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4 A Escola Esperança
Neste capítulo, buscamos contextualizar a Escola Esperança no que se refere
à sua localização geográfica, sua história, à composição social da sua clientela e
suas características físicas, administrativas e pedagógicas.
Para tanto, subdividimos este texto em três seções.
Na primeira, abordamos as questões relativas à localização da Escola
Esperança e caracterizamos a região e o bairro onde está situada. Situamos, além
disso, a escola no contexto dos demais estabelecimentos de ensino participantes
do Projeto GERES, na cidade do Rio de Janeiro.
Na seção seguinte, buscamos trazer informações a respeito da clientela da
Escola Esperança, as localidades onde as crianças moram, bem como dados a
respeito da composição socioeconômica da instituição.
Por último, a terceira seção foi dividida em três subseções a fim de
caracterizarmos a escola no que tange aos aspectos: i) físicos, mais relacionados à
infraestrutura do prédio, à segurança e à adequabilidade de suas instalações; ii)
administrativos, na qual situamos a escola no âmbito da Secretaria Municipal de
Educação, informamos a Coordenadoria Regional de Educação (CRE) à qual
pertence, assim como os níveis de ensino oferecidos, os períodos de
funcionamento da instituição e total de alunos matriculados no ano em que nossa
pesquisa de campo foi realizada; e iii) pedagógicos.
É importante destacar que as informações contidas nesse capítulo foram
obtidas por meio de observação e, principalmente, das entrevistas realizadas com
Sônia, coordenadora da instituição no ano de 2010, e com a professora Maria
Eduarda, responsável pela sala de leitura. Ambas as educadoras trabalham na
escola durante muitos anos e acompanham o desenvolvimento da instituição.
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4.1. Situando a Escola Esperança
A Escola Esperança encontra-se na cidade do Rio de Janeiro, mais
especificamente no Méier, bairro situado na região denominada Grande Méier, no
subúrbio da Zona norte do Rio de Janeiro, divisa com outros bairros como
Abolição, Água Santa, Cachambi, Encantado, Engenho de Dentro, Engenho
Novo, Jacaré, Lins de Vasconcelos e Todos os Santos.
Figura 1 Localização do bairro Méier no Rio de Janeiro
Fonte: http://portalgeo.rio.rj.gov.br
No ano de 2010, a população do bairro chegou a 49.828, distribuída em uma
área total de 247,09 hectares63. Há algumas décadas, a composição social do
Méier era basicamente de classe média, no entanto, nos últimos anos, a
desigualdade social tem sido uma característica facilmente observada no local. É
possível visualizar inúmeras moradias de classe média, ao mesmo tempo em que
há diversas comunidades de baixa renda, a exemplo da favela do Jacarezinho, uma
das mais perigosas da cidade, do Morro São João, do Morro Quieto, e da favela do
Gambá, além daquelas comunidades pertencentes ao Complexo do Lins.
63 Informações disponíveis em http://portalgeo.rio.rj.gov.br/sabren/index.html.
O Méier recebe diariamente um intenso fluxo de pedestres, devido ao fato
de ser considerado um dos principais
Cruz é um dos pontos de referência do bairro e nela está c
diversificado comércio da região. O bairro conta
transporte, como diferentes linhas de ônibus,
acesso a outras áreas da cidade.
Até 201064, o Méier contava com sete u
incluindo a Escola Esperança, dentre as quais quatro disponibilizavam vagas em
turmas de séries iniciais e sete em turmas das séries do ensino fundamental. No
bairro existem também inúmeros outros
privada, além de faculdades e cursos de
A Figura 2 representa o mapa da cidade do Rio de Janeiro, onde estão
apontadas as instituições participantes Projeto GERES. Nela, podemos situar a
Escola Esperança.
Localização geográfica da Escola Esperança em relação às demais instituições da rede municipal do Rio de Janeiro participantes do Projeto GERES
Fonte: GERES, 2006.
64 Informações disponíveis em http://portalgeo.rio.rj.gov.br/sabren/index.html
O Méier recebe diariamente um intenso fluxo de pedestres, devido ao fato
de ser considerado um dos principais polos econômicos da cidade. A Rua Dias da
Cruz é um dos pontos de referência do bairro e nela está concentrado o amplo e
diversificado comércio da região. O bairro conta com uma farta gama de meios de
diferentes linhas de ônibus, vans, trens e táxis, o que facilita o
a outras áreas da cidade.
, o Méier contava com sete unidades escolares da rede municipal,
incluindo a Escola Esperança, dentre as quais quatro disponibilizavam vagas em
turmas de séries iniciais e sete em turmas das séries do ensino fundamental. No
também inúmeros outros estabelecimentos de ensino da rede
privada, além de faculdades e cursos de idiomas e capacitação profissional.
A Figura 2 representa o mapa da cidade do Rio de Janeiro, onde estão
apontadas as instituições participantes Projeto GERES. Nela, podemos situar a
Figura 2 Localização geográfica da Escola Esperança em relação às demais instituições da rede municipal
do Rio de Janeiro participantes do Projeto GERES
Informações disponíveis em http://portalgeo.rio.rj.gov.br/sabren/index.html
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O Méier recebe diariamente um intenso fluxo de pedestres, devido ao fato
econômicos da cidade. A Rua Dias da
oncentrado o amplo e
com uma farta gama de meios de
o que facilita o
nidades escolares da rede municipal,
incluindo a Escola Esperança, dentre as quais quatro disponibilizavam vagas em
turmas de séries iniciais e sete em turmas das séries do ensino fundamental. No
sino da rede
idiomas e capacitação profissional.
A Figura 2 representa o mapa da cidade do Rio de Janeiro, onde estão
apontadas as instituições participantes Projeto GERES. Nela, podemos situar a
Localização geográfica da Escola Esperança em relação às demais instituições da rede municipal
Na Figura 3, podemos visualizar a localização da Escola Esperança no
contexto do bairro Méier. Conforme se pode observar, o
ensino se encontra próximo à Rua Dias da Cruz, uma das mais movimentadas da
região.
Localização da Escola A no bairro Méier
Fonte: http://maps.google.com.br/
A escola pertence à Terceira Coordenadoria Regional de Educação. A 3ª
CRE compreende as regiões administrativas do Complexo do Alemão, de
Inhaúma, do Jacarezinho e do Méier.
Municipal de Educação do Rio de Janeiro
responsável por administrar cento e vinte e quatro escolas, incluindo as unidades
educacionais que oferecem séries da Educação Infantil e do Ensino F
4.2. Quem são os alunos da Escola Esperança?
Conforme vimos no capítulo anterior, a Escola Esperança se encontra entre
as instituições da rede municipal cuja faixa de nível socioeconômico foi
65 Informações disponíveis em http://www.rio.rj.gov.br/web/sme
Na Figura 3, podemos visualizar a localização da Escola Esperança no
contexto do bairro Méier. Conforme se pode observar, o estabelecimento
ensino se encontra próximo à Rua Dias da Cruz, uma das mais movimentadas da
Figura 3 Localização da Escola A no bairro Méier
http://maps.google.com.br/
A escola pertence à Terceira Coordenadoria Regional de Educação. A 3ª
CRE compreende as regiões administrativas do Complexo do Alemão, de
Inhaúma, do Jacarezinho e do Méier. De acordo com os dados da Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro65, a referida coordenadoria é
responsável por administrar cento e vinte e quatro escolas, incluindo as unidades
educacionais que oferecem séries da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.
Quem são os alunos da Escola Esperança?
Conforme vimos no capítulo anterior, a Escola Esperança se encontra entre
as instituições da rede municipal cuja faixa de nível socioeconômico foi
http://www.rio.rj.gov.br/web/sme.
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Na Figura 3, podemos visualizar a localização da Escola Esperança no
estabelecimento de
ensino se encontra próximo à Rua Dias da Cruz, uma das mais movimentadas da
A escola pertence à Terceira Coordenadoria Regional de Educação. A 3ª
CRE compreende as regiões administrativas do Complexo do Alemão, de
De acordo com os dados da Secretaria
, a referida coordenadoria é
responsável por administrar cento e vinte e quatro escolas, incluindo as unidades
undamental.
Conforme vimos no capítulo anterior, a Escola Esperança se encontra entre
as instituições da rede municipal cuja faixa de nível socioeconômico foi
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classificado como baixo na Pesquisa Geres. Isto significa dizer que os alunos
atendidos pela escola pertencem, de maneira geral, a famílias cujos pais possuem
menores graus de escolaridade e possuem renda familiar inferior quando
comparados a estudantes de outras escolas da mesma rede de ensino ou de outras
redes, como a estadual, privada e federal66.
De acordo com a diretora e as coordenadoras da Escola Esperança, embora a
instituição esteja situada, conforme vimos na Figura 3, no ‘coração’ do bairro e
relativamente afastada de comunidades, sua clientela é constituída, basicamente,
por crianças advindas das comunidades carentes pertencentes, principalmente, ao
Complexo do Lins, como Cachoeirinha, Cotia, Árvore Seca, Bacia, Encontro,
Amor, Cachoeira Grande, Nossa Senhora da Guia, Francisca, Barro Preto e Barro
Vermelho. O Complexo do Lins fica situado no bairro denominado Lins de
Vasconcelos, nas proximidades do Méier, como podemos observar na Figura 4. Já
na Figura 5 podemos visualizar a localização geográfica das comunidades do
Complexo do Lins no contexto da região.
Figura 4 Localização do Bairro Lins na Cidade do Rio de Janeiro
Fonte: http://portalgeo.rio.rj.gov.br
66 Ainda que escola esteja situada na faixa de NSE baixo, deve-se considerar a existência de alunos cuja composição social seja diferente, pois essa classificação parte da média de NSE dos estudantes.
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Figura 5 Localização das Comunidades do Complexo do Lins
Fonte: http://portalgeo.rio.rj.gov.br
Ainda que as comunidades citadas estejam integradas, se configurando
como um complexo, este deve ser tratado como um contexto plural, onde cada
uma possui peculiaridades, modos de ‘funcionamento’ distintos e populações
diferenciadas.
No entanto, um ponto comum a todas elas é a forte influência do tráfico de
drogas na vida dos moradores e os altos índices de violência.
No primeiro dia de incursão ao campo, no mês de novembro de 2010, ao
chegar à Escola Esperança, ficamos aguardando na secretaria até sermos
recepcionados pela coordenadora. Estávamos sentados em uma mesa, junto de três
crianças que haviam sido deixadas ali pelo seu professor durante o recreio, por
terem adotado algum comportamento inadequado.
O pequeno grupo, composto por dois meninos e uma menina com cerca de
10 anos de idade, conversava sobre computadores portáteis, quando um deles
disse que havia encontrado um laptop no ônibus. Curiosos, perguntamos se o
menino havia devolvido o computador, e ele negou, complementando que possuía
mais um daqueles em casa, comprado pelo seu pai, na ‘boca’, por apenas
cinquenta reais. Sem compreender imediatamente, perguntamos se se tratavam de
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laptops de brinquedo, e mais uma vez o menino negou, explicando-nos que no
‘movimento’ presente no lugar onde mora, são vendidos diversos objetos mais
‘em conta’ do que nas lojas. As demais crianças não demonstraram sinais de
perplexidade ao ouvir o relato do menino, o que me fez perceber que, de certo
modo, assuntos relativos ao tráfico de drogas fazem parte, de fato, do cotidiano
daquele grupo de crianças. Algumas delas, a exemplo do menino, que disse ser
filho de uma pessoa envolvida com tráfico de sua comunidade, parecem encarar a
questão com naturalidade, parecendo concebê-la de maneira positiva, ao falar
sobre as ‘vantagens’ de se comprar mercadorias na ‘boca’; outras pessoas,
mediante ameaças e regras às quais são submetidas ao residir em comunidades
dominadas pelo tráfico, optam por se omitir frente ao assunto – o que pode
justificar a atitude das outras crianças sentadas à mesa conosco, que se abstiveram
de dar continuidade à conversa ou até mesmo opinar sobre a suposta compra do
computador no ‘movimento’.
Ainda nessa oportunidade, o mesmo menino nos dirigiu uma série de
perguntas relacionadas a nossa idade, profissão, se dominávamos a língua inglesa,
se possuíamos família, onde morávamos, entre outras, até que percebeu que
portávamos um jornal, que trazia, entre as reportagens principais, o aumento do
número de veículos queimados nas ruas como represália de bandidos oriundos de
comunidades que estavam passando pelo processo de pacificação. Ao observar a
imagem que ilustrava a síntese da reportagem, a criança falou: “Ei, tia! Você sabia
que meu tio também coloca fogo nos carros?”.
Antes que pudéssemos responder ao menino, a coordenadora chegou,
liberando as crianças para voltar para suas respectivas salas de aula. Comentando
sobre a conversa que acabávamos de ter com os três alunos, ela nos disse que se
tratava de algo rotineiro para muitas das crianças da escola, visto que grande parte
delas é moradora de comunidades do entorno e presenciam cenas daquela natureza
quase que diariamente.
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4.3. Como a Escola Esperança se configura
4.3.1. Aspectos materiais
O prédio onde hoje funciona a instituição já pertenceu a outra escola no
passado. Até 1976, a estrutura pertencia à Escola Esperança67, e, no ano seguinte,
foi reinaugurada com o nome atual.
O outro estabelecimento de ensino ocupa, atualmente, o terreno ao lado da
Escola Esperança. No local, são atendidos alunos do segundo segmento do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio. Por essa razão, é comum que, ao completarem o
primeiro ciclo de estudos na Escola Esperança, os alunos passem para aquela
escola. À noite, a escola compartilha seu espaço com um colégio da rede
estadual68.
A Escola funciona em um espaço amplo, cuja área é composta por dois
prédios, um principal e um anexo, dois pátios, um aberto e outro coberto e uma
quadra de esportes sem cobertura. O terreno é contornado por muros que, embora
não apresentem pichações, encontram-se deteriorados, conforme se pode ver na
Figura 3.
A entrada dos alunos acontece pela entrada do prédio principal e a saída das
turmas de Educação Infantil se dá por uma portaria construída na parte lateral da
instituição. Ambos os acessos permanecem fechados ao longo do dia e a
circulação pelas dependências é restrita aos pais autorizados, alunos e
funcionários.
67 Nome fictício utilizado para manter em sigilo ambas as instituições de ensino. 68 Por esse motivo, muitos professores da Escola Esperança optam por guardar seus materiais didático-pedagógicos, inclusive livros dos cantinhos de leitura, em armários trancados com cadeados, pois, caso contrário, podem ser danificados pelos alunos do turno da noite.
Fachada do Prédio Principal da Escola Esperança
Fonte: http://maps.google.com.br/
Figura 6 Fachada do Prédio Principal da Escola Esperança
http://maps.google.com.br/
Figura 7 Porta de acesso ao prédio principal
da Escola Esperança
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Porta de acesso ao prédio principal
Esperança
O prédio principal da escola possui dois pavimentos. No térreo, encontram
se cinco salas de aula, duas salas reservadas a atividades administrativas (uma, à
esquerda, é reservada à Escola Esperança e a outra, à direita, à secretaria do
colégio estadual que funciona à noite), um refeitório, uma cozinha e uma sala de
professores com sanitários reservados para os funcionários. No segundo
pavimento, há cinco salas de aula, um auditório, a sala de leitura e uma
dependência ao lado, onde funciona o Clube das Mães
O estabelecimento possui, ainda, uma estrutura anexa composta por dois
pavimentos. No térreo se localizam uma quadra aberta, um pátio coberto onde as
crianças brincam durante o recreio e banheiros para uso dos alunos. As salas de
aula, duas situadas no primeiro pavimento e cinco no segundo, são destinadas às
classes de Educação Infantil e de Educação Especial
No total, a Escola Esperança dispõe de 21 salas de aula, incluindo a sala de
leitura.
69 No capítulo seguinte serão especificadas as atividades desempenhadas nessa sala, no âmbito dos projetos de leitura desenvolvidos na Escola Esperança.70 A Escola Esperança atende crianças portadoras de necessidades educacionais especiais em classes específicas e em turmas regulares.
O prédio principal da escola possui dois pavimentos. No térreo, encontram
se cinco salas de aula, duas salas reservadas a atividades administrativas (uma, à
esquerda, é reservada à Escola Esperança e a outra, à direita, à secretaria do
funciona à noite), um refeitório, uma cozinha e uma sala de
professores com sanitários reservados para os funcionários. No segundo
pavimento, há cinco salas de aula, um auditório, a sala de leitura e uma
dependência ao lado, onde funciona o Clube das Mães Leitoras69.
possui, ainda, uma estrutura anexa composta por dois
pavimentos. No térreo se localizam uma quadra aberta, um pátio coberto onde as
crianças brincam durante o recreio e banheiros para uso dos alunos. As salas de
tuadas no primeiro pavimento e cinco no segundo, são destinadas às
classes de Educação Infantil e de Educação Especial70.
No total, a Escola Esperança dispõe de 21 salas de aula, incluindo a sala de
Figura 8 Pátio Interno da Escola Esperança
No capítulo seguinte serão especificadas as atividades desempenhadas nessa sala, no âmbito dos
projetos de leitura desenvolvidos na Escola Esperança. A Escola Esperança atende crianças portadoras de necessidades educacionais especiais em
classes específicas e em turmas regulares.
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O prédio principal da escola possui dois pavimentos. No térreo, encontram-
se cinco salas de aula, duas salas reservadas a atividades administrativas (uma, à
esquerda, é reservada à Escola Esperança e a outra, à direita, à secretaria do
funciona à noite), um refeitório, uma cozinha e uma sala de
professores com sanitários reservados para os funcionários. No segundo
pavimento, há cinco salas de aula, um auditório, a sala de leitura e uma
possui, ainda, uma estrutura anexa composta por dois
pavimentos. No térreo se localizam uma quadra aberta, um pátio coberto onde as
crianças brincam durante o recreio e banheiros para uso dos alunos. As salas de
tuadas no primeiro pavimento e cinco no segundo, são destinadas às
No total, a Escola Esperança dispõe de 21 salas de aula, incluindo a sala de
No capítulo seguinte serão especificadas as atividades desempenhadas nessa sala, no âmbito dos
A Escola Esperança atende crianças portadoras de necessidades educacionais especiais em
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De maneira geral, o estabelecimento possui instalações adequadas para o
bom funcionamento das atividades escolares, embora parte da pintura interna do
prédio, principalmente das salas de aula, necessite de reparo, conforme poderá ser
observado adiante, nos registros fotográficos disponibilizados no capítulo
seguinte.
4.3.2. Aspectos Administrativos
Até o ano 2000, a Escola Esperança atendia crianças desde a Educação
Infantil até a 8ª série, equivalente ao 9º ano de hoje. Atualmente, a instituição
atende estudantes da Educação Infantil ao 5° ano do primeiro segmento do Ensino
Fundamental, além de turmas de Educação Especial e de projetos do Programa de
Correção do Fluxo Escolar. No total, em 2010, havia 23 turmas.
A instituição funciona em regime parcial, ou seja, suas classes são divididas
entre os turnos da manhã e da tarde. De acordo com os dados divulgados pela
Secretaria Municipal de Educação, no ano de 2011, na Escola foram matriculados
459 estudantes71. Entre eles, 57 pertencem à Educação Infantil, 42 ao primeiro
ano (equivalente à Classe de Alfabetização), 49 ao segundo ano (ou 1ª série), 70
ao terceiro ano (equivalente à 2ª série), 104 ao quarto ano (ou 3ª série) e 74 ao
quinto ano (ou 4ª série). Os estudantes do 5º ano observados em nossa pesquisa
em 2011 foram alocados nas turmas 1501 e 1503, ambas no turno da manhã.
A Escola Esperança atende crianças portadoras de necessidades
educacionais especiais em dois tipos de classes: regulares e especiais. Nas classes
regulares, os alunos participam das aulas de rotina e são auxiliados, em outro
turno, por profissionais que os apoiam em relação a quaisquer dificuldades que
porventura apresentem. Foi o caso da turma 1501 observada em 2011, que tinha
como componente Igor72, um aluno surdo. Emília, a professora do referido grupo,
ministrava as aulas regulares para todos os alunos, buscando auxiliar Igor nas
tarefas. Uma das estratégias que a docente lançava mão era colocar Igor sentado
junto de um aluno com mais facilidade, para que um auxiliasse o outro. Embora a
71 Vale lembrar que, até o final do período da coleta dos dados no campo (mês de março DE 2011), a escola ainda estava realizando matrículas. Por esse motivo, o quantitativo de alunos poderia sofrer alterações até o final do primeiro bimestre. 72 Nome fictício a fim de preservar a identidade do estudante.
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professora não dominasse a Língua Brasileira de Sinais, se preocupava em
comunicar-se com o estudante, em se fazer entender por ele.
Igor recebia apoio escolar de uma professora na parte da tarde, e sua turma
tinha aulas de Língua Brasileira de Sinais com uma estagiária do Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES73 - na parte da manhã, uma vez por
semana. Tive a oportunidade de observar uma das aulas ministradas pela
estagiária do curso de Pedagogia, também surda, auxiliada por uma professora da
escola que atuou como intérprete. A aula teve a duração de cerca de uma hora,
começando com a apresentação do histórico de como o surdo vem sendo
reconhecido pela sociedade, principais personalidades surdas, demonstrando,
especialmente, maneiras como as crianças poderiam contornar as dificuldades da
comunicação com uma pessoa surda, sem discriminá-la ou deixá-la de lado nas
atividades do dia-a-dia. O clima era de descontração, todos os alunos participaram
e muitos já demonstravam conhecer algumas expressões e palavras em LIBRAS.
A professora Emília também participou da aula.
Alguns alunos eram matriculados em classes denominadas especiais, nas
quais todos apresentavam necessidades educacionais especiais. De acordo com
informações das professoras, os alunos dessas classes eram acompanhados
durante certo período, e alguns, após serem avaliados por uma equipe de
especialistas, eram integrados em turmas regulares, e recebiam, assim como Igor,
apoio escolar em outro turno.
As turmas dos projetos pertencentes ao Programa Reforço Escolar74
totalizaram dois em 2010 e apenas uma em 2011. No âmbito da Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Programa é composto por diversas
iniciativas que têm como objetivo principal a correção do fluxo escolar, focando
73 O INES é reconhecido, na estrutura do MEC, como Centro de Referência Nacional na Área da Surdez, exercendo os papéis de subsidiar a formulação de políticas públicas e de apoiar a sua implementação pelas esferas subnacionais de Governo. O instituto oferece o Ensino Básico no Colégio de Aplicação – CAp/INES, contemplando a Educação Precoce (de recém nascidos a três anos), as séries da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Atua, além disso, na formação e qualificação de profissionais na área da surdez, por meio da Educação Superior – Ensino de Graduação e Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão. Gerencia, também, a oferta do Curso de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – em cinco módulos semestrais, para familiares de crianças surdas, professores em formação ou em atuação na rede pública e profissionais de recursos humanos de empresas públicas e privadas, e, em 2011, passou a realizar o Programa Nacional para Certificação de Proficiência em LIBRAS e para Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação de LIBRAS/Língua Portuguesa – PROLIBRAS. 74 Maiores informações sobre os projetos do Programa Reforço Escolar podem ser encontradas nos endereços eletrônicos http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna e http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=1374622.
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o atendimento aos alunos com defasagem idade/ano escolar, bem como aqueles
que ainda não foram alfabetizados. Dentre os projetos, destacam-se o Fórmula da
Vitória, destinado à alfabetização de alunos do 6° ano com defasagem idade/ano
escolar; o Autonomia Carioca, que consiste em oferecer reforço escolar em
Matemática, no contra turno, para alunos do 9° ano com baixo desempenho, assim
como aceleração de aprendizagem para alunos do 6º, 7º e 8º anos com defasagem
idade/ano escolar; o Acelera Brasil, que busca oportunizar classes de reforço
escolar para alunos do 3° e 4° anos com defasagem idade/ano escolar; o Se Liga,
que visa alfabetizar alunos matriculados no 3°, 4° e 5° anos com defasagem
idade/ano escolar; o Ponto de Partida, cuja finalidade é oferecer classes
destinadas à alfabetização de alunos do 6° ano; e o Tecendo o Saber, que tem por
finalidade desenvolver estratégias de aceleração de aprendizagem para alunos do
5° ano com defasagem idade/ano escolar.
Segundo a coordenadora Sônia, a Escola Esperança incorporou alguns dos
projetos supracitados, tais como o Acelera Brasil, o Tecendo Saber e o Autonomia
Carioca.
A equipe técnico-pedagógica da Escola Esperança, em 2011, era formada
por 34 professores regentes, uma diretora, uma adjunta e uma coordenadora
pedagógica. Dada a ênfase de nosso estudo no 5º ano do ensino fundamental,
convidamos a participar da pesquisa somente as professoras dessa série, além da
equipe de direção da escola. As professoras, além de concederem entrevista, nos
autorizaram a observar suas aulas.
A tabela abaixo sintetiza os perfis das profissionais participantes de nossa
pesquisa. É importante ressaltar que todas aquelas que informaram ter realizado
curso de Pós-graduação também eram formadas no Curso Normal e haviam
concluído a graduação em Pedagogia.
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Tabela 8 Síntese do Perfil dos Profissionais Participantes da Pesquisa75
Idade Tempo na rede
Municipal
Tempo na Escola
Esperança
Tempo na Função
Atual Formação Acadêmica
Diretora
Maria Eduarda 39 17 anos 8 anos 3 anos
• Curso Normal • Graduação em Pedagogia • Especialização em Administração Escolar • Pós-graduação em Docência no Ensino Superior
Coordenadora
Sônia 48 29 anos 19 anos 13 anos • Curso Normal
• Graduação em Letras
Coordenadora Fênix 51 8 anos 2 anos 3 meses76 • Curso Normal • Adicional • Graduação incompleta em Pedagogia
Professora da Sala de
Leitura
Maria Isabel
53 34 anos 29 anos 9 anos
• Curso Normal • Graduação em Pedagogia • Pós-graduação em Alfabetização de Jovens e Adultos • Aperfeiçoamento em Literatura Infantil
Professora Emília 54 30 anos 30 anos 30 anos
• Curso Normal • Adicional • Graduação em Pedagogia • Graduação em Biologia
Professora Luana 43 3 anos 3 meses 3 meses • Curso Normal • Graduação em Pedagogia • Pós-graduação em Psicopedagogia
75 Todos os nomes são fictícios e foram escolhidos pelos próprios sujeitos da pesquisa, exceto a coordenadora Sônia. 76 A Coordenadora também é professora de uma turma de alfabetização na parte da tarde.
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Como podemos verificar, a maioria das entrevistadas possuía um tempo
considerável de experiência na rede municipal, com exceção da Professora Luana,
que, na época, estava há três anos como docente no município.
Outro dado que merece atenção é o fato de que a maior parte das
participantes da pesquisa, além de estar há bastante tempo na rede municipal,
atuam há muitos anos na Escola Esperança, fator que pode favorecer o
fortalecimento da identidade da escola. Durante a observação, pudemos constatar
que pelo menos um terço do corpo docente trabalhava na instituição há pelo
menos cinco anos. A professora Emília e Maria Isabel, responsável pela Sala de
Leitura, as profissionais que se encontram há mais tempo na escola, se
aposentaram e continuaram a trabalhar.
Emília lecionou no ano de 2010 para uma turma de quinto ano, porém não
tivemos a oportunidade de acompanhar sua turma na ocasião, devido ao fato de a
professora ter se afastado para gozar uma licença denominada ‘TRE'77. Ela
lecionava na Escola Esperança nos anos em que ocorreram as ondas GERES, e
Emília foi professora de umas das turmas participantes do Projeto. Já Luana, que
até 2011 atuava como professora da rede particular no turno da tarde, também
participou do GERES, porém em uma das escolas privadas que constituíram a
amostra da pesquisa na cidade.
Sônia foi coordenadora no ano de 2010, mas, em 2011, saiu da escola após
treze anos na função, por ter sido convidada a assumir um cargo administrativo na
Secretaria Municipal de Educação da cidade. Quem passou a ocupar a
coordenação no ano de 2011 foi a professora Fênix.
Embora haja um grupo de professoras que permanece na Escola Esperança
por muitos anos, foi recorrente em nossas entrevistas a preocupação com a falta de
professores regentes.
O afastamento dos professores ocasiona uma série de transtornos à
organização do cronograma escolar. Maria Isabel relatou que o maior obstáculo
para a concretização e continuidade dos projetos de leitura na escola foi
justamente seu afastamento da sala de leitura para suprir a ausência de docentes:
“a falta de professores aqui na escola faz com que o trabalho seja sempre
interrompido. Com isso, fica mais difícil obter êxito...”, explica Maria Isabel.
77 Mais à frente falamos com maiores detalhes sobre os motivos dos afastamentos dos professores de sala de aula e contextualizamos a ‘licença TRE'.
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Nos dois períodos de observação da escola, tanto em 2010 quanto em 2011,
presenciamos momentos em que a professora Maria Isabel, da sala de leitura,
precisou ser desviada de sua função na escola para assumir alguma turma cujo
professor se encontrava ausente. Em 2010 o desfalque no quadro de docentes foi
tamanho que, na tentativa de contornar a situação, foi necessário que a diretora e a
coordenadora também assumissem turmas, deixando de cumprir, por isso, com
suas atribuições na coordenação, além de restringir os horários de atendimento aos
professores e familiares.
Muitas vezes, o coordenador perde o foco de sua função, devido a diferentes fatores, como falta de professores. A gente cria estratégias nesses casos... Primeiro redirecionamos a professora da sala de leitura para a sala de aula, mas tem momentos em que temos tantas faltas que eu e a diretora deixamos nossas funções temporariamente e assumimos turmas também. A escola acaba sendo cobrada, estatisticamente, sem considerar os nossos problemas... Este ano, por exemplo, fiquei três meses em turma, de fevereiro a junho, e no final do segundo semestre assumi turmas novamente! Eu acredito que, nesse ano, não dei conta do ‘pedagógico’ da escola como um todo... tenho só uma matrícula no município e não consegui ter tempo para as atividades da coordenação. Com isso, também fica difícil dar conta do PPP e das metas, bem como das avaliações externas, provas bimestrais da Secretaria, a Provinha Brasil, do 2º ano, Alfabetiza Rio, do 1ºano, duas vezes ao ano, Prova Rio, e ano que vem Prova Brasil, que medirá o IDEB da escola.
Coordenadora Sônia
As principais causas do afastamento dos professores, segundo as
entrevistadas, foram o excesso de profissionais afastados por problemas de saúde
e por estarem gozando uma licença chamada ‘TRE'.
Dos problemas de saúde destacados, encontram-se o estresse, as doenças
nas cordas vocais e a depressão, corroborando com pesquisas que tratam do mal-
estar docente (Gasparini et. al., 2005; Delcor et. al., 2004; Bastos, 2009).
As mesmas patologias foram registradas em uma pesquisa realizada com 10
professoras da cidade de Betim, em Minas Gerais. Bastos apresenta que, assim
como evidenciado nos relatos das professoras da Escola Esperança, as principais
doenças estavam relacionadas ao estresse, problemas com a voz e depressão (p.
88, 2009), somando-se a outros problemas como alergias e doenças respiratórias.
Em artigo publicado na Revista Educação e Pesquisa, Gasparini et. al.
(2005) indicam que as reais condições sob as quais são submetidos os
profissionais docentes no país vêm contribuindo para o desenvolvimento de
128
diferentes doenças físicas e mentais na classe. Nessa direção, Assunção e Oliveira
(2009)78, apontam que os “efeitos negativos sobre a saúde dos docentes
decorreriam de fatores como a massificação da educação, a desregulação, a
redefinição de tarefas (...)” (p. 349).
Tendo em vista a gravidade dessa problemática e dos efeitos do afastamento
dos professores de suas salas de aula, seria interessante que novas pesquisas
buscassem investigar as causas e consequências das patologias da classe,
principalmente no contexto da cidade do Rio de Janeiro.
Outra razão para o afastamento de decentes relatado pelas entrevistadas na
Escola Esperança foi a licença denominada como ‘TRE'.
Segundo a explicação de Sônia, fazem jus ao benefício os funcionários
públicos municipais que, voluntariamente ou não, trabalham durante o período
eleitoral. De acordo com a coordenadora Sônia, como os professores da rede são
funcionários públicos municipais, passam a ter o direito à referida licença. A
respeito deste assunto, a coordenadora acrescenta que
(...) poucas foram as secretarias de educação que conseguiram se impor quanto a isso. Segundo a lei, todo funcionário público tem direito a trabalhar nas atividades burocráticas relacionadas às eleições, ficando à disposição do TRE, e depois do processo tiram licença, se afastando da turma durante o tempo em que trabalharam no tribunal.
Como o processo eleitoral ocorre durante o ano letivo, os professores se
afastam de suas atribuições na escola durante todo o tempo das eleições, inclusive
nos casos em que existe a necessidade de se realizar o segundo turno. O mais
grave é o fato de que cada dia de trabalho no TRE equivale a um dia folga a mais
quando o professor retorna às suas atividades escolares. Sendo assim, o professor
se ausenta duas vezes da turma: durante o processo eleitoral, quando fica à
disposição do Tribunal Regional Eleitoral, afastado da escola, e após o
encerramento das eleições, quando o docente, ao voltar à escola, escolhe os de sua
licença.
Além disso, mais de um professor na instituição pode, concomitantemente,
se voluntariar para o trabalho, gerando uma série de transtornos para o
desenvolvimento dos projetos da instituição de ensino:
78 Os autores citam Lantheaume (2007).
129
As turmas ficam sem aula, pois, dependendo do número de professores que ficam a disposição do TRE, a escola não consegue desenvolver estratégia para suprir essas ausências. Nesse ano, [2010] as turmas de quinto ano foram as mais prejudicadas.
Coordenadora Sônia
Maria Isabel, professora que embora seja responsável pela sala de leitura e
pelas atividades de leitura que envolvem toda a escola e a comunidade, é uma das
primeiras a ser acionada para assumir uma turma em casos como os citados acima,
relata ser muito complicado dar continuidade aos projetos e manter a qualidade do
ensino tendo que lidar constantemente com essa situação. Segundo a docente, este
é um dos problemas mais sérios enfrentados pela escola atualmente.
Vale registrar que o problema do afastamento de professores foi uma das
razões pelas quais não conseguimos acompanhar as aulas das turmas do quinto
ano em 201079 e por termos decidido incluir na pesquisa somente as docentes que
ministraram aula no ano de 2011.
4.3.3. Aspectos Pedagógicos
Nesta subseção, trataremos de alguns aspectos relativos ao Projeto Político
Pedagógico da Escola Esperança80 e à abordagem pedagógica adotada pela
instituição segundo os sujeitos entrevistados.
Ao chegarmos pela primeira vez à Escola Esperança, no mês de novembro
de 201081 por volta das 7:30h, reparamos que ainda havia alguns alunos chegando
(o portão abre às 7:15h para entrada das crianças). Uma simpática senhora nos
recebeu e nos encaminhou à secretaria. Fomos orientados a aguardar para nos
79 Tivemos contato com uma das professoras do quinto ano em 2010, mas somente em meados de dezembro. Na ocasião a professora lecionou para alunos que precisavam realizar uma avaliação final, pelo fato de não terem alcançado a média para ingressar no sexto ano em 2012. Por esse motivo, optamos por não incluir os registros dessa única aula observada e dar prosseguimento à pesquisa em 2011. 80 O Projeto Político Pedagógico será abordado novamente no capítulo seguinte, quando estabelecemos relações entre o documento e o papel dos professores e da comunidade na tomada de decisões da escola. 81 É importante lembrar que o trabalho de campo foi iniciado somente em novembro devido às exigências feitas pela Secretaria de Educação para a liberação da pesquisa, fato esse citado no Capítulo destinado à metodologia empregada em nosso trabalho.
130
apresentar à Sônia82, coordenadora da Escola Esperança há doze anos, mas que
passou a ocupar um cargo na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro a partir do
ano seguinte, momento em que Fênix, professora regente de turmas de Educação
Infantil e Alfabetização, assumiu a função. Enquanto esperávamos, passeamos
pelo hall do prédio que, para nossa surpresa, estava repleto de murais, cartazes e
outros elementos que expunham produções de crianças versando sobre o tema
cultura africana (a partir das Figuras 7 e 8, presentes neste capítulo, na página 58,
podemos reconstruir a imagem do hall naquele dia). Além dos murais, havia bem
próximo ao portão principal de entrada no prédio, uma caixa contendo alguns
materiais de leitura, livros antigos, jornais e livros didáticos83. Quando folheava
um dos livros, recebemos a notícia de que Sônia já se encontrava disponível para
conversar comigo e me apresentar à escola. Explicamos brevemente o motivo da
nossa presença no estabelecimento de ensino, falamos um pouco sobre o GERES
e sobre a nossa pesquisa, especificamente. Como Sônia já era coordenadora na
época em que o Projeto GERES foi realizado, conhecia os principais pressupostos
e objetivos do trabalho. Especifiquei a abrangência da nossa investigação, o foco
nas atividades de Leitura, porém não deixamos claro nosso interesse em
identificar relações entre as culturas escolares e as culturas de referência dos
alunos, para que isto não influenciasse as entrevistas e observação das práticas na
instituição.
Após a conversa inicial, a coordenadora nos levou até as incumbências da
escola, contou um pouco da história do prédio, dos problemas que o
estabelecimento enfrentou há alguns anos devido aos alagamentos – no último
episódio, a sala de leitura e todo o segundo pavimento precisaram ser interditados
-, sobre as obras de reestruturação que aconteceram e sobre a organização das
turmas nas salas de aula. Contou que o período era de culminância do projeto
denominado "África: buscando minhas origens”, o que justificava a grande
quantidade de trabalhos em exposição. Nos pátios internos também havia murais,
cavaletes e outros suportes que expunham uma série de produções dos alunos.
Na ocasião, a coordenadora contou que a principal preocupação que a escola
tem no momento da escolha do assunto base do Projeto Político Pedagógico é o
82 Foram usados nomes fictícios com o objetivo de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa. 83 No Capítulo 5 abordaremos os projetos de leitura desenvolvidos na Escola Esperança, entre os quais se inclui a referida caixa de livros.
131
impacto que ele exercerá na comunidade, o retorno social que o tema trará ao ser
trabalhado no âmbito escolar. Como exemplo, Sônia citou o primeiro PPP do qual
ela participou na Escola Esperança, no ano de 1998, que foi chamado Ser Gente,
Ser Consciente na Sociedade. Na época, a instituição vivenciava um momento de
transição, de mudança do perfil do alunado, pois em pouco tempo a escola
deixaria de oferecer o segundo segmento do Ensino Fundamental. Por essa razão,
o tema focou na conscientização dos estudantes adolescentes, que teriam que fazer
a escolha por uma nova escola. Também foi o momento em que a escola
enfrentou uma série de problemas estruturais, conforme comentado anteriormente;
vivia-se o drama dos alagamentos nos períodos de chuva, o que afetava o
cumprimento do calendário escolar e, consequentemente, comprometia a
qualidade do ensino. O PPP contribuiu, naquele contexto, para mobilizar pais e
alunos a lutar pela melhoria das condições da escola e pela qualidade do ensino.
Foram organizados protestos e toda a comunidade foi às ruas, fato que
sensibilizou as autoridades de ensino locais, que, mais tarde, resultou num
importante investimento na Escola Esperança. Sônia contou que a Sala de Leitura
é um dos frutos das grandes obras pelas quais a instituição passou.
Todo aquele movimento serviu de inspiração para o PPP do ano
subsequente, denominado Escola Esperança ontem, Escola Esperança hoje, cujas
atividades tiveram por base a história vivida como exemplo para o futuro.
De acordo com Ilma Veiga (2003), este movimento de aproximação com a
comunidade escolar para o delineamento de estratégias que visem a melhoria do
ensino e os rumos da instituição é componente fundamental para um Projeto
Político Pedagógico voltado para a inovação emancipatória. Para a autora, “a
legitimidade de um projeto político-pedagógico está estreitamente ligada ao grau e
ao tipo de participação de todos os envolvidos com o processo educativo, o que
requer continuidade de ações” (Idem, p.277).
Além disso, complementa que
(...) o projeto pedagógico é caracterizado como ação consciente e organizada. O projeto deve romper com o isolamento dos diferentes segmentos da instituição educativa e com a visão burocrática, atribuindo-lhes a capacidade de problematizar e compreender as questões postas pela prática pedagógica.
Ibidem, p. 279
132
Em 2010, o Projeto Político Pedagógico, intitulado África: buscando minhas
origens, buscava desenvolver a consciência em torno da importância do negro na
sociedade brasileira, fazendo o link com a Copa do Mundo, sediada, na ocasião,
na África do Sul.
Já em 2011, o PPP se chamou Retratos do Brasil, e teve como proposta dar
continuidade aos trabalhos do ano anterior, enfocando a integração entre as
diferentes etnias do povo brasileiro.
A proposta, dessa forma se aproxima do Projeto Político Pedagógico situado
na ótica da inovação emancipatória abordado por Ilma Veiga (2003), pois o
mesmo
Está voltado para a inclusão a fim de atender a diversidade de alunos, sejam quais forem sua procedência social, necessidades e expectativas educacionais84; projeta-se em uma utopia cheia de incertezas ao comprometer-se com os desafios do tratamento das desigualdades educacionais e do êxito e fracasso escolar.
(Idem, p.276)
Ao analisarmos o PPP, percebemos que não apresentava o posicionamento
da instituição em termos de abordagem pedagógica na qual a escola se apoia. A
esse respeito, a diretora justifica, colocando-se contrária à ideia de se basear
somente em uma ‘linha pedagógica’:
Eu sou contra seguir uma linha pedagógica somente. Penso que cada professor deve optar pelas estratégias a serem seguidas de acordo com as características de cada turma. O importante é que a turma consiga caminhar... Além disso, acontece muitas vezes de o mesmo professor usar métodos diferentes no contexto de uma mesma turma, devido às diferenças existentes entre os alunos do grupo.
Maria Eduarda complementa, chamando atenção para a importância de se
levar em consideração as características dos alunos ao realizar a escolha pela
abordagem pedagógica a ser empregada:
No município, já vivenciamos a tentativa de uma espécie de “unificação” dos caminhos a serem percorridos pelos professores com suas turmas, mas é preciso perceber que as pessoas não são iguais! Por isso, não podemos trabalhar da mesma forma. É preciso que o professor faça um diagnóstico da turma para então definir suas estratégias.
84 A autora cita Carbonell, 2002.
133
Quando indagada acerca da existência de uma linha pedagógica, a
coordenadora Fênix explicou que a escola procurava seguir as orientações da
Secretaria Municipal de Educação, mas que no interior da sala de aula, o professor
tinha autonomia para direcionar suas práticas:
Nós procuramos seguir as orientações que nos são passadas nas capacitações. Houve uma época em que se falava muito em construtivismo. Mas eu diria que, aqui, trabalhamos com métodos mais ecléticos, pois cada turma tem uma necessidade diferente. Temos professores que trabalham com cartilha, outros com a realidade do aluno, etc. Às vezes, na mesma turma, a gente trabalha com mais de um método de ensino! Também, nos últimos anos, a Coordenadoria Regional de Educação tem fornecido os Cadernos Pedagógicos. Eles são baseados na nossa grade curricular, mas não se trata de um conteúdo engessado. O professor trabalha aqueles cadernos de maneira mais autônoma.
Ao fazer o mesmo questionamento a Maria Isabel, a professora relatou
acreditar na existência de uma linha pedagógica na escola, no entanto voltada para
o desenvolvimento da autonomia dos alunos:
Sim, nós temos uma linha pedagógica aqui na Escola Esperança, no sentido de que nossas ações buscam a formação de hábitos, valores, atitudes, e, principalmente, conscientização dos alunos.
A professora Emília acrescenta à formação de valores o foco no
desenvolvimento de habilidades fundamentais para o acesso às oportunidades de
modo mais equânime na sociedade:
Aqui na escola seguimos uma linha com foco no desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita, pois, no mundo de hoje, é necessário que essas habilidades estejam consolidadas para que os alunos tenham alguma chance de crescer.
A professora Luana acredita, nesse contexto, que a instituição busca
“construir o conceito com o aluno (...) o município trabalha muito a partir do
concreto para construir um conceito, pois isso facilita a aprendizagem”,
aproximam-se de ideias construtivistas.
As diferentes respostas obtidas em relação à existência de uma possível
abordagem pedagógica nos levam a crer que a Escola Esperança assume
diferentes posicionamentos pedagógicos, a depender do contexto e dos grupos de
alunos que se constituem a cada ano, embora tenhamos percebido influências
134
construtivistas e sociointeracionistas nas práticas e no próprio discurso dos
professores.
Ainda que em muitas escolas se evidencie uma ‘mescla’ entre as tendências
pedagógicas, entendemos ser necessário que as instituições tornem explícitas
concepções de mundo, de sociedade, de escola e do homem que se pretende
formar no âmbito de seu Projeto Político Pedagógico.
Conforme observamos no texto do PPP, a Escola Esperança não apresenta,
de fato, uma abordagem pedagógica, tampouco as concepções acima descritas.
Entretanto, a própria existência do documento, sua elaboração em conjunto com
os diferentes atores escolares e sua conexão com a realidade dos estudantes
evidenciam o esforço da Escola Esperança em direcionar seu trabalho em prol da
melhoria da qualidade do ensino.
Faz-se necessário ter consciência, contudo, que é preciso continuar a
caminhada. Como bem coloca Ilma Veiga (2003), a constituição do PPP, sob a
ótica da inovação emancipatória, passa por caminhos e descaminhos, acertos e
erros.
No próximo capítulo, analisamos os dados produzidos durante a pesquisa de
campo à luz dos referenciais teóricos apresentados no Capítulo 2, tomando como
ferramenta para organização dos materiais as categorias de análise listadas no
Capítulo 3.