372cia segadas vianna abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. também,...

23
1 PROBLEMAS COM A ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA ANA LÚCIA SEGADAS VIANNA ABREU (UNIPLI) RESUMO: Esta comunicação tem como objetivo mostrar que a proposta de escrevermos tal como falamos é falha, portanto, não pode ser aplicada no sistema ortográfico da Língua Portuguesa. Para provarmos essa hipótese foram apresentadas questões acerca das relações biunívocas e não-biunívocas que se estabelecem entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. Além disso, com base em dados que foram retirados de textos produzidos por adultos, detectamos que muitos não têm o domínio da convenção ortográfica. Portanto, buscando compreender esse fenômeno, foram analisadas algumas prováveis causas dessa deficiência. Com objetivo de facilitar o ensino da ortografia, foram sintetizadas as regras gramaticais do sistema ortográfico que são aplicadas nas relações cruzadas, cuja regula- ridade é relativa. E também, algumas dicas são apresentadas, ob- jetivando facilitar a memorização dos grafemas que apresentam relações denominadas arbitrárias, ou seja, aquelas que não apre- sentam regras gramaticais.

Upload: vuongtram

Post on 09-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

1

PROBLEMAS COM A ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

ANA LÚCIA SEGADAS VIANNA ABREU (UNIPLI)

RESUMO:

Esta comunicação tem como objetivo mostrar que a

proposta de escrevermos tal como falamos é falha, portanto, não

pode ser aplicada no sistema ortográfico da Língua Portuguesa.

Para provarmos essa hipótese foram apresentadas questões acerca

das relações biunívocas e não-biunívocas que se estabelecem

entre os grafemas e os fonemas.

Também, questões acerca das variações lingüísticas e da

história da língua. Além disso, com base em dados que foram

retirados de textos produzidos por adultos, detectamos que muitos

não têm o domínio da convenção ortográfica. Portanto, buscando

compreender esse fenômeno, foram analisadas algumas prováveis

causas dessa deficiência. Com objetivo de facilitar o ensino da

ortografia, foram sintetizadas as regras gramaticais do sistema

ortográfico que são aplicadas nas relações cruzadas, cuja regula-

ridade é relativa. E também, algumas dicas são apresentadas, ob-

jetivando facilitar a memorização dos grafemas que apresentam

relações denominadas arbitrárias, ou seja, aquelas que não apre-

sentam regras gramaticais.

Page 2: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

2

Finalmente, algumas atividades que auxiliam o ensino do

sistema ortográfico são apresentadas com o objetivo de dinamizar

as aulas de ortografia da Língua Portuguesa.

Introdução

A presente comunicação visa refletir sobre a importância

do ensino crítico da ortografia, nas escolas. Foi a partir da percep-

ção de muitos erros ortográficos nas produções de textos de adul-

tos que propusemos a analisar esta temática. Além disso, para

esclarecermos a inviabilidade da proposta de escrevermos tal

como falamos, abordamos questões da linguagem, das relações

que se estabelecem entre grafemas e fonemas, das variações lin-

güísticas, da evolução da língua e das regras geradoras de nota-

ções corretas. Além disso, visando a melhoria do ensino-

aprendizagem, apresentamos alguns princípios que norteiam o

ensino da ortografia e algumas atividades que visam dinamizar a

prática pedagógica.

A pesquisa

Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em Novo

Aurélio Século XXI, ortografia é “o conjunto das regras que, para

uma determinada língua, estabelecem a grafia correta das palavras

Page 3: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

3

e o uso de sinais de pontuação”. Entretanto, mesmo havendo um

sistema ortográfico que rege essas regras, é notório que muitas

pessoas erram na grafia. Esta problemática foi detectada a partir

da pesquisa que foi realizada na UNIPLI - Universidade Plínio

Leite, em trabalhos de grupos, em uma turma do curso de Enfer-

magem e outra de Fisioterapia. Nas atividades da turma de Fisio-

terapia foram detectados os seguintes erros de grafia: expecífico

(específico), mensionados (mencionados), laser (lazer), exesso

(excesso) etc. E, na outra turma encontramos erros, como: exceso

(excesso), censato (sensato), extresse (estresse), obssessão (ob-

sessão), cançaso (cansaço), descançar (descansar), esstressante

(estressante), trajédia (tragédia) etc. Logo, os grafemas envolvi-

dos são: s, ss, z, c, ç, ch, x, j e g. Assim, buscando compreender

esse fenômeno, analisaremos o conceito de linguagem.

Linguagem

O homem é um ser social e para que ele possa interagir

com o outro é necessário que se estabeleça um código de lingua-

gem. Conseqüentemente, ele pode organizar seus pensamentos e

transmiti-los, concretizando, assim, a comunicação.

Segundo Monteiro e Oliveira (1987, p. 10), “um indivíduo

que se expressa e lê razoavelmente ainda não estabelece uma

perfeita comunicação. Ela se amplia e se apóia na escrita. A lin-

Page 4: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

4

guagem escrita é um problema bem mais complexo que a lingua-

gem oral”.

Devido a essa complexidade, muitas pessoas acreditam que

se escrevêssemos tal como pronunciamos as palavras, mais fácil

seria o ensino e a prática da escrita. Infelizmente, simplificar o

sistema ortográfico, aproximando-o do fonêmico, não é tão sim-

ples. Portanto, é fundamental que nos aprofundemos nos concei-

tos de grafema e fonema.

Relações “grafemas – som – fonemas”

Para melhor compreensão das relações que se estabelecem

entre os grafemas e os fonemas devemos analisar seus conceitos.

Segundo Monteiro e Oliveira (Idem, p. 143), grafema é um sím-

bolo usado para representar o som ou a articulação do falar hu-

mano e é o elemento fundamental da língua escrita. Já fonema é a

menor unidade sonora de uma língua, cuja função é a de diferen-

ciar um vocábulo de outro.

Manejar a escrita de forma eficiente é objeto do ensino da

ortografia, logo, é necessário que se estabeleça uma metodologia

de ensino que esclareça a idéia de que um grafema pode represen-

tar tanto um único fonema quanto mais de um. A maioria das

letras representa um único som, estabelecendo-se uma relação

biunívoca entre grafemas e fonemas. Entretanto, existem exce-

ções, e são elas que geram confusão, por exemplo, o s representa

Page 5: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

5

tanto o /z/ quanto o /s/, o g representa o /g/ e o /ž/, x pode repre-

sentar o /š/ em xícara, o /z/ em exército, o /cs/ em axila e o /ss/

em exceto.

Além disso, ocorre a situação oposta em que um único fo-

nema é representado por diferentes grafemas, por exemplo, o som

[s] pode ser grafado por s, c, ç, x, sç, sc, ss, xc e z.

A hipótese de escrevermos tal como pronunciamos parece

ser a mais viável para a facilitação do sistema de notação, mas

não podemos esquecer que a língua portuguesa tem diversas pro-

núncias. Para entendermos a inviabilidade da hipótese menciona-

da acima, analisaremos os conceitos referentes às variações lin-

güísticas.

Variação lingüística

O Brasil é um país de grande extensão territorial e suas re-

giões são distantes uma das outras, portanto, as pessoas tendem a

adquirir hábitos de linguagem diferentes. Os falantes apresentam

variações lingüísticas de acordo com os lugares e o grupo social

em que fazem parte. Essas variações podem ser fonéticas, lexi-

cais, morfológicas, sintáticas e semânticas.

Além da variação regional também denominada variação

diatópica, existe a variação diafásica, aquela que ocorre de acordo

com a situação de fala. E, ainda, temos a diastrática, ou seja, é

Page 6: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

6

aquela que ocorre de acordo com o nível socioeconômico do fa-

lante.

Fazendo um paralelo entre a língua escrita e a falada, com-

preendemos que a fundamental importância do sistema ortográfi-

co é a de impor limites na evolução da fala.

Retornando às variações, além das diatópicas, citadas aci-

ma, existem as variações diacrônicas que são aquelas que ocorrem

no decorrer do tempo. Segundo Chagas (Apud Fiorin, 2005, p.

141), as mudanças ocorridas na língua através dos tempos são

perceptíveis através do contato entre pessoas com faixas etárias

diferentes e também, através de textos escritos ou falados de ou-

tras épocas.

A evolução da língua portuguesa

Qualquer falante da língua portuguesa, que tem contato

com textos de outras épocas, perceberá que nossa língua sofreu

modificações no tempo. Segundo Fiorin (Op. cit., p. 144), “pala-

vras como sciencia tinham até o início do século XX uma grafia

etimológica, ou seja, uma grafia que tinha o objetivo de refletir

sua grafia na língua de origem, o latim”. Podemos dizer que o não

conhecimento etimológico da grafia de um vocábulo é uma das

causas das dificuldades ortográficas.

Segundo Faraco (1994, p.9), “dizer que o sistema gráfico

admite também o princípio da memória etimológica significa

Page 7: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

7

dizer que ele toma como critério para fixar a forma gráfica de

certas palavras não apenas as unidades sonoras que a compõe,

mas também sua origem”.

A língua está sujeita a transformações inevitáveis. De tem-

po em tempo, os pseudo-etimologistas propunham um retorno às

origens das palavras. Por conseguinte, com tantas transformações

foi necessário que se estabelecesse uma Ortografia da língua por-

tuguesa.

O sistema ortográfico

Segundo Morais (2001, p. 20), foi com o avanço da escola-

rização obrigatória e a proliferação dos meios de comunicação de

massa que se tornou fundamental ter, em cada país, uma forma

unificada de escrever. Portanto, todo sistema ortográfico é con-

vencional.

A ortografia se aprende lentamente, sem sentir, com o tem-

po. Morais (Op. cit., p. 24) também cita que “um ensino sistemá-

tico, que pouco a pouco leve à reflexão sobre as diferentes difi-

culdades de nossa ortografia, ajudará a criança exatamente a se

tornar melhor escritora.” Logo, ainda que se tenha um forte apelo

à memória, a aprendizagem do sistema ortográfico não é um pro-

cesso passivo: trata-se de uma construção individual, para a qual a

intervenção pedagógica tem muito a contribuir.

Page 8: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

8

As dificuldades ortográficas são classificadas em irregula-

res e regulares. Nas irregulares, o uso de uma letra, ou de um

dígrafo é justificado apenas pela tradição de uso, ou pela etimolo-

gia da palavra. Já as regulares, deduzimos a forma correta porque

existe um “princípio gerativo” que se aplica às palavras nas quais

aparece a dificuldade em questão.

Regras geradoras de notações corretas (direcionados aos gra-

femas s, ss, z, c, ç, ch, x, j e g)

De acordo com Faraco (Op. cit., p. 15), o sistema ortográfi-

co comporta dois tipos de relações: as relações biunívocas e as

cruzadas.

As relações biunívocas são identificadas quando uma de-

terminada unidade sonora corresponde uma certa unidade gráfica,

e esta unidade gráfica só representa aquela unidade sonora. Neste

caso, as relações são 100% regulares.

Já as relações cruzadas ou irregulares ocorrem em dois ca-

sos: quando uma unidade sonora tem mais de uma representação

gráfica possível. E quando uma unidade gráfica representa mais

de uma unidade sonora. Alguns casos das relações cruzadas estão

resumidos nos dados abaixo, apresentados por Faraco (Idem, p.

19).

Page 9: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

9

Casos em que uma unidade sonora tem mais de uma repre-sentação gráfica.

Unidade Sonora – /k/

a) a letra c, quando a unidade sonora /k/

– for seguida das vogais posteriores (orais: /u/, /o/, /ó/, /a/ ou na-

sais / ũ /, /õ/, /ã/): Ex.: curto, cocho, cola, canto;

– estiver em encontro consonantal (claro, crítico); ou no fim de

sílaba (pacto, técnico).

b) o dígrafo qu, quando a unidade sonora /k/ for seguida das vo-

gais anteriores (orais: /i/, /e/, /E/; ou nasais: /ĩ/, /e �/); Ex.: quilo,

querer, quero, quinto, quente.

c) a letra q quando a unidade sonora /k/

– for seguida de ditongo iniciado pela semivogal /w/, representa-

da na escrita por u seguido de a ou o (quatro, quando, quota) ou

por /ü/ seguido de e ou i (cinqüenta, tranqüilo).

Unidade Sonora – /g/

a) letra g, quando a unidade sonora /g/

– for seguida das vogais posteriores (orais: /u/, /o/, /ó/, /a/ ou na-

sais /ũ/, /õ/, /ã/): Ex.: gula, gota, ganso, gongo;

– estiver em encontro consonantal (globo, gruta); ou – o que é

bastante raro – no fim de sílaba (repugnar).

b) o dígrafo gu, quando o fonema /g/ for seguida das vogais ante-

riores (orais: /i/, /e/, /E/ ou nasais: / ĩ /, /e �/): Ex.: guia, guerra,

guincho.

Page 10: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

10

Unidade Sonora – /ž/

a) a letra j, quando a unidade sonora for seguida das vogais poste-

riores (orais: /u/, /o/, /ó/, /a/; ou nasais: /ũ/, /õ/, /ã/): juba – jogo –

jovem – laranja – juntar – jongo – jangada (100% regular).

b) as letras g ou j, quando a unidade sonora for seguida das vogais

(orais: /i/, /e/, /E/ ou nasais: /ĩ/, /e �/): girar/geral/germe/jirau/jeni-

papo/jegue/gingação/jinsem;nojeto/argentino. (arbitrária).

Os fonemas /z/ e /s/ são, em alguns contextos, regulares, e, em outros, arbitrárias.

Unidade Sonora – /z/

1. Representações regulares (só z, s e x):

a) no início de palavras, sempre a letra z: zebra, zangado, zombar,

zunido.

b) no fim de sílaba, sempre a letra s (a letra z nunca ocorre em fim

de sílaba no interior das palavras): desde, mesmo, pasmo, gos-

mento.

c) no início de sílabas precedido de vogal nasal ou consoante,

sempre z: banzo, zonzo, cerzir.

d) no seguinte contexto: e – V (i.e., a unidade sonora /z/ precedida

de e e seguida de vogal), quase só a letra x: exato, exame, exímio,

exemplo, exótico, exumar. Exeção: esôfago.

2. Representação arbitrária (s ou z)

Entre vogais, /z/ pode ser representado pela letra s e pela letra z:

casar, mesa, meses, azar, reza.

Page 11: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

11

Unidade Sonora – /s/

1. Representações Regulares

a) sempre a letra s

– se a unidade sonora /s/ estiver no início da palavra, seguida das

vogais posteriores (orais: /u/, /o/, /ɔ/, /a/ ou nasais: /ũ/, /õ/, /ã/):

sujo, soltar, sala, sonda, santo;

– se a unidade sonora /s/ estiver no fim da palavra e for marcada

de plural: casas.

b) quase sempre a letra s, quando a unidade sonora /s/ ocorre em

fim de sílaba

→ no contexto: cons + Vog + /s/

– 100% regular - será s com todas as vogais, menos e (pasta, pis-

car, posto, fustigar);

– situação arbitrária envolvendo escolha em poucos casos;

– com e, será s na grande maioria dos casos (resfolegar, resto,

emprestar).

Exceções: sexto, texto, têxtil e derivados (sêxtuplo, textual, pre-

texto, textura, sexteto).

→ vog + /s/

– 100% regular – será s com todas as vogais, menos e (astro isto,

ostentar);

– com e será s na grande maioria dos casos, (mais de 3.000 no

Vocabulário Ortográfico Oficial).

Page 12: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

12

2. Representações Arbitrárias

a) c ou s: no início de palavra, quando /s/ é seguido de vogais (na

escrita, i ou e): cisco, cesta, sílaba, sereno.

b) s ou z: no final de palavra (salvo na marca de plural) mês, gás,

quis, pus, vez, paz, giz.

c) s ou c (+ e/i) no início de sílaba, quando /s/ é precedido de con-

soante ou vogal nasal.Ex. pense/lance; versificar/parcimônia;

s ou ç (+ a/o/u) Ex.: torso/terço; pensar/lançar; persuadir/forçudo;

d) no contexto V-V

• vogal que segue é a/o/ u → ss ou ç Ex.: assunto, açaí;

ss ou sç a representação xs é

absolutamente rara (exsolver)

• vogal que segue é e/i → ss ou c receber – recibo

sc nascente – nascimento

x máximo – sintaxe

xc excelente – excitar

Unidade Sonora – /š/

Representações totalmente arbitrárias → palavras grafadas com x

ou com o dígrafo ch. Ex.: chave, xale.

Segundo Morais, (Op. cit., p. 36) “a compreensão das difi-

culdades regulares dá segurança ao aprendiz: internalizando as

regras, ele terá segurança para escrever corretamente palavras que

nunca teve a oportunidade de ler”.

Page 13: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

13

Como aplicar da melhor maneira as regras gramaticais?

Abordando as melhores maneiras de se ensinar as regras

arbitrárias, Faraco (Op. cit., p. 25) questiona o emprego do j ou g.

→ diante de e e i, a letra g é mais freqüente que a letra j.

→ a letra j ocorre: em palavras derivadas como loja/lojista, su-

jo/sujeira; em todas as formas dos verbos em -jar: via-

jar/viaje/viajem; palavras de origem tupi, africana ou popular

como jibóia e jiló.

→ a letra g ocorre: em palavras derivadas, por exemplo, verti-

gem/vertiginoso; em todas as formas dos verbos em -ger e -gir:

eleger (elegi/elegem) e fugir (fugi/fogem); e nas palavras termina-

das em -ágio, -égio, -ígio, -ógio, -úgio como estágio, colégio,

prestígio, relógio e refúgio.

Além disso, ele faz referencias aos grafemas s e z:

→ usar s depois de ditongos (pausa, coisa, lousa).

→ nas palavras terminadas em -oso/-osa (formoso/formosa; dolo-

roso; vaidosa).

→ nas palavras derivadas de outras escritas com s (empre-

sa/empresário; mesa/mesinha).

→ nos femininos em -esa e -isa (duque/duquesa; inglês; inglesa;

sacerdote/sacerdotisa).

→ nos verbos em -isar que derivam de palavras com s (análi-

se/analisar; pesquisa/pesquisar; aviso/avisar).

Page 14: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

14

→ usar z nas palavras derivadas de outras escritas com z

(cruz/cruzada; rapaz/rapaziada; feliz/felizardo).

→ nos substantivos terminados em -ez, -eza, derivados de adjeti-

vos (pobre/pobreza; triste/tristeza; mole/ moleza; rigido/rigidez;

rijo/rijeza).

→ nos verbos em -izar que derivam de palavras cuja raiz não

termina em s (suave/suavizar; útil/utilizar).

Quando as representações gráficas se tornam arbitrárias, ou

seja, não são previsíveis por meio de uma regra temos que memo-

rizá-la. Neste caso, é fundamental apresentar ao aluno o dicioná-

rio. Este, entre outras informações, mostra a origem e a grafia dos

vocábulos. Além disso, o aluno deve desenvolver alguns recursos

mnemônicos, por exemplo, trabalhar com as famílias das pala-

vras: não precisamos decorar isoladamente que homem, humano e

humanitário são palavras grafadas com h, deste modo, podemos

memorizar que todos os vocábulos parentes de homem se escre-

vem com h.

A letra s, no contexto V-V, nunca ocorre representando /s/

e o dígrafo ss é a representação mais freqüente.

Trabalhando com famílias de palavras, é interessante ob-

servar que quando é sc diante de e ou i, será sç diante de a/o/u,

(nascer/nascimento/nasço/nasça), quando é c diante de e/i, será ç

diante de a/o/u (dance/dança/danço).

Page 15: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

15

Conforme cita Faraco (2003, p.31), em séries mais avança-

das pode-se trabalhar a idéia de que usamos c/ç e não ss, depois

de ditongo como feição, louça, traição; e também, nos sufixos -

aça, -aço, -ação, -ecer, -iço, -ança e -uço: barcaça, ricaço, ar-

mação, entardecer, caniço, criança, dentuço; nos vocábulos de

origem tupi, africana, árabe ou exótica, por exemplo, paçoca,

açúcar, mulçumano. Além disso, Faraco (op. cit) apresenta a se-

guinte explicação: usa-se ss e não ç em correlações entre palavras:

Por exemplo, CED-CESS (conceder/concessão), GRED-GRESS

(agredir/agressão), PRIM-PRESS (oprimir/opressão), TIR-SSÃO

(omitir/omissão) e MET-MISS (submeter/submissão).

Com relação ao grafema x, em séries iniciais, é possível en-

sinar que usa-se sempre x: depois de ditongos: caixa, frouxo, rou-

xinol, com exceção de recauchutar e seus derivados; em vocábu-

los de origem indígena ou africana: abacaxi, xavante, e, geral-

mente, depois da sílaba inicial EN: enxada, enxame. Mas, existem

exceções e serão com CH algumas poucas palavras como enchova

e, também, palavras derivadas de outras escritas com ch: cheio,

encher.

Aquino (2006, p.28) apresenta outras dicas como: depois

de ME usa-se X e não CH, por exemplo, mexer, México; palavra

derivada de outra que possui T no radical escreve-se com ç como

optar-opção; cantar-canção; palavra derivada do verbo TER es-

creve-se com ç como conter-contenção. E ele cita que palavra

derivada de verbo cujo radical termine em ND, RG ou RT escre-

Page 16: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

16

ve-se com S, por exemplo, pretender-pretensão, divertir-

diversão.

Recursos empregados no ensino da ortografia

De acordo com as pesquisas de Monteiro e Oliveira (Op.

cit., p. 103), o treino ortográfico é um tipo de atividade utilizada

pelo professor tradicional para fixar a grafia correta das palavras.

Segundo Morais (Op. cit., p. 57), as práticas tradicionais

vigentes (o ditado, a cópia, os exercícios de treino e a recitação de

regras) pecam por alguns traços comuns:

em lugar de ajudar o aluno a refletir sobre a ortografia de nos-sa língua, essas atividades são conduzidas com o espírito de verificar se ele está escrevendo corretamente ou não; levam o aluno a assumir ante a ortografia uma atitude mecâ-

nica, passiva, de quem aprende “repetindo”, “imitando um modelo certo”, de modo que ele pode chegar a cumprir as e-xigências do professor (e acertar!) sem ter deduzido ou inferi-do nada. (MORAIS, 2001, p. 57)

Segundo Stella, Luize e Black (1998, p. 23), o ensino da or-

tografia deve suscitar a dúvida, muito mais do que exigir dos alu-

nos que recitem regras, as quais, na maioria das vezes, não são

capazes de pôr em prática.

Page 17: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

17

princípios norteadores para o ensino da ortografia

Morais (Op. cit.) estabelece três princípios gerais:

I. A criança necessita conviver com modelos nos quais apareça

a norma ortográfica; precisa ter um grande convívio com ma-teriais impressos.

II. O professor precisa promover situações de ensino-aprendiza-gem que levem à explicitação dos conhecimentos infantis so-bre a ortografia.

III. O professor precisa definir metas ou expectativas para o ren-dimento ortográfico de seus alunos ao longo da escolaridade. (Id., ibid., p. 61-6)

Com relação às metas que o professor precisa definir, Mo-

rais (Op. cit., p. 68) apresenta algumas questões principais:

• Quando começar a ensinar ortografia?

Podemos dizer que o ensino da ortografia pode começar desde a

educação infantil, quando as crianças já podem ler e escrever

sozinhas.

• Que metas estabelecer para cada turma, para cada série?

Existe muita heterogeneidade de uma turma para outra. Portan-

to, o professor precisa diagnosticar quais são as principais difi-

culdades de seus alunos para poder estabelecer metas.

• Como dar seqüência ao ensino de ortografia?

O professor deve conjugar esses dois critérios: a regularidade

ou irregularidade das correspondências fonográficas e a freqüên-

cia de uso das palavras na língua escrita.

Page 18: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

18

Sugestões de atividades

a) Um jogo.

A turma será dividida em grupos de seis. Os grupos pesquisa-

rão em jornais e revistas cinco palavras de grafia difícil, mas,

esses vocábulos serão pesquisados em segredo. Na sala de aula, o

professor dividirá a turma em grupos ímpares e pares. O represen-

tante de um grupo par irá ao quadro de giz e escreverá a primeira

palavra pesquisada, se o aluno do grupo ímpar acertar a regra,

ponto para a equipe, mas, se ele errar, o grupo que indicou a pala-

vra deverá expor a regra gramatical que explica o uso daquele

grafema ou, então, citar que se trata de uma palavra 100% arbitrá-

ria, portanto, não há regras. Em seguida, o grupo par vai lançar

seu vocábulo e o jogo continua. É importante que o número total

de grupos seja par, pois eles trabalharão em duplas de grupos. No

término, o professor passará para os alunos um registro escrito

das regras gramaticais que regem todas as palavras que foram

aplicadas, no “game”.

Importante:

� O professor poderá, anteriormente, solicitar aos grupos a lista

das palavras que serão apresentadas no jogo, para que ele

possa analisá-las, e não ser pego de surpresa.

� Esse jogo pode ser aplicado em qualquer série. É claro que, as

palavras selecionadas deverão acordar com o nível intelectual

e faixa etária dos alunos.

Page 19: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

19

� Os trabalhos em grupos estimulam a socialização, o debate, o

conflito cognitivo etc.

b) Proposta de elaboração de um texto

O professor deverá citar vinte palavras (oralmente) para grupos

de seis alunos. E pedir que eles elaborem um texto no qual essas

palavras se inserem. Isso estimulará o desenvolvimento da escrita.

Após elaborarem os novos textos, haverá um debate com a turma

e cada grupo citará as palavras que tiveram dúvidas e que, obriga-

toriamente, os levaram a acessar o dicionário. Em seguida, o pro-

fessor explicará o “porquê” de aquelas palavras gerarem dúvidas

e apresentará as prováveis regras gramaticais que facilitariam a

compreensão da presença de um e não de outro grafema, nos vo-

cábulos.

Importante:

� Ao elaborarem textos, os alunos aprenderão “escrever escre-

vendo”.

� Essa atividade estimula o uso do dicionário.

� Através de suas dúvidas e erros, os alunos são conduzidos à

aprendizagem.

� Essa proposta pode ser aplicada em qualquer série, desde que o

gênero textual exigido seja apropriado. Já as palavras aplicadas

têm que ser palavras de uso da língua.

� As palavras não podem ser muito fáceis para poder gerar o

desafio e interesse dos aprendizes.

Page 20: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

20

c) Poema lúdico

Reflexões

O que é um grafema? Com tantos assuntos para refletir O mestre nos aparece e pergunta O que é um fonema? Ora, professor não sabemos. Grafema ou letra é um sinal gráfico que representa um som. E fonema é ... a menor unidade sonora de uma língua. O som pode ser “funk”? E a língua é essa que degustamos? Ora, professor não entendemos. Então digam zarolho E digam saca-rolha As letras iniciais são iguais? E o som que elas representam? Ora professor, isso nós sabemos pois, a letra e o som de “z” são diferentes de “s”. Digam sapato e siri Nas duas palavras a letra “s” é igual ao som que elas repre-sentam? Sim. Digam xícara e exército? O que vocês me digam do som do “x”? xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii (Ana Lúcia Segadas Vianna Abreu)

Page 21: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

21

Esse poema expressa o conflito do aluno ao tentar compre-

ender os conceitos de grafema e de fonema. Sua aplicação, ao

iniciar o tema, pode ser compreendida como um modo divertido

de se apresentar um novo conteúdo. O aluno, a partir de uma

brincadeira, tem sua atenção apreendida. Em seguida, o professor

ministrará o novo conteúdo, detalhadamente.

Conclusão

Através desta pesquisa pudemos provar que escrever tal

como se fala é uma impossibilidade, pois, há muitas variedades

lingüísticas, no Brasil.

Concluímos que o ensino tradicional da ortografia apresen-

ta falhas. Pois, muitas pessoas não têm conhecimento acerca das

relações não biunívocas que se estabelecem entre os grafemas e

os fonemas. Além disso, para uma aprendizagem efetiva é neces-

sário que se ensine os conceitos acerca da grafia etimológica dos

vocábulos. E também, das regras geradoras de notações corretas.

Outro aspecto fundamental para um bom resultado na a-

prendizagem dos alunos é a iniciação, desde cedo, à leitura. Mas,

essas leituras devem ser significativas para os alunos.

Concluímos também que para o professor atingir seus obje-

tivos, ele deve ter metas, saber diagnosticar as turmas e ministrar,

coerentemente, os conteúdos da Ortografia.

Page 22: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

22

Finalmente, acreditamos que as atividades apresentadas, no

último tópico desse trabalho, possam ser úteis, na ação educacio-

nal do professor, e minimizar as dificuldades sobre a complexida-

de do sistema ortográfico da Língua Portuguesa nos aprendizes.

Page 23: 372cia Segadas Vianna Abreu.doc) - filologia.org.br · entre os grafemas e os fonemas. Também, questões acerca das variações lingüísticas e da história da língua. ... ss,

23

Referências bibliográficas:

AQUINO, Renato. Português para Concursos.18. ed., Rio de Janeiro: Campos, 2006.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: Novela sociolingüística. 14. ed., São Paulo: Contexto, 2005.

COUTINHO, Ismael. Gramática Histórica: Lingüística e Filolo-

gia. 7. ed., Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 2005.

CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Portu-

guês Contemporâneo. 3. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

ESTELLA, Paula; LUIZE, Andréa e BLACK, Kátia. Análise e

reflexão sobre a língua: Possibilidades de ensino de ortografia,

pontuação e gramática. (Apostila básica do curso de férias de julho de 98). Rio de Janeiro: Centro de Estudos Escola da Vila, 1998.

FARACO, C. Alberto. Escrita e alfabetização. Características do

sistema gráfico do português. São Paulo: Contexto, 1994.

FERREIRA, H. B. Aurélio. Novo Dicionário da Língua Portu-

guesa. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1975.

FIORIN, Luiz J. Introdução à Lingüística I. Objetos teóricos. 4. ed., São Paulo: Contexto, 2005.

MONTEIRO, Conceição e OLIVEIRA, Helena M. Metodologia

da Linguagem. 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1987.

MORAIS, Gomes A. Ortografia: ensinar e aprender. 4. ed., São Paulo: Ática, 2001.