dos 23 estados elegeram governadores

alinhados ao presidente. Desses 20, 11 eram militares ou possuíam algum vínculo com a

instituição armada, dentre eles se destacam o general Jorge Luis García Carneiro (eleito

governador do estado Vargas) e Francisco Árias Cárdenas. Cárdenas não somente era

militar como havia participado da tentativa de golpe de Estado comandada por Chávez

em 1992. Ele se elegeu para governador do estado de Zúlia, o mais rico do país devido a

produção de petróleo. Segundo o publicado no Folha de S. Paulo,

A vitória do governo Hugo Chávez nas eleições estaduais de

anteontem na Venezuela revelam que, além de quase todo vermelho, o

149. VÍDEO. El eructo de Luis Felipe Acosta Carlez. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=pLGwSA_ou6s> (acesso em 15 de setembro de 2016).

150. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Soldados tomam fábrica da Coca-Cola. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 18 de janeiro de 2003, p.11, No 26.953.

151. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha por la paz, la democracia y defensa de la constitución. Avenida

Urdaneta. Caracas, 7 de diciembre de 2002, p.517-518.

152. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del nombramiento de la nueva junta directiva de Petróleo de Venezuela (PDVSA).

Palacio de Miraflores. Caracas, 6 de marzo de 2003, p.217-218.

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país se tornou mais verde-oliva: 11 dos 20 governadores eleitos do

chavismo têm origem militar153.

A expressão verde-oliva fazia referência a cor do uniforme-militar, em especial

do Exército, instituição da qual Chávez fez parte durante muitos anos. Tal matéria,

vinda de um periódico crítico do regime, enfatiza a considerável força política dos

militares com a qual refletem o protagonismo militar, potencializado durante toda a era

Chávez. Portanto, a indicação de Nicolás Maduro (um civil) como sucessor, feita por

Chávez pouco antes de morrer, não significou uma ‘derrota’ da ‘ala militar’ dentro da

base de apoio do presidente.

Com base no descrito ao longo deste item, o bolivarianismo militar, ou seja, o

culto a Bolívar permeado pela retórica da devolução do protagonismo político aos

militares e da exaltação de seus símbolos e eventos, foi um elemento importante na

caracterização de uma das bases sob a qual o bolivarianismo se sustentou entre 1999 e

2013. Porém, o culto a Bolívar deste período não se apoiou apenas nos militares.

Houveram outros elementos que o ajudaram a construir ‘seu’ Simón Bolívar. O

bolivarianismo de Chávez também se apoiou na confluência entre duas abordagens

historicamente construídas do culto ao Libertador: a letrada e a popular. Chávez optou

pela estratégia de confluir estas duas formas de cultuar o prócer, assunto discutido no

próximo item.

2.2 – Entre o ‘letrado’ e o ‘popular’: a confluência bolivariana de Chávez

Conforme demonstrou-se no item anterior, a versão do culto exaltando o papel

das Forças Armadas ao longo da história serviu para Chávez assegurar o respaldo dos

militares à Revolução Bolivariana. Por meio deste raciocínio, o presidente havia

‘devolvido’ aos militares o protagonismo para ‘salvar’ o país da crise estrutural

provocada pelos presidentes civis. Tratava-se, portanto, de uma eficaz forma de

legitimação do regime.

Porém, esta estratégia era insuficiente, pois se restringia a construção de apoio

entre os militares. Por isso, havia a necessidade de construir uma versão do culto que

também agregasse a parcela civil do eleitorado, sobretudo aqueles vindos dos setores

sociais mais pobres, os quais majoritariamente apoiaram a subida do ex-militar ao poder

153. MARREIRO, Flávia. Vitória em pleito fortalece a ala militar do chavismo. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 18 de dezembro de 2012, p. 18, No 30.575.

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em 1998 – bem como nas reeleições – e votaram em suas propostas nos 14 anos em que

ocupou a presidência.

Em razão disto, a retórica presidencial se apropriou de pressupostos inerentes à

duas versões do culto ao Libertador historicamente construídas na Venezuela: a letrada

e a popular. A existência de duas versões do culto a Bolívar denota haver uma estrutura

social de amplas disparidades. Essa característica reporta-se ao período colonial,

mantida durante os processos de Independência e de construção da República após

1830. Nestes períodos, os estratos sociais eram bem definidos e quase intransponíveis.

O início da exploração petrolífera a partir da década de 1920 pouco alterou este cenário,

salvo nos tempos de altos preços do petróleo, quando a distribuição clientelista das

rendas petrolíferas ajudava a equilibrar as distorções, a exemplo do ocorrido nas

décadas de 1920, 1970 e entre 1999 e 2013 na era Chávez.

Portanto, estas duas versões do culto possuem uma razão de existência e uma

função na sociedade venezuelana, refletida no cenário político, seja nos governos

ditatoriais ou nos democraticamente eleitos. Conforme destaca Carrera Damas, a

formação de um culto de um povo, ou seja, a versão popular do culto ao prócer, foi

gestada ainda durante as batalhas pela Independência, como o resultado de uma

admiração das pessoas em relação aquele general chamado Simón Bolívar, o

Libertador154. Portanto, o bolivarianismo popular estava atrelado ao culto no sentido de

colocar Bolívar como um santo, razão de luta para os mais pobres, aquele que havia

libertado os escravos e a garantia de uma República com justiça, liberdade e igualdade.

Conforme o mencionado no capítulo anterior, a partir da repatriação dos restos

mortais de Simón Bolívar, em 1842, o Estado venezuelano se apropriou deste culto e o

transformou de um culto de um povo em um culto para o povo. Desse processo surgiu o

chamado bolivarianismo letrado, o qual atrelou o culto a Bolívar à identidade nacional,

transformou o Libertador em base da consciência nacional, da cultura, da liberdade e,

sobretudo, do desenvolvimento econômico.

Portanto, o bolivarianismo letrado está atrelado ao Estado como se fosse a

institucionalização da versão popular, sistematizado em uma estrutura de pensamento

minimamente coerente através de proclamas, cartas, discursos e demais escritos do

Libertador. Neste sentido, o bolivarianismo letrado se localiza na forma de uma

‘ideologia oficial’ dos governos venezuelanos155. Conforme pontua Yolanda Salas, “las

154. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

155. Idem.

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construcciones y representaciones elaboradas por esta conciencia mitológica formulan

un culto bolivariano de raíz popular, gestado paralelamente al culto bolivariano oficial

letrado”156.

Porém, com base nas fontes, é possível afirmar que, entre 1999 e 2013, a

Venezuela passou por um processo de “mumificação” do culto ao Libertador, por meio

de uma interpretação considerada exagerada do herói da Independência. Essa versão foi

construída e propagada por Hugo Chávez, líder popular, carismático e personalista, e

absorvida pela sociedade venezuelana de uma forma cada vez mais acrítica.

Paradoxalmente, Chávez ascendeu ao poder em um momento em que o debate

acadêmico-crítico em relação ao tema já havia avançado consideravelmente, sobretudo

em virtude da publicação, em 1970, do livro El culto a Bolívar, de Carrera Damas. No

entanto, a crítica a exploração do culto para fins de obtenção de vantagens políticas (no

caso, votos), teve impacto restrito ao âmbito acadêmico. Na arena político-eleitoral,

explorar a figura de Bolívar continuou sendo a melhor forma dos políticos venezuelanos

ascenderem e se manterem no poder, principalmente se estiver em jogo o cobiçado

cargo de presidente da República. A versão do culto mais utilizada para esta finalidade

tem sido a popular.

A exemplo disto, na campanha eleitoral de 1998, quando Hugo Chávez venceu

pela primeira vez a eleição à presidência, os dois candidatos mais bem colocados nas

pesquisas (Chávez e Henrique Salas Römer) exploraram o culto a Bolívar em vários de

seus discursos, pois ambos se posicionavam como fidedignos herdeiros das glórias do

Libertador. Naquele momento, a Venezuela vivia uma situação econômica, política e

social extremamente delicada, o que, ironicamente, fazia com que o culto ao Libertador

se tornasse ainda mais o protagonista daquela disputa, ao suplantar a apresentação de

propostas para eventuais saídas ante a grave crise instalada157.

Todavia, os dois candidatos adotaram abordagens distintas no tocante ao

Libertador, embora a finalidade de ambos fosse a mesma: obter o maior número

possível de votos para vencer as eleições ao utilizar como instrumento o culto a Bolívar.

Chávez preferiu abordar o Libertador como um herói e apelou explicitamente ao

bolivarianismo popular com forte teor mitológico. Embasou seu raciocínio na

mistificação, junto ao imaginário popular, de sua tentativa de golpe de 4 de fevereiro de

156. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.205.

157. MALBERGIER, Sérgio. Candidatos miram-se no “herói” Bolívar. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5

de dezembro de 1998, p.8, No 25.446.

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1992, colocando-a no patamar de um marco de ‘retorno’ simbólico do prócer ao cenário

político. Por outro lado, Salas Römer abordava o Libertador como um exímio cavaleiro,

inclusive aparecendo nos comícios montado a cavalo158, ou promovendo cavalgadas em

Caracas e seus arredores.

Cada um dos candidatos esforçava-se, a sua maneira, para se posicionar como o

herdeiro mais legítimo do Libertador, pois “a predileção pela imagem de Bolívar parece

coincidir com o gosto do venezuelano”159. Os resultados demonstraram que o vencedor

daquele pleito foi quem melhor conseguiu se posicionar perante o eleitorado como o

continuador, ou intérprete mais fidedigno, da obra de Simón Bolívar: o ex-tenente-

coronel Hugo Chávez.

Contudo, a abordagem feita por Chávez, aparentemente diferente de Bolívar em

relação a seus adversários, pode ser explicada no fato do ex-militar ter se colocado

como o candidato da mudança. Portanto, as transformações políticas, econômicas e

sociais promovidas em sua gestão não seriam adequadas sob a perspectiva da mesma

leitura de Bolívar feita pela elite que tanto criticava. Porém, esta diferença era

meramente discursiva, pois o bolivarianismo do governo Chávez se destacou como uma

confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular. Isso pôde ser demonstrado na

abordagem do culto durante os 14 anos em que esteve na presidência da República,

aproveitando-se do fato de que ambas as formas de culto ao prócer foram

historicamente gestadas de maneira paralela160.

Ambas as versões do culto ao Libertador foram apropriadas pelo presidente

Chávez na construção da retórica presidencial. Seguindo essa premissa, é possível

afirmar que o período de 1999 a 2013 pode ser entendido como um ponto de inflexão no

culto através da confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular. Em muitas

ocasiões, sobretudo nos discursos do presidente, por meio dos quais foram propagadas

as principais manifestações da interpretação do culto ao Libertador na era Chávez, não

há como diferenciar ambas as formas de culto a Bolívar. Diferente de governos

anteriores, na era Chávez as duas formas de bolivarianismo se confluíram a tal ponto

que houve a emersão de um ‘novo’ bolivarianismo, isto é, um culto ressignificado, com

base na própria ressignificação da figura do Libertador, tendo em Chávez a

158. Idem.

159. Idem.

160. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.205.

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representação física de Bolívar, ou sua reencarnação, tal como muitos de seus

partidários o vislumbrava.

Com base nas fontes, é possível perceber que o bolivarianismo da era Chávez se

tornou portador de uma capacidade ainda mais eficiente de mobilização das massas.

Este fenômeno foi sentido nas vitórias eleitorais obtidas pelo regime, pois das 17

eleições, referendos, plebiscitos e demais consultas populares submetidas, em 16 delas o

presidente saiu vitorioso. Em 2012, Chávez venceu a eleição presidencial com 55,07%

dos votos161, embora já estivesse com a saúde visivelmente debilitada em razão do

tratamento contra o câncer, o que havia limitado uma de suas principais características

enquanto figura política: o intenso ativismo presidencial através de viagens por toda a

Venezuela. Isto revelou um evidente e elevado grau de personalismo do mito em relação

ao governante no poder naquele momento, o que certamente ajudou Chávez a se eleger

presidente da República em 4 oportunidades, além de submeter frequentemente à

consulta popular os temas considerados pouco consensuais entre os políticos

venezuelanos. Tratou-se, portanto, de uma incrível capacidade de persuasão, atingida

por meio do culto a Bolívar sob a confluência entre o letrado e o popular.

Tudo isso pode ser agregado a uma marcante postura messiânica, potencializada

devido a origem militar de Chávez, por meio da qual a retórica inflamada do presidente

da República se legitimava perante setores da sociedade venezuelana e, ao mesmo

tempo, servia para enfrentar seus adversários. Como exemplo deste marcante

messianismo estava uma frase frequentemente pronunciada por Chávez em que

afirmava: yo no soy yo, yo soy el pueblo.

Com tais palavras, o presidente da Venezuela personalizava ainda mais o

processo político em andamento ao outorgar para si a representação da imagem e

semelhança do povo de Simón Bolívar. Na visão de Salas (2001), não há como se

desvencilhar do messianismo inerente ao culto popular a Bolívar.

Los mesianismos, y en nuestro caso podríamos hablar de un

mesianismo originado en el mito bolivariano popular dramatizado

políticamente por el verbo persuasivo de un líder carismático, surgen

a raíz de situaciones de crisis, descomposición o desorganización

social y amenaza162.

Contudo, para além de um inegável messianismo potencializado pela visão

militar-estratégica do presidente, defende-se que o processo de ‘mumificação’ do culto

161. Os resultados das eleições presidenciais entre 1998 e 2012 encontram-se na Tabela 2 no Anexo.

162. SALAS, Yolanda. La dramatización social y política del imaginario popular, p.210.

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ao prócer, conforme denominado por Carrera Damas, foi viabilizado em razão do

constante reforço do bolivarianismo realizado por um líder extremamente carismático e

que ascendeu à presidência da República em um período em que a Venezuela passava

por uma profunda crise estrutural.

No entanto, o importante para a análise deste item seria que, entre 1999 e 2013,

o fenômeno da confluência dos dois bolivarianismos pôde ser vislumbrado na

dificuldade de diferenciar de qual forma de bolivarianismo Chávez utilizava em várias

de suas intervenções públicas, ou mesmo nas publicações feitas por meio dos

mecanismos oficiais do regime. Esta confluência de bolivarianismos pôde ser percebida

até mesmo antes de Chávez assumir a presidência da República, em especial quando o

tenente-coronel se tornou um personagem político de considerável popularidade após a

tentativa de golpe de 4 de fevereiro de 1992, ou mesmo quando já estava em evidência

no cenário político após deixar a prisão em 26 de março de 1994.

Esta confluência pode ser explicada pela trajetória e pela origem do presidente.

Ele forjou seu pensamento nas Forças Armadas, adquiriu o que chamou de ‘consciência

política’ nesta instituição historicamente responsável em ‘zelar’ pelo bolivarianismo

letrado. Quando era cadete na Academia Militar entre 1971 e 1974, Chávez admitiu:

“Yo me iba a esa biblioteca de la Academia y leía sobre todo a Bolívar, sus textos, su

correspondencia, análisis de su pensamiento, biografías de él”163. Por outro lado, Hugo

Chávez tem origens populares, pois nasceu em Sabaneta, povoado situado em Barinas

no interior da Venezuela, onde tudo indica que desde a infância tomou contato com a

versão popular do culto a Bolívar164.

Em entrevista a Agustín Blanco Muñoz em 1995, Chávez expôs o que seria em

sua visão uma defesa do pensamento bolivariano, sendo possível abstrair uma noção de

como construiria as bases ideológicas de um eventual governo. Por exemplo, em vários

de seus escritos, Bolívar salientava que a natureza havia feito os homens desiguais, por

isso as leis deveriam igualar as pessoas a fim de corrigir uma disparidade vinda da

natureza e das circunstâncias naturais. Com base neste raciocínio, Chávez insistiu que

tal desigualdade se restringiria ao âmbito físico, ou natural, o que não invalidaria o fato

do Libertador continuar sendo o grande defensor da igualdade entre os povos, tese a

qual Chávez se apegou e fazia questão de reforçar. O presidente complementava o

raciocínio ao enfatizar um possível ‘desprendimento’ de Bolívar, em razão de ter

163. CHÁVEZ, Hugo. In. RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.301.

164. Idem, p.211-255.

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nascido em uma das famílias mais ricas de Caracas naquela época (1783) e, ainda assim,

havia ‘entregado’ sua riqueza em nome da luta pela Independência dos povos da

América165.

Pero cuando Bolívar habla de esto no creo que esté apoyando o

reconociendo la necesidad de la desigualdad, está tratando más bien

de justificar la eliminación de las desigualdades naturales de los

hombres. Entonces tiene que venir un tiempo en que las leyes eliminen

esas diferencias […] así lo veo yo166.

Ao defender o Libertador, tal como fez durante toda sua trajetória na vida

pública, Chávez reforça a tese contida no bolivarianismo popular de que Bolívar lutava

pela igualdade, pois ao reconhecer a existência de uma desigualdade natural, proporia

mecanismos inerentes ao próprio Estado a fim de igualar as pessoas já naquela época.

Todavia, o ex-militar também enfatizou a necessidade de se elaborar leis com base no

proposto por Simón Bolívar em relação a obtenção de uma igualdade, algo inerente ao

bolivarianismo letrado, do Estado e, portanto, responsável por elaborar as leis à pátria.

Esta característica ‘desprendida’ do Libertador era uma representação

constantemente reforçada por Chávez. Em dezembro de 2000, pronunciou um discurso

no Panteão Nacional167 com o propósito de relembrar os 170 anos da morte do prócer.

Nessa ocasião, descreveu o Libertador como um personagem ‘desprendido’, ainda que

tenha nascido em uma das famílias mais ricas da Venezuela daquela época. Em sua

visão, a oligarquia jamais perdoou Bolívar por esta ‘traição’.

Nunca le perdonarán las oligarquías de América un rico de cuna,

haberlos traicionado y haberse ido con el pueblo desdentado, haberse

ido con los indios miserables, haberse ido a soñar y a convertir

esclavos en libertadores; porque Bolívar no sólo convirtió los

esclavos libres, sino que los hizo además libertadores168.

Tais palavras de Chávez são essenciais para se compreender não apenas o papel

extremamente estratégico ocupado pelo culto no regime, mas sobretudo para vislumbrar

o tipo de representação utilizada. Reforçava-se, portanto, o perfil popular do Libertador,

não se preocupava em representar Bolívar como um homem daquele tempo, mas como

alguém que se insurgiu contra o próprio estrato social a que pertencia com o propósito

165. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ. Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.96.

166. Idem.

167. Ver: Imagem 8, no Anexo.

168. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del 170o aniversario de la muerte del Libertador y Padre de la

Patria, Simón Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2000, p.584.

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de lutar ao lado dos ditos mais pobres ou ‘desdentados’. Ignorava-se, portanto, que

Bolívar formou um Exército com índios, mestiços e negros devido a escassez de

soldados para lutar nas guerras pela Independência.

Ainda no discurso do Panteão de dezembro de 2000, Chávez enfatizou que o

povo venezuelano, a partir daquele momento, não renderia tributos ao Libertador apenas

com o propósito de recordá-lo. Mais do que as flores colocadas no túmulo ou dos hinos

cantados, havia um povo vibrante que retomou o nome do Libertador para construir a

República Bolivariana169. Tais características eram marcantes na versão popular do

bolivarianismo, porém, haviam sido ditas e difundidas por um chefe de Estado, alguém

que em tese seria o responsável pela versão letrada do culto ao prócer, por representar o

Estado naquela ocasião. Este fato é potencializado em se tratando de Chávez, um líder

político de estilo personalista no exercício do poder.

Em seu primeiro discurso como presidente da Venezuela no dia em que se

celebra o nascimento do prócer (24 de julho de 1999), Chávez reafirmou a

‘imortalidade’ do Libertador devido ao fato dele ter sido feito povo. Na verdade, o que

Chávez dizia ter sido feito povo seria a representação do culto a Bolívar defendida pelo

regime. Nesta mesma ocasião, o recém-eleito presidente destacou a bipolaridade entre

as armas e as letras no pensamento bolivariano, segundo o qual o povo estaria presente

em ambas170.

Para fins desta análise, as armas representariam o bolivarianismo popular,

representação que a figura da espada de Simón Bolívar assume o papel de legitimador

da defesa da justiça e da liberdade. Por outro lado, as letras significavam o legado

escrito, suas propostas para a organização do Estado e a educação do povo, algo

atrelado ao bolivarianismo letrado. Com base nos argumentos de Chávez no tocante à

bipolaridade armas-letras, há uma confluência de ambos os bolivarianismos, pois o

presidente havia atribuído tanto às armas quanto às letras ao povo da Venezuela.

Ao mencionar as Forças Armadas, instituição rebatizada pelo regime de Forças

Armadas Bolivarianas, a confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular estava

presente de uma forma perceptível. Em discurso pronunciado na Academia Militar da

Venezuela aos novos cadetes, em outubro de 2004, o presidente Chávez insistiu em

169. Idem, p.584-585.

170. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la celebración del 216o aniversario del natalicio del Libertador Simón Bolívar, en

176o aniversario de la Batalla Naval del Lago de Maracaibo y día de la Armada Venezolana. Panteón

Nacional. Caracas, 24 de julio de 1999, p.253-260.

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outra bipolaridade: povo-Exército. Segundo ele, o povo seria o Exército que pode e o

Exército o povo com poder171.

Neste sentido, o presidente da Venezuela, no momento com excelentes índices

de popularidade e relegitimado no poder em agosto do mesmo ano, enfatizava a junção

do povo com as armas no intuito de confluir ambas as formas de bolivarianismos.

Utilizava, portanto, como pano de fundo uma das instituições responsáveis em ‘guardar’

o culto letrado a Simón Bolívar (Exército), que Chávez, um ex-militar, conhecia

profundamente. Não há como dissociar as Forças Armadas, ou no caso o Exército, do

bolivarianismo letrado. Além disso, uma versão muito difundida na era Chávez de que

as Forças Armadas seriam o povo de Bolívar em armas, tornava esta confluência de

bolivarianismos ainda mais perceptível.

Na era Chávez, a confluência entre as versões letrada e popular do culto pôde ser

observada até mesmo nos rituais marcadamente atrelados ao bolivarianismo popular.

Refletiu-se, portanto, na mumificação e no culto exagerado ao Libertador. Um exemplo

deste fenômeno foi um ritual praticado na Venezuela em que as pessoas podem venerar

Simón Bolívar na Montanha de Sorte, situada em Chivacoa, aproximadamente há 300

quilômetros de Caracas. Não se trata de um ritual específico a fim de adorar ao

Libertador, pois muitos vão até a montanha, considerada mágica, com o propósito de

adorar aos mais diferentes tipos de deuses (personalidades históricas, políticas e até

criminosos), dentre eles o Libertador.

As pessoas dançam sobre brasas a fim de provar a valentia e a lealdade perante a

fé que professam. Todos estes rituais contaram com o apoio incondicional do

presidente, em especial a adoração a Bolívar. Neles, soavam-se tambores e os fiéis

fumavam charutos. Os devotos deitam em círculo, ladeado por bandeiras da Venezuela

e no meio do círculo havia uma pessoa vestida com trajes parecidos ao utilizado pelo

Libertador. Tratou-se de um sincretismo vindo de várias crenças autóctones com rituais

trazidos pelos escravos.

Enquanto o devoto se prepara para atravessar mais uma fogueira, o

locutor pede palmas à plateia. O espetáculo, antes improvisado,

ganhou apoio estatal: há bombeiros, policiais. Quem quer participar,

avisa o cartaz, tem que trazer duas fotos 3x4. A institucionalização

não incomoda os fiéis172.

171. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del inicio de clases de los nuevos cadetes del año lectivo 2004-2005. Teatro de la

Academia Militar de Venezuela. Caracas, 8 de octubre de 2004, p.555.

172. MARREIRO, Flávia. Fiéis veneram Simón Bolívar em “montanha mágica” venezuelana. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 16 de outubro de 2011, p.23, No 30.146.

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Como se pode observar, o ritual ganhou apoio do Estado e passou a gozar de

segurança (polícia) e suporte (bombeiros). Esta institucionalização, destacada acima,

significava a apropriação pelo Estado de um culto (do povo) atrelado ao bolivarianismo

popular. A confluência entre os bolivarianismos popular e letrado é marcante neste

fenômeno, sobretudo quando o Estado começou a não apenas permitir o ritual como

também a apoiá-lo e divulgá-lo por meio do presidente da República. Este tipo de culto

a Bolívar passou a ser ainda mais incentivado quando Chávez iniciou seu tratamento

contra o câncer e seu estado de saúde se tornou delicado. Entretanto, a emersão deste

fenômeno é viabilizada em razão da existência de uma prática com a qual se trata heróis

da Independência como divindades, uma ‘simbiose’ entre religião e nacionalismo173.

Conforme destaca Ernest Gellner, fenômeno como este (mistura entre religião e

nacionalismo) tem sido frequente na história dos países. É caracterizado pela fusão do

sagrado com o nacional. Trata-se de uma das formas possíveis de nacionalismo174.

Ao contrário do exemplo apontado em relação a Montanha da Sorte, na era

Chávez também houve a confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular em

fatos marcadamente atrelados a versão letrada do culto ao prócer. Como exemplo pode-

se destacar a medida adotada pelo presidente em relação ao Arquivo de Simón Bolívar,

algo inegavelmente ligado a versão letrada do culto. Composto por documentos

militares, cartas pessoais, proclamas, decretos, etc., somado corresponde a 246 tomos.

Além de ser o Arquivo com os escritos do principal personagem histórico-político da

Venezuela, ele havia sido incluído no Programa Memória do Mundo da UNESCO em

1977.

Em abril de 2010, ou seja, quando se iniciou as comemorações pelo bicentenário

da Independência da Venezuela, Chávez expediu um decreto transferindo os Arquivos

do Libertador da Academia Nacional de História (ANH) para o Arquivo Geral da Nação

(AGN). Historiadores ligados à Academia protestaram, alegaram que o governo possuía

uma visão providencialista, heroica, épica e militarista175 da Independência e de seus

heróis, em especial de Simón Bolívar. Algo considerado negativo na visão dos

historiadores pertencentes à ANH.

173. Ver: Imagem 7 no Anexo.

174. GELLNER, Ernest. Dos nacionalismos, p.77-92.

175. MARREIRO, Flávia. Bicentenário alimenta embate na Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18

de abril de 2010, p.18, No 29.600.

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Por outro lado, funcionários ligados a Chávez justificaram a transferência por se

tratar de um ato popular, pois o AGN proporcionaria ao povo o acesso pleno aos

documentos do pai da pátria. De acordo com o historiador responsável pelo Arquivo

Geral da Nação, Luis Pellicer, a decisão de transferir foi tomada com base no ‘espírito

antibolivariano’ apresentado pela Academia Nacional de História. Acusou vários de

seus membros de suprimirem o verdadeiro espírito revolucionário e transformador de

Bolívar176. Contudo, este não era o motivo. A transferência ocorreu porque a maioria

dos historiadores pertencentes à ANH fazia oposição ao regime. Isso explica a decisão

de transferir os Arquivos do personagem mais fecundo da historiografia venezuelana.

Embora tenha protestado contra a transferência por meio do diretor da Academia, o

historiador Elías Pino Iturrieta (um ácido crítico do governo Chávez), a instituição não

conseguiu impedir a transferência dos Arquivos do Libertador177.

As disputas envolvendo os arquivos do principal personagem histórico-político

da nação demonstra uma confluência entre o bolivarianismo letrado e o popular na era

Chávez. Isso porque nesta disputa, o presidente utilizou sua força política, bem como

todos os recursos disponíveis pelo Estado, com o argumento de que restituiria os

escritos do Libertador ao povo da Venezuela, com o propósito de facilitar o acesso aos

Arquivos de Simón Bolívar. Entretanto, os Arquivos do Libertador são símbolos do

bolivarianismo letrado que foram transferidos para ficarem mais acessíveis ao povo,

conforme justificava o governo. Dessa forma, tem-se uma nítida confluência de

bolivarianismos, pois ao mesmo tempo em que se trata dos Arquivos, um símbolo do

bolivarianismo letrado, os transferiram com o argumento de que os popularizaria.

Também é possível perceber esta confluência de bolivarianismos nos artigos

publicados pelo presidente Chávez semanalmente entre os anos de 2009 e 2010 no

jornal Correo del Orinoco. Em um destes artigos, escritos com o propósito de celebrar o

dia de nascimento de Simón Bolívar (24 de julho de 2010), Chávez enfatizou a

impossibilidade de não se lembrar do Libertador naquela data e atribuiu a Bolívar a

glória do povo venezuelano. Bolívar havia se destacado indiscutivelmente como a

principal figura simbólica do regime, o que certamente exigia reverências, sobretudo em

datas específicas de nascimento ou morte. Ao mesmo tempo, o presidente da Venezuela

176. GÓMEZ, Florángel. Mudanza física del Archivo de Bolívar será un acto popular. Correo del

Orinoco. Caracas, 20 de abril de 2010, p.21, No 228.

177. GÓMEZ, Florángel. La Academia acepta bajo protesta la transferencia. Correo del Orinoco.

Caracas, 20 de abril de 2010, p.21, No 228.

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também exaltava o Libertador no patamar de representação coletiva de sua ‘alma’ junto

ao povo.

Hoy 24 de julio al celebrar su natalicio […] no he dejado de pensar

en el Padre Libertador y en esa llamarada que se ha desprendido y

disparado de sus huesos gloriosos: cuántas pasiones se han

desbordado en todos estos días. […] cuánto amor desatado, cuánta

alegría, cuántos rostros iluminados de todas esas mujeres y niñas,

hombres y muchachos, quienes al compás de las puntadas de sus

corazones fueron zurciendo el pabellón patrio, el tricolor que hoy va

a cubrir sus huesos como expresión de lo que él siempre quiso

merecer y merece: las bendiciones de nuestro pueblo y de todos los

pueblos que lo siguen amando. […] Nunca, como en este 24 de julio

de 2010, el Panteón se ha iluminado con tal fervor patrio y tal

devoción popular. Así lo sentí con el mayor de los estremecimientos.

Bolívar ha regresado definitivamente en el amor del pueblo y vive,

como fuego sagrado, en él178.

Neste artigo, Chávez citou o nascimento do prócer, falou dos ‘ossos do

Libertador’ depositados no Panteão Nacional e também das bênçãos do povo. Tratou-se

de uma combinação que demonstra a confluência entre ambos os bolivarianismos. Por

um lado, citou o Panteão Nacional, um dos símbolos máximos do culto letrado a

Bolívar, patrimônio do Estado e que havia acabado de ser reformado pelo governo com

maciço investimento do erário público. Por outro, o artigo, escrito por um presidente da

República, estava permeado por componentes do bolivarianismo popular, atrelado às

bênçãos do povo ao Libertador e, sobretudo, ao pretenso ‘regresso’ simbólico de

Bolívar através do amor do povo conduzido pelo presidente Chávez. Houve, portanto,

uma demonstração desta confluência e separá-la tornou-se um exercício difícil, pois o

presidente da Venezuela enfatizava características presentes tanto no bolivarianismo

letrado quanto no popular.

Novamente em artigo publicado no Correo del Orinoco, o presidente Chávez

havia feito um texto com o propósito de relembrar os 180 anos da morte de Simón

Bolívar e escreveu que o exemplo luminoso do Libertador havia servido de base para

uma aula magna proferida por ele a deputados de seu partido (PSUV), com o propósito

de mostrar os sacrifícios que Bolívar havia passado em sua vida. Reforçava a tese do

Libertador como o ‘homem das dificuldades’, assim como o próprio presidente Chávez.

[…] hice énfasis en su luminoso ejemplo, poniendo de relieve la

condición sacrificial de su vida, que no tiene parangón en la historia

patria. En Bolívar se concentra el sacrificio mayor que nos otorga

178. CHÁVEZ, Hugo. ¡Grande Bolívar!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,

25 de julio de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del Orinoco,

2011, p.528-529.

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rostro para poder reconocernos. Seguir sus pasos es desprenderse:

abandonarlo todo por la felicidad de la patria. […] No olvidemos que

Bolívar es también una profunda pasión por la justicia y la igualdad

[…]179.

Com tais palavras, Chávez visava justificar a nova política de distribuição de

terras, ao levar em consideração o bolivarianismo popular, que visa representar o

Libertador como a base da justiça e da liberdade da pátria. Neste caso, a justiça vinha da

distribuição mais equitativa de terras e a liberdade estava fundamentada no combate ao

latifúndio, considerada uma política libertadora aos campesinos. O presidente da

Venezuela explorava com destreza o bolivarianismo popular como poucos presidentes

venezuelanos conseguiram fazer.

Com base no descrito ao longo deste item, percebe-se a emersão de um

bolivarianismo ressignificado que apresentava uma confluência tanto da versão letrada

quanto da popular. Tratou-se de um fenômeno histórico produzido durante a era Chávez

e sistematizado pela releitura que o presidente fez do culto a figura de Bolívar, embora

ele não tenha modificado os propósitos para os quais o bolivarianismo vem sendo

utilizado ao longo da história venezuelana: ascender, se manter e se perpetuar no poder,

além de controlar a sociedade.

Por meio de tais aspectos, o presidente Hugo Chávez conseguiu com esta versão

do mito angariar apoio popular para suas políticas, dentre as quais se destacam as

alterações constitucionais que permitiram a reeleição sem limites, todas elas submetidas

à consulta popular. Além disso, através de tal representação, obteve êxito em se

posicionar como a personificação do próprio prócer reencarnado.

Entretanto, as bases sob as quais construiu-se o bolivarianismo da era Chávez

não se restringem à confluência de duas versões do culto. Tratava-se de mais uma delas,

junto com o bolivarianismo militar, destacado no item anterior. Chávez conseguiu

superar as aparentes amarras históricas, por meio das quais o mito de Simón Bolívar

girou em torno de todos aqueles que ocuparam o Palácio de Miraflores. Entre 1999 e

2013 houve uma tentativa de se reescrever a historiografia da Venezuela com o

propósito de colocar a figura do Libertador como algo ainda mais carregado de

dramaticidade. Para tanto, o presidente levantou a hipótese de que Simón Bolívar havia

179. CHÁVEZ, Hugo. !Viva Bolívar! ¡Bolívar vive!. Artículo publicado en el periódico Correo del

Orinoco. Caracas, 19 de diciembre de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones

del Correo del Orinoco, 2011, p.647-648.

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sido assassinado e não morrido de tuberculose como demonstram os relatos históricos.

Esse assunto é discutido no próximo item.

2.3 – Dramaticidade e historiografia: o ‘assassinato’ de Simón Bolívar

Como se pôde perceber ao longo deste capítulo, foram construídas novas bases

ao culto a Bolívar durante a Revolução Bolivariana. Porém, manteve-se sua finalidade,

ou seja, permitir à figuras e grupos políticos alcançarem e se manterem no poder. De

certa forma, a historiografia venezuelana tem sido receptível a representação do

bolivarianismo utilizado entre 1999 e 2013. A narrativa construída ao longo da história

conferiu grande dramaticidade à figura do Libertador. Seus discursos, proclamas e

cartas, as batalhas que comandou em mais de 13 anos de guerras intermitentes e,

sobretudo, seus últimos dias convalescentes tentando deixar a República, serviram de

base neste processo histórico de dramatização da figura de Bolívar, até chegar à

representação que se conhece atualmente, apropriada e incrementada pelo presidente

Hugo Chávez.

Robert Webb deixa nítido em sua análise o caráter perene do legado histórico e

da presença de Bolívar na realidade político-social venezuelana, entendido como o

único responsável por libertar os povos de um continente subjugado pelo Império

Espanhol. Em seu ‘batismo oficial’ como religião patriótica (1842), a figura de Bolívar

foi alçada à categoria de pai da pátria, ao ganhar um sentido profético.

Simón Bolívar was gone but his historic presence remained. South

America was free from the cruel and arrogant hand of Spain. The one

title he valued above all others – […] El Libertador – has remained

forever linked with the prophetic name given him at his christening180.

Com o passar dos anos incrementou-se o aspecto de dramaticidade da figura do

Libertador, sendo que grande parte dos autores que refletiram sobre o prócer

enfatizaram suas melancólicas palavras ditas no leito de morte, seu ceticismo no tocante

ao futuro das Repúblicas recém-emancipadas do Império Espanhol e a traição vinda de

seus principais colaboradores. Um deles, Francisco de Paula Santander, havia

comandado uma emboscada com o propósito de assassinar Bolívar em 1828. Conforme

o próprio Libertador se intitulava, ele era o homem das dificuldades, pois, “dealing

180. “Simón Bolívar se foi, mas sua presença histórica permaneceu. A América do Sul estava livre do

cruel e arrogante domínio espanhol. O único título que ele valorizava acima de todos os outros – [...] El

Libertador – permaneceu para sempre aliado ao nome profético dado em seu batismo” (WEBB, Robert.

Simon Bolivar: the Liberator, p.121).

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effectively with difficulties was essential to leadership and that usually meant dealing

with people”181. Com base no apontado por Lynch (2006), é inegável a existência de um

processo de dramatização da figura de Bolívar ao longo de quase dois séculos de culto a

sua personalidade.

Não se pode desconsiderar que o culto à personalidade de determinada figura

histórica está ligado ao fenômeno do personalismo, altamente arraigado à cultura

política venezuelana. De acordo com Elías Pino Iturrieta, esta categoria pode ser

entendida como uma adesão política das massas a uma pessoa ou à tendência política

que ela representa182. Na maioria das vezes, isso ocorre de uma forma acrítica,

carregada de emoção e faz com que determinada personalidade política se torne

insubstituível. Segundo este historiador, o personalismo é um fenômeno constante na

história venezuelana. Portanto, não pode ser entendido como um fenômeno exclusivo da

era Chávez, pois ocorre

[…] a partir del momento en que se dan los primeros pasos hacia la

arquitectura de una nación independiente. Es una recurrencia de los

negocios públicos, hasta el extremo de que casi no existía período en

la evolución de los asuntos relativos al poder que no lo encuentre

como resorte en alguno de sus costados183.

O poder exercido pelo Libertador foi a representação máxima deste

personalismo, sendo que seus sucessores no cargo de presidente da Venezuela e,

consequentemente, de chefes das Forças Armadas, são ‘herdeiros’ desta forma de

exercício do poder. Em linhas gerais, desde seu nascimento enquanto nação, a

Venezuela sofre a influência do personalismo, incrustado nas instituições do país, como

uma cadeira de reyzuelos, conforme pontua Pino Iturrieta (2013).

Para além deste personalismo inerente a sua realidade política desde o período

de formação da República, é importante enfatizar que, no caso de Simón Bolívar, há

fundamento histórico suficientemente capaz de comprovar as dificuldades com as quais

teve que lidar ao longo de sua vida, em especial nos difíceis anos de guerras contra a

Metrópole. De acordo com Carrera Damas, “él [Bolívar] vivió situaciones muy difíciles,

[…] cometió graves errores que incluso llegó a ser, él mismo, agente involuntario de

descrédito de otras personas. […] Es decir, era un hombre que estaba inmerso en una

181. “Lidar eficazmente com dificuldades foi essencial à liderança, o que normalmente significa lidar

com as pessoas” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.298).

182. PINO ITURRIETA, Elías. Nada sino un hombre, p.14.

183. Idem, p.9.

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gran polémica, en una gran discusión”184. Com base nisso, compreende-se o porquê do

processo de dramatização da figura do Libertador ter ganhando tanta relevância e

visibilidade ao longo da história. A própria trajetória política e pessoal de Bolívar

comprova a tese de ter sido o ‘homem das dificuldades’, as quais nunca cessaram. Além

de enfrentar as sangrentas batalhas durante a Independência, teve que lidar com os

interesses dissonantes de grupos políticos no interior das Repúblicas libertadas por ele,

o que não constituía uma tarefa fácil, ainda que fosse para o Libertador. No final de sua

vida, foram justamente estas divergências, provocadas pela disputa de poder entre a elite

dirigente das Repúblicas, as responsáveis pelo seu isolamento político, que foi morrer

melancólico em Santa Marta em 1830.

A trajetória pessoal do Libertador também ajuda a fundamentar esta tese. Órfão

de pai e mãe aos 8 anos de idade, Vayssière (2008) atribui a este fato como um trauma

de infância capaz de explicar as feridas narcisistas do Libertador, seus momentos de

depressão, renúncias brutais e sem explicação aparente, saltos de humor e melancolia185.

A viuvez aos 19 anos (poucos meses após o enlace) fez de Bolívar uma figura histórica

marcada por traumas pessoais, o que reforça a tese de ter sido o homem das

dificuldades. Em alguns momentos de sua vida, Bolívar lidou até mesmo com

dificuldades financeiras, embora tivesse nascido na família mais rica de Caracas daquela

época. Quando estava exilado na Jamaica em 1815, ocasião em que escreveu a

conhecida Carta da Jamaica (1815), além dos escassos recursos sofreu uma tentativa de

assassinato por meio de uma traiçoeira facada desferida por um escravo. Em uma das

biografias mais recentes do Libertador, relata-se:

El expatriado voluntario [Bolívar] residió en Kingston desde 14 de

mayo hasta el 18 de diciembre de 1815, en una pensión modesta,

solitario y sin recursos, como un exiliado político sin prestigio. Para

pagar el alquiler y asegurarse la subsistencia cotidiana, se vio

obligado a empeñar su reloj y vender su último objeto de plata. […]

Su situación era miserable, hasta humillante, y en los momentos más

sombríos, llegó a pensar en quitarse la vida186.

Este processo de dramatização da figura de Simón Bolívar foi incrementado ao

longo dos anos, pois nem o distanciamento histórico-cronológico entre o período vivido

por Bolívar (final do século XVIII e começo do XIX) e a visão de mundo estabelecida

(e globalizada) do século XXI foram capazes de atenuar o caráter considerado

184. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

185. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.

186. Idem, p.83-84.

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extraordinário à época no tocante aos ‘feitos’ do Libertador. Neste sentido, explica-se a

eficiência histórica do culto na consolidação de uma visão coletiva calcada no culto a

um personagem cronologicamente distante, mas que na Venezuela nunca deixou de ser

um fenômeno do tempo presente.

A consequência ao longo de quase dois séculos de construção do culto foi

conferir um patamar cada vez mais dramático à figura de Simón Bolívar. Por meio dos

escritos finais do Libertador, pode-se ter a sensação de que o definhamento físico do

prócer combinava de forma perfeita com o definhamento das Repúblicas libertadas por

ele, devido a crise de legitimidade e da dificuldade em construir um sólido processo de

independência e de unidade. Em mensagem dirigida ao Congresso, reunido em Bogotá

em 20 de janeiro de 1830, Bolívar foi enfático: “horrible era la situación de la patria, y

más horrible la mía, porque me puso a discreción de los juicios y de las sospechas”187.

Neste momento, o Libertador já possuía claramente a sensação de estar

politicamente isolado diante daqueles que, em tese, comporiam seu entourage de

colabores políticos e companheiros de batalha. Com base em seus últimos escritos, tem-

se a impressão de alguém em um estado emocional profundamente abalado, cético e

pessimista no tocante à situação política e econômica das Repúblicas recém-

emancipadas, além de acometido por sérias enfermidades para a época. Em carta ao

general Daniel Florencio O’Leary, Bolívar queixa-se de sua doença na bílis, desabafa ao

dizer se sentir cansado e manifesta o desejo de retirar-se da presidência das Repúblicas,

funções as quais acumulava durante algum tempo.

No es creíble el estado en que estoy, según lo que he sido toda mi

vida, y bien sea que mi robustez espiritual ha sufrido mucha

decadencia o que mi constitución se ha arruinado en gran manera, lo

que no deja duda es que me siento sin fuerzas para nada y que ningún

estímulo puede reanudarlas […]. Estoy tan penetrado de mi

incapacidad para continuar más tiempo en el servicio público, que me

he creído obligado a descubrir a mis más íntimos amigos la necesidad

que veo de separarme del mando supremo para siempre, a fin de que

se adopten por su parte aquellas resoluciones que les sean más

convenientes […]. Considérese la vida de un hombre que ha servido

veinte años, después de haber pasado la mayor parte de su juventud, y

se verá que poco o nada le queda por ofrecer en el orden natural de

las cosas […]. Yo conozco que la actual República no se puede

gobernar sin una espada, y, al mismo tiempo, no puedo dejar de

convenir que es insoportable el espíritu militar en el mando civil188.

187. BOLÍVAR, Simón. Mensaje ante el Congreso. Bogotá, 20 de enero de 1830, p.379.

188. BOLÍVAR, Simón. Carta al Señor general Daniel Florencio O’Leary. Guayaquil, 13 de septiembre

de 1829, p.360-366.

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Este pessimismo, longamente expressado pelo Libertador em seus últimos anos,

era provocado pelas dificuldades em unir as Repúblicas a que havia libertado, em um

cenário quase anárquico, devido a divisão entre os diferentes setores da sociedade da

época com interesses divergentes. O fato é que muitas das ideias aparentemente

defendidas por Bolívar eram consideradas ‘avançadas’ para aquele momento, a exemplo

da República e da libertação dos escravos, sendo que o prócer até mesmo chegava a

reconhecer o enorme esforço que seria implantar a liberdade onde reinava a tirania. Isso

foi dito em sua última proclama, destinada aos povos da Colômbia (Nova Granada,

Venezuela, Equador e Panamá), escrita sete dias antes morrer. Finalizou ao afirmar,

dramaticamente, baixar tranquilamente ao sepulcro, caso isso fosse cessar todos os

conflitos e as divisões no interior das Repúblicas189.

Um Simón Bolívar melancólico relegava prognósticos sombrios aos povos

libertados por sua espada. Porém, estas reflexões serviram de base à dramatização de

sua figura em seu sentido histórico. A conhecida carta destinada ao general Juan José

Flores (chefe do Equador) vem servindo de base a fim de justificar uma pretensa

‘maldição’ vaticinada pelo Libertador aos países americanos. Nesta carta, Bolívar

antecipou o fato de que, cedo ou tarde, todos começariam a matar uns aos outros, as

Repúblicas se dividiriam, caindo aos pés de governantes com mãos fortes e ferozes,

únicos capazes de pôr fim ao cenário de anarquia, do qual sempre estavam imersos e/ou

vulneráveis. Por isso, a historiografia venezuelana problematizou e dramatizou as seis

conclusões feitas pelo Libertador em mais de 20 anos de batalhas em solo americano:

1o) La América es ingobernable para nosotros. 2o) El que sirve una

revolución ara en el mar. 3o) La única cosa que se puede hacer en

América es emigrar. 4o) Este país caerá infaliblemente en manos de la

multitud desenfrenada, para después pasar a tiranuelos casi

imperceptibles, de todos los colores y razas. 5o) Devorados por todos

los crímenes y extinguidos por la ferocidad, los europeos no se

dignarán conquistarnos. 6o) Si fuera posible que una parte del mundo

volviera al caos primitivo, éste sería el último período de la

América190.

Com base nas fontes fornecidas por ou através dos escritos de Bolívar,

personagem histórico relativamente bem documentado, o processo de dramatização da

figura do Libertador serviu como um dos pontos estabelecidos no próprio culto a

189. BOLÍVAR, Simón. Ultima proclama: el legado de Bolívar para sus compatriotas de Colombia la

Grande – venezolanos, colombianos, ecuatorianos, panameños – y para los pueblos todos de América.

Hacienda San Pedro. Santa Marta, 10 de diciembre de 1830, p.391.

190. BOLÍVAR, Simón. Carta al general Juan José Flores, jefe de Ecuador. Barranquilla, 9 de

noviembre de 1830, p.387.

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Bolívar. Em um artigo publicado na década de 1980 à Hispanic American Historical

Review, Carrera Damas destaca a ‘confusão’ feita pela sociedade e pela historiografia

venezuelana no que tange às categorias de consciência nacional com o culto aos heróis.

Em sua visão, houve um processo equivocado de fusão de ambos os conceitos, em que a

categoria de consciência nacional se tornou sinônimo de culto aos heróis libertadores,

em especial a Bolívar.

Neste sentido, dramatizar a vida e a obra do prócer sempre foi uma estratégia

importante a fim de reforçar o culto ao Libertador, bem como dramatizá-lo cada vez

mais, a ponto de até mesmo a Igreja Católica da Venezuela se tornar parte deste

processo. Por ocasião do sesquicentenário da morte de Bolívar em 1980, o cardeal José

Humberto Quintero chegou a ponderar que as injustiças cometidas contra o Libertador

impuseram uma grande sanção divina à Venezuela e este seria o grande pecado do país.

Neste ponto, o desterro imposto a Bolívar pouco antes de morrer, bem como a reação

antibolivariana que vigorou entre 1830 e 1842 por ordem de José Páez, foram

provocadas pelo grande desconhecimento do caráter de ‘eleito pela divindade’ que

Bolívar possuía191. Carrera Damas critica este raciocínio, vindo de um líder do mais alto

escalão da religião historicamente majoritária da Venezuela: “si esto ocurriera en una

sociedad teocrática, al modo de las que injustamente se ha dado en llamar islámicas,

seguramente luciría más comprensible”192, do que na Venezuela daquele momento.

Entretanto, as palavras do cardeal Quintero somente reforçaram o culto a Bolívar

por meio de um processo de dramatização, ao colocar o Libertador como alguém eleito

pela divindade, mas injustiçado pelo povo. Por isso a sanção de Deus para com aqueles

que haviam sido injustos com Bolívar ao expulsá-lo da pátria. Embora tenha tido uma

conotação religiosa, as palavras do cardeal Quintero serviram para reforçar o culto a

Bolívar, assunto mais fecundo da historiografia e da realidade social da Venezuela.

Conforme destacado acima, o nacionalismo e o culto a Bolívar são sinônimos na

Venezuela, reforçando a tese defendida por Hobsbawm, segundo a qual a religião serve

como um cimento ao nacionalismo193.

Em razão disso, na Venezuela se incita a estudar, produzir, lutar e até mesmo a

morrer por Bolívar, o que se caracteriza como sinônimo de morrer pela pátria. De

acordo com Benedict Anderson, o ato de morrer pela pátria assume uma conotação de

191. CARRERA DAMAS, Germán. Simón Bolívar, el culto heroico y la nación, p.107-108.

192. Idem, p.108.

193. HOBSBAWN, Eric. Nações e nacionalismos desde 1780, p.83.

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grandeza moral que não pode ser comparada a morrer por uma instituição qualquer, a

exemplo de um partido político ou uma Organização de expressão internacional. Isso

também vale para o ato de morrer por uma revolução que carrega uma carga simbólica

de ideários considerados ‘puros’194. No caso venezuelano, todos estes incentivos se

tornam ainda mais reluzentes quando o mais alto hierarca da Igreja Católica do país se

apropria do discurso bolivariano a fim de reforçar este pensamento.

Como se pode observar, o culto a Bolívar e a dramatização de sua figura foram

historicamente construídos. Eles já estavam presentes na realidade político-social

venezuelana quando Chávez chega à presidência da República. Ou melhor, o ex-militar

ascende ao cargo devido ao cenário de crise e ajudado pela forma considerada eficiente

com a qual abordou o culto a Bolívar, em favor de sua permanência na presidência da

República e das medidas em que tomou no exercício dos mandatos. Compreende-se,

portanto, que a abordagem do culto a Bolívar entre 1999 e 2013 não inovou na

estratégia da dramatização. No entanto, a intensidade dessa dramatização do culto

chegou a patamares exagerados, servindo de base ao bolivarianismo da era Chávez, a

ponto do próprio presidente se empenhar em redefinir a controversa e polêmica história

do prócer, por meio do questionamento das causas que levaram a sua morte.

Conforme pontuou Carrera Damas, Bolívar esteve imerso em grandes polêmicas,

por isso seu legado histórico abre margem à distintas interpretações e nem as

circunstâncias que o levaram à morte são consensuais. Todavia, a tese de que o

Libertador não morreu de tuberculose, mas foi assassinado, não havia tido relevância ao

ponto de um presidente da República se ocupar da dúvida, ou assumi-la publicamente.

Todavia, Chávez não se importou com isso.

Logo após ser derrotado no Referendo da Reforma Constitucional de 2007195, o

presidente da Venezuela ‘reapareceu’ em público justamente no Panteão Nacional

colocando flores no túmulo de Bolívar. Isso não foi por acaso. Tratava-se de uma

estratégia para anunciar a abertura de investigação sobre as causas da morte do

Libertador, ao utilizar todos os recursos do Estado, da ciência forense e do que chamou

de ‘história verdadeira’. Para o presidente, nenhum bolivariano poderia ficar indiferente

194. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas, p.202.

195. O Referendo de 2007 é discutido detalhadamente no Capítulo 4.

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ante aquela dúvida196. É importante frisar que naquele momento Chávez utilizava o

Libertador como uma forma de desviar o foco da derrota eleitoral amargada dias antes.

Contudo, havia fatos já longamente destacados pela história que ajudavam a

aumentar as especulações. Sabe-se que ao longo da vida Bolívar acumulou muitos

inimigos. Em duas ocasiões havia escapado de ser realmente assassinado: na Jamaica

em 1815 e em Bogotá em 1828, a mando de seu ex-aliado Francisco de Paula

Santander.

Durante seu mandato, o presidente Chávez soube utilizar o culto a Bolívar como

um instrumento político de mobilização das massas em favor de suas políticas. Ao

longo da história venezuelana, poucos presidentes haviam obtido tanto êxito neste

aspecto como Chávez. Não raras vezes ele fazia longas explanações à imprensa sobre os

escritos do Libertador e enfatizava os aspectos poucos esclarecidos no tocante a sua

morte. Nos momentos em que a liderança de Chávez era fortemente questionada, como

ocorreu durante o golpe de Estado em 2002, o paro petroleiro de 2003, a derrota no

Referendo da Reforma Constitucional de 2007 e no diagnóstico de câncer em 2011,

Bolívar aflorava em seus discursos ao ponto de se tornar praticamente o único assunto.

Chávez se colocava como uma ‘vítima’ da mesma elite que no século XIX havia

sido a responsável pelo isolamento político do Libertador. Em termos superficiais, o

presidente ressignificava o culto a Bolívar, tal como outros presidentes fizeram ao longo

da história venezuelana. Entretanto, Chávez foi mais longe. Não se contentou em

somente cultuar o Libertador, quis dramatizá-lo ainda mais ao lançar dúvidas sobre os

aspectos considerados ‘turvos’ na vida do controverso prócer. Daí surge a ideia de

questionar as causas que levaram a sua morte.

Hugo Chávez cumpriu a promessa feita em dezembro de 2007 e, com o

propósito de provar a hipótese de que o Libertador foi assassinado, ordenou a exumação

dos restos mortais de Simón Bolívar em julho de 2010. Ignorou as críticas dos

adversários que consideravam a exumação um grave ato de profanação ao pai da pátria.

Por outro lado, os partidários de Chávez vislumbravam a abertura do túmulo como uma

196. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo

de la conmemoración del 177º aniversario del fallecimiento del Libertador y Padre de la Patria Simón

Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível

em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2147-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-durante-acto-con-motivo-de-la-conmemoracion-del-177-aniversario-del-fallecimiento-del-

libertador-y-padre-de-la-patria-simon-bolivar (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

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homenagem ao Libertador. Na visão da procuradora-geral da República, Luisa Díaz

Ortega, a exumação quitaria uma dívida histórica da República com Bolívar197.

Entretanto, a ideia de abrir os restos mortais do herói da Independência também

não era uma novidade. Em vários momentos da história venezuelana cogitou-se abrir o

túmulo do Libertador, com o propósito de dirimir as dúvidas e polêmicas existentes em

torno de sua controversa história. Porém, como tudo em se tratando de Bolívar é um

assunto sensível na Venezuela, antes de 2010 não havia sido construído um consenso

mínimo em torno do assunto capaz de realmente viabilizar a exumação.

Em 1947, durante a Assembleia que redigiu a Constituição após a era Juan

Vicente Gómez (1908-1935), o presidente da Constituinte, deputado Andrés Eloy

Blanco, chegou a defender a tese da abertura do sarcófago, mas não obteve suficiente

apoio político. Ademais, havia rumores de que um médico venezuelano (doutor José

‘pepe’ Izquierdo) possuía em seu poder o que seria o crânio do Libertador. Em meio a

todas estas especulações, também historicamente construídas, somadas às teorias

conspiratórias difundidas pelo governo de Chávez, a exemplo do pretenso assassinato

do Libertador, finalmente obteve-se apoio à abertura do sarcófago.

Sendo assim, o governo da Venezuela instituiu uma Comissão Presidencial198,

comandada pelo vice-presidente Elias Jaua, com o propósito de verificar as causas

‘verdadeiras’ da morte de Bolívar e utilizou-se de toda a tecnologia disponível nos anos

de 2010, 2011 e 2012, que não havia no século XIX. A exumação da ossada foi um

evento acompanhado por muita visibilidade dos órgãos oficias que realizaram uma

ampla e repetitiva cobertura do evento. Quando o sarcófago finalmente foi aberto, em

15 de julho de 2010, por soldados da Guarda Presidencial com a supervisão de

especialistas venezuelanos e estrangeiros, o trabalho foi transmitido ao vivo pela estatal

Venezolana de Televisión (VTV) e com direito a narração de Chávez. Para dramatizar

ainda mais a imagem de Bolívar, o presidente da Venezuela enfatizou os aspectos

dramáticos da vida do prócer e narrou com o propósito de pôr emoção ao momento:

Ahí están entrando los equipos iniciales, todos dentro del Panteón,

todo se hizo dentro del Panteón… Donde está el sarcófago… Ahí

están oficiales, tropas de la Guardia Presidencial, liberalizados por el

vice-presidente Elías [Jaua] y el ministro del interior Tarek [Willian

Saab], el Fiscal General, científicos de España, de Venezuela que

197. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.

Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.

198. Nome oficial: Comisión Presidencial para la Planificación y Activación del Proceso de

Investigación Científica e Histórica, sobre los acontecimientos relacionados con el fallecimiento de El

Libertador Simón Bolívar y el traslado a la Nación de sus restos mortales.

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tienen meses trabajando en este proyecto y están adoptando

dispositivos para abrir el sarcófago… Todo se hizo con un respecto

venerable, infinito, es el padre de la patria… Es el padre, Bolívar.

Traicionado, vilipendiado, expulsado de la patria, murió llorando,

murió solitario. Una de sus últimas frases: “Qué puede un pobre

hombre contra el mundo”. Bueno, ahora no está sólo padre, aquí

estamos nosotros, aquí estamos tus hijos y tus hijas… El vice-

presidente Elías, abriendo el sarcófago, momento de mucha emoción,

muchísima emoción199…

A forma como Chávez representou Bolívar no momento da exumação dos ossos

do Libertador não poderia ser menos dramática. As palavras enfatizadas pelo presidente

da Venezuela demonstravam de forma nítida esta dramatização. Segundo Chávez,

Bolívar havia sido traído, vilipendiado, expulso da pátria, morreu sozinho e chorando.

Não há fontes capazes de confirmar que o Libertador estava chorando ao mesmo tempo

em que agonizava em seu momento derradeiro. Nem sua solidão pode ser confirmada.

Em uma tela a óleo de E. Yépez chamada La muerte del Libertador200, Bolívar é

pintado deitado em uma cama em seus últimos minutos de vida. Ao redor estava uma

autoridade eclesiástica, um médico, um secretário (mordomo), um sobrinho chorando e

três generais. Não há como confirmar se Bolívar estava exatamente com estas pessoas

no momento de sua morte. Porém, a hipótese de que estivesse sozinho, sem ao menos

uma pessoa para ajudá-lo a carregar os pertences pessoais, não parece condizente com a

realidade da época.

O historiador Jonh Lynch também contesta a tese de solidão do Libertador.

Segundo o autor, Bolívar chegou a Santa Marta em 1o de dezembro de 1830. O médico

francês Alexandre Prospère Révérend e o cirurgião da Marinha dos Estados Unidos

George MacNight examinaram o Libertador. Ambos o identificaram com uma séria

doença pulmonar que mais tarde seria diagnosticada como tuberculose201.

On 6 December José Palacios, his [Bolívar] long-serving

mayordomo, carried him to a carriage that took him to Mier’s villa,

San Pedro Alejandrino. Close to him in this retreat were Belford

Hinton Wilson, his nephew Fernando, and Jose Palacios, while

General Montilla was his liaison with the outside world, and his

French doctor remained in constant attendance202.

199. CHÁVEZ, Hugo. Venezuela muestra al mundo la apertura del sarcófago del Libertador. Vídeo.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2HMq1FKxW68 (acesso em 8 de setembro de 2015).

200. Esta tela a óleo pode ser vista em VAYSSIÈRE, 2008. A imagem foi cedida ao historiador francês

pela Academia Nacional de la Historia, Buenos Aires, Argentina. Ver: Imagem 4, no Anexo.

201. LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.276-277.

202. “Em 6 de dezembro, José Palacios, seu [Bolívar] mordomo desde muito tempo, o levou de

carruagem à fazenda do senhor Joaquín Mier, em San Pedro Alejandrino. Acompanhavam-no Belford

Hinton Wilson, o sobrinho Fernando e José Palacios, enquanto o general Montilla informava a Bolívar o

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Todavia, dizer que Bolívar estava sozinho seria uma forma de melhor colocar

emoção naquele momento tão estratégico ao regime, quando seriam exumados os ossos

do personagem mais notável e controverso da historiografia venezuelana. Um Bolívar

solitário que chorava seria uma representação mais eficiente no intuito de colocá-lo

como um herói incompreendido e expulso das Repúblicas que libertou, tal como o culto

a sua figura o representa, ainda que esta interpretação tenha sido realizada contrariando

fontes capazes de contestá-la. Além disso, afirmar que o pai da pátria havia

convalescido naquelas circunstâncias poderia ser uma justificativa a mais no intuito de

demonstrar o real propósito daquela exumação midiática: legitimar a tese defendida

pelo regime de que o Libertador foi assassinado. Portanto, a cobertura da exumação,

feita pelo Correo del Orinoco, traz em suas páginas uma afirmação de Chávez, segundo

a qual, ao olhar o esqueleto de Bolívar, ele ainda via o Libertador chorando203.

Enfatizar a solidão servia como uma justificativa para afirmar que no momento

da exumação Bolívar não mais estava sozinho. Estaria rodeado e protegido por seus

filhos e filhas, que nada mais seriam do que todos aqueles que apoiavam a Revolução

Bolivariana, liderada por Chávez, que terminou sua narração, pouco antes do sarcófago

ser aberto, dizendo ser aquele um momento de grande emoção. Ou seja, tratou-se da

mais nítida demonstração de dramaticidade. A partir daquele momento, a figura

histórica do Libertador ganharia mais um motivo para ser cultuado: o pretenso fato de

ter sido assassinado por seus inimigos.

Na era Chávez, o intenso esforço de dramatizar ainda mais o culto a Bolívar

utilizava, na maioria das vezes, fatos e justificativas consideradas pouco confiáveis com

base nas fontes históricas. Por exemplo, em seu último pronunciamento diante da

Assembleia Nacional da Venezuela, Chávez chegou a afirmar que a oligarquia

venezuelana não se satisfez em apenas expulsar Bolívar do país em seus últimos anos de

vida, ela também havia ameaçado fuzilá-lo, caso regressasse à Venezuela204.

que acontecia do lado de fora, seu médico francês lhe prestou assistência o tempo todo” (LYNCH, John.

Simon Bolívar: a life, p.277).

203. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.

Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.

204. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Comandante

Hugo Chávez en la Asamblea Nacional. Caracas, 13 de Enero de 2012. Disponível em:

http://aristobulo.psuv.org.ve/2012/01/13/canpana/discurso-del-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-

venezuela-comandante-hugo-chavez-en-la-asamblea-nacional/#.VPNe0vnF-1w (acesso em 1o de abril de

2015).

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Entretanto, isso não se resumiu as situações mencionadas pelo presidente da

República durante a transmissão ao vivo da exumação (traições, vilipendio, solidão).

Em algumas ocasiões, Chávez chegou até mesmo a afirmar que o Libertador havia

morrido na miséria, com base nas dificuldades financeiras que enfrentou em algumas

fases de sua vida, a exemplo do exílio forçado na Jamaica e no Haiti (1815). Em um

discurso proferido em fevereiro de 2001 diante do sarcófago do general Ezequiel

Zamora, Chávez afirmou categoricamente: “Bolívar nació aquí mismo en cuna rica,

pero murió entre los pobres y en la miseria”205.

Embora o presidente não tenha citado a pobreza do Libertador em sua narração

de julho de 2010, quando houve a exumação dos ossos de Bolívar, enfatizava esta tese

com o mesmo propósito com o qual justificava a solidão e a ameaça de fuzilamento

sofrida pelo prócer, ou seja, dramatizá-lo ainda mais e provar a tese de assassinato.

Entretanto, assim como o fato de que Bolívar morreu solitário é pouco provável, a tese

de que morreu pobre é falsa, segundo asseguram as fontes históricas sustentadas pela

maioria de seus biógrafos. De acordo com o historiador francês Pierre Vayssière, com

base no inventário do Libertador, na ocasião de sua morte não lhe faltava recursos206.

[…] el Libertador había conservado algunos bienes de valor, sobre

todo, su vajilla de patino, fuentes y cubiertos de plata o de oro

macizo, una silla de montar, un antiguo par de pistolas, el retrato de

Washington, un cofrecillo de oro y diamantes que le había regalado el

clero de Bolivia, libros y una decena de cajas de documentos privados

[…] De modo que la leyenda de un Bolívar indigente es falsa. Es

cierto que había perdido su mayorazgo y todos sus bienes de raíces e

inmobiliarios, pero hubiera podido vivir decorosamente con lo que

quedaba207.

Após a exumação do Libertador, acontecimento midiático e dramaticamente

narrado pelo presidente Chávez, o governo da Venezuela ordenou a realização de

estudos com amostras de DNA nos ossos com três propósitos admitidos pelo regime:

provar que Simón Bolívar havia sido assassinado; derrubar a tese de que ele morreu de

205. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, frente al sarcófago del general Ezequiel Zamora. Panteón Nacional. Caracas, 1o de febrero de

2001, p.96.

206. É importante frisar que sempre houve rumores relacionados a Bolívar. Um deles dizia que no ato de

sua morte não possuía nem ao menos uma camisa, mas isso nunca foi confirmado. Entretanto, ao ler

adiantadamente o relatório produzido após a exumação de Bolívar, Chávez voltou a reafirmar a falsa tese

da ‘pobreza’ do Libertador ao dizer que, dentro do túmulo, os peritos haviam encontrado restos de couro

de botas de campanha, de cabelo e de uma camisa que havia sido emprestada na época para vestirem o

cadáver do Libertador.

207. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.154.

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tuberculose; e por fim, descobrir se o conteúdo narrado pela historiografia venezuelana

sobre o Libertador era realmente ‘verdadeiro’208.

O processo de análise durou aproximadamente 2 anos e contaram com a

participação de peritos forenses e médicos especialistas venezuelanos e estrangeiros,

contratados pelo regime e da confiança do presidente Chávez. Amostras dos restos de

Bolívar foram enviadas à Inglaterra, onde havia tecnologia e estudos mais avançados no

que tange a encontrar indícios de tuberculose em ossos antigos.

Ao contrário do que poderia superficialmente parecer, não se tratava de uma

tarefa simples, pois envolvia os ossos do personagem histórico mais importante da

Venezuela e fonte de um culto que é considerado o tema mais fecundo da política e da

historiografia venezuelanas. Por isso, um dos médicos que comandou as análises nos

ossos do Libertador e assinou o relatório, o norte-americano Howard Takiff, reconheceu

o caráter inovador e pouco preciso dos estudos. Disse ter consultado artigos de outros

pesquisadores que haviam conseguido encontrar evidências de tuberculose em ossos

antigos. Todavia, o próprio Informe salienta tratar-se de uma técnica recente e

imprecisa209. Apesar das dificuldades, das imprecisões, dos riscos e, principalmente, da

sensibilidade do tema, em julho de 2012 os resultados dos exames começaram a ser

divulgados por meio de um Informe relativamente detalhado no tocante ao

procedimento e as condições a que se encontrava o esqueleto. O Informe inicia com esta

descrição:

En el interior del sarcófago se aprecia un esqueleto humano de sexo

masculino articulado y envuelto en una tela de Damasco de color

pardo oscuro con flecos negros, los cuales se desprenden fácilmente.

[…] El tejido óseo se encuentra barnizado y en buen estado de

conservación; dicho barniz se desprendió parcialmente con la

manipulación210.

Também havia, na lateral direita do sarcófago, uma caixa que continha em seu

interior um papel dobrado igualmente descrito no Informe.

Ésta [a caixa] fue entregada al ciudadano Vicepresidente de la

República Bolivariana de Venezuela Elías Jaua. Posteriormente nos

informaron que el escrito es el acta de la preparación del cadáver de

S.E. El Libertador Simón Bolívar que realizó el sabio Doctor José

Maria Vargas en el año 1843211. 208. ARRIA, Oscar. Pruebas de ADN certificarán autenticidad de restos del Libertador Simón Bolívar.

Correo del Orinoco. Caracas, 17 de julio de 2010, p.5, No 316.

209.VENEZUELA. Informe preliminar sobre las causas de la muerte de “El Libertador Simón Bolívar”.

República Bolivariana de Venezuela. Caracas, Julio de 2012, p.14.

210. Idem, p.1.

211. Idem, p.2.

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102

O Informe, produzido a partir da exumação dos ossos do Libertador, teve seu

valor histórico e impacto político para aquele momento. Sem contar com o fato de

midiatizar e dramatizar ainda mais a figura e o culto ao Libertador em anos cruciais para

o governo de Chávez, quando houve eleições legislativas (2010) e presidenciais (2012),

além do diagnóstico de câncer do presidente, admitido em junho de 2011, que serviu

para tumultuar o cenário político do momento. Ademais, por meio dos estudos

realizados após a exumação, provou-se que a ossada depositada no sarcófago era

realmente de Bolívar através da comparação de exames de DNA realizados com os

ossos de uma de suas irmãs. Com base no Informe dos médicos e peritos forenses,

provou-se que se tratava da ossada de um indivíduo do sexo masculino e com esclerose

nas vértebras lombar, provavelmente provocada por montaria a cavalo212, características

condizentes com Bolívar.

Apesar dos detalhes descritos acima, os estudos feitos nos ossos do Libertador

não serviram para provar com riqueza de detalhes e absoluta certeza as teses defendidas

pelo regime. Isso significa que o trabalho de exumar e enviar à Inglaterra a ossada do

prócer para análise de DNA não foi capaz de confirmar que ele foi assassinado e, para

deixar o assunto ainda mais controverso, pôs em dúvida a tese ‘oficial’ de que o

Libertador havia morrido de tuberculose. Por mais que o presidente Chávez se

empenhasse em reforçar a tese do assassinato de Bolívar por seus inimigos, não foi

possível confirmá-la por intermédio das análises feitas após a exumação midiática de

julho de 2010. Ao invés de provar a hipótese de assassinato, os estudos realizados sob

as ordens do governo Chávez tornaram ainda mais turvas as causas da morte de Bolívar.

O Informe é categórico a este respeito:

No se encontró evidencia de tuberculosis, y tampoco evidencia de

malaria, ni evidencia de Paracoccidiosis brasiliensis, el hongo

sugerido por el Dr. Paul Auwaerter como la posible causa de la

afección pulmonar y la muerte de El Libertador213.

Embora em nenhum momento os médicos e peritos que analisaram os ossos de

Bolívar tenham cogitado a hipótese de que o prócer houvesse sido assassinado, este era

o principal motivo pelo qual a exumação havia sido feita. Provar o assassinato do

212. Idem, p.3-5.

213. Idem, p.14.

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103

Libertador, ou mesmo estabelecer dúvidas sobre as causas de sua morte, era estratégico

a Chávez no intuito de reforçar a dramaticidade inerente a figura de Simón Bolívar.

Se não bastasse o fato do prócer ter sido traído, expulso do país e, na visão de

Chávez, morrido ‘sozinho’ e na ‘miséria’, legitimar a tese do assassinato serviria como

uma espécie de último capítulo triunfante da vida de Bolívar, o que certamente

outorgaria ao Libertador e a seu culto um caráter ainda mais dramático e legitimador.

Isto é, caso tivesse sido assassinado, o Libertador teria terminado sua vida de uma

forma ainda mais heroica. Ademais, o fato dos relatos históricos comprovarem as duas

tentativas de assassinato sofridas pelo prócer (na Jamaica em 1815 e em Bogotá em

1828) ajudou a aumentar as suspeitas e as ‘teorias da conspiração’ difundidas pelo

governo de Chávez. Com isso, o presidente da Venezuela reforçava o culto com o

propósito de explorá-lo a seu favor, algo que fez com muita habilidade ao longo dos 14

anos em que esteve na presidência da República.

Todavia, com base no Informe divulgado, é possível perceber que os

especialistas responsáveis em analisar os ossos não quiseram ser taxativos, ou até

mesmo pode-se afirmar que eles optaram em não se comprometer diante de um assunto

tão estratégico e delicado ao governo da Venezuela. Por isso, fizeram uma ressalva:

“dentro de la ciencia, la ausencia de evidencia no es un criterio 100% confiable de que

la causa de la muerte no haya sido tuberculosis, pero son los mejores resultados que

hemos podido obtener hasta ahora”214. Ou seja, a antiguidade dos ossos de Bolívar

(desde 1843 eles estão depositados em um sarcófago) poderia provocar o

desaparecimento dos sinais de tuberculose. Sendo assim, este assunto se tornou algo

ainda mais controverso. Seria, portanto, mais uma polêmica para envolver a figura do

Libertador.

O Informe pouco esclarecedor em alguns aspectos trouxe evidências que

provocaram mais divergências e interpretações disformes do que contribuições no

intuito de formar um consenso sobre as causas da morte de Simón Bolívar. Menos ainda

provou a tese de Chávez segundo a qual o prócer havia sido assassinado. Contudo, os

especialistas contratados pelo governo venezuelano tiveram a ‘precaução’ de fornecer

uma explicação provável ao fato de não ter encontrado resquícios de tuberculose nos

ossos do Libertador, mas sem fazer uma afirmação taxativa.

No se encontró ninguna evidencia de la presencia de ADN del

complejo MTB en el material disponible para estudio. Se pudiera

214. Idem, p.14.

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argumentar que los fragmentos óseos tomados del húmero e ileo no

son los más apropiados para proveer evidencia de la tuberculosis

pulmonar. Esto constituye una posible explicación para los hallazgos

negativos. […] Aunque no se puede excluir la tuberculosis como

causa de muerte, parece ahora una causa menos probable que lo que

se había concluido previamente en los informes del examen pots

mortem realizado en 1830215.

Ou seja, diante da impossibilidade de provar a tese defendida pelo regime, os

estudos feitos por ordem de Chávez lançaram ainda mais dúvidas e incertezas sobre o

assunto. Os estudos realizados nos ossos de Bolívar duraram aproximadamente 2 anos.

Mas, neste ínterim, o cenário político venezuelano mudou. Chávez foi diagnosticado

com câncer e começou a permanecer por longos períodos em Havana para tratamento. O

presidente da Venezuela chegou a ficar semanas sem aparecer em público ou emitir

algum sinal de que estivesse vivo. Em várias ocasiões anunciou-se adiantadamente a

morte do presidente. A doença impactou o ativismo em viagens internacionais e pelo

interior da Venezuela, por meio do qual Chávez havia se caracterizado ao longo de seus

mandatos, ao exercer, em alguns momentos, praticamente uma ‘presidência itinerante’.

Porém, a dramaticidade inerente ao Libertador e igualmente transferida a figura

de Hugo Chávez permaneceu. A doença do presidente foi utilizada pelo regime como

uma forma de reforçar sua própria liderança, por meio de um clima de ‘comoção social’

ante a fisionomia convalescente de Chávez, ainda que durante a campanha eleitoral de

2012 ele evitasse mencionar a enfermidade. Seguindo este raciocínio, os colaboradores

do presidente argumentaram que o câncer havia sido inoculado por seus inimigos: os

Estados Unidos e a oligarquia venezuelana. O próprio presidente, em diversas ocasiões,

chegou a levantar esta tese, embora em nenhum momento tenha afirmado

categoricamente que os norte-americanos tivessem feito isso. Apenas levantou esta

hipótese segundo a qual seria muito suspeito que vários presidentes ou ex-presidentes

latino-americanos tenham sido diagnosticados com câncer no mesmo período216.

Esta tese era tão desprovida de fundamento, ou fontes que ao menos

proporcionasse uma pista a respeito, que nem Chávez parecia crer nela, somente a

utilizava como uma forma de insuflar seus partidários e justificar sua enfermidade. Na

215. Idem, p.25.

216. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Comandante

Hugo Chávez en la Asamblea Nacional. Caracas, 13 de enero de 2012. Disponivel em:

http://aristobulo.psuv.org.ve/2012/01/13/canpana/discurso-del-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-

venezuela-comandante-hugo-chavez-en-la-asamblea-nacional/#.VPNe0vnF-1w (acesso em 1o de março

de 2015).

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realidade, lançar dúvidas sobre a própria doença, ou mesmo dizer que seria muito

estranho Chávez morrer de câncer aos 58 anos, tal como grande parte de seus

partidários acredita, combinava com o ponto de vista do governo da Venezuela segundo

o qual o Libertador também havia morrido em circunstâncias consideradas ‘duvidosas’.

É indispensável frisar que para o regime quanto mais aproximar a imagem de

Chávez com a de Bolívar mais estratégico era. Dessa forma, buscava-se legitimar a tese

de continuidade da obra de um (Bolívar) pelo outro (Chávez). Durante 14 anos, este

esforço em ‘igualar’ Chávez com Bolívar foi fundamental para que o culto ao prócer

proporcionasse resultados em favor de quem estivesse no poder no momento. Tudo isto

foi fundamental para que ganhasse 4 eleições presidenciais, utilizando-se da imagem de

um ‘Bolívar reencarnado’, ou o ‘segundo libertador’ da Venezuela, pensamento

compartilhado por uma parcela da sociedade venezuelana.

Este fenômeno tornou-se evidente durante a cobertura oficialista do velório de

Chávez e do cortejo pelas ruas de Caracas. Sob sol escaldante, uma multidão de

partidários seguiu o caixão do presidente e haviam aqueles que desejavam colocá-lo no

Panteão Nacional ao lado de Simón Bolívar. Alguns deles diziam abertamente: Chávez

foi o ‘segundo libertador’ que a Venezuela teve217. A forma como Bolívar morreu, seja

assassinado ou não, combinava com a imagem de um Chávez convalescente em virtude

de uma enfermidade de tratamento complicado e responsável por levar muitos

indivíduos à morte. Ou seja, na visão dos partidários do regime, a dramaticidade da

morte do Libertador combinava com a dramaticidade da morte de Chávez.

Entretanto, Bolívar não morreu assassinado e tampouco é possível provar que

Chávez também faleceu desta maneira. Mas, a convalescência de ambos, provada pela

historiografia, ajuda a reforçar a dramaticidade em torno da figura destes dois líderes.

Este ‘apelo a dramaticidade’ já vinha sendo feito pelo regime quando o

presidente foi diagnosticado com câncer. Ademais, é possível afirmar que com a

impossibilidade de provar a hipótese de assassinato de Bolívar, o regime se aproveitou

das incertezas incrementadas pelo documento forense (descrito acima) a fim de

enfatizar a ‘inverdade’ no tocante ao fato do Libertador ter morrido tuberculoso. Na

visão dos partidários do governo, isso legitimaria a tese calcada na hipótese de

assassinato. Sem contar com a importância da divulgação dos resultados em 2012, pois

217. VALENCIA. Valencianos se concentraron para recordar al presidente. Correo del Orinoco. Caracas,

7 de marzo de 2013, p.13, No 1.253.

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se tratava de um momento eminentemente estratégico. Em outubro haveria eleições

presidenciais e Chávez concorreria pela quarta vez à presidência.

Neste sentido, utilizar os resultados das análises nos ossos de Bolívar, ainda que

não fosse o desejado pelo regime, fazia com que explorar o culto ao Libertador se

tornasse algo ainda mais estratégico, sobretudo ante os novos fatos surgidos a partir dos

resultados feitos nos exames de DNA. Portanto, a dramaticidades envolvendo a figura

de Simón Bolívar, somado a comoção em meio ao câncer do presidente Chávez, foi

utilizado como um fator aglutinador para que ele saísse mais uma vez vitorioso de uma

eleição em outubro de 2012.

Contudo, os resultados obtidos pelo governo Chávez através da exumação dos

ossos de Bolívar não se restringiram a pôr mais dúvidas no que tange as causas que

levaram à morte do prócer, ao torna-lo um personagem histórico-político ainda mais

imerso em polêmicas. Com a impossibilidade de provar categoricamente o assassinato,

o regime encontrou um caminho alternativo. Aproveitando-se das tecnologias

disponíveis no momento (a tecnologia em 3D), encampou um projeto chamado de

‘reconstrução facial’ do que em tese teria sido o rosto de Simón Bolívar.

Além das Forças Armadas, da confluência entre as versões letrada e popular do

culto e da crescente dramatização da figura de Bolívar – por meio da tese de assassinato

–, o regime também tinha como propósito tornar Chávez ainda mais próximo do

Libertador, ou seja, fisicamente parecido a ele. Este assunto é tratado no próximo item.

2.4 – Um mestiço de nariz ancha: o Simón Bolívar do presidente Hugo Chávez

Mesmo com a impossibilidade de provar categoricamente que Bolívar havia sido

assassinado por seus inimigos, os ossos do Libertador, exumados do Panteão Nacional

em julho de 2010, foram analisados por especialistas contratados pelo governo

venezuelano. Para além das especulações e incertezas provocadas e incrementadas por

meio do Informe divulgado pelos médicos e peritos forenses com base nos resultados

dos exames, o governo do presidente Hugo Chávez viu-se obrigado a abandonar a

estratégia de provar o assassinato do pai da pátria. Porém, as intenções não haviam sido

deixadas de lado. Ou seja, reforçar o culto a figura de Simón Bolívar continuou sendo o

objetivo do regime, para lhe outorgar mais dramaticidade e, consequentemente,

aproximar a figura do Libertador com a do presidente no poder, sobretudo após Chávez

ser diagnosticado com câncer.

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A doença fez com que reduzisse o ativismo em viagens pelo interior da

Venezuela, justamente quando a campanha eleitoral de 2012 se aproximava. Neste

cenário, explorar o culto a Bolívar, ao atrelar cada vez mais a imagem de Chávez com a

do prócer, como se o presidente fosse o ‘segundo Libertador’ ou até mesmo a sua

reencarnação, tornou-se uma alternativa ainda mais estratégica.

Dessa forma, o governo venezuelano decidiu se concentrar na tarefa de

reconstruir o rosto de Bolívar através do uso de tecnologias em terceira dimensão (3D),

tendo como modelo o crânio que havia sido exumado junto com o esqueleto do

Libertador em julho de 2010. Com as tecnologias disponíveis entre os anos de 2010 e

2012, o governo de Chávez se propôs a revisar as imagens de retratos pintadas do

Libertador no século XIX, com o propósito de provar se realmente condiziam ou não

com seu rosto. Além disso, é importante frisar que o governo Chávez possuía

praticamente uma ‘obsessão’ em provar a ‘verdade’, sobretudo se esta versão dos fatos

fosse condizente com o pensamento ou com os propósitos estabelecidos pelo regime.

No tocante ao rosto do Libertador, o governo elaborou suas hipóteses com base

no questionamento da autenticidade dos retratos de Bolívar feitos no século XIX, se ele

realmente possuía o nariz e o cabelo condizentes com os retratos pintados na época218.

Para tanto, Chávez lançou a tese de que a historiografia oficial havia branqueado o

Libertador, personagem histórico-político pertencente a elite criolla. Esta tese era

legitimada pelo fato de Bolívar possuir mestiçagem, constatada por meio de

investigações feitas em sua árvore genealógica. Na visão do historiador John Lynch,

The [Bolívar] family linage has been scoured for sings of race mixture

in a society of whites, Indians and blacks, where neighbors were

sensitive to the slightest variant, but, in spite of dubious evidence

dating from 1673, the Bolívars were always whites219.

Na atualidade, há um relativo consenso entre os historiadores de que Simón

Bolívar realmente possuía mestiçagem com sangue indígena e negro. Todavia, com base

na reflexão acima feita por Lynch (2006), naquela época, qualquer traço que pudesse

demonstrar mestiçagem na família seria plenamente escondido. Isso explica a escassez

de documentos capazes de comprovar a mistura com sangue indígena e negro, exceto

nas minuciosas análises da árvore genealógica do Libertador. Por isso, nos documentos

218. DAVIES, Vanessa. Chávez mostrará hoy la cara del Libertador. Correo del Orinoco. Caracas, 24 de

julio de 2012, p.3, No 1.035.

219. “A linhagem da família [Bolívar] tem sido marcada pela mistura racial em uma sociedade de

brancos, indígenas e negros, onde vizinhos eram sensíveis às mínimas diferenças, mas, apesar das

suspeitas datadas de 1673, os Bolívar sempre foram brancos” (LYNCH, John. Simon Bolívar: a life, p.xi).

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e cartas produzidos pela família Bolívar não há qualquer menção sobre raça ou cor de

seus membros.

Em uma sociedade altamente estratificada e racista como a venezuelana entre os

séculos XVI e XIX, onde mestiços, índios e negros eram considerados indivíduos não

pertencentes a sociedade, é perfeitamente compreensível qualquer esforço para esconder

algum tipo de mestiçagem que comprometesse a ‘pureza’ de sangue de uma

determinada família ilustre, ainda que esta ‘mistura’ fosse mínima e genealogicamente

distante. Tal como destacam as fontes históricas, o pai de Simón Bolívar, Juan Vicente

Bolívar y Ponte (1726-1786), possuía mestiçagem. Porém, seus traços físicos

‘escondiam’ qualquer miscigenação, pois seu fenótipo era descrito como um indivíduo

branco, com cabelos claros e olhos azuis.

Durante grande parte da construção teórica do culto a Bolívar, ou seja, de 1842

até 1970 quando foi publicado o livro El culto a Bolívar de Carrera Damas, o assunto

mestiçagem foi deixado de lado pelos autores, em razão da escassez de fontes

documentais (cartas, principalmente) que fizessem referência a qualquer tipo de mistura

com sangue negro e/ou indígena. Durante esse período, não era interessante representar

um rico de nascimento, pertencente a elite criolla e personagem mais fecundo da

historiografia venezuelana, como um indivíduo mestiço. Por isso, durante um longo

período a historiografia contribuiu no processo de santificação, dramatização e

branqueamento do Libertador.

Seguindo este raciocínio, a crítica feita por Hugo Chávez na maneira como

descreviam o Libertador, ou seja, ignorando seus traços mestiços, era justificável.

Todavia, entre 1999 e 2013 esta forma através da qual representavam o Libertador havia

sido relativamente superada e os traços de mestiçagem de Bolívar já eram admitidos

pelos autores que refletiram sobre a complexa vida e obra do prócer. Apesar disso, as

críticas de Chávez não cessaram e, até a sua morte em 2013, ele continuou sendo um

crítico voraz da grande maioria dos autores que haviam escrito sobre o herói da

Independência desde 1842.

Porém, esta insistência em desqualificar a historiografia venezuelana pode ser

explicada no fato de Chávez ter difundido a tese de que ela havia sido um instrumento,

utilizado pela elite que o precedeu, para dominar a população e mascarar as disparidades

sociais do país. Na verdade, entre 1999 e 2013 havia uma disputa, travada no campo

histórico-político, que envolvia o presidente Chávez contra inúmeros historiadores

venezuelanos, pois eles se posicionavam como críticos do presidente e de seu

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bolivarianismo, representados pela Academia Nacional de História. Esta disputa teve

como fastígio a retirada dos arquivos do Libertador dos domínios da Academia, tal

como destacado no item anterior.

Apesar de toda a polêmica alimentada durante a era Chávez, na visão de um

historiador que estudou a vida e a obra do prócer, o francês Pierre Vayssière, as origens

familiares do Libertador são capazes de colocá-lo como alguém da elite de Caracas, por

mais que houvesse dúvidas sobre a ‘pureza’ de sangue. Os Bolívar eram poderosos,

possuíam muitas terras, minas e escravos. Ainda que qualquer ‘mistura’ houvesse sido

admitida, o Libertador e sua família não poderiam ser considerados ‘mestiços comuns’.

Embora pouco demonstrada documentalmente, Vayssière (2008) confirma: “[…] Simón

Bolívar era, como todo buen criollo, de sangre americana, es decir, café con leche: un

blanco con mestizaje indio por parte de su abuelo, y mulato por parte de su abuela

Petronila” 220.

Porém, as raízes genealógicas do Libertador são extremamente complexas. Ele

descende de uma família de espanhóis vindos do país Vasco, uma região da Espanha

anexada ao Reino de Castilla por volta de 1379. Em 1587, Simón Bolíbar221 (o mais

antigo descendente do Libertador a constar nos documentos) foi nomeado procurador do

então cabildo de Caracas por ordem do famoso Rei Felipe II. A partir daí, os Bolíbar se

instituíram na região de Caracas e se enriqueceram ao mesmo tempo em que a elite

criolla negociava melhores condições comerciais à colônia, frente ao rígido pacto

colonial estabelecido pela Metrópole. Após três gerações, tem-se registro de Juan de

Bolíbar y Villegas, avô daquele que se tornaria o Libertador e a quem se atribuía já

possuir sangue indígena. Bolíbar y Villegas contraiu matrimônio com Maria Petronila

de Ponte y Martín, a quem se atribui possuir sangue negro. Apesar disso, Bolívar y

Villegas chegou ao posto de capitão-geral da Venezuela.

Com base no descrito acima, observa-se a complexidade em analisar as origens

genealógicas do Libertador, sem contar com a rígida, preconceituosa e excludente

sociedade colonial em relação as ‘pessoas de cor’. Segundo Vayssière (2008),

220. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.39.

221. Com base nos documentos escritos na época em que os primeiros antepassados do Libertador

chegaram à América, por volta de 1587, o sobrenome Bolívar se escrevia com ‘b’ (Bolíbar). Era sua

forma considerada ‘original’ vinda da região Vasca (ou Basca) da península Ibérica e anexada ao Reino

da Espanha. Esta grafia permaneceu por três gerações da família Bolíbar e não foram encontradas fontes

capazes de explicar a razão pela qual a mudança foi feita. Entretanto, ao que consta nos documentos, a

grafia foi alterada a partir do pai do Libertador, Juan Vicente Bolívar, quando o ‘b’ foi substituído pelo

‘v’. Porém, na pronúncia em língua espanhola, a diferença de som entre ambas as letras é praticamente

nula e se restringe a uma alteração de ordem gráfica.

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No hacemos esta referencia al árbol genealógico de Simón Bolívar

para exaltar su linaje, sino para señalar la complejidad de sus raíces.

Era español y vasco por la sangre de sus antepasados, y también por

sus profesiones: procurador, capitán general de Venezuela,

administrador de finanzas. Pero Simón también era “americano” por

la sangre indígena y negra de sus abuelos, por sus actividades de

labradores y empresarios, y sin duda, también por esa frustración

original de los criollos, que siempre buscaban el reconocimiento de

su condición de ciudadanos americanos por parte de la madre

patria222.

Embora sejam escassas as fontes documentais que tratam de questões raciais na

família Bolívar, há um fato histórico que ajuda a evidenciar e comprovar de uma forma

mais exata a existência de mestiçagem: a negação do título de marquês justamente em

razão de dúvidas no tocante à ‘pureza racial’ dos Bolívar. Tudo começou com o mestiço

avô do Libertador, Juan de Bolíbar y Villegas. Em 1737, ele comprou dos frades do

monastério catalão de Montserrat o título de Marquês de San Luis por 22.000 dobrões

de ouro. No entanto, o processo de concessão do título ficou embargado na Espanha por

haver suspeitas no tocante a ‘pureza de sangue’ do comprador, algo inaceitável na visão

da nobreza espanhola, porém, muito comum nas colônias americanas223.

Juan Bolíbar y Villegas morreu sem obter a honraria e seus descendentes

decidiram não reaver o título de marquês, talvez para evitar que se investigasse mais

profundamente a árvore genealógica da família e descobrisse algo que pudesse ser

prejudicial à imagem da ilustre e rica família de Caracas. Após a morte de Juan Vicente

Bolívar, pai do Libertador, a viúva Maria Teresa Concepción Palácios tentou novamente

reaver aos filhos o título comprado pelo sogro, mas sem sucesso. Poucos anos depois

ela também faleceu vítima de tuberculose e a ideia do marquesado foi abandonada.

Segundo a biógrafa Marie Arana:

Juan Vicente de Bolívar [...] tinha todo o direito de usar aquele título e

denominar-se marquês de San Luis, mas não o fez. Para ele era o

bastante ser um Bolívar, o descendente de tantos Bolívar ricos e

ilustres antes dele; era o bastante ter domínio sobre amplas posses que

herdara. No entanto, quando Juan Vicente morreu e dona Concepción

resolveu tentar oficializar o marquesado para seus filhos, soube afinal

que a árvore genealógica dos Bolívar não era tão pura224.

A história do Libertador é controversa, sua origem genealógica é complexa e

toda a polêmica em que sua figura esteve historicamente envolvida foi potencializada

222. VAYSSIÈRE, Pierre. Simón Bolívar, p.41.

223. Idem, p.39.

224. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.26.

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111

por se tratar do assunto mais fecundo da historiografia do país. Além disso, a

abordagem do culto ao Libertador envolve interesses de grupos que se encontram no

poder em determinado momento histórico, no caso analisado a gestão do presidente

Hugo Chávez. Por isso, ela atinge uma função estratégica que transcende a mera

divergência de interpretação do passado de uma determinada figura histórica ou mesmo

de um país.

Com base em toda esta polêmica, o presidente Chávez se apropriou desta

discussão com a finalidade de reforçar o culto ao Libertador e se manter no poder. Neste

aspecto, a estratégia utilizada por este presidente não pode ser considerada inovadora.

No entanto, ao longo de seus 14 anos na presidência, Chávez se destacou como uma

figura carismática e que contava com massivo apoio popular, o que lhe foi estratégico

em conseguir suficiente suporte institucional para exumar os restos mortais do

Libertador, algo que alguns políticos venezuelanos já haviam tentado, porém não

tinham obtido apoio político suficiente. É justamente na exumação e no que pôde ser

feito a partir das análises nos ossos de Simón Bolívar que se encontra o caráter

considerado ‘inédito’ no bolivarianismo de Chávez: a reconstrução facial do que teria

sido o rosto de Simón Bolívar.

Ao mesmo tempo em que o procedimento estava sendo realizado, o cenário

político venezuelano não permaneceu estático. A polarização, sob a qual o país esteve

submetido desde a década de 1980 e intensificada a partir de 1999, fazia com que o

cenário político venezuelano fosse extremamente volátil. Após ser diagnosticado com

câncer, somado a aproximação das eleições presidenciais de outubro de 2012, Chávez e

seus colaboradores rapidamente se encontraram diante de uma situação complicada.

A oposição, por sua vez, estava se organizando em torno da Mesa de Unidade

Democrática (MUD), coalizão de partidos políticos oposicionistas que visava lançar

candidatura única à presidência da República. Ela acabou se consolidando em torno de

Henrique Capriles Radonski. Chávez estava com sua capacidade física limitada devido

ao tratamento contra o câncer e, por fim, a Revolução Bolivariana há algum tempo

havia se transformado em um processo político viável apenas sob o comando de um só

homem. Há alguns anos que a Revolução vinha se legitimando com base na ideia de um

‘presidente vitalício’, algo que havia sido defendido por Simón Bolívar no projeto de

Constituição da Bolívia de 1825225.

225. A Emenda à reeleição sem limites de 2009 e as eleições presidências de 2012 será discutida com

mais profundidade no Capítulo 4.

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112

Em um cenário político de imensa disputa e eleições cada vez mais próximas,

qualquer notícia relativa ao Libertador poderia ser algo a favor de um determinado

candidato. Foi neste momento que começou a se espalhar pelas mídias oposicionistas a

hipótese de que o candidato adversário de Chávez, Henrique Capriles, poderia ser um

descendente longínquo do Libertador, um sobrinho oitavo de Bolívar, notícia não

coincidentemente difundida com mais intensidade após ser indicado o candidato da

coalizão MUD. Em matéria publicada no jornal colombiano El Tiempo (crítico do

governo Chávez), o historiador venezuelano Antonio Herrera-Vaillant, concluiu, por

meio de estudos genealógicos, que Henrique Capriles seria sobrinho oitavo do prócer,

descendente de Juan Agustín Bolívar, um meio-irmão bastardo do Libertador que havia

sido ‘reconhecido’ como filho de Juan Vicente Bolívar226. Segundo o artigo, “[…] es

una ironía, sin duda, que justo la descendencia de la familia Bolívar sea la que está

tratando de cambiar al gobierno ‘bolivariano’ del presidente Chávez”227.

Este fato foi o suficiente para ascender uma acalorada discussão, provocada em

razão da existência e da construção histórica do culto em torno de Simón Bolívar. Isso

outorgou imensa repercussão ao assunto, o que não aconteceria se estivesse sido

atribuído parentesco de Capriles com qualquer outro personagem histórico venezuelano.

Embora nos bastidores o burburinho fosse notável, Chávez tratou o assunto inicialmente

com cautela e a família de Capriles não se pronunciou publicamente no tocante ao

trabalho do historiador Antonio Herrera-Vaillant. Este ‘compasso de espera’ do

presidente da República tinha uma explicação. Não havia como negar que Chávez era

um político habilidoso, por isso esperou a ocasião considerada a mais adequada a fim de

se pronunciar publicamente sobre o pretenso parentesco do adversário com Bolívar.

Este momento era 24 de julho de 2012, justamente quando expôs publicamente o

quadro em 3D com o rosto do Libertador228. Ou seja, a notícia, considerada

‘bombástica’ na visão de muitos meios de comunicação e de adversários do presidente,

foi neutralizada pelo evento promovido pelo governo da Venezuela a fim de reforçar o

culto a Bolívar em favor da pessoa que estava no poder naquele momento. A estratégia

utilizada pelo presidente foi ironizar a situação e optou por não questionar o parentesco.

Preferiu se fundamentar em fatos históricos que enfatizam a falta de ‘virtudes’ dos

226. O pai do Libertador teve filhos bastardos. Isso pode ser provado com base na pequena quantia em

dinheiro que deixou em seu testamento aos filhos que teve fora do matrimônio com a mãe de Simón.

227. LARES MARTIZ, Valentina. Henrique Capriles sería sobrino octavo de Simón Bolívar. El Tiempo.

Bogotá, 23 de Julio de 2012. Disponível em: http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-

12056383 (acesso em 14 de outubro de 2015).

228. Ver: Imagem 6, no Anexo.

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sobrinhos de Bolívar em comparação com as ‘proezas’ históricas atribuídas ao tio.

Ademais, havia uma carta escrita pelo Libertador repreendendo o comportamento de um

de seus sobrinhos. Sem nomear o candidato oposicionista, Chávez ironizou a situação:

Hace pocas horas se está hablando de un sobrino octavo de Bolívar

[risos] [...] Había que decir que el sobrino primero de Bolívar, fíjense

la línea de los sobrinos de Bolívar, se llamaba Fernando Bolívar, y

sería bueno leer la carta que Simón Bolívar le escribe a su sobrino

primero, no al octavo porque no lo conoció [risos], conoció al

primero. El sobrino primero de Bolívar era un, era un joven de muy

mala conducta y Bolívar lo reprime […]. En Bogotá le gustaba mucho

jugar, el dinero, el licor, etcétera. Estudió varios años en los Estados

Unidos y regresó a Bogotá, pero no ha hecho nada […]229.

Entende-se, portanto, o motivo pelo qual Chávez ironizou o fato e, sobretudo,

criticou a suposta má conduta de Fernando Bolívar, o sobrinho mais próximo do

Libertador e considerado pouco ‘glorioso’ pelo presidente. Neste caso, era mais

estratégico a Chávez não questionar o suposto parentesco, mas reforçá-lo em certa

medida a fim de atribuir os defeitos deste sobrinho ao candidato da oposição. Ou seja,

Bolívar seria representado pelo presidente, enquanto Capriles Radonski seria mais um

de seus sobrinhos com má conduta. Nesta mesma ocasião, Chávez foi ainda mais longe.

Questionou a conduta do sobrinho primeiro de Bolívar durante a tentativa de

assassinato, sofrida pelo prócer em Bogotá, em setembro de 1828. Chávez pontuou o

fato de Fernando ter se escondido enquanto Bolívar e Manuela Sáenz (amante do

Libertador) fugiam (ou enfrentavam seus algozes), o caracterizando como alguém de

postura covarde e traidora.

[…] la actitud del sobrino primero quedó muy cuestionada, su

conducta pues, la noche esta de septiembre. Lo menos que fue, dice

algún historiador, fue un cobarde, porque se metió en un cuarto, y

salió fue después que pasó todo. Y acompañó a Bolívar hasta Santa

Marta. Pero al poquito tiempo estaba aquí en Caracas, y escribió una

biografía, no de su tío, el gigante, sino escribió una biografía muy

complaciente de José Antonio Páez, a quien […] terminó hundiéndose

en la ciénaga de la traición […]230.

Todavia, há de se fazer uma ressalva. É sabido que ao longo de seu mandato o

presidente Chávez nem sempre construía seu raciocínio com base em uma exatidão

229. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º

Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar

(acesso em 26 de fevereiro de 2016).

230. Idem.

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historiográfica, pois estava desprovido de uma consistente consciência histórica e

muitas vezes apresentava uma visão generalizante destes fatos. Porém, a historiografia

venezuelana demonstra a relação Bolívar-sobrinhos de uma forma menos tendenciosa.

Conforme relatam as fontes, vários sobrinhos e parentes do Libertador serviram no

exército republicano durante as batalhas pela Independência. Juana Bolívar, uma de

suas irmãs, havia perdido o marido e o filho de nome Guillermo231 em batalhas travadas

em favor da liberdade da América e da glória de seu irmão mais novo.

Contudo, na descrição acima que fez do sobrinho do Libertador, Chávez nomeou

o sobrinho errado. De fato, Fernando Bolívar, filho de Juan Vicente Bolívar Palácios,

irmão mais velho do Libertador, acompanhou o tio em várias ocasiões e ao que tudo

indica estava com ele no leito de morte em 17 de dezembro de 1830, em Santa Marta, e

durante o atentado de setembro de 1828 em Bogotá. Porém, não há documentos em que

Bolívar repreende o sobrinho Fernando, com quem o Libertador possuía grande

proximidade, sobretudo após a morte do irmão Juan Vicente em um acidente náutico em

agosto de 1811232.

Apesar da ‘confusão’, Chávez tinha razão ao dizer que o Libertador havia

repreendido publicamente um de seus sobrinhos, mas não era Fernando. Tratava-se de

Anacleto Clemente Bolívar e, ao contrário do que Chávez havia dito, ele era filho da

irmã de Bolívar, María Antonia Bolívar. Em Lima, na data de 29 de maio de 1826,

Simón Bolívar realmente escreveu uma carta a Anacleto pedindo que ele retornasse à

Caracas, pois sua conduta considerada dissoluta (o vício do jogo) estava sendo

prejudicial à imagem da ilustre família. O Libertador chegou a ameaçar deserdá-lo, caso

não mudasse o seu comportamento e voltasse à Caracas para junto de sua esposa233.

Esta pretensa ‘confusão’, ou mesmo a menção aos sobrinhos do Libertador era

nitidamente um pano de fundo. O objetivo de Chávez não era atingi-los, mas

desqualificá-los com o propósito de desacreditar o provável sobrinho oitavo de Bolívar:

o candidato oposicionista Henrique Capriles. Ademais, a proximidade com as eleições

presidenciais de outubro de 2012 esquentava ainda mais o acirrado cenário político

venezuelano. A má conduta dos sobrinhos de Bolívar deveria ser transferida ao

candidato da oposição, para provocar desconfianças no tocante a sua postura enquanto

figura pública.

231. ARANA, Marie. Bolívar: o Libertador da América, p.262.

232. Idem, p.112-113.

233. BOLÍVAR, Simón. Carta de El Libertador al sobrino Anacleto Clemente Bolívar. Lima, 29 de mayo

de 1826, p.290.

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Esta ofensiva não cessou. Durante uma caravana do candidato Chávez em

Caracas, no dia 26 de julho de 2012, presidente foi questionado por uma jornalista sobre

o suposto parentesco do candidato Capriles com o Libertador. Visivelmente irritado

com a pergunta, Hugo Chávez foi enfático:

[…] el sobrino octavo debe ser peor, pero el primero se llamaba

Fernando Bolívar ¡que terrible ese Bolívar! Terrible, algunos incluso

dicen que pudo haber participado en el atentado septembrino del 25

de septiembre de 1828 y después estuvo hasta el final con su tío, pero

su tío siempre lo reprendió porque era borracho, era jugador, le

gustaba la plata, era un corrupto en verdad lamentablemente. Ahora

vamos a suponer que sea cierto que el candidato burgués pudiera

serlo […] Entonces qué es lo que quiere el sobrino octavo, el sobrino

octavo debe ser peor que el primero, 8 veces peor234.

Este suposto parentesco com Bolívar poderia beneficiar Capriles eleitoralmente.

Mas isso não aconteceu. Chávez possuía uma extraordinária habilidade política em

reverter situações desvantajosas para vantajosamente aproveitável, inclusive já havia

lidado com situações semelhantes durante seu mandato e, na maioria das vezes,

conseguia o almejado. Por isso, o presidente enfatizou que, caso fosse verídico o

parentesco, o provável sobrinho deveria ser oito vezes pior do que o primeiro.

O suposto parentesco do candidato oposicionista com Bolívar, somado ao

conturbado e tenso cenário político venezuelano, servia como mais uma justificativa

para a reação do presidente Chávez em uma situação de enfrentamento com a oposição.

Portanto, é fato que Chávez ainda possuía um ‘trunfo’: a reconstrução facial do suposto

rosto de Bolívar. Foram utilizadas todas as ferramentas disponíveis no Estado (mídia

estatal, recursos para financiar as análises forenses de peritos na reconstrução de

imagens em ossos humanos, funcionários do Estado, etc.) a fim de reforçar o culto a

Bolívar em favor do presidente Hugo Chávez.

O propósito seria desqualificar a oposição e se inserir com robustez nas eleições

de outubro de 2012, em vista de um presidente fisicamente enfraquecido. As limitações

físicas faziam com que quanto mais próximo Chávez estivesse de Simón Bolívar,

poderia diminuir o ritmo intenso de comícios e caminhadas pelos bairros populares das

cidades venezuelanas. Portanto, na reconstrução facial computadorizada, realizada em

julho de 2012, os traços de mestiçagem presentes em Bolívar foram bastante enfatizados

234. CHÁVEZ, Hugo. Declaraciones, caravana y concentración del Candidato de la Patria Hugo

Chávez en el Distrito Capital. Caracas, 26 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/258-declaraciones-caravana-y-concentracion-del-candidato-de-la-

patria-hugo-chavez-en-el-distrito-capital (acesso em 9 de maio de 2016).

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ao ponto de tornar o Libertador mais mestiço do que provavelmente ele tivesse sido. Na

imagem exposta ao público durante o evento, o Libertador aparece com a pele

levemente escura. Ou seja, Bolívar foi representado como um indivíduo

afrodescendente e de nariz ancha. Um Libertador mestiço, de nariz ancha e com pele

morena era igualmente compatível com o presidente Chávez, um indivíduo

declaradamente mestiço, cabelo afrodescendente, cor de pele morena e nariz ancha.

Esta semelhança física entre o presidente Chávez e o Libertador estava longe de

ser uma coincidência. Em matéria da Folha de S. Paulo, a análise foi enfática neste

sentido: “Chávez reivindica que seu projeto político vai completar o sonho de

Independência de Bolívar e o governo não perde a oportunidade de promover ligação

entre os dois”235. Ademais, Chávez também reivindicava para sua liderança o papel de

representar os povos autóctones venezuelanos, historicamente marginalizados na

estrutura social do país. Portanto, justificou-se toda aparelhagem institucional envolvida

na reconstrução facial, devido a relevância estratégica do acontecimento ao regime.

Por isso, o governo do presidente Chávez fez o anúncio do rosto do Libertador

em 24 de julho de 2012, exatamente no dia em que se comemorava o 229o (ducentésimo

vigésimo nono) nascimento do prócer. O evento era tratado como um assunto de Estado

e com a preponderância exigida. Um dia antes da exposição, Chávez fez questão de se

dirigir à população, através dos meios de comunicações oficiais, para anunciar que

mostraria o rosto ‘verdadeiro’ do Libertador no dia seguinte. Preparava o cenário,

principalmente a opinião pública, no intuito de prestarem atenção em sua imagem e o

Libertador seria um instrumento com o qual atingiria este propósito. Em matéria

publicada no Correo del Orinoco, um cenário de expectativa foi criado ao afirmar que o

presidente estava prestes a mostrar algo impressionante: o mais próximo do que poderia

ter sido uma foto do rosto do Libertador236.

Além disso, por meio dos partidários de Chávez, atos públicos foram realizados

em várias partes do país em honra ao prócer. Pessoas se aglomeraram na casa onde

viveu o Libertador com sua família, tiravam fotos e circulavam pelo histórico imóvel.

Conforme noticiou-se: “todos los espacios de la residencia que alguna vez acogió a la

235. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez faz cerimônia na TV para apresentar “Bolívar 3D”.

Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2012, p.14, No 30.429.

236. DAVIES, Vanessa. Chávez divulgará resultados preliminares de investigación sobre muerte de

Bolívar. Correo del Orinoco. Caracas, 23 de julio de 2012, p.3, No 1.034.

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familia Bolívar estaban colmados de gente que se tomaba fotos para el recuerdo o

registraba en sus celulares los objetos, los frisos y las pinturas del lugar”237.

O evento que mostrou o rosto do Libertador contou com a presença de quase

todas as autoridades da Venezuela ligadas ao presidente e havia link ao vivo com o

Panteão Nacional. Alguns peritos que participaram do processo de reconstrução fizeram

uma exposição para explicar algumas etapas do processo. Mas, de acordo com o

Informe divulgado pelo próprio governo venezuelano no tocante a reconstrução facial

em 3D do resto do Libertador, a técnica era inovadora. Sendo assim, poderia ser

imprecisa. Cientistas espanhóis utilizaram como base de dados uma tecnologia chamada

de “full HD”, segundo a qual permite obter uma imagem em alta qualidade de uma

escultura real de determinado rosto, por meio de modelos físicos, no caso o crânio de

Bolívar exumado em julho de 2010.

O procedimento computadorizado era chamado de software generalista, mas

respeitaria a imagem da pessoa de quem se desejasse reconstruir. No entanto, não foi

somente o crânio do Libertador que foi utilizado como modelo. Foram recolhidas fotos

de homens venezuelanos, com idades entre 40 e 45 anos, para aferir o tom de pele de

Bolívar. Também foi utilizado como base indivíduos do sexo masculino da mesma faixa

etária que possuíam problemas respiratórios. Por fim, os cientistas utilizaram imagens

de Simón Bolívar pintadas em telas no século XIX238, as mesmas que Chávez tanto

criticou, acusando-as de representarem o prócer de uma forma mentirosa, isto é, de

pintá-lo branco e de olhos azuis. Mas, o ápice de um evento oficial na Venezuela deste

período era o discurso de Chávez. Em sua longa intervenção, afirmou categoricamente

que o Libertador era um mestiço:

Y Bolívar tenía rasgos también negroides, afro-descendientes, para

ser más exactos ¿ves? Y está en su genética pues; […] Bolívar era así,

era mestizo, pues, era mestizo […] Y en otros cuadros lo pintan casi

que catire, ojos azules […]. Esa es la manera como las burguesías y

sus intelectuales, y hasta sus pintores, se prestaron para

transformarlos a muchos de nuestros héroes, hasta transformarlo

físicamente en la memoria histórica, pues239.

237. ORTIZ, Carlos. Bolívar volvió a movilizar a multitudes en el centro de Caracas. Correo del Orinoco.

Caracas, 25 de julio de 2012, p.5, No 1.036.

238. VENEZUELA. Informe sobre la reconstrucción facial 3D de El Libertador Simón Bolívar.

República Bolivariana de Venezuela. Caracas, julio de 2012.

239. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º

Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar

(acesso em 26 de fevereiro de 2016).

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Chávez fazia o inverso do que havia sido feito pela elite que ele tanto criticava e

atribuía a ela todos os males do país: ao invés de branqueá-lo, Chávez mestiçou ainda

mais o Libertador. Contudo, tanto na era Chávez quanto nos governos que o

precederam, o objetivo continuou sendo exatamente o mesmo: se apropriar da imagem

de Simón Bolívar e do culto a fim de manter no poder determinada figura política. Se a

elite racista branqueava o Libertador, o presidente Chávez o mestiçou ainda mais, se

apropriou do culto e legitimou este processo com base em fatos históricos que realmente

comprovam sua mestiçagem. Conforme trouxe em reportagem especial, o Correo del

Orinoco descreveu, ainda que subliminarmente, as intenções do regime e a forma como

visualizariam o Libertador a partir daquela data.

Era un hombre de nariz ancha; más ancha de lo que muestran los

retratos del siglo XIX. Tenía una generosa cabellera, labios delgados

y ojos oscuros. Así era el Libertador Simón Bolívar, de acuerdo con la

reconstrucción de su rostro en 3D presentada ayer por el mandatario

Hugo Chávez en transmisión conjunta de radio y televisión desde el

salón Ayacucho del Palacio de Miraflores240.

Esta ‘manobra histórica’ realizada pelo presidente Chávez era mais eficiente do

que a estratégia utilizada pela elite que o precedeu. Conforme atestam os autores

problematizados ao longo deste item, o Libertador realmente possuía mestiçagem em

sua árvore genealógica, porém suas características físicas não eram semelhantes as do

presidente Hugo Chávez. É precipitado afirmar que Bolívar possuía um nariz ancha.

Apesar disso, o objetivo da reconstrução facial estava nítido na abordagem realizada

pelo regime: provar que o Libertador era mais mestiço do que demonstravam as pinturas

e os documentos históricos. Isso colocaria o presidente Chávez no patamar de alguém

ainda mais próximo do Libertador e, portanto, mais digno de continuar sua obra, libertar

o povo da Venezuela em nome de Bolívar e, principalmente, de seguir na presidência.

Do ponto de visa histórico, a reconstrução do rosto de Bolívar foi um evento

com o propósito de mostrar o Bolívar do presidente Chávez e, consequentemente,

legitimá-lo no poder a cada aparição. Embora Chávez não tivesse dito em seu discurso

que Bolívar era um mestiço igual a ele, a mensagem subliminar estava nitidamente

colocada, ainda mais no ano de 2012 em que ocorreriam eleições a presidente e a

governadores.

240. DAVIES, Vanessa. Chávez presentó el rostro de Bolívar: era un hombre mestizo y de nariz ancha.

Correo del Orinoco. Caracas, 25 de julio de 2012, p.2, No 1.036.

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A finalidade da reconstrução facial do Libertador esteve imersa na forma como

ela foi apresentada pelo próprio presidente. Aliá-lo com a figura de Bolívar vinha sendo

estratégico desde quando surgiu no cenário político em fevereiro de 1992. Um Bolívar

mestiço e de nariz ancha era justamente a melhor maneira de representá-lo. O nariz, a

cor de pele e o tipo físico eram justamente as características físicas do presidente Hugo

Chávez. Se Bolívar possuía ou não esta face apresentada pelo governo é algo que ainda

necessita de uma avaliação mais precisa. Entretanto, com base no analisado ao longo

deste item, o Bolívar do presidente Hugo Chávez deveria ser ‘sua imagem e

semelhança’, para assim continuar como a figura política essencial, senão indispensável,

à Revolução Bolivariana.

Considerações finais do capítulo

O culto a Bolívar não é um fenômeno histórico-político simples, pois a

complexidade inerente a este personagem foi transferida de igual maneira ao culto

formado em torno de sua figura. Desde 1842, todos os presidentes venezuelanos

prestaram uma acrítica homenagem ao herói da Independência, cada um deles em

distintos graus de intensidade. Mas, na era Chávez, há de se considerar as bases sob as

quais se fundamentaram a sua versão, distintas em relação a seus antecessores em razão

da inevitável ação do tempo histórico nos fenômenos sócio-políticos.

A história da Venezuela é militarizada e marcada por tensões, saídas apressadas

de presidentes, golpes e contragolpes de Estado. Um militar ocupando o poder não era

algo inédito no país. Entretanto, um membro das Forças Armadas eleito presidente,

ancorado em um movimento popular que pôs fim a um período de quarenta anos de

governos civis, era algo considerado ‘inédito’ na história da Venezuela. Chávez

ascendeu ao poder com o maciço apoio dos militares de baixa-patente e, na presidência,

restituiu-lhes o direito ao voto por meio da Constituição promulgada em 1999. Portanto,

o bolivarianismo de Chávez foi um bolivarianismo militar, em razão da crescente

influência das Forças Armadas nas decisões políticas. A era Chávez demonstrou que a

ação do militarismo na cultura política da Venezuela não havia sido anulada, embora

houvesse sido despendido um esforço em amainá-la durante os quarenta anos de

domínio civil.

Apesar da maciça influência dos militares, a Revolução Bolivariana não pode ser

considerada como um processo exclusivamente militar. A parcela civil de seu

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eleitorado, bem como de seus apoiadores, foi importantíssima no êxito das políticas

implantadas pelo regime. Com vistas a agregar também a parcela não militar, o

presidente Chávez apostou na confluência entre as versões popular e a letrada do culto

ao prócer. Historicamente construídas, ambas as formas de bolivarianismos eram

fenômenos recorrentes na realidade social venezuelana. Entretanto, Chávez as trouxe

para a esfera do poder, institucionalizando práticas inerentes ao bolivarianismo popular,

a exemplo do culto praticado ao herói da Independência na Montanha da Sorte.

Por outro lado, o governo de Chávez esforçou-se em popularizar certos assuntos

inerentes ao bolivarianismo letrado, ao retirar os arquivos que haviam pertencido a

Bolívar dos domínios da ANH. Embora esta atitude tenha provocado tensões políticas e

o desagrado de historiadores críticos do regime, serviu para popularizar um tipo de culto

ao Libertador outrora restrito à sua versão letrada e, consequentemente, a uma elite

letrada. Ademais, o governo também investiu maciçamente na publicação de livros,

revistas e jornais que difundissem o pensamento bolivariano, seja ele em análises feitas

por ‘especialistas’, ou a publicação de textos originais escritos por Bolívar.

Outro ponto importante na análise das bases do bolivarianismo da era Chávez foi

a exumação dos ossos do Libertador. Tratou-se de uma iniciativa estratégica ao

presidente, sobretudo após ser diagnosticado com câncer. O questionamento das causas

da morte do herói da Independência, justificativa legitimadora da exumação, teve um

grande valor simbólico. Embora o objetivo inicial não foi atingido, ou seja, não se

comprovou que o Libertador havia sido assassinado, a exumação pode ser considerada

um ato exitoso do governo, em razão de ter posto em dúvida as causas que levaram à

morte de Simon Bolívar, por mais que não tenham embasado a versão do grupo político

no poder naquele momento.

A exumação pode não ter comprovado o assassinato, porém, permitiu a

reconstrução facial. A elite que precedeu Chávez havia feito um esforço para negar a

mestiçagem do Libertador. Ela se mantinha no poder através da representação de um

Simón Bolívar branco. Chávez fez o movimento contrário, passou a representá-lo como

um mestiço, moreno e de nariz ancha, características consideradas as mais estratégicas

ao regime, pois combinava com o Chávez mestiço, moreno e de nariz ancha.

Após a problematização das bases que orientaram o culto a Bolívar na era

Chávez, faz-se necessário destacar como o bolivarianismo influenciou na postura de

Hugo Chávez enquanto figura política e presidente da República, assunto discutido no

próximo capítulo.

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CAPÍTULO 3

Hugo Chávez como o continuador da obra de Simón Bolívar

Introdução

Este capítulo objetiva analisar como o culto ao Libertador influenciou na postura

de Hugo Chávez enquanto presidente da República, com base na seguinte perspectiva:

Chávez se posicionou no cenário político como o continuador da obra de Simón

Bolívar, iniciada no século XIX, e retomada por meio de sua tentativa de golpe de 4 de

fevereiro de 1992 e consolidada com sua chegada ao poder em 1999.

Esta postura foi essencial a Chávez nos primeiros anos de governo, quando

houve o delicado processo da Constituinte e o golpe de Estado que o retirou

temporariamente da presidência em abril de 2002. Hugo Chávez era uma figura política

carismática241, capaz de mobilizar grande parte da sociedade venezuelana. Portanto,

construiu a imagem de que continuava a obra de Bolívar, pois a junção de carisma com

o culto ao personagem histórico-político mais notório da Venezuela o permitiu

mobilizar a maioria dos venezuelanos em favor de sua permanência no poder,

imaginário extremamente forte nos setores sociais mais pobres.

Todavia, em três momentos esta postura de continuador da obra de Simón

Bolívar foi essencial à chegada e à permanência de Chávez no poder. Primeiro, a

rebelião militar de 4 de fevereiro de 1992. Chávez conseguiu construir a imagem de que

a fracassada tentativa de golpe havia sido realizada em nome de Simón Bolívar,

acontecimento essencial para viabilizá-lo eleitoralmente em 1998. Segundo, a

Constituição promulgada em dezembro de 1999. A nova Carta Magna, com a qual o

regime dizia formar um Estado bolivariano, consolidou o projeto de poder de Chávez,

ao argumentar que instituía uma Constituição revisada daquela apresentada pelo

Libertador ao Congresso de Angostura de 1819 e que havia sido ‘desvirtuada’ pelos

congressistas instalados naquela cidade.

241. A categoria de carisma é fundamentada na perspectiva weberiana, como um ‘tipo puro’ de

dominação construído em virtude da devoção à pessoa em razão de heroísmo, poder intelectual e de

oratória (WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima, p.134-135).

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122

Terceiro, a retomada do poder após sofrer um golpe de Estado em abril de 2002.

Na visão construída pelo regime, a reação que culminou na saída temporária do

presidente foi um ato contra Bolívar e o continuador de sua obra.

3.1 – A tentativa de golpe de Estado em 1992: um por ahora a Bolívar e uma vitória

a Chávez

A Revolução Bolivariana pode ser entendida como o processo político

desencadeado na Venezuela após a ascensão de Hugo Chávez à presidência em

fevereiro de 1999. Porém, os desdobramentos que proporcionaram sua viabilização no

cenário político reportam a fatos anteriores a esta data. A subida do ex-tenente-coronel à

presidência outorgou um status diferenciado ao processo, pois ascendia aquele líder ao

comando do Estado Nacional, o mais alto cargo eletivo da República, com expressiva

votação. Os acontecimentos que viabilizaram sua ascensão não podem ser desprezados,

pois influenciaram em sua postura enquanto líder e presidente da República, ou seja, se

colocou como um continuador da obra de Simón Bolívar, interrompida no século XIX

com a morte do Libertador. Neste cenário, o culto a Bolívar conferiu legitimidade a esta

postura em razão da forma considerada exitosa como Chávez transformava a retórica

bolivariana em vantagem no cenário político.

Tudo isto começou a ganhar uma forma mais nítida em 4 de fevereiro de 1992,

quando Chávez tentou chegar ao poder através de um golpe de Estado. Na época

tenente-coronel paraquedista do Exército, comandou um movimento de militares

insurgentes que se autodenominava bolivariano. O propósito era destituir o presidente

Carlos Andrés Pérez, prender o alto-comando das Forças Armadas, enviar ordens ao

país de que haveria um novo governo de transição242 e, por fim, elaborar uma nova

Constituição.

Todavia, o movimento fracassou e Chávez foi enviado à prisão junto com alguns

de seus colaboradores. Ao contrário do que poderia ser interpretado naquela época,

Chávez foi o grande vitorioso com os desdobramentos ocorridos a partir do 4 de

fevereiro, acontecimento crucial na compreensão da história recente da Venezuela. De

acordo com os insurgentes, a rebelião teria sido realizada em nome de Simón Bolívar,

por meio da interpretação que possuíam acerca do legado deixado pelo Libertador, o

242. CHAVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.136-139.

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qual colocaria as Forças Armadas e, em especial os militares bolivarianos, como

guardiães da liberdade da pátria.

Ao liderar as guerras pela Independência no século XIX, Bolívar entendia o

papel do soldado como estratégico à manutenção da Independência, conforme

explicitou ao ser proclamado Libertador pela Assembleia Popular de Caracas em 2 de

janeiro de 1814: “los oficiales, los soldados del ejército, ved ahí los libertadores; ved

ahí los que reclaman la gratitud nacional. Vosotros conocéis bien los autores de

vuestra restauración: esos valerosos soldados; esos jefes impertérritos”243. Em sua

última proclama escrita em Santa Marta em 10 de dezembro de 1830, o prócer insistiu:

“los militares empleando su espada en defender las garantias sociales”244.

Este conjunto de pensamento, desde então, foi difundido nas Forças Armadas

venezuelanas, pois o culto a Bolívar e suas palavras são essenciais na identidade das

instituições militares do país. Sendo assim, durante toda a era Chávez, em várias

oportunidades o presidente relembrou estas palavras ditas em 1830 a fim de justificar a

rebelião de 1992245. Essa atitude do presidente, vislumbrada como uma estratégia a fim

de ‘justificar’ uma ação violenta, pode ser entendida com base na observação feita por

Hobsbawm: “a história como inspiração e ideologia tem uma tendência embutida a se

tornar mito de auto justificação. Não existe venda para os olhos mais perigosa que esta,

como o demonstra a história das nações e nacionalismo modernos” 246.

Embora o historiador inglês, ao fazer esta análise, estivesse pensando a Europa e

suas relações com os países asiáticos, sua observação também serve para pensar a forma

com o presidente Chávez utilizou a história do personagem mais fecundo da

historiografia venezuelana com o propósito de justificar sua fracassada tentativa de

tomar o poder por meio de um golpe de Estado.

No entanto, este movimento militar não pode ser entendido como um evento

isolado e não planejado, tampouco se limitou a expressar um repentino

descontentamento de alguns militares com a crise estrutural vivida pela Venezuela

naquele momento. Antes de tentarem tomar violentamente o poder, os militares

243. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado por el Libertador en la Asamblea Popular. Caracas, 2 de

Enero de 1814, p.44.

244. BOLÍVAR, Simón. Ultima proclama: el legado de Bolívar para sus compatriotas de Colombia la

Grande – venezolanos, colombianos, ecuatorianos, panameños – y para los pueblos todos de América.

Hacienda San Pedro. Santa Marta, 10 de diciembre de 1830, p.391.

245. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del desfile militar en conmemoración del 4 de febrero. Paseo Los Próceres. Caracas, 4

de febrero de 1999, p.41.

246. HOBSBAWM, Eric. Sobre história, p.60.

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autointitulados bolivarianos desenvolveram suas atividades e as planejaram por meio de

um organizado grupo existente no interior das Forças Armadas, chamado de Movimento

Bolivariano Revolucionário 200 (MBR-200). Criado em dezembro de 1982, ou seja, 10

anos antes da rebelião, o MBR-200 foi fundado e liderado por Hugo Chávez. Dessa

forma, sua trajetória nas Forças Armadas está intimamente ligada as atividades neste

movimento que apresenta uma história de surgimento controversa, sendo narrada sob

uma perspectiva romântica e saudosista por seus partícipes.

Em 1982, este grupo possuía o nome de Exército Bolivariano Revolucionário

200 (EBR 200) e não se inspirava somente em Bolívar. O E representava Ezequiel

Zamora (1817-1860), líder campesino do século XIX que lutou na Guerra Federal

(1858-1863). O B fazia referência a Bolívar, considerado o pai da pátria e o R

representava Simón Rodriguez (1769-1854), professor de Bolívar e conhecido

pedagogo da época que adotava o pseudônimo de Samuel Robinson. Estas seriam as

‘três raízes’ do movimento liderado por Chávez, mais tarde chamado de projeto

robinsoniano.

Conforme difundiu-se em seu Libro Azul, elaborado pelo MBR-200 pouco antes

de tentar a intervenção militar, tratava-se de um projeto com o propósito de formar um

‘Estado bolivariano’. Segundo Chávez, esse era o projeto de nação que havia sido

derrotado pela oligarquia em 1830 com a morte do Libertador e seria ressignificado por

intermédio daquele movimento. Conforme o destacado, a função de colocar as

propostas defendidas pelo movimento como o ressurgimento dos ideais defendidos pelo

Libertador é explicita:

Este proyecto ha renacido entre los escombros y se levanta ahora, a

finales del silgo XX, apoyado en un modelo teórico-político que

condensa los elementos conceptuales determinantes del pensamiento

de aquellos tres preclaros venezolanos, el cual se conocerá en delante

como sistema EBR, el árbol de las Tres Raíces: la E, de Ezequiel

Zamora; la B, de Bolívar y la R, de Robinson. Tal proyecto siempre

derrotado hasta ahora, tiene un encuentro pendiente con la

victoria247.

A formação do MBR-200 pode ser entendida como uma ‘resposta’ de um

segmento politicamente relevante na sociedade venezuelana (os militares) a uma crise

estrutural instalada nas instituições do país. Este cenário se agravaria ao longo das

décadas de 1980 e 1990, o que culminou na tentativa de golpe de 1992 e na ascensão de

Chávez à presidência em 1998.

247. CHÁVEZ, Hugo. El libro azul, p.13.

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Com base em Baczko (1985), este movimento dos militares venezuelanos pode

ser entendido como uma ‘resposta’, fornecida por determinada sociedade, aos

desequilíbrios sociais, pois, “no domínio social, as produções imaginárias, em particular

os mitos, constituem outras tantas respostas dadas pelas sociedades aos seus

desequilíbrios, as tensões no interior das estruturas sociais e as eventuais ameaças de

violência”248. Em razão da crise estrutural vivida pela Venezuela nas décadas de 1980 e

1990, é compreensível que o MBR-200 fosse ganhando adesão de vários militares, em

especial os de baixa patente. Discretamente, seus dirigentes também estabeleceram

ligações com militantes dos partidos de esquerda e com ex-guerrilheiros, a exemplo de

Douglas Bravo.

Contudo, enquanto ideia, este movimento começou a ser gestado alguns anos

antes. Em 1974, um grupo de alunos da Academia Militar Venezuelana (dentre eles o

cadete Chávez) foi enviado ao Peru em um evento com o propósito de comemorar os

150 anos da Batalha de Ayacucho (1824). Entre 1968 e 1975, o Peru foi governado pelo

general Juan Velasco Alvarado, um regime pouco democrático instalado através de um

golpe de Estado. No entanto, a gestão Alvarado era ao mesmo tempo nacionalista e

possuía medidas consideradas progressistas para a época, como expropriação de

empresas norte-americanas, política de valorização da cultura indígena e a uma tímida

reforma agrária249.

De acordo com Rénique (2009), a liderança cívico-militar de Alvarado

proporcionou à sociedade peruana experimentações sem precedentes. Foram instituídas

algumas formas alternativas de propriedade como a cogestão e a autogestão territorial.

Restabeleceu-se as comunidades indígenas e formou-se uma imprensa socializada. O

objetivo seria formar o ‘homem novo’ e a ‘nova sociedade’, por meio do incentivo ao

quéchua e a extinção de símbolos imperialistas como o Papai Noel e o Pato Donald250.

Alguns anos mais tarde, Hugo Chávez chamou de ‘grande revelação’ a

experiência de conhecer o processo político em andamento no Peru em 1974, também

chamado de Revolução Nacional Peruana. Vários assuntos, abertamente tratados pelos

militares peruanos, a exemplo de rebelião, revolução nacional e anti-imperialismo, não

eram discutidos entre os cadetes venezuelanos251. Esta experiência se tornou ainda mais

marcante aos cadetes venezuelanos (e a Chávez em especial) quando o próprio

248. BACZKO, Bronislaw. A imaginação social, p.308.

249. UCHOA, Pablo. Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez, p.129.

250. RÉNIQUE, José Luis. A Revolução Peruana, p.127-128.

251. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.43.

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presidente Alvarado se reuniu com eles e os presenteou com o livro oficial do regime,

intitulado A revolução nacional peruana252.

Na mesma ocasião, Chávez e seus colegas conheceram o presidente do Panamá,

general Omar Torrijos, responsável por articular o acordo com os norte-americanos para

devolver o Canal do Panamá ao Estado panamenho. Do encontro com Torrijos e seus

soldados, aliado a toda difusão das políticas nacionalistas de devolução do Canal

contidas na chamada Revolução Panamenha, houve um ‘impacto tremendo’ no cadete

Chávez253. Ademais, Alvarado e Torrijos eram militares e com posturas nacionalista,

mas também se posicionavam como anti-imperialistas no cenário internacional. Para

vários oficiais peruanos e panamenhos que apoiaram a subida de ambos ao poder, havia

chegado a hora da revolução ser feita a partir do Estado-maior254.

Na visão de Ochoa (2003), “o encontro com os dois generais [Alvarado e

Torrijos] foi determinante para Chávez começar a definir o tipo de atuação que

acreditava ser a mais correta para o Exército”255. Ou seja, uma intervenção militar e uma

revolução nacionalista, mas no caso venezuelano elas deveriam ser bolivarianas.

Ao que tudo indica, este pensamento foi reforçado em Chávez, pois ao voltar à

Venezuela e se tornar tenente, ele foi designado para comandar um batalhão no interior

do país onde havia atividades da guerrilha e um cenário de imensa pobreza. Anos mais

tarde, toda aquela situação foi utilizada por Chávez a fim de justificar a tentativa de

golpe de fevereiro de 1992 e legitimar o poder de intervenção exercido pelos militares

na política em momentos de grave crise estrutural.

Imerso naquele pensamento e com a influência do culto a figura de Bolívar

inerente ao pensamento militar venezuelano, Chávez se tornou um líder em potencial de

um movimento capaz de agregar apoio considerável entre os militares. Segundo Jones

(2008), este cenário tornou-se perceptível em dezembro de 1982. Na ocasião, militares

se reuniram em fila no pátio e Chávez se prontificou a fazer um discurso. Iniciavam-se

as atividades em comemoração aos 200 anos de nascimento de Simón Bolívar (1783),

razão pela qual acrescentou-se o número 200 ao Movimento Bolivariano

Revolucionário. No pátio do quartel,

252. O Libro Azul, mencionado acima, tem inspiração no livro oficial do regime de Alvarado, porém,

adaptado a realidade venezuelana, fortemente marcada pelo culto a figura de Simón Bolívar. Durante

muito tempo Chávez carregou o livro presenteado pelo presidente peruano, até perdê-lo quando foi

enviado à prisão em 1992.

253. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.44.

254. RÉNIQUE, José Luis. A Revolução Peruana, p.211.

255. UCHOA, Pablo. Venezuela: a encruzilhada de Hugo Chávez, p.130.

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Chávez fez um pronunciamento inflamado e de teor rebelde,

responsável por chamar a atenção de seus superiores e de seus colegas

soldados. Bolívar continuava vivo, disse, e indignado com a bagunça

que os venezuelanos disseminaram na Venezuela e que os demais

latino-americanos, por sua vez, disseminaram no restante da região256.

Esta ocasião pode ser entendida como a primeira vez que Chávez se colocou

publicamente como o continuador da obra de Simón Bolívar, mas ainda sem se

posicionar explicitamente enquanto tal. No entanto, a primeira impressão provocada

pelo discurso do capitão Chávez não foi positiva para grande parte de seus superiores.

Nem todos haviam gostado do teor do discurso e alguns o acusaram de ter feito um

discurso ‘político’. Nesse momento, entre os militares venezuelanos, o termo ‘político’

era considerado algo pejorativo, pois a política (representada pela figura dos partidos)

estava mal avaliada e atrelada às práticas corruptas. Conforme descreve quase 3 décadas

depois a Ignacio Ramonet, em razão do impacto provocado por seu discurso inflamado

a favor do Libertador e contra os ‘políticos’, Felipe Acosta Carlez, seu colega militar

mais próximo, sugeriu que eles saíssem para correr.

Llamamos también a Jesús Urdaneta y a Raúl Isaías Baudel […]. Nos

fuimos los cuatro a trotar hasta La Placera donde están unas granjas

de pollos y de cochinos. Después, al regresar, nos dirigimos hacia el

monumento a Bolívar del Samán de Güere, que estaba como a dos

kilómetros, y allá, bajo el árbol, hicimos el juramento257.

O monumento ao Libertador existente próximo a árvore Samán de Güere havia

sido construído em razão da historiografia venezuelana apontar que Bolívar havia

dormido com sua tropa naquele local durante a Batalha de Carabobo (1821). De acordo

com Chávez, foi neste dia e ‘diante de Bolívar’ que o MBR-200 foi fundado. Até

mesmo um juramento foi feito pelos quatro jovens oficiais com base no Juramento ao

Monte Sacro, feito por Bolívar em 1805258. A partir deste momento, surgia um

movimento militar que poderia atingir desdobramentos incertos naquele momento.

Militares do alto-comando chegaram a suspeitar que Chávez liderasse um grupo

de oficiais cuja atividade tivesse ligações com ex-guerrilheiros e militantes da esquerda

clandestina. Porém, ao que tudo indica, os superiores desdenharam da capacidade de

inserção do MBR-200 entre os militares e tampouco acreditavam que eles pudessem

chegar ao ponto de promover um golpe de Estado. No entanto, a estratégia da rebelião

256. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.82.

257. CHÁVEZ, Hugo. In: RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.453.

258. BOLÍVAR, Simón. Juramento de Roma. Roma, 15 de agosto de 1805, p.3-4.

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armada foi determinante ao êxito do movimento. Caso o MBR-200 não tivesse tentado

tomar o poder em 1992, seria mais difícil a Chávez atingir a notoriedade suficiente para

vencer as eleições em 1998. Sendo assim, todo o esforço despendido enquanto um

movimento militar clandestino teria mais dificuldades para atingir seu principal

objetivo: chegar ao poder. Em entrevista à Marta Harnecker, Chávez admitiu:

Depois da rebelião de 4 de fevereiro de 1992, o Movimento

Bolivariano Revolucionário deu um salto; até aquele dia, éramos um

movimento militar pequeno, clandestino, um grupo principalmente de

jovens militares, alguns civis, algumas correntes de esquerda que

estavam incorporadas no movimento. Mas, a partir desta data, aquilo

foi, mais do que tudo, uma explosão de sentimentos259.

Ao considerar a formação do MBR-200, somado ao culto a Bolívar, é possível

perceber o porquê dos militares insurgentes justificarem a tentativa de golpe de Estado

de fevereiro de 1992 como sendo uma ‘missão’ realizada em nome de Simón Bolívar.

Esta ‘missão’, pretensamente outorgada pelo Libertador aos militares e parte essencial

de seu culto e legado, costuma aflorar historicamente em momentos de crise no sistema

político da Venezuela. Era exatamente o que acontecia durante o segundo governo de

Carlos Andrés Pérez (1989-1993), quando o país vivia um cenário de crise estrutural e o

presidente havia sido obrigado a implantar austeras medidas de ajuste econômico.

Poucos anos antes da tentativa de golpe, em 27 de fevereiro de 1989, houve uma onda

de protestos em Caracas devido ao aumento nos preços da gasolina em 100%, o que

encareceu as tarifas dos ônibus. Estes distúrbios ficaram conhecidos como Caracazo260.

A população promoveu saques a supermercados e enfrentou a polícia e o Exército nas

ruas da capital.

De acordo com Maringoni (2009), houve aproximadamente 396 mortes, as

forças policiais agiram com truculência e, a partir do Caracazo, a instabilidade política

do país aumentou ao ponto de desencadear na rebelião em 4 de fevereiro de 1992. Ou

seja, o movimento liderado por Chávez aliou o descontentamento popular com esta

implícita missão atribuída aos militares a fim de justificar uma intervenção armada. Sob

tais argumentos, Chávez conseguiu agregar apoio suficiente entre militares de baixa

259. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista concedida por Hugo Chávez Frías a Marta Harnecker. In:

HARNECKER, Marta. Um homem, um povo, p.37.

260. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.74.

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patente261 para desencadear uma tentativa de golpe de Estado, que na prática seria o

intento de derrubar um governo impopular, produto de um combalido sistema político.

Porém, em um dos momentos cruciais da rebelião, Chávez comandou uma tropa

destinada a tomar o Museu Histórico Militar, onde formaria uma base de comando das

operações. Eles entraram sem resistência no local, pois Chávez convenceu o coronel

responsável de que sua tropa seria um reforço à segurança. No entanto, foram cercados

por unidades do Exército leais ao presidente Pérez e os aparelhos de comunicação, com

os quais Chávez emanaria ordens a outros rebeldes espalhados pelo país, foram

retirados do Museu.

Horas depois, o tenente-coronel já admitia que sua tentativa de golpe houvesse

fracassado, mas ainda não tinha se rendido de fato. Como persistiam alguns focos de

resistência no interior do país, Chávez concordou em se render oficialmente desde que

pudesse se pronunciar ao vivo na TV, ao se dirigir a seus subordinados que ainda

resistiam para que se rendessem, sob o argumento de evitar mais ‘derramamento de

sangue’. Altos funcionários do governo Pérez, ainda atordoados com a rebelião militar,

concordaram com a exigência e Chávez pronunciou, ao vivo em rede nacional, as

seguintes palavras:

Antes de mais nada quero dar um bom dia a todo o povo da

Venezuela, mas esta mensagem bolivariana é dirigida aos valentes

soldados que se encontram no regimento de paraquedistas de Aragua e

na brigada de blindados de Valência. Companheiros:

lamentavelmente, por enquanto, os objetivos que nos colocamos não

foram atingidos na capital. Ou seja, nós, aqui em Caracas, não

conseguimos controlar o poder. Vocês o fizeram muito bem por aí,

mas agora é tempo de refletir. Novas situações aparecerão, e o país

deve orientar-se definitivamente rumo a um destino melhor. Assim,

escutem minha palavra. Escutem o comandante Chávez, que lhes

lança esta mensagem para que, por favor, reflitam e deponham as

armas, porque já, na verdade, os objetivos que traçamos em nível

nacional são impossíveis de alcançar. Companheiros: ouçam esta

mensagem solidária. Agradeço-lhes a lealdade, valentia, o

desprendimento. Eu, ante o país e ante vocês, assumo a

responsabilidade deste movimento militar bolivariano. Muito

Obrigado262.

Quando os altos funcionários do governo Pérez autorizaram Chávez a falar ao

vivo na televisão, não tinham noção do impacto que suas breves palavras provocariam

261. O chamado COMACATE, sigla que junta o começo das palavras coronéis, majores, capitães e

tenentes.

262. CHÁVEZ, Hugo. Pronunciamento do tenente-coronel Hugo Chávez em cadeia nacional. In:

UCHOA, Pablo. A encruzilhada de Hugo Chávez, p.165. Grifo do autor.

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no sistema político. Tampouco sabiam que estavam em vias de abrir espaço a um

potencial líder carismático, antipartidário e com incrível capacidade de comunicação

com as massas. Menos ainda previram que o levante militar disporia de considerável

aceitabilidade por parte do eleitorado venezuelano, descontente com o sistema político.

Na verdade, não há fontes capazes de indicar que Chávez também tivesse a exata noção

da amplitude provocada por suas breves palavras, menos ainda da projeção que lograria

a partir daquele acontecimento.

Em 1992 havia uma crise instalada nas instituições venezuelanas, terreno

favorável ao surgimento de líderes políticos deste perfil e desfavorável ao presidente

Andrés Pérez, que acabou sendo deposto pelo Congresso Nacional sob a acusação de

corrupção e evasão de divisas em 1993. Na esteira do levante militar, o ex-presidente

Rafael Caldera, destacada figura na política venezuelana e um dos articuladores

políticos do Pacto de Punto Fijo em 1958, apresentou uma visão considerada

condescendente para com os militares insurgentes.

Conforme demonstra o publicado no jornal venezuelano El Nacional, as

divergências do ex-presidente e senador vitalício Rafael Caldera em relação a seus

colegas eram perceptíveis. O Senado havia aprovado (em comissão interna, sem debate

em plenário) um documento que condenava o levante militar e apoiava as medidas de

suspensão das garantias constitucionais tomadas pelo governo Pérez. Contudo, Caldera

se ausentou das discussões na comissão e tomou a palavra para pedir que o governo

exercesse com ponderação as faculdades jurídicas que suspendiam as garantiras

constitucionais. Além disso, o líder do Copei surpreendeu quando disse não haver

provas suficientes para afirmar que os insurgentes tinham o propósito de assassinar o

presidente Pérez. Preferiu, portanto, considerar aquele movimento militar um produto

das debilidades da democracia venezuelana263.

Líderes estrangeiros, que haviam se solidarizado com o presidente Pérez, foram

criticados por Caldera: “[Caldera] dijo que esos presidentes de países avanzados deben

saber que la democracia no puede existir si el pueblo no come. Habló entonces de la

deuda externa, los problemas de corrupción y de los servicios públicos que no

funcionan” 264.

263. SUBERO, Carlos. Objeciones de Caldera provocaron el debate. El Universal. Caracas, 5 de febrero

de 1992, p.18. Depositado en: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas

– República Bolivariana de Venezuela.

264. Idem.

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131

Caldera começou a se auto intitular como a ‘verdadeira’ oposição diante da crise

vigente e do governo de transição comandado por Ramon Velásquez, investido no cargo

após a destituição de Carlos Andrés Pérez265. A postura do ex-presidente foi rechaçada

por grande parte da elite dirigente do momento. Até membros de seu partido (Copei)

demonstravam ressalvas no tocante a este raciocínio. Estas divergências forçaram a

saída de Caldera da legenda, que formou outra agremiação, denominada de

convergéncia266. Além disso, ao falar da fome, da corrupção e dos serviços públicos que

não funcionavam, usava os mesmos argumentos que os insurgentes haviam utilizado

para tentar derrubar o governo. Tais palavras, ditas por alguém com considerável peso

histórico-político na Venezuela do momento, foram entendidas como uma absolvição

pública aos rebelados. Este fato se concretizou quando, alguns meses após retornar à

presidência, Caldera libertou da prisão Chávez e seus colaboradores.

Na visão de Rafael Villa, Caldera foi o único dirigente da elite tradicional

venezuelana a compreender que, tanto o Caracazo de 1989 quanto a tentativa de golpe

de 1992, não haviam sido eventos circunstanciais, ou insuflados por figuras

aventureiras. Refletiam o descontentamento político e social dos venezuelanos para com

a ineficácia das instituições democráticas267. Mas, para Hugo Chávez, o segundo

governo Caldera (1994-1998) seria um “filho indesejado do 4 de fevereiro”268. De certa

forma o ex-tenente-coronel tinha razão, pois o experiente político havia se aproveitado

da aceitabilidade que o levante militar possuía em parte do eleitorado para vencer as

eleições presidenciais de 1993.

Contudo, a situação política não se acalmou no segundo governo Caldera.

Embora tenha libertado Chávez e seus colaboradores em março de 1994, os insurgentes

se posicionaram de forma incisivamente crítica em relação ao governo de Caldera. Em

entrevista a Blanco Muñoz, realizada pouco tempo depois de ter deixado a prisão,

Chávez afirmou que o presidente não terminaria seu mandato, pois havia cometido

265. VINCENZO, Teresa de. Soy visto como la verdadera oposición. El Universal. Caracas, 11 de marzo

de 1992, p.1. Depositado en: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas –

República Bolivariana de Venezuela.

266. A saída de Caldera não pode ser explicada apenas pelo fato de membros do partido discordarem de

sua posição em relação aos militares golpistas de 1992. Havia um desgaste no sistema partidário

venezuelano daquele momento que prejudicava eleitoralmente os candidatos das agremiações que vinham

dominando o sistema político desde 1958. Para não se prejudicar no pleito de 1993, Caldera decidiu

abandonar o Copei e fundar outro partido para se viabilizar eleitoralmente.

267. VILLA, Rafael. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez, p158.

268. CHÁVEZ, Hugo. El 4 de febrero sigue más vivo que nunca. Caracas, 4 de febrero de 1996. In:

RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.150.

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vários delitos de “ordem econômica”, que entregaram os recursos do Estado, levaram o

país à fome e à miséria, o que caracterizava um crime de “traição à pátria”269.

Nesse momento, Chávez optava pela postura abstencionista e uma visão

negativa da estratégia de chegar ao poder através de eleições. Seus partidários haviam

feito campanha para que os eleitores não fossem votar no pleito de 1993. Em 1995,

afirmou de forma categórica: “[…] Si mañana yo ando de candidato para cualquier

cargo político y no se han dado los cambios suficientes, que me fusilen”270.

Embora fracassado militarmente, o 4 de fevereiro beneficiou Chávez e seu

movimento. As tentativas dos governos venezuelanos de neutralizá-los os enviando à

prisão fracassou, pois provocou um efeito totalmente contrário ao desejado pelo

governo venezuelano do momento. Ou seja, colocou os militares insurgentes ainda mais

em evidência no cenário político. Eles passaram a ser vistos como uma viável

alternativa frente à crise estrutural instalada nas instituições do país. Conforme pontuou

Gott (2004), Chávez era até então um desconhecido e depois do discurso em cadeia

nacional se tornou um “salvador da pátria em potencial”, paradoxalmente em um nítido

momento de derrota pessoal271. Isso significa que uma derrota sob o aspecto militar se

transformou em uma grande vitória em seu sentido político.

Este pronunciamento em rede nacional pode ser entendido como a ‘entrada’ –

posteriormente descrita como triunfal – de Chávez no cenário político da Venezuela.

Mais do que isso, este evento foi marcado pela inclusão de Chávez no imaginário

popular do venezuelano e da nação venezuelana, entendida como uma comunidade

política imaginada, limitada e ao mesmo tempo soberana, conforme define Benedict

Anderson. Embora grande parte da população de um país não se conheça, todos se

reúnem por uma comunhão formada a partir de uma comunidade imaginada em seu

sentido político272. Com base nesse raciocínio, é compreensível que, mesmo sem se

conhecerem, ou ao menos conhecerem o militar insurgente que repentinamente

apareceu ao vivo na TV, muitos venezuelanos se identificaram com aquele personagem

de farda, boina vermelha e de rosto mestiço. Tratou-se da associação do imaginário,

construído em torno do tenente-coronel, com o poder de mobilização que o próprio

havia conseguido, sem uma sólida explicação aparente, a partir daquela ‘rendição

midiática’ em 4 de fevereiro de 1992.

269. CHÁVEZ, Hugo. In: BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 08D-98, p.285-286.

270. Idem, p.291.

271. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.102.

272. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas, p.32.

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133

Isto pôde ser percebido por meio das palavras ditas pelo tenente-coronel rendido,

a exemplo do por enquanto (por ahora), interpretado como uma pausa nas pretensões de

êxito do movimento, mas que voltaria, tanto que se tornou uma das principais frases de

efeito na campanha à presidência de 1998. Além disso, Chávez começou seu

pronunciamento dizendo ser uma “mensagem bolivariana” e concluiu assumindo a

responsabilidade pela liderança de um “movimento militar bolivariano”.

A partir das consequências provocadas pelo levante, Chávez chegou ao poder, o

sistema político erigido em 1958 foi desmantelado pela Carta Magna de 1999 e uma

nova abordagem acerca da figura de Simón Bolívar (a realizada por Chávez) se tornou a

oficial do regime. Tratou-se, portanto, de um acontecimento crucial ao entendimento da

realidade venezuelana, pois seus desdobramentos apresentam consequências à realidade

atual do país.

O 4 de fevereiro permitiu a Chávez atingir uma notoriedade política capaz de

viabilizá-lo à presidência da República. Por isso, durante os 14 anos na presidência, a

data sempre foi comemorada e tratada como oficial pelo regime. Em 2004, com o

propósito de celebrar seus 12 anos, Chávez reconheceu a importância do movimento

para o processo político chamado de Revolução Bolivariana e, em especial, à sua

trajetória política.

Com o propósito de outorgar ainda mais importância à data, construiu o seguinte

raciocínio: sem este acontecimento todas as conquistas do regime ficariam

inviabilizadas, citando como exemplos a Constituição de 1999, que fundou a República

Bolivariana, e os programas sociais implantados em sua gestão, as Missões Sociais.

Ademais, aquele evento foi estratégico a Chávez ao enfatizar as conquistas sociais

obtidas pelo regime até o momento, pois em agosto de 2004 ele enfrentaria um

Referendo Revocatório de seu mandato, o qual poderia retirá-lo da presidência caso não

conseguisse vencer273. Aos seus ministros e colaboradores militares, foi ainda mais

apelativo, pois afirmou que sem o 4 de fevereiro eles não estariam ocupando os cargos

em que estavam naquele momento274. Ou seja, o processo político comandado por

Chávez, junto a toda abordagem do culto a figura de Bolívar, ficaria inviabilizado sem

aquela tentativa de golpe de Estado.

273. O referendo revocatório vencido por Chávez em agosto de 2004 é discutido no Capítulo 4.

274. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del XII aniversario del 4 de febrero de 1992. Hipódromo La

Rinconada. Caracas, 4 de febrero de 2004, p.99-100.

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A posição estratégica ocupada pela data na Revolução Bolivariana tornou-se

perceptível desde o princípio. O presidente não apenas exaltava e defendia a rebelião

militar, como também conseguiu lhe outorgar legitimidade perante grande parte da

opinião pública. Esta legitimidade atendia pelo nome de Simón Bolívar. A retórica

presidencial construiu o raciocínio de que o 4 de fevereiro significou o renascimento ou

o ressurgimento do Libertador, através de um movimento comandado por alguém

(Chávez) que iria continuar sua obra, iniciada no século XIX e que havia sido

interrompida pela elite no poder de 1830 a 1998. Tratava-se de uma eficaz leitura,

realizada pelo regime, e propagada pelos discursos de Chávez e pelos órgãos

oficialistas. Em pronunciamento para celebrar os 11 anos da rebelião, foi enfático:

El verdadero Bolívar, el Bolívar del pueblo, el Bolívar revolucionario,

renació el 4 de febrero de 1992, salió de la oscuridad, salió de la

tumba y está aquí con nosotros, hecho pueblo […] La madrugada del

4 de febrero volvió Bolívar el verdadero275.

A “volta do Bolívar verdadeiro” seria o Bolívar de Chávez ou a leitura que o

presidente fazia dos ideais pregados pelo Libertador no século XIX e que tinha no

próprio Chávez o responsável por continuá-la. Além disso, ao se referir ao ‘Bolívar

revolucionário’, Chávez enfatizava a abordagem do Libertador feita pelo regime atual,

com o propósito de se diferenciar daquelas interpretações do legado do prócer feitas

pelos presidentes que o antecederam. Segundo Chávez, Bolívar havia sido interpretado

historicamente de maneira ‘mentirosa’ pela oligarquia que tomou o poder após 1830.

Durante a era Chávez, o 4 de fevereiro foi denominado o Dia da Dignidade

Nacional. Tratava-se, portanto, de uma data oficial de comemorações do regime com

desfiles e paradas militares. Sempre quando discursava para relembrar o acontecimento,

Chávez fazia questão de ler o nome de vários militares mortos durante aquela ação, os

colocando no patamar de heróis nacionais. Minimizava o impacto das mortes perante as

famílias, ao afirmar que suas vidas haviam sido interrompidas bruscamente em nome de

uma causa maior. Tal atitude não se limitava a defender os militares que se insurgiram

contra um governo impopular e corrupto, pois esta era uma tarefa relativamente fácil, ao

considerar a enorme crise enfrentada e a impopularidade do governo Pérez em 1992.

Tratava-se, portanto, de legitimar uma ação violenta e que provocou mortes, tarefa de

certa forma delicada, mas que Chávez conseguia fazer como poucos.

275. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Poliedro de Caracas. Caracas, 4 de

febrero de 2003, p.142.

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135

Na visão do presidente, as Forças Armadas intervieram em nome de Simón

Bolívar e em uma situação de crise. Com este raciocínio, conseguiu convencer grande

parte do eleitorado venezuelano de que esta tese era a verdadeira, motivo pelo qual

mudou a estratégia de chegar ao poder, pois aceitou disputar eleições presidenciais e as

venceu em 4 oportunidades. Da crucial ‘intervenção bolivariana’ de 1992 surgiu um

líder capaz de continuar a obra do pai da pátria. Foi por meio desta interpretação que o

culto a Bolívar na era Chávez influenciou na maneira como o presidente se posicionou

no cenário político, ou seja, a forma mais eficaz de continuar no poder e manter as

políticas redistributivas do regime.

Ao longo de seu mandato, o presidente da Venezuela começou a difundir que o 4

de fevereiro havia dividido em dois a história do país. Além de ter marcado o

‘renascimento’ do Libertador (conforme repetia incessantemente), também se esforçou

em fazer uma releitura histórica do perfil do movimento. O propósito seria fazer com

que a rebelião passasse a ser vista como algo não restrito aos militares, ao contrário do

que o próprio Chávez havia dito em sua rendição de 1992, quando assumiu a

responsabilidade pelo movimento militar bolivariano. Para tanto, começou a denominar

o 4 de fevereiro de rebelião cívico-militar e a palavra cívico, que remete à participação

civil na ação, poderia ser considerada uma tentativa de outorgar um perfil popular a uma

rebelião que havia sido exclusivamente militar. Com isso, visava legitimar a tese de que

o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 contava com a colaboração de civis,

principalmente de ex-guerrilheiros e militantes de partidos de esquerda. É certo que eles

participavam, mas eram minoria. O MBR-200 era dominado pelos militares

pertencentes às Forças Armadas da Venezuela e estrategicamente comando por Chávez.

A ideia de que a rebelião havia sido um movimento também civil e popular é

pouco consensual na Venezuela e apresenta inúmeros críticos que continuam a

interpretar aquela tentativa de golpe como um movimento exclusivamente militar,

desprovido de participação popular, razão pela qual explicam seu fracasso.

Este raciocínio é reforçado por Douglas Bravo, ex-guerrilheiro que chegou a se

reunir com Chávez na década de 1980 quando os militares bolivarianos desenvolviam

suas atividades no MBR-200. Na visão de Bravo, ao conceder uma entrevista 20 anos

depois do ocorrido, o 4 de fevereiro foi uma ação militarista, sem apoio popular e as

armas não foram entregues ao povo, contrariando o que havia sido planejado durante

aproximadamente 10 anos pelo MBR-200. Na mesma oportunidade, Bravo ainda disse

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136

que o governo de Chávez era uma continuação dos governos anteriores (de Punto Fijo),

mas em seu sentido militarista276.

Embora haja críticas, o esforço de revisar o perfil do movimento a fim de

colocá-lo no patamar de algo civil, popular e bolivariano, era parte do esforço contínuo

de legitimar e justificar esta ação violenta, que visava tomar o poder através de um

golpe de Estado. Ademais, sendo Bolívar e o culto ao Libertador algo atrelado à

identidade e à cultura popular da Venezuela, colocar o estratégico acontecimento no

patamar de um movimento também popular o tornaria ainda mais bolivariano, o que

beneficiaria Chávez e seu regime.

Em matéria publicada em 2010 no Correo del Orinoco, ao comemorar os 18

anos da rebelião, o presidente da Venezuela difundiu a tese de que esta intervenção

militar havia evitado um golpe de Estado de direita, que segundo ele, estava sendo

orquestrado no interior das Forças Armadas. Não há fontes que legitimam tal tese,

porém Chávez a difundiu com o propósito de encontrar mais um motivo no intuito de

justificar o 4 de fevereiro. Além disso, neste ano a Venezuela passaria por eleições

legislativas em setembro e a oposição lançaria seus candidatos, diferente da errônea

estratégia adotada em 2005 quando retirou suas candidaturas e o parlamento foi

composto por 100% de partidários do presidente Chávez. Nessa mesma ocasião, o líder

venezuelano aproveitou para atrelar à oposição a estratégia da violência, que seria

segundo ele neutralizada pelas ‘armas de Bolívar’, restituídas ao povo pelo presidente

venezuelano277.

O fato é que frequentemente Chávez se defrontava com a questão da

legitimidade do 4 de fevereiro. Porém, ele parecia se sentir confortável em responder

sobre aquele evento, pois se tratava de uma excelente oportunidade para construir

longas explicações, sempre seguindo o raciocínio de que o movimento era justificável,

pois havia marcado a ‘volta’ de Bolívar ao cenário político. Em agosto de 2011, ao ser

novamente perguntado sobre a pertinência da insurreição militar de 1992, afirmou:

[…] Era absolutamente necesario. Y yo creo que la historia lo ha

confirmado, y ojalá lo termine de confirmar de manera definitiva. El 4

de febrero era un hecho necesario, y además, inevitable […]278.

276. BRAVO, Douglas. El 4-F fue una acción militarista sin participación popular. Correo del Orinoco.

Caracas, 4 de febrero de 2012, p.25, No 871.

277. PRENSA PRESIDENCIAL. Después de 18 años resucitó el socialismo con el pueblo y los soldados

de Bolívar. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2010, p.2, No 158.

278. CHÁVEZ, Hugo. Yo soy así. Caracas, 7 de agosto de 2011. In: RANGEL, José Vicente. De Yare a

Miraflores, p.371.

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137

Nesse período, o governo de Chávez passava por um momento delicado em

razão do diagnóstico de câncer do presidente, anunciado em junho, o que o obrigou a se

submeter a um árduo tratamento em Cuba e passar longos períodos fora da Venezuela.

A partir deste momento, começou a outorgar explicitamente um caráter vanguardista e

messiânico à rebelião de 1992. Considerou este acontecimento uma ‘vanguarda

mundial’, responsável por impedir o crescimento das políticas neoliberais, que segundo

Chávez colocaria a Venezuela em posição de colônia das grandes potências279. A partir

disso, era possível identificar o caráter messiânico de seu raciocínio, pois afirmava que

ele e seus comandados haviam ‘salvado’ o país deste infortúnio (neoliberalismo)

quando promoveram a insurreição militar de 1992.

Na última vez em que se pronunciou em cadeira nacional ante ao Conselho de

Ministros, Chávez afirmou: “[…] llegamos al 4 de febrero como de milagro”280. Ao

comemorar os 20 anos da ação em 4 de fevereiro de 2012, Chávez disse que a história

não somente havia dado como sempre daria razão a eles, mais uma vez legitimando a

rebelião281. Com todo este raciocínio, o presidente parecia compor os últimos

argumentos de seu legado, ou talvez, seria a forma pela qual gostaria de ser lembrado na

história da Venezuela e do mundo. Por mais que Chávez insistisse em negar, seu estado

de saúde era delicado e a doença afetava sua disposição física e mental.

Mesmo assim, em 2012, se candidatou pela quarta vez à presidência da

República e a necessidade de enfatizar os feitos e a legitimidade da Revolução

Bolivariana tornava-se cada vez mais necessária. Chávez acabou sendo reeleito em

outubro de 2012, porém não chegou a tomar posse. Em 4 de fevereiro de 2013, ele se

encontrava em Havana, supostamente submetido a tratamento médico. Dessa forma,

sobrou a seus partidários a incumbência de celebrar a data. Os desfiles ocorreram,

porém desprovido de toda a visibilidade que haviam tido desde 1999 e pela primeira vez

não contaram com sua presença física. Sendo assim, não foi possível dissipar o clima de

incerteza que pairava no sistema político da Venezuela, em virtude das escassas

informações no tocante ao estado de saúde do presidente.

279. PRENSA PRESIDENCIAL. Chávez llamó de nuevo al pueblo bolivariano a la reunificación para la

victoria en 2012. Correo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2011, p.2, No 515.

280. CHÁVEZ, Hugo. Consejo de Ministros (Cadena Nacional). Despacho uno, Palacio de Miraflores.

Caracas, 8 de diciembre de 2012. In: Unidad, Lucha, Batalla y Victoria. Ediciones de la Presidencia de

la República. Caracas, 2012, p.37.

281. DAVIES, Vanessa & LOSANO, Hector. Chávez reiteró que la Fuerza Armada “es chavista, duélale

a quien duela”. Coreo del Orinoco. Caracas, 5 de febrero de 2012, p.2, No 872.

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Como se pôde perceber ao longo deste item, o 4 de fevereiro ocupou o patamar

de uma das datas mais importantes da era Chávez. Entre 1999 e 2012, celebrar o

aniversário da rebelião foi uma excelente oportunidade ao presidente discursar e

reforçar a tese de que continuava uma obra de Bolívar, ao colocar este evento no

patamar de ‘marco histórico’ no ressurgimento do Libertador.

Entretanto, Chávez não instituiu seu regime bolivariano apenas com datas

comemorativas, embora elas houvessem sido essenciais para propagar a ideia de que o

presidente continuava a obra de Bolívar, interrompida em 1830 e reiniciada em seu

governo. Chávez conseguiu erigir uma estrutura capaz de conferir base legal ao regime

e instituir o que se tornou conhecida como a República Bolivariana da Venezuela, com

base em todo o arcabouço jurídico-administrativo instituído através da Constituição

promulgada em dezembro de 1999, assunto discutido no próximo item.

3.2 – O Poder Constituinte: a institucionalização da República Bolivariana na

Venezuela

Conforme o discutido acima, um dos propósitos utilizado pelos militares

insurgentes para justificar a tentativa de intervenção em 1992 seria instalar uma

Assembleia Nacional Constituinte (ANC) ‘soberana’, através da qual redigiria uma

nova Carta Magna à Venezuela. Nesse momento, a crise estrutural, tanto do sistema

político quanto da democracia bipartidário-oligárquica, contribuía para que esta

proposta defendida pelos militares insurgentes encontrasse respaldo na sociedade

venezuelana. A conturbada situação política vivida pelo país tornava a necessidade de

se fazer uma profunda reforma no sistema político algo viável.

Logo após ser libertado da prisão em 26 de março de 1994, Hugo Chávez

começou a percorrer a Venezuela com o seguinte propósito: defender a convocação de

uma Assembleia Nacional Constituinte. Para Chávez e seus colaboradores, uma nova

Constituição restituiria a dignidade nacional e ampliaria a participação popular.

Contudo, isto não poderia ser realizado por qualquer Constituição. Deveria ser feita por

uma Carta Magna elaborada com base nos princípios defendidos pelo Movimento

Bolivariano Revolucionário 200. Tratar-se-ia, portanto, de uma Constituição

Bolivariana, elaborada sob os princípios julgados como os defendidos pelo Libertador

no século XIX, os quais haviam sido rejeitados durante quase 2 séculos na Venezuela.

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A importância do tema Constituinte no debate político-eleitoral de 1998 era

perceptível. Ademais, o governo de Rafael Caldera (1994-1998) estava terminando com

baixa popularidade e a tentativa de recuperar a capacidade institucional da Constituição

promulgada em 1961 não havia surtido o efeito esperado. A impopularidade do sistema

político-partidário era transferida à Constituição vigente, por isso a formação de uma

ANC era apontada como um remédio contra a crise instalada nas instituições do país.

Enquanto candidato, Chávez se referia ao processo de elaboração da uma nova

Carta Magna como o Poder Constituinte (Poder Constituyente), segundo o qual sua

candidatura se fundamentava. Para o ex-militar, ascender ao Miraflores somente teria

viabilidade se pudesse ‘ativar’ este poder. Em sua visão, exposta em uma entrevista

concedida em 1997, o povo seria o único capaz de ativar e mover o Poder Constituinte,

com o propósito de realizar uma ampla reforma que abrangeria os poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário282.

No entanto, isso somente aconteceria por intermédio de uma liderança capaz de

conduzir aquele movimento – no caso, o próprio Chávez – que publicamente sempre fez

questão de enfatizar a importância do bom andamento dos poderes da República. Nesta

entrevista, Chávez aproveitou para se colocar novamente como um continuador da obra

de Bolívar, por meio do anúncio de que proporia a criação de um novo Poder à

República: o Poder Moral, com base no que Bolívar havia sugerido ao Congresso de

Angostura em 1819283, quando apresentou um projeto de Constituição para a jovem

República, por meio da qual manteria a unidade e a Independência da pátria.

Chávez defendia a necessidade de uma Constituinte e ao mesmo tempo

aproveitava o ensejo para propor a inclusão do Poder Moral. O fato desta proposta ter

sido considerada inadequada à realidade política da jovem República em 1819 fazia

com que a instalação deste Poder em 1999 possibilitasse a Chávez ‘corrigir’ uma

‘injustiça’ feita com o Libertador há quase 2 séculos. Além disso, reforçava a ideia de

que a solução para os problemas venezuelanos estava em recorrer às propostas feitas

pelo Libertador no século XIX e que haviam sido barradas pela oligarquia que governou

o país de 1830 a 1998. Ou seja, utilizando-se de apenas uma estratégia de ação, o

presidente ressignificava a figura de Bolívar, aliava o seu projeto de poder a uma

continuação da obra do Libertador e desqualificava seus opositores.

282. CHÁVEZ, Hugo. La activación del poder constituyente. Caracas, 22 de mayo de 1997. In:

RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.170-171.

283. Idem.

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140

É importante frisar que o Discurso de Angostura de 1819 (realizado diante do

Congresso instalado naquela cidade) é um dos documentos mais conhecidos do

Libertador. Nele, expôs as bases sobre a qual uma República deveria se estruturar a fim

de não cair diante da dominação estrangeira, para se manter unida por uma estrutura de

governo centralizada. Porém, naquela época, entendia-se a dominação estrangeira como

o retorno ao patamar de colônia espanhola, em um momento em que a Independência

ainda estava em processo de conquista. Na visão do Libertador, um sistema político

considerado ‘perfeito’ seria aquele capaz de prover felicidade, segurança e estabilidade

política284. Chávez repetiu tais palavras no dia em que nova Constituição foi

oficialmente aprovada por referendo popular em 15 de dezembro de 1999285.

Embora os conceitos de felicidade, segurança e estabilidade sejam muito

subjetivos, pois podem abrir margem à distintas interpretações, Chávez conseguiu com

esta comparação reforçar a ideia de que a nova Carta Magna proveria felicidade,

segurança e estabilidade política à República, tal como recomendava o Libertador e

desde a década de 1980 a Venezuela não possuía. Portanto, na visão do presidente, o

caminho a ser seguido pelo povo se encontrava no que havia sido defendido por Bolívar

em seus escritos. Segundo o líder venezuelano, com aquele novo conjunto de leis, o país

e seu governo se tornariam cada vez mais bolivarianos286.

Por meio de tal raciocínio, é perceptível que, ao afirmar a incapacidade dos

governos anteriores em garantir segurança, felicidade e estabilidade política à nação,

Chávez os colocava no patamar de antibolivarianos e recorria à história a fim de

legitimar tal argumento. Na realidade, o presidente da Venezuela precisava, com certa

urgência, oferecer bases institucionais ao processo em andamento. Sendo assim, era

pertinente promulgar uma nova Constituição, redigida com base na interpretação que

possuía acerca dos princípios defendidos pelo Libertador no século XIX.

O Discurso de Angostura, por sua vez, também serviu de base para compreender

a maneira como Chávez construía seus discursos durante aquele processo. Nos

pronunciamentos realizados entre abril e dezembro de 1999 (quando ocorreram as

etapas da Constituinte) era possível perceber várias citações e referências ao discurso

feito por Bolívar em 1819. Chávez deixava visível que seu regime se fundamentaria na

284. SIMÓN, Bolívar. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.120-

147.

285. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la aprobación de la nueva Constitución Nacional. Palacio de Miraflores. Caracas,

15 de diciembre de 1999, p.499-500.

286. Idem.

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141

revisão histórica daquilo que já havia sido defendido pelo Libertador no século XIX,

pois a estrutura em que gostaria de refundar a República (expressão por ele muito

utilizada no momento) seria aquela proposta pelo Libertador no século XIX, ao formar,

assim, uma República Bolivariana. Ou seja, Chávez havia tomado para si a missão de

implantar uma Constituição revisada daquela que Bolívar teria elaborado, porém havia

sido impedido de promulgar. Neste sentido, a Carta Magna era utilizada para reforçar a

ideia de continuidade da obra do Libertador.

Para que isso fosse possível, optou desde o início pela estratégia de desqualificar

a Constituição elaborada em 1961, se aproveitou do fato de que ela já vinha sendo

questionada desde a década de 1980. Quando ainda estava na prisão, membros do

MBR-200 soltaram panfletos em Caracas pedindo a dissolução do governo de

convergência (comandado por Ramón Velásquez após a destituição de Carlos Andrés

Pérez) e a instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O panfleto trazia a

imagem de Chávez na capa com o propósito de deixar explícito quem fazia tal exigência

(Chávez) e em nome de quem (Simón Bolívar) isso era realizado287.

Na cerimônia de posse em 2 de fevereiro de 1999, o tradicional juramento à

Constituição (feito pela grande maioria dos presidentes ao assumir o cargo) não ocorreu

de forma tradicional. Chávez até aceitou juramentar sob a Constituição de 1961, a

mesma que rapidamente anularia e a chamava de ‘a moribunda’. Contudo, a insatisfação

era visível. Ao juramentar perante Deus, ao povo e aquela Constituição moribunda sob a

qual pôs a mão esquerda, acrescentou ao juramento as palavras de que impulsionaria as

mudanças necessárias para que a República tivesse uma Constituição adequada ao que

chamou de ‘novos tempos’288.

Esta atitude poderia ser interpretada como um ato de intransigência do recém-

empossado. Contudo, em se tratando de uma liderança política que surgiu a partir de um

golpe de Estado e que se posicionava no cenário político como uma figura

antipartidária, isso não passou de uma demonstração de que cumpriria sua principal

promessa de campanha: instalar uma Assembleia Nacional Constituinte. Na visão de

Chávez, esta estratégia caracterizava uma via de revolução pacífica, pois estava em

conformidade com as leis do país. Ao defender a tese de que o poder emana do povo, o

Poder Constituinte era entendido como a máxima expressão deste poder por intermédio

287. MBR-200. Somos bolivarianos y por eso... (Panfleto). 1993. Depositado en: Hemeroteca Nacional

de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República Bolivariana de Venezuela. Ver: Imagem

5, no Anexo.

288. UCHOA, Pablo. A encruzilhada de Hugo Chávez, p.178.

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142

do povo e, por sua vez, do pai da pátria Simón Bolívar, para que houvesse uma

transformação radical nos rumos do país.

Com este raciocínio, Chávez conseguiu convencer a maioria dos eleitores

venezuelanos a eleger uma Assembleia Nacional Constituinte com 131 membros em 25

de julho de 1999, dos quais 123 (mais de 90%) pertenciam a sua base de apoio289. O

presidente se empenhou maciçamente na campanha em favor de seus candidatos,

motivo pelo qual os elegeu. Devido a tal vitória eleitoral, as chances de elaborar uma

Carta Magna condizente com suas propostas e, portanto, bolivariana, aumentaram. Na

visão de Lander (2005), a ampla maioria na ANC, somado ao enorme peso político-

eleitoral que a liderança pessoal do presidente possuía naquele momento, colocaria

Chávez em plenas condições de influenciar nos rumos daquela Constituição, sobretudo

no tocante aos temas mais controversos290.

O presidente Chávez indicava possuir uma noção ampla da vantagem eleitoral

obtida através da eleição dos Constituintes, pois, ao discursar no Balcão do Povo do

Palácio de Miraflores logo depois de divulgado os resultados, voltou a insistir que os

desdobramentos daquele processo eram inevitáveis, pois aliava o povo, a pátria e Simón

Bolívar, ao colocar o povo da Venezuela no patamar de dignos herdeiros das ‘glórias do

Libertador’.

Hay un parto anunciado, se oyen ya los primeros cantos de la

Venezuela que viene, se levanta ya la Patria Bolivariana que nosotros

reconstruiremos con nuestro amor y con nuestro coraje. [...] Lo

hemos demostrado al mundo que somos dignos herederos de las

glorias de Simón Bolívar, el libertador de América y le vamos a

seguir demostrando al mundo de lo que somos capaces los

venezolanos291.

Chávez dedicou a vitória a Simón Bolívar, pois tinha a consciência de que ele e

aquela Constituição deveriam se tornar uma só representação no que tange à formação

de um Estado bolivariano, ou a Quinta República, como também se referia àquela ‘nova

era’ pela qual a Venezuela passaria a partir de então.

Mas, explorar a figura de Simón Bolívar ajudaria Chávez a mobilizar apoio

político em torno de suas propostas na Constituinte. Uma Carta Magna condizente com

289. Até mesmo a esposa do presidente Chávez naquela época, Marisabel Rodriguez de Chávez, foi eleita

àquela Assembleia, demonstrando a força exercida pela figura do presidente na eleição dos constituintes.

290. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.195.

291. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la elección de los miembros de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio de

Miraflores. Caracas, 25 de julio de 1999, p.266-270.

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143

a interpretação que possuía acerca do legado do Libertador lhe conferiria sólidas bases

sob o ponto de vista político e jurídico, algo essencial e estratégico a sua permanência

no poder. Sendo assim, aumentaria as chances de sobrevivência de seu projeto político,

sobretudo nos momentos de forte questionamento de sua liderança. Para tanto, ao abrir

os trabalhos da ANC em agosto de 1999, Chávez foi taxativo ao dizer que sua missão

era instituir uma República Bolivariana, por isso admitiu que o discurso feito pelo

Libertador quase 2 séculos antes seria a inspiração daquele processo Constituinte.

Es Bolívar de nuevo, que vuela, ya lo decía él en Angostura “volando

por entre las próximas edades”. Volemos con él, llegó el tiempo de

volar de nuevo […] Pero nosotros, los patriotas, estamos obligados a

volar con Bolívar en esta edad, que es nueva edad republicana, una

nueva edad bolivariana. […] Es el Bolívar de 1830 el que vuelve

volando entre las edades de hoy […]292.

No entanto, o processo Constituinte não transcorreu desprovido de resistências.

Alguns setores da sociedade venezuelana defendiam uma reforma no sistema político,

mas se posicionavam contra a ideia de elaborá-la por intermédio de uma nova

Constituição. Vislumbravam a Constituinte uma atitude desnecessária, radical e

suscetível a retrocessos sob o ponto de vista democrático. O maciço controle exercido

por Chávez na ANC era utilizado como principal justificativa para tal rechaço. Por isso,

o próprio presidente afirmou, em diversas ocasiões, que o nascimento do que chamou de

Quinta República seria um parto muito doloroso. Neste cenário, recorrer ao culto a

Bolívar se tornaria ainda mais estratégico a fim de obter apoio político suficiente e

neutralizar aqueles que se posicionavam contra a elaboração de uma nova Constituição.

Entretanto, tratou-se de um debate complicado e o governo de Chávez não ficou

imune aos desgastes provocados pela ríspida disputa de poder envolvendo a ANC e o

Congresso Nacional. Se dentre os Constituintes havia mais de 90% dos partidários de

Chávez, o Congresso era de maioria oposicionista. Neste cenário, o uso da máquina

administrativa e sua popularidade seriam um diferencial a favor do presidente. Havia

despendido sistematicamente seu capital político e carismático em favor de seus

apoiadores àquela Assembleia, considerada estratégica para viabilizar suas promessas

de campanha, ou seja, refundar a República e reduzir a pobreza. Ao invés de agir como

um conciliador naquela contenda, Chávez insuflou um conflito de poderes entre a ANC

292. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la instalación de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio Federal Legislativo.

Caracas, 5 de agosto de 1999, p.279-283.

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e o Congresso. O presidente defendeu, em tom intransigente e em nome do povo, o

fechamento imediato do Poder Legislativo293.

A Assembleia Nacional Constituinte também chegou a cogitar a hipótese de

fechar o Congresso e em diversas ocasiões impediu os parlamentares de se reunir

através de força policial, ao decretar emergência legislativa ou a assumir parte das

atribuições do Congresso294. Os atritos entre a ANC e o Congresso duraram

aproximadamente 3 meses. Por fim, a Igreja Católica mediou um acordo com o qual se

estabeleceu a permissão ao Legislativo se reunir, porém não poderia discutir as medidas

tomadas pela Constituinte295.

Insuflar uma contenda entre a Assembleia Nacional Constituinte e o Congresso

de maioria oposicionista foi uma estratégia utilizada por Chávez a fim de acelerar o

processo de elaboração da nova Constituição. Para o presidente, a reação dos opositores

por intermédio daquele ‘velho poder’ somente demonstrava a necessidade de se redigir

uma nova Carta Magna o mais rápido possível. Dessa forma, as chances de Chávez

incluir suas propostas no texto Constituinte aumentavam significativamente. Ao

perceber a enorme tensão existente entre o Poder Legislativo e a ANC, Chávez poderia

pressionar os constituintes para que elaborassem o mais rápido possível a nova Carta

Magna, através da qual dissolveria os poderes e convocaria eleições gerais, o que

acabou sendo feito em julho de 2000.

Chávez jamais admitiu que o processo da Constituinte pudesse ter sido

permeado por uma discussão fechada, devido a rapidez entre a escolha dos membros da

ANC e a promulgação da Carta Magna (de julho a dezembro de 1999). Ao contrário,

não apenas defendia a tese de um processo imensamente aberto, como também afirmou

que um debate longo seria contraditório, tendo em vista a velocidade exigida pelo

processo. Também lembrou que a Constituição de 1961 havia sido elaborada por um

Congresso eleito sem esta finalidade e não passou por um referendo popular, tal como

foi feito com a Constituição de 1999296.

Embora Chávez não admitisse, o processo Constituinte foi algo fechado, pois se

afunilou ao longo das discussões, razão pela qual foi viabilizada a conclusão em um

293. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Hugo Chávez pede a dissolução do Congresso na Venezuela.

Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de julho de 1999, p.11, No 25.657.

294. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.254-257.

295. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Igreja anuncia acordo na Venezuela. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 7 de setembro de 1999, p. 14, No 25.724.

296. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista à socióloga Marta Harnecker. In: HARNECKER, Marta. Um homem,

um povo, p.51.

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tempo considerado hábil pela presidência da República. Na visão de Lander (2005), a

rapidez com a qual se elaborou a nova Carta Magna prejudicou a Venezuela. A pressão

exercida por um presidente da República com excelente popularidade fez com que se

perdesse a oportunidade de ampliar e aprofundar o debate acerca de temas estratégicos,

a exemplo das questões relativas a própria representação política, devido a rapidez com

que ocorreu o processo de discussão, elaboração e promulgação daquela Carta Magna.

Os altíssimos níveis de popularidade do governo Chávez e o apoio

generalizado à convocação de uma Assembleia Constituinte ofereciam

uma extraordinária oportunidade para convertê-la num amplo

processo participativo de reflexão e aprendizagem coletiva sobre o

país, o poder, a propriedade, o mercado, o Estado, a igualdade, a

justiça e a democracia. Esta possibilidade ficou limitada quando se

estabeleceu um curto período de seis meses (posteriormente reduzido

a três por exigência expressa do presidente) para a discussão e

elaboração do novo texto constitucional297.

A influência de Chávez na ANC era notável, o que lhe permitiu, em grande

medida, personalizar o debate devido ao fato de se posicionar no cenário político como

a representação daquele processo, ao atribuir a sua chegada à presidência justamente a

necessidade do povo de Bolívar em retomar o poder. Por isso, em pronunciamento

proferido durante a apresentação do projeto de Constituição em novembro de 1999,

Chávez pouco falou do assunto. Preferiu focalizar seu discurso nos fins que aquele

processo teria à Venezuela, ou seja, salvaria o país. Ao dizer que Bolívar era um

símbolo nacional e uma referência para o mundo, afirmou que não havia povo mais

capacitado do que o venezuelano para reivindicar o legado de Bolívar, ou ressignificá-

lo, pois a Venezuela era considerada a pátria do Libertador 298.

Com base no discutido ao longo deste item, explorar o culto à figura de Simón

Bolívar foi um dos elementos que permitiu a Chávez galvanizar apoio popular para

aprovar uma Constituição condizente com as propostas defendidas por ele e seu grupo

político. Essa possibilidade se tornou viável quando elegeu uma maioria esmagadora à

ANC. Além disso, a popularidade de Chávez foi extremamente útil a fim de enfrentar as

dificuldades impostas pelos membros do Congresso Nacional durante o conflito de

poderes com a Constituinte. Tudo isso foi essencial para Chávez conseguir o

297. LANDER, Edgardo. Venezuela: a busca de um projeto contra hegemônico, p.196.

298. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores. Caracas, 25 de

noviembre de 1999, p.441-479.

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estabelecido, isto é, elaborar a nova Carta Magna em tempo hábil para submetê-la à

aprovação popular em 15 de dezembro de 1999.

A Constituição Bolivariana foi aprovada com 62,35% dos votos, em referendo, e

entrou em vigor no dia 1o de janeiro de 2000. O presidente da Venezuela fez questão de

enfatizar que esta Constituição havia sido a única na história do país a ser submetida a

aprovação popular, depois de ter sido discutida, elaborada e aprovada por uma

Assembleia eleita para tal finalidade. Entretanto, a votação popular para referendá-la

teve uma taxa de abstenção de mais de 54% em virtude das fortes chuvas que

castigaram a Venezuela naquela ocasião. Apesar das intempéries, a Constituição

aprovada em dezembro de 1999 institucionalizou a maioria das propostas defendidas

por Chávez e seu Movimento Bolivariano Revolucionário 200. Em seu Preâmbulo, a

nova Carta Magna explicita sua inspiração em Bolívar:

El pueblo de Venezuela, en ejercicio de sus poderes creadores e

invocando la protección de Dios, el ejemplo histórico de nuestro

Libertador Simón Bolívar y el heroísmo y sacrificio de nuestros

antepasados aborígenes y de los precursores y forjadores de una

patria libre y soberana […]299.

A principal referência estabelecida pelo regime de Chávez em relação a nova

Constituição era o fato dela ser bolivariana, descrita como uma Constituição revisada de

uma versão que Bolívar queria instituir no século XIX e não pôde. Seguindo este

raciocínio, a partir deste momento o legado do Libertador ressurgiria no cenário

político, reforçado por uma institucionalização viabilizada através de uma Carta Magna.

Contudo, para fins desta análise, dentre as inovações atribuídas à Constituição de 1999,

quatro pontos podem ser enfatizados, os quais demonstram tanto uma revisão daquilo

que havia sido proposto por Simón Bolívar no século XIX, quanto uma contradição

destoante do defendido pelo Libertador.

Primeiro, o nome oficial do país foi alterado de República da Venezuela – tal

como havia sido historicamente – para República Bolivariana da Venezuela. O

Libertador se tornou, em termos constitucionais, a principal figura histórica da nação.

Tratou-se de uma mudança importante tendo em vista que, em um primeiro momento,

mudar o nome oficial do país, ao acrescentar a palavra bolivariana, não era consensual

dentro do grupo político de Chávez. Muitos deles acreditavam que houvesse assuntos

299. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Preámbulo, p.467.

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mais importantes a serem colocados300. Porém, o presidente despendeu seu capital

político para que o nome oficial fosse República Bolivariana da Venezuela301.

Segundo, o período constitucional de mandato do presidente da República foi

estendido de cinco para seis anos com a possibilidade de reeleição imediata302. Tratava-

se de uma grande diferença em relação a Constituição anterior (1961) que não apenas

previa um mandato menor (cinco anos), como também vedava a reeleição imediata.

Contudo, no tocante ao pensamento de Bolívar, base da Revolução comandada por

Chávez, há uma dubiedade que coloca esta mudança tanto contrária quanto favorável ao

pensamento do Libertador.

Bolívar criticou a permanência de um único indivíduo no poder por um longo

período. Conforme alertou no Discurso de Angostura (1819), uma pessoa exercendo um

papel de autoridade por muito tempo seria prejudicial a qualquer governo que se

julgasse democrático. Ou seja, seria perigoso alguém ocupar o poder de forma

indefinida, pois o povo se acostumaria a obedecê-lo e ele a mandar, o que poderia ser o

início de uma usurpação ou tirania303. Todavia, na Constituição da Bolívia, elaborada

em 1825, havia o instituto da presidência vitalícia. Em mensagem ao Congresso da

Bolívia (1826), o Libertador escreveu que o presidente seria à República o que o sol é

ao universo, por isso sua autoridade deve ser perpétua304. É nessa parte do pensamento

bolivariano que o governo Chávez se apoiou a fim de legitimar a instituição da

reeleição, igual a maioria dos presidentes venezuelanos fez ao longo da história305.

Terceiro, a Venezuela se tornou um país com Poder Legislativo unicameral,

composto somente pela Assembleia Nacional. O Senado foi abolido e as funções

legislativas reunidas em apenas uma Casa306. Este terceiro ponto destoa das propostas

feitas pelo Libertador no século XIX, pois a abolição do Senado se contradiz com o

discurso de que a Constituição de 1999 seria uma Carta Magna puramente bolivariana,

algo considerado uma contradição, tendo em vista ter sido promulgada por um regime

cujo líder se posicionava no cenário político como um continuador da obra de Bolívar.

300. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.268.

301. GOTT, Richard. À sombra do Libertador, p.206.

302. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 230, p.537.

303. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819,

p.122.

304. BOLÍVAR, Simón. Mensaje al Congreso de Bolivia. Lima, 25 de mayo de 1826, p.280.

305. Esta questão é tratada com mais profundidade no Capítulo 4, quando se analisa o processo que levou

o presidente Chávez a realizar um Referendo para aprovar a reeleição sem limites ao cargo de presidente

da República em 2009.

306. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 186, p.525.

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Contraditoriamente, a Constituição de 1999 aboliu uma das instituições mais

exaltadas pelo Libertador em seus discursos, cartas e demais reflexões, pois defendia

um Senado com estrutura hereditária. Em sua visão, isso não caracterizava uma violação

da igualdade política, ao contrário, considerava o Senado a base fundamental do Poder

Legislativo e baluarte da liberdade da República307. Chávez jamais tocou diretamente

neste assunto, somente em algumas oportunidades lembrava que a Venezuela não tinha

mais Senado308. Também não atrelava o nome de Bolívar a ideia de um Senado,

tampouco com estrutura hereditária e aristocrática309. Uma reflexão com este teor não

era interessante ao regime, tampouco representar o Libertador desta forma. Ao

contrário, era melhor enfatizar a ideia de que Bolívar estivesse representado e,

principalmente, inserido na Constituição, no povo, na pátria e no presidente Chávez.

Por fim, a Constituição de 1999 instituiu cinco poderes na Venezuela. Além dos

tradicionais Legislativo, Executivo e Judiciário, foram criados mais dois poderes, o

Poder Eleitoral e o Poder Cidadão. O Poder Eleitoral era representado pelo Conselho

Nacional Eleitoral, com a finalidade de organizar as eleições dos representantes dos

Poderes Executivo e Legislativo e, principalmente, realizar os plebiscitos, referendos e

demais consultas populares, os quais durante a era Chávez ocorreram de forma

praticamente anual.

Já o Poder Cidadão tinha como base o chamado Poder Moral, proposto por

Simón Bolívar no século XIX. Na proposta original apresentada por Chávez, o nome

Poder Moral seria mantido. Todavia, os constituintes resolveram alterá-lo para Poder

Cidadão, mas a ideia permaneceu semelhante: instituir aquele poder pensado pelo

Libertador e refutado pelos legisladores reunidos em Angostura. Porém, ao contrário do

Poder Moral de Bolívar, o Poder Cidadão de Chávez foi institucionalizado e robustecido

em torno de órgãos como o Ministério Público e a Controladoria Geral da República.

Houve nitidamente uma revisão, pois, na realidade política da Venezuela no final do

século XX início do XXI estava fora de contexto eleger um Areópago310, conforme o

próprio Libertador havia pensado311. Entretanto, o viés moral deste poder, ou seja, sua

essência em zelar por fatos que atendem a ‘fé’ e a ‘moral’ da República, foi mantida.

307. BOLÍVAR, Simón. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.

135.

308. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Plaza Caracas. Caracas, 4 de febrero de

2000, p.123.

309. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 186, p.525.

310. Na Antiguidade, uma espécie de tribunal ateniense onde ser reuniam os ‘sábios’.

311. BOLÍVAR, Simón. El Poder Moral. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.148-155.

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149

Esse poder tem como principal órgão o Conselho Moral Republicano, composto por

funcionários pertencentes a administração pública e nomeados pelo presidente da

República312.

Com base no descrito acima, a Constituição de 1999 era menos bolivariana do

que o regime de Chávez enfatizava, ainda que ela tenha se ancorado no culto a Bolívar e

legitimado a ideia de que Chávez era alguém imbuído da missão de continuar a obra do

herói da Independência. Portanto, a Constituição Bolivariana, viabilizada já no primeiro

ano de mandato, forneceu bases jurídicas ao regime. Neste ponto, Chávez robustecia sua

liderança, sobretudo ancorado no argumento de que reiniciava algo começado por

Bolívar no século XIX e interrompido por quase 200 anos de ‘traição’ aos princípios

constitucionais defendidos pelo Libertador. Desta forma, Hugo Chávez também

legitimou, na retórica do regime, o argumento de que a reação, vinda de setores sociais

após a promulgação da nova Constituição, teria sido um rechaço a Bolívar e ao

continuador de sua obra, fato legitimado na tentativa de golpe de Estado que o destituiu

temporariamente da presidência em abril 2002. Esse assunto é tratado no próximo item.

3.3 – O golpe de 2002: a reação contra o projeto atribuído à Simón Bolívar

A nova Carta Magna, referendada por votação popular em dezembro de 1999,

conferiu base institucional à Revolução Bolivariana. Tratava-se, na visão do regime, de

uma ‘correção histórica’ para com o Libertador, pois sua proposta havia sido

‘desfigurada’ em 1819. No entanto, a partir deste momento, perdia força o argumento de

Chávez de que as combalidas instituições erigidas durante o Pacto de Punto Pijo (1958-

1998) impediam o desenvolvimento do processo bolivariano. O regime precisaria

apresentar resultados na recuperação econômica e no cumprimento de duas promessas

de campanha: reduzir a pobreza e recuperar a capacidade produtiva do país, na

agricultura e na indústria, desmantelada em virtude da dependência do petróleo.

Setores da oposição não arrefeceram o tom das críticas à Constituição, sobretudo

no tocante aos ‘novos’ poderes da República, instituídos de forma gradual, e da

ampliação das competências e do mandato do presidente da República. Havia a

necessidade de realizar eleições gerais seguindo as novas disposições constitucionais.

Elas foram marcadas para abril de 2000 e posteriormente transferidas para maio. Porém,

312. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artigo 276-279,

p.553-554.

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a eleição presidencial ocorreu apenas em 31 de julho. O adiamento das eleições foi

justificado com base no argumento de que elas exigiam certo nível de planejamento,

pois se tratava de um processo complexo. Além disso, o Conselho Nacional Eleitoral

(CNE), órgão responsável por organizar as eleições a partir daquela data, ainda estava

se estruturando.

O presidente Chávez e seu grupo político seguiam favoritos para vencer as

eleições que relegitimariam os ocupantes dos cargos eletivos em todos os níveis. O

presidente se tornou o principal ‘cabo-eleitoral’ da Venezuela, o que colocava seus

partidários em vantagem nas eleições aos governos estaduais e prefeituras. Por outro

lado, apesar de certa notoriedade obtida pelo rechaço à Carta Magna, a oposição estava

desarticulada e incapaz de fornecer um nome para fazer frente a um presidente que

mantinha bons índices de popularidade e havia saído fortalecido durante o processo

Constituinte. Ademais, Chávez ainda conseguia atrelar a imagem de seus opositores

com o regime anterior.

Sendo assim, seu principal adversário naquelas eleições foi um dissidente:

Francisco Árias Cárdenas, ex-governador de Zúlia e ex-militar que havia sido aliado de

Chávez. Devido a divergências pouco esclarecidas, Cárdenas rompeu com o governo e

lançou sua candidatura, tornando-se o principal presidenciável contra Chávez. Porém, a

campanha de Cárdenas não empolgou, sendo incapaz de agregar a oposição que se

recusava a confiar em alguém que meses antes era frequentemente visto no gabinete

presidencial e também havia participado da tentativa de golpe de 1992313.

Durante a campanha eleitoral, os discursos de Chávez giravam em torno de

aprofundar as políticas através das quais caracterizaria a Revolução Bolivariana,

sobretudo no âmbito social. Isso significava que, ao menos retoricamente, a prioridade

seria trabalhar em prol dos mais pobres, para os quais destinaria a maior parte dos

recursos e das políticas estatais. Tratava-se praticamente das mesmas promessas que

haviam sido feitas na campanha eleitoral de 1998, exceto a Constituinte.

Chávez continuava a fazer longos pronunciamentos, com os quais descrevia seu

plano de governo para um mandato que terminaria em fevereiro de 2007. A exploração

do culto a figura de Simón Bolívar se manteve e, ao apresentar seu plano de governo em

um hotel em Caracas em maio de 2000, pouco falou de como governaria a Venezuela a

313. Não estavam equivocados. Em 2006, Árias Cárdenas se reaproximou de Chávez e retornou ao seu

grupo político, ao ser nomeado embaixador venezuelano na Organização das Nações Unidas (ONU). Isso

provou que nem de longe seria uma ameaça ao domínio exercido pela figura do presidente no cenário

político venezuelano daquele momento.

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151

partir daquele momento. Preferia enfatizar as inovações inerentes a nova Carta Magna e

fazer referência a Bolívar, pois lhe traria mais votos do que apresentar um plano

consistente e objetivo de governo. Por isso, ao finalizar sua longa intervenção, fez

referência ao Libertador dizendo sê-lo ‘eterno’ e guia daquele processo.

Y con esto termino, voy a terminar con Simón Bolívar. Bolívar

forever. Bolívar para siempre. Bolívar, el timón y el guía de esta

Revolución. No es capricho llamarla Bolivariana, no, es que es

Bolívar quién guía, quién orienta, quién ilumina el camino314.

Isso significaria que o processo político conhecido como Revolução Bolivariana

poderia ser entendido como a construção da pátria sonhada por Simón Bolívar. A

realização deste sonho, portanto, não terminaria com a promulgação da nova

Constituição. Ela dependeria, estrategicamente, da permanência de Chávez no poder e

era justamente desta maneira que o presidente se ‘relegitimava’ no cargo a cada

oportunidade, bem como reforçava a ideia de ser um continuador da obra de Bolívar.

Em razão desta permanente exploração do culto, Chávez possuía autoconfiança

suficiente para afirmar que venceria aquelas eleições por nocaute. Em 31 de julho de

2000, se sagrou vitorioso do pleito com 59,05% dos votos. Tratou-se de uma vitória

mais ampla que esteve além da presidência da República. Dos 23 estados em 14 foram

eleitos governadores do grupo político de Hugo Chávez que também conseguiu 99 dos

167 assentos na Assembleia Nacional315.

Embora o presidente tenha obtido uma considerável maioria no parlamento, ela

não seria suficiente para viabilizar as alterações nas leis que versavam sobre o setor

mais estratégico no país: o petrolífero. Chávez desejava reestruturar a política petroleira

da Venezuela, assunto extremamente sensível devido ao papel estratégico ocupado por

este produto na economia do país desde a década de 1920. Ademais, atingiria interesses

de vários grupos econômicos venezuelanos e internacionais. Contudo, o propósito do

presidente era retomar o controle majoritário estatal no setor, visando reverter o

processo de abertura ao capital privado que havia sido feita pelas administrações

anteriores. Chávez havia sido um crítico do processo de abertura promovida no setor do

petróleo e, desde quando tomou posse, prometeu revertê-las.

314. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la presentación de su plan de gobierno. Hotel Caracas Hilton. Caracas, 22 de mayo

de 2000, p.317.

315. CANTANHÊDE, Elaine. Vitória deve ir além da Presidência. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 de

julho de 2000, p. 21, No 26.051.

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152

Todavia, fazer estas mudanças pelas vias institucionais ‘convencionais’, ou seja,

submetendo-as à discussão e aprovação no Legislativo, poderia demorar ou até mesmo

inviabilizá-las, pois tais matérias exigiriam a anuência de dois terços da Assembleia

Nacional, o que equivaleria a, no mínimo, 110 deputados. A base de apoio do presidente

possuía 99 e a polarização política praticamente impossibilitava a construção de um

consenso mínimo no intuito de aprovar tais matérias. Sendo assim, o presidente da

Venezuela optou em promulgar estas leis por intermédio de Leis Habilitantes. Na

prática, a Lei Habilitante era um recurso que concentrava poderes nas mãos do

presidente da República, pois o permitiria promulgar leis sobre matérias específicas

(economia, sistema político, segurança, etc.) sem qualquer obrigação de submetê-la à

discussão na Assembleia Nacional pelo prazo de um ano.

A principal justificativa para autorizá-la era garantir celeridade à promulgação

de leis consideradas estratégicas ao governo. Dessa forma, o presidente se esforçou

politicamente para que a Assembleia Nacional lhe permitisse o uso da Lei Habilitante a

fim de aprovar os decretos com os quais reordenaria a política petrolífera da Venezuela,

com o argumento de que seu uso aprofundaria a Revolução Bolivariana316.

Com o recurso da Lei Habilitante, o governo promulgou em novembro de 2001,

com o nome de Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2001-2007,

um pacote com 49 decretos-lei, dentre os quais a Lei de Hidrocarbonetos317, através da

qual o Estado se tornaria o acionista majoritário nas parcerias estabelecidas com as

petrolíferas estrangeiras, inclusive as norte-americanas, historicamente privilegiadas

pelos governos venezuelanos. Estipulou-se também o aumento gradual nos royalties

cobrados por cada barril extraído das jazidas venezuelanas, o que atingiria as

corporações responsáveis por explorar o setor que teriam margem de lucro diminuída

em longo prazo. Mas, executivos da PDVSA e empresários ligados ao setor se

posicionaram contra esta Lei e acusaram o governo de politizar a empresa318.

Chávez queria diminuir a força dos executivos e empresários no setor petrolífero

venezuelano para que assim pudesse restabelecer o controle da PDVSA pelo Estado.

Com isso, obteria acesso aos recursos suficientes para investir em políticas de combate

316. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la aprobación de la Ley Habilitante. Palacio de Miraflores. Caracas, 13 de

noviembre de 2001, p.606.

317. VENEZUELA. Ley Orgánica de Hidrocarburos. República Bolivariana de Venezuela. Ministerio

del Poder Popular de Petróleo y Minería. Caracas. Decreto No 1.510. Gaceta Oficial, No 37,323 – 13 de

Noviembre de 2001.

318. KOZLOFF, Nikolas. Hugo Chávez: oil, politics, and the challenge to the United States, p.26.

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a pobreza, uma de suas promessas de campanha. Dessa forma, continuaria a manter o

apoio popular às mudanças institucionais que havia promovido. Por isso, Chávez ficou

irredutível em relação as pressões para que revogasse a Lei de Hidrocarbonetos vindas

de empresários, executivos da PDVSA e até de alguns de seus ministros319.

Como consequência, o processo de radicalização dos discursos e das ações por

parte do governo e da oposição se acentuou, sendo que ambos os lados passaram a

adotar estratégias de enfrentamento, ao polarizar ainda mais o já tenso cenário político.

Entre dezembro de 2001 e abril de 2002 a oposição convocou inúmeros protestos e

greves em âmbito nacional, para exigir a renúncia do presidente. O movimento contra

Chávez era apoiado pela maioria dos empresários ligados as comunicações e promovida

pelos sindicatos patronais, em especial a Confederação dos Trabalhadores da Venezuela

(CTV) e a Federação de Câmaras da Venezuela (Fedecámaras). Também contava com

o apoio do alto-clero da Igreja Católica da Venezuela, de alguns oficiais das Forças

Armadas e ex-aliados do presidente, como o ex-ministro Luis Miquilena e o prefeito de

Caracas Alfredo Peña320.

Devido ao apoio recebido, este momento se tornou um dos mais tensos desde a

chegada do ex-militar ao poder em 1999. Até então sua liderança não havia sido tão

fortemente questionada. Como reação a onda de protestos, Chávez convocou seus

partidários a fim de defender as medidas tomadas em novembro de 2001 e,

principalmente, sua permanência no poder. A partir daí, havia se formado um cenário

político altamente propício ao enfrentamento.

Em janeiro de 2002, Chávez convocou seus partidários no que chamou de

comando político da Revolução e, ao fazer um juramento por aclamação, novamente

utilizou a figura de Simón Bolívar como uma forma de agregar apoio popular. Neste

momento de tensão, nada mais eficaz do que invocar Bolívar com o propósito de

justificar o pacote de leis que havia promulgado. Dessa forma, o juramento que o

Libertador havia feito diante do Monte Sacro em 1805 serviu de modelo ao juramento

de aclamação feito por Chávez e seus partidários, através do qual se comprometiam a

defender o processo revolucionário em andamento ‘a todo custo’321.

319. Idem, p.27.

320. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.331-332.

321. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la juramentación del comando político de la revolución. Caracas, 10 de Enero de

2002, p.33-49.

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Em mensagem anual à Assembleia Nacional em 15 de janeiro de 2002, o

presidente defendeu a tese de que o Estado fosse capaz de construir leis sob as quais

formasse uma República sólida, ao contrário do que chamou de ‘Repúblicas virtuais’322.

Chávez utilizou o termo República virtual com base no que Bolívar havia dito em 1812

sobre as dificuldades que as jovens Repúblicas americanas tinham naquela época em se

consolidar. Ou seja, importavam da Europa ‘sistemas estranhos de governo’. De acordo

com o Libertador, o erro cometido pela Venezuela daquele momento seria a elaboração

de leis incompatíveis com sua realidade. Isso havia levado a primeira República (1810-

1812) à ruína323.

Naquele momento, Bolívar se referia a adoção pela Venezuela do sistema

federativo com base no que havia sido instituído nos Estados Unidos da América a

partir de 1776. No entanto, o propósito de Chávez não era exatamente aquele, embora

citasse Bolívar como pano de fundo. O presidente da Venezuela utilizava as palavras do

Libertador a fim de legitimar o seu raciocínio no tocante a necessidade de promulgar

leis compatíveis com a realidade do povo venezuelano. Era justamente isso que ele

afirmava ter feito ao promulgar aquele pacote de 49 leis, com as quais aumentou a

participação do Estado no setor petrolífero e reverteu o processo de abertura feito por

seus antecessores.

Chávez reagia ao enorme questionamento feito por inúmeros setores sociais

venezuelanos em relação ao pacote de leis de novembro de 2001. Com isso, enfatizava a

tese da importância das leis editadas naquela ocasião. Queria legitimar o pensamento de

que a sobrevivência da República estava na promulgação daquelas leis, as quais

deveriam ser aplicadas de forma inexorável. Ele utilizava o exemplo da queda do que

chamou de ‘Repúblicas que precederam’ para afirmar que o êxito na construção de uma

República ‘sólida’ seria fazer justamente o contrário do que havia sido feito na

Venezuela entre 1830 e 1998. Utilizava palavras do Libertador a fim de legitimar todo

aquele pacote de medidas que alteravam a estrutura do principal setor na economia

venezuelana, ou seja, o petróleo.

Chávez preferiu adotar a estratégia do enfrentamento com o propósito de reagir

aos frequentes questionamentos feitos pela oposição com relação às medidas adotadas

322. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del Mensaje Anual ante la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 15 de

enero de 2002, p.67-68.

323. BOLÍVAR, Simón. Manifiesto de Cartagena. Cartagena de las Indias, 15 de diciembre de 1812,

p.10-19.

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no tocante à política petrolífera da nação. Em 4 de março de 2002, nomeou uma nova

junta de diretores à PDVSA, o que desagradou grande parte da gerência da empresa. A

partir disso, teve início a paralisação de várias atividades. Logo, o presidente da

República subiu o tom e adotou uma postura ainda mais inflexível.

Em 17 de março de 2002, no programa dominical Aló Presidente, Chávez

ameaçou militarizar todo o setor petrolífero do país, o que acabou fazendo dois dias

depois quando interveio militarmente na Refinaria de Puerto La Cruz, em Anzoátegui.

Em 4 de abril, Chávez demitiu ao vivo, no mesmo programa dominical, quase toda a

gerencia da empresa e apitava após anunciar o nome de cada um dos demitidos, tal

como em um jogo de beisebol324. Como consequência destas atitudes, que de fato eram

extremamente autoritárias, houve um incentivo aos protestos e ao aumento do

questionamento da liderança de Chávez.

No entanto, publicamente, o presidente da Venezuela desdenhava dos protestos

realizados pela oposição. Desqualificava a instabilidade política, provocada pelas

disputas com a oposição pelo controle da PDVSA, e desprezava os rumores que

percorriam quase toda a Venezuela de que militares orquestravam um golpe de Estado

para derrubá-lo, assim como fazia com a hipótese de que houvesse no país a

possibilidade de um enfrentamento típico de uma guerra civil325. Ao ser perguntado por

um jornalista do por que não mencionar o nome dos militares que haviam se rebelado

meses antes com o propósito de exigir sua renúncia, Chávez foi enfático ao afirmar que

eles não tinham nenhuma importância326.

Mas, para Marcano & Barrera (2006), Chávez e seus colaboradores

subestimaram a crise existente nas Forças Armadas327. Embora não admitisse, a situação

do país era tensa. Até mesmo dentro de seu gabinete havia pressões para que revogasse

algumas leis do pacote editadas em novembro de 2001, sobretudo as que versavam

sobre o petróleo e o reordenamento da política agrária do país. Tais divergências

culminaram com a saída de um dos principais colaboradores de Chávez, o ministro do

interior Luis Miquilena, a quem havia confiado a presidência da ANC em 1999.

Como consequência, as disputas envolvendo o governo Chávez e a oposição se

intensificaram a ponto de desencadear na destituição temporária do presidente, ocorrida

324. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.35-37.

325. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez não vê ameaça de golpe. Folha de S. Paulo. São Paulo,

13 de fevereiro de 2002, p.9. No 26.614.

326. KRAUSE, Jean. ‘Risco de golpe militar é zero’, diz Chávez. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 de

fevereiro de 2002, p.12, No 26.628.

327. MARCANO, Cristina & BARRERA, Alberto. Hugo Chávez sem uniforme, p.207.

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entre 11 e 13 de abril de 2002. Nos dias que antecederam sua deposição, Chávez apelou

de maneira constante a Bolívar, citou suas frases, relembrou o fato da Venezuela ser a

‘pátria’ do Libertador e insistiu na lógica de que continuava sua obra.

Dois dias antes de ser deposto, discursou para seus partidários na Avenida

Urdaneta, nos arredores do Palácio de Miraflores328. Reforçou a ideia de que o processo

político que comandava significava a devolução do poder ao povo. Disse, também, que

as cúpulas políticas, na visão de Chávez representadas por uma oligarquia que naquele

momento questionava sua liderança, havia quase destruído a pátria de Simón Bolívar.

Chávez parafraseou o Libertador ao afirmar que unidos todos seriam ‘invencíveis’ e

capazes de superar o plano da oposição de retirá-lo da presidência. Para finalizar, mais

uma vez outorgou um patamar de continuidade histórica à Revolução Bolivariana:

Esta revolución de nosotros hoy, es la misma que comenzó Bolívar

por allá por el siglo XIX y fue truncada por los traidores, por los que

mataron a Antonio José de Sucre y mandaron a echar Simón Bolívar

de aquí329.

O presidente visava difundir a seguinte ideia: aqueles que questionavam sua

permanência no poder seriam os ‘mesmos’ que haviam ‘traído’ Bolívar e matado Sucre.

Por outro lado, ele e seu grupo político eram os continuadores da obra do Libertador.

O dia 11 de abril de 2002 ficou marcado na história da Venezuela pela violência

e mortes, provocadas pelo enfrentamento de partidários do presidente com

oposicionistas que se dirigiam ao Palácio de Miraflores. Líderes da oposição desviaram

a marcha rumo ao Miraflores enquanto partidários de Chávez, convocados por Freddy

Bernal, prefeito do município de Libertador, saíram às ruas para defender o governo.

Conforme destaca Marcano & Barrera (2006): “Oficiais da Guarda Nacional impedem a

chegada dos manifestantes a Miraflores. Em meio a uma desordem geral, começam a

cair no chão pessoas feridas. As balas parecem vir de todos os lados”330.

Como consequência, os grandes meios de comunicações privados, notórios

críticos do regime, culparam Chávez pelas mortes, devido a sua política de

enfrentamento entendidas como incitação à violência. Também acusaram o presidente

de ordenar atirar em civis desarmados. Isso impactou Chávez visivelmente. Ao

discursar na tarde do dia 11 de abril de 2002, ou seja, poucas horas antes de ser deposto,

328. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del paro nacional de la oposición. Adyacencias del Palacio de Miraflores. Caracas, 9

de abril de 2002, p.245.

329. Idem.

330. MARCANO, Cristina & BARRERA, Alberto. Hugo Chávez sem uniforme, p.209.

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o presidente parecia acuado. Ao que tudo indica, não sabia ao certo o que acontecia e

parecia ter sido ‘pego de surpresa’ com os confrontos entre seus partidários e opositores

ocorridos nas ruas de Caracas. Em discurso um tanto descoordenado e provavelmente

improvisado pronunciado a tarde, Chávez citou frases bíblicas, relembrou os feitos de

sua gestão, dentre os quais a nova Constituição, e recorreu a Simón Bolívar.

Decía Bolívar, el padre libertador, a quien invoco también en este

momento tan importante para la vida del país. Invoco a Bolívar,

entonces, cuando decía “trabajo y más trabajo, paciencia y más

paciencia, constancia y más constancia para tener patria”; ese es el

mensaje que yo quiero hoy lanzar a todos los venezolanos331.

Os apelos de Chávez não surtiram o efeito esperado. Um grupo de oficiais

generais do Exército, da Armada e da Aeronáutica, que constituía parte do alto-

comando militar, foi à impressa e anunciou estar em “rebelião” contra o presidente da

República. Eles exigiam a renúncia de Hugo Chávez. Em seguida, o comandante-geral

do Exército, general Efraín Vásquez Velazco, falou em nome das Forças Armadas. O

cenário para a deposição de Chávez estava montado, enquanto em vão ele se esforçava

para reunir os comandantes militares a fim de acionar o Plano Ávila332. O presidente

havia perdido o controle de parte de seus subordinados militares.

Às duas horas da madrugada de 12 de abril de 2002 um grupo de oficiais-

generais chegou ao Palácio de Miraflores com a carta de renúncia para que Chávez a

assinasse. O presidente se recusou a assiná-la e como consequência os militares

ameaçaram bombardear o Palácio333. Desta forma, Chávez decidiu agir com outra

estratégia. Ao invés de renunciar, se entregou aos militares com o propósito de evitar a

invasão ao Miraflores. O presidente foi escoltado em meio a um tumulto de ministros e

militares que o rodeavam até um carro e levado em custódia ao Forte Tiuna.

Posteriormente, ele foi transferido de helicóptero para a Ilha de la Orilla. A partir deste

fato, grande parte dos meios de comunicação passaram a divulgar a notícia de que

Chávez havia renunciado e estava pronto para seguir ao exílio em Cuba.

331. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías en cadena nacional de radio y TV.

Caracas, 11 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Isaías. Palabras de abril, p.47.

332. Nome dado por militares venezuelanos ao Plano de restabelecimento da ordem no país em

momentos de desordem civil ou grandes distúrbios motivados por ações violentas.

333. Optou-se, nesta tese, por não especular se Chávez chegou ou não a assinar uma carta de renúncia

trazida pelos militares golpistas, pois as fontes são pouco confiáveis. ‘Oficialmente’, ele não renunciou ao

mandato em abril de 2002 e não há nenhum documento disponível aos pesquisadores que indicam a

renúncia. A suposta carta (assinada ou em branco) desapareceu e na Venezuela o provável paradeiro deste

documento é motivo de muitas especulações que fogem do propósito deste texto.

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Poucas horas mais tarde, ou seja, na tarde de 12 de abril de 2002, Pedro

Carmona Estanga334, um dos líderes das manifestações dos dias anteriores e presidente

do sindicato patronal Fedecámaras, tomou posse como presidente da Venezuela. Ele foi

investido no cargo com base no argumento do ‘vazio de poder’. Carmona e os militares

que o apoiaram alegaram que Chávez havia renunciado, por isso, teria assumido o poder

com o propósito de formar um governo de unidade nacional. Todavia, a carta de

renúncia, segundo a qual se baseavam, jamais apareceu e Chávez sempre negou que

tivesse assinado qualquer documento a respeito. Mesmo assim, Carmona se

autojuramentou presidente da República e vestiu a faixa presidencial em uma cerimônia

restrita, realizada às pressas no Palácio de Miraflores.

Na visão do general Jorge Luis García Carneiro, uns dos comandantes da

operação que restituiu Chávez no poder, o ato de se autojuramentar na presidência pode

ser considerado uma das maiores violações aos Direitos Humanos praticados na

Venezuela nas últimas décadas335.

Em seguida, Carmona e seus colaboradores emitiram um decreto com o qual

anularam as demissões feitas por Chávez na PDVSA dias antes em seu programa na

televisão. Porém, o mais impactante foi que neste mesmo decreto, lido pelo porta-voz

Daniel Romero, Carmona aboliu a Constituição de 1999 e passou a governar por

decretos em Estado de Sítio. Destituiu os membros da Assembleia Nacional, do

Tribunal Supremo de Justiça, o Procurador Geral da República e prefeitos e

governadores ligados a Hugo Chávez. Em suma, o breve governo de Pedro Carmona

não passou de uma ditadura. Devido a intensidade das medidas tomadas, as Forças

Armadas retiraram seu respaldo ao novo governo. Para Marcano & Barrera (2006), os

mesmos que haviam aceitado a destituição de Chávez, ou seja, os militares, foram os

que rapidamente disseram: “mandem buscá-lo”.

A impositiva investidura de Pedro Carmona na presidência foi uma ação

desastrosa, refletida na forma rápida como se isolou politicamente. As medidas radicais

tomadas por um governo que teoricamente havia sido instalado para ser de ‘transição

democrática e unidade-nacional’ não foram respaldadas pelas Forças Armadas. Abolir

todo o ordenamento jurídico-político do país e governar por decretos não seria capaz de

legitimar, ao menos razoavelmente, um governo já instalado a partir da derrubada de um

334. Pedro Carmona Estanga é economista e tinha 60 anos de idade quando ascendeu ao cargo. Havia

militado no Copei, com experiência em vários órgãos de comércio e participação em conselhos

petroquímicos ligados à exploração petrolífera.

335. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.111.

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presidente que havia sido escolhido através de eleições. Assim como ocorreu com

Chávez dez anos antes, o golpe de Estado de abril de 2002 teve curtíssima duração.

Impor um governo como o de Carmona não apenas pode ser considerado uma

ação político-militar desastrosa, também proporcionou uma imensa quantidade de

argumentos a Chávez no intuito de desqualificar a oposição no decorrer de seu mandato.

A partir de então, Chávez conseguiu durante um tempo atrelar a imagem da oposição

com a dos civis e militares que haviam apoiado o golpe contra ele em 2002. A

consequência imediata de tais atitudes foi um cenário político tão polarizado que, a

partir deste momento, praticamente se encerraram os poucos canais de diálogo existente

entre os dois lados. Outro grande equívoco de Carmona na presidência foi retirar o

quadro de Simón Bolívar do palácio presidencial e voltar o nome do país para

República da Venezuela. Segundo narra o general García Carneiro:

[…] está demostrado, que cuando el señor Carmona le correspondió

dar el manifiesto que disolvía los poderes, lo primero que hizo fue

quitar el cuadro de Simón Bolívar del Salón Ayacucho del Palacio de

Miraflores. Así, pasaron tantas cosas, que uno se da cuenta que

parecía que hablares de Bolívar les daba escalofríos336.

Embora tenham sido atitudes no campo simbólico, a partir deste acontecimento

atribuir aos golpistas a imagem de antibolivarianos tornou-se uma tarefa extremamente

fácil para um líder como Hugo Chávez. A visão exposta acima pelo livro do general

García Carneiro – figura influente durante a era Chávez – demonstrou a eficácia deste

raciocínio. Legitimou-se, portanto, a tese de que o golpe de abril de 2002 foi uma

agressão a Simón Bolívar, representado pela saída forçada do continuador de sua obra

do poder para a instalação de um governo ‘antibolivariano’. O Libertador, portanto,

havia se transformado no símbolo do presidente temporariamente destituído337. Esta

imagem se tornava ainda mais visível quando Chávez defendia a tese de que Bolívar

havia sido traído por vários de seus colaboradores (José Páez, principalmente), assim

como ele foi ‘traído’ por alguns ‘irmãos militares’ que apoiaram a sua destituição.

Ao ser reempossado no cargo, na madrugada de 14 de abril de 2002, Chávez

passou a adotar um discurso um pouco mais moderado devido a delicada situação

política vivida pelo país. Em pronunciamento feito após o retorno, enfatizou que os

bolivarianos eram humanistas e não usariam de qualquer tática revanchista. Mais uma

vez Bolívar entrou em cena através das palavras do presidente da República.

336. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.11-112.

337. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.372.

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Ha quedado demostrado, una vez más, que este pueblo, el glorioso

pueblo, el pueblo de Bolívar, que ciertamente durante muchos años

engañaron, manipularon y a veces llevaron como borregos, despertó

con la consciencia de su propia fuerza y se ha convertido en actor

histórico que construye un nuevo camino338.

No entanto, o aparente tom moderado de Chávez não o impediu de criticar a

oposição. Para ele, os oposicionistas deveriam repensar as próprias atitudes e,

sobretudo, respeitar as leis do país com as quais os bolivarianos continuariam a

construir a pátria sonhada por Simón Bolívar. Nesse momento, Chávez surpreendeu ao

abrir possibilidade de reconhecer possíveis erros ou exageros cometidos no exercício da

presidência, principalmente na condução da crise provocada após promulgar as leis em

novembro de 2001.

Vengo dispuesto a rectificar donde tenga que rectificar. Pero no solo

debo ser yo el rectificador, todos tenemos que rectificar muchas cosas

para que volvamos a la calma, al trabajo, al empuje y a la

construcción de la Venezuela Bolivariana, para que sigamos

construyéndoles la patria a nuestros hijos, a nuestros nietos, para que

sigamos haciendo realidad el sueño de Bolívar339.

Os acontecimentos que culminaram na destituição de Chávez são um dos

momentos mais controversos na história recente da Venezuela. Destes dias ficaram mais

perguntas do que respostas no tocante ao que realmente teria acontecido naquelas tensas

horas. Ademais, as fontes confiáveis ainda são escassas e algumas perguntas

permanecem sem respostas ou com turvas justificativas. Chávez teria renunciado? Por

que se entregou aos militares? Os militares insurgentes o torturaram? Havia um plano

para matá-lo? Depende da origem da fonte tais perguntas podem apresentar diferentes

respostas e versões. O presidente nunca falou em tortura por parte dos militares, negou a

renuncia, disse que havia se entregado a fim de evitar derramamento de sangue e que de

fato havia um plano para matá-lo, porém, começou a explicitar isso somente alguns

anos após o ocorrido.

No entanto, o mais relevante para esta análise é que os dias 11, 12 e 13 de abril

se tornaram datas de comemoração do regime, no sentido de celebrar o dia em que se

venceu o ‘golpe fascista’ contra a Venezuela, o Libertador e o presidente Hugo Chávez,

para que este pudesse continuar a obra de Simón Bolívar.

338. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías, al retornar al Palacio de Miraflores.

Caracas, 14 de abril de 2002. In: RODRÍGUEZ, Julian Isaías. Palabras de Abril, p.91.

339. Idem, p.100.

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161

Considerações finais do capítulo

Hugo Chávez obteve êxito em se colocar no cenário político como o continuador

da obra de Simón Bolívar, iniciada no século XIX. Por meio desta postura, conseguiu

construir uma maioria eleitoral capaz de respaldá-lo no poder e de aprovar as medidas

que institucionalizaram o regime bolivariano, a exemplo da Constituição de 1999.

Entretanto, isso não significou que sua liderança deixasse de ser fortemente

questionada. As mudanças implantadas nos âmbitos político, econômico e social foram

viabilizadas pelo maciço apoio popular angariado desde o fracassado golpe de 1992.

Porém, parte desta popularidade ocorreu pelo êxito obtido em se colocar no cenário

político como uma alternativa ante a crise instalada, mas também em razão de se

posicionar como alguém capaz de continuar a obra de Bolívar interrompida em 1830.

Esta imagem foi sendo reforçada desde o aparecimento do tenente-coronel em rede

nacional quando assumiu a ‘responsabilidade pelo movimento militar bolivariano’.

A capacidade de Chávez em se inserir nas massas estava intimamente ligada ao

uso que fazia do culto à figura de Simón Bolívar, ao se posicionar no cenário político

como a personificação do prócer do século XIX, ou sendo considerado por muitos de

seus partidários o ‘segundo Libertador’ da Venezuela. Contudo, o bolivarianismo da era

Chávez, no sentido de um presidente ‘continuador da obra’ do herói da Independência,

apontou algumas questões essenciais a seu entendimento.

Primeiramente, o regime proporcionou uma relevância estratégica à abordagem

histórica da tentativa de golpe de Estado, comandada pelo então tenente-coronel Chávez

em fevereiro de 1992. O líder daquele movimento, iniciado em 1982 no interior das

Forças Armadas, se tornou uma das principais alternativas ante um sistema imerso em

uma grave crise estrutural. Chávez conseguiu elevar a imagem dos militares insurgentes

ao patamar de heróis que haviam se rebelado com o propósito de restituir o poder

político a Bolívar. Com esta interpretação, Chávez e seus apoiadores conseguiram

convencer grande parte da população venezuelana de que aquela tentativa de tomar o

poder através das armas havia simbolizado a volta de Bolívar no cenário político.

Outro ponto relevante foi a Constituição de 1999. Ela reordenou o sistema

político e conteve a crise de legitimidade das instituições instalada desde a década de

1980 e alterou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela. Também

permitiu a formação de cinco poderes à República, dentre os quais o Poder Cidadão,

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162

inspirado no Poder Moral proposto por Bolívar em 1819. Reforçou-se, portanto, o

bolivarianismo ao oferecer bases institucionais ao projeto de poder do presidente

Chávez, ao lhe possibilitar que continuasse na presidência da República.

Este ponto também marcou a resistência, vinda de opositores e setores ligados a

antiga oligarquia dirigente, contra as medidas tomadas por Chávez, sobretudo após

implantar políticas que aumentavam a presença do Estado no setor petrolífero. Sendo

assim, alguns grupos sociais, outrora dominantes, perderam espaço no cenário político

para uma nova liderança que optou pela estratégia de se manter no poder por intermédio

do incentivo à polarização.

Deste raciocínio, Chávez conseguiu legitimar o argumento de que as críticas de

seus adversários no tocante as medidas que tomava, tanto na reforma político-

administrativa quanto nos assuntos relativos ao petróleo, eram feitas pelos adversários

por eles estarem contra o Libertador. De forma hábil, conseguiu construir o argumento e

a imagem de que as críticas, bem como a desastrada tentativa de retirá-lo do poder

mediante um golpe de Estado em abril de 2002, seria um ato também contra o

Libertador. Por isso, a restituição de Chávez no poder pelos ‘braços do povo’ ganhou

tanta notoriedade e importância para aquele momento. Ou seja, mais do que um retorno

ao poder, marcou o início de um amplo domínio de Chávez no cenário político e de

alijamento de seus adversários que contribuíram para se anularem politicamente.

As posturas sustentadas pelo presidente Chávez ao longo de seus 14 anos na

presidência foram responsáveis por sua manutenção no poder, pois se colocar como um

continuador da obra de Simón Bolívar foi-lhe útil neste processo. Entretanto, há de se

enfatizar que o presidente conseguiu transformar esta popularidade em votos, ao vencer

eleições e referendos realizados durante seu mandato, os quais foram responsáveis não

apenas por manterem Chávez no poder, como também por viabilizarem suas políticas.

Este assunto é analisado no próximo capítulo.

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163

CAPÍTULO 4

A exploração do culto a Bolívar como vantagem eleitoral a Chávez: eleições e

referendos na Venezuela bolivariana

Introdução

Este capítulo objetiva demonstrar como o culto a Bolívar beneficiou

eleitoralmente o presidente Hugo Chávez. Parte-se do princípio de que após superar o

golpe de abril de 2002 e retornar ao poder sob forte apoio popular e de setores das

Forças Armadas, o presidente conseguiu ‘materializar’ o culto ao Libertador em

vantagem eleitoral, ao construir uma imagem de ser imbatível nas urnas, embora tenha

sofrido revezes. Como consequência, ampliou seu domínio no cenário político e, em

alguns momentos, esta predominância foi tão ampla que a oposição esteve praticamente

anulada, em razão da força eleitoral de Chávez e de equívocos cometidos no rechaço ao

popular presidente.

Contudo, para melhor compreender como Hugo Chávez transformou a

exploração do culto a Bolívar em vantagem eleitoral é preciso analisar quatro momentos

cruciais à Revolução Bolivariana.

Primeiro, a vitória no Referendo Revocatório de agosto de 2004. Após debelar o

golpe, Chávez vislumbra na realização do Referendo uma saída eleitoral à crise política.

A vitória nessa disputa não apenas o permitiu terminar o mandato, também consolidou

seu domínio no cenário político, ao se tornar um fenômeno eleitoral. Segundo, apesar de

encontrar-se no ‘auge’, ou seja, dispor de uma Assembleia Nacional unânime após o

boicote às eleições legislativas de 2005 e de ter sido reeleito presidente da República em

dezembro de 2006, foi justamente neste momento que Chávez sofreu sua primeira e

única derrota nas urnas. Ela ocorreu por margem diminuta de votos e foi no Referendo à

Reforma Constitucional de 2007.

O terceiro ponto advém justamente da derrota de 2007. Com o rechaço à

Reforma Constitucional e, consequentemente à reeleição sem limites, Chávez insta seus

apoiadores a solicitarem a realização de um referendo, realizado em fevereiro de 2009,

específico para derrubar tais empecilhos constitucionais. Dessa vez obtém êxito. O

quarto momento foi uma consequência da aprovação da reeleição sem limites, pois

Chávez se tornou candidato natural às eleições presidenciais de 2012. Entretanto, o

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diagnóstico de câncer e as idas e vindas de Cuba para tratamento adicionaram o fator

comoção social no cenário político. Uma mescla de culto a Bolívar com comoção social

em relação a um presidente-candidato-enfermo levaram-no a vencer aquelas eleições,

porém, a enfermidade o impediu de tomar posse.

Em todos estes quatro momentos cruciais para compreender este período, o culto

a Bolívar foi determinante na vantagem eleitoral obtida em relação a seus adversários.

4.1 – O Referendo Revocatório de agosto de 2004: o triunfo de Bolívar e a vitória

de Chávez

Entre os anos de 2002 e 2004, o governo de Chávez passou por um período

estratégico quando ocorreu a consolidação de sua liderança pessoal na presidência da

República. Como consequência, reafirmou seu amplo domínio no cenário político. Foi

justamente neste ínterim que o presidente ancorou as bases para se tornar um ‘fenômeno

eleitoral’ de proporções extraordinárias, adversário duro de ser vencido nas urnas e

valioso cabo-eleitoral a seus aliados, características que o acompanhariam até sua

morte. No tocante ao culto a Bolívar, foi um momento em que Chávez saiu nitidamente

vencedor das disputas travadas no âmbito político, ancorado no ‘triunfo’ do legado do

Libertador, por meio da intensa exploração do culto.

Em mensagem à Assembleia Nacional em janeiro de 2002, o presidente

concentrou suas críticas ao que chamou de instabilidade e divisionismo, com o

propósito de criticar os setores sociais que questionavam sua liderança e se

posicionavam contra a política de nacionalização do setor petroleiro, iniciada por meio

dos decretos expedidos em novembro de 2001. Portanto, as causas que haviam levado

historicamente a Venezuela à instabilidade e à ruína eram provocadas pela incapacidade

dos governantes em prover ‘felicidade’ ao povo, atribuindo este raciocínio a Bolívar340.

Em resumo, o propósito de Chávez continuava o mesmo: aglutinar apoio político-

popular em torno de sua figura ao utilizar o legado histórico do Libertador.

Outra marcante característica da Venezuela deste período foi a crescente

radicalização, por meio da polarização político-social que o país vinha sofrendo desde a

década de 1980 e intensificada com a ascensão do ex-militar ao poder em 1999.

Segundo Andrés Serbin, Chávez exercia o papel de ‘polarizador’ no cenário político

340. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del Mensaje Anual ante la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 15 de

enero de 2002, p.67-68.

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venezuelano que se estendia aos âmbitos político e social. Esta polarização era

estratégica ao presidente, pois mantinham importantes atores identificados com o

regime, tais como os movimentos sociais e as Forças Armadas341.

De acordo com Rafael Villa, na Venezuela de 2001 a 2004 fortalecer a

democracia, tanto no âmbito político quanto nas instituições do país, não pareceu ser

uma prioridade dos atores político-sociais venezuelanos. Eles não demonstraram

disposição em superar as diferenças e tolerar os distintos pontos de vista daqueles que

sustentavam no momento342.

Desde a deposição temporária de Chávez em abril de 2002 até sua vitória no

Referendo Revocatório de agosto de 2004 (que o relegitimou no poder), houve um

período de frenéticas disputas em que a oposição saiu derrotada e o presidente Chávez

obteve uma ampla vantagem no cenário político-eleitoral. Rumores de golpe, agitação

nos quartéis, dissidência de oficiais, todos estes fatores combinaram com a rispidez

entre políticos (manifestada por meio de seus discursos) e acusações corriqueiras. A

Venezuela estava politicamente dividida e era quase impossível permanecer indiferente

perante o processo. Ou apoiava Chávez ou seria partidário da oposição, o que

expressava um grau máximo de polarização político-social. Ao ser restituído no poder,

Chávez até ensaiou uma conciliação com os setores sociais que o rechaçavam. Porém,

esta iniciativa foi inviabilizada. A Venezuela havia chegado a um grau excessivo de

polarização político-social, se tornando incapaz de oferecer ao presidente da República

margem de manobra suficiente para tal propósito. “Exigia-se a saída do presidente a

qualquer custo, mesmo que tal alternativa implicasse latente risco de golpe de

Estado”343.

No entanto, com base nas fontes analisadas, Chávez nunca deixou de adotar uma

postura considerada dura em relação aos setores oposicionistas. Essa estratégia,

moldada pela intransigência, ficou ainda mais explícita após debelar o movimento

golpista e voltar ao poder em abril de 2002. Para o presidente, não havia uma “oposição

séria” na Venezuela, tampouco alguém entre os oposicionistas com quem pudesse

dialogar de maneira profunda e com honestidade344.

341. SERBIN, Andrés. Hugo Chávez: liderança e polarização, p.126.

342. VILLA, Rafael. Venezuela: mudanças políticas na era Chávez, p.170.

343. Idem, p.164.

344. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez diz que não há “oposição séria” para dialogar. Folha de

S. Paulo. São Paulo, 4 de maio de 2002, p.17, No 26.694.

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166

Além disso, a opção pelo golpe, assumida pela oposição para destituir Chávez,

foi extremamente negativa, acabou se voltando contra qualquer forma de oposição na

Venezuela, pois serviu ao governo como uma maneira eficaz de justificar seus ataques à

oposição em seus discursos. A equivocada estratégia adotada pela oposição para

destituir Chávez não apenas revelava a instabilidade do cenário político, ela legitimava

a tese defendida pelo presidente segundo a qual seus adversários não eram sérios e não

estavam comprometidos com a democracia e o povo venezuelano. A antiga oligarquia

dirigente, tão incrustada durante décadas no poder, encontrava dificuldades em superar,

por vias eleitorais, uma liderança tão carismática e popular como o presidente Chávez,

portador de um discurso classista e com votos entre a população mais pobre do país.

Chávez lidava com as dificuldades provocadas por setores que questionavam sua

liderança, pediam sua saída imediata do poder e promoviam protestos quase diários nas

ruas, praças e demais espaços públicos de Caracas e de outras cidades venezuelanas. Em

outubro de 2002, o general Enrique Medina Gómez e mais 13 oficiais iniciaram atos de

desobediência com o propósito de forçar a renúncia do presidente. Eles fizeram vigília

na Praça França, localizada em um bairro de classe média de Caracas. Em entrevista,

Medina Gómez afirmou que ficaria em vigília até que este “assassino [o presidente

Chávez] tivesse vergonha e renunciasse”345.

Antes de sair vitorioso no Referendo Revocatório de agosto de 2004, o governo

de Chávez teve que percorrer um longo caminho, durante o qual lidou com problemas

que se avolumavam no tocante a situação política e econômica do país. O conturbado

ano de 2002 parecia interminável ao presidente e havia vários analistas a fazerem a

seguinte avaliação: cedo ou tarde Chávez abandonaria a presidência em decorrência das

pressões vindas de militares dissidentes, a exemplo do destacado no parágrafo anterior.

Outra aposta era de que a greve da diretoria da PDVSA (que durou de novembro de

2002 a fevereiro de 2003) e o desabastecimento provocado a partir dela, desgastariam a

imagem de Chávez perante seu eleitorado. Assim sendo, ele não encontraria alternativa

senão renunciar a presidência.

No entanto, este prognóstico demonstrou-se equivocado. Chávez superou a

greve da estatal petroleira, demitiu praticamente toda a diretoria da empresa e

consolidou seu domínio sobre ela346.

345. GÓMEZ, Enrique Medina (Entrevista). “Protestaremos até que este assassino renuncie”. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 24 de outubro de 2002, p.12, No 26.867.

346. KOZLOFF, Nikolas. Hugo Chavez: oil, politics, and the challenge to the United States, p.34.

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Estes revezes forçaram a oposição a adotar uma nova estratégia para vencê-lo:

tentar antecipar as eleições por meio da convocação de um Referendo Revocatório do

mandato presidencial. Isso gerou um impasse. Chávez havia se posicionado durante a

campanha eleitoral de 1998 e no processo da Constituinte como um voraz defensor da

ampliação dos canais de participação popular, com os quais supostamente aumentaria a

influência da população no poder decisório. Publicamente, chegou a se posicionar de

forma receptível a convocação de um Referendo Revocatório, como parte de sugestões

feitas por alguns de seus aliados para evitar a continuidade dos atos de violência pelo

país347.

Todavia, na prática a realidade foi inversa. Chávez resistiu o quanto pôde à

convocação de qualquer consulta popular que abreviasse seu mandato, tampouco

cogitava a hipótese de antecipar às eleições presidenciais. Em discurso proferido na

abertura do ano legislativo de 2003, ele deixou bem nítido seu posicionamento no

tocante ao assunto: “Nadie en Venezuela puede convocar a elecciones adelantadas

porque eso no está en la Constitución, sería darle un golpe de estado en la

Constitución”348.

O presidente Chávez agia no cenário político como um enxadrista, pois esperava

o momento propício para atacar, recuar e não desperdiçava as oportunidades para

neutralizar seus adversários, ainda que fosse de uma forma traiçoeira e autoritária. Neste

aspecto, a exploração do culto a Bolívar servia para desvirtuar as propostas da oposição

que exigia a antecipação das eleições para abreviar o mandato do presidente.

Ao discursar para uma multidão de partidários na Avenida Bolívar, uma das

principais de Caracas, aproveitou o ensejo e lançou outra proposta: convocar um

Referendo para revogar os mandatos dos prefeitos, governadores e deputados que, em

sua visão, haviam traído a Revolução Bolivariana e, consequentemente, eles estavam

contra o povo da Venezuela. “Esas sí son las elecciones que pudiéramos hacer desde

ahora mismo para revocar mandato a gobernadores, alcaldes y después a diputados o

diputadas”349. Por fim, ao falar em nome do Libertador, pregou a união entre todos

347. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez diz que poderá convocar referendo. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 24 de junho de 2002, p.11, No 26.745.

348. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 17 de enero

de 2003, p.40.

349. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la gran marcha de respaldo a su gobierno al cumplirse 6 meses de la restitución del

hilo constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 13 de octubre de 2002, p.465-466.

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aqueles que o apoiava com o propósito de superar a oposição. Segundo o presidente,

para Bolívar somente a união os faria livres350.

Era perceptível que a campanha para convocar um Referendo Revocatório que

abreviasse o mandato do presidente havia sido uma iniciativa da oposição. Para além da

‘guerra de versões’ travada entre governo e oposição, a Constituição de 1999

possibilitava a revogação de mandatos dos funcionários públicos eleitos pelo voto

popular nos poderes Executivo e Legislativo, desde que fosse realizada depois de

cumprido mais da metade do mandato e requisitada por uma porcentagem dos eleitores

venezuelanos. Em seu Artigo 72, a Constituição da Venezuela é explicitamente direta:

Todos los cargos y magistraturas de elección popular son revocables.

Transcurrida la mitad del período para el cual fue elegido el

funcionario o funcionaria, un número no menor de veinte por ciento

de los electores o electoras inscriptos en la correspondiente

circunscripción podrá solicitar la convocatoria de un referendo para

revocar su mandato351.

Chávez teria que lidar com este impasse, ancorado no argumento de que a

Constituição de 1999 havia sido elaborada com base nos pressupostos teórico-

filosóficos defendidos por Simón Bolívar. Sobre eles embasavam o mecanismo do

Referendo Revocatório para abreviar ou não o mandato do presidente da República e

dos demais detentores de cargos eletivos. Apesar de toda esta voraz defesa da

democracia ‘direta’ e ‘bolivariana’, Chávez não aceitou facilmente a ideia de convocar

um Referendo Revocatório. Utilizou de todos os mecanismos ao seu alcance para

impedir ou postergar a realização de qualquer consulta popular que pudesse encurtar sua

permanência na presidência da República. Toda esta batalha política chegou ao campo

jurídico e a Suprema Corte de Justiça foi obrigada a nomear cinco membros para

compor um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que comandaria o processo. Para que

fosse convocado o Referendo Revocatório, a oposição precisaria recolher a assinatura

de 20% dos eleitores venezuelanos, isto é, 2,4 milhões de pessoas na época (JONES,

2008, p.426). Conforme demonstrou Jones (2008), esta disputa estava longe de ser

tranquila e fácil para ambos os lados.

A primeira decisão do conselho desfavoreceu a oposição. O órgão

decidiu que as petições entregues pelos opositores em agosto e que,

supostamente, conteriam 3 milhões de assinaturas requeridas, não

eram válidas. O órgão afirmou que as assinaturas haviam sido

colhidas a partir de fevereiro de 2003 – antes da metade do mandato

350. Idem, p.472-473.

351. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999). Artículo 72, p.487.

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de Chávez – e sem a supervisão das autoridades. A oposição alegou

que o governo tentava evitar a votação e que buscava dissuadir a

população de assinar as petições, ao divulgar na Internet uma lista

com os que tinham aderido ao movimento e ao negar-lhes empregos,

passaportes, carteiras de identidade e bolsas estudantis. O governo,

por seu lado, respondeu afirmando que empresas obrigavam seus

funcionários a assinarem as petições, sob pena de serem demitidos. No

final, os líderes da oposição aceitaram colher novamente as

assinaturas352.

Paralelamente, o presidente Chávez atuava em outra ‘frente de batalha’: as

Forças Armadas. Havia uma necessidade urgente de pôr fim as dissidências de oficiais.

Isso foi atingido ao concluir o processo de ‘expurgo’ dos militares não comprometidos

com a Revolução Bolivariana. Chávez tinha a consciência de que, após o visível ato de

insubordinação demonstrado por vários altos-oficiais durante e após o golpe de abril de

2002, deveria restituir o comando da instituição e compô-la somente com militares

explicitamente afinados à suas convicções político-ideológicas.

A Assembleia Nacional da Venezuela, na época de maioria oficialista, chegou a

instalar uma Comissão da Verdade com o propósito de apurar o que realmente havia

acontecido entre os dias 11 e 13 de abril de 2002. Apesar da comissão do Legislativo ter

recomendado processar os oficiais comprometidos com o golpe, o Tribunal Supremo de

Justiça (TSJ) declarou que os acontecimentos de abril de 2002 haviam caracterizado um

vazio de poder, não um golpe de Estado. Isso impossibilitou que se levasse adiante o

processo contra os militares comprometidos com aquele episódio e irritou

profundamente o presidente. Poucos dias antes da decisão, “Chávez fez declaração

pressionando pelo indiciamento e acusou juízes da corte de corrupção”353. O clima

estava extremamente tenso na Venezuela e um dos generais absolvidos, Efraín Vásquez,

teve a casa atacada por uma bomba.

Como reação, o presidente Hugo Chávez começou a atacar o Judiciário devido

as absolvições realizadas por este poder. Em março de 2003, desafiou o TSJ a instaurar

qualquer processo contra ele e/ou a prendê-lo, com o propósito de desmoralizar este

poder perante sua plateia354. O presidente não perdeu a oportunidade de insuflar ainda

mais o confronto no já tenso cenário político ao dizer que lhe agradava as batalhas.

352. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.427.

353. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Corte livra militares que derrubaram Chávez. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 15 de agosto de 2002, p.17, No 26.797.

354. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del encuentro “Pensar la Revolución”. Casa Andrés Bello. Caracas, 22 de marzo de

2003, p.227-257.

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Para além desse radicalismo presente nas palavras de Chávez, o fato era que os

discursos incisivos e eloquentes feitos a seus apoiadores faziam parte de uma estratégia

para angariar apoio popular, sendo que logo em seguida o presidente recorria a Bolívar

para legitimar seu raciocínio. Segundo Chávez, para o Libertador a justiça seria a rainha

das virtudes355. Por meio de tais palavras, desejava utilizar a figura do prócer para

atingir o Tribunal Supremo de Justiça, como resposta à absolvição dos militares que

tentaram derrubá-lo em abril de 2002. O presidente Chávez também insistiu na tese de

que a impunidade provocava um mal à República, a exemplo de um câncer, e recorreu

novamente a Bolívar para legitimar este raciocínio. Ao discursar em uma marcha em

fevereiro de 2004, o presidente afirmou:

Bolívar ya lo alertaba en muchas ocasiones; la impunidad es un

cáncer y aquí se está cumpliendo eso, porque hay un grupo de

golpistas que deberían estar en prisión y continúan por allí, continúan

conspirando contra la paz de Venezuela diciendo hasta payasadas356.

Como se pode observar, na visão de Chávez o poder Judiciário da Venezuela

estava dando um péssimo exemplo à sociedade, pois havia criado um clima de

impunidade em relação aos militares golpistas. Por isso, ele insistia no tema da

impunidade a fim de atacar o Judiciário e a oposição que o questionava e estava

recolhendo assinaturas com o propósito de convocar um Referendo Revocatório. O

Libertador aparecia em seus discursos como uma forma de legitimar este raciocínio. Na

verdade, Chávez jamais se conformou com a absolvição dos oficiais que haviam

conspirado contra seu governo e tentou anular a decisão por vias legais. Porém, não

obteve o sucesso almejado.

O cenário político-social cada vez mais polarizado abria margem a um

sentimento de revanchismo. Em várias oportunidades, altos-funcionários do governo

defenderam publicamente penas duríssimas aos conspiradores. Profundamente

descontente com a absolvição e não obtendo sucesso em anular esta decisão por vias

legais, Chávez permitiu que seus oficiais de confiança utilizassem de métodos ‘não

institucionais’ com o propósito de forçar os militares golpistas a deixarem as Forças

Armadas, a exemplo de exigir identificação ao entrar nos quartéis e/ou abrir as malas

perante soldados rasos na portaria. Colocou-se uma britadeira para fazer barulho a noite

355. Idem.

356. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha-concentración “Venezuela se respeta”. Autopista Francisco Fajardo a la

altura del Jardín Botánico. Caracas, 29 de febrero de 2004, p.143.

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ao lado da casa destes oficiais, conforme o general García Carneiro descreve em seu

livro, ao assumir ter sido o autor das ordens com as quais forçaram os militares

golpistas a pedir baixa das Forças Armadas. No caso do general Manuel Rosendo, todos

os seus pertences pessoais, que se encontravam na casa ocupada pelo militar no quartel,

foram transferidos para um depósito no Forte Tiuna357. Ou seja, o presidente Chávez

reagiu rápido ao cerco oposicionista e utilizou de todos os mecanismos que julgou

serem eficazes para atingir o almejado: a expulsão dos militares que orquestraram o

golpe de abril de 2002.

Desta forma, Bolívar surgia nos discursos do presidente como um meio através

do qual não se restringia a somente agregar apoio político. O Libertador também deveria

ser capaz de aliviar as tensões e desviar o foco nos momentos mais difíceis. Isso ficou

nítido na mensagem de ‘despedida’ do conturbado ano de 2002, proferida em 31 de

dezembro. Não faltaram alusões ao Libertador e Chávez aliou o legado escrito de

Bolívar com o que chamou de exemplo histórico que o prócer ofereceu aos

venezuelanos358, embora isso tenha sido realizado por meio de uma historiografia

permeada pelo culto a Bolívar, o que se assemelhava mais a uma interpretação do que a

uma análise propriamente historiográfica.

Hoy vamos a traer su palabra, no sólo su palabra también como su

ejemplo histórico, padre Libertador como tú hoy decimos tus hijos:

somos el pueblo de las dificultades, dificultad que se atraviese en

nuestro camino será vencida por nuestra grandeza como pueblo359.

Nesta ocasião, Chávez havia recorrido a Bolívar com o propósito de aglutinar as

palavras do Libertador com o que chamou de ‘exemplo histórico’ proporcionado pelo

prócer, munido dos seguintes propósitos: reafirmar sua liderança para reagir ante quem

a questionasse. Além disso, é necessário ponderar que o fato do presidente ter ‘aceitado’

a realização do Referendo Revocatório que acabou sendo realizado em 2004 não pode

ser vislumbrado como um sinal de debilidade perante a insistência dos setores

oposicionistas. As razões que levaram Hugo Chávez a se submeter ao Referendo

Revocatório se localizavam fora de seu alcance. Se pudesse impedir a consulta,

provavelmente assim teria feito. Porém, era inegável que havia uma parcela da

sociedade venezuelana que não o queria como presidente da República. Esta oposição

357. GARCÍA CARNEIRO, Jorge Luis. La consciencia de la lealtad, p.154-158.

358. CHÁVEZ, Hugo. Mensaje del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del fin de año. Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de diciembre de 2002, p.540.

359. Idem.

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se expressava de forma permanente no espaço público. Era fato que ela carecia de

massivo apoio popular, porém, os opositores ao regime possuíam relativo apoio

político, notoriedade econômica e espaço na mídia.

Ao contrário do que Chávez insistia em afirmar, aqueles que queriam destituí-lo

da presidência não eram somente políticos que haviam pertencido a antiga oligarquia

dirigente. O grupo também era composto por militares e ex-membros de seu governo

que haviam passado às fileiras da oposição e começaram a insuflar a população contra o

presidente. Um destes exemplos foi Guaicaipurao Lameda, general que participou dos

três primeiros anos da administração Chávez. Lameda, que ocupou os cargos de diretor

de orçamento e presidente da poderosa estatal PDVSA, se afastou do governo em

meados de 2002 após embates com Chávez no tocante a política de não desvalorização

da moeda e a recusa de Lameda em enviar US$ 1 milhão à oposição na Bolívia360.

Na realidade, havia uma situação política tensa que poderia ser considerada uma

crise com proporções consideráveis. Nem Chávez poderia deixar de admitir isto. Havia

a necessidade de uma mediação a ser realizada de preferência por um ator político de

fora da Venezuela. Esse papel coube ao ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy

Carter, por meio do Centro Carter. Sob a mediação deste, representantes do governo e

da oposição realizaram conversas de fevereiro a maio de 2003. Como resultado, foi

assinado o documento intitulado ‘declaração contra a violência’ que estabeleceu como

propósito encontrar uma saída constitucional e eleitoral à crise361.

Ainda que tenha sido estabelecida com bases extremamente frágeis, devido a

intensa polarização, para Jones (2008) havia um clima um tanto promissor no sentido de

que a oposição acreditava que poderia facilmente vencer o presidente em um Referendo

Revocatório do mandato presidencial. Haviam sido encomendadas pesquisas de opinião

para embasar esta tese, legitimadas por muitos artigos jornalísticos escritos na época362.

“O senso comum entre analistas, diplomatas e os grandes meios de comunicação, rezava

que Chávez se encontrava em sérios apuros e que, provavelmente, seria derrotado, ou

pelo menos a corrida terminaria empatada” 363.

Poucos haviam se atentado à hipótese de que Chávez pudesse sair fortalecido de

toda esta batalha travada no campo político em um cenário de crescente radicalização,

360. CARROL, Roy. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.71-78.

361. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez e oposição fazem pacto antiviolência. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 19 de fevereiro de 2003, p.19, No 26.985.

362. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.427.

363. Idem, p.432.

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mesmo sem recuperar a combalida economia venezuelana. Por isso, a análise feita pelo

jornalista Ginger Thompson, do The New York Times (longe de ser simpática ao regime)

era contrária ao que pensava a grande maioria dos opositores do presidente. “Chávez

pode não apenas sobreviver a este [...] desafio à sua presidência [...], ele também pode

emergir como uma nova força, se seu país ficar mais polarizado e economicamente mais

deteriorado que antes”364.

A exemplo do que fez ao longo de sua trajetória política, Chávez se defendia

atacando. A intensa exploração do culto a Bolívar, somada a polarização no cenário

político, permitiu a Chávez adotar a estratégia de gradativamente construir um ‘inimigo’

ao Libertador na consciência coletiva de muitos venezuelanos. Estes inimigos seriam

dois: a oposição, representada, na visão de Chávez e seus partidários, pela antiga

oligarquia dirigente que havia tentado pôr fim a Revolução Bolivariana por meio do

golpe de abril de 2002; e os Estados Unidos, o principal destino do petróleo

venezuelano desde meados do século XX.

Entre 1999 e 2013, as relações no âmbito político-diplomático com Washington

foram marcadas pela hostilidade com distanciamento. Tratava-se de uma relação

também contraditória, ou esquizofrênica, conforme pontua Romero (2006), de um

governo que satanizava os Estados Unidos, mas enviava mais de um 1 milhão de barris

de petróleo e derivados a este país diariamente365.

Contudo, nem sempre foi assim. Durante a ditadura de Marcos Pérez Jimenez

(1952-1958) as relações eram extremamente próximas. Conforme pontua Ewell (2002),

neste período houve um processo de ‘norte-americanização’ da sociedade venezuelana,

por meio da introdução do American Way of Life. Este fenômeno era sentido

intensamente pela classe média que assistia partidas de beisebol e filmes produzidos nos

Estados Unidos, comia hamburguês e estudava inglês no Centro Venezolano-

Americano. Cerca de 90% do petróleo extraído das jazidas venezuelanas tinham como

destino à América366 e o presidente Dwight Eisenhower conferiu ao ditador Marcos

Pérez Jimenez a honraria Legião do Mérito, uma das maiores condecorações dos

Estados Unidos367.

364. THOMPSON, Ginger. Presidente pode sobreviver à crise e sair fortalecido. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 4 de janeiro de 2003, p.6, No 26.939.

365. ROMERO, Carlos. Venezuela y Estado Unidos: ¿una relación esquizofrénica?, p.84.

366. EWELL, Judith. Venezuela, 1930-1990, p.427.

367. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.34.

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Por outro lado, todo este processo não esteve desprovido de resistência. Havia

uma parcela da sociedade venezuelana que nutria grande rechaço em relação aos

Estados Unidos em razão de seu apoio ao governo ditatorial. Em visita à Caracas em

maio de 1958, o então vice-presidente Richard Nixon foi hostilizado e seu carro

apedrejado, fato que o obrigou a encurtar sua passagem pelo país368.

[...] o protesto contra a visita de Nixon (maio de 1958), que era o

repúdio à política de poder dos Estados Unidos, tão hipócrita que

aplaudia pouco tempo antes a ditadura e logo depois, em 1958, a volta

à democracia. Esse repúdio, tão viva e justamente manifestado, esteve

a ponto de provocar uma agressão armada norte-americana contra a

Venezuela369.

Hugo Chávez insuflou este sentimento ‘antiamericano’ em sua base de apoio,

ancorado no respaldo dos norte-americanos aos golpistas de abril de 2002 e no discurso

de que Simón Bolívar rechaçava os Estados Unidos. Em Carta escrita em 1829, o

Libertador afirmou que os norte-americanos estavam destinados pela providência a

propagar a miséria na América em nome da liberdade370. Porém, tratava-se de um

raciocínio construído por Bolívar em um momento específico, ou seja, considerada uma

‘resposta’ do Libertador à Doutrina Monroe de 1823, mas Chávez o utilizou para

fundamentar a tese de que Bolívar também ‘respaldava’ suas críticas aos governos

norte-americanos.

Porém, o grande incentivo às hostilidades veio do apoio norte-americano ao

golpe de abril de 2002. Por meio de documentos produzidos no Departamento de

Estado, confirmou-se a participação de Washington no planejamento e no

financiamento do golpe, ao destinar milhares de Dólares em doações a grupos de

cidadãos venezuelanos adversários do regime, inclusive aos sindicatos patronais

responsáveis por organizar os protestos que culminaram na temporária destituição de

Chávez e ascensão de Pedro Carmona371. Com o vazamento dos documentos que

confirmaram a ingerência norte-americana, as hostilidades entre Caracas e Washington

368. VÍDEO. Richard Nixon em Caracas, 1958. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=xNsp8B1qlI8 (acesso em 6 de dezembro de 2016).

369. MAZA ZAVALA, Domingo. História de meio século na Venezuela: 1926-1975, p.317.

370. BOLÍVAR, Simón. Carta al señor coronel Patric Campbell, Encargado de Negocios de Su

Majestad Británica. Guayaquil, 5 de agosto de 1829, p.355.

371. MARQUIS, Christopher. EUA custearam grupos de oposição a Chávez. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 26 de abril de 2002, p.11, No 26.686.

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cresceram, ao deteriorar a relação entre os dois países, situação que se perduraria até o

final do governo Chávez em 2013372.

Desta forma, ficou fácil construir o argumento de que havia uma conspiração,

orquestrada pelos setores privilegiados e pelos Estados Unidos, para se apoderar das

riquezas naturais do país373.

Na visão do presidente, não se poderia esquecer o que havia acontecido na

Venezuela em abril de 2002, como uma forma de justificar o incentivo à polarização do

cenário político. Ou seja, o raciocínio de Chávez poderia ser resumido na seguinte

perspectiva: “o presidente descreveu a campanha do referendo como um plano de Bush

e dos Estados Unidos para derrubá-lo” 374. Hugo Chávez tinha a consciência de que suas

políticas para o setor petrolífero seriam contrárias aos interesses das grandes

transnacionais e dos Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo. Este

era um dos motivos pelo qual o governo norte-americano pressionava Caracas para que

antecipasse as eleições, como uma saída pacífica ante a crise instalada. O inimigo no

âmbito internacional estava criado e a justificativa era feita com base no financiamento

dos grupos envolvidos no golpe de abril de 2002.

Em discurso proferido na abertura dos trabalhos legislativos em janeiro de 2004,

Chávez foi enfático ao criticar duramente os presidentes dos Estados Unidos, George

Bush, e do México, Vicente Fox. Para Chávez, o mexicano era um ‘filhote do Império’.

O presidente da Venezuela os acusou de trabalharem na viabilização do Referendo

Revocatório para abreviar seu mandato. Chávez se esforçou para colar a imagem dos

Estados Unidos com a dos setores da oposição. Segundo ele, Bush, Fox e a oposição

eram fascistas e há anos conspiravam para retirá-lo da presidência375. Seguindo este

raciocínio, eles eram inimigos de Simón Bolívar e, consequentemente, antibolivarianos.

Todavia, a vitória no Referendo Revocatório de agosto de 2004 não pode ser

atribuída exclusivamente a exploração do culto, embora explorar a figura do Libertador

372. As relações da Venezuela com os Estados Unidos durante a Revolução Bolivariana é um assunto que

mereceria um estudo mais aprofundado. Portanto, localiza-se fora do escopo desta tese. Mesmo assim, é

necessário pontuar que as hostilidades entre Caracas e Washington influenciaram na postura de Chávez

enquanto presidente e legitimaram sua retórica de que havia um rechaço do Libertador ao ‘imperialismo’

norte-americano.

373. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en la primera sesión de trabajo de la II reunión de jefes de Estado de América del Sur. Guayaquil,

Ecuador, 27 de julio de 2002, p.347-356.

374. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.431.

375. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas, 14 de enero

de 2004, p.31.

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tenha sido a principal estratégia de Chávez para vencer as eleições, plebiscitos e demais

consultas populares realizadas entre 1999 e 2013. Havia a necessidade urgente de

melhorar os indicadores sociais venezuelanos, há décadas deteriorados devido as

fracassadas políticas de recuperação dos preços do petróleo e a lancinante dívida pública

venezuelana. O presidente percebia a necessidade de melhorar os indicadores sociais,

caso quisesse vencer com segurança um Referendo Revocatório acerca de seu mandato

presidencial, além de que reduzir a pobreza havia sido sua principal bandeira de

campanha em 1998 e 2000.

Como parte desta estratégia e ajudado pela recuperação dos preços do petróleo

no mercado internacional após a invasão do Iraque em março de 2003376, o presidente

da Venezuela apostou na criação de políticas públicas compensatórias que visavam

agilizar o atendimento a saúde, educação, distribuição de alimentos e a organização

popular. Estas iniciativas tornaram-se conhecidas pelo nome de Missões Sociais,

também batizadas de Missões Bolivarianas, em alusão a Bolívar. Entre 2003 e 2011

foram lançadas 37 missões que abrangiam as principais carências venezuelanas: saúde,

educação e infraestrutura. As Missões ligadas à saúde e educação contaram com o

suporte do governo cubano que enviou profissionais (médicos e pedagogos) para

trabalharem na Venezuela, em troca do fornecimento de petróleo à Ilha a preços

subsidiados.

Apesar das críticas e debilidades, as Missões Sociais se tornaram uma alternativa

viável a Chávez para enfrentar um Referendo Revocatório com chances de vitória.

Portanto, um dos motivos pelo qual o presidente acabou ‘aceitando’ a realização do

Referendo foi o êxito que estas políticas compensatórias haviam obtido em um espaço

de tempo relativamente curto. Mas, este aparente êxito das Missões provocou críticas da

oposição que as acusava de serem assistencialistas, eleitoreiras, não transparentes e

corruptas. Porém, elas foram eleitoralmente exitosas para Chávez, sobretudo aquelas

que impactavam diretamente a vida dos cidadãos comuns377. As Missões da era Chávez

desempenharam um papel social relevante na permanência do presidente.

Bolívar também estava ‘presente’ nas Missões Sociais. No dia em que inaugurou

a Missão Mercal (Mercados y Alimentos), Chávez foi categórico ao afirmar que, para

376. Ver: Tabela 1, no Anexo.

377. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.74-75.

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além dos alimentos subsidiados distribuídos naquele mercado, o país superaria as

dificuldades tomando como exemplo a palavra e a orientação do Libertador378.

O êxito obtido com as Missões fez com que Chávez decidisse abandonar a

estratégia de combater o Referendo e passou a apoiá-lo. Em discurso proferido na

ocasião em que ‘aceitou’ publicamente a realização do pleito, se posicionou como o

maior entusiasta da possibilidade da população poder decidir se determinado ocupante

de cargo público eletivo devesse ou não seguir no cargo. Embasou seu raciocínio

dizendo que a democracia deveria ser participativa e protagónica. Não satisfeito,

chegou a afirmar que sempre foi favorável a realização do Referendo, ao se posicionar

como um vanguardista em relação a ideia379. Tratava-se de uma ‘nova’ estratégia,

inspirada em Bolívar, segundo Chávez o mestre da estratégia político-militar e grande

timoneiro das ações, batalhas e, sobretudo, das vitórias angariadas pelo regime380.

Ironicamente, diante de seus partidários e em nome desta ‘nova’ estratégia mais

uma vez apregoada a Bolívar, o presidente da Venezuela simplesmente se ‘esqueceu’

das inúmeras tentativas que havia feito para impedir a realização do Referendo por meio

de mecanismos legais. A percepção de que ganharia o pleito, ajudado pelos índices de

popularidade incrementados após os resultados das Missões Sociais, explica a repentina

mudança de posição. Devido a esta autoconfiança, Chávez passou a encarar o Referendo

Revocatório como uma excelente oportunidade para demonstrar à oposição, bem como

aos governos estrangeiros pouco afeitos as suas políticas, que possuía uma maioria

capaz de respaldá-lo no poder381.

Como uma forma de reafirmar este raciocínio, Chávez citou Simón Bolívar, ao

relembrar uma frase pronunciada pelo Libertador durante o Congresso de Angostura

(1819), segundo a qual bendito seria o cidadão que convocasse a ‘soberania popular’

para exercer sua absoluta vontade: “Tomo la expresión de Bolívar para ratificar el

infinito amor y la infinita voluntad que tengo de defender con esta espada, con esta mi

378. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la inauguración de Mercados Y Alimentos. Parroquia Caricuao. Caracas, 22 de abril

de 2003, p.293.

379. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa

Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.297-302.

380. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del acto de juramentación del comando de Campaña Nacional Maisanta para el

referéndum presidencial. Teatro Municipal. Caracas, 9 de junio de 2004, p.346.

381. Idem.

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mente y con esta mi alma, los intereses del sagrado pueblo venezolano”382. Nessa

ocasião, o presidente da Venezuela também recorreu ao principal símbolo do culto a

Bolívar: a espada que havia pertencido ao prócer, com toda a carga simbólica inerente a

este objeto. De acordo com Chávez, seus partidários deveriam entender que ele e o

Libertador estavam prontos para a batalha. Tratava-se de uma forma de estimulá-los a

fazerem campanha pelo NÃO383 até os últimos instantes permitidos pelo CNE.

Para Hugo Chávez, o Referendo Revocatório seria realizado com a finalidade de

que o povo decidisse se revogaria ou não o mandato de presidente da República

ocupado por ele e por Simón Bolívar. Logo, todos aqueles que estavam contra sua

permanência também estavam contra o Libertador, isso ficou bem nítido ao ponderar:

“Bolívar pensaba de nosotros su pueblo que es lo que yo pienso de usted mi pueblo y de

la democracia popular, que hoy si canta vitoria, que hoy si se fortalece […]”384.

Durante a reta final da campanha, Chávez ironizou seus adversários ao lhes dar

boas-vindas à democracia. Em sua visão, a oposição utilizava táticas consideradas

pouco ‘leais’ no cenário político, a exemplo do golpismo, do jogo considerado rasteiro e

da chamada velha política. Era nítido que havia na Venezuela uma ‘guerra psicológica’

pelo controle das versões consideradas ‘verdadeiras’, com o propósito de dominar o

cenário político. Em discurso proferido diante de seus partidários na Avenida Bolívar

em julho de 2004, o presidente afirmou que, caso os oposicionistas saíssem vitoriosos

no Referendo Revocatório, poriam fim imediato nas Missões Sociais, pois o projeto

político da oposição seria o mesmo do presidente efêmero Pedro Carmona. Por outro

lado, Chávez afirmou representar o projeto bolivariano de igualdade e justiça, o mesmo

defendido pelo Libertador no século XIX e ‘sabotado’ pela oligarquia dirigente que o

precedeu e pretendia destituí-lo da presidência385. Chávez apostava no medo como uma

382. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa

Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.297-302.

383. A pergunta submetida foi a seguinte: ¿Está usted de acuerdo con dejar sin efecto el mandato

popular, otorgado mediante elecciones democráticas legítimas al ciudadano Hugo Rafael Chávez Frías,

como presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el actual periodo presidencial?

Disponível em: <http://www.cne.gob.ve/referendum_presidencial2004/> (acesso em 22 de fevereiro de

2016).

384. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de Santa

Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004, p.308.

385. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha-concentración por la soberanía, inicio de la Campaña de Santa Inés y de

la Misión Florentino. Avenida Bolívar. Caracas, 6 de junio de 2004, p.311-331.

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estratégia para desqualificar a oposição e lograr a maior soma possível de apoio político

para vencer o Referendo Revocatório.

No entanto, havia um clima de grande incerteza política na Venezuela durante a

campanha de agosto de 2004. Ambos os lados sustentavam versões bem diferentes no

tocante a receptividade do eleitor as suas propostas386. Enquanto o governo se mostrava

seguro por meio de seu presidente e a oposição sustentava que Chávez encontrava-se

em apuros, analistas percebiam as grandes incertezas do cenário político venezuelano:

Apenas uma semana antes da votação, marcada para 15 de agosto,

dois dos principais especialistas venezuelanos em pesquisas, Luis

Vicente León e Alfredo Keller, que criticavam Chávez

costumeiramente, descreveram essa como uma corrida apertada387.

O presidente da Venezuela dirimia as incertezas provocadas pela realização do

Referendo Revocatório ao se apoiar ainda mais no culto ao Libertador, com o propósito

de angariar a unidade tão propalada a seus partidários e, principalmente, os votos

suficientes para vencer o pleito no dia 15 agosto de 2004. Conforme apontam grande

parte das fontes, Chávez argumentaria no sentido de que apenas com sua permanência

no poder seria possível continuar a obra iniciada por Bolívar no século XIX de libertar o

povo da Venezuela. Por meio deste raciocínio, visava ultrapassar mais este obstáculo

rumo à consolidação de seu domínio no cenário político venezuelano.

Ao discursar na simbólica Avenida Bolívar, afirmou que a opção pelo NÃO no

Referendo, ou seja, para ele não deixar a presidência, seria uma negativa dada pelo

próprio Libertador à oligarquia venezuelana que o havia destituído do poder no século

XIX e naquele momento ameaçava retirar Chávez da presidência. Com a aproximação

do pleito, o líder bolivariano foi ainda mais longe. Ao relembrar que Bolívar havia

recusado a coroar-se Rei, segundo Chávez uma proposta feita ao prócer pela oligarquia

venezuelana, o Libertador havia optado por terminar sua vida como Jesus Cristo, sendo

‘crucificado’.

Si Bolívar hubiese aceptado la corona y hubiese dicho sí, nómbreme

rey, lo hubieran nombrado rey y le hubiesen aplaudido, pero hubiese

perdido la digna condición de Libertador de su pueblo y hubiese

terminado de otra manera, como un rey, él prefirió terminar como

Jesús crucificado en Santa Marta […]388.

386. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez e oposição cantam vitória no final. Folha de S. Paulo. São Paulo,

13 de agosto de 2004, p.12, No 27.526.

387. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.432.

388. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la Marcha por la Victoria. Avenida Bolívar. Caracas, 8 de agosto de 2004, p.454.

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Para o presidente da Venezuela, mais uma vez havia chegado o momento do

povo de Simón Bolívar mostrar sua força, por meio do despertar da capacidade de

influenciar na política do país389. Na verdade, o momento era de mais uma vez legitimar

o presidente Chávez no poder perante as urnas e, consequentemente, consolidar seu

predomínio no cenário político venezuelano. Sendo assim, a exploração do culto a

Bolívar, o considerável carisma do presidente e os resultados obtidos a partir das

Missões Sociais fizeram de Chávez o vencedor do Referendo Revocatório em 15 de

agosto de 2004, ou seja, o NÃO venceu com 59,09% dos votos390.

Tratou-se, sem dúvida, de um triunfo atribuído ao Libertador, porém,

nitidamente a vitória pertencia ao presidente Chávez, pois ele pôde concluir seu

mandato (que terminaria em 2007) e candidatar-se a um novo período presidencial em

dezembro de 2006. Em discurso pronunciado no Balcão do Povo, logo após conhecer os

resultados na madrugada de 16 de agosto de 2004, Chávez salientou que se iniciava uma

nova etapa da Revolução Bolivariana a partir daquele momento, pois afirmou

categoricamente que o país havia mudado sua realidade político-social ‘para sempre’391.

Por outro lado, a oposição, que no dia do Referendo havia acusado o governo de

fraudá-lo, foi colocada ainda mais na defensiva após mais esta derrota. A suposta fraude

nunca foi comprovada, mas, em livro escrito em exílio na Colômbia, Pedro Carmona

Estanga reforçou a tese oposicionista de que os resultados não estavam compatíveis

com as sondagens eleitorais feitas antes da votação. Além disso, Carmona acusou o

governo de fazer pressão nos eleitores, ao ameaçá-los de retirar seus empregos e negar

serviços prestados pelo Estado, além de manipular a auditoria feita nas urnas392.

Apesar disso, apostava-se que a vitória no Referendo Revocatório fizesse com

que o recém-confirmado presidente iniciasse uma etapa de diálogo com a oposição

derrotada. Contudo, isso não aconteceu. Conforme já foi salientado, ao longo de seus 14

anos na presidência, Chávez nunca buscou de fato um diálogo com os setores

oposicionistas. Ao contrário, já no discurso realizado no Balcão do Povo os ironizou ao

389. Idem, p.464.

390. VENEZUELA. Boletín Electoral del Referendum 15 de agosto de 2004. In. Consejo Nacional

Electoral. República Bolivariana de Venezuela. Disponível:

http://www.cne.gob.ve/referendum_presidencial2004/ (acesso em 22 de fevereiro de 2016).

391. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del triunfo del NO en el referéndum presidencial. Balcón del Pueblo, Palacio de

Miraflores. Caracas, 16 de agosto de 2004, p.500.

392. CARMONA ESTANGA, Pedro. Mi testimonio ante la historia, p.236.

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afirmar que eles teriam até o final da manhã para se recobrarem da derrota e aceitá-la.

Para o presidente, seus opositores se recusavam a aprenderem a perder393.

Chávez mencionou Bolívar no discurso realizado logo após a divulgação dos

resultados, pois o uso da figura do Libertador havia sido determinante para os resultados

eleitorais a seu favor, ainda mais em um momento crucial à sobrevivência do regime.

“Los felicito, felicito al pueblo de Bolívar, han demostrado ustedes venezolanas y

venezolanos este día, que son verdaderamente merecedores de llevar la semilla de

Simón Bolívar […]394”. O presidente concluiu afirmando que eram invictos e que

eleitoralmente nada poderia conter o avanço da Revolução Bolivariana. Tratou-se de

uma noite em que triunfou Bolívar, porém a vitória foi de Hugo Chávez que,

relegitimado no cargo, ampliou seu domínio no cenário político venezuelano.

Como se pôde observar ao longo deste item, os desdobramentos políticos,

ocorrido a partir do retorno de Chávez ao poder após o falido golpe de Estado em abril

de 2002, foram determinantes para sua vitória no Referendo Revocatório de agosto de

2004, responsável por consolidar o predomínio de sua figura no cenário político.

Naquele momento, a vitória nas urnas passava a sensação a Chávez e seus

partidários de que eles eram eleitoralmente invencíveis. De fato, o uso do culto a

Bolívar pelo carismático presidente o tornaria eleitoralmente forte nas eleições regionais

de 2004, legislativas de 2005 e presidenciais de 2006. No entanto, os desdobramentos

políticos de um determinado país nem sempre obedecem a lógica mais favorável às

pretensões políticas de seus líderes, ainda que eles estejam em momentos de grande

popularidade, tal como o próximo item demonstra.

4.2 – A Reforma Constitucional de dezembro de 2007: nem sempre “Bolívar

vence”

A exploração do culto a Simón Bolívar vinha sendo um ponto crucial na

vantagem eleitoral obtida pelo presidente Hugo Chávez em relação a seus adversários.

As consequências deste momento político eram sentidas nas urnas, pois as vitórias

eleitorais acumuladas pelo governo consolidaram o domínio da figura do presidente da

República no cenário político venezuelano. Entre 1999 e 2006, ou seja, no tempo em

393. MAISONNAVE, Fabiano. Vitorioso, Chávez festeja e ironiza oposição. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 17 de agosto de 2004, p.9, No 27.530.

394. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del triunfo del NO en el referéndum presidencial. Balcón del Pueblo, Palacio de

Miraflores. Caracas, 16 de agosto de 2004, p.509.

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182

que durou a Constituinte (1999) mais o primeiro período presidencial (2000-2006),

Chávez saiu vitorioso de todas as eleições, plebiscitos, referendos e demais consultas

populares a que se submeteu. Os plebiscitos Constitucionais de 1999; as eleições de

relegitimação dos poderes em 2000; o Referendo Revocatório e as eleições regionais

(governadores e prefeitos) de 2004; as eleições legislativas de 2005; e a corrida

presidencial de 2006: em todos estes pleitos Chávez e seus partidários se sobressaíram

em relação aos adversários.

Em um regime com eleições relativamente competitivas, somado a um cenário

político instável e polarizado, o acumulado de todas estas vitórias fazia com que fosse

inevitável que a sensação de invencibilidade nas urnas rondasse o presidente e seus

apoiadores. Por isso, a excessiva autoconfiança dificultou a absorção da derrota no

Referendo para a Reforma da Constituição, realizado em 2 de dezembro de 2007. Por

meio deste Referendo, Chávez visava alterar vários artigos da Carta Magna, promulgada

em 1999, com os quais dizia aprofundar o processo de construção da República sonhada

por Simón Bolívar.

O rechaço à Reforma da Constituição foi capaz de fazer com que este apelo do

culto ao Libertador não fosse suficiente para mobilizar a maioria dos eleitores

venezuelanos em favor da proposta, algo que acontecia pela primeira vez na era Chávez.

É indispensável frisar que este pacote de alterações constitucionais foi submetido à

aprovação popular 1 ano após Chávez ser reeleito presidente da República com uma

vantagem considerável em relação a seus adversários.

Com base nas fontes analisadas, é notável que esta derrota não havia sido

prevista pelo presidente. Pode-se considerá-la surpreendente e inesperada, tendo em

vista a popularidade de Chávez naquele momento e o auge de seu domínio no cenário

político. A exploração do culto, manifestada ao colocar a Reforma na Carta Magna

como uma forma de acelerar o processo de construção da pátria sonhada pelo

Libertador, não foi capaz de mobilizar a maioria dos eleitores venezuelanos em favor de

uma proposta que, na prática, pertencia mais a Chávez do que a Bolívar.

No entanto, as razões que levaram o governo a sair derrotado no Referendo

sobre a Reforma Constitucional de 2007 foram construídas após a vitória do presidente

no Referendo Revocatório de agosto de 2004. Neste momento, tornou-se ainda mais

evidente que a combinação entre carisma, recursos vindos do petróleo e o fato de se

posicionar como uma espécie de ‘segundo Libertador da Venezuela’, se tornou a base

de sustentação de Chávez no poder.

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Entretanto, a trajetória histórica dos países não se desenrola por meio de

parâmetros lineares. Chávez era um líder popular, porém, não foram em todas as

oportunidades que conseguiu transferir esta popularidade às propostas a que submeteu à

aprovação pelos venezuelanos, muitos deles fervorosos eleitores do presidente.

Apesar de ter saído vitorioso no Referendo Revocatório e estar gozando de bons

índices de popularidade, Chávez não pôde desfrutar de um cenário político mais calmo

após ser confirmado no cargo em agosto de 2004. A oposição não levou a sério o

chamado do presidente ao diálogo, pois ele veio acompanhado pelo regozijo do triunfo

(bolivariano e popular) sobre a ‘oligarquia’ venezuelana.

Hugo Chávez fazia questão de enfatizar o caráter ‘eterno’ da Revolução

Bolivariana, ao mesmo tempo em que culpava a oposição pelos acontecimentos

considerados negativos na política. Paradoxalmente, pode-se afirmar que o fato do

governo utilizar excessivamente as várias formas de consulta popular previstas na

Constituição de 1999 (por meio das quais legitimava as políticas lançadas pelo regime)

tornava o cenário político ainda mais agitado. Na Venezuela da era Chávez, em

praticamente todos os anos ocorreram alguma forma de pleito eleitoral que levava, tanto

o governo quanto a oposição, a concentrarem suas energias em campanhas ao invés de

encontrarem uma minimamente solução consensual aos reais problemas do país.

Seguindo esta perspectiva, o término da campanha do Referendo Revocatório de

2004 marcou o início da corrida eleitoral para a escolha de prefeitos e governadores (as

conhecidas eleições regionais) em outubro, na qual Chávez e seus partidários se

esforçariam substancialmente para eleger o maior número de aliados. Nas eleições

regionais de 2004, a influência da popularidade do presidente e, consequentemente, o

uso da máquina administrativa foram notáveis.

Ao trabalhar com a tese de que Chávez não é um fenômeno isolado e apartado

da cultura política nacional, Rômulo Neves aponta ser uma prática usual na Venezuela o

uso dos recursos por quem detém a presidência da República em favor de seus

candidatos, assim como a existência de nepotismo e de patrimonialismo395. Ou seja,

Chávez não inovou neste aspecto. Todavia, durante seu governo tais fenômenos

apontados por Neves (2010) atingiram patamares superlativos devido ao carisma do

presidente e seu domínio quase completo do cenário político. Por isso, é compreensível

que ainda durante a cobertura da vitória do governo em agosto de 2004, as câmeras das

395. NEVES, Rômulo Figueira. Cultura política e elementos de análise da política venezuelana, p.131.

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TVs estatais tenham frisado alguns candidatos governistas nas eleições regionais de

outubro daquele ano.

Não havia razão para perder tempo, pois o presidente não demonstrava

disposição em proporcionar qualquer chance a seus adversários. Se por um lado a meta

seria manter as prefeituras e os 15 governos estaduais controlados por seus partidários,

por outro havia a necessidade, expressamente exigida pelo presidente, de ‘recuperar’ as

prefeituras e os governos estaduais considerados estratégicos à Revolução que, por um

motivo ou outro, haviam sido perdidas para os oposicionistas ou nunca haviam sido

controladas pelos aliados de Chávez.

De fato, um dia antes de ocorrerem as eleições regionais, era possível perceber

que havia a sensação de que os partidários do presidente ganhariam a maioria das

prefeituras e dos governos estaduais, devido a preponderância da figura presidencial no

cenário político, uma consequência do fato de Chávez ter se tornado um fenômeno

eleitoral após agosto de 2004. Conforme expressou o correspondente do jornal Folha de

S. Paulo em Caracas, “[...] Hugo Chávez deve terminar o domingo comemorando uma

histórica vitória sobre a oposição nas eleições para governador, prefeito e deputado

estadual”396. Entretanto, as sondagens eleitorais, realizadas dias antes do pleito,

apontavam que os índices de abstenção seriam altos. Isso poderia retirar legitimidade do

lado vencedor e empolgar quem saísse derrotado.

No discurso proferido logo após saírem os resultados das eleições regionais,

Chávez não abandonou a lógica de insuflar ainda mais o confronto. Segundo o

presidente, a campanha negativa e contra as instituições estatais realizada pela oposição

havia sido a responsável pelo alto índice de abstenção, que chegou a quase 50%. Sendo

assim, havia uma diminuição inevitável do significado deste pretenso triunfo

revolucionário em mais esta contenda eleitoral. Como não poderia fugir do script,

Chávez recorreu a Bolívar, dedicando aquela vitória ao Libertador, segundo ele, o único

capaz de combater a pobreza, o burocratismo e a corrupção. Ademais, o presidente fez

uma afirmação categórica com o propósito de provocar seus adversários: a Revolução

Bolivariana havia fincado bases para sempre397.

396. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez deve prevalecer em pleito eleitoral. Folha de S. Paulo. São Paulo,

31 de outubro de 2004, p.15, No 27.605.

397. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de los resultados electorales regionales de gobernadores y alcaldes. Adyacencias del

Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de octubre de 2004, p.565-570.

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Portanto, percebe-se que o presidente da Venezuela utilizava o culto ao

Libertador com o propósito de atenuar os efeitos provocados pelo alto índice de

abstenção. Chávez percebia que uma abstenção elevada poderia ser utilizada como

argumento pela oposição no intuito de deslegitimar os candidatos oficialistas que

haviam sido eleitos governadores, prefeitos e deputados estaduais. Porém, esta alta

abstenção não pôde ser atribuída somente a ‘guerra’ existente entre governo e oposição,

desencadeada desde a ascensão de Chávez em fevereiro de 1999. Talvez a tendência

seria que este enfrentamento agisse em favor da diminuição de abstenção, não ao seu

incremento.

No entanto, é importante destacar que a Venezuela não apresenta uma longa

trajetória histórica de eleições regionais. A Carta Magna antecessora a de 1999 –

promulgada em 1961 durante o governo de Rómulo Betancourt (1959-1964) – não

estabelecia eleições direitas no âmbito regional. Os governadores eram nomeados e os

prefeitos eleitos de forma indireta. Os venezuelanos começaram a escolher seus

governadores e prefeitos somente após a minirreforma eleitoral-constitucional de 1989.

Ela foi realizada às pressas pelo presidente Carlos Andrés Pérez, com o propósito de

arrefecer os ânimos diante da crise política instalada no momento.

Frequentemente derrotada por Chávez e seus partidários nas urnas, a oposição,

reunida em uma incipiente coalizão chamada de Coordenadora Democrática, formada

pelos adversários do regime durante o recolhimento das assinaturas para convocar o

Referendo Revocatório de 2004, resolveu adotar a estratégia de não participar de

eleições a partir daquela data. Esta postura, assumida pela totalidade de seus membros,

foi considerada a médio prazo um grave equívoco político, pois contribuiu para uma

anulação ainda maior da oposição ante um líder popular, carismático e personalista.

Ademais, Chávez gozava de excelente popularidade. Uma pesquisa divulgada em maio

de 2005 pelo instituto venezuelano Datanálisis, mostrava o presidente com 75,5% de

aprovação398.

Sob um ponto de vista político, as estratégias utilizadas pela oposição no intuito

de resistir ao domínio do presidente Chávez no cenário político eram consideradas tão

equivocadas que a escritora venezuelana Yolanda Salas chegou a afirmar que as atitudes

da oposição vinham sendo as melhores aliadas de Chávez. Para Salas, a oposição se

autoexclui, age em favor da antipolítica e não tem sensibilidade social. Permite ao

398. VILA-NOVA, Carolina. 70,5% dos venezuelanos aprovam Chávez. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3

de maio de 2005, p.13, No 27.788.

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governo impor uma verdade única, com base em um comportamento autoritário399.

Apesar das críticas dirigidas à postura da oposição venezuelana, o boicote às eleições

legislativas, que ocorreriam em dezembro de 2005 para renovar as 167 cadeiras da

Assembleia Nacional da Venezuela, era uma possibilidade cada vez mais próxima.

Alguns dias antes das eleições legislativas, os candidatos pertencentes aos

partidos de oposição decidiram oficialmente boicotar o pleito, com o argumento de que

não havia garantia de lisura do processo, pois exigiam mudanças nas regras eleitorais.

Sem abandonar a tradicional retórica, Chávez reagiu com hostilidade, declarou

‘morte’ aos partidos políticos de oposição e disse que eles resistiam a se entregar.

Ameaçou coloca-los na ilegalidade, caso insistissem na tese do boicote eleitoral. O que

o presidente temia era que a retirada dos candidatos da oposição pudesse deslegitimar as

eleições legislativas. Era perceptível que o governo faria amplíssima maioria no

parlamento, sendo assim, não era interessante ao presidente participar sozinho da

corrida à Assembleia. Ou seja, eleger seus partidários nas 167 cadeiras do Legislativo

poderia ser vista com restrição pelos observadores internacionais.

Por isso, em discurso proferido no Palácio de Miraflores em dezembro de 2005,

Chávez afirmou que o boicote às eleições legislativas feito pela oposição era um ‘golpe

eleitoral’, realizado em conluio dos partidos políticos com as empresas de comunicação

privadas e a Casa Branca. Os venezuelanos, segundo o presidente, não seriam iludidos

pelo “show midiático” que havia sido a retirada gradual dos candidatos oposicionistas.

Para Chávez, devia-se pensar como Bolívar, a quem atribuiu preferir o conselho do

povo ao dos ‘sábios’. O presidente dizia acreditar que a população detinha um grau

máximo de consciência e, por isso, não seria iludida pelos argumentos oposicionistas,

pois não havia meios para suspender o jogo democrático400. O propósito seria incutir no

consciente dos venezuelanos que a oposição era uma ameaça ao Libertador e à maioria

dos venezuelanos, os quais julgava representar. Portanto, o uso do culto a Bolívar, por

meio da ênfase dada pelo presidente ao pensamento do Libertador, mais uma vez atingia

relevância naquela disputa.

Yo agregaría a este pensamiento luminoso del Padre Libertador,

cuando él dice: “…por eso es que siempre he preferido sus opiniones

a las de los sabios”. Diría también: Gracias a esa consciencia del

399. SALAS, Yolanda (Entrevista). Oposição beneficia Chávez, diz escritora. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 26 de junho de 2005, p.31, No 27.843.

400. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, para denunciar a la nación el golpe electoral e invitar al pueblo de Venezuela a que ejerza su

derecho al voto en las próximas elecciones parlamentarias. Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de

diciembre de 2005, p.669-673.

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pueblo, gracias a ese espíritu incorruptible del pueblo, a ese pueblo

que nadie puede intimidar, es que hoy tenemos patria. Y por eso es

que yo cada día amo más al pueblo venezolano, admiro más al pueblo

venezolano, a la Nación venezolana401.

Enquanto o presidente utilizava explicitamente o capital político em favor de

seus candidatos, a oposição apostava na abstenção como uma forma de diminuir a

legitimidade do processo e, posteriormente, apelar aos observadores internacionais.

Apesar desse esforço, aquilo que muitos já previam acabou ocorrendo: em 4 de

dezembro de 2005 foi confirmado que as 167 cadeiras do Legislativo passariam a ser

ocupadas pelos partidários do presidente.

Ao contrário do que desejava a oposição, a maioria dos Organismos

Internacionais reconheceram a legitimidade do pleito. A partir daquela data, Chávez

aumentava seu domínio no cenário político venezuelano e, consequentemente, acirrava

ainda mais as tensões políticas, o que não deixou de impressionar alguns observadores.

“O resultado estava anunciado, mas não deixa de ser impressionante: a partir do dia 5 de

janeiro [2006], todos os 167 membros da Assembleia Nacional da Venezuela eleitos

anteontem pertencerão à bancada do presidente Hugo Chávez”402.

A preponderância de Chávez no cenário político era incontestável. Ele gozava de

excelentes índices de popularidade, manejava com destreza o culto a Bolívar, possuía

recursos vindos do petróleo e, a partir de 5 de janeiro de 2006, contaria com uma

Assembleia Nacional unânime. Ou seja, não teria uma bancada majoritária no

Legislativo, teria todo o parlamento a seu favor. Com todo este cenário, o presidente da

República não apenas se tornava um potencial vencedor das eleições presidenciais de

2006 (quando buscaria um terceiro mandato), ele chegaria à corrida praticamente eleito.

Sua habilidade lhe permitia se beneficiar da quase completa desmobilização

oposicionista, por isso reforçava a presença do regime no espaço público por meio de

símbolos. Em janeiro de 2006, alguns dias após o início da nova legislatura unânime,

Chávez submeteu à Assembleia a proposta de fazer 2 alterações substanciais na

bandeira venezuelana, para agregar símbolos considerados bolivarianos. Na primeira

delas, incluiu uma oitava estrela na bandeira do país, somando-a às sete já existentes,

que simbolizavam as províncias que haviam se rebelado contra o domínio espanhol em

meados do século XIX. Para o presidente, esta oitava estrela, representando a província

401. Idem, p.670.

402. MAISONNAVE, Fabiano. Chavistas levam 100% do Parlamento. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6

de novembro de 2005, p.14, No 25.006.

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de Guayana que pouco tempo depois se rebelaria contra a Metrópole, havia sido

sugerida pelo Libertador, mas rechaçada pela oligarquia na época. Chávez alegava estar

corrigindo mais esta ‘injustiça’ cometida contra Bolívar403.

A segunda mudança seria a posição do cavalo presente no brasão da República.

Na visão de Chávez, não havia sentido o animal cavalgar à direita, deveria ser à

esquerda, com o propósito de simbolizar até mesmo na bandeira que sua Revolução era

de esquerda. Na visão dos críticos, tratava-se de meros caprichos de um líder que não

respeitava os limites constitucionais de suas funções, visava falsificar a história para

dominar a mente das pessoas404. Entretanto, ao considerar o culto a Bolívar e o peso que

a figura do prócer sempre teve na política venezuelana, esta alteração na bandeira

poderia ser considerada estratégica ao domínio de Chávez no cenário político do país.

A alta popularidade, as rendas do petróleo e a combinação de carisma com o

culto ao Libertador fizeram com que a Revolução Bolivariana se tornasse um processo

político cada vez mais centralizado na figura de seu líder, insubstituível e com uma

postura messiânica em relação ao papel ocupado por ele próprio em determinado

período histórico. Isso foi se tornando cada vez mais nítido, sobretudo quando a

oposição optou por se ausentar das eleições, perdendo espaço nos âmbitos público e

político. Como consequência, a realização do essencial contraponto se tornou cada vez

mais complicada.

Ao celebrar os 7 anos no poder, Chávez insistiu na tese de que havia um

segundo processo de Independência em andamento. Desta forma, começou a outorgar a

si próprio um papel de ser insubstituível, assim como vinha sendo o Libertador ao longo

da história venezuelana. Chávez insistia na lógica entre os favoráveis a Bolívar (o povo)

e os ‘inimigos’ do Libertador (a oligarquia). Enfatizar que ‘o povo de Bolívar’ havia

sido ‘mil vezes traído’ ao longo da história, servia para reafirmar a tese de que seu

governo havia devolvido à pátria ao povo, ‘vingando-o’ pela perfídia de outrora.

Segundo o presidente, seu governo foi capaz de resgatar a ‘verdadeira’ memória

histórica do Libertador, desvirtuada por seus inimigos.

Nosotros nascimos bolivarianos, nosotros nascimos junto al pueblo

[…] y estamos aquí para cumplir el mandato de Simón Bolívar; para

empuñar nuestra espada cuando tengamos que empuñarla, para

defender las garantías del pueblo, la felicidad de un pueblo, la

403. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez quer símbolos nacionais “bolivarianos”. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 21 de janeiro de 2006, No 28.052.

404. Idem.

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libertad de un pueblo, no para dominarlo, ni para ultrajarlo, ni para

atropellarlo405.

Aliar o discurso bolivariano com o apelo ao popular (por conta das origens

humildes de Chávez e da maioria de seus pares das Forças Armadas) surtia o efeito

esperado pelo presidente: permanecer no poder e ampliar seu domínio no cenário

político. Em um momento em que as eleições presidenciais se aproximavam, tratava-se

de uma combinação extremamente favorável.

Ao proferir o discurso de abertura da campanha eleitoral à presidência em agosto

de 2006, Chávez deixou evidente a seus partidários que aquele pleito significaria mais

do que uma eleição: tratava-se de uma batalha, perene e sem previsão de término. A

visão militarista de Chávez, vislumbrada ao aliar disputas no âmbito político com uma

guerra revolucionária, levava seus partidários a um grau de mobilização que o permitia

personalizar ainda mais aquele processo. Um gigante chamado ‘povo de Bolívar’ havia

despertado e reconduziria Chávez à presidência da República em dezembro. A meta

estipulada seria ultrapassar os 10 milhões de votos, com o propósito de desferir um

nockout nos adversários e no imperialismo norte-americano406.

O presidente defendia a tese de que a Venezuela vivia uma revolução popular e

bolivariana, cuja continuidade dependia de sua permanência no poder. Com base nesse

raciocínio, Chávez começou a difundir que seria essencial à Revolução Bolivariana que

ele ficasse na presidência até 2030, quando completaria 200 anos da morte de Simón

Bolívar. Segundo Chávez, até esta data, os venezuelanos mostrariam ao Libertador que

ele não havia ‘arado no mar’, conforme Bolívar escreveu em suas últimas cartas407.

Chávez pavimentava o caminho para lançar uma proposta de reforma

constitucional com a qual estabeleceria a reeleição sem limites ao cargo de presidente

da República, pois naquele momento a Constituição permitia apenas uma recondução.

Chávez demonstrava vislumbrar o cenário político mais adiante. Ou seja, com a fatura

da eleição presidencial de 2006 praticamente liquidada (o que já caracterizava uma

reeleição e, teoricamente, a última), preparava uma maneira que lhe permitisse se

candidatar à presidência quantas vezes desejasse. Não havia sido a primeira vez que

405. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del acto de los 7 años de la Revolución Bolivariana. Sala Ríos Reyna, Teatro Teresa

Carreño. Caracas, 2 de febrero de 2006, p.163.

406. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, durante el acto comando nacional de “Campanha Miranda”. Teatro Municipal de Caracas.

Caracas, 17 de agosto de 2006, p.447-453.

407. Idem, p.464-465.

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levantava a hipótese de alterar a Carta Magna (1999) para permitir a reeleição sem

limites ao cargo de presidente da República. Em setembro de 2004, logo após ser

confirmado na presidência, chegou a difundir esta ideia com o propósito de sentir sua

receptividade. Para a oposição, tratava-se de uma provocação capaz de complicar ainda

mais o ambiente político do país408.

Na visão de críticos do regime como Enrique Krauze, este desejo de se perpetuar

no poder poderia ser somado aos seguintes fatores: culto a personalidade (a própria e a

de Bolívar); apelo à violência e ao popular; manipulação da história; discursos

agressivos; e a lógica amigo-inimigo409.

O cenário político após o boicote eleitoral de 2005, somado a ampla vantagem

durante a eleição presidencial de 2006, fizeram com que esta provocação de Chávez se

tornasse algo viável, pois ele estava realmente disposto a submeter a proposta à

aprovação popular. O fato da oposição ter se anulado eleitoralmente contribuía

significativamente para alimentar as pretensões do dirigente de se perpetuar no poder.

Como resultado desta debilidade, a oposição continuava sem apresentar uma

estratégia consistente para enfrentar Chávez. Na corrida presidencial de 2006, o

governador do estado Zulia (o mais rico do país), Manuel Rosales, era o candidato que

mais agregava entre os setores oposicionistas. Porém, sua candidatura estava longe de

emplacar, pois argumentar no sentido de que havia uma democracia doente e

militarizada na Venezuela era incapaz de diminuir as chances de Chávez ser

reconduzido à presidência da República. Além disso, o governador havia sido uma das

figuras políticas que assinaram o decreto de abolição dos poderes da República em abril

de 2002 no curto período de Pedro Carmona na presidência. Esse episódio se tornou um

forte argumento para Chávez colar no adversário o rótulo de golpista.

Por meio do culto a Bolívar, Chávez visava reforçar a lógica de que continuava a

obra do Libertador. Em discurso proferido na Avenida Bolívar em novembro de 2006, o

presidente insistiu que sua permanência significava a continuidade do processo

responsável por construir a pátria sonhada por Simón Bolívar, pois ainda persistiam

408. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Oposição diz que proposta é uma “provocação”. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 16 de setembro de 2004, p.12, No 27.560.

409. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.212-214.

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empecilhos capazes de travar a consolidação deste ‘sonho’, a exemplo da corrupção, da

ineficiência e da burocratização410.

Através dessa ‘confissão’, Hugo Chávez admitia a persistência de entraves ao

desenvolvimento econômico, a exemplo da dependência das rendas vindas do petróleo.

Com base neste raciocínio, lançou a tese de um socialismo venezuelano, o chamado

Socialismo do Século XXI, não mais embasado na malograda experiência soviética, ou

tampouco no modelo cubano (apesar das próximas relações político-diplomáticas entre

Caracas e Havana), mas ancorada no legado histórico de Simón Bolívar. O Socialismo

do Século XXI seria o culto ao Libertador com uma ‘roupagem’ ou ‘retórica’

‘socialista’, algo extremamente complicado de conciliar sob um ponto de vista histórico

e epistemológico.

Era fato que Chávez contava com o apoio de um espectro considerado amplo de

movimentos pertencentes à esquerda venezuelana, até mesmo daqueles que defendiam

posições consideradas ‘antissistêmicas’411. Além disso, várias agremiações, dentre as

quais o Partido Comunista da Venezuela (PCV), eram conhecidas por terem apresentado

posições legalistas em muitas situações, embora durante um período na década de 1960

o PCV tenha apoiado a guerrilha412. Apesar das visíveis desconfianças devido a origem

militar do presidente e de suas posições consideradas conciliatórias em relação ao

capital, provavelmente estes grupos insistiam em apoiar Chávez por vislumbrarem em

seu governo uma oportunidade de aprofundar as contradições do capitalismo, com as

quais levaria mais rapidamente à uma sociedade diferente (e melhor) daquela possível

pela via capitalista. Mas, a relação de Chávez com os setores da esquerda venezuelana

não havia iniciado durante o processo que levou o ex-tenente-coronel à presidência. Em

entrevista a Ignácio Ramonet, percebe-se que esta aproximação teve início na década de

1980, quando Chávez e seus colaboradores conspiravam no interior das Forças

Armadas, ao articular, por meio de Douglas Bravo, o apoio ao movimento bolivariano

de ex-membros da guerrilha venezuelana413.

Mas, na visão de muitos setores vinculados à esquerda venezuelana e mundial,

não havia nenhuma garantia de que Chávez estivesse disposto a construir uma sociedade

‘socialista’ na Venezuela, com base no argumento da ‘transferência de poder ao povo’.

410. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de cierre de campaña a la reelección. Avenida Bolívar. Caracas, 26 de noviembre de

2006, p.663-667.

411. SERBIN, Andrés. Hugo Chávez: liderança e polarização, p.122.

412. DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina, p.334.

413. CHÁVEZ, Hugo. In. RAMONET, Ignacio. Hugo Chávez: mi primera vida, p.413-442.

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192

O apoio de setores ligados à esquerda era uma realidade, porém, esse respaldo não

deixava o governo imune as severas críticas feitas por aqueles que adotavam posições

marxistas e rechaçavam a mistura de socialismo com Bolívar e elementos ligados ao

cristianismo. A posição defendida por autores ligados a LIT-CI414 é extremamente

crítica em relação a Chávez, seu governo e, principalmente, as atitudes tomadas pelo

líder bolivariano no exercício do poder, embora reconheça que Chávez goze de simpatia

das massas populares. Segundo Alejandro Iturbe, autor ligado à LIT-CI, Chávez erigiu

um novo regime, mas seus governos nunca foram socialistas.

Sus gobiernos fueron burgueses, es decir, al servicio de mantener y

defender el sistema y el Estado capitalistas en el país. En este sentido,

su movimiento político puede ser definido como “nacionalista

burgués”, similar a los que construyeron el general Perón en la

Argentina, a partir de 1945, y el general Nasser en Egipto, desde

1952415.

Joseph Weil, autor igualmente ligado à LIT-CI, é categórico ao afirmar o caráter

transitório do apoio que a esquerda deve proporcionar a Chávez.

[…] durante esa unidad temporaria de acción entre el movimiento

obrero y el gobierno de Chávez, no se debe olvidar en ningún

momento que ese gobierno es burgués, por lo tanto, enemigo de los

trabajadores, y que no se puede depositar ninguna confianza en él. El

movimiento obrero necesita tener claridad de que esa alianza es

episódica y de cortísimo plazo […]416.

Com uma visão um pouco mais simpática à Revolução comandada por Chávez,

Maringoni (2009) também lança dúvidas no tocante ao tipo de socialismo defendido

pelo venezuelano e qual o caminho a ser adotado para construir uma sociedade com este

modelo.

Chávez e seus apoiadores não vão muito além de enunciados vagos,

como “solidariedade”, “justiça” e “vida digna”. Apesar da

generalidade dos conceitos, há um louvável esforço do presidente em

tornar palpáveis as características de um novo modelo de sociedade,

em vez de enveredar por discussões abstratas417.

Entretanto, Maringoni apresenta uma visão mais ampla da problemática, ao

enfatizar que as indefinições no tocante a construção de um modelo ‘socialista’ também

414. Liga Internacional de los Trabajadores – Cuarta Internacional, sigla em Espanhol. Em linhas

gerais, trata-se de uma organização internacional que agrega partidos comunistas seguidores das ideias de

Leon Trotsky. Foi estabelecida em Paris em 1938.

415. ITURBE, Alejandro. Venezuela después de Chávez, p.25.

416. WEIL, Joseph. ¿Cuál es la estrategia revolucionaria en Venezuela?, p.73.

417. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.174.

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193

constituía uma preocupação de toda a esquerda e daqueles que pretendiam mudar as

sociedades em que estavam inseridos418.

Manuel Caballero, crítico voraz de Chávez, ironizou o modelo ‘socialista’

defendido pelo presidente, a quem considerava incapaz de explicá-lo. Para Caballero,

Chávez se apegaria a qualquer coisa que lhe permitisse seguir no poder. “Si [Chávez]

fuese capaz de explicar en un lenguaje […] inteligible qué diablos quiere decir con esto

[socialismo], juro por todos los dioses que me meto a chavista con boina y todo” 419.

Socialista ou não, o presidente da Venezuela argumentava no sentido de que o

surgimento deste ‘novo modelo’ de Estado e de organização sócio-política (Socialismo

do Século XXI/Bolivariano) aceleraria o processo de transferência do poder ao povo,

ainda que fosse em um cenário político que caminhasse, na prática, para uma

concentração cada vez maior de poder nas mãos do presidente da República.

Apesar de toda a controvérsia causada pelo fato de Chávez ter anunciado a

construção de um ‘socialismo’ venezuelano, havia um cenário político extremamente

vantajoso ao presidente. Sendo assim, ele acabou sendo reconduzido ao cargo em 3 de

dezembro de 2006 com 62,8% dos votos, correspondendo a 7,3 milhões de votos420.

Os 10 milhões ‘pedidos’ pelo líder a seus partidários não vieram, porém,

estavam garantidos mais 6 anos no poder. Ao serem divulgados os primeiros boletins

que indicavam a vitória de Chávez, ele mais uma vez fez uso do culto a Bolívar, como

uma forma de dizer que aquela havia sido mais uma vitória do Libertador. Entretanto, a

partir daquele momento, o presidente começou a outorgar um caráter ainda mais

transcendental aquele suposto triunfo eleitoral. Além de Simón Bolívar, Chávez incluiu

Jesus Cristo (um socialista na visão do presidente) como um dos responsáveis pela

vitória nas urnas obtida naquele dia.

Cuando recuerdo a Cristo y digo: “Padre nuestro que estás en los

cielos y en la Tierra, venga a nosotros tu reino”, y el reino de cristo

es el reino del amor, el reino de la paz, el reino de la justicia, de la

solidaridad, de la hermandad, es decir, el reino del socialismo, ése es

el reino del futuro venezolano […]421.

418. Idem, p.175.

419. CABALLERO, Manuel. La peste militar, p.169.

420. VENEZUELA. Boletín Electoral de la Elección Presidencial de 2006. In. Consejo Nacional

Electoral. República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:

http://www.cne.gob.ve/divulgacionPresidencial/resultado_nacional.php (acesso em 9 de março de 2016).

421. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, luego de conocido el primer boletín del Consejo Nacional Electoral con resultados de las

elecciones presidenciales. Balcón del Pueblo, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de 2006,

p.685-686.

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194

Representar Jesus Cristo como um socialista foi visto com imenso desagrado

pelo alto-clero da Igreja Católica da Venezuela422. Durante o pontificado de João Paulo

II (1978-2005), a Cúria Romana havia adotado posições extremamente críticas em

relação aos regimes socialistas do leste europeu. Em alguns casos, a exemplo da Polônia

(terra natal do Papa), a Igreja desempenhou um papel de protagonista na derrubada do

regime e, sobretudo, no abandono do modelo de economia planificada com partido

único. Com Chávez, um líder latino-americano, o tratamento não seria diferente.

A crítica a este tipo de representação do Cristo, feita pelo alto-clero da Igreja

Católica venezuelana, provocou duras reações do presidente. Para Chávez, a Igreja

deveria respeitar o Estado e acusou vários bispos venezuelanos de carregarem o diabo

embaixo de suas batinas. Entretanto, Chávez justificava esta rispidez para com os bispos

com base no apoio dado pela Igreja ao golpe de Estado que o destituiu temporariamente

da presidência em abril de 2002. O cardeal Ignacio Velasco, na época maior autoridade

eclesiástica do país, respaldou os golpistas e compareceu à cerimônia de posse de

Carmona.

Apesar das reações, a combinação entre Cristo e Bolívar tornava Chávez uma

figura messiânica, dotado de uma missão ‘divina’ na visão de muitos de seus

partidários. Por meio de toda esta carga simbólico-messiânica, Chávez já preparava uma

forma de se manter no poder por mais tempo do que permitiam as regras constitucionais

daquele momento. A vitória nas eleições de 2006, a unanimidade na Assembleia

Nacional e a popularidade do presidente indicavam que a Venezuela passaria por mais

uma consulta popular em breve. Naquele momento, tinha-se a sensação de que o

presidente era eleitoralmente imbatível e qualquer proposta lançada por ele seria

aprovada pela maioria dos eleitores. Entretanto, os desdobramentos posteriores

demonstravam que esta não poderia ser uma certeza.

Ignorando as críticas, Chávez parecia determinado a colocar o termo socialismo

na retórica do regime. Ao ser juramentado presidente da República em janeiro de 2007,

incluiu a frase “pátria, socialismo ou morte” no final do juramento diante de uma plateia

atônita. Nessa mesma ocasião, reforçou que o pensamento de Simón Bolívar era

422. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Referências vão da Bíblia a Marx e Gramsci. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 11 de janeiro de 2007, p.8, No 28.407.

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socialista e o Libertador estaria sentado em um trono, pois ele era uma majestade da

justiça e da igualdade423.

Bolívar, o socialismo com Cristo, a busca por justiça e igualdade e até mesmo as

estatizações no setor energético, anunciadas durante a posse, eram apenas instrumentos

com os quais o presidente da Venezuela desejava atingir sua principal meta neste início

de terceiro mandado: reformar a Constituição de 1999 para possibilitar a instituição da

reeleição sem limites ao cargo de presidente da República. Chávez não escondia o

desejo de se manter no poder e as condições políticas favoráveis faziam com que

enxergasse viabilidade nesta ideia. “Ao receber a faixa presidencial, Chávez disse que

gostaria de recebê-la mais uma vez, em 2013, para um quarto mandato [...]”424.

Para atingir este objetivo, Chávez não perdeu tempo. Poucos dias após tomar

posse, criou um conselho presidencial incumbido de elaborar um projeto de Reforma

Constitucional. Em sua visão, a necessidade de reformar a Carta Magna elaborada em

1999 seria feita com base no defendido por Simón Bolívar no tocante a Constituição da

Bolívia de 1826. Segundo o Libertador, a Carta Magna de um país deve sofrer

alterações ao longo dos anos para se adequar às exigências do momento histórico. Com

base neste argumento, Chávez elencava a possibilidade da existência de ‘fissuras’ na

Constituição que o impediriam de acelerar o processo de construção do socialismo

democrático e bolivariano na Venezuela425.

Era perceptível que Chávez estava rodeado por um séquito com visão pouco

crítica da Revolução Bolivariana, estava cada vez mais suscetível aos elogios e

inflexível com as críticas. No entanto, isso não permitia ao presidente ignorar que havia

considerável resistência a seu projeto de Reforma Constitucional. Mas, o que

incomodava Chávez era que as críticas as alterações na Constituição não vinham

somente dos oposicionistas. Alguns partidos pertencentes à coalizão que respaldava

politicamente a Revolução Bolivariana não se mostravam simpáticos ao projeto,

423. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

juramentación como Presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el período 2007-2013.

Palacio Federal Legislativo. Caracas, 10 de Enero de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2705-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-acto-de-juramentacion-como-presidente-de-la-republica-bolivariana-de-venezuela-para-el-

periodo-2007-2013 (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

424. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chávez promete “socialismo ou morte”. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 11 de janeiro de 2007, p.8, No 28.407.

425. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Consejo Presidencial para la Reforma Constitucional y del

Consejo Presidencial del Poder Comunal. Salas Ríos Reyna, Teatro Teresa Carreño. Caracas, 17 de

Enero de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2688-juramentacion-del-consejo-presidencial-para-la-reforma-

constitucional-y-del-consejo-presidencial-del-poder-comunal (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

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sobretudo em dois pontos: a ideia de que a Venezuela caminharia ao socialismo com a

aprovação da Reforma; e a permissão à reeleição sem limites apenas ao cargo de

presidente da República.

Sem fugir de seu conhecido estilo de condução político-presidencial, Chávez

decidiu enfrentar as resistências no interior de sua base ao adotar uma estratégia

considerada arriscada devido a possibilidade de provocar dissidências, justamente em

um regime cujo líder constantemente apelava à unidade bolivariana para vencer os

desafios: resolveu fundar um partido político, por meio do qual buscaria controlar sua

base de apoio, ao impor uma disciplina partidária e, consequentemente, evitar que

qualquer descontentamento pudesse inviabilizar suas diretrizes.

Em 24 de março de 2007, ou seja, dois meses após instituir o Conselho

Presidencial de Reforma Constitucional e se incomodar com as resistências, Chávez

mobilizou seus partidários e fundou o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

Em palestra no ato de fundação da legenda, intitulada “Acerca da grandíssima

importância de um partido”, chamou de fisiológica a postura de algumas lideranças

partidárias que enxergavam o partido como um fim e não como um meio através do

qual se desenrolaria a luta revolucionária. Tratava-se de uma crítica aos líderes das

legendas que resistiam a aderir ao PSUV. Chávez os desafiou a dar uma demonstração

de desprendimento em favor da Revolução Bolivariana, considerada mais importante do

que qualquer projeto pessoal426.

As críticas de Chávez eram dirigidas a três partidos que formavam o Movimento

Quinta República (MVaR)427 que se mostravam resistentes à ideia de aderir ao partido

único: o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Partido Pátria para Todos (PPT) e a

coalizão partidária PODEMOS (Por la Democracia Social). Embora todas estas

legendas tenham mantido o ‘apoio incondicional’ ao governo, o presidente não ficou

satisfeito. Desejava a dissolução de todas para ingresso no PSUV, a partir daquela data,

único partido do governo e da Revolução Bolivariana. Chávez acusou os líderes dos

partidos resistentes de traidores e os ameaçou com a revogação de mandatos. O líder do

PODEMOS, Ismael García, chegou a denunciar ameaças vindas de membros do

426. CHÁVEZ, Hugo. Acerca de la grandísima importancia de un partido. Venezuela, 24 de marzo de

2007. In. Revista DEP – Diplomacia, Estrategia y Política (no 6 abril/junio de 2007). Brasilia: Proyecto

Raúl Prebisch, p.205-233.

427. Coalizão agregada ao redor de Chávez durante a campanha presidencial de 1998.

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governo, sem contar com a acusação de ser contrarrevolucionário428. O presidente

pressionava os partidos dissidentes por meio da estratégia de provocar cisões em seus

quadros, cooptava suas lideranças com mandato eletivo, ou os instava a contrariar as

orientações das direções nacionais destas legendas. Essa tática surtiu rápido efeito, pois

em poucas semanas de ofensiva governamental, o PODEMOS teve que conviver com a

saída de governadores, prefeitos e deputados de seus quadros429.

Com a fundação do PSUV, Chávez objetivava aglutinar de uma forma mais

disciplinada as forças políticas que o apoiavam. Sendo assim, poderia fortalecer sua

proposta de Reforma Constitucional, bem como dissipar as resistências ao projeto

dentro de sua base de apoio. Como parte desta estratégia, atacou o que considerava uma

visão reformista do processo bolivariano. Chávez deixou evidente que o reformismo era

uma atitude contrarrevolucionária, pois seu projeto de Reforma Constitucional seria

uma revolução dentro da Revolução Bolivariana. O presidente da República justificou

toda a coação exercida sobre os descontentes como o argumento de que um partido

centralizado seria capaz de melhor detectar os desvios de seus membros.

Chávez tentava convencer seus partidários com o argumento de que o PSUV

aproximaria ainda mais o governo do povo e poderia, de uma forma mais célere,

compartilhar as decisões tomadas no âmbito da Revolução. Para tanto, apelou a Bolívar

ao dizer que a fundação do PSUV aprofundaria a unidade entre os revolucionários,

destacada pelo Libertador como essencial em tempos de luta revolucionária. Por

intermédio do culto ao prócer, Chávez instava a militância a convencer aqueles que

ainda estavam reticentes a aderirem ao seu partido.

[…] tiene que ser ustedes pregoneros de estas ideas, convencer a los

que puedan estar confundidos acerca de la necesidad de este proyecto

unitario, y este pensamiento de Bolívar es muy bueno para aquellos

que tengan dudas, que se guíen y lo utilicen como brújula […]430.

No entanto, na prática, o partido fundado por Chávez serviria para atender aos

interesses do próprio presidente e da Reforma que tentava viabilizar. “[...] o PSUV foi

428. MAISONNAVE, Fabiano. Chavista denuncia ameaças por resistir a partido único. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 17 de março de 2007, p.17, No 28.472.

429. Idem. Pressão de Chávez implode partido aliado. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 de março de

2007, p.18, No 28.477.

430. CHÁVEZ, Hugo. Acerca de la grandísima importancia de un partido. Venezuela, 24 de marzo de

2007. In: Revista DEP – Diplomacia, Estrategia y Política (no 6 abril/junio de 2007). Brasilia: Proyecto

Raúl Prebisch, p.205-233.

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montado sob o comando dos auxiliares mais próximos do presidente, de cima para

baixo, e valendo-se de apoiadores governistas bem localizados na máquina pública” 431.

Contudo, surgiu uma voz discordante com a Reforma Constitucional no próprio

ministério de Chávez. O general Raúl Isaías Baduel, ministro da defesa, criticou

duramente a alteração da Carta Magna. Baduel era uma figura próxima. Chávez era

padrinho de uma de suas filhas e a relação entre ambos se reportava desde a Academia

Militar. Em 1982, Baduel havia sido um dos fundadores (ao lado de Chávez) do MBR-

200. Embora as fontes não apontem sua participação na insurreição de 1992, o general

desempenhou a função de secretário particular do presidente recém-eleito em 1999.

Durante o golpe de 2002, a ofensiva contra os golpistas, liderada pelo batalhão de

paraquedistas de Maracay, comandado pelo general Baduel, foi determinante ao retorno

de Chávez à presidência.

Baduel defendia uma reforma na Carta Magna, mas não nos termos que estava

propondo Chávez. Para o general, em 1999 a população venezuelana havia dado um

“cheque em branco” ao presidente, ao lhe delegar excessivo poder. Em sua visão, isso

deveria ser corrigido. Por isso, se posicionou contra a Reforma Constitucional por

considera-la um “golpe de Estado”, pois outorgaria poderes absolutos e presidência

vitalícia a Chávez432. Em entrevista, Baduel insistiu na tese do golpe de Estado em razão

do projeto de Reforma não se restringir a revisar algumas normas, mas a transformar o

Estado, pois mudaria 20% da Constituição e não seria realizada através de uma

Assembleia Constituinte433. De acordo com o general, outro motivo que o levou a se

afastar de Chávez foi o fato do presidente incluir o termo socialismo na retórica do

regime e forçar os militares a gritar “pátria, socialismo ou morte”434.

O rechaço de Baduel provocou imensa irritação em Chávez. A reação não

demorou e foi dura. Além da demissão do ministério em julho de 2007, passou a ser

alvo da hostilidade do regime e de seus partidários, ao considera-lo um traidor. O clima

de vingança tornou-se visível quando foram publicadas diversas fotos de Baduel nu ao

escovar os dentes, em poses eróticas e até mesmo deitado em uma cama com um

cobertor rosa ao lado de uma boneca inflável. As fotos haviam sido supostamente

431. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.35.

432. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.137-138.

433. BADUEL, Raul Isaías (Entrevista). Reforma de Hugo Chávez é “fraude constituinte”. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 19 de novembro de 2007, p.20, No 28.719.

434. CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p. 150-151.

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tiradas por uma das amantes do general. Em novembro de 2007, poucos dias antes do

Referendo, Baduel conclamou os venezuelanos a votarem contra o projeto de Chávez435.

Se não bastassem as resistências dentro da coalizão que sustentava Chávez e o

rechaço de uma pessoa próxima, a oposição se viu empolgada a reiniciar a luta contra o

presidente quando o governo anunciou o fim da concessão do canal de televisão RCTV

(Radio Caracas Televisão), uma das mais antigas da Venezuela. A relação do governo

Chávez com os grandes canais de TVs privados era marcada pela mútua hostilidade

“[...] no sentido da impressão de uma perseguição recíproca, em que Chávez se sentia

perseguido por essas emissoras, bem como essas emissoras se sentiam perseguidas por

Chávez”436.

Nos primeiros anos de governo, os proprietários das TVs até ensaiaram uma

aproximação. Mas, o distanciamento foi sentido quando empresários venezuelanos

iniciaram um confronto aberto contra Chávez devido ao processo de estatização do setor

petrolífero, realizado por decreto em novembro de 2001. Porém, a hostilidade de

Chávez em relação às TVs privadas se tornou mais explícita em razão do apoio

oferecido pelos proprietários destas emissoras aos golpistas em abril de 2002. O suporte

das empresas de comunicação foi determinante ao efêmero êxito da empreitada, tanto

que muitos denominam aquele episódio de golpe midiático-militar437.

Conforme destacado anteriormente, entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003

a Venezuela conviveu com a greve dos diretores da PDVSA, que exigiam a renúncia de

Chávez. Os grevistas também foram apoiados pelos proprietários dos canais de TVs

privados, dentre os quais a RCTV. A ofensiva de Chávez durou alguns anos, porém,

quando chegou o momento de renovar a concessão do canal, ela foi negada e em maio

de 2007 a emissora foi proibida de operar na TV aberta venezuelana438. Seu prédio foi

ocupado por militares e ela ficou restrita ao espaço dos canais fechados (pagos). Em seu

lugar, o governo instituiu uma emissora estatal, a Tves (Televisora Venezolana Social).

435. Ao que tudo indica, Chávez culpou Baduel pela derrota no Referendo de 2007. Em novembro de

2008, a justiça venezuelana o acusou de corrupção por supostamente desviar US$ 14 milhões do

orçamento militar. Em 2009, ele foi condenado a 8 anos de reclusão a serem cumpridos em Ramo Verde,

prisão militar próxima a Caracas (CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.154).

Em agosto de 2015, mais de 2 anos após a morte de Chávez, Baduel foi colocado em liberdade

condicional.

436. NOGUEIRA, Silvia Garcia & RIBEIRO, Alana Maria. A Telesur e a construção simbólica da

integração latino-americana durante e depois da era Chávez, p.126.

437. ROVAI, Renato. Midiático poder: o caso Venezuela e a guerrilha informativa, p.17-79.

438. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.88.

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200

Chávez se ancorava na tese de que o espaço radioelétrico venezuelano pertencia

ao Estado e deveria ser utilizado para seu interesse, não a serviço de grupos ou

corporações privadas. Três anos após o fechamento do canal, o presidente concedeu

entrevista a um jornalista brasileiro e, ao ser questionado se teria renovado a concessão

caso se tratasse de uma emissora favorável ao regime, Chávez se restringiu a responder

firmemente a quem pertencia o espaço radioelétrico venezuelano.

Era una televisora que tenía no menos de 20 procedimientos de

investigaciones, violación de las leyes y seguía se negando a cumplir

las leyes. Y luego seguirán violando las leyes abiertamente. […] en el

marco de la constitución de las leyes no se renovó la concesión.

Bueno, es la libertad del Estado, el derecho del Estado439.

Entretanto, a retirada da permissão da RCTV operar no espaço radioelétrico

venezuelano foi vista pela oposição como uma atitude ditatorial de Chávez, pensamento

compartilhado por vários meios de comunicações ao redor do mundo. Por se tratar de

uma emissora com posições críticas ao regime, não havia como o governo esconder que

se tratava de uma retaliação. Não renovar a concessão do canal privado influenciou nas

críticas ao projeto de Reforma Constitucional que estava sendo elaborado pelo poder

Executivo e seria enviado à Assembleia Nacional em agosto de 2007.

O presidente utilizou a imprensa para dizer que o socialismo pela via

venezuelana não excluiria a propriedade privada e respeitaria as demais liberdades

individuais440, dentre as quais a de pensamento e divergência de opinião. Mas foi

inevitável que seus adversários utilizassem a retórica socialista do regime, a formação

de um partido único do governo (PSUV) e o controle dos meios de comunicação, para

afirmar que a Venezuela caminhava a passos largos rumo à ditadura totalitária. Ou seja,

a mobilização contra a Reforma Constitucional crescia mais rápido do que o governo

havia previsto.

As dissidências na base de apoio e a mobilização da oposição devido ao

cancelamento da concessão da RCTV, se somaram ao esforço de estudantes

universitários que iniciaram uma onda de protestos contra Chávez. Um dos motivos

pelo qual eles se mobilizavam contra o governo seria o fato do projeto de Reforma

Constitucional prever o controle do Estado no orçamento e na política pedagógica das

439. CHÁVEZ, Hugo. Entrevista do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Bolivariana da

Venezuela, Hugo Rafael Chávez Frías, ao Jornalista Kennedy Alencar. Programa É Notícia, Rede TV.

Embaixada da Venezuela no Brasil. Brasília, 3 de maio de 2010. Transcrição do autor, p.12-13.

440. CHÁVEZ, Hugo. En las fronteras de un tiempo. Caracas, 4 de marzo de 2007. In: RANGEL, José

Vicente. De Yare a Miraflores, p.243-268.

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universidades venezuelanas. Porém, o estilo de Chávez ao encarar situações de

contestação de sua liderança não havia mudado, pois não ficou inerte diante do

crescente descontentamento na sociedade venezuelana.

Visando dirimir as resistências, o presidente apelava ao Libertador com seu

discurso da unidade em torno da pátria. Em marcha realizada na Avenida Bolívar em

junho de 2007, criticou os estudantes universitários que protestavam contra sua proposta

de Reforma Constitucional e rechaçavam o fechamento do canal RCTV. O presidente

considerou o ‘cúmulo dos cúmulos’ estudantes universitários, ou qualquer outro jovem

venezuelano, se posicionar contra seu governo, pois tratava-se de uma postura favorável

aos interesses do imperialismo que vinha ‘atropelando’ a pátria de Simón Bolívar há

muito tempo. Em sua visão, os jovens deveriam ser ‘revolucionários’, portanto, não

havia outra atitude aceitável senão respaldar a Revolução Bolivariana. Por fim, recorreu

ao Libertador para conclamar a unidade entre os partidos políticos, o povo, a classe

operária, os campesinos e as Forças Armadas na consolidação da República441 e,

principalmente, na aprovação da Reforma Constitucional.

Ainda que lidasse com resistências vindas de várias frentes, em agosto de 2007

Chávez entregou à Assembleia Nacional o projeto elaborado pelo Conselho Presidencial

para a Reforma Constitucional. Assim como havia ocorrido durante o processo de

discussão da Constituição em 1999, o presidente da República tinha pressa, ofereceu

pouco tempo às discussões, apesar de se tratar de um tema extremamente complexo.

Como o Referendo ocorreria em dezembro do mesmo ano, a Assembleia

Nacional teria menos de 4 meses para finalizar as discussões. Embora Chávez refutasse

as críticas, o debate acerca de alterações em Artigos importantes da Constituição havia

sido fechado e realizado sem o aprofundamento que a complexidade do tema exigia.

Outro ponto a enfatizar seria que, apesar da Assembleia Nacional ter sido eleita em

2005 somente com partidários do presidente, as discussões no tocante ao PSUV fizeram

com que essa unanimidade se tornasse uma amplíssima maioria.

Em discurso proferido aos legisladores, Chávez recorreu a Bolívar. Ao relembrar

o 202o (ducentésimo segundo) aniversário do famoso Juramento do Monte Sacro

(1805), o presidente buscou convencer os deputados da necessidade de aprovação

441. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente de la República Bolivariana de Venezuela,

Hugo Chávez con motivo de la concentración Bolivariana Antiimperialista. Avenida Bolívar. Caracas, 2

de junio de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2424-discurso-del-comandante-presidente-de-la-republica-

bolivariana-de-venezuela-hugo-chavez-con-motivo-de-la-concentracion-bolivariana-antiimperialista

(acesso em 26 de fevereiro de 2016).

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202

daquelas alterações na Carta Magna, segundo o qual combinavam perfeitamente com os

princípios considerados socialistas e bolivarianos. Como uma forma de outorgar

extrema necessidade ao projeto de Reforma, Chávez destacou que seu governo já tinha

feito bastante para ‘romper as cadeias’ do povo venezuelano. Porém, havia muito a ser

feito e justificou a reforma com o argumento de que ela aceleraria este processo.

[…] el proceso debe continuar rompiendo las cadenas, transformando

la sociedad civil oligárquica, alienada, en una nueva sociedad, una

nueva sociedad; con un nuevo Estado como correlato, porque debe

ser la sociedad civil nueva, o la sociedad nueva, la base fundamental

de la sociedad política nueva442.

Eram notáveis as pressões vindas da presidência para que a Assembleia Nacional

concluísse a discussão e a votação da proposta de Reforma Constitucional o mais rápido

possível. Mesmo assim, houve tempo hábil para o Legislativo venezuelano ampliar o

número de Artigos a serem incluídos na Reforma Constitucional e submetido à

aprovação dos eleitores venezuelanos em 2 de dezembro de 2007. Os legisladores

estabeleceram que a Reforma seria submetida em dois pacotes, o A e o B, e eles teriam

que decidir se aprovavam (SIM) ou recusavam as alterações (NÃO).

No pacote A, decidir-se-ia sobre a alteração de 46 Artigos constitucionais, sendo

que seriam três as alterações mais polêmicas: a que esticava o mandato presidencial de 6

para 7 anos, com permissão à reeleição sem limites; a que retirava a autonomia do

Banco Central; e a que permitia ao presidente da República modificar a divisão político-

administrativa do país, ao criar ‘cidades federais’, ou dissolver estados. No pacote B,

seriam alterados 23 artigos da Constituição, dentre os mais controversos seriam: o que

criminalizava a homofobia; diminuía a autonomia orçamentária e pedagógica das

Universidades; e permitia a deputados acumular outros cargos públicos de nomeação

(ministros de Estado, por exemplo) durante o exercício do mandato443.

Esforçando-se para dissipar as resistências no tocante à Reforma, o presidente

optou pela estratégia de radicalizar ainda mais o discurso e apelar em favor da proposta.

Essa atitude tornou-se notória em comício realizado em novembro de 2007 em um

estádio localizado no estado natal de Chávez (Barinas), quando foi enfático ao afirmar:

os que votavam a favor das alterações constitucionais estavam votando por Chávez e os

442. CHÁVEZ, Hugo. Presentación del Proyecto de Reforma Constitucional ante la Asamblea Nacional,

por parte del Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 15 de agosto

de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2263-

presentacion-del-proyecto-de-reforma-constitucional-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-

comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

443. VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (1999).

Page 203:  · 4 ANATÓLIO MEDEIROS ARCE O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013) TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

203

contrários estavam votando contra Chávez444. O cenário político de forte apelação e

radicalismo estava montado. Dois dias depois em Maracaibo, o presidente apelou ainda

mais ao afirmar: ao votar no SIM estava votando por Simón Bolívar, no NÃO estava

contra o Libertador, contra Chávez e contra a pátria. Na visão do presidente, aqueles

que criticavam a Reforma se posicionavam automaticamente contra o projeto de nação

que tinha como principal propósito acabar com a pobreza na Venezuela. Chávez

aproveitou a ocasião para reforçar a ideia de que, se o povo desejasse, ele ficaria até

2020 na presidência da República, ou por mais tempo se essa fosse a expressão da

vontade popular445.

Por meio dessas palavras, deixava nítido que o principal objetivo daquele

Referendo seria instituir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da República.

Conforme o dia do Referendo se aproximava, fazia discursos cada vez mais eloquentes

e apelativos, com o propósito de mobilizar seus partidários, assim como fez na

simbólica Avenida Bolívar.

El domingo vamos todos a votar por el SÍ, a aprobar la Reforma

Constitucional, a abrir las puertas de la patria grande y futura, a

abrir las puertas del camino hacia el socialismo bolivariano, aquel

triunfo histórico del sueño de Bolívar, aquí nos tendrán dispuestos a

defender nuestro triunfo; el pueblo venezolano ya lo ha demostrado,

el pueblo venezolano lo seguirá demostrando446.

A forma apelativa como Chávez conduzia a campanha em favor da Reforma

Constitucional era explicada pela grande quantidade de sondagens eleitorais que

apontavam a provável derrota do governo. Mas, as incertezas do cenário político do país

tornavam qualquer pesquisa de intenções de voto pouco confiáveis. Enquanto o governo

afirmava dispor de ampla vantagem, a oposição considerava que a proposta seria

rejeitada pela maioria dos eleitores. Entretanto, quando se abriu as urnas, a polarização

444. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en concentración por el Sí.

Estadio “Agustín Tovar”. Las Carolinas, Estado Barinas, 23 de noviembre de 2007. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2079-discurso-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-en-concentracion-por-el-si (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

445. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en la concentración y

apoyo a la Reforma Constitucional. Estadio Pachencho Romero. Maracaibo, 25 de noviembre de 2007.

In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2077-

intervencion-del-comandante-presidene-hugo-chavez-en-la-concentracion-y-apoyo-a-la-reforma-

constitucional-estadio-pachencho-romero-maracaibo (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

446. CHÁVEZ, Hugo. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en el cierre de campaña en

apoyo al Sí-Sí de la Reforma Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 30 de noviembre de 2007. In.

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2053-discurso-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-en-el-cierre-de-campana-en-apoyo-al-si-si-de-la-reforma-

constitucional (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

Page 204:  · 4 ANATÓLIO MEDEIROS ARCE O BOLIVARIANISMO NA VENEZUELA DA ERA CHÁVEZ (1999-2013) TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

204

não era apenas uma dedução teórica. A Venezuela estava dividida e qualquer vitória,

seja em favor de um lado ou de outro, seria por margem diminuta de votos.

Em 2 de dezembro de 2007, os 2 pacotes com alterações na Constituição foram

recusados. O pacote A foi rejeitado por 50,7% dos votos e o B por 51% dos votos447.

Pela primeira vez Chávez perdia uma disputa no âmbito eleitoral, justamente 1

ano após ter sido reeleito presidente da República com ampla vantagem, contar com

uma Assembleia Nacional extremamente favorável e uma oposição até então

desmotivada e na defensiva. Mas, as causas que levaram o governo a ser derrotado

poderiam ir desde a má estruturação das reformas (pacotes A e B) até o desgaste da

fundação do PSUV, a dissidência de Baduel, os protestos estudantis e o cancelamento

da RCTV. Mas, algo não poderia ser ignorado: Chávez havia recebido 7,1 milhões de

votos em dezembro de 2006 e, 1 ano mais tarde, somente 4,3 milhões apoiaram a

Reforma.

O que levou mais de um milhão de chavistas a ficarem em casa

naquele domingo, 2 de dezembro? Porque não se animaram a apoiar

as 34 propostas de emendas editadas pela presidência da República,

mais as 35 adicionadas por sua base de apoio na Assembleia

Nacional? 448

Os questionamentos feitos acima pelo autor são pertinentes, mas as fontes

analisadas indicaram que Chávez se desgastou politicamente ao longo de 2007 devido a

atitudes tomadas pelo governo e apontadas acima, responsáveis por viabilizar, senão

uma vitória da oposição, o desestímulo de parte de seus partidários em apoiá-lo.

O presidente da Venezuela reagiu com desgosto à derrota. Em discurso

visivelmente consternado, recomendou a seus adversários que soubessem administrar a

vitória. Chávez estava contrariado, não queria ter perdido, pois já havia se acostumado

com a fama de ‘imbatível’ conquistada ao longo dos anos de vida pública. Ainda mais

se tratando de uma figura política que havia enfrentado diversas dificuldades para se

manter no cargo. Chávez considerou o resultado do Referendo uma ‘victoria de mierda’

dos setores oposicionistas, pífia, disse preferir a derrota do que uma vitória por números

tão risíveis. O presidente afirmou que este tropeço eleitoral não abalaria a Revolução

Bolivariana e insistiu em seu projeto de implantar o socialismo na Venezuela, ao apelar

para o argumento da igualdade entre as pessoas.

447. VENEZUELA. Resultado del Referendo de la Reforma Constitucional de diciembre de 2007. In.

Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:

http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_reforma/ (acesso em 24 de março de 2016).

448. MARINGONI, Gilberto. A Revolução Venezuelana, p.29.

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205

La igualdad social que debe ser, el decir de Bolívar lo digo yo hoy,

bueno, el principio fundamental de nuestro sistema, la igualdad. A

usted trabajadores por cuenta propia ya buscaremos la manera de

irlos incluyendo, seguramente más lento, seguramente con más

dificultades, pero ya buscaremos la manera de que ustedes tengan su

sistema de seguridad social que es una de las propuestas

extraordinarias de la Reforma Constitucional449.

O presidente criticava indiretamente aquela parcela do eleitorado que não havia

ido votar, mas influenciou na derrota do governo. Por isso, afirmou que as conquistas

aos trabalhadores viriam de uma forma mais lenta em razão da não aprovação da

Reforma Constitucional.

Na realidade, não há como negar que o governo lidava mal com a derrota no

Referendo. Porém, a principal meta daquele pleito, ou seja, obter a possibilidade de

reeleição sem limites ao cargo de presidente da República, não havia sido abandonada

por Chávez. Era perceptível em 2007 que obter uma possibilidade de concorrer

novamente à presidência seria uma das principais alterações a fazer na Constituição. No

próximo item, é possível perceber que Chávez estava obstinado a abolir da Carta Magna

qualquer instrumento que limitasse a reeleição sem limites ao cargo de presidente da

República, pois não cometeria os mesmos equívocos do projeto submetido à votação em

2007.

4.3 – A reeleição sem limites: um referendo para manter o ‘segundo Libertador’

na presidência da República

A Revolução Bolivariana se transformava cada vez mais em um processo

político centralizado na figura do presidente Chávez e, sobretudo, dependente de sua

continuidade no poder. Desde a ascensão à presidência em 1999, o ex-militar vinha

conduzindo o processo de uma forma centralizadora e justificava esta postura no clima

de elevada tensão existente entre o governo e a oposição, que desencadeou

desdobramentos como o golpe de Estado de 2002, a greve dos diretores da PDVSA em

2003 e o boicote às eleições legislativas de 2005.

É marcante na história venezuelana a presença de instituições centralizadoras e

autoritárias, comandadas por líderes personalistas e ‘insubstituíveis’, a exemplo de

449. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez (cadena nacional). Salón

Ayacucho, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones.

Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2151-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-cadena-nacional (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

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206

Simón Bolívar, José Páez, Gregório e Toledo Monagas, Guzmán Blanco, Juan Vicente

Gómez, entre outros. Como resultado, a viabilidade da Revolução Bolivariana e das

conquistas obtidas a partir dela estariam asseguradas somente com a continuação de

Chávez no poder. Com base neste raciocínio, o impedimento constitucional à sua

candidatura para outro mandato deveria ser derrubado, pois colocava-o diante de um

impasse, solucionável apenas com a aprovação de uma Emenda Constitucional, com o

propósito específico de permitir a reeleição sem limites ao cargo de presidente.

Conforme já foi destacado, no Referendo para a Reforma Constitucional de

dezembro de 2007 uma das principais alterações seria possibilitar a reeleição sem

limites ao cargo de presidente da República, além de estender o mandato presidencial de

6 para 7 anos. Contudo, a proposta foi rechaçada por uma margem diminuta de votos.

Naquele momento, de acordo com o estabelecido na Constituição da Venezuela, Chávez

estava em seu segundo mandato, não podendo disputar um terceiro. Sendo assim, em 2

de fevereiro de 2013 teria que deixar a presidência da República.

Ao que tudo indica, Chávez tinha a consciência de que a derrota no Referendo

de 2007 o colocaria em uma situação que o obrigaria a recorrer a outros mecanismos

para impedir sua saída da presidência em 2013, ou mesmo postergar a delicada

discussão dentro de sua base no tocante a um provável sucessor. Esta situação parecia

perceptível a Chávez logo após a derrota no Referendo de 2007. Ele aceitou

publicamente o revés por não haver outra atitude a ser tomada naquele momento, mas

fez questão de enfatizar que ‘por enquanto’ não havia conseguido aprovar as alterações

sugeridas. Em sua visão, o país caminharia inevitavelmente rumo ao Socialismo do

Século XXI. O presidente foi firme ao dizer que não alteraria nenhuma vírgula da

proposta submetida a Referendo e rejeitada por uma pequena margem de votos450.

Apesar de derrotado no Referendo de 2007, a força política e eleitoral do

presidente não poderia ser subestimada, principalmente por se tratar de um líder capaz

de utilizar eficazmente o culto a Bolívar a seu favor, o que na Venezuela caracteriza

uma considerável vantagem política. Com base neste ponto, sempre quando ocorria algo

desfavorável ao regime, evocava o histórico herói da Independência com o propósito de

desviar o foco da derrota, ou mesmo reforçar sua presença por meio da tese de que

continuava a obra do Libertador. Poucos dias após ser derrotado, Chávez reapareceu em

público colocando flores no túmulo de Bolívar em data e local estratégicos: era 17 de

450. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez aceita derrota, mas não desiste. Folha de S. Paulo. São Paulo, 4

de dezembro de 2007, p.13, No 28.734.

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207

dezembro e o presidente estava no Panteão Nacional onde se encontravam os ossos de

Bolívar. Chávez homenageava o Libertador no 177o (centésimo septuagésimo sétimo)

aniversário de sua morte.

Em seu discurso, tornou-se evidente que a derrota ocorrida dez dias antes

deveria ser desconsiderada, embora ainda não tenha mencionado qual seria a estratégia

a ser adotada para continuar no poder. Além disso, o presidente empenhava-se na

construção do Socialismo do Século XXI, o que outorgava a retórica do regime mais

contradições e maior complexidade. No Panteão, Chávez insistiu na tese de que Bolívar

era como Che Guevara e ambos estavam inspirados no exemplo socialista de Jesus

Cristo. Também aproveitou a oportunidade para insistir na tese de que a oligarquia

venezuelana, representada por seus opositores, sempre odiou o Libertador451.

O presidente ainda não havia anunciado publicamente qual seria a estratégia a

ser adotada para se manter no poder. Por enquanto, a possibilidade de obter a reeleição

sem limites havia sido rejeitada dentro do pacote de alterações constitucionais

submetido a Referendo em dezembro de 2007. Mas, seus críticos já estavam totalmente

céticos no tocante a ideia de um diálogo com a oposição, igual postura adotada em

relação a hipótese de Chávez não disputar a eleição presidencial de 2012. Era

relativamente grande o número de jornalistas, acadêmicos, líderes partidários e demais

observadores a apostar que Chávez encontraria uma maneira de disputar novamente o

cargo. Para Manuel Caballero, a intenção de Chávez nunca foi a reeleição, mas a

presidência vitalícia: “[…] lo que el teniente coronel busca es la presidencia vitalicia.

Es con este nombre que se debe designar su intención, y con este nombre

combatirla”452.

Antes de anunciar publicamente qual seria a estratégia a ser adotada, Chávez

começou a sondar sua base de apoio e lançou diversas propostas, dentre as quais

convocar um referendo revocatório ao próprio mandato, ou aproveitar o ensejo para que

a população decidisse sobre alterar ou não o Artigo 230 da Constituição, visando

instituir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da República. Chávez

fundamentava estas propostas com base no argumento de que só o povo devesse colocar

451. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo

de la conmemoración del 177º aniversario del fallecimiento del Libertador y Padre de la Patria Simón

Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2007. In. Discursos y Alocuciones. Disponível

em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2147-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-durante-acto-con-motivo-de-la-conmemoracion-del-177-aniversario-del-fallecimiento-del-

libertador-y-padre-de-la-patria-simon-bolivar (acesso em 26 de fevereiro de 2016).

452. CABALLERO, Manuel. La peste militar, p.207.

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208

e retirar governos na Venezuela, para ele, o único capaz de decidir por quanto tempo um

governante deve permanecer ou não em seu cargo.

Esta estratégia foi se tornando mais evidente em discurso proferido em janeiro

de 2008 diante do Conselho de Ministros. Na ocasião, o presidente anunciou não ter

desistido da ideia de aprovar, por meio de outras formas, vários pontos contidos no

Referendo rejeitado em 2007, porém não especificou quais seriam. Ao fazer uma

analogia, explicou que a proposta não havia sido aprovada por não ter chegado ao ponto

de ebulição, pois a batalha não havia terminado453. Era a primeira vez que discursava

publicamente em 2008, ano importante à Revolução, pois haveriam eleições regionais

(governadores e prefeitos). Caso Chávez conseguisse eleger a maioria dos governadores

e prefeitos, estaria ainda mais fortalecido politicamente para convocar um referendo

com o propósito de alterar o Artigo 230 da Constituição, permitindo-o se candidatar a

um novo mandato presidencial.

Porém, Chávez era um hábil estrategista político e seus discursos eram utilizados

como uma forma de sentir a receptividade política em favor de suas propostas. Ao

proferir o tradicional discurso à Assembleia Nacional, na abertura do ano legislativo de

2008, instou sua enorme base de apoio no parlamento a encontrar alguém para sucedê-lo

que fosse capaz de proporcionar continuidade à Revolução. Se assim o povo quisesse,

afirmou que poderia tranquilamente deixar o poder em fevereiro de 2013 e se

reintegraria às Forças Armadas como tenente-coronel. Também cogitou a hipótese de

retornar à savana para plantar milho454.

Chávez utilizava a estratégia de sentir a receptividade às suas propostas lançando

sugestões à sua base de apoio, por mais que nos bastidores já articulasse em favor de

determinada proposta. Com base nesta postura, era evidente que o líder venezuelano

encontraria uma maneira de derrubar o impedimento, presente na Constituição naquele

momento, que previa somente uma reeleição. Ele apenas não havia demonstrado qual

estratégia utilizaria para atingir o objetivo. Por outro lado, Chávez ainda possuía 5 anos

453. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante primera reunión

del Consejo de Ministros del año 2008. Salón del Consejo de Ministros, Palacio de Miraflores. Caracas, 8

de enero de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1564-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-primera-reunion-del-consejo-de-ministros-del-ano-2008 (acesso em 7 de abril de 2016).

454. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 11 de enero de 2008. In.

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1573-presentacion-de-

memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso

em 7 de abril de 2016).

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de mandato, tempo considerável principalmente em se tratando do tenso e volátil

cenário político venezuelano.

Ao contrário do que cogitava, em uma eventual saída da presidência em

fevereiro 2013, não teria credibilidade a tese de que uma figura tão influente, política e

eleitoralmente, fosse plantar milho na savana. Também não havia a possibilidade de ser

reincorporado às Forças Armadas. Além da idade, em 1992 ele havia sido demitido do

Exército em razão da tentativa de tomar o poder através de um golpe de Estado.

Não havia dúvidas que Chávez queria continuar na presidência da República,

mas para isso necessitava retirar o impedimento constitucional. Ainda no mesmo

discurso proferido aos deputados em janeiro de 2008, Chávez ‘mudou de ideia’ e

cogitou a hipótese de convocar um Referendo Revocatório no tocante a seu mandato, a

exemplo do que havia ocorrido em 2004. Com base nisso, aproveitou para dizer que

também poderia acompanhar, neste provável referendo, uma proposta de caráter

vinculante para consultar a população no tocante a instituição da reeleição sem limites.

[…] yo incluso tengo la potestad de convocar referéndum revocatorio

contra mí mismo, pero dos preguntas, haría yo, primero: ¿Está usted

de acuerdo en que Hugo Chávez siga siendo presidente de Venezuela

Sí o NO? La segunda pregunta con carácter vinculante. ¿Está usted

de acuerdo en hacer una pequeña enmienda en la Constitución

Bolivariana para permitir la reelección indefinida? 455

Logo após mencionar a provável reeleição sem limites a ser obtida em um

eventual referendo, Chávez recorreu a Simón Bolívar. Na visão do presidente, o

Libertador defendia a revolução como o único caminho para se chegar ao triunfo. O que

Chávez buscava era que somente a Revolução Bolivariana poderia levar à Venezuela ao

triunfo mencionado pelo Libertador. Porém, como este processo se mostrava viável

apenas com a permanência de Chávez no poder, haveria legitimidade suficiente para

emendar a Constituição e permitir a reeleição sem limites ao cargo de presidente da

República.

Por outro lado, os opositores estavam empolgados com a derrota do governo no

Referendo Constitucional de 2007. Sendo assim, eles não permaneceram estáticos e

articulavam uma estratégia a fim de diminuir o domínio do presidente no cenário

político. Logo nas primeiras semanas de 2008, vários partidos de oposição decidiram

fazer um pacto suprapartidário com o propósito de lançarem candidaturas únicas para

enfrentar os candidatos oficialistas nas eleições regionais de 2008. Este acordo se

455. Idem.

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210

transformaria, anos depois, na Mesa de Unidade Democrática (MUD)456, que mais tarde

sustentaria a candidatura de Henrique Capriles à presidência em 2012. Entretanto, em

2008, a coalizão havia sido formada com o seguinte propósito: “o pacto consolida

dentro da oposição a tese da participação eleitoral mesmo em condições

desfavoráveis”457. Ademais, o acordo rechaçava o uso de táticas não legalistas para

destituir Chávez, a exemplo de recorrer a um golpe de Estado.

O fato da oposição optar pela mobilização eleitoral atenuava o impacto do

golpismo na retórica do regime. Embora eles continuassem a ser vistos como inimigos,

o golpe de 2002 estava se transformando em uma realidade mais distante, pois os

partidos da oposição demonstravam disposição em disputar eleições contra os fortes

candidatos do presidente, ainda que fosse em um cenário de provável derrota.

Contudo, a mobilização dos oposicionistas era utilizada como uma justificativa

para agregar apoio entre os partidários do presidente. Na visão de Chávez, os ‘inimigos’

do Libertador continuavam sendo ‘perigosos’, o que aumentava a necessidade do

governo estar preparado. Isso significava, portanto, o fortalecimento da liderança do

presidente, junto a sua imprescindível presença como líder da Revolução. Ou seja, por

mais que Chávez sugerisse nomes, ventilasse a hipótese de deixar a presidência em 2 de

fevereiro de 2013 quando terminaria seu mandato, ele não estava disposto a deixar isso

acontecer.

Em discurso proferido aos militantes jovens do PSUV, o presidente da

Venezuela afirmou que a proposta de reeleição sem limites não poderia vir dele. Como

já havia feito em 2007 e ela foi rejeitada, em sua visão esta iniciativa deveria vir do

povo da Venezuela. Se caso os eleitores fizessem a emenda e a aprovasse, ele sairia

candidato em 2012, pois seria uma iniciativa do povo, não dele458. Estava cada vez mais

nítido que a proposta não viria oficialmente do gabinete presidencial. Ela deveria ser de

‘iniciativa popular’. Chávez havia optado pela estratégia de insuflar sua militância para

que eles fizessem uma mobilização em favor da mudança na Carta Magna para permitir

456. Coalizão de partidos políticos que faziam oposição ‘formal’ ao regime comandado por Chávez.

457. MAISONNAVE, Fabiano. Oito partidos de oposição se unem para derrotar Chávez. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 24 de janeiro de 2008, p.13, No 26.785.

458. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

instalación del Congreso Fundacional del Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). Cuartel San

Carlos. Municipio Libertador, 12 de enero de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1575-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-acto-de-instalacion-del-congreso-fundacional-del-partido-socialista-unido-de-venezuela-psuv

(acesso em 7 de abril de 2016).

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211

a reeleição sem limites. Portanto, o presidente seria apenas um incentivador e se

posicionaria como mais um eleitor favorável a proposta.

Como parte da estratégia, o presidente colocou a ideia de retirar empecilhos a

sua recondução à presidência como algo de vanguarda. Segundo ele, isso diferenciaria a

Venezuela dos demais países da América Latina, pois, naquele momento praticamente

todos eles possuíam dispositivos em suas constituições que barravam a recondução

indefinida de presidentes. Porém, como a Venezuela era a terra do Libertador e,

segundo Chávez, os filhos de Bolívar eram ‘especiais’, eles não fugiriam de sua

reponsabilidade histórica e assumiriam seu papel de vanguarda no continente459.

No entanto, Chávez outorgava um caráter vanguardista a uma proposta que já

havia sido utilizada em outros períodos. Permitir a reeleição de líderes carismáticos e/ou

com capacidade de dominar praticamente todo o cenário político do país não era

inovadora. Havia sido utilizada na Venezuela, causou impactos negativos à sociedade e

exigiu um processo de transição delicada após a morte deste líder, a exemplo do que

ocorreu durante a presidência de Juan Vicente Gómez (1908-1935) nas primeiras 4

décadas do século XX.

Entretanto, a discussão sobre a Emenda Constitucional à reeleição sem limites

poderia esperar. Havia, portanto, uma outra prioridade: as eleições regionais de

novembro de 2008. Conforme discutido em itens anteriores, a Venezuela não

apresentava uma longa tradição de eleições regionais e elas vinham registrando baixa

participação. Todavia, em 2008 tais eleições atingiram maior notoriedade, pois seria

utilizada pelo governo como um ‘termômetro’ para sentir a receptividade no tocante a

proposta de reeleição sem limites. Tanto o governo quanto a oposição percebiam a

importância estratégica daquele pleito. Dependendo do resultado, sobretudo se os

candidatos do governo saíssem vitoriosos, ficaria mais fácil aprovar a Emenda da

reeleição sem limites. Ou seja, as eleições regionais de 2008 se tornariam um ‘pré-

referendo’.

Devido a esta intensa disputa, o governo utilizou várias estratégias para

enfraquecer os candidatos da oposição, ou barrar suas candidaturas. Alguns meses antes

das eleições para prefeitos, governadores e deputados estatuais, a justiça venezuelana

publicou uma lista com nomes de cidadãos inabilitados ao exercício de funções

públicas, em razão de diversos crimes ligados a malversação de recursos e outras

459. Idem.

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212

práticas em desfavor da administração pública. Embora na lista também estivessem

pessoas ligadas ao presidente, o fato da maioria deles serem membros da oposição foi o

bastante para os adversários acusarem Chávez de perseguição política. Dentre os

inabilitados havia políticos capazes de vencer os candidatos oficialistas nas eleições

regionais de dezembro, dentre os quais Leopoldo Lopez460, prefeito de Chacao

(município metropolitano de Caracas) e forte candidato na disputa pelo governo da

região metropolitana da Caracas.

López é um dos cerca de 400 nomes da lista de inabilitados para

exercício de funções públicas preparada pelo controlador-geral da

República, Clodosbaldo Russián, e entregue ao Conselho Nacional

Eleitoral (CNE). Todos estão sendo processados por corrupção e

irregularidades administrativas461.

A importância das eleições regionais de 2008 se ancorava no fato do presidente

Chávez ter se empenhado pessoalmente na campanha em favor de seus candidatos462.

Como um eficiente cabo-eleitoral, percorreu o país pedindo votos aos seus indicados

com o argumento de que votar neles seria o mesmo que votar a favor do Libertador, da

Revolução, do socialismo e do presidente Chávez. Neste clima de constante campanha

eleitoral, as disputas entre Chávez e a oposição esquentavam ao ponto do presidente

ameaçar prender alguns membros da oposição. Sua ira era dirigida contra o governador

de Zulia, Manuel Rosales, a quem Chávez acusava de elaborar um plano para assassiná-

lo. Como a reeleição sem limites ainda não havia sido aprovada, Rosales se candidatou

à prefeito da capital do estado (Maracaibo) com enormes chances de se eleger e de fazer

seu sucessor no governo do estado. Portanto, as acusações contra Rosales e as ameaças

460. Líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo Lopez foi prefeito de Chacao de 2000 a 2008. Mas,

sua candidatura à prefeitura de Caracas foi impedida pela justiça venezuelana, com base na lista de

inabilitados a cargos públicos, divulgada meses antes das eleições regionais de 2008. Contudo, isso não

impediu que López se tornasse um dos principais líderes da oposição. Nas prévias realizadas pelo MUD

às eleições presidenciais de 2012, Lopez postulou pré-candidatura, porém, desistiu nos primeiros debates.

Além da força política demonstrada por Henrique Capriles dentro da coalizão oposicionista, as acusações

que respondia na justiça provocavam temores na oposição de que, caso fosse o indicado, a justiça

inabilitaria sua candidatura. Devido a tal fato, também foi descartada sua inclusão de vice-presidente na

chapa de Capriles. Durante os protestos de fevereiro de 2014 contra o governo do presidente Nicolás

Maduro, fortemente reprimido pela Guarda Nacional Bolivariana, López foi acusado de insuflar os

protestos violentos e, consequentemente, responsabilizado pelas mortes ocorridas. Em 10 de setembro de

2015, Leopoldo López foi condenado a 13 anos de prisão a serem cumpridos no presídio Ramos Verde,

próximo à Caracas. Com a vitória da oposição nas eleições legislativas de dezembro de 2015, nos

primeiros meses de 2016 foi aprovada no parlamento uma anistia aos ‘presos políticos’, porém foi vetada

pelo presidente Nicolás Maduro. Em julho de 2017, López foi colocado em prisão domiciliar, revogada

um mês depois.

461. MAISONNAVE, Fabiano. Oposição teme proscrição na Venezuela. Folha de S. Paulo. São Paulo,

15 de junho de 2008, p.20, No 28.928.

462. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez domina campanha eleitoral regional. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 16 de novembro de 2008, p.19, No 29.082.

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de prendê-lo eram provocadas pelo fato de Chávez querer evitar que a oposição

continuasse a controlar o estado mais rico do país.

Nas eleições regionais de 2008, Chávez e seus apoiadores não conseguiram

repetir a ampla vitória obtida 4 anos antes. O cenário político também não era o mesmo.

Nas eleições regionais de 2004, marcada pela vitória ‘abrumadora’ dos candidatos

governistas, Chávez tinha acabado de vencer um Referendo Revocatório realizado em

agosto. Por outro lado, na disputa de 2008, o presidente se esforçava para disciplinar sua

base após as dissidências, havia amargado uma derrota no Referendo Constitucional de

2007 e contava com uma oposição motivada e disposta a disputar eleições.

Apesar disso, o resultado das eleições realizadas em 23 de novembro de 2008

demonstrou que o presidente continuava popular e a maioria de seus candidatos

eleitoralmente viáveis. Dos 23 estados da federação, elegeu seus aliados em 17,

inclusive recuperou governadorias comandas por ex-aliados, a exemplo dos estados

Sucre, Trujillo, Guárico e Aragua. Estes governadores haviam se afastado da base de

apoio em razão de não concordarem com a dissolução de seus partidos para aderirem ao

PSUV. Era conhecida a rispidez de Chávez para com os políticos da oposição, mas com

ex-aliados costumava ser ainda mais implacável, ao elevá-los à categoria de traidores da

Revolução e a derrota era o preço a ser pago pela perfídia.

Contudo, a oposição elegeu governadores em estados importantes, a exemplo de

Zulia (produção de petróleo) e Miranda (onde se localiza a capital Caracas, centro

político do país). No tocante às prefeituras, Chávez elegeu 233 prefeitos e a oposição

56. Embora os números tenham demonstrado que o governo estivesse mais fraco nos

grandes centros urbanos, o presidente continuava forte entre os campesinos e nos

municípios e estados mais distantes de Caracas463.

Logo após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgar os resultados

indicando a vitória dos candidatos governistas na maioria dos estados e em mais que o

dobro das prefeituras, Chávez fez um pronunciamento no Hotel Alba. O presidente

afirmou ser aquela uma vitória da Constituição Bolivariana e alfinetou seus adversários

ao dizer esperar que grupos políticos nunca mais agissem à margem da lei. Aproveitou

também para questionar os críticos do regime que afirmavam não haver democracia na

463. MAISONNAVE, Fabiano. Chávez perde grandes centros urbanos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25

de novembro de 2008, p.12, No 29.091.

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Venezuela, pois o reconhecimento da vitória dos governadores e prefeitos

oposicionistas indicavam estar tais críticas equivocadas464.

Chávez buscava reforçar a ideia de que, a frequência com que submetia à

aprovação popular decisões do governo e as constantes eleições pelas quais os

governantes estavam submetidos, indicava haver muita democracia no país. Na

realidade, o presidente percebia a vitória nas eleições regionais como o momento

apropriado para discutir a aprovação da reeleição sem limites ao cargo de presidente da

República. Essa era uma das razões pela qual insistia em enfatizar que não apenas havia

democracia na Venezuela, como também se respeitava as escolhas divergentes. Ao

mesmo tempo em que parabenizava os govenadores e prefeitos da oposição eleitos ao

derrotar seus candidatos, o presidente os recomendou que respeitasse uma autoridade

que estava acima das suas: o governo nacional465, bolivariano e comandado pelo

continuador da obra do Libertador.

A partir deste momento, Chávez pôde trabalhar exclusivamente na aprovação de

uma Emenda Constitucional que instituísse a reeleição sem limites ao cargo de

presidente da República. Sendo assim, o regime optaria pela estratégia de emendar a

Constituição e, em Referendo, aprovar esta alteração pela via popular. Após as eleições

regionais de novembro de 2008, este assunto se tornou a prioridade máxima do regime e

o principal ‘cabo-eleitoral’ desta medida seria o presidente.

Em 14 de dezembro de 2008, Chávez concedeu uma entrevista ao jornalista José

Vicente Rangel. Nessa oportunidade, rebateu as críticas de que o projeto de Emenda

Constitucional à reeleição sem limites fosse algo pessoal. Afirmou que até gostaria de

retornar a sua vida privada após 2 de fevereiro de 2013, porém, isso já não era mais

possível466. O presidente se considerava em plenas condições de garantir continuidade

ao projeto bolivariano e socialista na Venezuela, por isso deveria continuar comandando

o país após 2012. De acordo com Chávez, seus opositores eram reféns dos grupos

fascistas que controlavam grande parte da mídia e das corporações econômicas, por isso

deveriam ser mantidos afastados da presidência. No entanto, era perceptível naquele

464. CHÁVEZ, Hugo. Palabras del Comandante Presidente Hugo Chávez, tras conocerse el primer

boletín del CNE de las Elecciones regionales 2008. Hotel Alba. Caracas, 24 de noviembre de 2008. In.

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2661-palabras-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-tras-conocerse-el-primer-boletin-del-cne-de-las-elecciones-

regionales-2008 (acesso em 7 de abril de 2016).

465. Idem.

466. CHÁVEZ, Hugo. El único camino para la victoria. Caracas, 14 de diciembre de 2008. In:

RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.282.

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momento que a possibilidade de Chávez permanecer na presidência diminuiria as

chances da oposição vencer as eleições presidenciais de 2012.

No momento da entrevista a Rangel, Chávez estava em vias de completar 10

anos no poder e ainda restavam 4 anos de mandato. Se reeleito em 2012, governaria por

mais 6 anos e completaria, em tese, vinte anos na presidência. Chávez foi enfático no

tocante a isso: “Tengo aquí 10 años, ya serían diez años más para redondear, además

un redondeo de 20 años, 20 años no es nada dice la canción, 20 años es un silbido en el

tiempo y en verdad es absolutamente cierto […]”467. Embora refutasse publicamente as

críticas, o presidente não demonstrava disposição minimamente confiável de algum dia

deixar voluntariamente o poder.

Chávez aproveitou a entrevista para reconhecer que se equivocou ao não ter

submetido a Emenda Constitucional à reeleição sem limites no começo de 2007, logo

após ter sido empossado como presidente, momento em que tinha uma Assembleia

Nacional unânime, elevada popularidade e exercia um amplo domínio no sistema

político. Para Chávez, ele e seus apoiadores caíram nas ‘indefinições’, optaram em

propor uma reforma mais ampla ao ser apreciada pela Assembleia Nacional e, no final,

tudo acabou sendo desvantajoso para o governo. Com base nestas palavras, estava

evidente que Chávez não mais permitiria um debate prolongado no tocante ao tema.

Como havia acabado de testar sua força eleitoral nas eleições regionais de novembro, a

Emenda não poderia demorar muito para ser votada. Por fim, visando legitimar a

imprescindível necessidade daquela Emenda Constitucional, recorreu a Bolívar.

Hoy no tengo dudas […] este es el camino, no tengo dudas en repetir

a Bolívar, el impulso de esta revolución ya está dado, lo que tenemos

que hacer es darle buena dirección, […] y como Bolívar, el único

camino para la victoria de Venezuela es la revolución socialista,

democrática, y la enmienda va apuntando en esa dirección, es el

único camino para que no haya vuelta atrás468.

Por Bolívar e pela Revolução Bolivariana e socialista, o presidente já estava em

campanha em favor do Referendo da Emenda Constitucional à reeleição sem limites,

provavelmente a ser submetida à aprovação popular em fevereiro de 2009. Ao

comemorar os 10 anos de sua primeira eleição à presidência, Chávez instou seus

partidários a recolherem assinaturas a serem apresentadas à Assembleia Nacional e ao

467. Idem.

468. Idem, p.291.

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Conselho Nacional Eleitoral solicitando alteração no Artigo 230 da Constituição469.

Tratava-se de uma estratégia diferente da utilizada pelo governo em outras ocasiões, a

exemplo do malogrado projeto de Reforma Constitucional de 2007.

Chávez argumentava no sentido de que o povo tinha o direito de decidir quanto

tempo ele deveria permanecer na presidência, para assim refutar a tese de perpetuação

no poder, crítica feita por adversários e ex-aliados. O presidente preferia ignorar as

críticas afirmando que todos deveriam respeitar a vontade do povo de Simón Bolívar

que o queria no comando da nação, pois sua Revolução havia sido a responsável por

retirar a Venezuela das ‘catacumbas’ e romper históricos entraves ao desenvolvimento

da nação. Chávez utilizou a crise econômica mundial, desencadeada no segundo

semestre de 2008 com o estouro da bolha imobiliária norte-americana, para legitimar a

tese de que, se a Revolução não houvesse ‘chegado’, a Venezuela estaria em pedaços.

Por fim, recorreu ao culto a Bolívar para afirmar que seria por meio da história

venezuelana e, sobretudo, de seu principal personagem que estariam contidas as

esperanças de futuro da pátria e a garantia de ser melhor que o passado470.

Es imprescindible para la Revolución, es imprescindible para el

pueblo la consciencia histórica, recordemos a Simón Bolívar cuando

decía que la historia es un inmenso vientre donde están contenidas

más esperanzas que sucesos pasados y apuntaba el Libertador

Bolívar, nuestro padre Bolívar, que este inmenso vientre que es la

historia apunta hacia el futuro, precisamente con esperanza para que

los acontecimientos futuros sean mejores que los del pasado471.

Apesar de Chávez ter citado Bolívar como uma referência ao futuro da

Venezuela, sua proposta ao futuro do país seria sua continuidade na presidência. A

mensagem que se passava no momento era: se o Libertador é insubstituível, o

presidente também o é, por mais que essa tese fosse negada. Portanto, na leitura feita

pelos partidários do presidente, não havia uma separação entre líder e processo

histórico-político. Em linhas gerais, para que isso se materializasse, a Revolução teria

que prosseguir, junto a indissociável figura de seu líder.

Não havia dúvidas, o presidente estava em plena campanha eleitoral. Por isso,

batizou seu comando de campanha de Comando Nacional Simón Bolívar e, ao discursar

469. CHÁVEZ, Hugo. Celebración del 10° Aniversario de la Revolución Bolivariana. Avenida Urdaneta.

Caracas 6 de diciembre de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/2732-celebracion-del-10-aniversario-de-la-revolucion-bolivariana

(acesso em 7 de abril de 2016).

470. Idem.

471. Idem.

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no evento em que juramentou seus partidários, se colocou a disposição para governar a

Venezuela até 2019. A partir deste evento, afirmou que obedeceria apenas ao povo de

Bolívar, único dono do mandato presidencial que exercia no momento. Em seguida, o

culto a Bolívar entrou em cena. Na visão do presidente, a grandeza do Libertador era

notória que até mesmo os inimigos de Bolívar, na ocasião representados pelos

adversários do presidente, haviam ‘voltado a falar do Libertador’, tendo em vista que

estavam utilizando frases do herói da Independência para se posicionarem contrários a

Emenda da reeleição sem limites472.

Chávez respondia a oposição que havia batizado seu comando de campanha com

o nome de Comando Angostura, em referência ao conhecido Discurso de Angostura,

proferido pelo Libertador em 1819. Nesse discurso, Bolívar havia sido direto no tocante

a seguinte questão: manter a autoridade em um único indivíduo por longo período é

prejudicial à República e havia sido o motivo do fim de governos democráticos e

ascensão de tiranias473.

Interpretada de forma objetiva e desprovida de uma consciência histórica mais

rígida, esta frase do Libertador expressaria um grande rechaço aos indivíduos que se

perpetuavam no poder. Ancorados neste raciocínio, os oposicionistas tentavam reforçar

a tese de que Bolívar era contrário a reeleição sem limites, iniciativa defendida por

Chávez e instituída por meio da Emenda Constitucional. Se o presidente Chávez passou

os seus 14 anos de mandato evocando o Libertador e reforçando a tese de que construía

a pátria sonhada pelo prócer, neste momento era a oposição que tentava galvanizar o

culto a Bolívar contra o presidente.

No entanto, Hugo Chávez reagiu rápido. Refutou esta tese levantada pela

oposição, que o irritava profundamente474. O líder bolivariano, que reivindicava para si

o papel de continuador da obra do prócer, não poderia permitir que a oposição

difundisse este raciocínio. Ao falar em terceira pessoa (cada vez mais Chávez vinha se

referindo a si mesmo em terceira pessoa), o presidente foi enfático ao dizer que Bolívar

havia dito, no famoso Discurso de Angostura, que o prejudicial à República era a

472. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Comando Nacional de Campaña Simón Bolívar. Teatro

Municipal de Caracas. Caracas, 10 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/2742-juramentacion-del-comando-nacional-de-campana-simon-

bolivar (acesso em 7 de abril de 2016).

473. SIMÓN, Bolívar. Discurso pronunciado ante el Congreso. Angostura, 15 de febrero de 1819, p.122.

474. MAISONNAVE, Fabiano. Discurso de Bolívar vira mote para barrar Chávez. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 21 de dezembro de 2008, p.17, No 29.117.

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continuidade da autoridade em um indivíduo475. Com base na frase constantemente

pronunciada pelo presidente, “yo no soy yo, yo soy el pueblo”, e na visão de boa parte de

seus partidários, Chávez já não era mais um ‘indivíduo’, havia se tornado a

representação do poder e da vontade do povo da Venezuela, por isso também era

chamado de “El comandante”.

O legado do Libertador não estava imune as contradições inerentes a qualquer

personagem histórico, ainda mais em se tratando de Simón Bolívar. Embora tenha

rechaçado a “continuidade da autoridade em um mesmo indivíduo por longo período”,

em 1825, durante a discussão da Constituição da Bolívia, o prócer lançou a figura do

‘presidente vitalício’, líder personalista que reuniria todas as virtudes da pátria e seria

considerado o “sol da República”. Essa figura de presidente vitalício foi a que de fato

Bolívar exerceu nas Repúblicas a que libertou. Em se tratando de uma figura política

que manejava com destreza o culto, era mais interessante ao presidente Chávez se

apegar ao ‘Bolívar de 1825’ do que ao ‘Bolívar de 1819’.

[…] Bolívar en 1825, en el discurso que da ante el Congreso de

Bolivia propone la presidencia vitalicia y él explica por qué, él dice,

el presidente de la República en Bolivia y para Bolivia debe ser como

una roca en el medio del mar […] pero, él [está] allí para asegurar la

continuidad, la estabilidad de la República que está nasciendo

[…]476.

O presidente refutava a tese de que pretendia se perpetuar no poder, mas até

admitia a hipótese de exercer uma ‘presidência vitalícia’, desde que fosse submetida à

eleições a cada período estabelecido pela Constituição. Em artigo publicado no Correo

del Orinoco, Chávez instou aos homens e às mulheres venezuelanas a votarem em favor

da perpetuação do povo no poder para que a Revolução Bolivariana fosse vitalícia477.

Entende-se que perpetuar a Revolução era o mesmo que perpetuar Chávez, pois tratava-

se de um processo político não descolado da figura do líder. Neste sentido, a derrubada

de limites Constitucionais à reeleição permitiria a Chávez, em conformidade com a lei,

ser presidente até morrer. Isso acabou de fato ocorrendo, provavelmente muito antes do

que esperava.

475. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Comando Nacional de Campaña Simón Bolívar. Teatro

Municipal de Caracas. Caracas, 10 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/2742-juramentacion-del-comando-nacional-de-campana-simon-

bolivar (acesso em 7 de abril de 2016).

476. Idem.

477. CHÁVEZ, Hugo. “La cuarta fase: “el despliegue”. Artículo publicado en el periódico Correo del

Orinoco. Caracas, 25 de enero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del

Correo del Orinoco, 2011, p.16-17.

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No tocante à polêmica com a oposição envolvendo de ‘qual lado’ o Libertador

estava, tudo isto ocorria em razão do legado de Simón Bolívar não estar imune à

distintas interpretações. Era fato que tanto o governo quanto a oposição encontravam

justificativas ‘em Bolívar’ para aceitar ou refutar a tese da reeleição sem limites. Porém,

esta questão, movida pela complexidade, estava longe de ser um assunto fechado ou

desprovido de polêmica no país.

Na visão de Carrera Damas, Simón Bolívar foi uma figura histórica imersa em

uma grande polêmica e que havia vivido situações muito difíceis478, do ponto de vista

político e militar. Por isso, seu legado histórico foi afetado pelas contradições a que

viveu, além do cenário de guerras que enfrentou. Ou seja, as situações vividas pelo

Libertador em 1819, quando ele ainda estava imerso nas batalhas pela Independência e

se esforçava em expulsar os espanhóis da América, não pode ser considerada a mesma

daquela de 1825, pós-batalhas de Carabobo (1821) e de Ayacucho (1824). A prioridade

de Bolívar em 1825 era manter a unidade das Repúblicas recém-emancipadas e lutar

contra o isolamento político que as elites dos países ensaiavam contra ele.

Ao passo que a campanha a favor da Emenda Constitucional à Reeleição sem

limites se aproximava, Chávez acirrava seu discurso, atacava cada vez mais seus

adversários e apelava ao culto a Bolívar, incrementado pela roupagem da retórica

socialista. Na visão de Chávez, a Venezuela seria socialista e bolivariana ao mesmo

tempo. Contrariando todas as fontes históricas, o presidente chegou a afirmar que Karl

Marx era bolivariano.

Aliar Karl Marx com Simón Bolívar era algo contraditório e impensável sob o

ponto de vista histórico-acadêmico. Marx foi um dos maiores pensadores da

humanidade. Ele demonstrou ser desde os Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844,

passando pelo famoso Manifesto do Partido Comunista de 1848, até chegar ao

complexo e volumoso Capital de 1867. Suas ideias influenciaram correntes de

pensamento e de ação ao redor do mundo. Através de sua ideologia e em nome do

socialismo e do comunismo com visão marxista, vários governos foram destituídos e

erigidos ao logo do século XX. Esse mérito o filósofo alemão teve e continua tendo para

algumas correntes de pensamento nos dias atuais, apesar das dissidências ocorridas, pois

as interpretações obtidas a partir do pensamento de Marx nunca foram consensuais.

Entretanto, o conhecimento de Marx era superficial e pouco esclarecedor no tocante à

478. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

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realidade dos países da América recém-emancipada, sobretudo as ex-colônias ibéricas.

Suas análises sobre esta parte do mundo eram extremamente eurocêntricas e

preconceituosas.

O filosofo alemão chegou a escrever sobre Bolívar a contragosto, para atender a

uma solicitação do editor Charles Dana ao The New American Cycoplaedia. Marx sentia

“aversão racial pelos atrasados e bárbaros países hispano-americanos”479.

Que havia uma animosidade quase pessoal de Marx em relação a

Bolívar é quase obvio. Numa carta a Engels, Marx reitera suas

oposições, chamando Bolívar de “canalha, covarde, brutal e

miserável” e o comparando a Soulouque (sic), o extravagante caudilho

haitiano que em 1852 havia-se feito coroar imperador sob o nome de

Faustino I480.

Contra sua vontade, Marx escreveu um texto sobre o Libertador, chamado

Bolívar y ponte, com o qual o descreveu sob uma perspectiva extremamente negativa.

Para Marx, o “mantuano” prócer da Independência americana era: um aristocrata;

aproveitador apegado ao poder, pois em diversas ocasiões recorria a “simulacros de

renúncia”; cínico por se apresentar como vítima; cruel por permitir a seus soldados

saquearem cidades dominadas; suscetível a elogios, etc. Em todo o texto, Marx se

referiu entre aspas ao título de Libertador, conferido a Bolívar pela municipalidade de

Caracas, o ironizando ao chamá-lo de “Napoleão das retiradas”. Para o pensador

alemão, ao formar a Pátria Grande, Bolívar tinha a seguinte intenção:

La intención real de Bolívar era unificar a toda América del Sur en

una república federal, cuyo dictador quería ser él mismo. Mientras

daba así amplio vuelo a sus sueños de ligar medio mundo a su

nombre, el poder electivo se le escurría rápidamente de las manos481.

Com base na história, é perceptível que Karl Marx não se identificava com

Bolívar. Se alguém assim o fizesse, certamente o refutaria por meio da reconhecida

veemência com a qual estruturava seus escritos. Ao fazer uma análise comparativa entre

a obra de Marx e a historiografia da Venezuela permeada pelo culto a Bolívar, não havia

coerência uma Revolução Bolivariana também ser marxista.

Entretanto, afirmar que a Revolução Bolivariana havia se transformado em um

processo marxista não impedia o presidente Chávez de galvanizar apoio político em

favor de sua proposta à Emenda da Reeleição sem limites. Na verdade, os partidários de

479. KRAUZE, Enrique. O poder e o delirio, p.196.

480. Idem.

481. MARX, Karl. Bolívar y ponte, p.13.

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221

Chávez, aqueles que realmente moviam o processo, não faziam uma leitura do cenário

político com base em uma consciência histórica crítica. Por isso, muitos deles não

enxergavam contradições e incompatibilidades entre Bolívar e Marx.

Aliar estas duas figuras dava resultados ao presidente, ou seja, apoio político em

favor de suas propostas. A postura adotada por Chávez em outros momentos também o

ajudava. Quando o ex-militar surgiu no cenário político em 1992, a Guerra Fria havia

recém terminado. Em razão da crise paradigmática que se formou no momento, era cada

vez menor o número de líderes políticos que se identificavam como marxistas, ou

processos políticos a reivindicar este legado histórico em crise. Na década de 1990,

Chávez preferia se esquivar e afirmava não ser marxista e nem antimarxista, conforme

disse em entrevista a Agustin Blanco Muñoz482.

O apelo do presidente em favor da proposta de reeleição sem limites e da

construção da pátria bolivariana e socialista não se restringiu à falsa adesão de Marx a

Bolívar. Tornou-se evidente uma questão: a não aprovação da Emenda Constitucional

poderia comprometer a continuidade de Chávez e de seu grupo político no poder. Além

do presidente ser eleitoralmente competitivo, a possibilidade de disputar mandatos

indefinidamente postergaria a complicada discussão no tocante a um sucessor. Embora

Chávez tenha fundado um partido (PSUV) com o propósito de disciplinar seus

apoiadores, esta discussão poderia provocar cisões em sua heterogênea base de apoio.

Devido a esta debilidade, é possível explicar o porquê de Chávez apelar a sua

retórica inflamável, a seu carisma com as massas e o uso muitas vezes sem critério do

culto a Bolívar em favor da Emenda Constitucional. Em discurso realizado a estudantes

favoráveis a Emenda e engajados na campanha em favor da reeleição, Chávez foi duro e

apelativo em favor do SIM à proposta. Na visão do presidente, o SIM à Emenda era o

SIM a Bolívar: “El Sí de Simón Bolívar el Sí es el de la patria, lo demás es la negación

de la patria. El Sí, muchachos, es la puerta para el futuro, el No es la negación del

futuro, es la negación de la patria”483.

O regime trataria os contrários a Emenda Constitucional como inimigos. Por

mais que em outras ocasiões Chávez tenha negado ser revanchista, diante dos jovens

apoiadores do regime admitiu que se tratava também de uma revanche pela derrota no

482. CHÁVEZ, Hugo. In. BLANCO MUÑOZ, Agustín. Venezuela del 04F-92 al 06D-98, p.116.

483. CHÁVEZ, Hugo. Juramentación del Frente de Jóvenes y Estudiantes por la Enmienda

Constitucional. Poliedro de Caracas. Caracas, 12 de diciembre de 2008. In. Discursos y Alocuciones.

Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2749-juramentacion-del-frente-de-jovenes-y-

estudiantes-por-la-enmienda-constitucional (acesso em 7 de abril de 2016).

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222

Referendo de 2007. Dessa forma, expressou autoconfiança ao afirmar que aquela

Emenda já estaria aprovada, pois cada assinatura em favor dela seria um gesto

revolucionário pela pátria de Simón Bolívar484.

A ofensiva de Chávez em favor da Emenda Constitucional não cessou. Em

discurso proferido na abertura do ano legislativo de 2009, afirmou que em 10 anos a

Revolução Bolivariana havia retirado mais de 196 mil venezuelanos da pobreza

extrema. Portanto, havia a necessidade do processo continuar e, consequentemente, de

seu líder. Por mais que Chávez tenha refutado a tese de ser insubstituível, enfatizou que

o momento não era de ‘trocar o piloto do barco da Revolução’. A exemplo do que vinha

fazendo com frequência nos últimos anos, optou pela estratégia do medo e da coação.

Em artigo publicado no Correo del Orinoco, atacou aqueles que estavam dispostos a

recursar a Emenda Constitucional: “aquí y ahora, lo esencial es que, de ganar el No, se

impondría la colonia, la contrapatria”485.

Chávez foi ainda mais enfático. Em discurso a seus partidários, afirmou possuir

provas da existência de planos, elaborados pelos ‘inimigos do regime’, para assassiná-

lo. Porém, estas provas jamais foram publicadas e ainda não há fontes capazes de

conferirem credibilidade às acusações. Por fim, recorreu ao culto a Bolívar como uma

forma de legitimar as palavras ditas ao longo do discurso. Para o presidente, Bolívar

seria o passado, o presente e o futuro venezuelano, pois concordava com a permanência

de Chávez na presidência486.

Após discursar aos deputados, Chávez entregou ‘oficialmente’ ao parlamento a

proposta de alteração do Artigo 230 da Constituição que havia sido supostamente

sugerida pelos eleitores venezuelanos, por meio do recolhimento de assinaturas em

apoio à Emenda. Se aprovada no Legislativo e posteriormente em referendo, Chávez

poderia se candidatar ao cargo de presidente da República indefinidamente. Entretanto,

havia retirado lições da derrota no Referendo de 2007 e demonstrava disposição em não

repetir os mesmos equívocos estratégicos, dentre os quais submeter a matéria a longas

484. Idem.

485. CHÁVEZ, Hugo. Primera entrega. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,

22 de enero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del

Orinoco, 2011, p.11.

486. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 13 de enero de 2009. In.

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/889-presentacion-de-

memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso

em 8 de abril de 2016).

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223

discussões. Entre a entrega da proposta à Assembleia Nacional e a votação em

Referendo transcorreriam pouco mais de um mês.

Diferente do texto de 2007, a Emenda de 2009 não se limitou a permitir

reeleição apenas ao cargo de presidente da República. Era fato que Chávez havia

entregado ao Poder Legislativo a proposta de alterar apenas o artigo constitucional que

versava sobre o mandato do presidente. Porém, instruiu sua base para que ampliasse a

Emenda no intuito de permitir a reeleição sem limites aos governadores, prefeitos e

deputados. Não se tratava de uma manobra qualquer, ao contrário, teve impacto direto.

Com a possibilidade de reeleição também aos demais cargos nos poderes Executivo e

Legislativo, Chávez ganhava ainda mais apoio à proposta de Emenda Constitucional.

Havia muitos governadores e prefeitos que também tinham dificuldades em indicar

possíveis sucessores e, sobretudo, nutriam pretensões de postular suas candidaturas

indefinidamente.

Ademais, esta ampliação neutralizava o movimento oposicionista. Governadores

e prefeitos dos partidos da oposição também não desejavam deixar seus cargos após 2

mandatos e não lhes agradava discutir prováveis sucessores, sem contar com o risco de

perder as eleições aos competitivos candidatos governistas. Ou seja, entre os apoiadores

da Emenda haviam os fervorosos (pertencentes a base do presidente) e aqueles que

demonstravam uma falsa indiferença perante a matéria: governadores, prefeitos e

deputados da oposição. Não lhes era interessante demonstrar apoio publicamente à uma

proposta do governo, mas eles seriam beneficiados com sua aprovação.

Por outro lado, haviam os críticos à proposta de instituir a reeleição sem limites,

em sua maioria pessoas que não disputavam eleições, a exemplo da historiadora

Margarita López Maya. Em sua visão, Chávez revertia os avanços obtidos no primeiro

mandato (1999-2006), pois “o presidente tem concentração de poderes impressionante,

e a maioria que o rodeia é medíocre. Essa ideia de que o Estado é o mesmo que o

governo, que o governo é o mesmo que o partido, isso é socialismo autoritário”487. Com

base nesta afirmação, López Maya criticou a reeleição sem limites, pois tratava-se de

um instituto perigoso, pois ao longo da história venezuelana havia provocado efeitos

negativos ao país devido a sua vasta cultura autoritária488.

487. LOPEZ MAYA, Margarita (Entrevista). “Chávez reverte os próprios avanços”. Folha de S. Paulo.

São Paulo, 2 de fevereiro de 2009, p.9, No 29.170.

488. Idem.

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224

Apesar da periculosidade apontada por López Maya, a Emenda Constitucional à

reeleição sem limites possuía apoio político. Após rápida tramitação, pouca discussão e

aprovação pelo Legislativo, ficou estabelecido, junto ao Conselho Nacional Eleitoral

que a Emenda Constitucional seria votada em 15 de fevereiro de 2009. Os eleitores

venezuelanos deveriam dizer SIM (aprovam) ou NÃO (desaprovam) a seguinte

pergunta:

¿Aprueba usted la enmienda de los artículos 160, 162, 174, 192 y 230

de la Constitución de la República, tramitada por la Asamblea

Nacional, que amplía los derechos políticos del pueblo, con el fin de

permitir que cualquier ciudadano o ciudadana en ejercicio de un

cargo de elección popular, pueda ser sujeto de postulación como

candidato o candidata para el mismo cargo, por el tiempo establecido

constitucionalmente, dependiendo su posible elección exclusivamente

del voto popular? 489

A pergunta submetida ao eleitor era complexa, porém, capciosa. Não mencionou

reeleição e buscou enfatizar o termo “ampliação dos direitos políticos do povo”.

Politicamente, ampliar a abrangência da Emenda Constitucional aos cargos

eletivos dos poderes Legislativo e Executivo era favorável a Chávez. Entretanto, ele não

relaxava o ritmo da campanha em favor da aprovação da matéria e Bolívar era utilizado

como instrumento de legitimação. Por isso, recordou a épica Batalha de Carabobo

(1821), responsável por libertar a Venezuela do domínio Espanhol. Chávez defendeu a

tese de que naquela Batalha o Libertador havia fornecido a todos os venezuelanos um

exemplo supremo de unidade e de organização. Logo, eles deveriam ser repetidos na

‘batalha’ pela aprovação da Emenda Constitucional à reeleição sem limites. Diante de

seus partidários, se posicionou como alguém em ‘sacrifício’, pois preferiria deixar o

poder e cuidar de seus assuntos pessoais. Porém, disse ter um compromisso com o povo

venezuelano de continuar uma obra iniciada por Bolívar no século XIX e que ainda não

havia sido concluída. Sendo assim, ele não poderia ir embora490. Segundo Chávez, o

489. VENEZUELA. Referendo aprobatório de la Emmienda Constitucional. 15 de febrero de 2009. In.

Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Diponível em:

http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_enmienda_2009/ (acesso em 14 de abril de 2016).

490. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, Acto del Frente Nacional

de Mujeres por el Sí a la Enmienda Constitucional. Paseo Campo de Carabobo. Municipio Libertador,

estado de Carabobo, 17 de enero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/892-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-acto-del-

frente-nacional-de-mujeres-por-el-si-a-la-enmienda-constitucional (acesso em 8 de abril de 2016).

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225

‘bom governante’ deve ser ‘premiado’ pelo povo com a continuidade no cargo e o mau

castigado com sua imediata expulsão do posto ocupado491.

Ao passo que o Referendo se aproximava, Chávez falava com mais frequência

em terceira pessoa. Em uma concentração em favor do SIM realizada na Avenida

Bolívar, afirmou: enquanto houver Chávez no poder haverá progresso na Venezuela e, a

partir de domingo, somente o povo poderá colocar e retirar governos. O presidente

enfatizou que comandava uma Revolução responsável por retirar mais de 5 milhões de

venezuelanos da miséria. Com a reeleição sem limites e a possibilidade de permanecer

no cargo, prometeu que a Revolução Bolivariana acabaria com a miséria no país492.

No dia da votação, Chávez publicou um artigo com o propósito de reforçar o

voto no SIM. O Libertador mais uma vez foi destacado. Segundo Chávez, aprovar a

reeleição sem limites seria:

Avanzar en el sueño y el proyecto libertario de nuestro Padre

Libertador, encarnarlo y realizarlo, para por la cita que hoy nos

espera: lo que comenzó a fraguarse a principios del silgo XIX, entre

el filo del pensamiento y el filo de la espada, lo podemos consolidar

este domingo, con nuestra firme voluntad de darnos el derecho de ser

real y verdaderamente libres, real y verdaderamente soberanos493.

Em 15 de fevereiro de 2009, o SIM à Emenda Constitucional à reeleição sem

limites aos cargos eletivos nos poderes Executivo e Legislativo foi aprovada por

54,85% dos votos, embora tenha havido uma abstenção de 33%494. Minutos após o

Conselho Nacional Eleitoral oficializar o resultado, Chávez fez questão de dizer que

aquela teria sido uma vitória popular do povo de Simón Bolívar.

El pueblo venezolano hoy está irradiando sus luces y sus virtudes

democráticas, humanistas, bolivarianas y revolucionaria, al mundo

entero. Que vea el mundo, pues, como brilla la luz del pueblo de

Simón Bolívar […]. La espada de Bolívar y el pensamiento de Bolívar

491. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, en Juramentación de

Frente de Misiones Sociales por el Sí. Cambimas. Estado Zulia, 20 de enero de 2009. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/894-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-en-juramentacion-de-frente-de-misiones-sociales-por-el-si (acesso em 8 de abril

de 2016).

492. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante concentración en

apoyo al SÍ a la Enmienda Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 12 de febrero de 2009. In.

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1019-intervencion-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-durante-concentracion-en-apoyo-al-si-a-la-enmienda-constitucional

(acesso em 8 de abril de 2016).

493. CHÁVEZ, Hugo. ¡Hoy 15 de febrero! Ser o no ser. Artículo publicado en el periódico Correo del

Orinoco. Caracas, 15 de febrero de 2009. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones

del Correo del Orinoco, 2011, p.56-57.

494. VENEZUELA. Referendo aprobatório de la Emmienda Constitucional. 15 de febrero de 2009. In.

Consejo Nacional Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Diponível em:

http://www.cne.gob.ve/divulgacion_referendo_enmienda_2009/ (acesso em 14 de abril de 2016).

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que también es una espada; el pensamiento revolucionario de Simón

Bolívar, pensamiento antiimperialista, pensamiento presocialista […]

Aquí estamos padre Bolívar, 200 años después mostrándole al mundo

Antiguo la majestad del hombre nuevo, la majestad de la sociedad

nueva, la majestad del hombre nuevo y de la patria nueva495.

De acordo com Chávez, a imposição de “mandatos acelerados” aos países da

América Latina prejudicava a formação de projetos de desenvolvimento a longo prazo

nestas nações, razão pela qual a Venezuela dava um exemplo positivo ao instituir a

reeleição sem limites. O culto a Bolívar, os recursos vindos do petróleo, o carisma, o

apoio popular e a reeleição sem limites: com todo este cenário favorável lançou, naquele

mesmo dia, sua candidatura à presidência da República em eleições que ocorreriam

somente em 2012. Chávez deu a largada eleitoral e utilizou a vitória no Referendo da

Emenda Constitucional de fevereiro de 2009 como uma justificativa para manter aceso

o clima de disputa eleitoral.

No entanto, muitas vezes o presidente tomava decisões precipitadas, visto que

ainda restavam 4 anos de mandato. Em se tratando de um cenário político instável como

o venezuelano, era impossível afirmar com segurança se a aceitação da reeleição sem

limites se transformaria em triunfo eleitoral em 2012. Como o próximo item

demonstrará, fatores imprevisíveis, a exemplo do câncer diagnosticado no presidente em

2011, não impediram Chávez de vencer as eleições presidenciais de 2012, porém não o

deixaram tomar posse.

4.4 – Eleições e comoção social: Bolívar e Chávez nas presidenciais de 2012

A vitória no Referendo à reeleição sem limites permitiu a Chávez demonstrar

com exatidão qual seria o rumo tomado pela Revolução Bolivariana a partir daquela

data. O processo trilharia a seguinte trajetória: o presidente seria candidato a um quarto

mandato em 2012 e o principal instrumento de reafirmação de sua popularidade seria o

culto a Bolívar. Por mais que Chávez criticasse a ‘burguesia’ venezuelana por ter

transformado Bolívar em um culto, naquele momento, na visão de muitos venezuelanos,

495. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez tras conocerse los

resultados del referendo aprobatorio de enmienda constitucional. Balcón del Pueblo, Palacio de

Miraflores. Caracas, 15 de febrero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1023-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-tras-

conocerse-los-resultados-del-referendo-aprobatorio-de-enmienda-constitucional (acesso em 8 de abril de

2016).

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227

parecia irrefutável que o presidente exercia justamente a função de principal expressão

do culto ao Libertador.

Com base nas fontes, é possível afirmar que a chegada de Chávez à presidência,

bem como a popularidade angariada ao longo de 14 anos no poder, foi viabilizada pela

forma que utilizou o culto ao prócer com o propósito de obter apoio político-eleitoral.

Este fenômeno, caracterizado por uma ‘dependência da figura de Bolívar’, se tornou

ainda mais evidente e foi um fator de desestabilização do cenário político a partir de

junho de 2011, quando Chávez foi diagnosticado com câncer, o que desencadeou

especulações, comoção social e dúvidas no tocante à possibilidade de não sobrevier até

as eleições de 2012.

Logo após o Referendo de fevereiro de 2009, a situação política do regime se

caracterizava da seguinte forma: estava descartada qualquer possibilidade de se projetar

um sucessor, ou uma terceira via dentro do PSUV que pudesse fazer frente a liderança

política do presidente. Esta realidade não permitia a Chávez esconder a existência de um

forte desejo de perpetuação no poder, algo frequente entre os presidentes venezuelanos

ao longo da história. A vitória no Referendo não apenas colocava Chávez como um

candidato natural em 2012, o tornava a única alternativa dentro de seu grupo político.

Além disso, na visão de muitos venezuelanos identificados com o regime, somente

Chávez era capaz de manter as conquistas adquiridas pela Revolução Bolivariana. Este

era o pensamento majoritário entre a parcela mais pobre da sociedade.

Conforme já foi destacado, a possibilidade de se candidatar indefinidamente ao

cargo de presidente da República evitaria uma delicada discussão no tocante a um

provável sucessor, que teria de ser um nome com o potencial agregador semelhante ao

de Chávez, sobretudo entre os militares. Naquele momento não havia ninguém que

preenchesse tais requisitos, tampouco era interessante a Chávez que houvesse outra

figura política capaz de rivalizar com a sua. Isto é, a inexistência de um ‘substituto

natural’ favoreceria Chávez no domínio de sua máquina partidária e, consequentemente,

do cenário político venezuelano. Contudo, ao ser diagnosticado com câncer em junho de

2011, esta situação tornou-se desfavorável, pois a ausência de uma figura com potencial

semelhante trouxe incertezas e risco de cisão ao grupo político do presidente.

Assim que a Emenda à reeleição sem limites foi aprovada em fevereiro de 2009,

Chávez se lançou candidato à presidência, em eleições que ocorreriam apenas em 2012.

Como consequência, o clima de disputa eleitoral não se dissipou, pois, as hostilidades e

os atos de violência envolvendo ambos os lados persistiram. O regime agiu firmemente

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228

contra seus adversários. Além de reprimir as passeatas da oposição, o governo retirou

poderes do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma496, e instalou um governo “biônico”.

Também realizou várias operações policiais em residência de opositores, a exemplo do

apartamento do ex-presidente Jaime Lusinchi (1984-1989)497.

Na visão de muitos partidários do presidente, a instabilidade política era

provocada pelos grupos e instituições oposicionistas, em especial a alta-hierarquia da

Igreja Católica (descontente com a abordagem ‘socialista’ de Cristo feita pelo regime) e,

sobretudo, as emissoras de TVs privadas, responsáveis por fazerem severas críticas a

Chávez e as políticas implantadas pela Revolução Bolivariana. Em agosto de 2009,

militantes favoráveis ao presidente, comandados por Lina Ron, líder da União Popular

Venezuelana (UPV), invadiram a sede da emissora GloboVisión, dominaram os

seguranças e jogaram bombas de gás lacrimogênio no prédio. Em virtude do exagero da

ação, a justiça venezuelana teve que oferecer denúncia contra Lina Ron por nove

delitos, dentre os quais terrorismo498. Um ano antes, a líder da UPV e seus apoiadores

haviam invadido e ocupado o Palácio Arcebispal de Caracas.

Em diversas ocasiões, Chávez reprovou publicamente atitudes da “camarada

Ron”, a quem chamou de “incontrolável”. Por vários momentos tentou descolar sua

imagem de algumas ações da líder da UPV. Segundo Chávez, estes exageros

beneficiavam seus adversários, pois ofereciam argumentos à oposição para chamá-lo de

ditador. Entretanto, Lina Ron jamais deixou de apoiar Chávez, até mesmo pode-se

afirmar que suas ações violentas eram utilizadas pelo regime como uma forma de fazer

pressão coercitiva nos adversários. Era notório que havia um compromisso político

entre Chávez e a líder da UPV, demonstrado em discurso proferido por Chávez no

velório de Lina Ron, que morreu de infarto em março de 2011. Diante do caixão

embaixo de uma tenda rodeado por partidários, o presidente a chamou de cristã

496. Férreo opositor do presidente Chávez e de seu sucessor Nicolás Maduro, Ledezma ocupou vários

cargos eletivos, dentre os quais deputado, prefeito do município Libertador e da Região Metropolitana de

Caracas. Em 2009, Chávez nomeou um ‘governo biônico’ à Caracas e retirou funções de Ledezma. Como

reação, o prefeito fez greve de fome para denunciar o ato considerado intervencionista e arbitrário. Nas

eleições regionais de 2012, Ledezma foi reeleito, mas em 2015 o presidente Nicolás Maduro o acusou de

tramar um golpe de Estado. O Serviço Bolivariano de Inteligência deteve o prefeito em seu gabinete e um

processo foi instaurado na justiça. Atualmente cumpre prisão domiciliar.

497. MAISONNAVE, Fabiano. Polícia venezuelana fecha cerco contra opositores de Chávez. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 28 de agosto de 2009, p.16, No 29.327.

498. AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Chavista será denunciada por 9 delitos. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 7 de agosto de 2009, p.15, No 29.346.

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verdadeira, pois havia entregado a própria vida em favor das mulheres humildes da

Venezuela, as quais Lina supostamente encarnaria499.

Episódios como os destacados acima foram somente alguns dos exemplos que

demonstravam, no âmbito da sociedade venezuelana, o nível de acirramento das

disputas provocadas pela polarização política envolvendo o governo e a oposição.

Entretanto, é importante frisar que já havia um cenário fortemente marcado pela tensão

política e social. Mas, as hostilidades foram incrementadas pela antecipação da corrida

eleitoral de 2012, feita logo após a aprovação da Emenda à reeleição sem limites. Em

razão desta antecipação da campanha, o presidente da Venezuela não baixou a

intensidade das críticas aos oposicionistas (ou embainhou a espada, conforme

costumava dizer), tampouco diminuiu o ritmo de compromissos. Isso caracterizava

notoriamente a existência de um constante clima de batalha eleitoral.

Por mais que Chávez evitasse admitir, a campanha presidencial já estava em

andamento e o presidente-candidato recorreu, mais uma vez, às datas históricas da

República como uma forma de manter a presença do regime no espaço público. Poucos

dias após sair vitorioso no Referendo à reeleição sem limites, Chávez compareceu a

celebração em homenagem aos 150 anos do início da Revolução Federalista.

Também chamada de Guerra Federal, a Revolução Federalista foi uma

devastadora guerra civil travada entre forças políticas que se autodenominavam de

conservadoras (los rojos) e liberais (federalistas, ou los amarillos) pelo controle do

Estado. O conflito durou de 1858 a 1863, porém, as hostilidades foram encerradas de

fato apenas em 1870 com a vitória definitiva das forças federalistas. Tratou-se de um

conflito sangrento que vitimou mais de 350 mil pessoas e destroçou a economia

nacional. Para Salcedo-Bastardo, a Guerra Federal chegou a estremecer a sociedade

venezuelana da época, mas não foi capaz de transformar sua estrutura econômica no

sentido de trazer desenvolvimento ao capitalismo, pois sua consequência mais notória

foi reforçar o poder dos “caudilhos federais”, figuras personalistas e centralizadoras 500.

É notório o caráter conservador e aristocrático deste evento. Porém, para o

governo de Chávez, recuperar o legado histórico e heroico desta Revolução era

499. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto velatorio de

la dirigente popular y fundadora del Partido Unión Popular Venezolana (UPV) Lina Ron. Avenida

Urdaneta, Caracas, 6 de marzo de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/320-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-

acto-velatorio-de-la-dirigente-popular-y-fundadora-del-partido-union-popular-venezolana-upv-lina-ron

(acesso em 9 de maio de 2016).

500. SALCEDO-BASTARDO, José Luis. História fundamental de Venezuela, p.391.

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230

estratégico por sua importância entre os militares, sobretudo no tocante às batalhas e aos

feitos realizados pelos heróis federalistas daquele momento, todos eles militares,

principalmente a figura do general Ezequiel Zamora, autor da seguinte frase: “terras e

homens livres, horror a oligarquia”. Durante o evento, Chávez descartou qualquer tipo

de pacto com a oposição, pois seus adversários eram a mesma oligarquia rechaçada por

Zamora. Isto é, uma aproximação com o intuito de promover um diálogo com a

oposição seria entendida como uma tentativa de pacto. Para o presidente, este havia sido

o erro comedido pela maioria dos heróis federalistas do século XIX que, a exceção de

Zamora, acabaram fazendo pactos com a oligarquia dominante e, consequentemente,

traíram o povo da Venezuela501.

O presidente também ironizava constantemente seus adversários. Dizia

publicamente não acreditar que eles pudessem ganhar uma eleição à presidência. Em

razão da mudança de discurso de alguns opositores no tocante as Missões Sociais

desenvolvidas pelo governo, passando a enxergá-las positivamente, Hugo Chávez foi

enfático: a missão da oposição (ganhar a presidência) era uma missão impossível, pois

nunca mais voltariam a ocupar o Palácio de Miraflores. A ofensiva do presidente não

cessava. Em entrevista a José Vicente Rangel, não poupou seus adversários e utilizou

Bolívar como uma forma de justificar suas críticas. Para ele, a oposição era golpista,

apátrida e traiçoeira. Emplacou o seguinte raciocínio: eles não atacavam diretamente a

Bolívar, mas ao modelo de nação que o prócer representava e que, naquele momento,

estava encarnado na figura do presidente Chávez. Também acusou seus adversários de

desfigurar a personalidade do Libertador, seus ideais e de minimizar o que Bolívar de

fato representava na história da Venezuela502.

Com tais palavras, buscava reforçar a imagem de antibolivarianos de seus

adversários para desqualificá-los. Abandonando a desacreditada retórica do esforço em

promover um diálogo sincero com a oposição, Chávez afirmou que somente um

501. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante desfile cívico

militar en conmemoración del 150º aniversario de la Revolución Federal. Avenida Ramón Antonio

Medina. Coro, estado Falcón, 20 febrero de 2009. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1026-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-desfile-civico-militar-en-conmemoracion-del-150-aniversario-de-la-revolucion-federal (acesso

em 8 de abril de 2016).

502. CHÁVEZ, Hugo. Dialogante, pacifista y subversivo. Caracas, 17 de enero de 2010. In: RANGEL,

José Vicente. De Yare a Miraflores, p.297.

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231

excelente psicólogo seria capaz de interpretar seus opositores em razão das inúmeras

mentiras que propagavam nos meios de comunicações, ao pregarem o ódio e o caos503.

O presidente Chávez também reforçava sua figura perante o regime através de

datas consideradas estratégias à nacionalidade venezuelana, permeada pelo culto a

Bolívar, de uma forma eleitoralmente vantajosa. No ano de 2010, este tipo de estratégia

ganharia uma dimensão ainda maior, pois haveria o início das comemorações do

bicentenário da Independência. Em artigo publicado no Correo del Orinoco, é possível

perceber que as comemorações do bicentenário seriam utilizadas para reforçar a própria

imagem até as eleições de 2012. O presidente evocava uma data histórica (1810) como

uma forma de destacar uma fase da Revolução Bolivariana que começaria 200 anos

depois (ou seja, em 2010) e seria finalizada teoricamente no longínquo ano de 2030,

quando se comemoraria o bicentenário da morte de Simón Bolívar, data prevista por

Chávez para deixar a presidência da República.

Pocos días faltan ya para la celebración del Bicentenario del 19 de

abril de 2010. Un día que tiene que ser de fiesta nacional y popular,

pero que también debe convertirse en el punto de partida de un gran

ejercicio de reflexión colectiva y permanente, durante toda esta era

bicentenaria que culminará el 17 de diciembre de 2030504.

Conforme discutiu-se no Capítulo 1, a Ata da Independência da Venezuela foi

assinada somente em 5 de julho de 1811 e o Primeiro Congresso Nacional havia

iniciado os trabalhos em 2 de março do mesmo ano. Ou seja, mais de um ano após o 19

de abril de 1810, data em que os venezuelanos historicamente comemoram o início do

processo que culminou com a Independência. Porém, o ocorrido em 19 de abril de 1810

não foi exatamente a Independência. Tratou-se de um evento extremamente

conservador, pois não visava a emancipação política em relação à Metrópole.

Esta data é marcada pela destituição do capitão-geral da Venezuela, Vicente

Emparan, pelo Cabildo de Caracas, formado por militares pertencentes a elite criolla.

Ao destituir o capitão-geral, o Cabildo formou uma Junta Suprema com a qual

503. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo

del XI aniversario del inicio del Gobierno Revolucionario y juramentación del vicepresidente ejecutivo

de la República Elías Jaua. Teatro Teresa Carreño, Caracas, 2 de febrero de 2010. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/482-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-durante-acto-con-motivo-del-xi-aniversario-del-inicio-del-gobierno-

revolucionario-y-juramentacion-del-vicepresidente-ejecutivo-de-la-republica-elias-jaua (acesso em 8 de

maio de 2016).

504. CHÁVEZ, Hugo. ¡Independencia!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas,

4 de abril de 2010. In. Desde la primera línea (2009-2010). Caracas: Ediciones del Correo del Orinoco,

2011, p.416.

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232

resguardou os direitos do Rei Fernando VII. Esta atitude era considerada extrema para a

época, mas foi realizada em razão do monarca espanhol ter sido forçado a renunciar ao

trono após as tropas de Napoleão ocuparem a península Ibérica em 1808. Por mais que a

elite criolla estivesse descontente com várias medidas vindas da Coroa, os franceses

eram vistos com profunda hostilidade e considerados usurpadores pelos espanhóis

americanos.

El Ayuntamiento quedó transformado, por el acta del 19 de abril, en

gobierno, asumiendo luego el nombre de Junta Suprema de Caracas

para gobernar las provincias de Venezuela. Se dio el tratamiento de

Alteza y luego el nombre completo de Suprema Junta Conservadora

de los derechos de Fernando VII en las provincias de Venezuela505.

Ainda que houvesse um indiscutível ranço conservador e monarquista no 19 de

abril, o governo Chávez valorizava a data por se tratar de uma excelente oportunidade

para evocar a nacionalidade venezuelana e, consequentemente, o culto a Bolívar.

Ademais, recursos foram investidos na construção de monumentos em homenagem ao

bicentenário da Independência, a exemplo de um obelisco na praça El venezolano em

Caracas506. Por meio do Plano Caracas Bicentenária, o regime iniciou uma série de

restaurações em prédios, monumentos e construções históricas da capital, onde começou

o movimento independentista, sobretudo aqueles que reportavam ao período da

Independência507. O projeto de recuperação não estava concluído durante as celebrações

de 19 de abril de 2010.

Na visão do regime, este investimento era realmente necessário, ainda que o

momento econômico fosse desfavorável, pois Bolívar, a Independência e seus heróis

eram utilizados com o propósito de atenuar os problemas do país, sobretudo na

economia. Conforme destaca Fernando Coronil, “essa reiteração de heróis do passado

ocorre porque há uma crise no futuro. [...] A constante celebração revela a necessidade

de ter um fundamento sólido quando o horizonte de futuro parece falso”508.

Contudo, o que havia era uma crise econômica no presente, desencadeada após a

bolha imobiliária norte-americana de 2008. Por mais que Chávez e seus ministros

refutassem, a crise havia impactado a economia venezuelana, periférica e dependente

505. MORON, Guillermo. Historia de Venezuela, p.260.

506. BRITO, María Alejandra. Inaugurado el monumento conmemorativo del 19 de abril de 1810. Correo

del Orinoco. Caracas, 19 de abril de 2010, p.3, No 227.

507. MÉNDEZ, Raúl. Fiesta del bicentenario se celebró en una Caracas totalmente rejuvenecida. Correo

del Orinoco. Caracas, 20 de abril de 2010, p.10, No 228.

508. CORONIL, Fernando (Entrevista). ‘Reiteração de heróis do passado ocorre porque há crise no

futuro’. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de abril de 2010, p.18, No 29.600.

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233

das rendas do petróleo. Desta forma, atrelar a imagem do homem no poder (Chávez)

com Bolívar era estratégico em razão da existência de uma crise econômica mundial.

Ou seja, celebrar o bicentenário da Independência com um cronograma de eventos

pátrios e bolivarianos (desfiles, paradas militares, monumentos, restaurações, etc.) era

extremamente estratégico ao regime e relativamente eficaz em atenuar os efeitos da

crise e da vulnerabilidade da economia venezuelana na popularidade do presidente. No

dia em que se celebra o nascimento do Libertador (feriado no país e tradicionalmente

marcado por discursos presidenciais), Chávez não perdeu a oportunidade de exaltá-lo

como o ator principal, senão único, do processo de Independência.

Así que necesario es que hoy a 227 años del nacimiento del niño

Simón Bolívar, del hombre Bolívar, del padre Simón Bolívar, nos

coloquemos compatriotas de Venezuela toda en perspectiva histórica,

miremos el camino largo, ese camino nos trajo aquí 227 años

después, y miremos hacia adelante el camino por andar, el camino en

construcción lleno de grandes posibilidades, pero también lleno de

grandes amenazas509.

Segundo Chávez, a Independência ainda estava em construção 200 anos após a

destituição do capitão-geral de Caracas (1810), a exemplo da persistência das ameaças à

não consolidação da pátria. Os inimigos de Chávez e, consequentemente do Libertador,

teriam que continuar existindo, caso contrário retiraria a ‘razão de luta’ com a qual o

regime estimulava seus partidários. Como a Revolução Bolivariana de Chávez era

interpretada no sentido de uma ‘segunda Independência’, ou mesmo a continuação do

processo desencadeado no começo do século XIX, este tipo de interpretação deveria ser

constantemente difundido e reforçado pelo regime.

Além disso, já era inegável que há alguns anos a Revolução Bolivariana vinha

sendo marcada por posições extremamente radicais, vindas de seu líder e figura central.

Em diversas ocasiões, sobretudo diante de uma multidão de partidários e valendo-se da

visão militarista que tinha da política, Chávez pregava a lealdade e a unidade no campo

de batalha como fatores essenciais. O contrário de posturas como estas deveriam ser

consideradas uma traição aos ideais revolucionários e, principalmente, ao Libertador.

Isso porque, além das eleições presidenciais de 2012, disputa antecipada por Chávez,

509. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

conmemoración del 227º aniversario del natalicio del Libertador Simón Bolívar. Panteón Nacional,

Caracas, 24 de julio de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1271-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-acto-de-conmemoracion-del-227-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar (acesso

em 26 de fevereiro de 2016).

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em 2010 haveria eleições legislativas na Venezuela. Era fato que o regime não mais

contaria com uma maioria esmagadora, ou uma unanimidade a exemplo do ocorrido em

2005 devido ao boicote da oposição às eleições legislativas daquele ano.

Com base nas diretrizes estabelecidas em janeiro de 2008 que consolidava a

posição de disputar eleições contra os candidatos oficialistas, a oposição participaria do

pleito de 2010, o que forçava o presidente Chávez a estipular uma nova meta: eleger

mais de dois terços dos deputados para garantir a aprovação de matérias estratégicas aos

interesses do poder Executivo. Publicamente, o presidente adotaria, novamente, a

estratégia de se engajar na campanha em favor de seus candidatos em todos os estados

venezuelanos. Se elegesse uma maioria significativa enfraqueceria as pretensões da

oposição de chegar fortalecida as eleições presidenciais de 2012. Tendo em vista este

fator e utilizando-se da estratégia de falar em terceira pessoa, estipulou como meta obter

70% dos votos a seus candidatos naquela eleição510. Na visão de Chávez e de seus

partidários, os votos depositados na eleição legislativa de 2010 não seriam

necessariamente votos ao PSUV ou aos candidatos inscritos na lista, seriam votos dados

ao presidente Chávez por meio de seus candidatos ao legislativo. Esta era a mensagem

subliminar do regime, por isso Chávez insistia em discursar em terceira pessoa.

Em discurso aos candidatos do PSUV à Assembleia Nacional, entrou em cena

para desqualificar os candidatos da oposição ao parlamento. Chávez os chamou de

burgueses e os acusou de estarem instruídos para deter o andamento da Revolução

Bolivariana e da construção da pátria sonhada pelo Libertador. Ao optar novamente pela

estratégia do medo, visava reforçar o raciocínio de que uma eventual vitória

oposicionista nas eleições legislativas poria em risco todas as conquistas sociais obtidas

por meio do regime. Portanto, o presidente dizia abertamente que os candidatos da

coalizão opositora eram uma ameaça511.

Ao desconsiderar a trivial retórica da ameaça inerente ao debate político

venezuelano, havia razão para o temor de Chávez e de seus aliados. Pela primeira vez

510. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

conmemoración del 52 aniversario del 23 de enero de 1958. Caracas, 23 de enero de 2010. In. Discursos

y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/443-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-durante-acto-de-conmemoracion-del-52-aniversario-del-23-de-enero-de-1958

(acesso em 8 de maio de 2016).

511. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Presidente del Partido Socialista Unido de Venezuela durante

caravana de candidatos y candidatas del PSUV a la Asamblea Nacional en el estado Zulia. Estado Zulia,

17 de septiembre de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1061-intervencion-del-presidente-del-partido-socialista-unido-de-

venezuela-durante-caravana-de-candidatos-y-candidatas-del-psuv-a-la-asamblea-nacional-en-el-estado-

zulia (acesso em 8 de maio de 2016).

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235

desde 1999 os candidatos da oposição apresentavam chances de eleger, senão uma

maioria, uma quantidade significativa de deputados capaz de ameaçar o domínio do

presidente no cenário político. Provavelmente, o governo já havia percebido o

crescimento eleitoral dos candidatos da oposição, sobretudo nos setores sociais mais

pobres, parcela do eleitorado habituada a votar em Chávez e em seus candidatos.

Por isso, a presença de Chávez naquele pleito em favor de seus candidatos era

ainda mais necessária, não economizando em aparições públicas através de viagens por

toda a Venezuela, sobretudo nos estados em que as sondagens indicavam vantagem dos

candidatos oposicionistas. A estratégia a ser utilizada, com a qual moldaria a retórica

presidencial, foi apelar ao medo e ao emocional de seus partidários e demais eleitores,

por meio de uma massiva propaganda estatal. Chávez não media o teor apelativo em

seus discursos, chegou a afirmar estar disponível de “corpo e alma” à Revolução

Bolivariana. Disse que até varreria a Avenida Urdaneta, se assim o povo da Venezuela

desejasse.

É fato que Chávez se empenhou em favor de seus candidatos nas eleições

legislativas realizadas em 26 de setembro de 2010. Porém, isso não foi suficiente para

impedir que sua base de apoio na Casa encolhesse a um patamar que desagradou o

regime, pois não obtiveram os dois terços almejado. Outro ponto a destacar foi que

antes da campanha começar o governo havia feito alterações em vários distritos

eleitorais, redistribuiu vagas no Legislativo de distritos onde os candidatos do PSUV

tinham menos chances de serem eleitos para aqueles onde eram notavelmente mais

fortes, sobretudo nas áreas rurais onde se localizava o campesinato venezuelano,

marcadamente apoiadores do presidente512.

Dos 167 deputados eleitos, 98 pertenciam à coalizão PSUV/PCV contra 64 da

coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD). Outros 5 parlamentares foram eleitos

pelo dissidente PPT. Dos 23 estados, em 18 o PSUV fez a maior bancada.

Numericamente o governo de Chávez venceu aquelas eleições, pois continuou com

maioria no parlamento e nas bancadas por estado. Porém, o tamanho da vitória foi

menor do que se vislumbrava, pois, com 98 deputados era possível formar uma maioria,

mas estava longe de dois terços, ou seja, 112 deputados, almejado durante a campanha.

Logo após a divulgação dos resultados, Chávez foi a imprensa desqualificar os

votos e a comemoração oposicionista. Por mais que seus adversários estivessem

512. MARREIRO, Flávia. Chávez perde força para mudar Constituição. Folha de S. Paulo. São Paulo, 28

de setembro de 2010, p.9, No 29.763.

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celebrando a volta ao parlamento após a equivocada estratégia do boicote de 2005, o

presidente os acusou de manipular os resultados por meio da imprensa. Ao ler os

números, Chávez acusou a MUD de usurpar votos de outras organizações políticas.

[El presidente] puntualizó las cifras: el PSUV conquistó 5.422.040

votos, y la MUD, 5.320.175 votos. Acusó a la MUD de sumar para sí

520.000 votos que no le pertenecen, sino que forman parte de otras

organizaciones políticas. Insistió, no obstante, en que prefiere a la

contrarrevolución en el Parlamento, por la vía democrática, y no en

el golpe de Estado513.

Para além das corriqueiras provocações, se somasse os votos obtidos pelo

partido dissidente PPT, a oposição teria obtido uma maioria de menos de 1% dos votos

em relação ao PSUV, por isso Chávez acusou a MUD de contar com votos que não

haviam sido dados a esta coalizão. Os números obtidos em virtude das eleições

legislativas em setembro de 2010 revelaram que havia um desgaste do governo perante

uma parcela considerável, quase a metade, dos eleitores venezuelanos. Um reflexo,

portanto, da polarização, com pouquíssimos canais de diálogo entre ambos os lados.

Cada vez mais o discurso de demonizar o inimigo/adversário permeava o cenário

político venezuelano. Tratava-se de uma hostilidade presente em ambos os lados

(governo e oposição). Contudo, o presidente Chávez enxergava a polarização e a

radicalização dos discursos como a melhor estratégia para neutralizar o crescimento

eleitoral da oposição nas eleições de setembro de 2010. Ademais, com o fim do pleito

legislativo as atenções se voltaram à sucessão presidencial de 2012, antecipada por

Chávez logo após aprovada a Emenda à reeleição sem limites em 2009. A meta seria

não permitir que o crescimento da oposição no Legislativo pudesse impedir a conquista

de um quarto mandato. A saída encontrada já era conhecida: radicalizar o discurso e

utilizar o culto a Bolívar. Diante do Conselho de Ministros, Chávez foi enfático:

Hemos hablado de la repolarización del país y yo insisto en esto, aquí

hay dos polos, la ultraderecha que está agrupada allí y el polo

patriótico, nosotros; los patriotas y los apátridas, y cada quien escoja

pues, el proyecto que está contenido aquí, el proyecto patrio, el

proyecto bolivariano […]514.

513. DAVIES, Vanessa. Chávez: “la Revolución conquistó 98 curules en la AN”. Correo del Orinoco.

Caracas, 28 de septiembre de 2010, p.2, No 388.

514. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en Consejo de Ministros.

Palacio de Miraflores, Caracas 24 de noviembre de 2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/758-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-en-

consejo-de-ministros (acesso em 8 de maio de 2016).

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Chávez queria enfatizar que a coalizão MUD representava a ultradireita

antibolivariana, apátrida e, portanto, inimiga do Libertador. A estratégia do regime seria

aliar os adversários daquele momento com os antecessores de Chávez, responsáveis pela

crise estrutural que abalou a Venezuela nas décadas de 1980 e 1990, mas que acabou

viabilizando sua chegada ao poder. Em discurso aos militares em dezembro de 2010, o

presidente fez questão de aliar a imagem de seus opositores com os dos ex-presidente

Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez que haviam falecido recentemente (dezembro de

2009 e dezembro de 2010, respectivamente). Para Chávez, a oposição e seus ex-

presidentes eram cadáveres insepultos da velha política. Com este argumento, refutou as

críticas vindas de líderes partidários dizendo que Caldera e Pérez eram democratas e

Chávez não. O presidente respondeu rispidamente, os acusou de serem corruptos, uma

vergonha à pátria e responsáveis por saquear o país515.

A hostilidade de Chávez para com seus antecessores era conhecida, sobretudo

em relação a Carlos Andrés Pérez, contra quem promoveu uma tentativa de golpe de

Estado em 1992. Este rechaço refletia nos meios de comunicação estatais. Ao noticiar o

falecimento de Pérez de infarto fulminante em Miami, o Correo del Orinoco publicou

longas matérias que relembravam às torturas, execuções e desaparecimento de

opositores ocorrido durante os distúrbios sociais de fevereiro e março de 1989,

conhecido como Caracazo, durante o segundo mandato de Pérez (1989-1993).

Através dos rechaços a oposição e a “seus ex-presidentes”, Chávez tentava

convencer seus partidários e demais eleitores venezuelanos que o povo da Venezuela

escolheria em 2012 entre seguir com um projeto libertário, ou voltar aos governos da

direita que oprimiam o povo e não construíam a pátria sonhada por Simón Bolívar. Em

discurso na abertura do ano legislativo de 2011, o primeiro após o retorno da oposição,

o presidente instou os parlamentares oposicionistas a não se deixarem levar pela

loucura. Em sua longa intervenção, afirmou haver muita mentira na política, se disse

vítima destas invenções, pois faziam com ele o mesmo que haviam feito com Bolívar no

século XIX: ou seja, assim como inventaram que Bolívar queria coroar-se rei, inventam

que Chávez desejaria implantar o comunismo na Venezuela516.

515. CHÁVEZ, Hugo. Salutación de fin de año del Comandante Presidente Hugo Chávez a los

integrantes de la Fuerza Armada Nacional Bolivariana. Maracay, estado Aragua, 28 de diciembre de

2010. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/712-salutacion-

de-fin-de-ano-del-comandante-presidente-hugo-chavez-a-los-integrantes-de-la-fuerza-armada-nacional-

bolivariana (acesso em 8 de maio de 2016).

516. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Legislativo, Caracas, 15 de enero de 2011. In. Discursos y

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Para o presidente, seus adversários temiam a história, pois eram “herdeiros” dos

responsáveis pela traição ao Libertador no século XIX, ou seja, estar contra Chávez

seria o mesmo que estar contra a pátria e contra Bolívar517. O uso da história para

desqualificar a oposição sempre foi uma estratégia utilizada pelo regime, segundo o

qual a ultradireita venezuelana, representada pelos adversários do presidente, zombam

da história e queriam Bolívar “morto”.

[…] ustedes oyen con mucha frecuencia a dirigentes de la

ultraderecha venezolana burlarse de la historia y lo dicen de distintas

maneras: no que a Bolívar hay que dejarlo quieto porque está muerto.

Bueno en primer lugar habría que recordarles que Bolívar no está

muerto porque Bolívar vive en el pueblo518.

Com base no demonstrado ao longo deste item, Hugo Chávez não abandonaria a

postura de candidato a presidente, pois tratava-se da forma através da qual reforçava sua

presença no espaço público e exercia seu domínio no cenário político. Entretanto, além

desta postura radical com polarização, houve um acontecimento inesperado responsável

por provocar um misto de comoção social e instabilidade política na Venezuela: o

diagnóstico de câncer do presidente, oficialmente admitido em junho de 2011.

Poucos dias antes do anúncio oficial da doença, assessores próximos a Chávez

refutavam a existência de um câncer, dizendo que ele se recuperava em Cuba de uma

cirurgia de emergência, realizada para conter um abscesso pélvico. Os meios de

comunicações estatais ajudavam a difundir esta tese, dizendo que Chávez se recuperava

satisfatoriamente e voltaria ao país o mais rápido possível. Até estipularam uma data de

retorno: 5 de julho de 2011, quando se comemoraria o bicentenário de assinatura da Ata

de Independência da Venezuela.

Partidários de Chávez preparavam uma grande concentração para recebê-lo no

aeroporto. Na visão de muitos deles, a provável enfermidade seria um motivo a mais

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/253-presentacion-de-memoria-y-

cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em: 9 de

maio de 2016).

517. CHÁVEZ, Hugo. Pertenezco a ese tiempo de hace 200 años. Caracas, 13 de febrero de 2011. In:

RANGEL, José Vicente. De Yare a Miraflores, p.335-354.

518. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

conmemoración de los 22 años del Caracazo, Día de la Rebelión Popular. Avenida Francisco de

Miranda, Petare, Estado Miranda, 27 de febrero de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/298-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-

acto-de-conmemoracion-de-los-22-anos-del-caracazo-dia-de-la-rebelion-popular (acesso em 9 de maio de

2016).

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239

para receber o presidente com entusiasmo no desembarque em Maiquetía519. Na

verdade, o câncer que acabou levando Chávez à morte em março de 2013 nunca foi

esclarecido. O presidente, sua família e assessores próximos não especificaram nem o

órgão onde estava alojado. Publicamente sempre foi dito que tinha câncer na região

pélvica e o tratamento, realizado em Cuba, foi cercado de mistério.

Contudo, em junho de 2011 já havia pistas indicando que o quadro clínico de

Chávez era complicado. Não há dúvidas de que as informações eram imprecisas,

desconexas e havia um esforço de membros do governo em demonstrar eficácia no

tratamento e rápida melhora no quadro clínico. Entretanto, o presidente ficou

praticamente um mês sem aparecer em público e se comunicava esporadicamente por

meio de seu Twitter. Enquanto isso, sua mãe, Elena Frías, ordenou que fossem rezadas

inúmeras missas e cultos ecumênicos pedindo a Deus pela saúde de seu filho. O

governador do estado de Barinas e irmão do presidente, Adán Chávez, cogitou até

mesmo a hipótese de utilizar a luta armada para defender a Revolução Bolivariana520.

Todos estes fatores contribuíam para aumentar a instabilidade política do país e

a oposição cobrava notícias mais exatas no tocante ao estado de saúde do presidente.

Estava complicado esconder a doença, ainda mais quando Salvador Navarrete, que

havia sido médico de Chávez durante alguns anos, afirmou, em entrevista, que o

presidente estava com câncer avançado e teria, no máximo, 2 anos de vida. Isso foi o

suficiente para o regime pressionar Navarrete, enviar policiais a seu consultório em

Caracas e forçá-lo a se exilar na Espanha521.

A partir deste momento, era evidente que o regime teria de alterar a sua

estratégia, pois o ativismo presidencial, característico de Chávez ao longo de sua

trajetória política, seria restringido em virtude da enfermidade e das consequências do

tratamento quimioterápico. Isso abriu margem a uma nova estratégia: conciliar o culto a

Bolívar com um clima de comoção social em relação ao presidente-candidato-enfermo.

Dessa forma, Chávez poderia reforçar o senso ‘místico’ da Revolução Bolivariana, ao

apelar a Deus, a Cristo, aos espíritos da savana, etc. Ele já se comportava como alguém

imbuído de uma missão divina, com a doença poderia aumentar o grau de dramaticidade

da Revolução.

519. MARREIRO, Flávia. Simpatizantes de Chávez preparam megafesta para receber presidente de volta.

Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de junho de 2011, p.22, No 30.026.

520. MARREIRO, Flávia. Aliados de Chávez negam que ele esteja com câncer. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 27 de junho de 2011, p.15, No 30.035.

521. CARROL, Rory. Comandante: a Venezuela de Hugo Chávez, p.277.

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240

Em discurso proferido em 30 de junho de 2011 transmitido direto de Havana,

Chávez anunciou oficialmente ao país e ao mundo que possuía células cancerígenas em

seu corpo. Esta estratégia, de aliar comoção social com o culto ao Libertador, tornou-se

evidente. Em pronunciamento lido (algo não usual), começou com uma frase atribuída a

Simón Bolívar, segundo a qual o tempo seria um ‘ventre que contém mais esperanças

do que sucessos passados’. Apelando a Deus, santos e espíritos, anunciou:

[…] comencé a pedirle a mi señor Jesús, al Dios de mis padres como

diría Simón Bolívar, al manto de la virgen, diría mi madre Elena, a

los espíritus de la sabana, diría Florentino Coronado, para que me

concedieran la posibilidad de hablarles […] desde este camino

empinado por donde siento que voy saliendo ya de otro abismo, ahora

quería hablarles con el sol del amanecer que siento que ilumina […]

vamos con nuestro padre Bolívar en vanguardia a seguir subiendo la

cima del Chimborazo522.

Este discurso revelava mais do que uma enfermidade indisfarçável. Tornou-se

nítido que Chávez não lutaria apenas por sua vida, mas também para ser reeleito

presidente da República em 2012, sendo que a enfermidade seria tratada como mais um

desafio a ser superado por alguém – um soldado revolucionário – que estava em

permanente batalha. Por outro lado, seus adversários teriam que formar uma estratégia

que atenuasse o sentimento de comoção social que tomou conta de uma parte

significativa da Venezuela. A partir deste momento, a Revolução Bolivariana tornou-se

ainda mais messiânica em razão da postura adotada pelo presidente de transcendência

no tocante a obtenção de cura da grave doença. Enrique Krauze sintetiza, criticamente,

qual o papel ocupado pela enfermidade do presidente no cenário político venezuelano:

Chávez não é apenas um caudilho: é um redentor. Para alimentar esta

distorcida dimensão religiosa, ele abusou do púlpito da mídia. Para um

amplo setor da sociedade venezuelana, Chávez tem sido a

reencarnação de Bolívar e até um substituto de Cristo, ainda mais

agora que converteu sua penosa enfermidade num calvário público523.

É notável o rechaço de Krauze a líderes com o perfil de Chávez. Porém, suas

palavras indicam um fato: a partir daquele momento, em praticamente todos os eventos

públicos o presidente mencionaria Deus, Bolívar, o manto da virgem e os espíritos da

savana, ao pedir forças para continuar servindo a pátria como soldado no campo de

522. CHÁVEZ, Hugo. Mensaje a la Nación del Comandante Presidente Hugo Chávez. La Habana, Cuba,

30 de junio de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/416-mensaje-a-la-nacion-del-comandante-presidente-hugo-chavez

(acesso em 26 de fevereiro de 2016).

523. KRAUZE, Enrique. O poder e o delírio, p.362.

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batalha. Neste sentido, tornava-se cada vez mais estratégico que as palavras socialismo,

cristianismo e bolivarianismo fossem tratadas como sinônimas, sem desconsiderar os

eventos em comemoração ao bicentenário da Independência, com os quais reforçaria a

presença de Chávez, para demonstrar que se recuperava em tempo hábil, rumo às

eleições presidenciais de 2012.

Em um ano de comemoração do bicentenário da Independência, o regime, por

meio de seu líder, legitimou a tese de que o processo histórico em curso completaria

200 anos, com o propósito de passar a seguinte mensagem: a enfermidade do presidente

era apenas um percalço a mais na continuidade deste processo, sendo que as eleições

presidenciais de 2012 seriam um ponto crucial no sucesso ou fracasso desta empreitada.

Por isso, em discurso proferido na abertura do ano legislativo de 2012, Chávez afirmou

que o Libertador e a Independência eram os bens mais valiosos da pátria. Com a cabelo

raspado em virtude das sessões de quimioterapia e tentando dissipar as incertezas no

tocante a sua saúde, o presidente garantiu a nação que sobreviveria até o ano de 2030

para comemorar, não mais a morte de Bolívar, mas a retomada de seu ideário

político524.

Entretanto, poucas semanas após afirmar que viveria até 2030 para celebrar mais

um ‘retorno’ de Bolívar, Chávez anunciou na Televisão que se submeteria a outra

cirurgia em Cuba para combater ‘lesões’ na região pélvica. O anúncio foi recebido com

apreensão e provocou ainda mais incertezas. O presidente apelou ao clima de comoção

social em virtude de sua convalescência, fez este anúncio ao lado de seus pais e em sua

terra natal, Barinas. Chorou copiosamente e, com a voz embargada, pediu desculpas a

seus eleitores. Afirmou ser um ser humano como qualquer outro e que estava com

câncer. Porém, refutou a tese de metástase e de morte iminente525. Após este fato, todo

tipo de especulações e rumores ganharam notoriedade no sentido de que Chávez

retiraria sua candidatura à presidência. A direção do PSUV foi imediatamente a público

reafirmar: Chávez é o nosso candidato526.

524. CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Caracas, 13 de enero de 2012. In. Discursos y Alocuciones.

Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/12-presentacion-de-memoria-y-cuenta-ante-la-

asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez (acesso em 9 de maio de 2016).

525. COLOMBO, Sylvia. Chávez diz que passará por nova cirurgia. Folha de S. Paulo. São Paulo, 22 de

fevereiro de 2012, p.10, No 30.275.

526. DAVIES, Vanessa. PSUV: “Chávez es y seguirá siendo el candidato nuestro para las elecciones del

7 de octubre”. Correo del Orinoco. Caracas, 23 de febrero de 2012, p.3, No 888.

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Por outro lado, a oposição estava pronta para enfrentar Chávez nas eleições de

2012. O candidato escolhido foi Henrique Capriles Radonski527, governador do estado

de Miranda e vencedor das prévias realizadas no âmbito da coalizão MUD. Ele oferecia

credenciais para o desafio: era jovem (40 anos), membro de uma das famílias mais ricas

da Venezuela e líder-fundador do partido Primero Justicia (PJ). Considerado o

‘governador-galã’, Capriles se destacou nos debates por ter um perfil mais moderado do

que seus concorrentes, portanto, receptivo à parcela indecisa do eleitorado, ou até

mesmo à potenciais eleitores de Chávez descontentes com a radicalização do regime.

Entretanto, Capriles não era casado e havia dúvidas no tocante a sua

heterossexualidade, embora fosse constantemente visto ao lado de mulheres bonitas e

namorava famosas. Em um país fortemente impactado pela cultura do machismo, isto

poderia oferecer argumentos aos adversários para desqualificá-lo. Apesar disso, o líder

do PJ era o único com chances de impedir o quarto mandado de Chávez. Chamado

pelos meios de comunicações estatais de “el abanderado de la derecha”, o governador

de Miranda parecia disposto a enfrentar um processo eleitoral com ataques pessoais e

hostilidade entre apoiadores.

Com o candidato oposicionista escolhido, Chávez continuou sua ofensiva contra

a oposição, ao dizer que eles seriam derrotados de qualquer maneira nas eleições de 7 de

outubro de 2012528. Também optou por desqualificá-los os chamando de burgueses,

imperialistas e apátridas. Para Chávez, seus adversários estavam contra Bolívar e seu

projeto de nação. Ao citar o filósofo Nietzsche, chegou a afirmar que os oposicionistas

eram o niilismo, enquanto ele era a pátria e Bolívar529.

Mais uma vez o Libertador seria o mote em uma campanha eleitoral. Em

discurso na Assembleia Nacional em comemoração dos 193o (centésimo-nonagésimo-

terceiro) aniversário do Discurso de Angostura (1819), o presidente deu o tom da

campanha presidencial de 2012. Segundo ele, o projeto originário de Bolívar havia sido

527. Capriles é advogado e tinha 40 anos quando disputou a presidência em 2012. Entretanto, já era um

político experiente. Aos 26 anos (1998) foi eleito deputado e presidente do legislativo. Em 2000, fundou o

partido Primero Justicia e tornou-se prefeito de Baruta, cargo ao qual foi reeleito em 2004. Em 2008 se

elegeu governador do estado de Miranda, que agrega da capital Caracas, cargo que ocupa atualmente

(2017).

528. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de ascensos y

salutación de fin de año a la Fuerza Armada Nacional Bolivariana. Fuerte Tiuna, Caracas, 28 de

diciembre de 2011. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/6244-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-

durante-acto-de-ascensos-y-salutacion-de-fin-de-ano-a-la-fuerza-armada-nacional-bolivariana (acesso em

9 de maio de 2011).

529. CHÁVEZ, Hugo. Me expreso como lo que soy. Caracas, 22 de enero de 2012. In: RANGEL, José

Vicente. De Yare a Miraflores, p.399-436.

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falsificado através de sua conversão em um culto. Por isso, havia a necessidade de

retomada dos ideais ‘puros’ do Libertador. Com a espada que havia pertencido ao

prócer em mãos, ironicamente o símbolo máximo do culto o Bolívar, jurou: “Y con la

espada de Bolívar, […] la espada libertadora, la espada heroica, uno la toca y la siente

la llama todavía […]!Y te juro Libertador con tu espada en mano que conduciré este

pueblo a una nueva victoria el próximo 7 de octubre!” 530.

Havia a necessidade de explicar aos eleitores que o futuro da pátria seria

decidido por meio daquela eleição. Este argumento não era novo, já havia sido utilizado

por Chávez em outras oportunidades, mas continuava sendo uma estratégia eficaz para

agregar apoio político e conseguir coesão em sua heterogênea base de apoio. Desta

forma, a retórica apelativa e ríspida para com os opositores continuou, incrementada

pela dualidade entre ricos e pobres.

Na visão do presidente, seus adversários eram ricos, por isso não possuíam a

mínima noção do que seria uma mãe com 6 filhos na pobreza. O objetivo era atacar

Henrique Capriles – a quem Chávez evitava pronunciar o nome – que pertencia a uma

família abastada de Caracas. Para Chávez, seu oponente havia nascido em berço de

ouro, recebeu de graça tudo do bom e do melhor sem se esforçar, portanto, seria incapaz

de sentir o que somente ele era capaz: as necessidades dos mais pobres, pois era um

campesino que havia nascido na pobreza531. De fato, Capriles pertencia a uma família

abastada e Chávez a uma que havia sido pobre. Segundo a maioria de seus biógrafos, o

presidente nasceu em uma casa de taipa com teto de barro e foi criado pela avó paterna.

Sem dúvida, este argumento favorecia ao candidato Chávez.

Porém, em uma campanha presidencial na Venezuela o mais eficaz era explorar

o culto a Bolívar. Neste ponto, Chávez também levava vantagem em relação a seu

adversário. Em evento realizado no dia 24 de julho de 2012, ou seja, no dia em que se

completava 229o ano de nascimento do prócer da Independência, Chávez mostrou o que

seria o rosto ‘verdadeiro’ de Simón Bolívar. Este evento não poderia ter sido realizado

530. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante sesión especial de

la Asamblea Nacional en conmemoración del 193º aniversario del II Congreso de Angostura de 1819.

Municipio Heres, estado Bolívar, 15 de febrero de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/84-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-

sesion-especial-de-la-asamblea-nacional-en-conmemoracion-del-193-aniversario-del-ii-congreso-de-

angostura-de-1819 (acesso em 9 de maio de 2016).

531. CHÁVEZ, Hugo. Caravana y concentración en apoyo al Candidato de la Patria Hugo Chávez en el

estado Anzoátegui. Anzoátegui, 12 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/259-caravana-y-concentracion-en-apoyo-al-candidato-de-la-patria-

hugo-chavez-en-el-estado-anzoategui (acesso em 9 de maio de 2016).

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em um momento mais pertinente: as eleições presidenciais de outubro se aproximavam

e Chávez não perderia a chance de aliar a sua imagem com a de Bolívar, como se ambos

fizessem parte de um mesmo processo histórico-político. Ao dizer que aquele evento

marcava outro renascimento do Libertador, Chávez atacou seus opositores, os quais

considerava antibolivarianos.

Hace poco decía un connotado dirigente de la oposición algo que a

uno le llama la atención, pero que no sorprende en verdad, decía en

algún discurso, uno de ellos decía: “Necesitamos de un presidente

que haga descansar en paz a Bolívar…” Bueno, eso es lo que ellos

quisieran en verdad, él está diciendo su verdad, porque es vocero de

la burguesía, es vocero histórico […]532.

Não deixar Bolívar ‘descansar’ era conveniente a Chávez. O prócer não

interessava ao presidente apenas como um símbolo histórico ou herói da Independência.

Deveria ser explorado enquanto culto, mentor de um processo liderado naquele

momento pelo presidente Chávez. Sendo assim, todos os ataques desferidos contra o

candidato opositor eram justificados como se fossem uma ‘defesa’ de Bolívar.

Como parte deste ataque, Chávez afirmou que a hipótese de vitória do candidato

opositor era impensável, pois o país mergulharia no caos e na violência. Em discurso

proferido em Caracas, Chávez apontou em direção ao retrato do Libertador, mostrado

dias antes em evento no Palácio de Miraflores. Segundo o presidente, aquela era a

verdadeira face de Bolívar, ao contrário de seu adversário que era um burguês e

explorador do povo da Venezuela. Para terminar, instou a multidão que o assistia a dar

‘vivas’ a Bolívar533.

Hugo Chávez estava em campanha, portanto, partiria ao ataque. Na última

entrevista concedida a José Vicente Rangel, há exatos um mês antes das eleições

presidenciais, reforçou a tese de que sua candidatura evitaria o retorno do projeto

neoliberal e burguês, representado pelo candidato adversário. Para Chávez, era

importante insistir que havia dois projetos de país: o representado por ele, respaldado

por Bolívar; e o de Capriles, contrário aos ideais historicamente defendidos pelo

532. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en actividad por 229º

Aniversario del Natalicio del Libertador Simón Bolívar. Caracas, 24 de julio de 2012. In. Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/235-intervencion-del-comandante-

presidente-hugo-chavez-en-actividad-por-229-aniversario-del-natalicio-del-libertador-simon-bolivar

(acesso em 26 de fevereiro de 2016).

533. CHÁVEZ, Hugo. Declaraciones, caravana y concentración del Candidato de la Patria Hugo

Chávez en el Distrito Capital. Caracas, 27 de julio de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/258-declaraciones-caravana-y-concentracion-del-candidato-de-la-

patria-hugo-chavez-en-el-distrito-capital (acesso em 9 de maio de 2012).

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Libertador534. Ao discursar na Avenida Bolívar em Caracas, sob forte chuva, no

fechamento da campanha, Chávez afirmou que graças a Deus e ao povo de Bolívar, ele

havia ressuscitado a pátria dos mortos, por isso estava autoconfiante na vitória de sua

candidatura, do povo e da pátria de Simón Bolívar535.

Apesar da divulgação de um vídeo, poucos dias antes das eleições, em que um

deputado aliado de Capriles recebia dinheiro de um empresário venezuelano536, era

perceptível que nas eleições presidências de 2012 a oposição estava fortalecida. Ela

possuía deputados na Assembleia Nacional, estava aglutinada em uma coalizão com

estratégia melhor definida e havia abandonado a via não constitucional de luta política.

Porém, isso não foi suficiente naquele momento. Hugo Chávez ainda era um fenômeno

eleitoral e em 7 de outubro de 2012 foi reeleito para um quarto mandato como

presidente da Venezuela com 55,7% dos votos, ou seja, o equivalente a 8,1 milhões de

votos. Henrique Capriles obteve 44,31%, o equivalente a 6,5 milhões537.

Ao pronunciar-se no Balcão do Povo logo após o CNE divulgar os resultados

indicando uma vitória de Chávez, o presidente não perdeu tempo e recorreu ao símbolo

máximo do culto a Bolívar: a espada do Libertador. Com ela em mãos, o novamente

reeleito presidente da República não deixava dúvidas, o Libertador havia proporcionado

outra vitória eleitoral.

¡Aquí está la espada de Bolívar! La espada libertadora de América, la

espada de los pueblos. Una espada que no se quedó en el pasado, sino

que está con nosotros hoy en el presente y estará en el futuro. Con

esta espada […] ¡rindo a Simón Bolívar, el padre de la patria! [...]

Rendimos tributo a Simón Bolívar, a su espada, a su ejemplo, a su

sacrificio, a su grandeza538.

534. CHÁVEZ, Hugo. Chávez somos todos. Caracas, 30 de septiembre de 2012. In: RANGEL, José

Vicente. De Yare a Miraflores, p.437-475.

535. CHÁVEZ, Hugo. Cierre de campaña: concentración y caravana en apoyo al Candidato de la Patria

Hugo Chávez. Caracas, 4 de octubre de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/28-cierre-de-campana-concentracion-y-caravana-en-apoyo-al-

candidato-de-la-patria-hugo-chavez (acesso em 9 de maio de 2016).

536. MARREIRO, Flávia. Rival de Chávez sofre revés com divulgação de vídeo de propina. Folha de S.

Paulo. São Paulo, 14 de setembro de 2012, p.22, No 30.480.

537. VENEZUELA. Boletín electoral de la elección presidencial de 2012. In. Consejo Nacional

Electoral (CNE). República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:

http://www.cne.gob.ve/resultado_presidencial_2012/r/1/reg_000000.html (acesso em 16 de junho de

2016).

538. CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en concentración ¡Triunfo

del Pueblo!. Caracas, 7 de octubre de 2012. In. Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/26-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-en-

concentracion-triunfo-del-pueblo (acesso em 9 de maio de 2016).

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A espada de Simón Bolívar não era um símbolo qualquer, tratava-se da principal

representação do culto ao Libertador, a forma mais próxima de ‘imitá-lo’. Por isso,

Chávez não economizava em aparições públicas empunhando a espada do Libertador,

conforme fez pela última vez durante a comemoração da vitória nas eleições de outubro

de 2012. Durante os 14 anos no poder, este objeto foi praticamente inseparável, tornou-

se marcante a imagem de Chávez em pé, apontando a espada ao céu diante de uma

multidão de apoiadores fervorosos. Em seus últimos dias, a espada também lhe foi útil,

servia de suporte no chão para manter a postura menos arqueada, pois já estava

visivelmente abatido em virtude do avanço da doença. Embora tenha sofrido revezes,

Hugo Chávez não encontrou adversário capaz de superá-lo nas urnas. Foi eleito quatro

vezes presidente da República e a última vitória, obtida em 7 de outubro de 2012, o

permitiria governar até 2019 e completar vinte anos no poder.

Entretanto, a história dos países é marcada por situações indesejadas. O câncer

na região pélvica, que tantas incertezas trouxe ao cenário político venezuelano, foi

capaz de vencer Chávez. Ele até conseguiu obter o quarto mandato, mas não teve forças

para tomar posse. Ao contrário do que dizia e seus assessores mais próximos repetiam,

o câncer não havia sido extirpado e restava pouco tempo de vida ao presidente. Em

dezembro de 2012, poucos dias antes de embarcar para Cuba e tentar pela última vez o

tratamento, Chávez teve que fazer algo do qual ninguém em sua base de apoio estava

preparado: indicou um sucessor as pressas. Sentado em uma mesa com o busto de

Bolívar atrás, em tom melancólico e evitando pronunciar a palavra morte, Chávez pediu

a seus eleitores que votassem em Nicolás Maduro, caso não pudesse desempenhar as

funções e fosse convocada novas eleições, conforme determinava a Constituição539.

O embarque de Chávez à Havana e seu ‘sumiço’ na Ilha provocou uma nova

incerteza: Chávez seria ou não empossado em 2 de fevereiro de 2013? Não foi.

Regressou à Venezuela em 18 fevereiro de 2013 e permaneceu internado no Hospital

Militar de São Carlos. Em 5 de março de 2013 coube a Nicolás Maduro fazer o anúncio

oficial: o comandante-presidente Hugo Rafael Chávez Frías faleceu. A era Chávez havia

acabado, morreu como presidente da República.

539. CHÁVEZ, Hugo. Consejo de Ministros (Cadena Nacional). Despacho uno, Palacio de Miraflores.

Caracas, 8 de diciembre de 2012. In. Unidad, Lucha, Batalla y Victoria. Ediciones de la Presidencia de

la República. Caracas, 2012, p.41-42.

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247

Considerações finais do capítulo

Conforme explicou-se ao longo deste capítulo, as vitórias obtidas nas urnas pela

Revolução Bolivariana tiveram como principal causa a exploração do culto a Bolívar.

Ao longo de 14 anos, os eleitores venezuelanos foram votar 17 vezes em eleições,

plebiscitos, referendos e demais consultas populares. A exceção do Referendo à

Reforma Constitucional de 2007, o presidente Hugo Chávez saiu vitorioso em todos

estes pleitos e o bolivarianismo exerceu um papel fundamental em seu êxito. Ou seja, a

representação histórica do Libertador, construída pelo regime, foi eficaz aos propósitos

de um governo que se autodenominava bolivariano. Este fenômeno se potencializou por

se tratar de um líder que se posicionava no cenário político como um continuador da

obra do herói da Independência.

Além disso, o culto ao prócer foi primordial em momentos cruciais da

Revolução, quando as vitórias eleitorais serviram para consolidar Chávez no poder e

conter a ‘onda’ de questionamento no tocante a sua liderança. Dessa forma, manteve o

presidente e seus partidários no patamar de força hegemônica do cenário político, sendo

evidente o papel exercido pelo culto na vantagem eleitoral de Chávez em relação a seus

adversários.

Passado o processo Constituinte (1999) e derrotado o golpe (2002), o primeiro

desafio vencido pelo regime foi o Referendo Revocatório de agosto de 2004. A vitória

neste pleito permitiu a Chávez concluir seu mandato e chegar às eleições presidenciais

de 2006 em posição extremamente favorável, ao enfrentar uma oposição desmobilizada,

desmotivada e desacreditada em razão do apoio ao golpe de Estado de abril de 2002.

O presidente era um adversário difícil de ser vencido nas urnas e em alguns

momentos sustentou a imagem de invencível. Porém, isso se desfez rapidamente. No

Referendo da Reforma Constitucional de 2007, Chávez foi derrotado por ínfima

margem de votos. Isso demonstrou que nem sempre um líder popular, carismático e que

tinha acabado de vencer uma eleição presidencial (2006) com ampla vantagem, era

capaz de viabilizar todas as suas propostas por meio de votação popular. No entanto, é

importante frisar que a derrota no Referendo de 2007 foi um percalço, sendo incapaz de

comprometer a força eleitoral de Chávez e tampouco de diminuir a capacidade

mobilizadora de seus partidários. Isso significa que a derrota de 2007 foi um rechaço da

população às medidas propostas, não um rechaço a Chávez e tampouco a Bolívar.

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Desta derrota surgiu a necessidade de aprovar um dos pontos submetido a

Referendo em 2007 que havia sido rejeitado no pacote: a possibilidade de reeleição sem

limites ao cargo de presidente da República. Isto fez com que houvesse a necessidade de

realizar um Referendo específico para derrubar os empecilhos constitucionais, presentes

na Carta Magna naquele momento, que impediam Chávez de se candidatar

indefinidamente. Era fato que a Revolução Bolivariana já havia se transformado em um

processo político personalista e viável somente por meio da condução de Chávez. O

Referendo da Emenda Constitucional à Reeleição sem limites foi aprovado em fevereiro

de 2009 e mais uma vez o culto a Bolívar foi utilizado para legitimar esta iniciativa.

Devido à aprovação da reeleição sem limites, Chávez pôde se candidatar

novamente à presidência em 2012. Nesse momento, o cenário político venezuelano

estava influenciado pelo clima de comoção social provocado pelo câncer diagnosticado

no presidente em junho de 2011. A partir desse momento, houve uma mescla inevitável

de culto a Bolívar com comoção social, combinação capaz de proporcionar outra vitória

a Chávez nas eleições presidenciais de 2012. O quarto mandato foi conquistado, mas

terminou antes mesmo de começar. A enfermidade não permitiu a Chávez receber a

faixa presidencial pela ‘última vez’ em 2 de fevereiro de 2013, pois ele se encontrava

debilitado e internado em Cuba. Em 5 de março de 2013 faleceu em virtude da doença,

pondo fim a era Chávez, mas não a exploração do culto a Bolívar na Venezuela.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese demonstrou que o bolivarianismo desempenhou um papel fundamental

na manutenção de Hugo Chávez como presidente da República. Explorar a figura do

herói da Independência foi uma das estratégias utilizadas pelo regime a fim de obter as

vitórias eleitorais em 14 anos na presidência. Este foi um dos motivos pelo qual

conseguiu se manter no poder com massivo apoio popular por um período considerado

longo, caso for comparado com outros presidentes da América Latina do mesmo

período. Por meio do culto ao Libertador, conseguiu o almejado por grande parte dos

líderes políticos: ser presidente até morrer.

Chávez foi o primeiro a ser eleito na chamada ‘onda de presidentes alinhados à

esquerda’ na América Latina do pós-Guerra Fria. Eleitos nos últimos anos do século

XX e, em sua maioria, na primeira década do XXI, Lula (Brasil, 2002), Kirchner

(Argentina, 2003), Tabaré Vázquez (Uruguai, 2004), Michele Bachelet (Chile, 2005),

Evo Morales (Bolívia, 2006), Rafael Correa (Equador, 2007) e Fernando Lugo

(Paraguai, 2008) chegaram ao poder por meio da adoção de uma postura crítica em

relação às políticas de perfis neoliberais, implantadas na região nas décadas de 1980 e

1990. O caráter ‘vanguardista’ no questionamento das políticas liberalizantes era

constantemente recordado por Chávez e reconhecido por seus aliados no continente.

No entanto, este fenômeno era mais complexo do que demonstrava a retórica do

regime bolivariano. O governo de Chávez se caracterizou pela adoção de uma agenda

historicamente vinculada à algumas bandeiras defendidas pela esquerda latino-

americana, a exemplo do combate à pobreza e à desigualdade social, bem como a crítica

ao sistema capitalista. Mas, isso ocorreu sem ruptura estrutural com a ordem vigente.

Ou seja, não houve um governo essencialmente de esquerda na Venezuela, ou tampouco

a adoção de um modelo genuinamente anticapitalista. O livre mercado, o pagamento da

dívida externa, a autonomia do Banco Central, a propriedade privada e a injusta

estrutura fundiária venezuelana permaneceram quase intocáveis nos 14 anos de Chávez

na presidência. Por isso, seu governo era visto com desconfiança pelos setores

trotskistas ligados a LIT-CI, os quais o consideravam, ironicamente, burgueses, por

mais que reconheciam a identificação das massas com o presidente.

Em diversos momentos, os fortes vínculos com os militares e o culto exagerado

à personagens históricos da Independência venezuelana e de outros países da América

Latina eram criticados por figuras políticas alinhadas aos movimentos de esquerda

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latino-americanos. Além de fornecerem argumentos para acusar Chávez de

autoritarismo ou de ser um ditador, os próceres exaltados pelo presidente venezuelano

eram vistos como figuras pertencentes às burguesias de suas épocas, não como

‘libertadores’, nem como líderes preocupados com os mais pobres. Tampouco estavam

comprometidos com as lutas sociais do momento em que viveram.

Simón Bolívar poderia ser enquadrado neste perfil, pois era uma figura

pertencente e vinculada à elite criolla. Não possuía identificação com as massas pardas,

nem com os índios e escravos em uma Venezuela colonial, racista e estratificada. O

vínculo de Bolívar com as massas foi uma construção realizada pelo culto a sua figura,

marcadamente o culto popular, construído desde a formação do Estado Nacional após

1830. Para criar uma identidade venezuelana, necessitou-se forjar um Bolívar atrelado

as massas e comprometido com as lutas sociais do momento, ao transformar o processo

de Independência em uma luta popular por liberdade, o que historicamente não foi.

Além disto, alguns alinhamentos diplomáticos de Chávez incomodavam setores

vinculados à esquerda latino-americana. Por exemplo, os movimentos ligados à luta

pelo direito das mulheres, contra o machismo e a visão androcêntrica da sociedade,

possuíam ressalvas no tocante aos estreitos vínculos diplomáticos de Caracas com

países que cerceavam os direitos das mulheres, tais como o Irã, de Mahmoud

Ahmadinejad, e a Líbia, de Mouammar Kadhafi. Também se incomodavam com frases

machistas frequentemente pronunciadas pelo presidente, embasadas em estereótipos do

senso comum venezuelano, a exemplo das proferidas contra a secretária de Estado da

administração Bush, Condoleezza Rice. Ao refutar as críticas de Rice, Chávez afirmou

que a ela faltava uma ‘figura masculina’ e a acusou de possuir fantasias sexuais em

relação a Chávez. Em tom irônico, afirmou que não faria isso nem por amor à pátria540.

Apesar de todas estas polêmicas a que se envolveu, o que se denominou

‘fenômeno Chávez’ não pode ser analisado por uma perspectiva simplista. Hugo Chávez

ascendeu ao poder em um cenário extremamente conturbado. Desde a década de 1980, a

Venezuela vinha sofrendo um processo de estagnação econômica, em razão da queda

nos preços do petróleo no mercado internacional. Dependente deste produto e incapaz

de diversificar sua matriz produtiva, o pacto entre as elites, firmado em 1958, foi se

enfraquecendo e se tornou insuficiente para manter o apoio popular a Punto Fijo. Como

resultado, aumentaram as turbulências políticas e as inquietações nos quartéis, em um

540. JONES, Bart. Hugo Chávez: da origem simples ao ideário da revolução permanente, p.445.

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país historicamente marcado pelas intervenções dos militares em momentos de crise.

Este cenário teve como ápice a tentativa de golpe de Estado em 4 de fevereiro de 1992,

liderada pelo tenente-coronel Chávez.

Em um país com quase 70% de pobreza em 1998 e enfrentando anos seguidos de

recessão econômica, Chávez conseguiu convencer uma parcela do eleitorado de que era

portador da missão, outorgada por Bolívar, de restituir o poder e as riquezas do país aos

mais pobres. A partir deste raciocínio e da redistribuição dos recursos do petróleo,

conseguiu construir uma maioria eleitoral capaz de elegê-lo quatro vezes presidente da

República, de transferir votos a seus aliados nas eleições regionais e legislativas, bem

como para vencer praticamente todos os plebiscitos, referendos e demais consultas

populares realizadas em 14 anos de mandato.

Portanto, a ascensão do ex-militar à presidência pode ser considerada uma

‘resposta’ da sociedade venezuelana à crise, em razão do vácuo político deixado pelo

descrédito nos partidos e nas figuras atreladas ao Pacto de 1958. Uma análise possível

de todo este cenário seria que o período de 1999 a 2013 esteve marcado por uma

transição conflituosa entre o sistema bipartidário-oligárquico, erigido em 1958, e a

experiência de uma ‘democracia popular’, em razão do aumento dos canais de

participação inerentes à Constituição de 1999. Entretanto, há de se ressaltar que esta

‘democracia popular’, respaldada pela Carta Magna Bolivariana, possui um perfil

personalista e sua concretização vem demonstrando ser dependente da liderança do

presidente Chávez.

Esta característica pode ser percebida em razão do sucessor de Chávez, Nicolás

Maduro, não ter realizado nenhum referendo, plebiscito ou consulta popular desde

quando se elegeu presidente, em abril de 2013, após a morte de Chávez. Ao contrário,

utilizou de todos os mecanismos disponíveis a fim de impedir a realização de um

referendo revocatório de seu mandato e postergou para 2017 as eleições regionais que

deveriam ter sido realizadas até dezembro de 2016. Por fim, buscou a anulação do

principal legado de Chávez: a Constituição de 1999, pois em 2017 convocou uma nova

ANC que foi eleita de forma semidireta em julho do mesmo ano. Nas eleições

legislativas de dezembro de 2015 o governo saiu derrotado.

Além da crise econômica e o desabastecimento, a Venezuela passou a conviver

com uma crise política desencadeada pelo conflito de poderes envolvendo o Executivo e

o Judiciário, controlado pelas forças políticas lideradas pelos sucessores de Chávez,

contra o poder Legislativo de maioria oposicionista. Este conflito aumentou em abril de

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2017 quando Maduro tentou uma ‘manobra’, ao transferir as competências da

Assembleia Nacional para o Tribunal Supremo de Justiça. Essa decisão foi

reconsiderada em seguida devido as críticas vindas até mesmo de aliados.

Ao longo dos capítulos, foi possível perceber que na Venezuela o culto a Bolívar

exerce um significativo poder de influência na política. Entretanto, isso não emana

exatamente de Bolívar, mas de sua representação historicamente construída, ou seja, do

culto a sua figura e no que a historiografia o vem transformando desde 1842. Por isso,

tornou-se um dos principais instrumentos na perpetuação de grupos políticos no poder.

Conforme esta tese demonstrou, Chávez não foi o presidente da ruptura com o culto e

sua exploração política. Foi o responsável pela ressignificação do bolivarianismo,

fenômeno percebido no estratégico papel ocupado pelo Libertador na retórica do regime

e, principalmente, na postura do presidente ao se colocar como um continuador da obra

do prócer, ou, até mesmo, como o ‘segundo libertador’ da Venezuela.

A ruptura que a Revolução Bolivariana possa ter provocado encontra-se nas

transformações viabilizadas a partir da popularidade angariada por Chávez através da

exploração do culto, as quais abarcaram os âmbitos político, econômico e social. A

ascensão do ex-militar ao poder também significou uma ruptura no perfil das figuras

que vinham se elegendo presidente desde 1958, ou seja, pôs fim ao ciclo de governantes

civis dos partidos AD e Copei e, consequentemente, da subordinação das Forças

Armadas à autoridade civil.

Conforme o destacado nesta tese, um militar na presidência da Venezuela estava

longe de ser um fato ‘historicamente inédito’. Porém, a mesma figura não haver obtido

êxito pela via armada, mas pelo massivo apoio popular conquistado em razão daquele

‘desafortunado’ evento, era um fenômeno relativamente ‘novo’ àquela sociedade e,

portanto, um desafio a quem se ocupa em analisá-lo. Ademais, o contexto em que

Chávez tornou-se uma figura em evidência no cenário político nacional e internacional

possuía suas particularidades. Era o momento do pós-Guerra Fria com a recente

dissolução da União Soviética. A América Latina havia acabado de se redemocratizar

com o fim dos regimes ditatoriais, instalados nas décadas de 1960 e 1970, que deixaram

“traumas históricos” em suas respectivas sociedades.

Neste cenário, figuras com o perfil de Chávez eram contestadas e vislumbradas

como líderes situados na ‘contramão da história’, por serem militaristas e utilizarem o

golpe de Estado como estratégia de ascensão ao poder, atitudes consideradas não

democráticas. Por isso, o 4 de fevereiro foi amplamente rechaçado pela comunidade

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internacional. Até mesmo Cuba, que mais tarde se tornaria a principal aliada do regime

bolivariano na América Latina, se posicionou ao lado do presidente Carlos Andrés

Pérez em fevereiro de 1992.

Ao analisar uma das teses populares do pós-Guerra Fria, propalada por Francis

Fukuyama (1988), que defendia um pretenso ‘fim da história’ e a morte das ideologias

em razão do desmantelamento do socialismo real541, é possível afirmar que Chávez se

manteve no poder com base na antítese do defendido pelos liberais do momento: usou e

‘abusou’ da história e moldou suas palavras e ações com base em razões ideológicas. Na

Venezuela bolivariana, a história não parecia ter morrido e as ideologias exerciam

influência na política mais do que em outros momentos históricos.

A Venezuela é um país de presidencialismo forte, ou hiper-presiencialismo, uma

característica que tem sua base nas batalhas pela Independência, quando a elite criolla

apostou no exercício centralizador e personalista do poder – conferido a Miranda e

posteriormente a Bolívar – para vencer a guerra contra a Metrópole. Esta estrutura, de

certa forma autoritária, acabou sendo potencializada com Chávez, em razão de seu

carisma, identificação com as Forças Armadas, aumento das rendas do petróleo a partir

de 2003 e, principalmente, na exploração da figura dos heróis nacionais.

Este uso (e abuso) dos personagens históricos da Venezuela, elevados à

categoria de ‘heróis nacionais’, não se restringiu a Bolívar. Figuras que também

desempenharam papéis determinantes nas batalhas pela Independência, como Francisco

de Miranda e Antonio José de Sucre (el Mariscal de Ayacucho), além de Ezequiel

Zamora, um dos líderes na sangrenta Guerra Federal (1858-1863), também são tratados

com reverência e ocuparam um papel fundamental na retórica do regime.

Ao longo da Revolução, o que se tornou conhecido como fenômeno Chávez não

apresentava características facilmente explicáveis. A dificuldade estava em definir que

tipo de líder havia sido e quais as principais características do processo em que esteve

envolvido. Tratavam-se de indagações difíceis de serem respondidas, pois as

denominações conferidas a outros líderes latino-americanos como Perón (Argentina),

Velasco Alvarado (Peru), Omar Torrijos (Panamá) e Getúlio Vargas (Brasil), não eram

capazes de fornecer ferramentas para explicar o que acontecia na Venezuela entre 1999

e 2013.

541. FUKUYAMA, Francis. ¿El fin de la historia?

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Além do distanciamento histórico de Chávez com estes líderes, o venezuelano

exerceu sua liderança em um mundo pós-Guerra Fria e em uma nação com economia

dependente do petróleo. Portanto, esteve submetido a um alinhamento internacional e

uma configuração geopolítica distinta de todos aqueles exemplos citados acima. A

identificação com as Forças Armadas que o aproximava de Perón, Alvarado e Torrijos

não era compensada pela semelhança com a popularidade de Vargas entre os mais

pobres. Portanto, termos como populista, neopopulista ou populista-militar não foram

capazes de explicar o tipo de liderança exercida por Chávez, tampouco as circunstâncias

que viabilizaram a ascensão e manutenção do líder bolivariano no poder. Logo, o que se

pode afirmar é que Hugo Chávez foi um líder popular-militarista, em razão de seu

carisma com inserção nos setores sociais mais pobres e, ao mesmo tempo, por possuir

estreitos vínculos com as Forças Armadas.

Com a morte de Hugo Chávez, o caráter personalista do processo em que esteve

envolvido desnudou-se, pois, seu desaparecimento físico prejudicou a inserção da

Revolução nas massas venezuelanas. Porém, isso não significou seu término. Nicolás

Maduro conseguiu se eleger presidente em abril de 2013 e se mantém no cargo

atualmente (2017), embora seja crescente o movimento que questiona sua liderança,

formado até mesmo por antigos aliados de Chávez.

A história da Venezuela demonstra que o término de longos períodos

presidenciais, comandados por líderes fortes, personalistas e identificados com as

Forças Armadas, costuma ser seguido por momentos de grande turbulência e violência

política. Na maioria das vezes, seus ‘herdeiros’ não possuem as mesmas ‘virtudes’. Os

sucessores de Guzmán Blanco e Juan Vicente Gómez não sustentaram por igual período

a influência política do grupo outrora comandado por estes líderes, além de terem

governado sob condições histórico-políticas inevitavelmente distintas.

Contudo, não se sustenta nesta tese que a história, ou mais especificamente a

história política da Venezuela, seja cíclica. Ao contrário, acredita-se que ela não se

repete, a não ser como uma farsa, conforme pontuou Karl Marx no Dezoito

Brumário542. Todavia, cada país apresenta momentos em sua história que se

assemelham, portanto, são capazes de indicar uma consequência do que poderá ocorrer,

pois a crise vivida pela Venezuela em 2017 é um reflexo de suas contradições

históricas, mas também de medidas, acertadas e equivocadas, tomadas na era Chávez.

542. MARX, Karl. O dezoito Brumário de Luis Bonaparte.

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Simón Bolívar angariou popularidade em seu tempo, pois comandou as batalhas

pela Independência e deixou uma quantidade razoável de um legado escrito. Assim que

se tornou interessante à elite do memento, foi transformado em culto de legitimação de

grupos no poder, cuja função essencial predomina-se até os dias atuais. Conforme esta

tese expõe, Chávez se apropriou de Bolívar, porém, diferente de seus antecessores,

também deixou um legado por meio de seus discursos e da forte identificação da

Revolução para com sua figura. Pode-se afirmar que a identificação de Bolívar com a

Independência é, muitas vezes, menor do que a de Chávez com a Revolução

Bolivariana. Não há como afirmar se isto será o suficiente para se construir um culto a

Chávez na Venezuela. É muito cedo para fazer este tipo de afirmação.

No entanto, há um legado escrito de Chávez por meio de seus discursos,

descendentes e uma legião de apoiadores. Se será interessante a elite dirigente do

momento erigir um ‘culto a Chávez’ é uma questão de poder e de viabilidade deste

poder, mas isso não está perceptível no atual momento. O que se percebe é um forte

questionamento, por uma parte da sociedade venezuelana, do legado histórico de

Chávez, caracterizado nos recentes atos de destruição pública de várias estátuas suas

espalhadas pelo país. Atitudes como essas podem ser compreendidas com base em uma

reflexão, feita por Carrera Damas, em que sintetizou, de forma crítica, o impacto de

determinadas figuras na consciência histórica do povo. Ao utilizar-se do exemplo de

Bolívar, destacou que o Libertador “[...]hizo mucho para ser un hombre y muy poco

para ser un dios”543. É pertinente também enquadrar Chávez nesta denominação que, tal

como a principal figura de seu regime, fez muito pouco para ser considerado um Deus.

Por outro lado, em termos históricos, Chávez fez ‘muito para ser um homem’, pois suas

atitudes impactaram a estrutura da sociedade venezuelana, em razão da posição a que

ocupou em determinado momento, ou seja, foi um presidente da República em um

momento de expansão econômica. Além disso, pode ser considerado um líder mais

popular do que a maioria de seus antecessores.

543. CARRERA DAMAS, Germán. Entrevista concedida ao autor. Caracas, 15 de abril de 2015.

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______. El único camino para la victoria. 14 de diciembre de 2008. In: Idem, p.269-292.

______. Dialogante, pacifista y subversivo. 17 de enero de 2010. In: Idem, p.293-326.

______. Pertenezco a ese tiempo de hace 200 años. 13 de febrero de 2011. In: Idem, p.335-354.

______. Yo soy así. 7 de agosto de 2011. In: Idem, p.365-395.

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260

______. Me expreso como lo que soy. 22 de enero de 2012. In: Idem, p.399-436.

______. Chávez somos todos. 30 de septiembre de 2012. In: Idem, p.437-475.

CHÁVEZ, Hugo. Palabras del presidente Hugo Chávez Frías en cadena nacional de radio y

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______. “La cuarta fase: “el despliegue”. Artículo publicado en el periódico Correo del

Orinoco. Caracas, 25 de enero de 2009. In: Idem, p.16-17.

______. ¡Hoy 15 de febrero! Ser o no ser. Artículo publicado en el periódico Correo del

Orinoco. Caracas, 15 de febrero de 2009. In: Idem, p.56-59.

______. ¡Independencia!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas, 4 de

abril de 2010. In: Idem, p.415-421.

______. !Grande Bolívar!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco. Caracas, 25

de julio de 2010. In: Idem, p.524-530.

______. !Viva Bolívar! ¡Bolívar vive!. Artículo publicado en el periódico Correo del Orinoco.

Caracas, 19 de diciembre de 2010. In: Idem, p.644-650.

CHÁVEZ, Hugo. Venezuela muestra al mundo la apertura del sarcófago del Libertador.

Vídeo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2HMq1FKxW68 (acesso em 8 de

setembro de 2015).

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo de la toma de posesión. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 2 de

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del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas:

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______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del desfile militar en conmemoración del 4 de febrero. Paseo de los Próceres.

Caracas, 4 de febrero de 1999. In: Idem, p.39-46.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la celebración del 216o aniversario del natalicio del libertador Simón

Bolívar, en 176o aniversario de la Batalla Naval del Lago de Maracaibo y día de la Armada

Venezolana. Panteón Nacional, Caracas, 24 de julio de 1999. In: Idem, p.253-260.

_____. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías,

con motivo de la elección de los miembros de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio de

Miraflores. Caracas, 25 de julio de 1999. In: Idem, p.261-271.

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261

______. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la instalación de la Asamblea Nacional Constituyente. Palacio Federal

Legislativo. Caracas, 5 de agosto de 1999. In: Idem, p.279-283.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de presentar al país el proyecto de Constitución. Palacio de Miraflores.

Caracas, 25 de noviembre de 1999. In: Idem, p.441-479.

______. Discurso del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la aprobación de la nueva Constitución Nacional. Palacio de Miraflores.

Caracas, 15 de diciembre de 1999. In: Idem, p.497-507.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Plaza Caracas.

Caracas, 4 de febrero de 2000. In: 2000 “Año de la relegitimación de los poderes”. Selección

de discursos del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías.

Caracas: Ediciones de la Presidencia de la República, p.101-138.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la presentación de su plan de gobierno. Hotel Caracas Hilton. Caracas, 22

de mayo de 2000. In: Idem, p.263-317.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del inicio de un nuevo curso de la Fuerza Aérea Venezolana. Base Aérea

“Francisco de Miranda”, La Carlota-Caracas, 14 de septiembre de 2000. In: Idem, p.263-317.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del 170o aniversario de la muerte del Libertador y

Padre de la Patria, Simón Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2000. In:

Idem, p.581-588.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, frente al sarcófago del general Ezequiel Zamora. Panteón Nacional. Caracas, 1o

de febrero de 2001. In: 2001 “Año de las Leyes Habilitantes”. Selección de discursos del

Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas: Ediciones

de la Presidencia de la República, p.89-97.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la aprobación de la Ley Habilitante. Palacio de Miraflores. Caracas, 13 de

noviembre de 2001. In: Idem, p.605-614.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo de la juramentación del comando político de la revolución. Caracas,

10 de enero de 2002. In: 2002 “Año de la resistencia antiimperialista”. Selección de discursos

del Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas:

Ediciones de la Presidencia de la República, p.33-49.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del Mensaje Anual ante la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo. Caracas,

15 de enero de 2002. In: Idem, p.65-128.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del paro nacional de la oposición. Adyacencias del Palacio de Miraflores.

Caracas, 9 de abril de 2002. In: Idem, p.235-245.

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262

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en la primera sesión de trabajo de la II reunión de jefes de Estado de América del Sur.

Guayaquil, Ecuador, 27 de julio de 2002. In: Idem, p.347-356.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo de la gran marcha de respaldo a su gobierno al cumplirse 6 meses de

la restitución del hilo constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 13 de octubre de 2002. In:

Idem, p.455-478.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha por la paz, la democracia y defensa de la constitución. Avenida

Urdaneta. Caracas, 7 de diciembre de 2002. In: Idem, p.503-524.

______. Mensaje del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías,

con motivo del fin de año. Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de diciembre de 2002. In: Idem,

p.537-544.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo.

Caracas, 17 de enero de 2003. In: 2003 “Año de la contra-ofensiva revolucionaria y la

victoria antiimperialista”. Selección de discursos del presidente de la República Bolivariana

de Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas: Ediciones de la Presidencia de la República, p.27-

54.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del 4 de febrero de 1992. Poliedro de Caracas. Caracas,

4 de febrero de 2003. In: Idem, p.133-152.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del nombramiento de la nueva junta directiva de Petróleo de Venezuela

(PDVSA). Palacio de Miraflores. Caracas, 6 de marzo de 2003. In: Idem, p.215-226.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del encuentro “Pensar la Revolución”. Casa Andrés Bello. Caracas, 22 de

marzo de 2003. In: Idem, p.291-311.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la Mercados Y Alimentos. Parroquia Caricuao. Caracas, 22 de abril de

2003. In: Idem, p.291-311.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo del mensaje anual a la Asamblea Nacional. Palacio Legislativo.

Caracas, 14 de enero de 2004. In: 2004 “Año de la gran victoria popular y revolucionaria”.

Selección de discursos del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías. Caracas: Ediciones de la Presidencia de la República, p.9-67

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la conmemoración del XII aniversario del 4 de febrero de 1992.

Hipódromo La Rinconada. Caracas, 4 de febrero de 2004. In: Idem, p.87-105.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha-concentración “Venezuela se respeta”. Autopista Francisco

Fajardo a la altura del Jardín Botánico. Caracas, 29 de febrero de 2004. In: Idem, p.131-162.

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263

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, en el cual acepta la realización del referéndum presidencial y convoca a la Campaña de

Santa Inés. Despacho Presidencial, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de junio de 2004. In:

Idem, p.297-310.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la marcha-concentración por la soberanía, inicio de la Campaña de Santa

Inés y de la Misión Florentino. Avenida Bolívar. Caracas, 6 de junio de 2004. In: Idem, p.311-

331.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del acto de juramentación del comando de Campaña Nacional Maisanta para

el referéndum presidencial. Teatro Municipal. Caracas, 9 de junio de 2004. In: Idem, p.333-

355.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de la Marcha por la Victoria. Avenida Bolívar. Caracas, 8 de agosto de 2004.

In: Idem, p.439-484.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del triunfo del NO en el referéndum presidencial. Balcón del Pueblo, Palacio

de Miraflores. Caracas, 16 de agosto de 2004. In: Idem, p.499-509.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo del inicio de clases de los nuevos cadetes del año lectivo 2004-2005. Teatro

de la Academia Militar de Venezuela. Caracas, 8 de octubre de 2004. In: Idem, p.539-561.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de los resultados electorales regionales de gobernadores y alcaldes.

Adyacencias del Palacio de Miraflores. Caracas, 31 de octubre de 2004. In: Idem, p.565-570.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, para denunciar a la nación el golpe electoral e invitar al pueblo de Venezuela a

que ejerza su derecho al voto en las próximas elecciones parlamentarias. Palacio de Miraflores.

Caracas, 3 de diciembre de 2005. In: 2005 “Año del salto adelante: Hacia la construcción del

Socialismo del Siglo XXI”. Selección de discursos del presidente de la República Bolivariana

de Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas: Ediciones de la Presidencia de la República, p.669-

695.

CHÁVEZ, Hugo. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez Frías, con motivo del acto de los 7 años de la Revolución Bolivariana. Sala Ríos Reyna,

Teatro Teresa Carreño. Caracas, 2 de febrero de 2006. In: 2006 “Año de la participación y el

poder popular”. Selección de discursos del presidente de la República Bolivariana de

Venezuela, Hugo Chávez Frías. Caracas: Ediciones de la Presidencia de la República, p.147-

184.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, durante el acto comando nacional de “Campanha Miranda”. Teatro Municipal de

Caracas. Caracas, 17 de agosto de 2006. In: Idem, p.443-468.

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, con motivo de cierre de campaña a la reelección. Avenida Bolívar. Caracas, 26 de

noviembre de 2006. In: Idem, p.657-683.

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264

______. Discurso del presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez

Frías, luego de conocido el primer boletín del Consejo Nacional Electoral con resultados de las

elecciones presidenciales. Balcón del Pueblo, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de

2006. In: Idem, p.685-693.

CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

juramentación como Presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el período

2007-2013. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 10 de Enero de 2007. In: Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2705-intervencion-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-durante-acto-de-juramentacion-como-presidente-de-la-

republica-bolivariana-de-venezuela-para-el-periodo-2007-2013 (acesso em 26 de fevereiro de

2016).

______. Juramentación del Consejo Presidencial para la Reforma Constitucional y del Consejo

Presidencial del Poder Comunal. Salas Ríos Reyna, Teatro Teresa Carreño. Caracas, 17 de

enero de 2007. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2688-juramentacion-del-consejo-presidencial-para-

la-reforma-constitucional-y-del-consejo-presidencial-del-poder-comunal (Idem).

______. Discurso del Comandante Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Hugo

Chávez con motivo de la concentración Bolivariana Antiimperialista. Avenida Bolívar. Caracas,

2 de junio de 2007. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2424-discurso-del-comandante-presidente-de-la-

republica-bolivariana-de-venezuela-hugo-chavez-con-motivo-de-la-concentracion-bolivariana-

antiimperialista (Idem).

______. Presentación del Proyecto de Reforma Constitucional ante la Asamblea Nacional, por

parte del Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 15 de

agosto de 2007. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2263-presentacion-del-proyecto-de-reforma-

constitucional-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-presidente-hugo-chavez

(Idem).

______. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en concentración por el Sí. Estadio

“Agustín Tovar”. Las Carolinas, Estado Barinas, 23 de noviembre de 2007. In: Discursos y

Alocuciones. Disponível: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2079-discurso-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-en-concentracion-por-el-si (Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez en la concentración y apoyo a

la Reforma Constitucional. Estadio Pachencho Romero. Maracaibo, 25 de noviembre de 2007.

In: Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2077-

intervencion-del-comandante-presidene-hugo-chavez-en-la-concentracion-y-apoyo-a-la-

reforma-constitucional-estadio-pachencho-romero-maracaibo (Idem).

_____. Discurso del Comandante Presidente Hugo Chávez en el cierre de campaña en apoyo al

Sí-Sí de la Reforma Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 30 de noviembre de 2007. In:

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2053-

discurso-del-comandante-presidente-hugo-chavez-en-el-cierre-de-campana-en-apoyo-al-si-si-

de-la-reforma-constitucional (Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez (cadena nacional). Salón

Ayacucho, Palacio de Miraflores. Caracas, 3 de diciembre de 2007. In: Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2151-intervencion-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-cadena-nacional (Idem).

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265

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo de la

conmemoración del 177º aniversario del fallecimiento del Libertador y Padre de la Patria

Simón Bolívar. Panteón Nacional. Caracas, 17 de diciembre de 2007. In: Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://www.todochavez.gob.ve/todochavez/2147-intervencion-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-durante-acto-con-motivo-de-la-conmemoracion-del-177-

aniversario-del-fallecimiento-del-libertador-y-padre-de-la-patria-simon-bolivar (Idem).

CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante primera

reunión del Consejo de Ministros del año 2008. Salón del Consejo de Ministros, Palacio de

Miraflores. Caracas, 8 de enero de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1564-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-durante-primera-reunion-del-consejo-de-ministros-del-ano-2008 (acesso em 7 de abril

de 2016).

______. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 11 de enero de

2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1573-

presentacion-de-memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-

presidente-hugo-chavez (Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de instalación del

Congreso Fundacional del Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). Cuartel San Carlos.

Municipio Libertador, 12 de enero de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1575-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-durante-acto-de-instalacion-del-congreso-fundacional-del-partido-socialista-unido-de-

venezuela-psuv (Idem).

______. Palabras del Comandante Presidente Hugo Chávez, tras conocerse el primer boletín

del CNE de las Elecciones regionales 2008. Hotel Alba. Caracas, 24 de noviembre de 2008. In:

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2661-palabras-

del-comandante-presidente-hugo-chavez-tras-conocerse-el-primer-boletin-del-cne-de-las-

elecciones-regionales-2008 (Idem).

______. Celebración del 10° Aniversario de la Revolución Bolivariana. Avenida Urdaneta.

Caracas 6 de diciembre de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/2732-celebracion-del-10-aniversario-de-la-revolucion-

bolivariana (Idem).

______. Juramentación del Comando Nacional de Campaña Simón Bolívar. Teatro Municipal

de Caracas. Caracas, 10 de diciembre de 2008. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/2742-juramentacion-del-comando-nacional-de-campana-

simon-bolivar (Idem).

______. Juramentación del Frente de Jóvenes y Estudiantes por la Enmienda Constitucional.

Poliedro de Caracas. Caracas, 12 de diciembre de 2008. In: Discursos y Alocuciones.

Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/2749-juramentacion-del-frente-de-jovenes-

y-estudiantes-por-la-enmienda-constitucional (Idem).

CHÁVEZ, Hugo. Presentación de memoria y cuenta ante la Asamblea Nacional por parte del

Comandante Presidente Hugo Chávez. Palacio Federal Legislativo. Caracas, 13 de enero de

2009. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/889-

presentacion-de-memoria-y-cuenta-ante-la-asamblea-nacional-por-parte-del-comandante-

presidente-hugo-chavez (acesso em 8 de abril de 2016).

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266

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, Acto del Frente Nacional de

Mujeres por el Sí a la Enmienda Constitucional. Paseo Campo de Carabobo. Municipio

Libertador, estado de Carabobo, 17 de enero de 2009. In: Discursos y Alocuciones. Disponível

em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/892-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-acto-del-frente-nacional-de-mujeres-por-el-si-a-la-enmienda-constitucional (Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez, en Juramentación de Frente de

Misiones Sociales por el Sí. Cambimas. Estado Zulia, 20 de enero de 2009. In: Discursos y

Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/894-intervencion-del-

comandante-presidente-hugo-chavez-en-juramentacion-de-frente-de-misiones-sociales-por-el-si

(Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante concentración en

apoyo al SÍ a la Enmienda Constitucional. Avenida Bolívar. Caracas, 12 de febrero de 2009. In:

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/1019-

intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-concentracion-en-apoyo-al-si-a-

la-enmienda-constitucional (Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez tras conocerse los resultados

del referendo aprobatorio de enmienda constitucional. Balcón del Pueblo, Palacio de

Miraflores. Caracas, 15 de febrero de 2009. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1023-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-tras-conocerse-los-resultados-del-referendo-aprobatorio-de-enmienda-constitucional

(Idem).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante desfile cívico militar en

conmemoración del 150º aniversario de la Revolución Federal. Avenida Ramón Antonio

Medina. Coro, estado Falcón, 20 febrero de 2009. In: Discursos y Alocuciones. Disponível em:

http://todochavez.gob.ve/todochavez/1026-intervencion-del-comandante-presidente-hugo-

chavez-durante-desfile-civico-militar-en-conmemoracion-del-150-aniversario-de-la-revolucion-

federal (Idem).

CHÁVEZ, Hugo. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto de

conmemoración del 52o aniversario del 23 de enero de 1958. Caracas, 23 de enero de 2010. In:

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/443-

intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-acto-de-conmemoracion-del-52-

aniversario-del-23-de-enero-de-1958 (acesso em: 8 de maio de 2016).

______. Intervención del Comandante Presidente Hugo Chávez durante acto con motivo del XI

aniversario del inicio del Gobierno Revolucionario y juramentación del vicepresidente

ejecutivo de la República Elías Jaua. Teatro Teresa Carreño, Caracas, 2 de febrero de 2010. In:

Discursos y Alocuciones. Disponível em: http://todochavez.gob.ve/todochavez/482-

intervencion-del-comandante-presidente-hugo-chavez-durante-acto-con-motivo-del-xi-

aniversario-del-inicio-del-gobierno-revolucionario-y-juramentacion-del-vicepresidente-

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(CNE). República Bolivariana de Venezuela. Disponível em:

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junho de 2016).

______. Referendo aprobatório de la Emmienda Constitucional de 15 de febrero de 2009. In:

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de Vasconcelos & CIPRIANO, Rodrigo Carneiro (Orgs). Constituições da América Latina e

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______. Informe preliminar sobre las causas de la muerte de “El Libertador Simón Bolívar”.

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______. Informe sobre la reconstrucción facial 3D de El Libertador Simón Bolívar. República

Bolivariana de Venezuela. Caracas, julio de 2012.

______. Ley Orgánica de Hidrocarburos. In: Ministerio del Poder Popular de Petróleo y

Minería. República Bolivariana de Venezuela. Caracas. Decreto No 1.510. Gaceta Oficial, No

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______. Richard Nixon en Caracas, 1958. Disponível em:

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275

VILA-NOVA, Carolina. 70,5% dos venezuelanos aprovam Chávez. Folha de S. Paulo. São

Paulo, 3 de maio de 2005, p.13, No 27.788.

VINCENZO, Teresa de. Soy visto como la verdadera oposición. El Universal. Caracas, 11 de

marzo de 1992, p.1. Depositado en: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de

Venezuela. Caracas – República Bolivariana de Venezuela.

YERGIN, Daniel. O petróleo: uma história mundial de conquistas, poder e dinheiro. Tradução:

Maria Cristina Guimarães & Maria Christina L. de Góes. São Paulo: Paz & Terra, 2010.

WEBB, Robert. Simon Bolívar: the Liberator. New York: Franklin Watts, 1966.

WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. Coleção Grandes Cientistas sociais.

3a Edição. São Paulo: Editora Ática, 1986.

WEIL, Joseph. ¿Cuál es la estrategia revolucionaria en Venezuela? Una discusión con la

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http://acervo.folha.uol.com.br/

http://www.bibliotecayacucho.gob.ve/

http://www.correodelorinoco.gob.ve/

http://www.eltiempo.com/

http://www.agn.gob.ve/ (Archivo General de la Nación)

http://www.anhvenezuela.org.ve/ (Academia Nacional de la Historia)

http://www.opec.org/opec_web/en/ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)

www.cne.gob.ve (Consejo Nacional Electoral)

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ANEXO

TABELAS

Tabela 1

Preço do Barril de Petróleo no mercado internacional (1998-2013).

Ano Preço (US$)

1998 10,00

1999 17,48

2000 27,60

2001 23,12

2002 24,36

2003 28,10

2004 36,05

2005 50,64

2006 61,08

2007 69,08

2008 94,45

2009 61,06

2010 77,45

2011 107,48

2012 109,45

2013 105,87

Fonte: Organization of the Petroleum Exporting Countries (OPEC)

Tabela 2

Resultados de Eleições Presidenciais (1998/2000/2006/2012)

1998

Hugo Chávez 56,20%

Salas Römer 39,97%

Outros 3,83%

2000

Hugo Chávez 59,76%

Árias Cárdenas 37,52%

Outros 2,72%

2006

Hugo Chávez 62,84%

Manuel Rosales 36,9%

Outros 2,72%

2012

Hugo Chávez 55,07%

H. Capriles 44,31%

Outros 0,62%

Fonte: Consejo Nacional Electoral (CNE).

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FOTOS

IMAGEM 1

Mapa da Capitania Geral da Venezuela de 1805.

Descrição: Mapa desenhado na França, em 1805, pelo engenheiro e geógrafo F. De Pons,

agente do governo francês em Caracas. A expedição sob o território foi realizada entre os anos

1801 e 1804.

Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República

Bolivariana de Venezuela.

IMAGEM 2

Mapa atual da Venezuela

Descrição: Atualmente, a Venezuela possui dimensão territorial de 916,445 Km2, sendo o 32o

maior país do mundo. Faz fronteira Sul com Brasil, a Oeste com a Colômbia e a Leste com a

Guiana. Ao Norte é banhada pelo Mar do Caribe. Possui inúmeras ilhas e uma parte da floresta

amazônica está em seu território.

Fonte: Google Maps.

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IMAGEM 3

Simón Bolívar

Descrição: Pintura de perfil de Simón Bolívar, o Libertador da Venezuela

Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República

Bolivariana de Venezuela.

IMAGEM 4

La Muerte del Libertador

Descrição: Tela pintada por E. Yépez. Bolívar é retratado em seu leito de morte ao tomar os

últimos sacramentos. A presença simbólica de um sacerdote, um altar com santos e velas, a

espada, o uniforme militar e o cobertor com as cores da bandeira da Venezuela são marcantes.

Há uma mistura de religiosidade católica, dramaticidade (em razão do agonizante momento) e

os símbolos da pátria.

Fonte: Academia Nacional de la Historia. Buenos Aires, Argentina.

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279

IMAGEM 5

Tenente-coronel Hugo Chávez

Descrição: Panfleto distribuído nas ruas de Caracas e demais cidades venezuelanas pelo MBR-

200 em 1993. Nele, convoca-se a população a exigir a formação de uma Assembleia Nacional

Constituinte. Na capa está a foto do comandante daquele movimento, o tenente-coronel Hugo

Chávez que, em 1993, encontrava-se na prisão. A imagem colocada no panfleto remete-se ao

pronunciamento realizado em 4 de fevereiro de 1992, quando o militar se rendeu aparecendo ao

vivo na Televisão. Havia uma tentativa de fixar a imagem de Chávez como o rosto daquele

movimento.

Fonte: Hemeroteca Nacional de la Biblioteca Nacional de Venezuela. Caracas – República

Bolivariana de Venezuela.

IMAGEM 6

Chávez mostra o rosto de Simón Bolívar

Descrição: Durante a era Chávez, o presidente discursando com um retrato e/ou um busto de

Bolívar ao fundo era uma imagem constantemente vista. Em 24 de julho de 2012, no Salão

Ayacucho, Chávez apresentou em rede nacional o que supostamente havia sido o retrato

‘verdadeiro’ do rosto de Simón Bolívar. Realizado com base no crânio do Libertador (exumado

em julho 2010) e com o uso da tecnologia 3D, este foi o resultado. Nesta ocasião, o governo da

Venezuela realizou um longo e pomposo evento para mostrar oficialmente o retrato do herói da

Independência.

Fonte: Prensa Presidencial

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IMAGEM 7

Chávez ‘entrega’ a espada a Simón Bolívar e ambos são ‘amparados’ por Jesus Cristo

no ‘céu’

Descrição: Esta imagem demonstra uma representação construída durante a Revolução

Bolivariana no senso comum de alguns venezuelanos. O elemento religioso do processo é

evidenciado na mistura de personalismo, culto a Bolívar e o cristianismo. Com base neste

raciocínio, Jesus Cristo, Simón Bolívar e Hugo Chávez são representados como 3 defensores do

socialismo, cada um em seu momento histórico.

Fonte: Antonio Marín Segovia.

IMAGEM 8

Panteão Nacional da República Bolivariana da Venezuela

Descrição: O Panteão Nacional foi construído em 1870 onde se localizava a Igreja da

Santíssima Trindade, na época precisando de reformas. O governo de Guzmán Blanco adquiriu

o espaço e o reformou com o propósito de depositar os ossos de Simón Bolívar. Porém, no

Panteão também se encontram outros ‘heróis’ da Venezuela. É preciso autorização judicial para

abrir qualquer um dos túmulos e há uma legislação específica que estipula critérios e o tempo

para transladá-los. No caso do Libertador, é uma tradição em todo o 17 de dezembro, quando se

recorda sua morte, o presidente da República pôr flores em seu túmulo.

Fonte: Arquivo pessoal do autor.

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IMAGEM 9

Entrevista com o historiador venezuelano Germán Carrera Damas

Descrição: Germán Carrera Damas é um dos historiadores venezuelanos que estudaram o culto

a Bolívar e seu impacto na sociedade venezuelana. Sustenta posições críticas no tocante ao uso

do culto ao Libertador como uma forma de alcançar e se perpetuar no poder. Carrera Damas

concedeu entrevista ao autor desta tese na manhã de 15 de abril de 2015, em sua casa em

Caracas.

Fonte: Arquivo pessoal do autor. Créditos da foto: Mirla Alcibíades.

Autorizo a reprodução deste trabalho

Dourados – MS___ de dezembro de 2017

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Anatólio Medeiros Arce