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Garcia Xavier, DennysEM QUE CREM OS QUE NO CREM? Umberto eco; Carlo Maria Martini
Interaes: Cultura e Comunidade, vol. 4, nm. 6, julio-diciembre, 2009, pp. 195-197Faculdade Catlica de UberlndiaUberlndia Minas Gerais, Brasil
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EM QUE CREM OS QUE NO CREM?
INTERAES - Cultura e Comunidade / v. 4 n. 6 / p. 195-198 / 2009 195
EM QUE CREM OS QUE NO CREM?
Umberto eco; Carlo Maria Martini
Traduo de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro / So Paulo: Editora Record, 2000, 160 p. ISBN 85-01-05527-1.
Numa poca em que se multiplicam os textos concebidos por fora de exigncias institucionais geralmente, por isso mesmo, ancorados numa orig-inalidade destinada a se configurar mais em extravagncia literria do que em legtima contribuio cientfico-cultural queremos falar de um contra-exemplo emblemtico: o dilogo epistolar entre o Cardeal Carlo Maria Martini e Umberto Eco, registrado no livro que ora apresentamos ao leitor.
A obra Em que crem os que no crem? parte de uma iniciativa editorial fomentada pelo jornal italiano Liberal, que, entre os anos de 1995 e 1996 (em cadncia trimestral), publicou um acalorado debate sobre alguns dos temas mais caros especulao humanstica, como o objetivo de individuar um terreno de discusso comum entre leigos e catlicos, enfrentando tambm os pontos onde no h consenso (p. 35). Bem, tratar-se-ia de mero clich dizer que a er-udio e a capacidade argumentativa dos missivistas potencializadas pelo teor polmico dos temas propostos so o real eixo de sustentao do dilogo. O que surpreende o leitor, no entanto, o modo pelo qual ambos resolveram assumir o debate, a saber: referindo-se reciprocamente por seus nomes prprios, sem referncia s vestes que envergam (p. 11); uma troca de reflexes entre ho-mens livres (p.12) balizada por convices e experincias pessoais nem sempre facilmente absorvidas no curso das vidas dos autores das cartas:
[...] sinto-me embaraado para responder a sua pergunta, pois minha resposta seria significativa se eu tivesse tido uma educao laica e, pelo contrrio, tive uma forte in-fluncia catlica at (para assinalar o momento de uma ruptura) os vinte e dois anos. (uMBerto eco, p. 79)
Quatro so os temas escolhidos por eles para compor o dilogo. Eis uma viso esquemtica deles:
i) o Apocalipse:i.a) A obsesso laica pelo novo Apocalipse (Umberto Eco)i.b) A esperana faz do Fim um fim (Carlo Maria Martini)
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ii) o valor da vida / a interrupo da gravidez:ii.a) Quando tem incio a vida humana? (Umberto Eco)ii.b) A vida humana participa da vida de Deus (Carlo Maria Martini)
iii) o papel da mulher na Igreja:iii.a) Os homens e as mulheres segundo a Igreja (Umberto Eco)iii.b) A Igreja no satisfaz expectativas, celebra mistrios (Carlo Maria Martini)
iv) a tica:iv.a) Onde o leigo encontra a luz do bem? (Carlo Maria Martini)iv.b) Quando o outro entra em cena, nasce a tica (Umberto Eco)
O tom polmico (e, s vezes, at mesmo custico) das intervenes impede, em definitivo, qualquer trao de passagem aborrecida. Nenhuma munio poupada no embate entre os que escrevem. L-se, por exemplo, a propsito do primeiro tema:
Considero que estamos diante de um milenarismo desesperado todas as vezes em que o fim dos tempos visto como inevitvel, em que qualquer esperana cede lugar a uma ce-lebrao do fim da histria ou ao apelo ao retorno a uma Tradio atemporal e arcaica que nenhum ato de vontade e nenhuma reflexo, j no digo racional, mas razovel, poderia enriquecer. Da nasce a heresia gnstica (mesmo em suas formas laicas), para a qual o mundo e a histria so frutos de um erro e somente alguns eleitos, destruindo os dois, poderiam redimir o prprio Deus [...]. (uMBerto eco, p. 17)
E Carlo Maria Martini:
Para que um pensamento do fim nos torne atentos ao futuro, assim como ao passado a ser revisto criticamente, necessrio que este fim seja um fim, tenha o carter de um valor final decisivo, capaz de iluminar os esforos do presente e dar-lhes significado [...]. A experincia mostra que s possvel arrepender-se de alguma coisa quando se pode entrever a possibilidade de fazer melhor. Fica amarrado a seus erros aquele que no os reconhece como tais, pois no entrev nada melhor diante de si, perguntando-se ento por que deveria deixar o que j tem (p. 25).
Ou ainda, sobre o papel da mulher na Igreja:
Se a Igreja quer excluir as mulheres do sacerdcio repito tomo conhecimento, aceito e respeito sua autonomia em matrias to delicadas [...]. Mas como intelectual, como leitor (de longa data) das Escrituras, cultivo perplexidades que gostaria de esclarecer.
[...] indubitvel que Cristo se sacrificou tanto pelos homens quanto pelas mulheres e
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que, desprezando os costumes de seu tempo, conferiu privilgios altssimos a seus seguidores de sexo feminino [...]. No seria isto tudo uma indicao clara de que ele, em desacordo com as leis de seu tempo e na medida em que podia legitimamente viol-las, quis dar algumas indicaes claras acerca da paridade dos sexos, se no diante das leis e dos costu-mes histricos, pelo menos em relao ao plano da Salvao? (uMBerto eco, p. 47-49).
E sobre a fundamentao da ao moral do Homem:
Tenho dificuldades para enxergar como uma existncia inspirada nestas normas (al-trusmo, sinceridade, justia, solidariedade, perdo) pode sustentar-se a longo prazo e em qualquer circunstncia se o valor absoluto da norma moral no est fundado em princpios metafsicos ou em um Deus pessoal. (carlo M. Martini, p. 75)
Um legtimo exerccio dialtico praticado na forma de epistolrio pbli-co no qual a erudio e a fora comunicativa unem-se numa sntese de influn-cia irresistvel. Alis, vale dizer que a repercusso do debate entre os leitores do jornal e da mdia italiana como um todo implicou no alargamento da discusso com interlocutores ulteriormente convidados a mediar o dilogo entre Martini e Eco, a propsito dos temas que lhe so mais caros. So eles os filsofos Emanuele Severino e Manlio Sgalambro, os jornalistas Eugenio Scalfari, Indro Montanelli, o terico de esquerda Vittorio Foa e o ex-ministro e ex-secretrio do Partido Socialista Italiano, Claudio Martelli. Por fim, guisa de remate, foi proposta ao Cardeal Martini uma breve retomada dos elementos centrais e mais significativos do debate (registrada a partir da p. 145).
Abrimos mo, aqui, de manifestar a nossa impresso pessoal sobre um eventual vitorioso nesta titanomaquia. De fato, seria de uma arrogncia ines-cusvel assumir publicamente o papel de rbitro de missivistas desta qualidade. Poderamos dizer, entretanto, sem receio de cometer injustia, que o Em que crem os que no crem? um reforo emblemtico tese segundo a qual os ver-dadeiros livros no so aqueles escritos s para os estudiosos. Por isso mesmo, uma daquelas obras que todos deveriam ler.
Dennys Garcia XavierDoutor em Storia della Filosofia pela Universit degli Studi di Macerata, Itlia/CAPES. Professor adjunto de Filosofia Antiga da Universidade Federal de Uberlndia (UFU).
Diretor Acadmico do Ncleo de Estudos em Filosofia Antiga e Humanidades (NEFAH-UFU). E-mail: [email protected]
Endereo para correspondncia:
Rua Joo Rugiardini, 151 Bairro Chancia
CEP 38.442-062 Araguari (MG)