4 a embalagem...4.4 a embalagem de cigarro a resolução n.º 104, que trata dos produtos derivados...

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4 A embalagem 4.1 Conceitos e usos A embalagem é um recipiente que tem a função de conter, proteger, conservar, movimentar e apresentar produtos, e que apresenta características tecnológicas e estéticas específicas. Suas características tecnológicas dizem respeito às propriedades físicas, como a forma de produção e os diversos materiais envolvidos na fabricação (plásticos, vidros, metais e papeis, dentre outros), que demandam uma cadeia de investimentos em matéria-prima, equipamentos, tecnologias de impressão, envase, acondicionamento e logística. As características estéticas estão ligadas diretamente às embalagens que irão apresentar os produtos no ponto de venda, transformando-a em vitrine do negócio, e se referem à forma e aos elementos visuais que a compõem, ambos responsáveis por sua comunicação visual. Mestriner (2001:11) considera a embalagem “um componente fundamental dos produtos de consumo, sendo considerado parte integrante e indissociável de seu conteúdo”, e destaca que, além de cumprir com as funções de armazenagem, proteção, transporte e exposição, uma embalagem deve ainda chamar a atenção e transmitir informações básicas, para que seja possível compreender o que está sendo oferecido, ressaltar os atributos complementares, e agregar valor ao produto. Haug (1997:75) complementa, ressaltando que a embalagem não pode ser pensada “apenas como proteção contra os perigos do transporte, mas como o verdadeiro rosto a ser visto pelo comprador potencial, antes do corpo da mercadoria, e que a envolve”. Muitos produtos têm a embalagem como símbolo, como por exemplo o perfume e o extintor de fogo, na maior parte da categoria de produtos o conjunto de embalagens se estrutura através de uma linguagem visual própria, são características específicas tanto no que diz respeito ao formato e aos materiais, como também em relação aos padrões cromáticos. A padronização visual surgiu

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  • 4A embalagem

    4.1 Conceitos e usos

    A embalagem é um recipiente que tem a função de conter, proteger,

    conservar, movimentar e apresentar produtos, e que apresenta características

    tecnológicas e estéticas específicas. Suas características tecnológicas dizem

    respeito às propriedades físicas, como a forma de produção e os diversos materiais

    envolvidos na fabricação (plásticos, vidros, metais e papeis, dentre outros), que

    demandam uma cadeia de investimentos em matéria-prima, equipamentos,

    tecnologias de impressão, envase, acondicionamento e logística. As características

    estéticas estão ligadas diretamente às embalagens que irão apresentar os produtos

    no ponto de venda, transformando-a em vitrine do negócio, e se referem à forma e

    aos elementos visuais que a compõem, ambos responsáveis por sua comunicação

    visual.

    Mestriner (2001:11) considera a embalagem “um componente fundamental

    dos produtos de consumo, sendo considerado parte integrante e indissociável de

    seu conteúdo”, e destaca que, além de cumprir com as funções de armazenagem,

    proteção, transporte e exposição, uma embalagem deve ainda chamar a atenção e

    transmitir informações básicas, para que seja possível compreender o que está

    sendo oferecido, ressaltar os atributos complementares, e agregar valor ao

    produto. Haug (1997:75) complementa, ressaltando que a embalagem não pode

    ser pensada “apenas como proteção contra os perigos do transporte, mas como o

    verdadeiro rosto a ser visto pelo comprador potencial, antes do corpo da

    mercadoria, e que a envolve”.

    Muitos produtos têm a embalagem como símbolo, como por exemplo o

    perfume e o extintor de fogo, na maior parte da categoria de produtos o conjunto

    de embalagens se estrutura através de uma linguagem visual própria, são

    características específicas tanto no que diz respeito ao formato e aos materiais,

    como também em relação aos padrões cromáticos. A padronização visual surgiu

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    como uma necessidade, no início da história da embalagem, e funciona como

    estratégia até os dias de hoje.

    As primeiras embalagens eram identificadas exclusivamente por sua forma, umavez que não existiam recursos técnicos para a inclusão de imagens ou códigosvisuais mais elaborados. A forma de ânfora ou do jarro indicava se o conteúdo eravinho ou azeite. (Mestriner 2001:14)

    A primeira matéria prima usada em larga escala na produção de embalagens

    foi o vidro, sua possibilidade de se transformar em utensílios de diversos formatos

    foi descoberta por artesão sírios, por volta do primeiro século depois de Cristo1.

    No Brasil, até 1945, poucos produtos eram comercializados pré-acondicionados,

    pois quase todos os produtos de primeira necessidade eram vendidos a granel,

    pesados no balcão e embrulhados em papel tipo manilha ou embalados em sacos

    de papel. Na indústria de alimentos já eram vendidos embalados: o café torrado e

    moído, o açúcar refinado, o extrato de tomate, o leite em garrafa, o óleo de

    semente de algodão e o vinagre, e, além dos alimentos, produtos como o cigarro, a

    cerveja, a cera para assoalho, a creolina, os inseticidas líquidos e os produtos de

    perfumaria. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que o processo de

    industrialização impulsionou a demanda por embalagens.

    Além dos aspectos físicos, os aspectos visuais fazem da embalagem um

    meio de comunicação visual, âmbito da atividade do design gráfico, definido por

    Villas Boas (2003:11,26) como área do conhecimento e prática profissional “cujo

    objeto é a elaboração de projetos para reprodução por meio gráfico de peças

    expressamente comunicacionais”, além disso, ressaltado como peça de design

    gráfico que tem uma função subjetiva junto ao usuário “que a contextualiza

    historicamente como fruto de uma prática e objeto de uma disciplina específica e a

    distingue do design informacional e das práticas estritamente estéticas”. Esse

    caráter simbólico é condicionado à sociedade industrial, pois um produto, para ser

    considerado resultado da atividade do design gráfico, precisa ter um valor de

    troca, mesmo que seja de troca simbólica.

    1Disponível em http://www.abre.org.br/index_cch.htm, acesso em 07 out. 2004.

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    4.2 Componentes visuais

    As informações contidas na embalagem são elaboradas visualmente por

    meio de uma combinação de elementos, que deve possibilitar a conversão de uma

    idéia em mensagem, gerando assim a comunicação. É através da interface, isto é,

    da parte do objeto que entra em contato com o olhar do observador, que a

    interação acontece. Alguns fatores podem facilitar ou dificultar essa comunicação,

    como a adequação da tipografia à situação de leitura, o contraste entre figura e

    fundo, e as cores utilizadas. Portanto, para que um objeto chegue a ser percebido

    pelo usuário, precisa antes apresentar eficiência na transmissão das informações

    entre o meio de comunicação visual e o indivíduo, atendendo a requisitos

    ergonômicos essenciais para que a informação esteja acessível.

    A Ergonomia trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades,

    limites e outras características do desempenho humano, que se relacionam com o

    projeto de interfaces entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como

    prática, a Ergonomia compreende a aplicação de tecnologia da interface homem-

    sistema a projetos ou modificações de sistemas para aumentar a segurança,

    conforto e eficiência desse sistema e da qualidade de vida (Moraes,

    Mont´Alvão:1998).

    Os componentes gráficos de uma embalagem podem ser estruturados com

    elementos verbais e não-verbais. Quando o usuário lê e compreende a mensagem

    que o elemento verbal se propõe a transmitir, é possível afirmar que sua função foi

    cumprida, e para tanto alguns critérios foram seguidos. Inicialmente o elemento

    verbal deve atender a requisitos de usabilidade, “determinados por três critérios

    ergonômicos: legibilidade, leiturabilidade (readability) e pregnância” (Niemeyer,

    2003:70), a legibilidade trata das letras que constituem o texto e suas

    características, como tamanho, desenho e espaçamento, além do contraste entre

    letra e fundo. A leiturabilidade se relaciona diretamente com a legibilidade, e está

    ligada ao tamanho da frase ou texto, à quantidade de texto e à forma como este é

    distribuído na composição. A pregnância refere-se à capacidade de destaque do

    texto verbal em relação ao entorno, tal destaque pode se dar por meio de variações

    de tamanho, inclinação ou cor contrastante.

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    4.3 Advertências

    Uma advertência é definida por Mont’Alvão (2000:10-17) como a

    “informação sobre uma possível conseqüência negativa – uma mensagem de que

    algo indesejável pode ocorrer a alguém ou a algo como resultado ou falha de uma

    determinada ação”. Trata-se então de um alerta a respeito de uma situação de

    risco, definida como “um conjunto de circunstâncias que têm o potencial de

    causar ou contribuir em uma injúria ou morte” (Sanders & McCornick apud

    Mont’Alvão 1993:13).

    O usuário, ao se deparar com uma advertência, precisa, inicialmente,

    interpretá-la e assimilar que se trata do alerta de uma conseqüência negativa de

    uma ação. Mont´Alvão (2000) apresenta um modelo para aferir a eficácia de uma

    advertência, com base na psicologia cognitiva, que estabelece o processo mental

    em seqüência de estágios e, em cima desses estágios, define que a advertência

    deve: capturar a atenção (ser notada), apresentar informações de forma clara a fim

    de que seja compreendida, considerar a persuasão como um componente (através

    de mensagens de acordo com as atitudes e crenças do público alvo) e motivar o

    usuário a seguir (obedecer) a mensagem.

    Wogalter et. al. (2000) consideram como funcional uma advertência

    elaborada a partir dos seguintes elementos: sinal textual para atrair a atenção

    (como “cuidado” ou “perigo”); identificação e descrição específica e completa do

    perigo; explicação das conseqüências da exposição ao perigo, pois advertências

    mais explícitas estão associadas a um maior grau de percepção do risco; e

    diretrizes para evitá-lo. Atman at. al. (1994) ressaltam que o conteúdo de uma

    comunicação de risco deve ser específico o suficiente para gerar a tomada de

    decisão, isto é, não devem ser nem tão gerais a ponto de não levar a decisões

    concretas e nem tão detalhadas a ponto de ofuscar a mensagem com informações

    muito técnicas.

    Wogalter et. al. (2000) defendem ainda a utilização de pictogramas nas

    advertências, pois estes aumentam a percepção do alerta e facilitam a

    compreensão da mensagem, consideram também que as pessoas estão mais

    propícias a reparar as advertências quando utilizam um produto pela primeira vez

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    do que quando já o conhecem ou se acostumaram com ele, por isso indicam a

    renovação permanente das advertências como estratégia a ser utilizada.

    Leonard e Karnes (1999) destacam que as informações contidas em um

    aviso podem ser suplementadas tanto por experiências anteriores do indivíduo

    quanto pelas circunstâncias ambientais em que o aviso é apresentado. Para os

    autores uma variedade de comportamentos pode ser alterada com base em outros

    comportamentos, pois observar alguém desobedecer a uma advertência pode levar

    o indivíduo a presumir que o perigo não oferece grandes conseqüências. Atman at.

    al. (1994) afirmam que as crenças das pessoas afetam a maneira como elas

    interpretam e usam qualquer informação, e Slovic (1987) confirma que a

    percepção e a aceitação do risco estão ligadas a fatores sociais e culturais, pois a

    resposta ao perigo é mediada pela influência social de amigos, família, colegas de

    trabalho e até mesmo autoridades, e são a partir dessas referências que as pessoas

    agem, dando pouca importância a alguns riscos e enfatizando outros. Slovic

    (1987) destaca ainda que o significado de “risco” é diferente para pessoas

    diferentes, e que a aceitabilidade do risco de uma atividade é proporcional aos

    benefícios que ela oferece.

    Leonard e Karnes (1999) concordam que alguns avisos são ignorados por

    suas conseqüências não terem sido consideradas sérias o bastante. Em alguns

    casos as conseqüências apontadas nas advertências podem ser subestimadas por

    fatores que levam os usuários a atenuar a percepção de risco, um desses fatores é a

    observação de indivíduos que têm a percepção do risco reduzida sensivelmente

    por terem desobedecido a advertência e não terem sido punidos, outro fator está

    ligado às situações de perigo em que os usuários se envolvem espontaneamente,

    isto é, são situações “voluntárias”, e justamente por isso são consideradas

    “controláveis”.

    4.4 A embalagem de cigarro

    A resolução n.º 104, que trata dos produtos derivados do tabaco, define

    embalagem como “maços, carteiras ou box, pacotes, latas, caixas e qualquer outro

    dispositivo para acondicionamento dos produtos que vise o mercado consumidor

    final1”.

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    As principais embalagens para o produto se dividem entre box e maço, e

    independente do modelo, acondicionam 20 cigarros. Para efeito de estudo as áreas

    externas das embalagens de cigarro foram nomeadas como face maior, laterais e

    faces superior e inferior, esta definição se aplica tanto às embalagens box quanto

    aos maços, e todas seguem o mesmo padrão de distribuição dos elementos.

    Figura 4. Faces superior e inferior, laterais e faces maiores da embalagem de cigarro.

    As faces, superior e inferior, são destinadas ao logotipo do produto. Uma

    das laterais traz o selo fiscal, o nome do fabricante, a quantidade de cigarros por

    embalagem, a descrição do produto, os ingredientes básicos, os níveis de alcatrão,

    nicotina e monóxido de carbono, e o código de barras. A outra lateral apresentou

    um padrão gráfico para cada uma das fases da campanha, na primeira trazia a

    quantidade de cigarros, em caixa alta o alerta “Produto para maiores de 18 anos”,

    e os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, com a seguinte

    informação: "Não existem níveis seguros para consumo destas substâncias”,

    impressos em caixa alta na cor branca sobre um retângulo preto, que ocupava 2/3

    do comprimento e toda a extensão da largura da lateral. Na segunda fase da

    campanha passou a trazer o seguinte alerta em caixa alta: “Venda proibida a

    menores de 18 anos – lei 8069/1990 e lei 10.702/2003” e proibiu o uso das frases

    “somente para adultos” e “produtos para maiores de 18 anos”, além disso a frase

    impressa no box preto foi alterada para "Este produto contem mais de 4.700

    substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não

    existem níveis seguros para consumo destas substâncias". O uso da cor preta ficou

    explícito, pois na primeira fase da campanha foram utilizadas outras cores, escuras

    porém diferentes do preto, tanto nos retângulos laterais como na face maior da

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    embalagem, portanto a lei passou a determinar o uso da impressão em 100% preto

    para o caso da policromia tradicional, a utilização do cinza escuro conforme

    Escala PantoneTM 419 CV, ou ainda outra composição que possa reproduzir a cor

    preta, com o objetivo de manter as características visuais da advertência.

    Uma das faces maiores da embalagem é dedicada ao fabricante, que a utiliza

    para a identificação da marca do produto ou como meio de divulgação e

    construção (ou reforço) da imagem da marca. A outra face é dedicada à campanha

    do Ministério da Saúde, que ocupa sua área total. Considerando o alerta como um

    todo, a área destinada ao texto ocupa 1/3 do total, enquanto os 2/3 restantes são

    ocupados pela imagem. Além disso, um selo padrão que traz o telefone do serviço

    “Disque Pare de Fumar” é veiculado em todos os alertas sempre sobre as fotos,

    conforme figura 5:

    Figura 5. Destaque dos elementos do alerta.

    O espaço do alerta textual é delimitado por um retângulo e corresponde a

    1/3 da área total, nele o texto é prescindido da chamada “O Ministério da Saúde

    adverte” e impresso em caixa alta na cor branca. Os alertas são padronizados e

    disponibilizados para as indústrias pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância

    Sanitária). O tamanho do tipo varia de acordo com o tamanho de cada frase, para

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    que seja ajustado no espaço pré-definido. O tipo utilizado é o Univers, que

    segundo Niemeyer (2003:49), se encaixa na classificação da Association

    Typographique Internationale, conhecida como Classificação Tipográfica

    Vox/ATypI, como um tipo linear (tipos sem serifa) neogrotesco (menor contraste

    entre as hastes do que os tipos grotescos), e que apresenta um “desenho

    cuidadoso, com forte preocupação com a legibilidade tanto para corpos grandes

    quanto para pequenos”.

    Figura 6. Relação dos dezenove alertas textuais.

    Ainda segundo os conceitos de Niemeyer (2003:70-74), o excelente

    contraste entre letra e fundo, e a fácil identificação dos caracteres, tanto

    individualmente como no texto, conferem legibilidade aos alertas. A

    leiturabilidade é garantida pelo adequado espacejamento entre os caracteres e das

    margens e espaçamento entre as linhas. Quanto à pregnância, uma prioridade em

    mensagens de advertência, os alertas textuais também são considerados eficientes,

    pois se destacam do entorno, ainda que este seja composto por uma imagem que

    ocupa um espaço físico maior que o do texto. É possível afirmar então que o texto

    verbal das advertências cumpre os requisitos visuais necessários, a fim de que

    possa ser efetivado o processo de comunicação.

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    Na primeira fase da campanha, apesar de a lei ter definido a cor preta para

    os retângulos nos quais seriam impressos os alertas textuais, alguns fabricantes

    utilizaram cores similares às de seus logotipos. Mont’Alvão (2000:25), sobre o

    uso das cores em advertências, destaca que “em geral, cores como amarelo e

    laranja indicam um risco menor do que o preto”.

    A cor é um quali-signo extremamente importante na construção da

    identidade visual das marcas, portanto é fundamental na sua leitura e

    identificação, dessa forma a utilização da cor do símbolo dos produtos no fundo

    dos alertas do Ministério da Saúde incorporou tais alertas ao projeto gráfico da

    embalagem (ver figura 7), o que poderia sugerir que a campanha era uma

    iniciativa da própria marca. A determinação legal da cor preta, reforçada pela

    definição de seus padrões gráficos na segunda fase da campanha, estabeleceu

    definitivamente o corte entre os alertas do governo e a identidade visual dos

    produtos.

    Figura 7. Modelo de embalagens da marca Malboro que utilizaram a cor idêntica à do logotiponos retângulos destinados aos alertas.

    O restante da área dessa face da embalagem, 2/3 do total, é destinado à

    imagem, e sobre as imagens é divulgado o logotipo e o telefone do serviço

    “Disque Pare de Fumar”, disponibilizados pela Anvisa em dois padrões para

    aplicação em fundos de cores claras ou escuras (figura 8). O selo é composto pelo

    texto “Disque Pare de Fumar”, o telefone “0800 703 7033” e o símbolo do

    serviço. O símbolo é construído através do desenho do cigarro, quali-signo

    icônico que representa o produto; o desenho do fone, que é ao mesmo tempo ícone

    de telefone e índice de ligação telefônica, transmite a mensagem “ligue”, é ainda

    índice do alerta simbólico “não fume”, pois ocupa a função do traço que corta

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    círculo vermelho, representando “proibido”. O símbolo com a representação do

    alerta “não fume” é coerente com o objetivo final da campanha, e o serviço

    oferecido pelo Governo, mesmo que em detalhe, representa um passo a mais na

    campanha que, ao invés de dizer somente “o cigarro é prejudicial à saúde”, passa

    a dizer também “nós podemos te ajudar a parar de fumar”.

    Figura 8. Selos do serviço “Disque Pare de Fumar”.

    Menos de dois meses após o início da campanha nas embalagens de cigarro,

    a marca Free, fabricada pela Souza Cruz, passou a fornecer, nas próprias

    embalagens, um cartão com informações sobre mudanças nas mesmas, com o

    tamanho certo para encobrir a frase e a imagem de advertência quando colocado

    entre o invólucro plástico e a caixa. Apesar de o fabricante não ter indicado este

    uso para o cartão, foi o que muitos fumantes fizeram. No caso do box do produto

    Free Slims, o cartão trazia de um lado a foto de um jovem tirando a camisa

    acompanhada da chamada "Free mudou de roupa", e do outro detalhes sobre o

    design mais moderno da caixa: "É a sua garantia de que Free mudou de roupa,

    mas seu cigarro continua o mesmo". No maço comum do cigarro (figura 9), o

    cartão trazia a chamada “puxe aqui” no canto inferior direito, era destacável e

    possuía lay out exatamente igual ao da própria embalagem, seu formato permitia o

    encaixe perfeito sobre as imagens da campanha antitabagista.

    Figura 9. Maço de cigarros da marca Free fechado, com o adesivo destacável, e com o adesivodestacado e encaixado sobre a imagem.

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    A resolução da Anvisa definiu como proibido "o uso de qualquer tipo de

    invólucro ou dispositivo que impeça ou dificulte a visualização das advertências,

    das imagens, bem como do logotipo e do número do serviço Disque Pare de

    Fumar", porém não ficava claro se a proibição se aplicava ao caso, pois o

    fabricante apenas forneceu o cartão, a atitude de usá-lo como um dispositivo para

    dificultar a visualização dos alertas partiu dos usuários do produto. Na segunda

    fase da campanha o parágrafo que tratava do assunto foi alterado, e a proibição

    passou a recair sobre “qualquer tipo de invólucro ou dispositivo que impeça ou

    dificulte a visualização da imagem padrão, ou de recursos, tais como cartões ou

    adesivos, que possam ser utilizados pelo consumidor para encobrir a imagem, nas

    embalagens dos produtos mencionados nesta Resolução”.

    4.5 Fume

    O conhecido “mundo de Malboro” começou a ser construído na década de

    60, apresentando à classe trabalhadora da época um caubói que cavalgava

    imponente por um cenário selvagem, representando um produto que quebrava

    padrões. A publicidade trabalha com o emocional do consumidor, é sempre

    positiva, bem-humorada, otimista, feliz e lúdica, dentre seus aspectos

    fundamentais estão o prazer e o sucesso. As campanhas buscam a divulgação de

    determinado produto, ou serviço, ressaltando algo além dos aspectos positivos e

    dos benefícios trazidos por eles, como prometia o maravilhoso mundo de Malboro

    que oferecendo o selvagem, a aventura e o perfeito, associava liberdade ao ato de

    fumar.

    O vocábulo “publicidade” é usado por muitos como sinônimo de

    “propaganda”, porém alguns autores discordam, e explicam suas diferenças:

    Publicidade deriva de público (do latim publicus) e designa a qualidade do que épúblico, significa o ato de tornar público um fato, uma idéia. Propaganda é definidacomo a propagação de princípios e teorias. Foi traduzida pelo Papa Clemente VII,em 1957, quando fundou a Congregação da Propaganda, com o fito de propagar afé católica pelo mundo. (Santana, 1998: 75)

    Essa diferença de significado é considerada nesse estudo, que trata a

    publicidade em relação à divulgação de um produto ou serviço, visando sua

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    compra ou uso pelos consumidores, e a propaganda como a divulgação de uma

    idéia, seja de caráter político, religioso e ideológico. Portanto, de um lado da

    embalagem está a publicidade, e do outro a propaganda.

    Por muito tempo a publicidade foi um dos sustentáculos do fumo, porém

    com as restrições impostas à divulgação do produto, a indústria tabagista passou a

    ter a embalagem do cigarro como uma ferramenta estratégica de marketing e

    comunicação. Em 2002, como forma de reação tanto às limitações da publicidade

    quanto à ocupação de uma das faces da embalagem pela campanha do Ministério

    da Saúde, a Philip Morris lançou uma série especial, e com imagens representando

    o velho oeste trazia o mundo de Malboro para as embalagens. Na mesma época a

    Souza Cruz lançou uma coleção especial para a marca Calton, que também

    traduzia o conceito da marca estampado nas embalagens do produto2.

    Figura 10. Modelo de duas séries especiais de embalagens, das marcas Malboro e Calton.

    As embalagens “temáticas”, e portanto colecionáveis, se apresentam como

    um forte recurso à indústria tabagista. Baudrillard (2002:94) define um objeto de

    coleção como aquele que “não é mais especificado por sua função, é qualificado

    pelo indivíduo: uma abstração apaixonada”, e defende seu forte apelo de vendas,

    pois “um apenas não basta: trata-se sempre de uma sucessão de objetos, num grau

    extremo, de uma série total que constitui seu projeto realizado”. Além disso, com

    a proibição das outras formas de divulgação, o espaço destinado à venda do

    produto nos pontos de venda também passou a ser fortemente explorado.

    2 Este trabalho reconhece a questão da sedução, do consumo e do extenso material simbólico queeste lado da embalagem oferece à análise, e ressalta que, justamente por isso, não irá se ocupardele, concentrando o estudo no outro lado da embalagem.

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    Em 2003 a Souza Cruz, por meio de uma campanha desenvolvida para a

    marca Free, divulgou, tanto através dos cartazes de ponto de venda como de

    cartões distribuídos nas embalagens, as seguintes sugestões: “Divirta-se em

    excesso. Fume com moderação", "Crie em excesso. Fume com moderação" e

    "Relaxe em excesso. Fume com moderação", seguido do slogan “Uma questão de

    ser Free”. No verso dos cartões distribuídos junto ao produto, o seguinte texto:

    "Aproveite em excesso. Fume com moderação. Ninguém tem o direito de fazersuas escolhas por você. É isso que chamam de liberdade, o ideal mais importantena vida de qualquer um. Free sempre acreditou nisso, respeitando os mais diversosestilos, opiniões, atitudes. Cada um na sua. Então seja livre para fazer o quiser:cante, ame, dance, crie, apaixone-se, sonhe, aproveite tudo em excesso. E se vocêdecidiu fumar, por que não com moderação? A decisão é sua. Só não deixe de serquem você é, seja quem for".

    Figura 11. Peça de divulgação da campanha da marca Free. Ano: 2003.

    A campanha foi retirada de circulação e rendeu um processo

    administrativo movido pela Anvisa3, que alegou associação do produto com

    propriedades calmantes e estimulantes, e contestou a possibilidade de alguém

    fumar “com moderação”, pois, como é divulgado na própria embalagem, não

    existem níveis seguros para o consumo das substâncias que compõem o cigarro.

    Outra estratégia adotada pelos fabricantes foi a ampliação da linha de

    produtos e o investimento em itens de valor agregado, como a Souza Cruz, que

    em 2004 lançou Carlton Flavours nas versões mint, crema e capuccino, o

    Hollywood nas versões caribbean menthol, australian, american e turkish e o Free

    com tamanho diferenciado e divulgação chamando para o novo estilo “diferente”.

    Portanto, é assim que funciona a publicidade, lançando mão da identificação do

    consumidor com a mensagem, gerando assim a compra e o consumo do produto.

    3Disponível em http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2003/160903_3.htm, acesso em 17 out.2004.

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  • 56

    De um lado da embalagem está o fabricante de produto com sua mensagem

    que corteja e que seduz, usando o apelo emocional, e do outro está o Ministério

    da Saúde com sua propaganda antifumo, apelando para o racional. O emocional

    diz “fume para ser livre, para ser interessante, para ser aventureiro” e o racional

    diz “não fume por que faz mal à saúde”.

    4.6 Não fume

    Com a resolução de maio de 2001, o Brasil passou a ser o segundo país do

    mundo a usar a própria embalagem de cigarro como veículo de contrapropaganda

    ao fumo. Em 2000 o Canadá foi o primeiro país possuir uma legislação

    determinando a impressão de advertências, acompanhadas de imagens coloridas,

    ocupando metade da frente e do verso das embalagens de produtos derivados do

    tabaco.

    Figura 12. Modelo dos alertas utilizados nas embalagens de cigarro do Canadá a partir do ano20004.

    Com o objetivo de medir o resultado da ação das imagens, o governo

    canadense encomendou uma pesquisa em 2001, que atestou a eficácia dos alertas

    com imagens desencorajar o consumo do fumo.

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    58% dos fumantes entrevistados disseram que as fotos coloridas com imagens decomo o câncer afeta a boca, os pulmões, o coração e o cérebro fizeram com queeles refletissem mais sobre os efeitos do fumo; 90% dos consumidores“perceberam” as advertências com imagens; 43% dos fumantes estavam maispreocupados com os efeitos do fumo por causa da nova embalagem; 44%afirmaram que a motivação para parar de fumar aumentou com as imagens; 38%entre os que pararam de fumar consideraram as imagens um dos fatoresmotivadores; 21% disseram que, em uma ou mais ocasiões, resistiram ao desejo defumar por causa das imagens; 21% disseram que se sentiram tentados a acender umcigarro, mas não o fez por causa das imagens de alerta5.

    Segundo o Inca6 a estratégia brasileira é vista com bons olhos por outros

    países, como Austrália e Tailândia, que desenvolveram alertas com imagens

    semelhantes às brasileiras após solicitaram o uso das fotografias usadas no Brasil

    e testá-las por um ano, obtendo resultados que constatam sua eficácia no aumento

    da consciência da população sobre os riscos do fumo e na motivação para

    abandonar o vício.

    Hoje há um movimento mundial na direção da adoção de imagens de

    advertência, países como Bangladesh, Índia, Jamaica e China já estudam essa

    possibilidade.

    Em outubro de 2004 a União Européia apresentou em Bruxelas, 42 imagens

    diferentes para uma campanha que prevê a inclusão de fotografias nos maços de

    cigarro, em substituição aos 14 alertas exclusivamente textuais veiculados

    atualmente nas embalagens, que trazem frases como "Fumar mata" e "Fumar pode

    provocar uma morte lenta e dolorosa". Os 25 países membros terão a opção de

    adotar as imagens que melhor se adaptarem a seus objetivos, e até agora só a

    Irlanda e a Bélgica indicaram que irão exigir dos fabricantes a inclusão das

    imagens nas embalagens, o que deverá acontecer no próximo ano. O modelo

    segue a proposta do Canadá, que utiliza metade da frente e do verso das

    embalagens para a veiculação dos alertas, conforme figuras 13a e 13b.

    4Disponível em http://www.hc-sc.gc.ca/english/media/photos/tobacco_labelling/index.htm, acessoem 07 nov. 2003.5CARVALHO, Mario Cesar. Fumante usa artifício para esconder fotos. Folha de São Paulo, SãoPaulo, 21 abr. 2002. Cotidiano, p. C96Disponível em http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2004/121104.htm, acesso em 17 out.2004.

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    Figura 13a. Modelo dos alertas propostos pela União Européia.

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    Figura 13b. Modelo dos alertas propostos pela União Européia.

    No Brasil, a campanha que utiliza fotografias nos alertas entrou em vigor a

    partir de 01 de fevereiro de 2002, e foi avaliada no mês de abril por uma pesquisa

    do instituto Datafolha7 que ouviu 2.216 pessoas com mais de 18 anos em 126

    municípios brasileiros. Segundo a pesquisa existem hoje cerca de 28,3 milhões de

    fumantes a partir da idade de 18 anos, o equivalente a 26% da população nessa

    faixa etária. O percentual de fumantes é maior entre homens (32%) do que entre

    mulheres (20%). A maior concentração de consumidores de cigarro (37%) está na

    faixa etária que vai de 35 a 44 anos, e em relação à educação e classe social, 29%

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    dos que costumam fumar estudaram até o 1º grau, e 27% ganham até cinco

    salários mínimos. A pesquisa (realizada no dia 09 de abril de 2002) apresenta

    ainda os seguintes resultados quanto às novas embalagens de cigarro:

    . 76% dos brasileiros com mais de 18 anos apóiam a obrigatoriedade das imagens;

    . 54% dos fumantes mudaram de idéia sobre as conseqüências do fumo para a

    saúde;

    . 67% dizem ter sentido vontade de abandonar o vício devido às imagens;

    . 30% acreditam que a imagem tem pouca eficácia no combate à dependência do

    fumo;

    . Os mais pobres e os que têm o menor grau de escolaridade sofreram um impacto

    maior do que os mais ricos com a introdução da contrapropaganda nos maços,

    entre os que tem renda até 5 salários mínimos, 73% dizem ter sentido vontade de

    parar de fumar quando viram os novos maços.

    Os aspectos racionais predominam na face da embalagem que serve aos

    interesses do governo, seu caráter de advertência, tanto visual (retângulo preto,

    fonte “séria” impressa em branco, em caixa alta e sem serifa) como o textual “O

    Ministério da Saúde adverte” são complementados pelo “Disque Pare de Fumar”,

    oferece uma alternativa ao fumante que pretende seguir a indicação do alerta. A

    pesquisa do instituto Datafolha apresenta a opinião dos usuários, mas não

    apresenta o resultado da briga entre racional e emocional nas embalagens de

    cigarro, que se dá em relação ao consumo do produto. O avanço do propaganda

    passa pelo significado que o usuário atribui ao alerta, e somente após a validação

    do mesmo é possível avançar para uma possível ação.

    7CARVALHO, Mario Cesar. Fumante usa artifício para esconder fotos. Folha de São Paulo, SãoPaulo, 21 abr. 2002. Cotidiano, p. C9

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