311gia do trabalho em redes) - universidade federal do ...€¦ · serviços similares,...
TRANSCRIPT
FORMAÇÃO DO ESTADO E O DESENVOLVIMENTO DA ESTRATÉGIA DO TRABALHO
EM REDES
Magali Sampaio De Castro1
RESUMO
Com o estudo de obras de autores clássicos sobre Estado e Políticas Públicas foi possível conhecer um variado campo de pesquisas sobre realidade social e formação política que possibilitaram relacionar com a discussão de redes sociais. Assim, este estudo se propôs a refletir sobre a formação do Estado e o desenvolvimento da estratégia do trabalho em redes, a partir da concepção de cidadania; Estado de Bem- Estar Social e redes sociais. Pode-se perceber a possibilidade de associações mais complexas que permeiam variados campos temáticos abordados na dimensão das políticas públicas.
Palavras-chave: Gestão social. Políticas públicas. Proteção social. Redes Sociais. Intersetorialidade.
ABSTRACT
With the study of works of classical authors on State and Poblic Policy was possible to know a varied field of research on social reality and political formation that allowed relating to the discussion of social networks. This study aimed to reflect on the state formation and development of the strategy of networking, from the conception of citizenship; State of Social Welfare and social networks. You can see the possibility of more complex associations that underlie various thematic areas addressed in the dimension of public policy. Keywords: Social management. Public policies. Social protection. Social networks. Intersectionality.
1 Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal do Piauí – UFPI. [email protected]
2
IN 1 INTRODUÇÃO
A relação entre políticas públicas e redes sociais no Brasil sempre esteve eivada de
tensões tendo em vista a forma que historicamente se conformaram as primeiras ações
estatais no país, de maneira pontual, fragmentária, setorial e fundamentada em uma
cidadania ocupacional em que as pessoas sem inserção formal no mercado de trabalho
figuraram como sujeitos de favor e ações assistencialistas, emergenciais, que ainda
perpassam o imaginario social.
Os avanços legais materializados na Constituição Federal de 1988 em direção a uma
cidadania plena onde as politicas públicas passam a figurar como direito do cidadão e dever
do Estado constituem um marco na mudança paradigmatica sobretudo na forma de gestão
das mesmas, posto que os princípios de participação social e atenção integral e territorial
passam a exigir ações cada vez mais integradas/articuladas entre as diferentes políticas
publicas, dado inclusive o reconhecimento da complexidade dos problemas sociais. Apesar
do contexto neoliberal trazer o risco de crescente desinvestimento do estado em políticas
sociais, refilantroplizando a política social através inclusive de sua terceirização, os marcos
constitucionais permitem acreditar e investir em avanços, a depender da correlação de
forças na conquista e asseguramento dos direitos formais de tal maneira que se constituam
em direitos reais.
No plano teórico, as concepções e a análise das políticas públicas, em especial, as
de proteção social sob a ótica dos direitos, realizam-se a partir das teses de que apesar do
grande impacto dos programas assistenciais ainda carecemos de pesquisas acadêmicas
mais aprofundadas no Brasil; faltam às políticas de proteção social claras referências a
direitos e a discussão atual no Brasil revela falta de uma cultura de direitos (direitos do
cidadão, dever do Estado).
A partir do estudo de obras de autores clássicos sobre Estado e Políticas Públicas foi
possível conhecer um variado campo de pesquisas acerca da realidade social e formação
política que possibilitaram relacionar com a discussão da emergência e estabelecimento de
redes sociais. Diante deste quadro, este estudo se propôs a refletir sobre a formação do
3
Estado e sua relação com o desenvolvimento da ação das redes sociais a partir da
discussão de autores que apontam aspectos relevantes relacionados a essa temática.
Assim, o presente estudo encontra-se estruturado da seguinte forma: inicialmente
faz-se necessário uma reflexão sobre a concepção de cidadania e formação do Estado de
Bem- Estar Social. Posteriormente, esclarecemos a concepção de redes sociais com ênfase
a categorias relevantes. Pode-se perceber durante este estudo a possibilidade de
associações mais complexas e que permeiam variados campos temáticos abordados na
dimensão das políticas públicas.
2 CIDADANIA, PROTEÇÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
Arretche (1995) ao analisar a emergência e desenvolvimento do Welfare State
conclui que nos países capitalistas desenvolvidos a provisão de serviços sociais tornou-se
um direito assegurado pelo Estado. Assim, ao estudar os condicionantes da emergência e
desenvolvimento do Welfare State, preponderantemente de ordem política, afirma que há
uma ampliação progressiva de direitos: dos civis aos políticos, dos políticos aos sociais.
Na dimensão dos direitos destacamos a contribuição de T. Marshall (1963 apud
ARRETCHE, 1995) ao problematizar a noção de cidadania a partir do estudo do Estado
Moderno, que se define como Estado-Protetor, e ao classificar os direitos em civis, direitos
políticos e direitos sociais. O referido autor aponta que com o movimento de ampliação do
conjunto de direitos a ser atendidos pelo Estado tem-se a origem do Estado-Previdenciário.
Portanto, para Arretche (1995) o Welfare State é um campo de escolhas, de solução
de conflitos onde se decide a redistribuição dos produtos do trabalho social e o acesso da
população à proteção, concebida como um direito de cidadania.
As concepções clássicas de garantia de direitos nos remetem a Bismarck
(meritocrático) e Beveridge (universal). Já na década de 90, observa-se modelos atuais de
políticas públicas, denominados por Sping-Andersen (1990) como “os três mundos do
capitalismo de Bem-Estar”. Ele conceitua as políticas públicas em Liberal (Residual),
Conservadora (Corporativista) e Universal (Social-Democrata).
4
No Brasil, Draibe (1990) aponta que a produção internacional sobre o Estado de
Bem-Estar Social constitui um rico instrumento para análise da especificidade do sistema
brasilerio de proteção social, contribuindo para estudos voltados a este contexto.
No âmbito da política social é função do Estado produzir, instituir e distribuir bens e
serviços sociais como direitos de cidadania. Contudo, as políticas sociais no Brasil nascem e
se desenvolvem como estratégias de enfrentamento da questão social, pela tensão gerada
pela lutas dos trabalhadores em prol de direitos e papel que o Estado assume, sobretudo
como agente promotor do desenvolvimento capitalista no país, precisando se legitimar.
Para Sposati (2006) uma política social é, em grande parte, “resultado do processo
histórico político e, por conseqüência, das orientações que uma sociedade estabelece
quanto às necessidades de reprodução social que terão provisão pública, isto é, aquelas
que transitam da responsabilidade individual e privada para a responsabilidade social e
pública.” (p. 04).
É a partir da Constituição Federal de 1988 que materializa a expansão de direitos na
direção de uma cidadania plena e que mudanças significativas vão ocorrer no plano da
concepção e dos paradigmas que presidem as políticas sociais no país, ganhando destaque
o conceito de seguridade que confere nova substância e maior visibilidade aos debates
sobre os direitos.
3 GESTÃO SOCIAL E EXPERIÊNCIA DE REDES SOCIAIS
Conforme salienta Bourguignon (2001), gestão social é a gestão das demandas e
necessidades dos cidadãos. É uma forma de política pública composta por projetos e
programas sociais que atendem as necessidades e demandas da sociedade.
A moderna gestão social depende da articulação entre as políticas públicas, por meio
de ações conjuntas destinadas à proteção, inclusão e promoção dos seres humanos
vitimados pelo processo de exclusão social. Desse modo, o processo de redemocratização
da sociedade brasileira foi fundamental para que os usuários dos serviços passassem a ser
incluídos no cerne de uma gestão compartilhada, pois orientada pelos princípios da
participação/ controle social.
5
Nesse contexto ainda, com as mudanças paradigmáticas observou-se que as
necessidades humanas são complexas, construídas historicamente e apresentam várias
dimensões que demandam estratégias de ação que exijam otimização de recursos e uma
visão integral dos usuários. Dentre estas estratégias as redes sociais surgem, também,
como alternativa necessária de enfrentamento das manifestações da exclusão social.
Assim, pode-se relatar que a gestão social preocupa-se com ações de caráter
público e que as redes sociais nada mais são do que um destes canais ou estratégias de
enfrentamento das expressões da questão social numa dada realidade.
O que seria rede? Segundo Guará et al (1998, p. 12) “até algumas décadas atrás,
usávamos o termo rede na administração pública ou privada para designar uma cadeia de
serviços similares, subordinados em geral a uma organização-mãe que exercia a gestão de
forma centralizada e hierárquica.” Hoje, “uma rede pode ser o resultado do processo de
agregação de várias organizações afins em torno de um interesse comum, seja na
prestação de serviços, seja na produção de bens. Neste caso, dizemos que as unidades
operacionais independentes são ‘credenciadas’ e interdependentes com relação aos
processos operacionais que compartilham.” (GONÇALVES apud GUARÁ et al, 1998, p. 13).
A ação em rede pela via das políticas pública conforma uma construção social entre
diferentes interesses e serviços de diversa natureza, implicando negociação permanente e
flexibilidade, haja vista que o “interesse comum” também é objeto de disputa política.
Desse modo, na moderna gestão social apregoam-se ações orientadas por
princípios como: a descentralização, participação social e intersetorialidade.
3.1 A organização e relevância das redes sociais
Na Era da Globalização, as redes de comunicação tornaram-se instrumentos
indispensáveis ao processo de democratização da sociedade. Redes sociais podem ser
entendidas, de acordo com Schaff (1992), como um conjunto tradicional de grupos sociais,
porque elas representam uma união entre o poder governamental e os movimentos sociais
modernos que atuam em cadeia na promoção de políticas públicas.
6
As redes sociais para este autor representam movimentos sociais tradicionais, ou
seja, aqueles movimentos sociais que atuam, junto aos poderes públicos, nos âmbitos local,
regional, estadual ou nacional. Para Castells (1999) as redes de comunicação informacional
representam uma nova dinâmica nas relações de poder que se organiza – com base no
saber e no conhecimento informacional – no mundo contemporâneo, a partir do advento da
globalização.
Trivinho (1998) expõe a dificuldade de operarmos no Brasil com redes sociais.
Segundo ele, não possuímos uma cultura de cidadania participativa (obstáculo a ser
vencido) e isso fragilizou a nossa cultura de organização e participação social.
Desde o advento da globalização, o processo de elaboração e de execução de
políticas públicas – tanto no Brasil quanto nos demais países com welfare state – tem se
tornado cada vez mais dependente de uma sociedade que se organiza e interage por
intermédio de redes sociais e de comunicação informacional.
Frey (1996) ressalta que as demandas por reformas do estado colocam a eficiência e
o controle social como pontos – chave a serem trabalhados. Nas décadas de 80 e 90 o
Terceiro Setor desenvolveu-se de forma acelerada e com a democratização e crise fiscal
observamos a Reforma do estado, com ênfase no princípio de descentralização na gestão
de políticas públicas.
Com a CF de 1988 institucionalizam-se, segundo relato de Frey (1996), dois modelos
de gestão pública no Brasil: o modelo gerencial (tecnocrático) e o modelo democrático-
participativo (democrático-participativo com destaque ao controle social) e que impulsiona o
surgimento de um novo modelo de gestão pública em rede.
É nesse contexto que as políticas públicas ganham nova orientação. De acordo com
Dagnino (2000), portanto, as políticas públicas são consideradas, como um processo de
tomada de decisões direcionado a atender as demandas da comunidade ou da sociedade.
Tal processo requer dos usuários maior conhecimento de seus direitos e dos mecanismos
de sua efetivação, pois, se os princípios se materializaram em direitos, os mesmos para se
constituírem enquanto tal requer luta, e conquista cotidiana.
3.2 As redes de políticas públicas: intersetorialidade e a prática de redes sociais
7
Há vários tipos de redes, dependendo de sua natureza e objetivos. As redes sociais
podem ser temáticas, focadas em determinadas questões sociais ou áreas territoriais.
Conforme Guará et al (1998 apud Bourguignon, 2001), podemos classificar os
seguintes tipos de redes: espontânea, sociocomunitárias, movimentalistas, setoriais
públicas, serviços privados, regionais e intersetoriais. Redes espontâneas que derivam da
solidariedade humana e as redes de políticas públicas, de desenvolvimento comunitário e
intersetorial.
As redes de políticas públicas, de acordo com Bourguignon (2001), podem ser
definidas como padrões mais ou menos estáveis de relações sociais entre atores
interdependentes, que tomam forma ao redor dos problemas ou dos programas de políticas
públicas.
As redes de desenvolvimento comunitário são aquelas que congregam entidades
socais, empresas, organizações, órgãos de setor público, profissionais, etc, sendo, portanto,
intersetoriais.
A gestão social para Bourguignon (2001) preocupa-se com ações de caráter público,
já as redes sociais nada mais são que um destes canais ou estratégias de enfrentamento
das expressões da questão social.
A formação de redes setoriais públicas – aquelas que prestam serviços e programas
sociais consagrados pelas políticas públicas – começa a ganhar dinâmica no Brasil no início
dos anos 90.
Todavia, a fácil inserção da internacional agenda política neoliberal no Brasil dos
anos 90 proporcionou o aparecimento de uma série de serviços privados com o processo de
deteriorização dos serviços equivalentes prestados pelo setor público. A questão em jogo é
como esse serviço é produzido e repassado, se como dádiva ou direito. Além do mais, com
a precarização dos vínculos trabalhistas e ausência de monitoramento e avaliação de
repasses de verbas públicas para entes privados, o que se observa é uma crescente
renuncia fiscal e privatização de verba pública.
Neste contexto, o terceiro setor passa a ser o elemento fundamental da rede setorial
de proteção social que se destina ao atendimento das pessoas vitimadas pelo processo de
“sucateamento” dos serviços públicos e da comercialização de importantes bens
considerados indispensáveis à existência do ser humano.
8
Ainda segundo Bourguignon (2001), as redes setoriais privadas visam a promover
uma maior eficácia no desenvolvimento das atividades comerciais empresariais privadas. Já
as redes intersetoriais são aquelas que articulam o conjunto das organizações
governamentais, não governamentais e informais, etc, bem como as redes setoriais,
priorizando o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulneráveis socialmente.
Bourguignon (2001) observa que a implementação da descentralização juntamente
com políticas de caráter intersetorial, com uma atuação em rede, é uma ação que pode
promover o desenvolvimento social de um determinado município, devido ás características
apresentadas por esses conceitos.
4 CONCLUSÃO
Como sinalizado em todo texto, com o aprofundamento do processo de
redemocratização da sociedade brasileira e o crescente reconhecimento de direitos que
envolvem a construção de uma cidadania plena e políticas públicas inclusivas a atuação em
redes se impõe como uma necessidade, dada a visão integral dos usuários dos serviços e
da complexidade de suas necessidades que não são saciadas em uma única política
setorial.
Por outro lado, com a intensificação da difusão do ideário e políticas orientadas pela
perspectiva neoliberal, agentes privados com outros propósitos que não a cidadania passam
a invadir o território das políticas públicas, conformando as redes que oferecem bens e
serviços, não necessariamente na direção de fortalecimento da cidadania, mas,
reconstituindo os como dádivas, fruto da benesse social.
Dessa maneira, atuar em rede pode fortalecer a perspectiva de uma cidadania
ampla, com uma visão integral das necessidades humanas ou pode ser restritiva,
suprimindo direitos, transmutados em favor.
De qualquer maneira, a prática de redes, certamente, representa uma nova forma de
trabalhar, pois não só colocam em questão certos modelos tradicionais de atuação como
exige dos profissionais uma adaptação a novas práticas no âmbito do seu trabalho. A
experiência da prática de redes tem mostrado resultados importantes, independentemente
9
das condições políticas, jurídicas, econômicas, culturais, etc. Este texto foi um convite ao
debate sobre os novos padrões de relação entre Estado e sociedade exigidos pela
complexa realidade social contemporânea.
5 REFERÊNCIAS
ARRETCHE, Marta. Emergência e desenvolvimento do welfare state: teorias, expectativas. In: BIB, n. 39, 1995. BOURGUIGNON, J. A. Concepção de rede intersetorial. 2001. Disponível em: <http://www.uepg.br/nupes/intersetor.htm.> Acesso em: 25/ 02/2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2004. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DAGNINO, Renato. O processo de elaboração de políticas públicas no estado capitalista moderno. Tuabaté: Cabral Universitária, 2000. DRAIBE, Sônia. As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas para a década de 90. Brasília: IPEA, 1990. FREY, Klaus. Crise do estado e estilos de gestão municipal. Lua Nova, São Paulo, n. 37, 1996.
GUARÁ, Isa M. Ferreira da Rosa et. al. Gestão Municipal dos serviços de atenção à criança e ao adolescente. São Paulo: IEE/PUC – SP; Brasília: SAS/MPAS, 1998. SCHAFF, Adam. A sociedade informática. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. SPING-ANDERSEN, G. As três economias políticas do welfare state. In: Lua Nova, n. 24, 1990.
10
SPOSATI, Aldaíza. Redes Sociais no contexto do SUAS. Palestra. Núcleo de Estudos e Pesquisa de Seguridade e Assistência Social – NEPSAS/PUC-SP. Teresina, PI, Março, 2006. TRIVINHO, Eugênio. Redes: obliterações no fim de século. São Paulo: Annablume, 1998.