4 a força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas...

28
78 4 A força do trabalho feminino em domicílio: características da produção de lingerie de Nova Friburgo O trabalho em domicílio foi, por muito tempo, considerado um tipo de relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção. O modelo de produção e regulação da sociedade até meados do século XX apoiava-se na ideia de que em sociedades democráticas o crescimento econômico estaria diretamente relacionado à ampliação dos direitos trabalhistas e sociais, através de relações formais de trabalho. No entanto, a dinâmica socioeconômica que surge no mundo ocidental, após a crise estrutural da década de 1970, fez esse paradigma não ser único. O avanço tecnológico, junto com a constante necessidade de ampliar a produtividade do trabalho, gerou redução no número de empregos e fez expandir outras formas de ocupação, baseadas na informalidade. Sendo assim, empregos em tempo parcial, terceirização, trabalho em domicílio e contratos de trabalho cada vez mais instáveis deixam de ser relações consideradas arcaicas e inadequadas para se tornarem o centro das novas estratégias de gestão da força de trabalho. As atividades produtivas realizadas em domicílio são formas de organização do trabalho, que promovem um rompimento na organização do espaço e do tempo do trabalho conhecidos até então. Vimos que a produção de moda íntima de Nova Friburgo é, desde a década de 1980, formada majoritariamente por trabalhadoras que realizam seu trabalho em domicílio, sendo a produção na região composta por uma gama bastante heterogênea de situações, como veremos a seguir. Sabemos, também, que o trabalho em domicílio nunca deixou de existir, principalmente nos países periféricos e em setores tradicionais, como o têxtil, por exemplo, sendo marcado por condições precárias, produção de artigos de baixo valor e qualidade, além de mão-de-obra predominantemente feminina. O que ocorreu com a mudança nos padrões produtivos foi que esse tipo de relação se expandiu, ganhando novas características e maior relevância. E essa situação não foi diferente em Nova Friburgo.

Upload: others

Post on 07-Nov-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

78

4 A força do trabalho feminino em domicílio: características da produção de lingerie de Nova Friburgo

O trabalho em domicílio foi, por muito tempo, considerado um tipo de

relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e

estaria, nesse sentido, fadado à extinção. O modelo de produção e regulação da

sociedade até meados do século XX apoiava-se na ideia de que em sociedades

democráticas o crescimento econômico estaria diretamente relacionado à

ampliação dos direitos trabalhistas e sociais, através de relações formais de

trabalho. No entanto, a dinâmica socioeconômica que surge no mundo ocidental,

após a crise estrutural da década de 1970, fez esse paradigma não ser único. O

avanço tecnológico, junto com a constante necessidade de ampliar a produtividade

do trabalho, gerou redução no número de empregos e fez expandir outras formas

de ocupação, baseadas na informalidade. Sendo assim, empregos em tempo

parcial, terceirização, trabalho em domicílio e contratos de trabalho cada vez mais

instáveis deixam de ser relações consideradas arcaicas e inadequadas para se

tornarem o centro das novas estratégias de gestão da força de trabalho.

As atividades produtivas realizadas em domicílio são formas de

organização do trabalho, que promovem um rompimento na organização do

espaço e do tempo do trabalho conhecidos até então. Vimos que a produção de

moda íntima de Nova Friburgo é, desde a década de 1980, formada

majoritariamente por trabalhadoras que realizam seu trabalho em domicílio, sendo

a produção na região composta por uma gama bastante heterogênea de situações,

como veremos a seguir. Sabemos, também, que o trabalho em domicílio nunca

deixou de existir, principalmente nos países periféricos e em setores tradicionais,

como o têxtil, por exemplo, sendo marcado por condições precárias, produção de

artigos de baixo valor e qualidade, além de mão-de-obra predominantemente

feminina. O que ocorreu com a mudança nos padrões produtivos foi que esse tipo

de relação se expandiu, ganhando novas características e maior relevância. E essa

situação não foi diferente em Nova Friburgo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 2: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

79

A mão-de-obra no setor de confecção de artigo do vestuário (moda íntima)

de Nova Friburgo é predominantemente feminina, acompanhando a tendência

mundial. A Tabela 9 apresenta a porcentagem de trabalhadores formais desse

setor por gênero, podendo-se identificar que o número da participação feminina

aumentou de 1985 a 2010, chegando em 2010 a 75% do total de trabalhadores do

setor, enquanto pessoas de sexo masculino correspondiam a apenas 24%. Os

dados da Tabela 8 abrangem os trabalhadores formais; no entanto, estima-se que

haja um grande número de trabalhadores informais no setor, e nesse sentido o

trabalho realizado em domicílio e por mulheres favorece ainda mais a estrutura da

acumulação flexível, ficando o universo feminino cada vez mais explorado pela

lógica da divisão sexual do trabalho.

Tabela 8 - Percentual do total de empregados formais por gênero no

setor de confecção de artigo do vestuário e acessório em Nova Friburgo 1985-

2010.

1985 1990 1995 2000 2005 2010

Masculino 46 39 35 30 30 24

Feminino 54 61 65 70 70 75

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS

Apesar de o trabalho no setor têxtil sempre ter tido a participação

feminina, esta tem se expandido cada vez mais. O trabalho feminino tem

aumentado, e muito, no mundo capitalista como um todo. No entanto, a mulher é

muitas vezes absorvida pelo capital para realizar trabalhos de tempo parcial,

precarizados e desregulamentados.

Stecher et all (2005, p.74) apresenta as diferenças na organização da

identidade relacionada ao trabalho na “modernidade organizada” (que seria a

sociedade industrial baseada no taylorismo/fordismo) e na “modernidade tardia”

(que seria marcado pela atual flexibilização da produção e das relações de

trabalho). No contexto da sociedade de “modernidade organizada” (sociedade

industrial) formou-se o que os autores chamam de “trabalho normal”, que

funcionava sobre as bases de um modelo de família de “pai provedor e mãe

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 3: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

80

cuidadora” (p.80), que resultava numa rígida divisão social e sexual do trabalho.

Era (e em parte ainda é) a sociedade do homem do trabalho remunerado e da

mulher do trabalho não-remunerado. As mulheres eram as responsáveis pela

reprodução dos homens para o mercado de trabalho. Nesse sentido, o valor do

trabalho como fonte de sentido e construção de identidade estava apenas

relacionado ao universo masculino, pois o referencial sociocultural da identidade

feminina estava praticamente restrita ao espaço privado (do domicílio, na relação

com a família). Percebe-se então, como afirma Hirata (2002), que a divisão sexual

do trabalho tem relação direta com as relações sociais entre homens e mulheres;

relações essas que são desiguais, hierarquizadas, assimétricas e antagônicas. São

relações de opressão e exploração entre duas categorias de sexo socialmente

construídas.

Vimos, contudo, que, com as mudanças na organização da produção e do

trabalho da sociedade “moderna organizada” para a sociedade “moderna tardia”,

ocorreu uma diminuição nessas relações de trabalho “normais”, e em

contrapartida, uma ampliação de outras formas de relações de trabalho. É

necessário destacar que não tem ocorrido o desaparecimento do trabalho

assalariado, mas sim, uma precarização das relações e condições de trabalho.

Stecher et alli (2005), por exemplo, afirmam que surgem novas relações de

trabalho que resultam em outros tipos de identificação (identidades) com o

emprego. É verdade que as garantias do trabalho têm se fragilizado, havendo uma

perda de consciência, mas não de importância do trabalho como elemento

estruturante de identidade social.

De qualquer forma, a maior participação feminina tem resultado na

construção de identidades pessoais e coletivas das mulheres ligadas ao trabalho

produtivo. A entrada mais intensa das mulheres no mercado de trabalho tem

contribuído para colocar em questão certas representações de gênero nos espaços

e territórios sociais, das funções entre homens e mulheres.

Como afirma Bermúdez (2005), as mulheres que ingressam no mundo do

trabalho têm uma forte carga simbólica de ligação com uma ideia de autonomia e

de respeito social. O trabalho extradoméstico dá essa impressão de autonomia e

liberdade, pois mexe com o subjetivo feminino. No entanto, segundo a autora,

setores tradicionais, como o de confecções, por exemplo, sempre estiveram forte

ligação com o trabalho feminino em domicílio. No caso da produção de moda

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 4: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

81

íntima de Nova Friburgo que até 1980 predominava a produção realizada em

grandes indústrias, as mulheres tiveram esse momento de parcial saída do

domicílio, ampliando seus espaços de reprodução da vida para as fábricas.

Contudo, com a crise estrutural do capital no final da década de 1970 e início de

1980 e as reestruturações no mundo do trabalho (que no Brasil o setor de

confecções sentiu mais intensamente na década de 1990), elas tiveram que se

readaptar às novas situações que as recolocaram ou mantiveram no domicilio, mas

agora realizando um trabalho produtivo, visto que esse tipo de relação de trabalho

se apresenta como uma “nova” estratégia de reprodução do capital nesse contexto

de maior flexibilidade.

Há uma associação entre a maior utilização de mulheres no setor de

confecções em domicílio, devido a sua íntima relação com o trabalho doméstico,

sendo uma tradição cultural-social de divisão sexual do trabalho. No entanto,

apesar das estatísticas, verificamos uma situação bastante interessante em campo;

foi relatado por diversos entrevistados que recentemente tem aumentado o número

de homens no setor, pois, além da procura dos próprios trabalhadores homens,

alguns empresários vêm demonstrando o interesse de contratar pessoas do sexo

masculino. O Diretor Geral do Sindicato Patronal (SINDVEST) afirmou que os

argumentos mais utilizados pelos empregadores é que: “homens não engravidam,

não precisam cuidar de crianças e não têm licença maternidade, diminuindo a

rotatividade de funcionários”. Segundo funcionária da prefeitura, que atua na

gestão do “Centro de Formação Profissional e Transferência de Tecnologia para a

Indústria do Vestuário de Nova Friburgo”, onde são oferecidos cursos de

capacitação para a população, tem aumentado a presença masculina na área de

confecções. A entrevistada nos passou o dado aproximado do primeiro ano em

que os cursos foram oferecidos (2005), quando só cinco por cento da procura foi

masculina. Já atualmente, os homens representam aproximadamente 30 por cento

dos matriculados (2008-2011). Existem cursos onde há a predominância de

homens, como os de corte, por exemplo, mas a procura também tem aumentado

na costura, processo dominado por mulheres.

Durante o trabalho de campo, tivemos o privilégio de visitar o “Centro de

Formação Profissional” e registrar uma aula de predominância masculina (Foto 4).

O relato sobre o aumento da participação masculina foi bastante destacado em

diversas entrevistas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 5: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

82

Foto 4– Aula de Corte no Centro de Formação Profissional e

transferência de tecnologia para a indústria do vestuário de Nova Friburgo

Fonte: Prissilla Mello de Oliveira - Janeiro de 2009

Em contrapartida, esse aumento de trabalhadores do sexo masculino no

setor é ainda irrisório, visto que a “preferência” e disponibilidade para esse tipo de

trabalho ainda é de predominância feminina. Contudo, como a crise no trabalho

formal afetou a sociedade como um todo, homens com pouca ou nenhuma

instrução também passam a buscar este tipo de relação de trabalho, muitas vezes

sem nenhuma segurança trabalhista, como alternativa de sobrevivência. Apesar de

as mulheres serem mais “atraídas” para esses tipos de trabalho, que é de baixa

remuneração e com uma segurança negligenciável, o desemprego estrutural e a

necessidade de sobrevivência fazem com que homens também se submetam à

relações de trabalho que, historicamente, eram destinados a mulheres, devido as

diferenças na relação machista de divisão de trabalho.

Nesse sentido, muitas das costureiras entrevistadas também relataram que

tem ensinado seus companheiros e filhos desempregados a costurarem para

ajudarem na renda familiar. Tais relatos sempre soavam como uma auto

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 6: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

valorização (uma reviravolta, mesmo que limitada nas relações machistas da

sociedade), como podemos registrar:

1° - agora, a renda extra vem do meu marido, porque quem mantém a casa sou eu; 2° - ele não tem trabalho, então tem que fazer o que eu sempre fiz. E sou eu quem ensina; 3° - depois das enchentes, ele perdeu o emprego. Não quero que ele fique em casa à toa, agora ele está vendo o quanto eu trabalho. 4° - meu marido tem vergonha, não quer que saibam que ele costura, mas é esse trabalho que coloca comida na mesa. Disse a ele: ou ajuda ou vai embora. (Relatos registrados em trabalho de campo, 2011)

No entanto, a crescente entrada da mulher no mundo do trabalho, as

mudanças nas ideias de feminino e masculino, as mudanças na organização da

família, a maior abertura de mentalidade acerca do trabalho feminino esbarram

com a resistência do modelo tradicional de família e de divisão sexual do trabalho

social. Mesmo entrando no mercado de trabalho ou realizando um trabalho

produtivo ao lado do marido em domicílio, as mulheres têm que enfrentar um

conjunto de normas masculinas que dificultam a real equidade entre homens e

mulheres. Quase todas as trabalhadoras entrevistadas- inclusive as que têm

companheiros trabalhando em domicílio- ressaltaram que possuem jornada de

trabalho mais intensa do que os homens na residência, pois as chamadas “coisas

de casa” (os afazeres domésticos não ligados diretamente à produção) ainda ficam

normalmente restritas a elas.

Percebe-se que as mudanças nem sempre garantem uma real e igualitária

distribuição do tempo do trabalho social entre homens e mulheres. E esse tempo

do trabalho tem se ampliado de forma assustadora, ficando a mulher trabalhadora

não mais voltada a uma dupla jornada de trabalho (trabalho produtivo e

reprodutivo). Com a intensificação do trabalho e as atuais condições precárias na

produção de moda íntima de Nova Friburgo, não foram limitados os relatos de

jornadas triplas de trabalho feminino: o trabalho formal ou informal em confecção

(pequena ou média, externa a residência da trabalhadora), o trabalho em sistema

de facção após o expediente em próprio domicílio (ou não) e os “afazeres

domésticos”.

Para compreendermos como ocorre essa tripla jornada de trabalho, é

fundamental entender como se organiza a produção local. Existe na produção de

moda íntima de Nova Friburgo dois tipos básicos de empresas: as informais e as

formais (legalizadas), que são bastante heterogêneas, tanto uma em relação a outra

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 7: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

84

como dentro do próprio grupo, pois possuem características diferentes quanto à

quantidade de funcionários (se subdividindo entre micro, pequenas, médias e uma

grande, no caso das formais), grau de inovação tecnológica, participação no

mercado, qualidade e valor da produção etc.. Mattos (2005) identifica na produção

de moda íntima de Nova Friburgo cinco tipos de redes, sendo quatro tipos de

empresas formais e uma de informais:

1) - micro e pequenas empresas, provavelmente restritas à configuração do arranjo; 2)- empresas médias que se destacam pela maior possibilidade de participação nos mercados nacionais e internacionais; 3)- a grande empresa que parece estabelecer dois níveis de conectividade: 3.1)- com as fábricas terceirizadas em outros municípios e 3.2)- com os fluxos para a produção de sua própria fábrica local. 4) E as redes de fluxo das empresas informais. (MATTOS, 2005, p. 16)

Com relação ao trabalho em domicílio, a partir dos trabalhos de campo foi

possível identificar dois6 tipos diferentes de organização na região: de um lado,

estão as micro e pequenas empresas (confecções), que possuem marca própria e

que têm certa autonomia na produção (que no caso de Nova Friburgo tem

diminuído segundo as pesquisas e os entrevistados), e de outro, os micro

produtores que prestam serviços para médias e até pequenas empresas, sendo

apenas montadoras. Nesse segundo caso, as relações de trabalho são ainda mais

precárias. Este segundo tipo de “empresa” é denominado na região como:

“facção”. De acordo com os entrevistados, no município de Nova Friburgo as

facções são, em sua maioria, formadas por empresas informais e de pequeno

porte, visto que no município não existe uma de grande porte terceirizada. Mattos

(2005), em sua pesquisa sobre Polo de Moda Íntima da Região, constatou que o

município de Nova Friburgo não é o espaço local apropriado pela Triumph S/A -

ou nenhuma outra grande empresa - para terceirizar a sua produção, ficando essas

relações de terceirização mais distribuídas entre três municípios próximos:

Cordeiro, Cachoeira de Macacu e Santa Maria Madalena. No entanto, a

terceirização e as relações de subcontratação, que existiam de maneira menos

intensa no município, têm se ampliado com o aumento da competitividade entre

os pequenos produtores. 6 Ressaltando que dentro desses dois tipos existem muitas subdivisões, sendo bastante

heterogênea a composição de produtores, variando desde o número de funcionários e a capacidade técnica de cada produtor.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 8: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

85

Cabe ressaltar que mesmo as empresas ditas formais não garantem a

legalização de suas relações de trabalho. Segundo diversos entrevistados ligados

ao ramo, existe informalidade dentro da formalidade, posto que algumas empresas

formais não registram a totalidade de seus funcionários. Alem disso, a utilização

de facções tem se expandido na produção local. Tanto trabalhadoras do setor,

como alguns pequenos empresários e órgãos envolvidos com a produção (como

SEBRAE e Sindicado dos trabalhadores) relataram que muitos pequenos e médios

produtores -que em alguma medida eram formalizados- têm dispensado mão de

obra de suas confecções e recorrido a facções.

Segundo a diretora do Sindicado dos Trabalhadores do setor, “Os

empresários estão tirando as funcionárias das empresas e vendendo a ilusão

delas abrirem seu próprio negócio através do MEI”7 (Micro Empreendedor

Individual, projeto para pequenos produtores em domicílio incentivado pelo

governo, que para a entrevistada tem aumentado a exploração dos trabalhadores,

que formam “novas microfacções em formato de MEI”8 e passam a não ter

horário de trabalho, nem orientação etc). Foram diversos os relatos que

demonstraram a estratégia dos pequenos empresários que têm dispensado as

costureiras e feito acordos para elas continuarem produzindo em casa, contratando

seus serviços em domicílio (precarizando ainda mais o que já era precário). O

empresário, então, fecha a sua empresa e também abre um MEI, onde fica apenas

uma funcionária revisando as peças vindas dessas “novas microfacções”. Esses

empresários passam a lucrar mais dessa forma, pois perdem as responsabilidades

de manter uma pequena empresa, principalmente em relação aos direitos e

7 A criação da figura do Microempreendedor Individual – MEI foi estabelecida pelo Projeto de Lei Complementar (PLC) 128/2008. MEI é o empresário individual, sem sócios, optante pelo Simples Nacional e com receita bruta anual de até R$ 36.000,00. É basicamente, do ponto de vista previdenciário, um segurado obrigatório como contribuinte individual e não pode participar de outra empresa como titular, sócio ou administrador Os MEI – Microempreendedores Individuais são unidades produtivas autônomas, trabalhando individualmente, ou com auxílio de até um funcionário ganhando um salário mínimo, ou um salário piso de categoria, e atuando economicamente geralmente de forma virtual. (http://mei.com.br/o_que_eh.php, acessado em 20/01/12)

8 É importante ressaltar que, apesar de os entrevistados chamarem essa nova organização de “novas facções de MEI”, há um problema em incluir o termo MEI em sua denominação, visto que este é um projeto do governo para regularizar e formalizar o trabalho em domicílio. Mas é verdade também que a população se adapta às diversas situações e, com base no ideal do MEI, surgem novos micronegócios formais e, principalmente, informais em domicílio. Por isso, chamaremos essas novas organizações de “novas microfacções”, excluindo o termo MEI.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 9: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

86

responsabilidades sobre os trabalhadores, e as funcionárias dispensadas passam a

concorrer entre si para tentar sobreviver.

Esse incentivo tem resultado no aumento de novas microfacções

irregulares. Nesse caso, o que diferencia as tradicionais facções já existentes na

região dessas “novas microfacções” é que, no primeiro caso, há, mesmo que de

forma decadente, uma relação direta entre o dono da facção (patrão) e

funcionários, pois na maior parte das vezes essas organizações produtivas

funcionam como “confecções” clandestinas que, geralmente, funcionam no

interior da residência do patrão, prestando serviço como montadoras para outras

pequenas ou médias confecções. Já nas “novas microfacções”, as costureiras

produzem de forma isolada em seu próprio domicílio, mas esse processo não

resulta em real autonomia para tais trabalhadoras, que, na verdade, se tornam

meras subcontratadas de outra microempresa em formato de MEI (intermediária –

antiga facção ou confecção), que também é subcontratada de uma terceira mais

estruturada no mercado. Essas mulheres são o elo mais fraco e de menor

segurança dessa cadeia produtiva.

Apesar dessas relações de subcontratação sempre terem existido na região,

elas têm se expandindo de forma assustadora desde aproximadamente 2007-2008,

segundo a maioria dos entrevistados. Com o objetivo de redução de custos, o

aumento da utilização de facções tem imposto aos trabalhadores relações ainda

mais instáveis de emprego, redução de benefícios e salariais, condições precárias

de trabalho e, consequentemente, aumento de acidentes e doenças resultantes do

tipo de trabalho. E até aqueles que ainda trabalham formalmente em confecções

passam a também ter seu trabalho mais intensificado para tentar assegurar

condições de competitividade da empresa. Além disso, muitas também trabalham

em facções informais após o expediente formal para ampliar a renda.

Essas relações informais de trabalho estão cada vez mais presentes no

atual regime de acumulação e regulação capitalista. E nesse contexto,

trabalhadoras que realizam seu trabalho em domicílio ficam ainda mais

suscetíveis a esse tipo de relação, visto que formalizar relações de trabalho que

ocorrem no âmbito domiciliar é ainda mais complicado.

A luta contra a exploração capitalista na fábrica é bem diferente da luta contra um pai ou tio que organiza o trabalho familiar num esquema de exploração altamente

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 10: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

87

disciplinado e competitivo que atende às encomendas do capital multinacional (HARVEY, 2007, p.146)

No domicílio, por exemplo, o tempo de jornada do trabalho se confunde

com o tempo livre. Há também uma transferência de responsabilidade de

melhorias das condições de trabalho para o trabalhador e o grupo, o que dificulta a

formação de uma classe na luta por melhores condições.

Segundo funcionários do SINDVEST, o surgimento de novas empresas é

constante, contudo, a permanência delas no mercado não é garantida, pois a cada

cinco empresas que abrem, aproximadamente quatro fecham em até cinco anos,

por não conseguirem acompanhar a tendência do mercado e não investir em

tecnologias de ponta. Segundo um produtor de moda íntima, cuja família já está

no ramo desde a década de 1980, atualmente há um certo limitador para o

desenvolvimento e consolidação de pequenas empresas de produção própria,

diferente do que aconteceu no final da década de 1970 e início de 1980. Segundo

ele, a necessidade de se investir em constantes tecnologias, inovações, marketing

etc., dificulta a fixação do pequeno produtor no mercado, fazendo com que surjam

mais empresas voltadas para o sistema de “facções” do que empresas com marcas

próprias.

Segundo a diretora do STIVNF e a gestora do projeto do APL no

SEBRAE, a competição está cada vez mais acirrada e os empresários que não

conseguem alcançar seus objetivos acabam criando problemas interpessoais com

os empregados. Por conta disso, e de outros motivos, têm ocorrido inúmeras

agressões verbais e até físicas entre funcionários e patrões, processo que tem se

intensificado nos últimos três anos. A pressão por produtos de qualidade, por

produtividade e a concorrência intensificam essas tensões. Os amadores (aqueles

que iniciaram nos últimos cinco anos) se sentem sufocados e os mais prejudicados

são os trabalhadores. Segundo dados fornecidos pela diretora do STIVNF de

janeiro até julho de 2011, foram registrados mais de 700 denúncias no sindicato,

que envolviam salário não registrado, carteira não assinada e agressão. A

entrevistada afirmou que quando assumiu o sindicato, em 1997, só existiam 3

processos, e que para os anos seguintes já chegavam a aproximadamente 50, e que

a média entre 2000 e 2008 eram de 100 a 200 por ano, sendo um crescimento

progressivo e tendo um salto no ano de 2011, que mesmo em sua metade já

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 11: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

88

ultrapassava a quantidade de denúncias de anos anteriores. No entanto, muitos

processos não chegam a ser oficializados, pois são resolvidos em acordos entre

funcionários e patrões (fato que podemos constatar, entrevistando as trabalhadoras

que estavam fazendo rescisão de contrato no próprio sindicato). A elevação da

quantidade de denúncias tem ocorrido, tanto devido ao aumento do conhecimento

dos trabalhadores, como, principalmente, pela intensificação e piora de condições

de trabalho que já eram historicamente precárias.

Através das entrevistas e dos relatos de campo, percebemos que os tipos de

configurações identificadas em Nova Friburgo, em alguma medida, se aproximam

das identificadas por Ruas (1993) em sua pesquisa sobre a indústria de calçados

do Rio Grande do Sul. As facções- tanto as “tradicionais” como as “novas micro”-

aproximam-se, e muito, das características do que o autor chama de “trabalho a

domicílio distribuído”, pois, como observamos ao longo da pesquisa de campo, as

facções estão intimamente relacionadas a relações de subcontratação a partir de

encomenda de outras empresas, sendo a produção realizada no domicílio do

contratado por membros da família, principalmente mulheres. As facções

geralmente recebem as partes da lingerie e funcionam como montadoras. As

tarefas são geralmente manuais, com processos técnicos mais simples, a mão-de-

obra é extremamente explorada e mal remunerada, visto que as relações de

subcontratação que ocorrem nesse tipo de trabalho são extremamente precárias,

instáveis e torna a contratada altamente dependente da contratante.

Já os outros tipos de organização do trabalho em domicílio estão mais

relacionados ao que Ruas denomina de “trabalho a domicílio em pequenos

empreendimentos familiares”, sendo bastante heterogêneo, variando muito de

empresa para empresa, devido às diferenças em capacidade técnica e número de

pessoas envolvidas na produção. Esse tipo de organização, apesar de também ser

instável, é menos precário do que aquele das facções, visto que a pequena ou

média empresa ganha forma de um empreendimento familiar autônomo, sendo ou

não legalizado. Diminui a subordinação e dependência de uma contratante, visto

que ela pode tanto prestar serviço como gerenciar sua própria produção. O fato de

ser uma empresa mais independente não exclui a informalidade de relações de

trabalho. E, além disso, essas empresas podem, em algumas situações, utilizarem-

se do trabalho realizado pelas facções ou subcontratarem funcionários por tempo

determinado, dependendo da demanda. No entanto, mesmo esses

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 12: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

89

“empreendimentos familiares” estão diminuindo no município e dando origem às

“novas microfacções”, que são aquelas desmembradas em micronegócios

informais ou formais que produzem, adotando as características do MEI, como

vimos anteriormente.

Nesse contexto de transformações, é fundamental compreender qual o

perfil de trabalhadoras que compõem e mantêm a produção de moda íntima de

Nova Friburgo. A seguir, apresentaremos algumas características da mão-de-obra

do setor, assim como relatos de como as próprias mulheres envolvidas na

confecção de moda íntima de Nova Friburgo têm sofrido e sentido essas

mudanças na organização e gestão do trabalho.

4.1.Perfil das mulheres produtoras de moda íntima em Nova Friburgo

Recorrendo a dados quantitativos, como os fornecidos pela RAIS (2010),

assim como informações cedidas pelo Sindicato dos Trabalhadores e,

principalmente, dados qualitativos obtidos através de entrevistas com algumas

trabalhadoras do setor, acreditamos ser possível interpretar o real vivido e

apresentar as características das trabalhadoras ligadas à produção de moda íntima

de Nova Friburgo.

Durante trabalho de campo, tivemos acesso a uma pesquisa amostral

realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Vestuário de Nova

Friburgo com 289 trabalhadoras formais de confecções legalizadas. De outubro de

2009 a maio de 2010, as trabalhadoras responderam a diversas perguntas sobre

seu trabalho no setor do vestuário. Segundo a funcionária do sindicato, todas as

perguntas foram respondidas por trabalhadores do sexo feminino, residentes em

Nova Friburgo e que trabalharam diretamente com a produção de moda íntima, o

que nos permite conhecer o perfil das trabalhadoras ligadas ao setor.

Com relação à faixa etária, 13% tinham entre 16 a 20 anos, 37% entre 21 a

30 anos, 27% entre 31 a 40 anos e 23% acima de 41 anos (Gráfico 2). No caso

dessas trabalhadoras formais, predominam mulheres com idade entre 21 a 40

anos. No entanto, como percebemos nas entrevistas, muitas que se aposentam e as

menores de idade não deixam de produzir, apenas não estão na formalidade.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 13: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

90

Gráfico 2 - Percentual da faixa etária das trabalhadoras formais das

confecções de moda íntima de Nova Friburgo (2009-2010).

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

Dentre as entrevistadas, 35% estão a mais de 10 anos no setor, 28% entre 3

a 10 anos, 24% entre 1 a 3 anos e 13% tem até 1 ano (Gráfico 3).

Gráfico 3-Percentual do tempo de trabalho no setor de confecção

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

13%

37%

27%

19%

4%0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

16 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a mais

de 60idade

%d

as

resp

ost

as

opções

13%

24%

28%

35%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

0 a 1 1 a 3 3 a 10 acima de 10

anos

% d

as

resp

ost

as

opções

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 14: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

91

A grande maioria (47%) pretende trabalhar no setor apenas até conseguir

algo melhor, 11%, o mínimo possível, e 6% até terminar os estudos; ou seja, 64%

dos entrevistados pretendem sair do setor; sendo apenas 36% aquelas que têm a

intenção de permanecer até a aposentadoria (Gráfico 4).

Gráfico 4- Percentual do tempo que as trabalhadoras pretendem

continuar no setor de vestuário.

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

Nesse sentido, confirmando o grau de insatisfação dessas mulheres que

trabalham no setor de vestuário de moda íntima de Nova Friburgo, 60%

afirmaram que só estão no setor por falta de opção, e apenas 40% estão porque

gostam (Gráfico 5).

36%

11%

6%

47%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Até me

aposentar

o mínimo

possível

até terminar os

estudos

até conseguir

um emprego

melhor

opções

% d

as

resp

ost

as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 15: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

92

Gráfico 5- Percentual da motivação para trabalharem no setor do

vestuário

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

Ao serem questionadas se havia alguma situação que as motivaria a saírem

do setor, 80% afirmaram que sim, e apenas 20% que não, o que demonstra o

descontentamento com as condições e/ou o tipo de trabalho. Dentre os principais

motivos destacados como estimulantes a saírem do setor estão: 51% baixo salário,

21% a forma de tratamento no ambiente de trabalho, 13% exigência excessiva de

produtividade e 10% preferiram não responder (Gráfico 6).

60%

40%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

por falta de opção por que gosto de trabalhar no

setor

opções

%d

as

resp

ost

as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 16: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

93

Gráfico 6– Percentual das razões que motivam as trabalhadoras a

saírem do setor do vestuário.

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

A falta de estímulo também fica aparente ao serem questionadas sobre se

elas incentivam ou não os filhos a trabalharem no setor de vestuário, quando 79%

afirmam que não e apenas 21% dizem que sim (Gráfico 7).

Gráfico 7- Percentual das trabalhadoras que incentivam ou não os

filhos a trabalharem no setor do vestiário

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

51%

21%

13%10%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

baixo salário forma de

tratamento

exigência excessiva

por produção

não respondeu

opções

79%

21%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

não sim

opções

% d

as

resp

ost

as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 17: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

94

Sobre o salário, 29% das mulheres entrevistadas afirmaram receberem o

piso9,enquanto 71% recebiam acima do piso (Gráfico 8). Contudo, 90% tinham

apenas o piso registrado em seus contracheques (Gráfico 9), ou seja, quase o

dobro do que elas recebiam estava na informalidade, demonstrando que, mesmo

em relações de trabalho ditas formais, há a informalidade disfarçada através do

salário por fora.

Gráfico 8- Percentual de quanto as trabalhadoras recebem

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

9 Na época da elaboração da pesquisa pelo STIVNF - Maio de 2009 a Outubro de 2010 - o

piso era de 473 reais; em julho de 2011- quando da realização do nosso trabalho de campo- estava

em 664 reais.

29%

71%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

piso acima do piso

% d

as

resp

ost

as

opções

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 18: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

95

Gráfico 9- Percentual de quanto está registrado na carteira de trabalho

Fonte: elaboração própria a partir de dados do STIVNF

Os dados apresentados, até então, reafirmam alguns dos problemas que

envolvem as atuais transformações do mundo do trabalho, também enfatizados em

depoimentos ao longo dos trabalhos de campo, como, por exemplo, a constante

pressão por aumento de produtividade, a falta de melhorias salariais e nas

condições de trabalho, os consequentes conflitos diretos com seus empregadores,

o alto grau de informalidade, ou seja, a intensificação da precarização dessas

relações de trabalho. Esse perfil elaborado a partir da pesquisa amostral, fornecido

pelo STIVNF, está relacionado a mulheres que trabalham formalmente em

confecções de pequeno e médio porte no município de Nova Friburgo. Se as

condições de trabalho que se apresentam para esta parcela é insatisfatória, as

condições daquelas que trabalham sem carteira assinada e que estão

completamente na informalidade devem ser ainda pior.

Com relação ao grau de instrução da mão-de-obra que trabalha no setor

têxtil do município de Nova Friburgo de 1985 a 2010, percebe-se um significativo

aumento de mais de 790% de trabalhadores com a 8º série (atual 9º ano - EF)

completo e de 985% com Ensino Médio completo. Já a porcentagem de

trabalhadores com até a 4a série diminuiu, ou seja, houve crescimento negativo ao

longo dos anos analisados (-57%), conforme nos mostra a tabela 9.

90%

10%0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

apenas o piso acima do piso

% d

as

resp

ost

as

opções

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 19: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

96

Tabela 9- Crescimento do número de empregados no setor têxtil de

Nova Friburgo por Grau de Instrução 1985-2010

Grau de Instrução 1

1985 1

1990 1995 2000 2005 2010 % 1985-2010

Analfabeto

35 6

4 57

37 28 63 80 4ª série

incompleta

592 6

90 521 282 323 557 -6

4ª série completa

1.856

2.306 2.362 1.451 1.090 807 -57

8ª série incompleta

878

1.798 1.528 1.946 2.575 3.551 304

8ª série completa

570

1.475 1.428 2.114 2.971 5.073 790

2º grau incompleto

162

309 392 523 855 1.986 1126

2º grau completo

327

403 1.240 705 1.454 3.547 985

Superior incompleto

31

68 73 83 102 182 487

Superior completo

61

86 101 88 152 170 179

Total

4.520

7.234 7.717 7.229 9.550 15.938 253

Fonte: Elaboração própria a partir de dados a RAIS

Percebe-se que, pelo menos estatisticamente, houve aumento do número

de anos de estudo dos trabalhadores do setor. Elemento também identificado na

fala das costureiras entrevistadas diretamente no trabalho de campo, as mais

jovens já tinham ou estavam concluindo o Ensino Médio e afirmavam que

pretendiam continuar trabalhando para ingressarem ou concluírem o Ensino

Superior, e muitas das que trabalhavam há mais anos no setor relataram,

orgulhosas, o fato de terem concluído os estudos (na maioria Ensino Médio)

através do EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Praticamente todas afirmaram que

para conseguirem trabalhar em “boas confecções” (aquelas empresas, segundo as

entrevistadas, formais e com padrão de maior qualidade) era necessário, além da

experiência, fazerem constantemente cursos de qualificação, o que, na maioria das

vezes, necessitava do Ensino Médio completo.

Para obter uma noção melhor da realidade e entender como as

trabalhadoras do setor têm sentido as recentes transformações nas formas de

organização da produção, entrevistamos diretamente algumas trabalhadoras do

setor de moda íntima de Nova Friburgo (20 mulheres que trabalham como

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 20: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

97

costureiras), o que nos permitiu registrar relatos daquelas que estão intimamente

ligadas a esse espaço diretamente vivido. Foi possível, também, gerar dados

primários de grande valor para a pesquisa. As entrevistas foram realizadas na sede

do Sindicato dos Trabalhadores, enquanto as mulheres aguardavam para realizar

as rescisões de seus contratos.

4.1.1. Dados primários gerados em campo

Das 20 profissionais entrevistadas, apenas uma (o que corresponde a 5%)

estava se aposentando, mas deixou clara a intenção de continuar trabalhando no

setor. Dentre as 19 restantes, 08 mulheres (o que corresponde a 40%) pediram

demissão, a maioria por desânimo com o local de trabalho ou problemas pessoais

com o patrão; e 11 (correspondente a 55%) foram demitidas por diversos motivos,

dentre eles: problemas com o patrão, doença ou porque a empresa fechou.

Dentre as mulheres dispensadas do trabalho, 07 (correspondente a 63%)

eram por fechamento da empresa. Dessas, 06 (cerca de 85%) afirmaram que os

patrões pretendiam utilizar facções e estavam demitindo todos os funcionários,

aos poucos.

A grande maioria destacou que, ao sair da empresa, já tinha emprego certo

em outra confecção. Das 20 entrevistadas, 11 já tinham iniciado ou iriam iniciar

imediatamente em outra confecção; 3 tinham a intenção de começar seu próprio

negócio em casa (uma delas inclusive fez acordo e recebeu a máquina de costura

em troca dos dez anos de carteira na empresa que fechou); 3 saíram do ramo de

vestuário; 2 estavam se mudando do município e apenas 1 tinha a intenção de

parar de trabalhar.

O mais interessante nesta pesquisa foram os relatos sobre o que as

motivavam a saírem das empresas, sejam aquelas que pediram demissão ou

aquelas que foram demitidas. Grande parte relatou ter problemas pessoais com

seus empregadores ou no ambiente de serviço. Afirmaram serem muito

pressionadas e às vezes maltratadas, principalmente quanto à necessidade de

produtividade. E também de não terem tempo de cuidar da própria saúde ou da

família. Houve relatos de mulheres que disseram ter problemas de saúde, como:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 21: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

98

dor nas costas, Lesões por Esforços Repetitivos (LER)10 e/ou “problemas de

nervos” (depressão ou estresse) e também problemas com maridos e filhos por

conta do trabalho. Com relação a problemas de saúde, Oliveira (1998) afirma que,

a partir da década de 1980, com a reestruturação produtiva e as novas exigências

de produtividade e competitividade, ritmo intenso, esforço físico etc. tem

aumentado os casos de LER, principalmente entre trabalhadoras do sexo

feminino, variando os índices em 78,9% e 87% no Brasil.

Além disso, o número daquelas que eram arrimo de família também é bem

significativo. Muitas relataram que quando começaram a trabalhar era apenas para

aumentar a renda da família, mas que, atualmente, eram elas que sustentavam a

casa. Das entrevistadas, poucas tinham a intenção de faccionar em casa, pois

afirmavam conhecer pessoas que faziam isso e que o tipo de trabalho é muito

desgastante e perigoso (pela instabilidade e insegurança financeira). Algumas

delas já tentaram ter seu próprio negócio, mas fecharam por não conseguirem

administrá-lo. Houve também relatos de mulheres que, além da jornada formal de

trabalho (realizada na empresa em que estavam se desligando), trabalhavam

algumas vezes por semana em facções e nos finais de semana (ou em casa ou para

facções de parentes e “vizinhos”) para ganhar uma renda extra, tendo jornadas de

trabalho que ultrapassavam 14 horas diárias. Essas mulheres apresentaram uma

jornada tripla de trabalho, e não mais dupla (trabalho e casa).

As que estavam há mais anos no setor disseram que as condições de

trabalho não melhoraram ao longo do tempo, muito pelo contrário, disseram que o

nível salarial diminuiu e que a cobrança aumentou muito. A grande maioria

trabalhou pelo menos de 2 a 4 anos na informalidade, antes de conseguir emprego

com carteira assinada. Algumas relataram que iniciaram a carreira aos 13 e 14

anos. Duas das entrevistadas começaram a trabalhar aos 13 anos, uma tendo

assinado a carteira aos 20 anos e outra aos 21.

Apesar dos constantes relatos de aumento de homens no setor, enfatizado

pelas próprias trabalhadoras que afirmavam que nas confecções onde trabalharam

tinha crescido o número de homens e que algumas delas estavam treinando os

10 LER (Lesões por Esforços Repetitivos), segundo Barreto (1997), é caracterizado “pelo

acometimento de nervos, sinovias, fáscias, tendões, ligamentos, músculos, em consequência de

distúrbios funcionais ou orgânicos resultantes de fadiga localizada” (p.88)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 22: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

99

próprios maridos, não conseguimos entrevistar nenhum homem durante o tempo

em que passamos acompanhando essas rescisões.

A seguir, apresentamos alguns dos relatos mais interessantes recolhidos de

entrevistas realizadas em campo. Eles demonstram, de maneira enfática, as

condições precárias de trabalho em que se encontram muitas das mulheres que

trabalham na produção de moda íntima em Nova Friburgo, mesmo entre aquelas

que trabalham no circuito dito formal.

4.1.1.1.O relato de algumas entrevistas com trabalhadoras do setor de confecções de moda íntima de Nova Friburgo11 (de Junho a Agosto de 2011):

Primeira entrevista

Esta entrevista é de uma trabalhadora que fez um acordo para ser mandada

embora, pois estava precisando do auxílio desemprego para, segundo ela

“começar vida nova”. Ela perdeu a casa e alguns familiares na tragédia de janeiro

de 2011. Por isso, pediu demissão e pretendia se mudar para Duas Barras

(município próximo a Nova Friburgo) para morar com sua mãe. Disse ter muitas

amigas na mesma situação, explicou que muitos maridos estão desempregados e

que as mulheres estão trabalhando em triplo para sobreviverem.

Afirmou também que as confecções não querem mais “pessoas de curso”

(recém formados e sem experiência). Querem pessoas que já sabem utilizar todas

as máquinas.

Por isso as costureiras são disputadas. Na minha época nós aprendíamos dentro da empresa, agora eles já querem a pessoa pronta. E não tem curso aqui para isso. No curso da prefeitura eles aprendem em máquinas ultrapassadas, velhas. Daí fica difícil né. Nas confecções boas é tudo moderno.

11É necessário esclarecer que devido o alto grau de informalidade e até ilegalidade que

envolve a produção de moda íntima, mesmo em algumas empresas formalmente cadastradas, há certa dificuldade em entrevistar as mulheres costureiras. Pois as trabalhadoras ficam com receio de ficarem “mal vistas” por novos empregadores ou denunciarem suas próprias práticas ilegais. Por esse motivo, com o objetivo de resguardar a privacidade das mulheres que, com tão boa vontade, nos cedeu entrevistas, nos comprometemos a não apresentarmos aqui os seus nomes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 23: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

00

Afirmou já ter recebido três ofertas de emprego em Duas Barras, mas

segundo ela “todos de fundo de quintal” (ou seja, informais). E uma em Nova

Friburgo, mas que ela não queria porque fica longe da sua nova casa.

Disse que não pretende fazer facção, porque para ganhar o suficiente tem

que trabalhar muito. Contou que há dez anos montou uma facção, mas que estava

ficando doente, porque não parava para descansar. Era sábado, domingo e feriado

trabalhando até altas horas da noite, “minha casa virou uma bagunça, daí meu

marido me fez parar. Agora só trabalho em confecção”.

Segunda entrevista

Outra entrevistada afirmou que além de trabalhar na confecção, “ajudava”

na facção da tia e que, por conta disso, o ex-marido quis se separar, porque não

acreditava que ela estava trabalhando. Disse que a filha de 15 anos está grávida

por causa dela, por nunca ter tido tempo para a família.

Não podia ir à escola nem para buscar a lembrancinha do dia das mães. Minha filha está grávida porque eu não estava perto (...). Eu passava o tempo todo chorando na empresa, daí me mandaram embora. Agora estou ensinando meu novo marido a costurar, pretendemos montar uma facção em casa.

Terceira entrevista

Essa costureira entrevistada explicou que pediu demissão por estar com

sérios problemas de saúde (coluna e vista) e que já fazia seis anos que não

conseguia fazer um preventivo (exame ginecológico).

Na empresa que eu trabalhava não podia falar nada, porque tudo a dona reclamava. Na última discussão, ela disse que uma tartaruga era mais rápida do que eu. Não aguentei e disse que iria sair.

Explicou que também tinha muita briga entre funcionários depois que a

empregadora resolveu implantar o “sistema de célula” (típica divisão do trabalho

com base no modelo taylorista de produção), “quando uma pessoa atrasava a sua

parte, atrasava a todos, daí dá problema, porque o grupo todo perde o bônus de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 24: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

101

produtividade” (bonificação incluída no “salário por fora” anteriormente

mencionado- prática ilegal).

Esta entrevistada afirmou já ter emprego garantido em outra confecção,

que, segundo ela, é melhor. Disse que mesmo doente não pode parar de trabalhar,

porque o marido, que trabalha como embalador em uma confecção, não consegue

manter a casa sozinho. “Na verdade, é ele que complementa a renda, porque eu

ganho mais”.

Quarta entrevista

Outra entrevistada afirmou que foi mandada embora porque estava doente

(problema de vista e pressão alta). Que trabalhou durante 2 anos nessa empresa e

que só teve a carteira assinada nos últimos 5 meses. Disse que na empresa onde

ela trabalhava só havia 5 funcionários registrados, de um total de 40. “eles dizem

que é experiência de um ano, e depois mandam embora, nem sei por que

assinaram a minha”. Afirmou que só não vai colocar a empresa na justiça porque

fez um acordo com a dona da confecção e também porque estava indo embora de

Nova Friburgo, para Trajano de Moraes, por ter perdido a casa nos incidentes de

janeiro e não conseguia pagar aluguel com o que ganhava, “lá em Trajano eu

tenho meus irmãos e é mais barato de morar”.

Ela pretendia se aposentar em três anos e montar uma facção em casa,

porque disse que em confecção é muito estressante, pois não conseguia mais

cumprir meta e as peças saíam tortas e ela perdia muito das bonificações por isso.

Quinta entrevista

Costureira há 28 anos e 11 na mesma empresa, afirmou que a confecção

em que trabalhava fechou e a dona foi para São Paulo depois de perder o marido e

filhos em 11 de Janeiro. Disse que os 20 funcionários foram dispensados aos

poucos. Revelou-nos que já era aposentada e que tinha comprado uma máquina e

que pretendia produzir em casa. “- Não trabalho naquilo que gosto, não tive

opção. Minha mãe me ensinou a costurar, só sei fazer isso”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 25: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

102

Contou ainda que o filho e a nora têm uma facção, mas que não estavam

conseguindo se manter. Disse ter vezes que eles trabalhavam até a 3:00 horas da

manhã para cumprirem prazo, mas que a concorrência estava muito grande.

Sexta entrevista

Essa entrevistada afirmou que começou a trabalhar aos 14 anos na Filó

S/A, foi funcionária dessa empresa durante 8 anos. Depois disso, ficou 15 anos

trabalhando em casa, onde montou uma pequena confecção com 6 pessoas (todas

da família: 4 irmãs e 2 filhas “depois que cresceram um pouco”). Porém, durante

esse tempo não contribuiu para a própria previdência (nem a das outras mulheres),

por isso não poderia se aposentar tão cedo. “-não pensava nisso, só queríamos

ganhar dinheiro, que nem era muito. A confecção deu muito problema”. Há 5 anos

ela fechou a confecção e voltou a trabalhar formalmente em uma confecção maior,

da qual estava se desligando.

Sétima entrevista

Esta entrevistada afirmou muito desânimo com sua profissão. Disse que

quando iniciou (há 25 anos) ganhava o equivalente a 2 salários mínimos da época,

e que o piso hoje é de um salário apenas. Além disso, afirmou que as condições

pioraram e que há muita pressão por produtividade. Afirmou ter muito problema

de saúde e que a filha mais velha também adoeceu ao entrar para o setor.

Minha filha depois que começou a costurar ficou hipertensa e gorda. Na minha empresa ainda é como antigamente: cada costureira sabe mexer em todas as máquinas, nos revezamos quando estamos cansadas. Mas na empresa da minha filha, depois que implantaram a célula o trabalho ficou mais difícil.

Oitava entrevista

Uma moça de apenas 20 anos, mas 6 anos de experiência em confecção e

apenas 2 anos de carteira assinada. Essa entrevistada pediu demissão depois de

muito conflito com a dona da confecção, onde trabalhava desde os 14 anos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 26: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

103

Relatou que sua avó estava doente, mas que não tinha tempo para cuidar dela e

que a empresária não compreendia e reclamava muito se ela precisasse faltar.

Trabalho com ela desde os 14 anos, ajudei ela a crescer, mas ela não pensa nos funcionários. Era apenas eu e mais uma no início, agora são 20. Fiquei 4 anos sem carteira assinada, nunca faltei. Agora, quando preciso de um tempo para cuidar da minha avó, ela reclama de tudo. Cansei. Pelo menos ela vai dá meus direitos desses últimos 2 anos.

Nona entrevista

Essa entrevistada também trabalha no setor desde os 14 anos (ao todo são

7 anos de profissão), mas também teve sua carteira assinada no último ano. E

além da confecção, onde trabalha de 7:00 às 17:00 (segunda a quinta) e 7:00 às

15:00 (sexta), trabalha para a facção da tia às quintas e sextas até as 22:00h e

sábado de 7:00 até as 18:00, dependendo da demanda.

Disse que pediu demissão na confecção para cuidar da mãe doente e que

não tinha vontade de voltar trabalhar com costura, pois já estava sentindo os

efeitos da profissão no corpo (dores). No entanto, ela já tinha procurado emprego

em outra área e não via solução melhor do que a confecção. Enquanto não

conseguia mudar de ramo, pretendia trabalhar apenas para a facção da tia (em sua

própria casa), pois assim conseguia ficar com a mãe. Na pequena empresa onde

trabalhava, eram 6 mulheres e 5 homens costurando. Disse não ter o que reclamar

do patrão e que até conseguiu fazer um acordo, e que com o dinheiro que iria

receber compraria uma máquina de costura mais nova.

Décima entrevista

Dentre as costureiras entrevistadas, uma foi ao sindicato para recorrer ao

auxílio jurídico, pois pretendia entrar com uma ação contra sua antiga

empregadora. Segundo afirmou a entrevistada, a pequena empresária fechou sua

confecção para utilizar apenas facções. Ela e mais 6 funcionárias foram mandadas

embora sem direito a nada. Afirmou que mesmo trabalhando há dois anos na

empresa, não tinha carteira assinada e que apenas um funcionário da confecção

era registrado. Disse que as amigas não tiveram coragem de denunciar, porque

tinham medo de ficarem “queimadas no mercado, ninguém dá emprego para quem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 27: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

104

processa o patrão”. Reclamou da falta de valorização e que trabalhava de 7:00h as

22:00h sem direito a hora extra. Desabafou afirmando:

Nunca somos valorizadas, as confecções estão fechando para usar facções e as facções estão se comendo vivos. Ninguém sobrevive muito tempo, elas abrem e fecham. Tenho um monte de amigas ficando doentes de tanto trabalhar

A maior parte das entrevistas foi fornecida por trabalhadoras ditas formais

do setor. No entanto, percebemos relatos de práticas de informalidades dentro ou

fora das empresas de onde estavam se desligando, elemento que nos auxilia

interpretar o grau de precarização em que se encontram essas mulheres. Muitas

com problemas de saúde, desgaste físico e emocional, devido a combinação de

baixos salários, pressão por produtividade, jornadas de trabalho excessivas e

tarefas repetitivas, além do rígido controle da chefia e frequentes conflitos com os

empregadores. Essas trabalhadoras percebem a exigência de ritmo como uma

constante cobrança por produtividade, que elas associam ao desgaste físico,

gerador de dor e de um contínuo cansaço, um sofrer que é impresso através de

diversos sentimentos como indignação, revolta, medo e frustração.

Como afirma Neves (2000), as “novas” relações de trabalho ligadas às

mudanças da reestruturação produtiva resultam, tanto em tarefas altamente

qualificadas e flexíveis, como também na permanência de tarefas taylorizadas,

repetitivas e monótonas. Em nossa empiria, percebemos essa dualidade através

dos diversos relatos, tanto da necessidade constante de especialização e

qualificação para trabalharem nas empresas ditas de ponta no município (aquelas

com padrão mais moderno, voltado normalmente para exportação), como também

na permanência da organização taylorista do trabalho, principalmente nas

empresas que adotavam o “sistema de célula”, onde cada funcionária ficava

responsável por apenas uma etapa da produção. Por diversas vezes, as

trabalhadoras revelaram os desgastes físicos e emocionais gerados, dentre outras

coisas, pela combinação entre a manutenção de organização do trabalho taylorista

e, ao mesmo tempo, o Just-in-time externo, com constante necessidade de

flexibilização do trabalho.

É possível perceber também, ao longo dos relatos, a íntima relação entre

formalidade e informalidade; a constante presença do trabalho em domicílio e a

maior insegurança daquelas que ficam restritas a esse tipo de relação; o sonho de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA
Page 28: 4 A força do trabalho feminino em domicílio ...€¦ · relação inadequado às sociedades ditas desenvolvidas e em desenvolvimento, e estaria, nesse sentido, fadado à extinção

105

criar o próprio negócio; as constantes falências; os problemas com maridos e

filhos; a (re) criação e constante destruição de uma autoestima e identidade

voltado ao trabalho realizado; as diversas formas de organização da produção que

buscam sempre a maior produtividade.

Percebemos, constantemente durante o campo, que a produção e a

reprodução da vida não devem ser analisadas como coisas dicotômicas.

Observamos que a relação entre tempo familiar e tempo industrial se torna mais

intenso neste atual momento da sociedade, pois os espaços e tempos de produção

e reprodução do trabalho se confundem no trabalho em domicílio. Como afirma

Bermúdez (2005), a vida dessas mulheres que realizam seu trabalho em domicílio

refletem as novas relações entre reprodução e produção, entre família e trabalho.

Ou seja, refletem várias mediações relacionadas à cultura, subjetividade e à

história. É esse trabalho em domicílio - intensamente desvalorizado e explorado -

realizado predominantemente por mulheres, que possibilitou a ampliação e o

destaque da moda íntima friburguense no cenário regional e nacional,

apresentando claramente a contradição do sistema em que está inserido, e

demonstrando o poder do cotidiano e do privado na história pública e coletiva.

Nesse sentido, em alguma medida, há uma formação de identidade da

mulher trabalhadora de Nova Friburgo voltada para a produção de moda íntima.

As costureiras sabem da sua importância e passam a se valorizar, ao mesmo

tempo esbarram em intensas e precárias condições de trabalho que sugam suas

forças e destroem a possibilidade de uma melhor autoestima profissional e

pessoal. Elas também enfrentam a resistência do modelo tradicional de família e

de divisão sexual do trabalho social, pois, mesmo entrando no mercado de

trabalho, essas mulheres têm que enfrentar um conjunto de normas masculinas

que dificultam a real equidade entre homens e mulheres.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011870/CA