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  • 7/29/2019 3347927 a Justificacao Pela Fe Nas Tradicoes Luterana e Reformada Um Ensaio Em Teologia Comparativa Heber

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    A Justificao pela f nas Tradies Luterana eReformada:

    Um Ensaio em Teologia Comparativa

    por

    Rev. Heber Carlos de Campos

    O propsito deste ensaio mostrar as similaridades e diferenas entre asduas grandes tradies dentro do protestantismo o luteranismo e ocalvinismo na mais importante doutrina levantada no perodo da Reformado sculo dezesseis. A concentrao deste ensaio ser mais nas diferenas

    do que nas similaridades, tentando despertar no leitor a mente crtica naanlise das duas tradies.

    Este trabalho apenas uma tentativa de ser justo com ambos os ramos doprotestantismo. No meu propsito argumentar extensivamente a favor oucontra luteranos e ou reformados. Meu nico propsito apresentar compreciso as similaridades e diferenas presentes, sem fazer neste trabalhoextensiva justificativa bblica. Ser apenas uma apresentao histrico-teolgica do assunto sem, contudo, ter uma conotao apologtica, muitoembora eu no consiga esconder totalmente minhas prprias convices e

    predilees reformadas.

    A. Similaridades

    1. Sobre a Importncia da Doutrina da Justificao

    A doutrina da justificao de tal importncia para a teologia luterana que,em crculos luteranos, ela chamada articulus stantis et cadentis ecclesiae(oartigo sobre o qual a igreja permanece ou cai), sendo o artigo principal dasconfisses luteranas( 1) , a espinha dorsal da teologia na qual todas asoutras doutrinas esto apensas e da qual todas dependem. A doutrina dajustifico nos smbolos de f luteranos o carro-chefe de doutrina, sendo ocorede cada artigo. A Apologiaafirma literalmente que, na controvrsia sobrea justificao, "a principal doutrina do cristianismo est envolvida".( 2) AFrmula de Concrdia, citando a Apologia , diz: "Nas palavras da Apologia,este artigo da justificao pela f o artigo chefe da totalidade da doutrinacrist'".( 3)

    Para a f reformada esta doutrina tambm muito significativa. Durante o

    tempo da Reforma, a mesma importncia a esta doutrina foi dada noscrculos calvinistas. Calvino tratou deste assunto em suas Institutas daReligio Crist, escrevendo sobre ela centenas de pginas. Ele insiste em que

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    3. Sobre o Aspecto Forense da Justificao

    O aspecto forense (14) da justificao distintivo de todos os reformadores.Eles lutaram contra o conceito de justificao dominante na Igreja de Roma,

    que se definia mais claramente no Conclio de Trento. Trento afirmava ajustia infusa e rejeitava o conceito forense da justificao e anatematizavatodos os protestantes, do lado oposto. Trento insistia na justia infusa.

    Esta disposio ou preparao seguida pela justificao propriamente, queno somente uma remisso de pecados mas tambm a santificao erenovao do homem interior atravs da recepo voluntria da graa e osdons por meio de que um injusto torna-se justo. (15)

    Portanto, na viso de Trento, a justificao um processo, na qual o pecador tornado justo, misturando a justificao com a santificao. Estes doistermos so virtualmente sinnimos em Trento. Na viso de Roma, a justia infusa, causando mudana na vida interior do pecador. A imputao negada na prtica, e afirmada unicamente a iustitia infusa. Ainda no Cnone11, Trento afirmou:

    Se algum diz que os homens so justificados unicamente pela imputao dajustia de Cristo ou unicamente pela remisso dos pecados, para a exclusoda graa e da caridade que derramada nos seus coraes pelo EspritoSanto, e permanece neles, ou tambm que a graa pela qual ns somosjustificados somente a vontade de Deus, que seja antema. (16)

    Os Protestantes no poderiam ficar silentes diante de tal condenao daparte dos Catlicos. Eles se uniram na luta contra o forte inimigo que osatacava. A iustitia infusaera inadimissvel para os Protestantes. Estes criamque a graa era derramada, mas que a justificao era uma matria judicial,que tinha a ver com a imputao da justia de Cristo a ns. A imputao erao corao e a essncia da justificao forense. No poderia haver o aspectoforense da justificao sem a imputao da justia de Cristo. A doutrina daimputao da justia de Cristo co-irm da doutrina da justificao. Elasno podem estar separadas.

    Na teologia luterana, "a justificao um termo jurdico e significapronunciar e tratar como justo, justificar." (17) Analisando o texto deRomanos 2.13, a Apologia da Confisso de Augsburgo diz: "Ser justificadoaqui no significa que o mpio tornando justo, mas que ele pronunciadojusto num sentido forense." (18) Lutero usou a famosa frase simul justus etpeccator (ao mesmo tempo justo e pecador), referindo-se condiosimultnea do pecador, onde ele contado, ao mesmo tempo, como justojudicialmente, em virtude da imputao da justia de Cristo e, todavia,permanecendo pecador em si e de si mesmo. Por causa do aspecto forenseda doutrina, todo pecador visto como justificado coram Deo.

    Calvino seguiu os passos dos reformadores de primeira gerao, comoLutero, Melanchton, Oecolampadius, Zwinglio, no aspecto forense da

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    justificao. Reid disse que "semelhantemente aos outros reformadores,Calvino foi um advogado que pensava muito em termos forenses." (19)Calvino diz que "justificado pela f aquele que, excludo da justia dasobras, agarra-se justia de Cristo atravs da f, e vestido com ela, aparecena vista de Deus no como um pecador, mas como um homem justo." (20) Ajustificao, portanto, segundo Calvino, "acontece quando Deus declara o

    pecador justo; ele aceito e perdoado por causa de Cristo somente." (21)Este o seu conceito forense de justificao.

    Est claro para ambas as tradies que todos os que so limpos pelo sanguede Jesus Cristo derramado sobre a cruz so plenamente reconciliados comDeus e aceitos por ele, porque seus pecados foram imputados a Cristo e Suajustia lhes foi imputada.

    4. Sobre a Justia Transferida

    Trento afirmava que a santificao era seguida da justificao. A justificao o resultado da justia infusa (no imputada) de Cristo. A justia antestransformadora do indivduo do que creditada a ele. Na verdade, o pecador justificado com base em uma justia interna ( iustitia in nobis ) do que poruma justia que vem de fora. Em resumo, na teologia Catlica, a justia dada ao justo antes que ao pecador.

    Novamente contra as investidas Catlicas, os protestantes afirmavam umajustia que vem de fora deles, umajustitia extra nos, vinda da imputao da

    justia de Cristo.

    A teologia luterana diz que a "justia concedida ao pecador no suaprpria, produzida por ele mesmo, mas uma justia que vem de forapertencente a Jesus Cristo. A justia no uma qualidade do homem. Elaconsiste antes em ser justo somente atravs da imputao graciosa dajustia de Cristo, isto , uma justia fora' do homem." (22)

    Semelhantemente, Calvino enfatizou a iustitia aliena , isto , a justia quevem de outro, que vem de fora. Embora como Lutero Calvino use a frase"pela f somente", ele cuidadoso em dizer tambm que a f no efetua de simesma a justificao, mas entende que a f o meio pelo qual nosapropriamos da justia de outro, que transferida a ns. Ele diz: "No hnenhuma dvida de que aquele que ensinado procurar justia fora de siprprio destitudo de justia em si mesmo." (23) Mais adiante, Calvino diz:"Voc pode ver que nossa justia no est em ns, mas em Cristo, e que apossuimos somente sendo participantes em Cristo; de fato, com elepossuimos todas essas riquezas." (24)

    A justia de Cristo, portanto, ensinada como sendo imputada a ns. Ajustificao do mpio vem de fora dele, iustitia extra nos , procedendo da

    justia de Cristo. Ambas as tradies enfatizam a justia que no prpriado homem, mas vem de fora, transferida de Jesus Cristo para ns.

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    5. Sobre o Papel da F na Justificao

    O papel da f na justificao tambm trouxe controvrsia dos Reformadorescontra Roma. Esta negava que havia a justificao pela f que recebe e

    descansa em Cristo somente para a salvao, tal como ela livrementeoferecida no Evangelho. Roma ensinou que o pecador justificado pela f emCristo, mas uma f informada pelo amor (25) , sendo o grmen de umanova obedincia. Essa f infusa no corao do homem quando do batismodos infantes, de forma que ela apaga o pecado original. Esse tipo de f foirejeitado pelos Reformadores, porque ela no somente infusa, mas porqueela exala algum tipo de necessidade de boas obras que esto contidas nessafides caritate formata.

    Para o luteranismo, a f tem um papel muito diferente, porque diferente oconceito de f. Ela preponderante na justificao, dentro da tradioluterana. "A f que justifica, contudo, no um mero conhecimentohistrico, mas uma aceitao firme da oferta de Deus de prometer o perdodos pecados e a justificao. ...F aquela adorao que recebe as bnosque so oferecidas por Deus." (26)

    Dentro da tradio luterana, a f vem em oposio aos que confiavam naguarda da lei como base para a justificao. A Apologia da Confisso deAugsburgodiz que:

    a obedincia da lei justifica pela justia da lei. Mas Deus aceita esta justia

    imperfeita da lei somente por causa da f... Disto fica evidente que somosjustificados diante de Deus pela f somente, visto que pela f somenterecebemos o perdo dos pecados e a reconciliao em nome de Cristo...Portanto, ela (justificao) recebida pela f somente, embora a guarda dalei siga com o dom do Esprito Santo. (27)

    Para o Calvinismo, a f tem tambm um papel importantssimo. pela fsomente que o homem justificado, mas a f em si mesma no justifica.Atravs dela o homem abraa a Cristo por cuja graa somos justificados. "dito da f que ela justifica porque ela recebe e abraa a justia oferecida noEvangelho." (28)

    Osiander, contra quem Calvino se insurgiu, havia dito erroneamente que a"f Cristo". Em resposta a ele, Calvino disse que "a f, que o nicoinstrumento para receber a justia, ignorantemente confundida comCristo, tornando-o a causa material e ao mesmo tempo o Autor e Ministrodeste grande benefcio." (29) A f para Calvino era apenas a causainstrumentalda justificao.

    Somente Deus justifica. Ento, ns transferimos esta mesma funo a Cristoporque a ele foi dado ser nossa justia. Comparamos a f a uma espcie de

    vaso. A menos que venhamos esvaziados e com a boca de nossa alma abertapara procurar a graa de Cristo, no seremos capazes de receber Cristo. (30)

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    Para ambas as tradies, portanto, a f no a base para a justificao, massimplesmente o meio, o rgo de apropriao, ou o instrumento dela. Pela fsomente o pecador toma posse de todas as bnos da justificao.

    B. Diferenas

    Nesta segunda parte deste ensaio destaco as diferenas que existem entre asduas tradies, luterana e calvinista, para fins didticos. As diferenas noso mais importantes que as semelhanas, mas aquelas so menosdesconhecidas que estas. Portanto, a finalidade de tratar com mais detalhesdas diferenas com o propsito de ajudar o leitor a compreender onde asduas maiores tradies da Reforma pensaram diferentemente.

    1. Diferena Quanto Extenso da Justificao

    a) Embora na teologia luterana a doutrina da justificao pela f seja oarticulus stantis et cadentis ecclesiae, controlando todas as outras doutrinas,inclusive as relacionadas com a soteriologia, o aspecto da sua extenso estna dependncia de uma outra importante doutrina do esquema teolgicoluterano a doutrina da Graa Universal, isto , a doutrina que ensina queJesus Cristo morreu e realmente justificou o mundo. Dentro da tradioLuterana, a expresso "o mundo" deve ser entendida como "cada pessoa semexceo". Esta doutrina exerce uma influncia muito grande na extenso da

    justificao, dizendo que "o juzo justificante de Deus cobre todos oshomens. Como Cristo morreu no somente pelos crentes mas por todos osmpios ... todos eles foram justificados pelo seu sangue perante Deus." (31)Comentando 1 Corntios 5.18-20, que trata da reconciliao, TheodoreEngelder, um telogo do Snodo de Missouri, critica um outro luteranofamoso, o Dr. Lenski, dizendo que:

    ele repudia e ridiculariza o ensino de que na manh de Pscoa Deus perdoourealmente todo o mundo e todos os seus pecados, e que real everdadeiramente Deus justificou o mundo. Ele protesta contra tornar areconciliao objetiva, contra a justificao geral, querendo dizer que Deusrealmente no pronunciou o mundo, e cada um dos indivduos do mundo,realmente inocente de todo o pecado e culpa. (32)

    A doutrina da justificao objetiva tem que combinar com a doutrina dagraa universal. Por essa razo, McGrath comenta:

    Assim como pouco podemos limitar a redeno de Cristo a certos indivduos,assim pouco podemos limitar o efeito imediato desta redeno, isto ,justificao, a esses indivduos; pelo sangue de Cristo todos os homens sojustificados. (33)

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    Segundo a teologia luterana, a graa de Deus universal. Portanto, CristoJesus levou os pecados de todos os homens sem exceo, trazendo-lhesjustificao.

    Deus, ento, no imputou aos homens as suas transgresses. Ele, ento,perdoou todos os seus pecados, os pecados de todos eles. O ato de perdoar

    um ato terminado, cumprido, os pecados so perdoados a todos oshomens. Portanto, no pregamos a respeito do perdo de pecados, mas nspregamos o perdo em si , oferecemos aos homens um produto terminado,no uma possibilidade futura. (34)

    Por essa razo, Deus no imputa mais aos homens todos os seus pecados,porque todos foram justificados em Cristo, que por eles todos morreu. Todosos homens sem exceo so declarados justos diante de Deus pelo fato deCristo ter morrido por eles.

    b) A teologia reformada da extenso da justificao tem tambm a mesmadependncia da obra cristolgica, mas a diferena est na extenso daexpiao. O que faz a diferena nas duas tradies a diferena na extensoda expiao, no o conceito de justificao. Segundo a f reformada Deusjustifica somente o seu povo, sua igreja, aqueles que pertencem a Deus,aqueles que o Pai entregou ao Filho para que por eles morresse eressuscitasse, os chamados eleitos.

    Esta doutrina reformada pode ser claramente deduzida de Romanos 8.33-34.A extenso da justificao est limitada aos eleitos de Deus, conforme otexto de Paulo: "Quem intentar acusao contra os eleitos de Deus? Deus

    quem os justifica" (Rm 8.33).

    Ningum pode fazer qualquer acusao contra os eleitos de Deus, porqueeles j receberam a justificao de Deus, que os torna sem dbito perante alei. Eles no mais so devedores lei. Sua dvida foi quitada pelo "fiador"deles (Hb 7.22), que se tornou responsvel pelas obrigaes legais daqueles aquem ele representou. Portanto, nem o inimigo deles, Satans, pode fazerqualquer acusao na presena de Deus, contra aqueles que tm o seudbito devidamente pago; e um pagamento que perfeitamente aceito pelocredor, porque pagamento de algum que foi enviado justamente para taltarefa.

    " Quem condenar os eleitos de Deus ? Cristo Jesus quem morreu , ouantes, quem ressuscitou, o qual est direita de Deus, e tambm intercedepor ns" (Rm 8.34).

    Deus, portanto, considera todos os seus eleitos justificados, em virtude daobra redentora feita por Jesus Cristo em favor deles. Eles no mais podemser condenados, pois a dvida foi paga, e a mesma dvida no pode ser pagaduas vezes, pois isso seria injustia de Deus. Deus, por questo de exatido,no pode lanar na condenao nenhuma pessoa por quem Jesus Cristo

    morreu. Se ele fizesse isso, seria injusto consigo mesmo, pois estariaconsiderando nula uma obra to importante que seu Filho veio fazer. Se eleveio morrer pelos pecados do seu povo, Deus j puniu o seu povo, pelos seus

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    pecados. Ora, se Deus j puniu seu povo na morte de Jesus, por que iriapuni-lo uma segunda vez? Como a mesma culpa pode ser paga duas vezes?A morte de Cristo, que substitutiva, tira qualquer possibilidade de quealgum por quem ele veio morrer, receba de novo a condenao de seuspecados. preciso que esta verdade seja devidamente entendida. A morte deJesus Cristo na cruz em favor do seu povo algo extremamente srio para

    ser anulada apenas pela incredulidade dos pecadores. Na verdade, todos ospecadores por quem Jesus morreu so, de fato, justificados, e no maistero que pagar suas prprias culpas.

    Todos os eleitos de Deus recebem a graciosa obra de justificao, e somenteeles. Ningum mais. Alm disso, o texto diz que Deus considera plenamentesatisfatrio o que Cristo fez, pois dito que "Deus quem os justifica". SeDeus justifica, ningum pode condenar. E a base dessa verdade, segundo otexto de Romanos 8.34 o fato de Jesus Cristo ter morrido e resssucitadopelos eleitos de Deus.

    A grande diferenaentre as duas tradies realmente vista quando elasestudam o texto bsico sobre justificao, que Romanos 5.12-19.

    Quando tratamos da extenso da justificao, ambos, luteranos ereformados, vo para o mesmo texto supra-citado. A diferena entre as duastradies no est na definio ou no contedo da doutrina da justificao,mas nas pressuposies contidas na extenso da doutrina da expiao, comas quais vamos estudar essa matria.

    A teologia luterana interpreta este texto do seguinte modo: "Pela

    desobedincia de um, Ado, todos os homens foram tornados pecadores pelaimputao, v.19a, e, por causa do pecado de Ado, a condenao da morteveio sobre todos os homens, v.18a." (35) At este ponto ambas as tradiesconcordam perfeitamente. Contudo, quando Paulo comea a falar a respeitodaqueles que so justificados, a diferena de interpretao logo surge. Ateologia luterana interpreta o v.18b deste modo: "Porque um fato que aofensa de Ado resultou na condenao de morte para todos os homens; damesma forma um fato que a justia de Cristo resultou na justificao devida para todos os homens." (36) Todos os homens que esto debaixo dacondenao de Ado, esto tambm debaixo da justificao de Cristo.Segundo a teologia luterana, Paulo est falando de um e do mesmo povo.Segundo a tradio luterana, este texto prova "conclusivamente que ojulgamento gracioso original de Deus, pelo qual os pecadores so absolvidose contados como justos, no limitado aos crentes, mas cobre todos oshomens. Por esta razo, ela chamada justificao universal." (37)

    A teologia reformada interpreta este mesmo texto de uma forma diferente.Ela assevera que Paulo est falando de dois povos diferentesneste texto. Eleest falando da "velha humanidade" em Ado e da "nova humanidade" emCristo. Todos aqueles que esto debaixo da obra de Cristo um dia tambmestiveram debaixo da condenao de Ado, mas nem todos os que esto

    debaixo da condenao de Ado esto tambm sob a obra de Cristo. O"todos" em Ado no equivalente ao "todos" em Cristo. Mas deve ser

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    entendido que o "todos" em Cristo certamente recebem a "justificao que dvida".

    Ambos, luteranos e reformados, crem que "todos" esto justificados, mas adiferena real a respeito de quemPaulo est falando. Quem so os "todos"?Os luteranos dizem que eles so exatamente os mesmos que estiveram em

    Ado, mas os reformados dizem que eles no so exatamente os mesmosnumericamente. Estas interpretaes distintas fazem uma enorme diferenana extenso da justificao.

    2. Diferena Quanto Relao entre Justificao

    Objetiva e Subjetiva( 38)

    Ambas as tradies crem que a justificao objetiva a base para ajustificao pessoal ou subjetiva, mas a diferena entre elas est naaplicao da justificao subjetiva, como um resultado da justificaoobjetiva.

    A tradio luterana cr que:

    as grandes bnos espirituais que Cristo preparou para todos os homensatravs de sua vida santa e de seu sofrimento e morte inocentes, e que sooferecidos livremente a todos no evangelho, no ajudaro aqueles que asrejeitam em incredulidade ... Assim, a justificao objetiva ou universal no

    deve ser elaborada para significar que eo ipso todos os homens agoradesfrutam perdo, sejam pessoalmente justificados e sero salvos. (39)

    Dessa citao de Koehler posso dizer que, de acordo com a tradio luterana,no h qualquer garantia de que todas as pessoas por quem Jesus morreusero pessoal e infalivelmente salvas. A obra de Jesus Cristo no eficaz emcada pecador por quem ela feita, no sentido de todos, sem exceo,experimentarem uma justificao pessoal. A razo para isto que algumpode rejeitar os benefcios da justificao objetiva atravs da incredulidade.Segundo a tradio luterana, o ato de perdoar foi terminado, cumprido, e ospecados de todos os homens so realmente perdoados. A tradio luteranadiz: "Ns pregamos o perdo em si mesmo; ns oferecemos aos homens umproduto acabado, no uma possibilidade futura." (40) Contudo, a ausnciade f impede que algum possa ser salvo e possa desfrutar a salvao. E atradio luterana insiste: "Todavia, sua incredulidade no invalida o fato queseus pecados so perdoados". (41)

    Portanto, eu posso dizer que a justificao objetiva no ocasiona,necessariamente, a manifestao da justificao subjetiva. A aplicao destaltima depende, em ltima instncia, do indivduo, porque " pela f, e pelaf somente, que o indivduo aplica a si prprio o julgamento gracioso de

    Deus, e, assim, ganha a posse pessoal e o desfrutar de tudo o que elaimplica." (42)

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    Diferentemente, na tradio reformada h o ensino de que todas as pessoaspor quem Cristo morreu, infalivelmente sero salvas. A justificao objetiva uma obra do Redentor que feita extra nos , num determinado tempo dahistria do mundo (nisto Luteranos e Calvinistas esto juntos), mas naconcepo calvinista essa obra que feita objetivamente na cruz assegura aaplicao da justificao subjetiva. Portanto, a justificao subjetiva um

    resultado da obra eficaz do Esprito Santo que, por meio da Palavra, gera fnos coraes daqueles por quem Jesus morreu. Nesta obra de aplicao daobra redentora de Cristo, o Esprito no falha. Todos aqueles que foramjustificados coram Deo(diante de Deus), atravs da obra realizada por JesusCristo, so trazidos f pelo Esprito Santo, atravs da instrumentalidade dapregao da Palavra. A obra do Esprito Santo aplicar a soteriologiaobjetiva ao corao do pecador, trazendo-o f, que o instrumento ourgo de apropriao da justia de Cristo conquistada na cruz. Quando umapessoa cr, ela justificada pessoalmente, tomando posse das bnos deCristo conquistadas em seu favor na cruz. A aplicao da justificaoobjetiva de Cristo no depende do pecador, mas unicamente o resultado daobra do Esprito Santo que usa a Palavra para criar f no corao. Ento opecador cr e a justificao subjetiva acontece.

    Para que entendamos esta diferena de aplicao da justificao necessrioque entendamos um outro aspecto muito importante, que o da relaoentre a obra do Esprito e a pregao da Palavra, em ambas as tradies.

    Na tradio luterana, a obra do Esprito Santo absolutamente inseparvelda pregao da Palavra no sentido em que cada vez que a Palavra pregada,o Esprito Santo opera nos coraes dos homens com a mesma intensidade,

    fazendo tudo o que possvel para convenc-los de sua pecaminosidade,tentando traz-los todos salvao. Mas, ao mesmo tempo, os homens socapazes de resistir obra do Esprito Santo nos seus coraes. Nestesentido, dito que eles rejeitam sua obra, e a justificao objetiva no lhes aplicada, e eles, por causa de sua incredulidade no so justificadospessoalmente, mas condenados.

    Na tradio reformada, contudo, a obra do Esprito Santo relacionada pregao da Palavra (embora em alguns crculos de pensadores reformadoshaja a crena de que a obra regeneradora do Esprito, excepcionalmente,precede a pregao da Palavra), mas nem sempre o Esprito opera aplicandoa obra da redeno atravs da pregao da Palavra nos coraes dos que aouvem. Ele aplica o Evangelho simplemente queles por quem Jesus Cristomorreu, no tempo que lhe apraz. Nem todo eleito cr logo que ouve apregao, nem a obra do Esprito (e, obviamente, o resultado da pregao) a mesma em todas as pessoas que ouvem a pregao da Palavra. Ele noopera do mesmo modo em todos os ouvintes. Mas, certamente, ele diretamente responsvel pela obra que causa a f justificadora, ou ajustificao subjetiva. Sua obra sempre eficaz e ele nunca falha naaplicao da obra de Cristo ao corao dos pecadores. Ele sempre tornacerta a justificao pessoal deles.

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    3. Diferena Quanto ao Motivo da Justificao e da Condenao

    crido por ambas as tradies que a base para a nossa justificao encontrada na obedincia ativa e passiva de Jesus Cristo. tambm cridopor ambas que a f a causa instrumental da justificao ou o mediumapprehendens, pelo qual recebemos o que nos oferecido na pregao do

    Evangelho.

    Mas quando tratamos da causada condenao, as diferenas aparecem. Acondenao o oposto da justificao. Se uma pessoa no justificada, isto, se ela no pessoalmente perdoada, ela certamente ser condenada. Apergunta que se faz, ento, : Qual a base para a condenao?

    Segundo a tradio luterana, todos os homens, sem exceo, soobjetivamente justificados, e eles no podem ser condenados pelos pecadospelos quais Jesus Cristo morreu. Ento, quando se fala a respeito dajustificao subjetiva, sempre se menciona a f, mas se uma pessoa no crna oferta de salvao, ela condenada por causa de sua incredulidade, nopor causa daqueles pecados pelos quais Jesus j morreu. Novamente eu faouma citao, que reflete a tradio luterana: "Todavia, a sua incredulidadeno invalida o fato que seus pecados so perdoados." (43) As pessoas quetm os seus pecados perdoados no podem ser condenadas por eles.Portanto, se um pecador objetivamente perdoado na cruz, certamente nopode ser levado condenao por aquilo que j foi pago. Ento, o nicopecado que pode trazer condenao, e pelo qual Jesus no pagou, adescrena na obra de Jesus, ou seja, a incredulidade.

    Segundo a tradio reformada, o aspecto da incredulidade relevante, mas anfase na matria da condenao no est nela, mas no fato de os pecadoresserem culpados por seus pecados, e porque seus pecados tm que ser pagos.Somente seus pecados os conduzem condenao, nada mais. Eles no socondenados simplesmente porque so descrentes, mas porque merecemcondenao em virtude de sua pecaminosidade que no foi expiada. Assimcomo a f no a base da justificao, a incredulidade no a base ou acausa da condenao. Para expressar isto em outras palavras, na freformada cr-se que assim como a f o rgo de apropriao para asbnos da salvao, a fim de desfrut-las nesta presente vida, assim aincredulidade tambm o instrumento atravs do qual se toma posse dasmaldies da ira de Deus, mesmo neste tempo presente, sofrendo a ausnciade paz, pela separao de Deus, uma espcie de antecipao da morteeterna, que ser aplicada na manifestao final da ira de Deus.

    A fim de entendermos essas duas diferentes posies dos herdeiros daReforma, temos que entender antes alguma coisa da extenso da expiao deCristo.

    Na tradio luterana, a obra expiatria de Jesus Cristo foi feita em favor decada pessoa sem exceo. Objetivamente, atravs da obra de Jesus Cristo,

    todasas pessoas so perdoadas, e apenasos que crem so subjetivamentejustificados.

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    Na tradio reformada, diferentemente, a obra de Jesus Cristo em favor eno lugar daqueles que so seus, do seu povo, daqueles que o Pai lhe haviaentregue. Portanto, todas essas pessoas que o Pai entregou ao Filho soobjetivamente e subjetivamente justificadas, tendo os seus pecadosperdoados, porque todos aqueles por quem Jesus Cristo morreu, por causada obra do Esprito neles, certamente viro f.

    Ento, o motivo da justificao-condenao, obviamente, segue diferente nasduas tradies:

    Na teologia luterana no h nenhum lugar para um duplo pagamento, isto ,o mesmo dbito sendo pago duas vezes (uma vez por Cristo e a outra pelopecador), porque a teologia luterana cr numa substituio real. Se hsubstituio, as pessoas substitudas na cruz (e cada pessoa sem exceo o), no tm que pagar pessoalmente os seus pecados, pois eles j forampagos. Por esta razo, a motivo da condenao a incredulidade.

    Na teologia reformada tambm no h qualquer lugar para o pagamentoduplo da mesma penalidade, porque ela tambm cr na real substituio. Seum morreu no lugar de outros, esses outros no mais tm que pagar omesmo dbito. Eles j esto absolutamente livres desse pagamento! Mas adiferena entre esta tradio e a outra que nesta nem todas as pessoas tmos seus pecados pagos na cruz. O motivo da condenao no simplesmentea sua incredulidade, mas seus pecados. Ento, eles experimentampessoalmente a ira de Deus por causa de sua pecaminosidade no expiada,enquanto que os eleitos (os do seu povo) desfrutam o amor salvador de Deusporque tiveram seus pecados pagos na cruz.

    4. Diferena Quanto Relao entre a Justificao e os outros

    Aspectos da Soteriologia

    Como a doutrina da justificao o articulus stantis et cadentis ecclesiae, oartigo central da f luterana, todos os outros aspectos da soteriologia soestudados luz do conceito da justificao, e mesmo alguns luteranos dizemque a justificao sinnima de regenerao, redeno, etc, seguindo osensinos de suas Confisses.

    Quando os telogos luteranos tratam desta matria, a palavra justificao'assume uma conotao diferente, no ligada estritamente aos termosbblicos e forenses. Teologicamente (ou em seu "sentido doutrinrio"), otermo justificao' diferente e mais amplo (44) "contendo muito maissignificao por detrs de si do que mesmo os vocbulos do hebraico e dogrego." (45) Aqui, a justificao usualmente sinnimo de Evangelho numsentido mais estrito.

    Os telogos reformados no fazem distino entre a justificao num sentidomais estrito e num sentido mais amplo. Eles no usam metforas ou outracoisa qualquer para expressar a identidade da justificao com outras

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    matrias soteriolgicas. Eles dizem, contudo, que a justificao um aspectodo processo total da restaurao do pecador, mas por causa da suaimportncia doutrinria, a justificao relacionada intimamente com todosos outros aspectos da soteriologia. Por exemplo, a regenerao no uma"metfora" para justificao, mas ela absolutamente ligada regenerao,sendo que esta ltima causa mudana na vida do pecador enquanto que a

    primeira causa mudana no modo de Deus tratar o pecador.

    No existe qualquer diferena entre "um sentido doutrinrio" mais amplo eum significado mais limitado do entendimento exegtico dos vocbulos, nateologia reformada. A nfase da teologia reformada apenas no aspectoforense da justificao e, portanto, mais relacionado ao aspecto exegtico dosignificado dos vocbulos nas lnguas originais. Por esta razo, h umarelacionamento prximo entre a justificao e os outros aspectossoteriolgicos, mas no h nenhum sentido mais amplo de justificao comoo que est presente nas Confisses Luteranas.

    5. Diferena Quanto Origem e os Elementos Constitutivos da FJustificadora

    Ambas as tradies crem que Cristo o objeto de nossa f. Contudo, necessrio entender que devemos saber algumas coisas do que ele disse e doque ele fez, que esto registradas no Evangelho. Por esta razo devemos crerno evangelho. Neste sentido, o Evangelho tambm o objeto de nossa f.

    Ambas as tradies tambm crem que a f gerada no corao dos homenspela obra do Esprito Santo, mas a questo a respeito dos instrumentos quecausam a f levanta algumas diferenas entre elas:

    Sobre a Origem da F Justificadora

    Na tradio luterana, a f gerada atravs da pregao do Evangelho eatravs da administrao dos sacramentos, batismo e eucaristia. (46)

    Na tradio reformada, a f vem como resultado da obra do Esprito, apenasatravs da pregao do Evangelho, e no atravs do batismo (ou outrosacramento), como crido na tradio luterana.

    Sobre os Elementos Constitutivos da F Justificadora

    O que faz a diferena entre as duas tradies so os elementos constitutivosda f justificadora.

    A teologia reformada cr que a f justificadora sempre deve conter umelemento intelectivo. Aquele que cr tem que possuir algum conhecimento

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    daquele em quem cr e daquilo que ele disse e fez. Quando um infante, deabsoluta tenra idade, batizado, ele no tem a capacidade de entender nadadaquilo que feito com ele, nem a capacidade de entender algo a respeito deCristo ou de sua obra, ou ainda de suas palavras. Os reformados batizam osseus infantes, mas o batismo no gera f nos coraes deles, porque na fjustificadora, de acordo com a teologia reformada, os trs elementos devem

    estar presentes: intelectivo, emocional e volitivo. Contudo, no batismo dosfilhos pequeninos, estes elementos no podem estar presentes. Portanto, osacramento em si mesmo, no gera f neles. Eles so batizados, no porquecrem ou porque o sacramento gera algo neles, mas porque so herdeirosdas promessas, pois Deus diz que abenoaria os crentes e os seus filhos,sendo a promessa de salvao para os do pacto e de sua descendncia.

    A teologia luterana, contudo, no d nfase a esses trs elementos,especialmente no caso do batismo dos infantes. O elemento mais importantepara ela a " fiducia", a confiana do corao, que certamente acontece nocorao de quem batizado, mesmo quando ainda na mais tenra idade. Umdos mais representativos telogos luteranos, ainda estudado e aceito noscrculos luteranos, disse quefiducia:

    o ato apresentado pelo homem, esteja ele dormindo ou acordado, seja eleadulto ou criana, seja debaixo de circunstncias normais quando ele estcnscio de sua f ou nas horas mais severas de provao quando ele imaginaque perdeu a sua f. (47)

    Por essa razo crido que fiduciapode acontecer no corao de um infantequando o sacramento do batismo ministrado.

    Essa questo sobre os elementos constitutivos da f faz uma enormediferena quando se trata do assunto da justificao subjetiva. Em outraspalavras, segundo a tradio luterana, todos os infantes que sodevidamente batizados so justificados subjetivamente, porque o elementofiducia j est presente no corao deles, independente de qualquerentendimento que eles possam ter daquilo que objetivamente Jesus Cristofez por eles. Na f reformada, contudo, o elementofiduciaaparece quando ho devido entendimento da mensagem que proclamada, porque a f vempelo ouvir da pregao. Portanto, somente aqueles que crem pessoalmente que so justificados subjetivamente, e eles crem simplesmente porqueentendem aquilo que lhes pregado. O elemento intelectivo (juntamente comos outros dois) extremamente importante para que haja f. A f no cega,ela pressupe um conhecimento de Cristo. Quando algum cr no que pregado, por graa divina, esse conhecimento se torna salvador. A, ento,acontece a justificao subjetiva.

    Um outro aspecto importante da tradio reformada que, quando uminfante morre, ele no precisa ser justificado subjetivamente, porque a f s necessria para que se desfrute a salvao neste presente mundo. J que acriana no vai desfrutar da salvao nesta vida presente, ela no necessita

    de f.

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    6. Diferena Sobre a Ordo Salutis

    Na teologia luterana a ordo salutis, geralmente falando, comea com a obrada justificao. "Ento, quando a pessoa justificada, ela tambmrenovada e santificada pelo Esprito Santo, da qual (justificao) a renovaoe a santificao, e os frutos das boas obras provm." (48) Lutero tambm

    segue uma ordo salutis parecida na explicao do artigo terceiro de seuscatecismos. Pieper diz que nessa explicao e "em todas as passagens naqual ele (Lutero) chama a doutrina da justificao, como a doutrina central,e ao redor da qual todas as outras doutrinas esto agrupadas, seja comoantecedens ou consequens ." (49) A regenerao, ou a renovao algoposterior f justificante. A Apologia da Confisso de Augsburgo, preparadapor Melanchton diz que "quando ns cremos, o Esprito Santo desperta osnossos coraesatravs da palavra de Cristo." (50) Portanto, o despertamento(que equivalente regenerao segundo o entendimento da teologiareformada) acontece como um resultado da f, na tradio luterana. Isto estclaro em outros lugares: "Visto que a ftraz o Esprito Santo eproduz a novavida em nossos coraes , ela deve tambm produzir os impulsos espirituaisno corao ... Aps termos sido justificados e regenerados pela f, portanto,comeamos a temer e amar a Deus..." (51) Em outro lugar ainda diz: "A fsomente aceita o perdo dos pecados, justifica e regenera." (52) E ainda: "Af o verdadeiro conhecimento de Cristo, ela usa suas bnos e elaregenera nossos coraes." (53)

    Portanto, na teologia luterana, a f o que causa a regenerao. O novonascimento tambm produto da f justificadora. Os smbolos luteranosdizem que "ns no podemos guardar a lei a menos que tenhamos sido

    nascidos de novo pela fem Cristo." (54) verdade que tambm dito nasConfissesque a regenerao obra do Esprito, mas tem que ser entendidoque a regenerao do Esprito mediante a f. uma ordo salutisdiferenteda esposada pela f reformada.

    Na f reformada a ordo salutis totalmente diferente. A primeira coisa a serconsiderada nela a regenerao (que normalmente nos adultos acontececoncomitantemente com a pregao da Palavra), que a implantao doprincpio de vida, e ento, a pessoa nasce de novo, sendo habilitada a crerem Cristo, a fim de ser justificada subjetivamente. A f o resultado do atoregenerador de Deus, no a causa que leva o Esprito Santo a operar aregenerao. Por esta razo, na f reformada, os pequeninos no sobatizados a fim de serem justificados. Eles podem ser objeto da obraregeneradora do Esprito Santo antes de terem a f justificadora. Sendoobjeto da obra regeneradora de Deus, quando ouvem a Palavra e a entendemem alguma medida, crem no seu Redentor. A teologia reformada seguegeralmente uma forma mais desenvolvida da ordo salutis , incipiente emRomanos 8.30.

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    Algumas Concluses

    Nas partes em que diferem:

    1. As diferenas entre ambas as tradies no so unicamente as deinterpretao de textos relacionados justificao, mas esto, sobretudo,nas suas pressuposies teolgicas.

    2. Ambas as tradies possuem uma estrutura teolgica bastanteconsistente, se as entendemos luz de sua prpria hermenutica epressuposies.

    Nas partes em que concordam:

    3. Ambas as tradies, na formulao de sua doutrina sobre a justificao,lutaram contra o mesmo inimigo, a teologia da Igreja de Roma. Onascedouro dessa doutrina tem a mesma raz em ambas as tradies.

    4. Ambas as tradies sempre concordam nos pontos onde o inimigo comumfoi a a teologia da Igreja de Roma com respeito doutrina da justificao.

    NOTAS

    1 No Book of Concord(Philadelphia: Fortress Press, 1959), onde esto todosos principais documentos confessionais luteranos, o artigo sobre ajustificao o mais extenso de todos, especialmente na "Apologia daConfisso de Augsburgo".

    2 "Apology of Augsburg Confession", Art. IV,2 ( Book of Concord, p.107,2).

    3 "Formula of Concord, Solid Declaration", Art.III, 6 ( Book of Concord , p.

    540,6).

    4 John Calvin, Institutes of Christian Religion , vol. 1 (Philadelphia: TheWestminster Press, 1960, editado por John T. McNeill), III, 11,1.

    5 No perodo da controvrsia sobre a justificao entre protestantes ecatlico, a Confutao Romana dizia: " inteiramente contrrio SantaEscritura negar que nossas obras so meritrias...Contudo, todos oscatlicos confessam que, de si mesmas, nossas obras no tm nenhummrito mas que a Graa de Deus os torna dignos da vida eterna (Pt I, Art.IV). Esse documento de Roma diz ainda que a atribuio dos Prncipesluteranos "da justificao f somente diametralmente oposta verdadedo Evangelho, pelo qual as obras no so excludas..." (citado no Book ofConcord , 107, nota de rodap 8). O Cnone IX do Conclio de Trento,

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    tratando da justificao diz: "Se algum diz que pela f somenteo mpio justificado, de modo que queira dizer que nada mais requerido paracooperara fim de obter a graa da justificao, e que no necessrio de modoalgum, que ele esteja preparado e disposto por um movimento de sua prpriavontade: que seja antema." ( videPhilip Schaff, Creeds of Christendom, vol.2, [Grand Rapids: Baker, reimpresso 1990] 112 - itlicos acrescentados).

    6 H.J. Schroeder, Canons and Decrees of the Council of Trent , (London:Herder Book Co., 1941), 43.

    7 Esta expresso de Melanchton nasceu de uma traduo que Lutero fez deRm 3.28, onde ele diz que "o homem justificado pela f somente ,independentemente das obras da lei", sendo que o texto grego no incluiliteralmente a palavra somente'.

    8 Art. IV, 73 ( Book of Concord, 117,73), itlico acrescido.

    9 Joel R. Beeke, em Justification by Faith Alone , editado por Don Kistler,(Soli Deo Gloria Publications, 1995), 81.

    10 Stanford Reid, "Justification by Faith According to John Calvin ",Westminster Theological Journal, 1990, 296. (Conferir InstitutesIII, iii, 1).

    11 Reid, "Justification by Faith...", 296.

    12 Literalmente, Calvino diz: "Eles (os Sofistas) se atrevem a negar que ohomem justificado pela f porque ela (a doutrina) ocorre muito

    frequentemente na Escritura. Mas visto que a palavra "somente" no expressa em lugar algum, eles no permitem que esta adio seja feita" (Institutes, III, 11, 19).

    13 Ibid.

    14 A palavra "forense" usada em teologia tem a ver com os assuntos quedizem respeito aos procedimentos do sistema judicial, isto , os termos legaisfrequentemente encontrados na Escritura. O assunto da justificao envolveuma matria legal de grande importncia na Bblia, porque trata dojulgamento da situao de uma pessoa em razo dos procedimentos de umSubstituto, que age em seu lugar.

    15 H.J. Schroeder, Canons and Decrees of the Council of Trent , (London:Herder Book Co., 1941), 33.

    16 Ibid. , 42.

    17 Alister McGrath, "The Article by which the Church Stands or Falls",Evangelical Quarterly, 58, 1986, 221.

    18 Art. IV, 252 ( Book of Concord, 143, 252).

    19 Reid, "Justification by faith...", 294 (itlico acrescido).

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    20 Institutes, III, 11, 2.

    21 Reid, "Justification by Faith...", 294.

    22 Paul Althaus, The Theology of Martin Luther, 227-228.

    23 Calvin, Institutes, III, 11, 23.

    24 Ibid., III, 11, 23.

    25 A frase fides caritate formata(f informada pelo amor), muito comumdentro do catolicismo romano. Esta f animada e instruda pelo amor, e ,portanto, ativa na produo de boas obras. Segundo os doutores medievais,fides caritate formatapoderia existir somente quando o crente estava numestado de graa, visto que tal fides deve descansar sobre um hbito oudisposio de amor criado sobrenaturalmente na alma pela graa. Estaconcepo de f negada pelos reformadores, porque implica na necessidadede obras para a justificao, de modo que ela descansa sobre um conceito degraa criada, implantada ou infusa no homem (Richard Muller , Dictionary ofLatin and Greek Theological Terms,Baker, 1985), 116.

    26 Apology of the Augsburg Confession , art. IV, Justification ( Book ofConcord, p. 114.48-49).

    27 Ibid., 132.181-182.

    28 Calvin, Institutes, III, 11,17.

    29 Ibid., III, 11,7.

    30 Ibid., III, 11, 7.

    31 E. W. A. Koehler, "Objective Justification", Concordia Theological Monthly,XVI, April 1945, 222.

    32 Theodore Engelder, "Objective Justificao", Concordia TheologicalMonthly, 4, 1933, 508. Esta crtica de Lenski evidencia, ao menos, que nemtodos os luteranos crem absolutamente na justificao objetiva do modocomo crem especialmente os telogos ligados ao Snodo Missouri.

    33 McGrath, "The Article by Which the Church Stands or Falls", 222.

    34 Ibid., 224.

    35 Koehler, "Objective Justification", 223.

    36 Ibid., 224.

    37 Ibid., 224.

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    38 Por justificao objetivaentendemos aquela que feita extra nos(fora dens), na histria do mundo, objetivamente, na cruz do calvrio, por CristoJesus; por justificao subjetiva , entendemos aquela que feita intra ns(dentro de ns), na nossa histria pessoal, que apropriada pela f.

    39 Koehler, "Objective Justification", 228.

    40 Ibid., 226.

    41 Ibid., 227.

    42 Ibid., 224.

    43 Ibid., 226.

    44 Nas Confisses luteranas no h muita preciso quanto ao sentido dealgumas expresses teolgicas. s vezes, nelas, a justificao sinnimo deregenerao em alguns lugares, e em outros no. A Apologia da Confisso deAugsburgo, por exemplo, diz: "Portanto, ns somos justificados pela fsomente, sendo a justificao entendida como tornar um homem injustonum justo, ou efetuando a sua regenerao" (Art.IV, 78 - Book of Concord, p.117.78, cf. 123.117; 124.125). Por essa razo, vrios anos mais tarde, porvolta de 1580, na Frmula de Concrdia, seus signatrios reconheceram:"Algumas vezes, como na Apologia, as palavras regeneratio (renascimento) evivificatio (tornar vivo) so usadas no lugar de justificao, e ento elassignificaram a mesma coisa, mesmo embora de outro modo, estes termosreferem-se renovao do homem e distinguem-na da justificao pela f"

    (Formula of Concord, Epitome, Art. III, 8 - Book of Concord, 474.8).

    45 Jacob Preus III, " Project proposal: Biblical Metaphors for Justification", 1(trabalho no publicado, apresentado em classe no Concordia TheologicalSeminary, Saint Louis, Mo.).

    46 Em alguns crculos luteranos creu-se na absolvio como um terceirosacramento. E a Apologia da Confisso de Augsburgo afirma que "a f concebida e confirmada atravs da absolvio e atravs do ouvir doevangelho" (Art. XII - Penitncia, Book of Concord187.42- itlico acrescido) eainda: "o sacramento foi institudo para mover o corao a crer atravs doque ele apresenta aos olhos. Porque o Esprito Santo opera atravs daPalavra e dos sacramentos" (Apology, art. XXIV, 70). Lutero, no SmallCatechism , IV, resposta pergunta 2 diz: "Quais so os benefcios que obatismo concede? Ele efetua perdo de pecados, liberta da morte e do diabo,e concede salvao eterna a todos os que crem, como a Palavra e apromessa de Deus declaram" ( Book of Concord, 348.5-6); ver tambm Bookof Concord211.5 e 262.70.

    47 Francis Pieper, Christian Dogmatics , vol. II (Saint Louis: ConcordiaPublishing House), 436-37.

    48 Ibid., 419.

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    49 Ibid ., 420. A doutrina da justificao absolutamente central na ordosalutis, embora algumas doutrinas venham logicamente antes, como aeleio por exemplo, e outras depois, como a regenerao, santificao, etc.Essa a idia de antecedense consequens.

    50 Apology of the Augsburg Confession , Art.XII, 44 ( Book of Concord ,

    187.44), (itlico acrescentado).

    51 Ibid., Art.IV, 125 ( Book of Concord, 124.125), (itlico acrescentado).

    52 Ibid., 292 ( Book of Concord, 152.292), (itlico acrescido).

    53 Ibid. , 46 ( Book of Concord, 113.46), (itlico acrescido).

    54 Ibid., 256 ( Book of Concord, 144.256), (itlico acrescido).

    Fonte: Fides Reformata.

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