3.1 a responsabilidade civil frente ao assédio moral coletivo · justificativa que se adequa...

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3 3.1 A Responsabilidade Civil frente ao assédio moral coletivo Este capítulo pretende verificar o tratamento dispensado ao assédio moral coletivo pelos tribunais trabalhistas, a partir da análise de ações civis públicas a respeito da temática. A tendência à coletivização das demandas atende ao reconhecimento da projeção da dignidade humana à luz de seu aspecto socializante. Nesse esteio, inicia-se o estudo a partir das mudanças ocorridasna responsabilidade civil, principalmente após a Carta de 1988, que introduziu a noção solidarista ao ordenamento jurídico ao dar primazia à tutela da pessoa. Em razão da mudança no tratamento dado à pessoa é que surgiram microssistemas legislativos à margem do Código Civil, baseados, muitas vezes, em princípios que a ela se contrapunham. A descodificação do direito privado intensifica-se após a Constituição de 1988, diante das novas bases fundadas em normas-princípios, valores e cláusulas gerais. O sistema de responsabilidade civil passa por uma releitura, tendo em vista que a Constituição e diversas leis esparsas já adotavam a responsabilidade objetiva que previa o dever de indenizar, independentemente da conduta do causador do dano, valorizando a pessoa da vítima e o seu devido ressarcimento. De modo que, o dano moral também passa por uma evolução em seu tratamento, ampliando-se as hipóteses de indenização, com maior ênfase para os interesses existenciais. Diante das violações aos diretos personalíssimos dos empregados nas relações de trabalho, há necessidade de verificar a evolução do dano moral nesta esfera, sobretudo, após a Emenda Constitucional 45 que ampliou a competência da justiça trabalhista para abarcar o dano moral, que antes era julgado no âmbito cível. Em outro ponto, será abordada a questão da responsabilidade civil no que tange ao assédio moral, antes identificado com a tutela individual de reparação, através da perquirição de culpa e, atualmente, com ênfase dada a dimensão coletiva da dignidade humana. O assédio moral coletivo caracterizado pela doutrina e jurisprudência como abuso de direito do poder diretivo dos

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Page 1: 3.1 A Responsabilidade Civil frente ao assédio moral coletivo · justificativa que se adequa melhor ao aspecto coletivo do assédio é a teoria do abuso como se verá. Apesar do

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3.1

A Responsabilidade Civil frente ao assédio moral coletivo

Este capítulo pretende verificar o tratamento dispensado ao assédio moral

coletivo pelos tribunais trabalhistas, a partir da análise de ações civis públicas a

respeito da temática. A tendência à coletivização das demandas atende ao

reconhecimento da projeção da dignidade humana à luz de seu aspecto

socializante. Nesse esteio, inicia-se o estudo a partir das mudanças ocorridasna

responsabilidade civil, principalmente após a Carta de 1988, que introduziu a

noção solidarista ao ordenamento jurídico ao dar primazia à tutela da pessoa.

Em razão da mudança no tratamento dado à pessoa é que surgiram

microssistemas legislativos à margem do Código Civil, baseados, muitas vezes,

em princípios que a ela se contrapunham. A descodificação do direito privado

intensifica-se após a Constituição de 1988, diante das novas bases fundadas em

normas-princípios, valores e cláusulas gerais. O sistema de responsabilidade civil

passa por uma releitura, tendo em vista que a Constituição e diversas leis esparsas

já adotavam a responsabilidade objetiva que previa o dever de indenizar,

independentemente da conduta do causador do dano, valorizando a pessoa da

vítima e o seu devido ressarcimento.

De modo que, o dano moral também passa por uma evolução em seu

tratamento, ampliando-se as hipóteses de indenização, com maior ênfase para os

interesses existenciais. Diante das violações aos diretos personalíssimos dos

empregados nas relações de trabalho, há necessidade de verificar a evolução do

dano moral nesta esfera, sobretudo, após a Emenda Constitucional 45 que ampliou

a competência da justiça trabalhista para abarcar o dano moral, que antes era

julgado no âmbito cível.

Em outro ponto, será abordada a questão da responsabilidade civil no que

tange ao assédio moral, antes identificado com a tutela individual de reparação,

através da perquirição de culpa e, atualmente, com ênfase dada a dimensão

coletiva da dignidade humana. O assédio moral coletivo caracterizado pela

doutrina e jurisprudência como abuso de direito do poder diretivo dos

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empregadores corrobora a objetivação da responsabilidade, além da constante

utilização pela jurisprudência da aplicação da responsabilidade objetiva por fato

de terceiro, conforme artigo 932, III do Código Civil. Mais timidamente, também

aparece a teoria do risco como fundamento do assédio moral. No entanto, a

justificativa que se adequa melhor ao aspecto coletivo do assédio é a teoria do

abuso como se verá.

Apesar do alargamento da proteção dos interesses existenciais lesados, há

um fator preocupante que é a excessiva responsabilização atrelada à adoção de

critérios equivocados de reparação. Os fundamentos utilizados pela jurisprudência

serão discutidos, como a teoria do desestímulo, a dupla função da

responsabilidade (compensação-punição) e demais fatores considerados no

momento da quantificação do dano moral (capacidade econômica das partes, grau

de culpa do agente, etc.). Será feita referência a esses critérios punitivos e a

possibilidade de se pensar em tal forma de indenização em hipóteses específicas.

O presente estudo tratará, inclusive, da possibilidade de se usar medidas

reparatórias específicas no lugar de seu equivalente monetário. Constata-se que o

MPT vem adotando outros meios inibitórios de reparação in natura, o que parece

ser uma tendência mais acertada do que o ônus de ressarcimento lançado para um

único responsável. No último tópico, discute-se a possibilidade de se adotar o

direito penal e a multa administrativa em matéria de danos coletivos e se estas

seriam alternativas viáveis em substituição à responsabilidade civil.

3.1.1

O dano moral (extrapatrimonial) e a mudança de paradigma da

Responsabilidade Civil

A par da relevância social da responsabilidade civil quanto à indenização

dos danos decorrentes de atos antijurídicos - sob a diretriz pautada na proteção da

pessoa, principalmente após a Constituição de 1988 - é que se observa a

insuficiência da culpa diante dos prejuízos que restavam irreparáveis. Doutrina e

jurisprudência, a partir das situações trazidas pela vida moderna, alargaram o

conceito de culpa reconhecendo sua presunção em diferentes casos236.

236 Para citar um exemplo, de acordo com o ordenamento jurídico atual, a responsabilidade civil do empregador por ato causado pelo empregado, no exercício do trabalho que lhe competir, ou em

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A transformação da responsabilidade civil, ao se afastar da importância

dada ao causador do dano e se aproximar da figura do lesado, que não pode ficar

sem reparação, corresponde à evolução de um modelo individualista-

patrimonialista presente no regramento de 1916, para uma ética solidária,

compatível com a Constituição e com o Código Civil de 2002. Segundo essa

concepção, não se pode aceitar que um dano fique sem indenização, pelo motivo

de a vítima não conseguir provar a culpa do agente. Deve-se focar a

responsabilização em favor da vítima e não no elemento culpa, a partir de um

critério de justiça social237.

No Brasil aderiram a esta corrente Orosimbo Nonato, Alvino Lima, José

de Aguiar Dias, Caio Mário, Sérgio Cavalieri, Gustavo Tepedino, Maria Celina

Bodin de Moraes, entre outros. O modelo de responsabilidade passa a ser dualista,

pois ao lado da responsabilidade subjetiva, presente no artigo 186 do Código

Civil, há várias hipóteses de responsabilidade objetiva, a começar pela cláusula

geral do artigo 927 do CC, a responsabilidade do empresário (artigo 931), a

responsabilidade indireta (artigos 932 e 933), pelo fato dos animais (artigo 936),

além dos dispositivos legais situados fora do Código Civil, como a Lei 7565/86

(transportes aéreos), Lei 6453/77 (acidentes nucelares), artigo 37, parágrafo sexto

da CF e o CDC (Lei 8078/90).

Com base no fundamento ético-jurídico solidarista da responsabilidade

civil, passa-seda ideia retributiva da culpa (responsabilização do autor por seus

atos) para a responsabilização pelas atividades (estendendo-se a proteção para os

direitos de qualquer pessoa lesada injustamente).O objetivo a ser perseguido em

sede de dano moral é a efetiva garantia à pessoa e nisso a noção normativa de

culpa como inobservância de uma norma objetiva de conduta veio substituir a

noção psicológica, com vistas a permitir que se apure o grau de reprovação social

representado pelo comportamento concreto do ofensor, sem que se dê relevância à

sua boa ou má intenção.238

razão dele, deixou de ser hipótese de responsabilidade subjetiva, com presunção de culpa (Súmula 341 do STF), para se transformar em um tipo legal de responsabilidade civil objetiva. 237 A doutrina objetivista começou a ganhar forma no século XIX com Karl Binding, criminalista alemão, ao estabelecer as bases científicas de tal doutrina, no que foi seguido naquele país por Karl Larenz. Na França, defenderam a teoria de que todo aquele que cria um risco à sociedade deverá indenizar os danos daí advindos, independente de haver agido com imprudência, negligência ou imperícia, os civilistas Raymond Saleilles e Louis Josserand. 238 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 212.

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No direito pátrio, a compreensão conferida ao dano moral teve na

Constituição de 1988 um marco divisor, pois o Código Civil de 1916 abstraiu-se

de incluir qualquer formulação expressa à reparação do dano moral. A redação

genérica do artigo 159 remeteu à interpretação do significado do termo dano: se

ampla, em função de a expressão não conter limitação, compreendendo o dano

material e o moral; ou se restrita, atinente apenas ao material. No ordenamento

nacional a tendência, a princípio, foi mais restritiva239, embora houvesse

doutrinadores que pensassem o contrário.240

Após o Código de 1916, em que pese prevalecer a postura negativista,

houve no STF entendimento favorável à admissão do dano moral à luz do

ordenamento vigente, em acórdão proferido em 24 de junho de 1966, de relatoria

do Ministro Aliomar Baleeiro241. Além disso, algumas leis esparsas passaram a

prever hipóteses específicas de dano moral, como se deu com o Código Brasileiro

de Telecomunicações (Lei 4117/62), Lei de Imprensa (Lei 5250/77), Lei dos

Direitos Autorais (Lei 5988/73) e a lei dos danos nucleares (Lei 6453/77).

Sob tal norte, o legislador constituinte estabeleceu dois preceitos

explícitos (artigo quinto, incisos V e X da CF242), inserindo-os no âmbito dos

direitos e garantias fundamentais. A controvérsia quanto à reparabilidade do dano

moral encontra-se superada a partir da força normativa destes artigos. O Código

239 Reflete a postura negativista do dano moral, a decisão do STF no Recurso Extraordinário n. 12.029, Alagoas, relator Min. Lafaiete de Andrada. RT, São Paulo, v. 244, p. 629, fev. de 1956. Nele não se admitiu ser o dano moral reparável por si mesmo, como se extrai do seguinte trecho: “não somente por não poder dar-lhe valor econômico, por não poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficiência dos nossos recursos abre as portas para especulações desonestas pelo manto nobilíssimo de sentimentos afetivos. (...) O dano moral não pode ser cumulado com o material para fins de indenização.” 240No entanto, alguns doutrinadores eram favoráveis à reparação do dano moral. A título de exemplo, Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, v. 1, p.313), ao tratar da abrangência do artigo 76 do Código Civil de 1916 que preleciona: “para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral”, aduz que: “se o interesse moral justifica ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro.” O mesmo entendimento é compartilhado por Carlos Alberto Bittar: “pelo sistema codificado, tem-se como implícita a regra do alcance dos danos morais, dado o teor amplo do texto legitimador de postulações em juízo (artigo 76). Também as regras gerais de responsabilidade (art. 159 e 1.056) são de caráter aberto, permitindo-se entender que compreendem os danos morais, especialmente diante da explícita previsão de certas hipóteses delituosas em que se ferem aspectos da moralidade e da afetividade pessoais (art. 1537 et seq.).” In: Reparação Civil por danos morais. 3 ed. Rev. Atual.e amp. 2. Tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 106. 241 Revista Forense, v. 217, São Paulo, p. 67. 242Art. 5, CF: (...). V- é assegurado direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X-são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

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Civil de 2002 reconheceu a obrigação de indenizar decorrente do dano moral sem

restrições, refletindo a principiologia da CF de 1988, ao relativizar a proteção

conferida antes apenas aos direitos patrimoniais, voltando-se para a perspectiva de

tutela da reparação integral da pessoa.

Atualmente, no que se relaciona ao dano moral, as discussões se voltam

para o seu conceito e para sua quantificação. Como aponta Gustavo Tepedino243,

destacam-se duas grandes orientações doutrinárias: i) a que, com base no

ordenamento constitucional (CF, art. 1, III), sustenta ser o dano moral uma ofensa

à cláusula geral de tutela da pessoa humana (Maria Celina Bodin de Moraes,

Danos à pessoa humana, p. 184 e ss.), e ii) a que entende o dano moral como

qualquer sofrimento ou incômodo humano que não é causado pela perda

pecuniária: “em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa atribuída

à palavra dor o mais largo significado” (Aguiar Dias, Da responsabilidade civil,

p. 730).

Essa última concepção vem sendo a majoritária para a jurisprudência nos

últimos anos: a de que o dano moral se dá toda vez que causar a alguém um mal

evidente244, em detrimento de uma delimitação objetiva da noção de dano moral.

O equívoco está em se partir de uma conceituação de dano com base em

sensações e sentimentos que, devido a sua subjetividade, não podem ser

mensurados. Na jurisprudência trabalhista aparecem elementos subjetivos na

fundamentação dos acórdãos, a despeito de se mencionar a importância da

dignidade da pessoa humana, para efeitos de indenização, conforme se extrai do

acórdão abaixo:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. (...) Assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva (comportamentos, jeitos, atos ou palavras) que pode trazer dano à personalidade, à integridade física ou psíquica, à dignidade do trabalhador, colocando o emprego em perigo ou degradando o meio ambiente de trabalho. Hipótese em que os exemplos de assédio moral estão perfeitamente caracterizados nos autos: supervisão excessiva, críticas cegas e genéricas, perseguição, ofensas, enfim, desvalorização total do trabalho realizado. Provimento negado ao recurso ordinário da reclamada e concedido parcialmente ao apelo da reclamante para, frente à natureza do abalo moral sofrido, a gravidade e a extensão (por anos) do referido dano e, ainda, a boa capacidade econômica da ofensora, elevar a

243

Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 339. 244 STF, 2 Turma, RE 172720, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 06 de fevereiro de 1996, publicado em 21 de fevereiro de 1997.

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reparação devida, de caráter pedagógico e razoável, para 20 mil reais. (...)Como se vê, o dano moral surte efeitos na órbita interna do ser humano,causando-lhe uma dor, uma tristeza ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar o lado psicológico, atingindo a esfera íntima e valorativa do lesado”. (TRT 4 Região, RO 01105-2004-662-04-00-5)

Deste modo, adere-se à perspectiva de um dano moral objetivo, fundado

na lesão ao direito à dignidade, vinculando-se a noções jurídicas tuteladas pelos

direitos fundamentais. O objetivo primordial do ordenamento é proteger a

dignidade da pessoa e o dano moral será, em consequência, a lesão a algum dos

substratos que compõem a dignidade humana, isto é, a violação a um desses

princípios: i) liberdade; ii) igualdade; iii) solidariedade; e iv) integridade

psicofísica de uma pessoa.245

3.1.2

O dano moral trabalhista e a ampliação da competência da justiça do

trabalho após a Emenda 45

Embora os direitos fundamentais e da personalidade estejam elencados

no artigo quinto da CF e no Código Civil de 2002, isso não significa que tais

danos não ocorram na esfera trabalhista. A prestação pessoal e diária de serviços,

somada à necessária redução de custos e majoração dos lucros acarreta danos à

esfera personalíssima dos empregados, como dispensas discriminatórias, pressão

para pedidos de demissão, dispensa por justa causa sem motivação aparente,

violação à intimidade, dentre outros. Deve-se atentar para o fato de que a

subordinação a qual está sujeito o trabalhador não restringe os direitos ínsitos à

sua personalidade.

No entanto, o pioneirismo da legislação trabalhista em introduzir a

responsabilidade objetiva e a socialização dos riscos no que se refere aos

acidentes de trabalho246, não se deu quanto à proteção aos direitos da

personalidade. Esse paradoxo, que vigorou por muito tempo, esteve na resistência

245 MORAES, Maria Celina Bodin de. Dano moral: Conceito, função, valoração. Revista Forense, vol. 413, p. 371. 246 Lei 3724 de 1919, que tornou obrigatório o seguro contra acidentes de trabalho em algumas atividades.

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do direito laboral em reconhecer como responsável o empregador obrigado a

reparar os danos morais decorrentes da violação aos direitos da personalidade.247

Somente após a Constituição de 1988, e, mais tarde, com a Emenda 45 de

2004, é que se assimilaria a competência da justiça do trabalho em relação ao

dano moral e o reconhecimento do trabalhador como titular de direitos da

personalidade. Há alguns anos, poucos se arriscavam a afirmar que haveria um

dano moral trabalhista e que a Justiça do Trabalho poderia apreciar esse tipo de

pretensão, pois envolvia aplicação do direito civil.248

Os primeiros estudos sobre a questão do dano moral nas relações

trabalhistas datam dos anos de 1990, a partir de um artigo de Luiz Pinho Pedreira,

com o título A reparação do dano moral no direito do trabalho, publicado na

Revista Ltr, em 1991. Conforme observa Estevão Mallet, a Consolidação das Leis

doTrabalho,que data de 1943, na mesma linha do antigo Código Civil, não se

ocupou dos direitos de personalidade com algumas raras exceções, a exemplo da

vedação à revista íntima após o expediente. Tudo ficou limitado ao plano

patrimonial da época em que se editou a CLT. Contudo, sendo o empregado uma

pessoa (art. 3º da CLT), os direitos de personalidade encontram-se

inevitavelmente em todo e qualquer contrato de trabalho249.

Até 2004, o colendo Superior Tribunal de Justiça ao dirimir conflitos de

competência adotava entendimento de que a competência em razão da matéria

seria definida em função do pedido e da causa de pedir e, considerando que a

pretensão relativa à indenização por dano moral tinha seu fundamento em norma

de Direito Civil, declarava a competência da Justiça Comum para instruir e julgar

a causa, não importando se o conflito se dava entre empregado e empregador.

247 FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de (Coord.). Responsabilidade Civil e relação de

trabalho: anotações propedêuticas à maneira de introdução. In: Responsabilidade Civil nas relações de trabalho – questões atuais e controvertidas. São Paulo, Ltr, 2011, p. 14. 248 SCHIAVI, Mauro. Dano moral coletivo decorrente da relação de trabalho. Texto obtido em: http://www.lacier.com.br/artigos/periodicos/DanoMoralColetivo.pdfAcesso em: 10 out/2012, p. 6. Segundo o autor, anteriormente à expressa atribuição legal da competência trabalhista para a resolução dos danos morais provenientes da relação de emprego, vinha o STF e o TST decidindo que era ela da justiça do trabalho, nesse sentido a OJ n. 327 da SDI-1 do TST, de 03.12.2003, assim redigida: “Dano moral. Competência da justiça do trabalho. Nos termos do artigo 114 da CF/88, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrentes da relação de trabalho.” A nova redação do artigo 114, I e VI da CRFB atribuiu à especializada uma competência mais ampla, porque abrangente aos danos morais e materiais oriundos de qualquer relação de trabalho e acidentes de trabalho. 249MALLET, Estevão. Direitos de personalidade e direito do trabalho. In:Revista LTr, n. 68-11, nov.2004, p. 1309.

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Entretanto, pacificando a controvérsia, sobreveio a Emenda Constitucional nº

45/2004 de aplicação imediata aos processos em curso, que introduziu no art. 114

da Constituição Federal o inciso VI, atribuindo competência à Justiça do Trabalho

para processar e julgar ações de indenização por dano moral ou material,

decorrentes da relação de trabalho. O Supremo Tribunal Federal250apreciando a

aplicação dasmodificações introduzidas pela EC nº 45/2004 aos processos em

curso quando de sua promulgação, assentou o entendimento de que a nova diretriz

alcança somente os processos que tramitam na Justiça comum, que não estejam

sentenciados, em respeito ao princípio da perpetuação da jurisdição (CC nº 7.204-

1/MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 21.09.2005).

Desta forma, o dano moral decorrente da relação de trabalho, embora

inserido nesta relação, não perde sua natureza jurídica de ser uma reparação de

ordem civil-constitucional251. Para melhor compreensão desse quadro, é preciso

registrar que a partir da Carta de 1988 um novo paradigma surgiu para estudar o

direito privado - o direito civil-constitucional - ou seja, o direito civil interpretado

à luz dos novos valores e princípios estampados na Constituição Federal.

3.1.3

Os danos coletivos e sua eclosão na esfera trabalhista

Poucos institutos evoluíram tanto quanto a responsabilidade civil, que

atualmente, busca não apenas reduzir o número de vítimas sem ressarcimento,

mas, prevenir os danos tidos como injustos. Sem dúvida, o reconhecimento do

dano moral coletivo significa uma ampliação do dano extrapatrimonial para um

conceito não restrito ao mero sofrimento ou dor pessoal, porém extensivo a

250 O STF já havia se pronunciado a favor da competência da justiça do trabalho para dirimir reparação de danos decorrentes da relação de trabalho, em voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no RE 238737-SP, Julg. 17.11.1998. 251 Com esta ideia corrobora Amauri Mascaro Nascimento: “Dano moral, que é o efeito da agressão moral, do assédio moral e do assédio sexual, é um só e mesmo conceito no direito civil e no direito do trabalho, não existindo um conceito de dano moral trabalhista que, assim, vai buscar no direito civil os elementos de sua caracterização.” (Curso de direito do trabalho. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 466). No entanto, há autores que sustentam existir um dano moral próprio do direito do trabalho, ligado a uma relação de trabalho ou de emprego. Nesse sentido é a visão de João Oreste Dalazan: “reputo dano moraltrabalhista, por conseguinte, o agravo ou constrangimento legal infligido, quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação a direitos ínsitos à personalidade, como consequência da relação de emprego.” (Aspectos do dano

moral trabalhista, In: Revista Legislação Trabalhista. São Paulo, LTr, ano 64, vol. 1, 2000, p. 7)

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qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade e que

reflitam o alcance da dignidade dos seus membros.

A compreensão do dano moral coletivo estabelece-se de maneira

objetiva, sem se conjugar com a demonstração de elementos como aflições ou

transtornos. Também é equivocado o critério de verificação do quantitativo de

pessoas atingidas para efeito de caracterização do dano moral coletivo, uma vez

que este se materializa por sua repercussão no meio social. Tudo isso vem a

fundamentar a projeção coletiva da dignidade da pessoa humana pautada pela

admissão de interesses que ultrapassam a esfera individual e pelo principio da

solidariedade, onde tal projeção pode ser violada por intermédio do dano

extrapatrimonial.

Conforme apontado por Marcelo Freire Sampaio Costa, há um tripé

justificador do dano moral coletivo: i) a dimensão coletiva do principio da

dignidade da pessoa humana; ii) a ampliação do conceito de dano moral

envolvendo não apenas a dor psíquica; iii) coletivização dos interesses, pelo

reconhecimento legislativo dos direitos coletivos em sentido lato252.

Primeiramente, a projeção social do principio da dignidade da pessoa

humana representa uma obrigação geral de respeito ao ser humano, seja em

dimensão singular ou coletiva. O dano moral coletivo significa a injusta lesão da

esfera moral de uma comunidade253 ou mesmo a violação de um determinado

círculo de valores coletivos. Há precedentes dos tribunais trabalhistas que trazem

essa correspondência entre um dano moral social e à violação de um círculo de

valores coletivos, como ocorre com a ofensa a direitos indisponíveis de uma

coletividade de trabalhadores254.

252 COSTA, Marcelo Freire Sampaio. Dano Moral (Extrapatrimonial) Coletivo. São Paulo: Ltr, 2009, p. 59. 253 De acordo com Carlos Alberto Bittar Filho: “Assim, pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um de terminado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico.” In: Pode a coletividade sofrer dano moral?Rep. IOB Jurisp. 3/12.290 254 “RECURSO DE REVISTA. TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. (...)Não há como negar, diante dos fatos registrados no acórdão regional, a existência de violação aos princípios e direitos fundamentais mínimos previstos na Constituição Federal, haja vista que a submissão de trabalhadores, ainda que sem vínculo empregatício, a condições de trabalho degradantes e desumanas repugnam a coletividade e afrontam a honra e dignidade coletiva dos trabalhadores arregimentados pelas primeira e segunda reclamadas, cuja atitude empresarial é repudiada pelo ordenamento jurídico. Devido o pagamento de indenização por danos morais coletivos, tendo em vista que esta Corte

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Conforme já mencionado, em decorrência da adoção de um paradigma

amplo de proteção ao ser humano, afasta-se a vinculação da ocorrência do dano

moral associado à esfera subjetiva da dor e sofrimento. Assim salientado por

Cavalieri: “dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequências e não causa,

e só poderão ser considerados danos morais quando tiverem por causa a agressão

à dignidade de alguém.”255.

O reducionismo de se ter uma postura contrária ao dano moral coletivo

por considerar que a vítima tem que ser necessariamente uma pessoa, por muito

tempo influenciou a jurisprudência do STJ. Isso com base na necessária

vinculação do dano moral à noção de dor e sofrimento psíquico e incompatível

com a noção de transindividualidade.256 No entanto, o próprio STJ, mais

recentemente, veio admitir a reparação coletiva, evidenciando ser desnecessária a

comprovação de dor e sofrimento que é de aplicação exclusiva ao dano

individual257. De modo que, a Corte ao admitir o dano extrapatrimonial que atinge

direitos da personalidade do grupo enquanto realidade massificada, confere

proteção à dimensão coletiva da dignidade.

Na esfera trabalhista, há tradição quanto à admissão de conflitos

coletivos, seja por conta de interesse econômico (o que ocorre na negociação

coletiva e arbitragem) ou jurídico (interpretação da lei aplicável no âmbito das

categorias profissional e econômica), em razão do poder normativo da justiça do

trabalho, de acordo com artigo 114, parágrafo segundo, da CF. A dimensão

coletiva258 pode ser percebida, inclusive, na enunciação dos direitos conferidos

Superior já pacificou entendimento no sentido de que a coletividade detém interesses de natureza extrapatrimonial, que violados, geram direito à indenização”. (TST-RR 98300-57.2006.5.12.0024, 7 Turma, Min Rel. Maria Doralice Novaes, DJ. 27/08/2010.) 255 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit. p. 80. 256 RESP 598281-MG, 1 Turma, Rel. Luiz Fux, DJ 01.06.2006. Entendimento reiterado em outros acórdãos: Resp 821.891- RS, Rel. Luiz Fux, 08/04/2008; Resp 971.844 RS, Rel. Min. Teori Zavascki, 03.12.2009; Resp. 1.109.905-PR, Min Hamilton Carvalhido, 14.05.2010. 257 RESP 1.057.274-RS, 2 Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 26.02.2010. No mesmo sentido: Resp. 1.221.756-RJ, 3 Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJ. 02.02. 2012.; Resp. 1.203.573, 2 Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 06.12.2011. 258De modo especial, o Ministério Público do Trabalho atua em situações como as de assédio moral coletivo, com a imposição de obrigações de fazer e não fazer direcionadas a coibir formas de gestão que se fundamentam neste tipo de assédio. O Parquet atua tanto extrajudicialmente, ao dispor às empresas sobre a regularização da conduta através de termos de ajustes de conduta, com a finalidade de abolir os procedimentos abusivos, quanto através de ações, onde entrega ao Judiciário a responsabilidade pela tutela da situação levada a seu conhecimento. Em regra, as denuncias de assédio que chegam ao MPT ensejam um principio de investigação, para que se verifique se se trata de assédio moral ou não e se é caso de atuação do MPT, pois se for uma situação isolada, normalmente o caso é arquivado.

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aos trabalhadores dentro da perspectiva dos valores sociais do trabalho frente à

livre iniciativa. O TST é considerado pioneiro na aceitação do dano moral

coletivo, tendo em vista o grande numero de decisões proferidas sobre a matéria

pelo referido órgão259.

O principal pilar de sustentação para o reconhecimento dos direitos

coletivos está no desenvolvimento legal da matéria. Inicia-se importante proteção

ao patrimônio público com a lei de Ação Popular (Lei 4717/65), e, mais tarde,

com a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85), mesmo antes da vigência da

Constituição de 1988. A partir dela, houve um redirecionamento tanto do dano

moral, através da reparação integral, quanto dos interesses transindividuais,

valorizando-se os direitos de natureza coletiva (artigos 6, 7, 194, 196, 205, 215,

225, 227 todos da CF) e os instrumentos próprios a sua tutela (artigos quinto,

LXX e LXXIII e 129, III da CF).

A ação civil pública tornou-se instrumento de alçada constitucional apto

a ser utilizado pelo Ministério Publico, com base no artigo 129, inciso III, para

proteção de todo e qualquer interesse transindividual, inclusive os de feição

extrapatrimonial, por força da projeção de tutelas reconhecidas à dignidade

humana. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de

1990), sedimentou-se no plano infraconstitucional a base legal para a tutela

efetiva do dano moral coletivo em razão do artigo 110 daquele Código, que

acrescentou o inciso IV ao artigo primeiro da Lei de ação civil pública e estendeu

o uso dessa ação a outros interesses difusos ou coletivos, por iniciativa de

qualquer dos entes legitimados.

O CDC integrou-se à Lei de ação civil pública, trazendo a tona uma

estrutura processual própria à tutela coletiva. O artigo segundo, paragrafo único

daquele sistema equiparou ao consumidor a “coletividade de pessoas, ainda que

indeterminadas” para efeito de sua proteção. Além disso, o artigo sexto do CDC,

incisos VI e VII apontam como direitos básicos dos consumidores: “a efetiva

proteção e reparação de danos morais, individuais, coletivos e difusos”, assim

259 Xisto Thiago de Medeiros Neto em obra já citada, p. 275, aponta o protagonismo da justiça trabalhista para questões coletivas, citando inúmeros acórdãos que versam sobre a matéria, sobretudo, a partir de 2006, relacionados a casos como: exploração de trabalho de crianças e adolescentes, submissão de trabalhadores a condições degradantes, trabalho forçado, análogo a escravo, descumprimento de normas básicas de saúde e segurança, discriminação, assédio moral e sexual, uso de fraude, coação ou dolo para sonegar direitos trabalhistas, terceirização ilícita de mão de obra, obstáculos à liberdade sindical, etc.

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como garante acesso aos órgãos judiciários e administrativos visando à proteção

destes mesmos direitos. Em 1994, com a lei antitruste (Lei 8884/94), o caput do

artigo primeiro da lei de ação civil pública veio a ser alterado para se incluir no

texto legal as expressões “danos morais” e “patrimoniais”, reforçando a extensão

das demandas coletivas.

Deve ser ressaltado que, os dispositivos da Lei 8078/90 são aplicáveis ao

direito do trabalho e processual do trabalho, por força dos artigos oitavo,

parágrafo único e 769, ambos da CLT260. O mesmo tratamento é conferido ao

artigo 81, parágrafo único do CDC, que define o que seriam interesses ou direitos

difusos, coletivos e individuais homogêneos261. No âmbito trabalhista, afloram

questões de âmbito difuso,como exemplo: a prática de atos de degradação do

meio ambiente de trabalho; o desvirtuamento da contratação de servidores

temporários, pela Administração Pública, violando a obrigatoriedade de concurso

Público, etc.

Já os direitos coletivos, possuem natureza incindível e devem ser

titularizados por grupo, categoria ou classe, ligados por alguma relação jurídica

preexistente. Aqui o liame entre as pessoas é mais coeso, diferente do que ocorre

com os interesses difusos. Dentro do direito do trabalho, pode-se ter como

exemplo: a proteção ou eliminação dos riscos do meio ambiente de trabalho de

determinada empresa; a proteção contra atos antissindicais por prática

empresarial; o não recolhimento dos depósitos de FGTS de um grupo de

trabalhadores. Também existem os direitos individuais homogêneos dos quais são

titulares pessoas determinadas e com objeto divisível, já que os interesses surgem

de uma origem comum, mas também se podem delimitar os interesses de cada

um.

Quanto à legitimidade do MPT para a defesa dos direitos individuais

homogêneos na esfera trabalhista, tem-se considerado que o interesse individual

260 Artigo 8, Parágrafo único da CLT: “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.” Artigo 769 da CLT: “nos casos omissos o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.” 261 O inciso I aduz que são difusos os interesses ou direitos de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Já o inciso II, aponta que são interesses ou direitos coletivos, os de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica base. E por fim, o inciso III que aborda os interesses individuais homogêneos, entendidos como aqueles que decorrem de origem comum.

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homogêneo é uma subespécie de interesse transindividual, tendo, portanto, feição

coletiva. O TST também vem admitindo a legitimação do Ministério Público do

Trabalho para promover ação civil pública para a defesa de direitos individuais

homogêneos262, com base na Lei Complementar 75/93, em seu artigo 6º, ao prever

que compete ao Ministério Público da União “promover o inquérito civil e ação

civil pública para: d) proteção deoutros interesses individuais indisponíveis,

homogêneos, sociais, difusos ecoletivos”.

Desta forma, após verificar a estrutura e a base legal voltada para o dano

moral coletivo, será feita abordagem a respeito da responsabilidade decorrente do

assédio moral e sua evolução.

3.2

O assédio moral e a responsabilização decorrente: Da subjetivação à

Responsabilidade Objetiva

A responsabilidade subjetiva ainda é muito utilizada nas demandas

trabalhistas referentes à ocorrência de assédio moral interpessoal, pois é

necessária a comprovação da ilicitude da conduta do causador do dano (se houve

culpa ou dolo, ação ou omissão), o nexo de causalidade e o dano propriamente

dito. Mas, nos casos de assédio organizacional há uma evolução e consequente

tendência à objetivação. É recorrente na doutrina trabalhista mais atual a

importância de se deixar de lado a questão de quem seria o culpado para se chegar

ao responsável pelo dano.

Além do que, muitas das hipóteses de presunção de culpa deram lugar à

responsabilidade objetiva (artigos 932 e 933 do Código Civil). Até mesmo em

relação aos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais que a ele se equiparam

262“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não há que se cogitar de nulidade, por negativa de prestação jurisdicional, quando a decisão atacada manifesta tese expressa sobre todos os aspectos manejados pela parte, em suas intervenções processuais oportunas, ainda que de forma contrária a seus interesses. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, nos exatos limites dos arts. 127 e 129, III e IX, da Constituição Federal, 6º, VII, alíneas -a- e -d- e 84 da Lei Complementar nº 75/93.”(AIRR - 252/2001-002-22-40.5 Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 29/05/2009.)

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houve uma considerável progressão, já que a súmula 229263 do STF que previa a

responsabilidade no caso de dolo ou culpa grave caiu em desuso com o advento

do artigo 7, XXVIII da CF de 88 ao abranger qualquer tipo de culpa264.

Mais recentemente, tendo em vista a noção de meio ambiente de

trabalho sadio, conforme o artigo 225 da CF, os danos decorrentes de um

ambiente lesivo à saúde dos trabalhadores independem da prova da culpa. Pode-se

constatar que o artigo 7, inciso XVIII da CF que trata da responsabilidade

subjetiva prevalece quanto ao assédio moral interpessoal ou nos acidentes

individuais e coexiste com a responsabilidade objetiva, em casos como o de dano

ao meio ambiente de trabalho ou de responsabilidade indireta, abuso de direito,

etc.

Chama-se a atenção para o fato de haver aproximação entre os dois tipos

de responsabilidade: vários elementos subjetivos encontram-se na

responsabilidade objetiva e a culpa deixa de ser entendida em seu aspecto

psicológico e passa a ser tratada como um descumprimento de um dever de

cuidado. A jurisprudência trabalhista vem a corroborar tal constatação, uma vez

que, em casos de assédio moral coletivo ocorre a perquirição de culpa, mesmo em

se tratando de hipótese de responsabilidade objetiva e independa desse requisito.

Quanto a Teoria do Risco, decorre ela da função social, ao buscar a

efetiva reparação da vítima e a defesa de interesses socialmente relevantes, com

base no fato de que a pessoa que se aproveita dos riscos ocasionados deverá arcar

com suas consequências. Todo risco deve ser garantido visando à proteção da

pessoa, em particular, a das vítimas de acidentes, bastando prova de que o dano

decorreu do exercício da atividade. No entanto, tal teoria tem aplicação tímida

pela jurisprudência trabalhista frente ao assédio, pois depende da existência de

uma atividade que cause perigo.

Oponto mais importante deste item é a associação do assédio moral com

o abuso de direito, de acordo com o que já foi defendido pela doutrina e tem sido

corriqueiro na jurisprudência trabalhista. O artigo 187 do Código Civil, ao impor

263 Súmula 229 do STF, que restou superada desde final dos anos de 1970, com a edição da Lei 6367/76, que tratou sobre a objetivação da responsabilidade em sede de acidente de trabalho, assim prescrevia: “a indenização acidentárianão exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. 264 São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros (...) XXVIII- “seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”

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limites ao exercício dos direitos, coaduna-se com a ideia de que o poder do

empregador deve ser exercido de acordo com a boa fé objetiva. Além do mais, o

ato abusivo deve ser visto não como forma de ilícito, mas sim objetivamente: deve

depender tãosomente da verificação de desconformidade concreta entre o

exercício da situação jurídica e os valores tutelados pelo ordenamento civil-

constitucional.265 Também será ressaltado que os efeitos jurídicos do abuso de

direito não se limitam à obrigação de indenizar, podendo gerar outros tipos de

sanções mais condizentes com a violação perpetrada.

3.2.1

O Assédio Moral e a Responsabilidade Subjetiva

Em um primeiro momento, o direito brasileiro utilizava como

fundamento único da responsabilidade civil o conceito de culpa, conforme o

artigo 159 do Código Civil de 1916, ao dispor que: “aquele que por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a

outrem, fica obrigado a reparar o dano.” Na responsabilidade subjetiva além da

conduta ilícita, são necessários a culpa, o dano e o nexo causal. Não se concebia a

responsabilização do agente sem que houvesse a prova da culpa ou a sua expressa

presunção legal.

A culpa abrange tanto o dolo quanto à culpa em sentido estrito, que pode

ser definida como a conduta contrária ao dever de cuidado, com a produção de um

dano involuntário, porém previsto ou previsível (seja na manifestação de um ato

negligente, imprudente ou com imperícia). O Novo Código Civil, em seu artigo

186, fixa o dever de reparação do dano causado, “ainda que exclusivamente

moral, quando houver violação de direito, por ação ou omissão voluntária (dolo),

negligência ou imprudência” (culpa stricto sensu).

A verificação da culpa ou dolo depende de uma valoração da conduta do

sujeito, daí chamar-se de responsabilidade subjetiva e, para que nascesse o dever

de indenizar era imprescindível que a vítima demonstrasse o comportamento

culposo do agente causador do prejuízo. Dentro da órbita trabalhista, a concepção

psicológica da culpa conduziu a um obstáculo à reparação do dano, por exemplo,

265 TEPEDINO, Gustavo. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I. Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p.346.

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quando se exigia dooperário provar que o acidente era resultado de imprudência

do empregador. Essa lógica individualista tornava-se incompatível com a

complexidade das práticas industriais, em que o risco de acidente era cada vez

maior, de forma que, a visão tradicional de culpa era injusta em relação aos

trabalhadores de quem se exigia uma prova quase impossível.

Tal constatação fez com que a teoria da culpa se mostrasse insuficiente

para a tutela das relações jurídicas atuais266. Exigir da vítima prova de culpa em

determinados casos era sinônimo de não responsabilização do provocador do

dano. Daí resultou a necessidade de um novo alicerce jurídico ao lado da culpa

que foi concretizado pelo fundamento baseado no risco de se causarem danos. A

reparação da lesão passaria a exigir apenas a verificação da existência do prejuízo

e o seu nexo com a conduta o autor. Exemplo disso se deu nas questões

envolvendo acidentes nas áreas de trabalho e de transportes públicos.267

A mudança de foco da responsabilidade civil fez com que doutrina e

jurisprudência caminhassem para admitir hipóteses de presunção de culpa que se

afastassem dos inconvenientes da prova diabólica.268No que tange ao assédio

moral na relação patrão-empregado, a culpa continua a ser o suporte, uma vez que

deve haver prova suficiente da conduta assediadora, seja do empregador ou de

seus prepostos para que haja responsabilização. Para a jurisprudência, o assédio

moral no trabalho ocorre quando o trabalhador é exposto a situações humilhantes

e constrangedoras, de forma repetida e prolongada, durante sua jornada de

266 Segundo Alvino Lima, em Culpa e Risco. p. 108: “verificamos que as necessidades sociais arrastaram os doutrinadores e a jurisprudência dos tribunais a uma concepção mais ampla de culpa, dentro do qual se enfeixassem todos os fatos da vida real causadores de danos, cuja reparação se impunha com justiça e que escapavam à noção restrita e acanhada da culpa como omissão de diligencia imputável moralmente.” 267 No que se refere ao campo dos acidentes de trabalho, reproduz-se o relato de Caio Mário da Silva Pereira a respeito em:Responsabilidade Civil, 9 edição, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 275: “na grande maioria dos acidentes ocorridos no trabalho ou por ocasião dele, restavam não indenizados. A desigualdade econômica, a pressão do empregador, a menor disponibilidade de provas por parte do empregado levavam à improcedência da ação de indenização. Por outro lado, nem sempre seria possível vincular o acidente a uma possível culpa do patrão, porém causada direta ou indiretamente pelo desgaste do material ou até pelas condições físicas do empregado, cuja exaustão na jornada de trabalho e a monotonia da atividade provocavam o acidente. A aplicação da teoria da culpa levava à absolvição do empregador (...) o que deixava a vítima sem reparação, contrariamente ao ideal de justiça, embora sem contrariedade ao direito em vigor”. 268 A Súmula 341 do STF ao dispor que é “presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, sem duvida configurou um avanço em termos de responsabilidade, pois orienta pela desnecessidade da prova da culpa do empregador em relação aos atos praticados por seus prepostos, entendendo que esta se presume quando fundada em fato ocorrido no local de trabalho, em razão ou por ocasião dele.

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trabalho e no exercício de suas funções, acarretando prejuízos profissionais,

materiais e emocionais ao trabalhador e à organização269.

Fato é que deve o autor da ação desincumbir-se do ônus de comprovar a

ocorrência de ato ilícito e o nexo de causalidade do mesmo com o dano sofrido,

que, no assédio moral, costuma estar atrelado tanto à honra subjetiva do

empregado, quanto à sua imagem perante o grupo. Deve restar comprovado por

meio da prova testemunhal a agressão verbal e o tratamento desrespeitoso sofrido

pelo autor, capaz de macular o ambiente de trabalho270. Já se decidiu que o

reconhecimento do assédio moral depende da análise de provas que demonstrem a

pressão desmedida por parte do empregador, ou de seus prepostos, através de atos

em desrespeito à dignidade do reclamante. O dano moral não pode ser

caracterizado por simples acusações e pressupõe uma situação que extrapole a

normalidade da vida271.

Atenta-se para o fato de que a passagem da responsabilização atrelada

unicamente à noção de culpa para a teoria em que prevalece o risco da atividade

comprova a decadência das concepções individualistas na regulação dos

problemas sociais: quem exerce determinadas atividades deve ser responsável

também pelos seus riscos, independentemente de seu comportamento pessoal272.

A insuficiência da acepção psicológica da culpa exige a revisão de seu conceito

para o que se vem denominando de culpa objetiva: o erro de conduta considerado

em abstrato, desconforme a um padrão geral de comportamento.

O uso de um conceito normativo de culpa, baseado em standards de

conduta, aproxima a culpa de um viés objetivo273. Assim como se passa a criticar

a invocação de juízos de culpabilidade no âmbito de ações de responsabilidade 269TRT 2 Região, RO: 0001185-51.2011.5.02.0311, Des. Relator: Jonas Santana de Brito, publicado em: 19 de fevereiro de 2013. 270 TRT 2 Região, RO: 0000016.18.2012.5.02.0271, Juíza Relatora Bianca Bastos, publicado em: 09/01/13. 271TRT 2 Região, RO: 0000695-07.2010.5.02.0071, Des. Relator Benedito Vatentini, publicado em: 07/12/12. 272 No Brasil, a responsabilidade objetiva ingressou no ordenamento por leis especiais, dentre elas, a Lei das Estradas de Ferro (Decreto 2681 de 1912), o Código brasileiro de aeronáutica (lei 7565/86), Acidentes de Trabalho (Decretos 3724/1919, 24637/1934 e Lei 6367/76), a lei de atividades nucleares (lei 6453/77). 273 Anderson Schreiber ao tratar da erosão da culpa como filtro da responsabilidade civil, aponta que as transformações vividas no âmbito da própria responsabilidade subjetiva corroboram tal constatação. “A proliferação das presunções de culpa, as alterações dos métodos para sua aferição, a ampliação dos deveres de comportamento em virtude da boa fé objetiva e outros expedientes semelhantes, vem contribuindo, de forma significativa, para a facilitação da prova da culpa, hoje não mais uma probatio diabólica.” (In: Novos paradigmas da responsabilidade civil, São Paulo: Atlas, 2007. P. 48.)

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objetiva274, marcados por considerações acerca do comportamento do ofensor275.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm se mostrado vacilante quanto ao

fundamento utilizado para as hipóteses de culpa e de risco. A título de exemplo,

embora seja um caso de assédio moral coletivo, onde se configura a

responsabilidade objetiva, nitidamente se utilizam critérios punitivos e subjetivos

para apuração da responsabilidade, ao invés de o acórdão ter por base o critério

objetivo de violação à dignidade do grupo de trabalho, por conta das repetidas

ofensas aos seus direitos fundamentais:

“(...) a reparação por dano moral coletivo tem nítido caráter pedagógico, que assume prevalência até mesmo em relação à indenização propriamente do dano causado à coletividade. Além disso, a conduta da ré evidenciou alto grau de culpabilidade, e a resistência que demonstra à conciliação do feito (recusou o Termo de Ajustamento de Conduta e não aceitou a proposta do MPT de acordo judicial) indicam a necessidade de imposição de condenação pesada, de forma a tornar desvantajosa economicamente a conivência/tolerância com comportamentos similares.” (TRT 4 Região, RO 00900-2006.007.04.00-3, Juíza relatora: Maria Helena Mallmann, Porto Alegre, 27 fev. de 2008)

Conforme ressalta Maria Celina Bodin de Moraes: “as múltiplas dúvidas

existentes acerca das funções e dos modelos de responsabilidade civil indicam que

o instituto ainda não está estabilizado”276. É claro que nos casos que

correspondem ao assédio interpessoal é mais frequente a intenção deliberada de

humilhar, isolar, causar dano ou destruir alguma pessoa. Já nas situações de

assédio organizacional, a hostilidade é encarada como meio para se atingir um

objetivo da organização. As autoras Thereza Cristina Gosdal e Lis Sobol

argumentam que “no direito do trabalho é irrelevante para a caracterização do

assédio moral a demonstração da intenção deliberada em prejudicar ou excluir o

assediado, porque o empregador é responsável pelo ambiente saudável e isento de

assédio”.

274 Como demonstra a seguinte Ementa em caso de assédio moral coletivo: “DANO MORAL COLETIVO. FIXAÇÃO DO VALOR. Na fixação do dano moral, seja ele coletivo ou individual, deve ser levada em consideração a natureza e a extensão do dano, o grau de culpa do agente, o porte da empresa, o caráter pedagógico, a dor e a tristeza das vítimas, sem se esquecer, todavia, de evitar o enriquecimento sem causa. Mantém-se, porquanto, o valor arbitrado em primeiro grau, onde o Juiz do feito, a par dos critérios acima, fixou razoavelmente o valor da indenização.” (TRT 14 Região, Processo n. 00014-2005.003.14-00-9, Relator: Juiz Mario Sergio Lapunka, publicado em 03 de abril de 2007.) 275 Assim aparece na doutrina de Xisto Thiago de Medeiros Neto, Op. cit., p. 178: “É importante notar que na maioria das hipóteses de lesão à coletividade, em que se postula a reparação de danos extrapatrimoniais, enxerga-se recorrentemente o elemento culposo, de modo a revelar em tais lesões expressivo grau de ilicitude”. 276

Risco, Solidariedade e Responsabilidade Objetiva. p. 11.

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3.2.2

A Teoria do Risco

A Teoria do Risco surge no século XIX, como resposta a alguns tipos de

danos ocasionados por acidentes, os quais não se tinha como aferir a culpa277. Na

doutrina, a investigação sobre critérios objetivos de imputação atenuantes do

papel central da culpa teve início com Raymond Saleilles, ao propor uma simples

causalidade afastada da avaliação do comportamento do sujeito que causasse o

dano. Orientação seguida por Louis Josserand, que compartilhava da tese do risco

como critério de responsabilização, com base em julgados franceses referentes à

teoria da guarda.278

No Brasil, a responsabilidade objetiva ingressou no ordenamento por

diferentes leis, já citadas no decorrer deste capítulo e que se referiam a algumas

atividades em especial, como no caso das estradas de ferro, acidentes de trabalho,

atividades nucleares, etc. A Constituição de 1988, não só previu hipóteses

específicas (art. 21 XXIII, art. 37, parágrafo sexto), mas também inaugurou tábua

axiológica mais sensível à adoção de uma responsabilidade, que, dispensando a

culpa, se mostrasse comprometida com a reparação dos danos marcada pela

solidariedade social279.

Em conformidade com a Carta constitucional, o CDC instituiu a

responsabilidade objetiva do fornecedor para este microssistema. E, em 2002, o

Código Civil prelecionou a regra geral do risco da atividade, de acordo com o

artigo 927, parágrafo único: “haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua

277 Leis prussianas sobre acidentes ferroviários de 1838, Lei das minas de 1861 e Lei de acidentes de trabalho (1884). Na França, houve a Lei sobre acidentes de trabalho, já em 1898. 278 Ver Louis Josserand, Evolução da Responsabilidade Civil. In: Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 86, 1941, p. 548. Gustavo Tepedino, em obra já citada, p. 808, aponta que “as teorias do risco proveito e do risco criado podem ser reconduzidas respectivamente à Saleilles e Josserand. Para o primeiro, o risco deve ser suportado por quem extrai proveito da atividade danosa; já a teoria do risco criado de Josserand imputa ao sujeito a responsabilidade derivante do risco de lesão exposto por sua atividade. No Brasil, discute-se qual das teorias do risco se aplicaria ao artigo 927. Para alguns, como Caio Mário, trata-se da teoria do risco criado, porque o Código não fez outras exigências além da atividade do agente. Para outros, seria a teoria do risco proveito (Alvino Lima), porque a atividade normalmente desenvolvida não deixa duvidas quanto ao fato de o agente se beneficiar em decorrência da atividade.” 279SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 20.

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natureza, risco para os direitos de outrem.”. Tal norma foi mais além ao ter optado

abertamente pela responsabilidade objetiva, afastando a prevalência da culpa do

ordenamento brasileiro.

É passível de críticas a excessiva abertura do artigo 927 do CC, ao deixar

ao arbítrio do julgador o alcance da expressão risco da atividade. Controvérsias

existem a respeito de qual dentre as teorias do risco estaria enquadrada a previsão

legal acima e se há exigência de que atividade se organize sob a forma

empresarial. Assim, há teoria que sustenta ser maior o risco da atividade conforme

o proveito visado, entendimento que não merece prosperar diante da redação do

dispositivo, que não cogita de tal aproveitamento e sugere a adoção da teoria do

risco-criado e não a do risco proveito. O artigo se refere às atividades que causem

risco por sua natureza o que não tem nada a ver com a forma como se organiza a

atividade, se empresarial ou não.

A responsabilidade pelo risco deve estar atrelada à atividade

normalmente desenvolvida, ou seja, deve haver certa organização e não ações

isoladas. E, conforme se extrai no Enunciado 38 da I Jornada de Direito Civil,

promovida pelo Conselho de Justiça Federal, a atividade deve gerar “um ônus

maior à pessoa determinada, que aos demais membros da coletividade”. Constata-

se que a potencialidade lesiva deve ser de grau superior ao normal, para que se

tenha atividade propriamente arriscada. Com viés semelhante, a doutrina italiana

segue essencialmente dois critérios para definir atividades perigosas, previstas

pelo artigo 2.050 do CCi: i) a quantidade de danos habitualmente causados; ii) a

gravidade de tais danos.280

No que tange à teoria do risco e sua aplicação na seara trabalhista281,

verifica-se, de acordo com o artigo segundo da CLT282, que a característica de

280 MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva, p. 17. 281Já se decidiu que, por conta da natureza da atividade, o empregador assume a responsabilidade pelos danos morais dela decorrentes. A título de exemplo: “A prova evidenciou que, muito ao contrário, embora abarrotado de dinheiro, o local não dispunha de seguranças fornecidos pela ré (...). Diante dessa triste realidade, e considerando que, a proteção patrimonial e do meio ambiente de trabalho também cabem à empresa, mormente em se tratando de atividade de risco, por envolver manipulação de dinheiro praticamente a céu aberto, não há como subtrair a responsabilidade do empreendimento negocial. É dizer, empresas que (como a reclamada) executam atividades que oferecem risco, não só a seus empregados, como a seu público alvo, têm obrigação de oferecer a devida segurança, já que não vivemos numa sociedade idílica ou utópica. Ademais, aquele que lucra onde há risco para os outros, não pode excluir-se de investir parte de seus lucros para contribuir na segurança dos empregados e de usuários/consumidores de seus serviços ou produtos. A responsabilidade da reclamada, na hipótese, é objetiva, ou seja, independentemente de culpa, a teor do disposto no parágrafo único do art.927 do CC.

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assunção dos riscos do empreendimento impõe ao empregador os ônus

decorrentes de sua atividade empresarial. Segundo Mauricio Godinho Delgado, “o

contrato de trabalho transfere a uma das partes todos os riscos a ele inerentes e

sobre ele incidentes: os riscos do empreendimento empresarial, os derivados do

próprio trabalho prestado, ainda que este não tenha intuito econômico para seu

tomador (caso do trabalho doméstico)”.283

Embora exista responsabilidade empresarial pelo assédio moral

institucionalizado, seja por conta da adoção de estratégias de gestão que

fomentam o assédio, seja por permitir a instalação de tais práticas, sem que se

tomem medidas para coibi-las, tal não se dá pela teoria do risco. Tal teoria tem

aplicação restrita às atividades que tenham em si ou nos meios nela empregados

um perigo inerente, e, portanto, capaz de causar danos quantitativamente

numerosos e qualitativamente graves, com potencialidade lesiva superior ao

normal.

A própria jurisprudência relacionada ao assédio mostra-se tendente, na

maioria dos casos, a embasar a responsabilização no abuso do poder diretivo ou

na responsabilidade indireta, sendo pouco utilizada a teoria do risco. Podem ser

citados alguns acórdãos em que o risco do negócio serviu de fundamento para a

responsabilização da empresa pelo artigo 927, parágrafo único: Um primeiro

exemplo traz a questão das metas em setor de vendas, onde se decidiu haver

assédio contra o grupo, pois, apesar de o empregador deter o poder diretivo, o que

lhe permite traçar as diretrizes para atingir suas metas, ele assume o risco do

negócio e dele se exige ação positiva e eficiente, não se sobrepondo jamais ao

princípio da dignidade humana284.

Em outro caso, motoristas de caminhão de uma empresa eram tolhidos

de ir ao banheiro ou fazer qualquer parada, sofrendo controle por rastreador e

telefone Nextel. Foi decidido que pelo fato de o risco do negócio ser do

empregador e não do empregado é aquele que deve responder pelas consequências

negativas de tais restrições.285

282 Art. 2, CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” 283 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 375. 284 TRT 2 Região, RO n. 0002175-74-2011-5-02-0462, Juiz Relator: Paulo Sérgio Jakútis, publicado em: 23 de março de 2012. 285 TRT 2 Região, RO n. 0001417-89.2011.5.02.0464, Des. Relatora: Cândida Alves Leão, publicado em: 03 de dezembro de 2012.

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Dentro da órbita da teoria do risco nas relações de trabalho, está o

tratamento conferido aos danos oriundos de acidentes do trabalho. Com sua

integração à Previdência Social, a reparação é dever da coletividade, tendo em

vista a função social desempenhada pela empresa. A Constituição estabelece que,

no acidente de trabalho, o empregador poderá ser responsabilizado civilmente em

caso de dolo ou culpa (art. 7, XXVIII). O dispositivo fundamenta-se no acidente

de trabalho do tipo individual.

Contudo, ocorrendo doença ocupacional decorrente de poluição no

ambiente de trabalho, a regra deve ser da responsabilidade objetiva, condizente

com a sistemática ambiental, na medida em que se configura a hipótese de art.

225, § 3º, que não exige qualquer conduta na responsabilização do dano. Em caso

de degradação do ambiente de trabalho, configura-se violação ao meio ambiente

equilibrado, direito metaindividual.Corroborando com esta visão, há o Enunciado

n° 38, da I Jornada de Direito e Processo do Trabalho que estabelece que “às

doenças ocupacionais286, decorrentes de danos ao meio ambiente do trabalho,

aplica-se a responsabilidade objetiva”287.

A partir do momento em que o empregador passar a ser responsabilizado

objetivamente pelos danos decorrentes de um meio ambiente deteriorado,

acredita-se que a preocupação com o grupo de trabalho será intensificada, a fim de

se reduzir o número de doenças ocupacionais. Nota-se um nítido deslocamento do

pensamento jurídico em direção à responsabilidade objetiva288, especialmente nas

286O Regulamento da Previdência Social, Decreto 3048/99, em seu Anexo II, lista o Burnout como acidente do trabalho. Vale dizer que a doença em questão não está vinculada ao trabalhador e sim ao local de trabalho: o assédio institucionalizado acarreta um problema de ambiente laboral, que é de responsabilidade do empregador, conforme o Enunciado 39 da Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho de 2007, devendo ser tratada de forma preventiva e repressiva como doença ocupacional. 287 Enunciado 38: “Responsabilidade Civil. Doenças Ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos artigos 7°, XXVIII, 200, VIII, 225, §3, da Constituição Federal e do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/81.” 288Para alguns doutrinadores, a hipótese trazida pelo parágrafo único do artigo 927 não se aplica, sob o argumento de que a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXVIII, prevê expressamente a existência de culpa como pressuposto a ensejar a responsabilização do empregador. Assim, não poderia norma inferior contrariar o disposto no texto constitucional. Dentre os adeptos desta corrente, temos Rui Stoco, para quem:“se a Constituição estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único, do Código Civil”. (In: STOCO, Rui. Apud OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional, 2005, p.91.)Por outro lado, há aqueles que asseveram que o referido dispositivo não viola o art. 7, XXVIII, da CF, já que cria direito mais favorável ao trabalhador. Fundamentam seu entendimento no caput do próprio

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questões que envolvem maior alcance social. O rigor culpa cede espaço para o

objetivo maior de reparar os danos e amparar as vítimas, em harmonia com o

princípio da solidariedade social e a consequente socialização dos riscos,

conforme exposto no art. 3º da Constituição.

3.2.3

A Responsabilidade Indireta ou pelo fato de terceiro

O inciso III do artigo 932 do Código Civil traz a responsabilidade do

empregador pelos atos de seus prepostos. Na vigência do Código Civil anterior tal

modalidade percorreu longo caminho. Partiu-se da culpa in eligendo, com o

fundamento de que o patrão tinha de responder pelos atos de seu empregado,

porque o havia escolhido mal. E, de acordo com os artigos 1521 e 1522 do CC de

1916, a responsabilidade por fato de terceiro dependia da prova de que as pessoas

indicadas nos artigos concorreram para o dano por culpa ou dolo de sua parte.

Foi a partir de construção doutrinária e jurisprudencial que se consolidou

a orientação da presunção de culpa. Era nesse sentido a antiga Súmula 341 do

STF, datada de 1963: “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato

culposo do empregado ou preposto”. No entanto, a presunção relativa foi se

tornando ineficaz diante das transformações na organização do trabalho, onde o

contato direto entre patrão e trabalhador se reduziu. E, como aponta Gustavo

Tepedino, “foi justamente no caso da responsabilidade do patrão pelo ato culposo

do empregado que o entendimento jurisprudencial se pacificou no sentido de não

aceitar prova em contrário por parte do patrão”289.

Com o advento do CC de 2002, estabeleceu-se de forma expressa que a

responsabilidade por fato de terceiro independe de culpa. A teoria da presunção da

culpa evoluiu para a teoria do risco, em que as pessoas indicadas no artigo 932 do

CC não se eximem do dever de indenizar provado o nexo entre o dano e o ato do

terceiro, o que traz benefícios à vítima. No caso do empregador, este passa a

artigo 7º, que prevê: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.” Dessa forma, infere-se que o rol de direitos assegurados pelo art. 7º da Constituição, além de exemplificativo, não exclui outros previstos na legislação ordinária. Esse entendimento é adotado por: CASSAR, Vólia Bonfim, em obra já citada, p. 878). 289 Op. cit. v. II, p. 829.

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assumir posição de garante da indenização perante o terceiro lesado, dado que o

preposto, em regra, não possui meios para arcar com a compensação.

Essencial para caracterizar o conceito de preposição e permitir a

responsabilidade do empregador é que o serviço seja executado sob direção de

outrem, ou seja, é relevante que haja a subordinação. O empregador só se exonera

de responder pelo dano, caso prove o fortuito ou força maior, ou que o ato danoso

é estranho ao serviço ou atividade praticado fora das atribuições do preposto.

De acordo com Cavalieri290, “a partir da cláusula geral presente no

parágrafo único do artigo 927, a responsabilidade indireta do patrão foi perdendo

espaço, na medida em que se atribuiu ao empregador a responsabilidade direta

pela sua atividade de risco.” Isso porque quem deve assumir os riscos da atividade

econômica é o empregador e não o empregado que se subordina juridicamente ao

poder de direção patronal. No entanto, a jurisprudência trabalhista no que se refere

à responsabilização do assédio moral coletivo, não vem utilizando como

fundamento para a indenização a teoria do risco, mas sim a teoria do abuso de

direito na conduta do empregador ou de seus prepostos (em maior escala), e, em

alguns casos, menciona a regra atinente à responsabilidade indireta, com base no

artigo 932, III, do Código Civil291.

No geral, adota-se a responsabilidade pelo fato de terceiro nas ações

civis públicas em que gerentes ou chefes imediatos assediam o grupo de trabalho

por meio do rigor excessivo nas cobranças, do uso de ofensas, constrangimentos e

discriminações de todo o tipo. Também é comum apontar-se na fundamentação

desses casos a conivência da administração superior das empresas com tais

290CAVALIERI, Sergio. Op. cit., p. 196. O autor aponta que pouco restou para o dispositivo presente no artigo 932, pois a responsabilidade pelo risco englobou a maioria dos casos. Seria ela uma norma subsidiária, só aplicável em casos especiais de preposição não enquadráveis na norma do artigo 927 do Código Civil. 291 Nesse sentido: TRT 21 Região, RO n. 6000-73.2009.5.21.0007, Des Relator: José Rego Junior, Publicado em 13 de julho de 2010e TRT 4 Região, RO 00900-2006-007-04-00-3, Des. Relatora Maria Helena Mallmann, publicado em 27 de fevereiro de 2008. Um terceiro exemplo, do qual se extrai parte da fundamentação do acórdão, por se referir à responsabilidade indireta: “Portanto, condenam-se as empresas rés Randon SA-Implementos e Participações, Fras-Le SA e Suspensys Sistemas Automotivos Ltda ao pagamento do dano moral coletivo no valor ora arbitrado de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), para cada uma das rés, como reparação da ordem jurídica, revertendo-se ao FAT. De outra parte, não há como responsabilizar o réu Luiz Fernando Guerra. Primeiro, porque é dever do empregador proporcionar a seus empregados um ambiente de trabalho sadio e equilibrado, fornecendo elementos necessários ao labor em condições de normalidade, sendo deste a responsabilização pelos atos de seus prepostos, nos termos do inciso III, do artigo 932 do Código Civil.” (TRT 4 Região, RO n. 0142700-46.2008.5.04.0401, Juiz Relator: André Reverbel Fernandes, publicado em 05 de maio de 2011.)

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métodos, devido à inércia diante das denúncias de assédio moral realizadas pelos

empregados. Chegou a ocorrer, inclusive, recusa por parte da empresa ré em

firmar um Termo de Ajustamento de conduta para adequação do meio ambiente

de trabalho, com fundamento na falta de intenção do agente na prática do assédio

e no fato e que a empresa não deveria ser responsabilizada pela eventual prática

da pessoa natural292.

Por fim, a teoria da responsabilidade indireta utilizada pela

jurisprudência como fundamento do assédio organizacional, apesar de se tratar de

hipótese de responsabilidade objetiva não traz o resultado prático mais adequado.

Nesse sentido, entende-se que o melhor fundamento para justificar as

condenações por assédio moral coletivo seria a adoção da teoria do abuso de

direito, conforme será justificado no próximo tópico.

3.2.4

O Abuso de Direito nos contornos do assédio moral coletivo

Em que pese ser instituto mais antigo293, foi no século XX que o abuso

de direito teve maior repercussão. Surge a teoria em reação à noção individualista

de direitos subjetivos construída no século XIX, pela qual o exercício de um

direito se fazia de modo absoluto, ainda que dele decorressem prejuízos à

sociedade. Tal categoria nasce com a finalidade de corrigir os atos que, embora

lícitos, violavam o conteúdo axiológico da norma. Por possuir natureza

marcadamente jurisprudencial, a definição dogmática do ato abusivo permanece

ainda hoje controversa, ora associada à inobservância da função do instituto

jurídico, ora vinculada à violação da boa fé objetiva ou a um dever moral inerente

ao direito294.

292 TRT 10 Região, 2 Turma, RO n. 01242-2009-008-10-00-3, Des. Relator Joao Amílcar, Publicado em 25 de março de 2011. 293 Muitos autores localizam a origem da reprovação dos atos exercidos de forma irregular na doutrina medieval dos atos emulativos. A teoria do abuso de direito ganhou notoriedade com a jurisprudência da Corte de Amiens (caso Clement Bayard), em 1912. O fato em questão atrelava-se ao exercício anormal do direito de propriedade por um vizinho que ao construir torres e lanças de ferro em seu terreno prejudicava o terreno vizinho destinado a pouso de dirigíveis. 294 TEPEDINO, Op. cit., v. 1, p. 345. Heloísa Carpena aponta que na doutrina alienígena também aparecem diferentes fundamentos para o instituto:“Rene Savatier caracteriza o abuso sempre que o comportamento do sujeito, embora dentro dos limites legais, fosse caracterizado pela negligência em se evitar um dano anormal a outrem. Já Saleilles vê o ato como abusivo quando visar exclusivamente prejudicar os demais. Com Josserand, a teoria ganha contornos mais objetivos, já

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Podem ser destacadas duas teorias principais quanto à definição do abuso

de direito295. A tradicional ou subjetiva prevê o abuso de direito quando o ato,

embora amparado pela lei, foi praticado com intenção de prejudicar alguém. Para

a teoria objetiva, o abuso está situado no uso antifuncional de um direito,

relativizando o próprio conceito de direito subjetivo. No sistema brasileiro, o

Código Civil de 1916 não previa de forma expressa o abuso de direito, mas,

segundo Caio Mário, “na falta de uma regra consagradora da teoria do abuso, a

doutrina e jurisprudência acabaram por encontrá-la no artigo 160 do Código de

1916, por interpretação a contrario sensu, sob o seguinte argumento: se não é ato

ilícito o dano causado no exercício regular de um direito, é abusivo o exercício

irregular”296.

O artigo 187 do Código Civil atual corrige a omissão, ao dispor sobre

limites quanto ao exercício dos direitos, seja através da função socioeconômica ou

pela boa fé. No entanto, causa estranheza o fato de o legislador tratar o abuso de

direito como ato ilícito,isso porque neste há um comportamento que conflita com

concretas proibições normativas, diferente do abuso, em que se têm ultrapassados

limites axiológicos materiais297. Das três funções relacionadas à boa fé presentes

no CC (interpretação dos negócios jurídicos (art. 133); dever instrumental dos

contratos (artigo 422) e limite ao exercício dos direitos subjetivos (art. 187)), é à

terceira dessas funções que se vincula o abuso de direito. Trata-se a boa fé de

cláusula aberta que impõem os deveres de lealdade e cooperação, com o fim de

proibir comportamentos contraditórios e arbitrários.

No que se refere ao conceito de assédio, a doutrina trabalhista é unânime

em associá-lo ao abuso de direito, quando se ultrapassa de maneira manifesta a

finalidade econômica ou social no exercício do poder diretivo. Renato Muçouçah

aponta que:“o assédio moral coletivo se dá com o uso abusivo do direito subjetivo

que o critério do abuso não estaria apenas na intenção de causar danos, mas no desvio do direito de sua finalidade”. (Em: Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 47) 295 Rosalice Fidalgo Pinheiro na obra: O abuso de direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, aponta esta contraposição entre o sistema francês (pautado pelo dogma da vontade, onde o abuso aparece ligado à ideia de culpa e de ilícito) e o sistema germânico (em que o abuso se dá na contrariedade à boa fé objetiva). 296 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol.1. 23 ed. Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 577. (Edição revista por Maria Celina Bodin de Moraes). 297 CARPENA, Heloísa. Op. cit. p. 58. A autora ressalta ainda que “o ato abusivo está situado no plano da ilicitude, mas com o ato ilícito não se confunde, por se tratar de categoria autônoma da antijuridicidade.”, p. 60.

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que possui o empregador de organizar, regulamentar, fiscalizar a produção e punir

os empregados, através de práticas totalitárias e contrárias aos direitos

fundamentais”298.

O conceito de poder diretivo pode ser considerado um direito-função299,

onde o empregador possui a faculdade de intervir nos fatores de produção, por

assumir os riscos do empreendimento. O primeiro poder conferido ao empregador

é o de organizar as atividades produtivas, dando ordens e determinando as regras

as quais cada um deve submeter-se.Um exemplo de ordem abusiva que gerou

ação por assédio moral coletivo ocorreu com um grupo de empresas que excedeu

seu poder organizativo ao ameaçar os empregados de dispensa sem justa causa,

como forma de forçá-los a assinarem o documento onde constava a alteração da

jornada. Tal medida ocasionou lesão aos interesses extrapatrimoniais de um

grande número de empregados que foram coagidos a aderirem à mudança.300.

Já o poder regulamentar identifica-se com os regulamentos de empresa

que buscam uniformizar condutas de acordo com a vontade do empregador,

punindo eventuais dissidências. O desempenho é considerado resultado direto das

ações dos empregados que passam a ser responsabilizados pela boa ou má

avaliação empresarial. Há também o poder de fiscalizar que se transformou muito

em razão da informatização: hoje é possível avaliar em tempo real o que e quanto

o trabalhador produz. A fim de aperfeiçoar os serviços, o empregado deve

produzir o máximo no menor tempo possível, como ocorre no setor bancário,

onde a fiscalização por meio da rede visa a avaliar o número de vendas de

produtos do Banco para os clientes301.

298 Op. cit., p. 187. 299 Denominação conferida por: MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo da empresa. São Paulo, Saraiva, 1982, p. 64. 300 “EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. Evidenciada a prática de assédio moral coletivo por parte das empresas rés, que ameaçaram grupo de empregados com dispensa sem justa causa como forma de forçar estes a aceitarem alteração contratual. Recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho provido parcialmente para condenar as empresas rés ao pagamento de dano moral coletivo como reparação genérica à ordem jurídica”.(TRT 4 Região, 1 Turma, RO n. 0142700-46.2008.5.04.0401, Relator: Juiz André Reverbel Fernandes, publicado em: 05.05.2011) 301 Renato Muçouçah aponta em obra já citada, p. 114: “Os Bancos adotam a venda de produtos (cartões de credito, planos de previdência privada, etc.) como meta principal. Verifica-se nesta prática a nova ética motivacional adotada pelas empresas como discurso regulamentar e a fiscalização rígida do cumprimento das atividades impostas pela informática, tendo como ingredientes a telessubordinação e a conexão permanente em rede. O banco sabe quando o cliente aceita um cartão de crédito, bem como se usa e faz compras com ele. Portanto, tem como saber se a venda foi bem feita ou se, apesar de ter ficado com o cartão, o cliente não usa ou o bloqueia (...) a diretoria avalia isso tudo pela rede e cobra dos funcionários pelo o que é falado para o cliente.”

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O último dos poderes empregatícios é o mais apto a ensejar

distorções,isso porque o poder punitivo é verdadeira autotutela privada, onde

sanções são impostas de forma subjetiva e as penas dosadas conforme a

discricionariedade do empregador, sem haver possibilidade de defesa por parte do

empregado. O problema é que a valoração do ato punitivo é realizada pelo

empregador, irrestritamente, limitada à atuação do judiciário às questões de mera

oportunidade e conveniência do exercício do poder punitivo302. Exemplos não

faltam de abuso de direito por conta das punições impostas, como no caso de

deixar empregado de castigo por ter realizado venda em desacordo com as regras

da empresa303, ou quando o empregado foi obrigado a se vestir de palhaço pelo

shopping, devido a não alcançar metas de venda de cartão304, ou ainda em se

manter empregados indesejados em ociosidade forçada com intuito de pedirem

dispensa sem justa causa.305

Por mais que se defenda a teoria objetiva do abuso de direito306, com

fundamento no excesso manifesto dos limites impostos pelo artigo 187 do CC,

devido não ser necessária a intenção em prejudicar, há casos de assédio moral em

que se associa a conduta abusiva ao elemento culpa. Conforme se extrai do trecho

da Ementa abaixo, em que, ao invés de se pautar o abuso no descumprimento do

dever de atuar com boa fé que deve ter o empregador no uso de seu poder, baseou-

se em critérios subjetivos de intenção, dor, etc.:

ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO. VALOR. 1. Constitui assédio moral a atitude do superior hierárquico que dirige ao empregado palavras ou atitudes pejorativas, expondo-o intencionalmente a situação que atenta contra a sua dignidade. Atingindo a fração interna da pessoa, o dano prescinde de prova material para o seu reconhecimento, o qual é haurido da atividade cognitiva de situar, ou não, o evento no ponto médio de constrangimento ou dor presente na sociedade. (TRT 10 Região, 2 Turma, RO 00638.2012.014.10.00-0, Relator Des. João Amílcar, publicado em: 22/03/2013)

302 COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999, p. 207. 303 TRT 1 Região, 7 Turma, RO n. 0193300-64.2009.5.01.0225, Desembargador Relator Alexandre Teixeira Cunha, publicado em 20 de julho de 2011. 304 TRT 1 Região, 6 Turma, RO n.0058300-63.2008.5.01.0052, Des. Relator Alexandre Agra Belmonte, publicado em 04 de abril de 2011. 305 TST RR TST-AIRR-78900-24.2008.5.20.0005,4 Turma, Relator Min. Fernando Eizo Ono, publicado em 23 de setembro de 2011. 306 Nesse sentido o Enunciado 37 da Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF em setembro de 2002: “A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

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Embora ocorra essa subjetivação, há decisões favoráveis à ótica

objetiva307. Como exemplo, jáse decidiu a respeito do assédio empresarial que:

“não faz sentido perquirir-se sobre eventual intencionalidade de causar o dano. O

dano é objetivo, decorre do capitalismo gerencial, cuja moral se configura pela

busca do acréscimo da produtividade e da rentabilidade (...) No assédio

empresarial a intenção e a motivação são irrelevantes. O que importa é o

resultado”308.

Pode-se observar o excesso aos estritos limites do poder diretivo(art. 2º

da CLT c/c o art. 187 do CC), não se adequando a atitude empresarial aos

postulados éticos que devem presidir a execução do contrato de trabalho (art. 422

do CC c/c o art. 8º da CLT). A empresa que permite o assédio descumpre sua

função social ao exercer o poder diretivo, reconhecendo-se um dos casos de

responsabilidade objetiva, independentemente da vontade do agente309. Defende-

se neste trabalho que a melhor teoria para o assédio coletivo é a do abuso de

direito em sua função de controle ao exercício de prerrogativas individuais que

podem ser obstadas,caso contrariem a boa fé que se impõe aos contratantes.

Sob esta perspectiva, decisões que antes remetiam à abusividade expressa

pela intenção em prejudicar ou por um desvio ao fim socioeconômico, passam a

conter referências à confiança e à lealdade devidas por um comportamento

conforme a boa fé. Uma das vantagens da teoria do abuso de direito é que com a

ampliação de seu sentido para um ato antijurídico e não apenas ilícito, torna-se

insuficiente o regime da obrigação de indenizar, sendo possível a nulidade ou

desfazimento do ato e não só o ressarcimento do lesado. Portanto, tal teoria

consubstancia-se em uma reação solidarista, ao funcionalizar a autonomia privada

e romper com a intangibilidade contratual.

307 Exemplos de acórdãos em que se ressaltou que a responsabilidade pelo abuso é de índole objetiva: TRT 10 Região, Processo n. 01242-2009-008-10-00-3, Des. Relator João Amílcar, Publicado em 25 de março de 2011. e RO 00500-2008.007.10.86.2, Des. Rel. Maria Piedade Bueno Teixeira, publicado em 02/03/2012. TRT 2 Região, RO 0102500-32.2009.5.02.0008, Des. Relatora Maria Isabel Cueva de Moraes, publicado em 18 de maio de 2012. 308 TRT 10 Região, Processo: 01122.2011.812.10.00.5, Des. Relator Dorival Borges de Souza Neto, publicado em: 12 de abril de 2013. 309 GIANNATTASIO, Arthur Roberto e PREBIANCA, Letícia. A Responsabilidade Civil em

razão do assédio moral. p. 92.

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3.3

Os critérios utilizados pela jurisprudência para reparação do assédio

moral

Com o advento da Constituição de 1988, a responsabilidade civil ganhou

contornos de proteção aos interesses existenciais e a reparação do dano moral

constituiu seu principal instrumento. O reconhecimento do assédio moral e a

necessidade de se afastarem seus efeitos como garantia aos direitos fundamentais

dos trabalhadores só se tornou realidade tempos depois desta nova Carta. Mas, se

por um lado houve um avanço, por outro ainda não se definiu qual a função que

desempenha a indenização pelo dano causado (se unicamente compensatória ou se

a ela deve somar-se a punição com função de dissuasão) e muito menos como

quantificar este mesmo dano.

Doutrina e jurisprudência têm procurado fixar critérios para quantificar o

dano moral, dentre os quais se destacam a gravidade da culpa, a gravidade do

dano, a capacidade econômica do ofensor e do ofendido – critérios que

introduzem no âmbito da responsabilidade civil um caráter marcadamente

punitivo. A partir da experiência norte-americana, verifica-se que tal indenização

passou a ganhar limites mais rigorosos devido à arbitrariedade em sua fixação.

Em respeito à razoabilidade, a Suprema Corte indicou novos critérios para

uniformização das cortes federais e estaduais. No Brasil, o tema vem passando por

discussões, tendo em vista alguns impasses, como o de não haver lei que

determine as hipóteses em que se possa atribuir um caráter punitivo à reparação.

Também há o problema da arbitrariedade judicial, que, com fundamento

em punir ou desestimular condutas, acaba por indenizar de forma diferenciada as

vítimas de assédio moral, além de não haver uma separação de um montante

compensatório e outro punitivo. Em que pese o Código Civil não adotar a tese da

punição310, doutrina e jurisprudência brasileiras são majoritariamente favoráveis à

ideia. Em vários casos de assédio moral há na fundamentação da decisão

310 Projeto de Lei 6960/2002, que acrescentava o parágrafo segundo no artigo 944 do Código Civil, nos seguintes termos: “a reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e

adequado desestímulo ao lesante”. No entanto, em 2004 o projeto foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. (Dados extraídos da Internet: http://www2.camara.gov.br/proposições.)

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elementos punitivos a influenciar o montante indenizatório, como será visto mais

a frente.

Desta forma, defende-se a existência de uma indenização exemplar em

determinadas situações, como ocorre com os danos coletivos por haver

necessidade de se ter uma resposta satisfatória à sociedade ou nos casos de prática

reiteradamente danosa. É o que prevê o artigo 13 da Lei 7347/85, onde, na

existência de danos transindividuais, recolhe-se a multa para um fundo público e

não para as vítimas, efetivando-se o principio da prevenção. Tal previsão mostra-

se mais condizente com a ordem constitucional ao garantir os direitos

fundamentais frente às lesões a um grande número de pessoas, como no caso do

assédio institucionalizado, de acordo com o item 3.3.

3.3.1

A dupla função (compensação-punição) do dano moral – Críticas ao

uso indiscriminado da indenização punitiva

Prevalece na doutrina e na jurisprudência brasileiras o entendimento de

que a indenização pelo dano moral não possui apenas a função compensatória

pelo dano ou satisfação concedida à vítima. Para grande parte da doutrina, há a

dupla função do dano moral311: a vítima será compensada pelo dano sofrido e o

ofensor punido pelo dano causado. O caráter punitivo tem por objetivo impor uma

penalidade exemplar, prevenindo ofensas futuras e fazendo com que o causador

do dano não repita o comportamento.

A retomada da pena privada no direito brasileiro, fundamentada em um

caráter exemplar, pode ser explicada na insuficiência das respostas oferecidas pela

responsabilidade civil como mecanismo de ressarcimento. Agrega-se a isso a

tendência de retração do direito penal, que deve ser limitado às ofensas mais

graves à ordem social, abrindo espaço para o caráter sancionador da

responsabilização312. E, como assinala Maria Celina Bodin de Moraes: “a razão de

311 Muitos autores brasileiros mostram-se favoráveis à teoria mista, dentre eles: Caio Mário da Silva Pereira, Sergio Cavalieri, Carlos Alberto Bittar, Silvio Rodrigues, Araken de Assis, Yussef Sahid Cahali, Maria Helena Diniz, André Gustavo de Andrade. Contrários ao caráter punitivo estão Pontes de Miranda, José de Aguiar Dias, Wilson Melo da Silva, Maria Celina Bodin de Moraes. 312 COSTA, Judith Martins e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva

(punitive damages e o direito brasileiro). Revista CEJ, Brasília, n. 28, jan./mar 2005, p. 21.

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ser da expansão da tese punitiva pode ser conjeturada pelo fato de que, anos atrás,

o pagamento pela dor sofrida era, com frequência, considerado imoral (o dinheiro

da dor) e, (...), nessa ordem de ideias, a estrutura da pena privada seria

fundamento bastante aceitável diante de certas categorias de danos

extrapatrimoniais”313.

Outro argumento muito utilizado por doutrinadores favoráveis à punição

é o da teoria do desestímulo, segundo o qual a indenização deve se pautar por uma

quantia significativa capaz de conscientizar o ofensor. Na lição de Carlos Alberto

Bittar:“devem-se ter presentes os princípios básicos da satisfação integral dos

interesses lesados e da estipulação de valor que iniba novas investidas, como

balizas maiores na determinação da reparação devida”314. O STJ aderiu à tese com

base no desestímulo do ofensor, não deixando de observar a natureza

disciplinadora da indenização315.

Critérios punitivos passaram a ser utilizados pelo STJ desde 1998, já que

elementos como o “grau de culpa” e o “porte econômico das partes” começaram a

aparecer de forma reiterada nos acórdãos. E, após 2000, percebeu-se a indicação

expressa à necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato316. Até mesmo o

STF, em decisão monocrática, já apontou para a dupla função (punitiva ou

inibitória e compensatória ou reparatória) da indenização civil por dano moral.317

Quanto ao assédio moral, é incontroverso que tal prática viola os direitos

fundamentais dos trabalhadores atingidos. No entanto, a falta de compreensão de

seu conteúdo318vem propiciando a prevalência de critérios subjetivos nessas

situações. De acordo com a Ministra do TST Maria Cristina Peduzzi319, a

preocupação maior em relação ao tema, não se situa no incremento do número de 313 MORAES, Maria Celina Bodin de. Punitive damages em sistemas civilistas: problemas e

perspectivas. RTDC, vol. 18, abr./jun. de 2004, p. 52. 314 BITTAR, Carlos Alberto. ReparaçãoCivil por danos morais. 2 ed. São Paulo: Ed. RT. 1994, p. 225. 315 STJ, 4 Turma, REsp n. 389.879-MG, julgado em 16/04/2002, DJ 02/09/2002. Veja-se também in verbis: “A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza”. (REsp 337.739/SP, RSTJ 151/269-270) 316 STJ, REsp n. 246.258, 4 Turma, Julgado em 18/04/2000, DJ 07/08/2000. 317 STF, AI 455.846/RJ. Decisão transcrita no Informativo n. 364, acesso em 14/10/2004. 318 Não há legislação federal sobre o assunto, apesar de haver inúmeros projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional. No serviço público há várias leis (a maioria em âmbito municipal), coibindo o assédio moral. No plano estadual, a Lei nº 3.921/2002, do Rio de Janeiro, proíbe, no âmbito dos três Poderes do Estado, da administração direta, autárquica, fundacional, e indireta, o exercício de qualquer atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho. 319 PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio Moral. Revista do TST. Ano 73, n.2, abril-junho de 2007, p. 36.

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casos, mas:“na motivação dos juízes, tanto em primeira instância, quanto nas

instâncias superiores, pois quase sempre fundada emcritérios punitivos, como: o

tamanho da dor, do sofrimento, da humilhação, o grau de culpa do lesante, a sua

condição econômica de suportar o pagamento e a situação financeira do

lesado”320.

A dupla função da indenização decorrente do dano moral é sempre

encontrada na fundamentação dos juízes, ao fixarem os valores a partir de sua

discricionariedade, apurando o quantum indenizatório com base nas condições

econômicas dos envolvidos. Se o dano moral é violação a algum postulado da

dignidade humana, deveriam estar excluídos critérios econômicos, por serem

injustos com a vítima do caso em concreto. O argumento de que o dano moral

ocorre in re ipsa e de que provada a ofensa, também estará provado o dano moral,

sem que se observem a individualidadedas vítimas, acaba por comprometer a

segurança jurídica e fomentar a banalização nos pedidos de indenização321.

O acionamento abusivo do judiciáriotem ocorridoatravés de pleitos

expressos em montantes absurdos, com a eventual conivência de magistrados

menos atentos à efetiva configuração do dano moral. O TST em seus

acórdãosvem abordando a função punitiva e seus critérios322, e, como se observa a

320 Conforme exemplificam os seguintes acórdãos: “Quanto ao valor da indenização, deve ser fixado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e à situação socioeconômica do autor e do réu. O nosso ordenamento jurídico não dispõe de uma tabela tarifária para fins de fixação do quantum das indenizações por dano moral, cabendo, pois, ao Juiz apreciar a extensão do dano e a capacidade econômica do ofensor e ofendido para a fixação da referida quantia, de modo que não seja motivo de enriquecimento sem causa do ofendido ou de empobrecimento do ofensor.” (TRT 1 Região, 5 Turma, Processo n.: 0083300-80.2009.5.01.0068, Des. Rel. Tania Silva Garcia, Julgado em: 14/12/2010). Um segundo exemplo: “EMENTA: INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL.Demonstrada a prática de atos abusivos e atentatórios à dignidade pessoal do trabalhador, por parte de seu superior hierárquico, é devida a reparação do assédio moral que a conduta abusiva deu causa. O quantum indenizatório deve ser fixado, tomando em consideração à gravidade e repercussão da ofensa, a condição econômica do ofensor, a pessoa do ofendido e, por fim, a intensidade do sofrimento que lhe foi causado.” (TRT 4 Região, Processo n. 0000643.89.2010-5.04.0221, Des. Rel. Clóvis Fernando Schuch Santos, Julgado em 04/08/2011.) 321 A Lei 5584/70 regula a assistência judiciária gratuita no âmbito do processo do trabalho e, tal mecanismo, além de garantir o acesso à justiça, possibilita o ajuizamento de demandas frívolas pelo demandante, ante a certeza de que, mesmo derrotado não arcará com as custas processuais e honorários de sucumbência. É corrente nas reclamações trabalhistas a incidência do dano moral como mais um dos pedidos, mesmo que nem sempre este se configure, visando um acordo mais vantajoso para o empregado. 322TST-AIRR-758-43.2011.5.03.0047, 2 Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, publicado em 19/12/12, do qual se extrai o trecho a seguir: “No tocante ao valor da indenização, em face da inexistência de lei específica determinante do quantum devido, o seu arbitramento deve ser feito dentro dos limites da razoabilidade, sendo compatível com a extensão e gravidade dos efeitos do dano, o grau de culpa do ofensor e a situação econômica das partes, a fim de restabelecer o equilíbrio rompido. (...) O respectivo valor encontra-se relacionado com a capacidade da empresa,

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jurisprudência se encaminha para resultados díspares na fixação do dano. Muitas

das vezes, causas envolvendo partes em situações semelhantes são arbitradas com

valoresdiferentes323, ou nem são consideradas aptas a gerar dano moral. Tal

insegurança afeta a credibilidade judicial, por apresentar critérios que consideram

não o dano em si, mas a conduta de quem o praticou e não há questionamento

sobre se houve efetivamente lesão à dignidade humana.

Outros critérios usados são os da dor e sofrimento suportado pela vítima.

Diante da configuração subjetiva de tais critérios, verifica-se que eles não

deveriam fazer parte da aferição do dano moral, até porque representam apenas

um possível reflexo da ofensa. Também é absurda a consideração da situação

socioeconômica da vítima como delimitador do montante da indenização, por

constituir discriminação aos interesses materiais daqueles com menor potencial

aquisitivo. Tem sido comum atrelar-se o valor do dano moral ao salário da

vítima324, deixando de lado a investigação sobre a existência de alguma violação

aos direitos fundamentais e sobre suas condições pessoais.

com a dor e o sofrimento experimentados pelo reclamante e com a conduta ilícita da reclamada quando descumpriu normas regulamentares, sendo omissa no cuidado com o ambiente de trabalho. Além disso, tal valor mostra-se razoável eé suficiente para atender os fins a que se destina (caráter punitivo e pedagógico), pois desestimula novas práticas sem configurar uma forma de enriquecimento indevido. Outro exemplo: “DANO MORAL. VALOR ARBITRADO.Prevalece o entendimento jurisprudencial nesta Corte no sentido de que a reapreciação, em sede de instância extraordinária, do montante arbitrado para a indenização de danos morais depende da demonstração do caráter exorbitante ou irrisório do valor fixado. No caso, a condenação decorreu da aferição dos danos suportados pela reclamante, considerando a gravidade da ofensa, a extensão do dano, o poder econômico do ofensor e o caráter pedagógico da pena.(TST-RR-381-05.2010.5.04.0201,5 Turma, Min. Rel.Emmanoel Pereira, publicado em 23/11/2012.) 323 Observando os casos de assédio moral, nota-se a verdadeira “loteria” a que estão sujeitos os trabalhadores. Em um caso notório, um empregado entrou com ação por ter sido obrigado a participar de treinamento militar forçado e de competição de paintball, além de outras ofensas dispensadas com o fim de atingir metas de produtividade e obteve cinco mil reais de indenização na instância revisora (TRT 5 Região, RO n. 0139600-61.2008.5.05.0464, Des. Dalila Andrade, publicado em 10 de março de 2009.) E em outro caso, um empregado entrou na justiça por ter sido acusado de furto injustamente e sua indenização de cinco mil passou a cinquenta mil reais, quando da análise do recurso ordinário. (TRT 1 Região, 5 Turma, RO n. 0083300-80.2009.5.01.0068, Des. Tania Silva Garcia, 14/12/2010.) 324“Entendo que tal quantia (50 mil reais) é demasiada, ante o dano causado. O constrangimento pelo qual passou a autora foi provocado pela troca da fechadura no mesmo momento em que estava sendo despedida e na maneira que foram retirados seus pertences do estabelecimento do réu. A reclamante não foi acusada da prática de qualquer delito, tampouco foi a mesma destratada por seus superiores hierárquicos. Vale ainda frisar que a autora foi dispensada em virtude da extinção do departamento onde prestava serviços. Assim, levando em conta as circunstâncias que envolvem o caso, o dano causado, o nível socioeconômico da reclamante - percebia o salário mensal de R$ 6.309,68 (seis mil, trezentos e nove reais e sessenta e oito centavos) - e o poder econômico da reclamada, arbitro a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), reformando a sentença no particular.” (TRT 1 Região, 1 Turma, RO n.0090600-15.2008.5.01.0073, Des. Gustavo Tadeu Alkmin, publicado em 04 de outubro de 2011.)

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Além dos inconvenientes que a sanção punitiva sem a devida

sistematização ocasiona, outros problemas devem ser mencionados.

Primeiramente, a jurisprudência pátria é campo fértil para casos nos quais a

quantificação da indenização se dá sem discriminação de quais critérios são

adotados para compensar o dano e punir o ofensor. Maior empecilho é a ausência

de legislação prévia325 que os estipule e de garantias processuais contra quem

venha sofrer a reprimenda. Não parece correto que o julgador se utilize de

punições com o argumento de garantir a proteção da dignidade da pessoa humana,

em detrimento do princípio da reserva legal.

Destaca-se que a indenização punitiva, sem haver ao menos previsão de

quais fundamentos serão usados326 para quantificação e hipóteses de incidência,

dar-se-ia sem cumprimento de sua função de desestímulo. Para que a sanção

desempenhe adequadamente suas funções, é imprescindível que o potencial

ofensor tenha conhecimento prévio e adequado das condutas passíveis de sanção,

bem como dos critérios utilizados para mensuração da pena327, o que só poderia

ser feito através de lei.

A situação se agrava ao se perceber que as instâncias revisoras não

possuem precedentes com critérios objetivos para fixação do dano moral e os

recursos só são admitidos quando considerados desproporcionais os valores

atribuídos pelos tribunais locais.328 Critica-se o fato de que, muitas das vezes, os

325 Maria Celina Bodin de Moraes destaca que: “ao adotar-se o caráter punitivo, e deixá-lo ao arbítrio unicamente do juiz, corre-se o risco de violar o princípio da legalidade (...), além disso, em sede civil, não se colocam a disposição do ofensor as garantias substanciais e processuais – como por exemplo, a maior acuidade quanto ao ônus da prova – tradicionalmente prescritas ao imputado no juízo criminal.” (In: Op. cit., p. 73.) 326 Segundo Maria Celina Bodin de Moraes, são fatores que precisam ser considerados no processo de imposição e de quantificação dos punitive damages: “o nexo entre o dano e o prejuízo sofrido; o grau de culpa do ofensor; a eventual prática anterior de condutas equivalentes; a lucratividade da conduta ofensiva, caso em que o valor dos danos punitivos deverá ser superior ao lucro obtido; a situação financeira do réu, o valor das custas judiciais”. (In: Danos à pessoa humana, Op. cit., p. 236) 327SERPA, Pedro Ricardo. Indenização Punitiva. Dissertação de Mestrado apresentada perante a USP, 2011, p. 224. O autor aponta que “a adoção imediata da sanção punitiva no ordenamento pátrio, sem prévia cominação legal, quer quanto aos seus pressupostos essenciais (subjetivos e objetivos), quer quanto aos critérios para quantificação, serve tão somente para dar ensejo a arbitrariedades.” 328De acordo com o STJ, para haver recurso é necessária a completa desproporção entre o dano e o ilícito cometido (REsp 240.055, 3 T. Rel. Min. Ari Pargendler, publicado em 24/06/2002.). O TST segue linha semelhante a do STJ, como se extrai do acórdão: “A jurisprudência desta Corte vem se direcionando no sentido de rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização apenas para reprimir valores estratosféricos ou excessivamente módicos. No caso, conquanto o valor arbitrado pelo Juízo de Primeiro Grau, R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) seja exorbitante diante dos valores arbitrados neste tribunal para caso similares, a redução para R$ 20.000,00 (vinte

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princípios de proporcionalidade e razoabilidade são utilizados através de

fundamentação genérica, sem estarem relacionados aos fatos do processo e

servem, tão somente, para justificar o entendimento das instâncias inferiores.

Oraos princípios acima aparecemna motivação de decisões,a fim de manter o

valor arbitrado, pois a reapreciação depende da demonstração do caráter

exorbitante ou irrisório fixado pelo juízo329, ora se alega a ofensa aos mesmos a

fim de modificar o valor, sem, contudo, demonstrar onde se situa a desproporção.

3.3.2

Critérios sugeridos para quantificação das indenizações

Devido às críticas realizadas no tópico anterior quanto à aplicação de

critérios punitivos, é que se busca a proposição de outros critérios que atendam

melhor às circunstâncias presentes no caso em concreto. Fato é que no Brasil

adota-se o livre arbitramento como regra geral, sistema mais adequado do que o

tarifado, desde que tomadas algumas precauções. Os critérios de avaliação dos

julgadores devem ser explicitados objetivamente, até mesmo para permitir o

controle posterior das decisões.

A motivação não deve se limitar a justificativas vagas de razoabilidade

ou de vinculação a casos semelhantes. Os valores arbitrados variam de caso para

caso, principalmente, tendo-se em conta as condições pessoais da vítima, a

gravidade e extensão do dano, o bem jurídico ofendido, dentre outros parâmetros

que serão abordados. O juiz ao fundamentar o dano moral e sua quantificação

deve encontrar meios de individualizar os danos sofridos e, conforme ressalta

Maria Celina Bodin de Moraes:“tampouco se trata de inventar ou descobrir

fórmulas ou equações que possam ser aplicadas a todos os casos”330.

mil) é desproporcional. Com base nos preceitos mencionados e tendo em conta os fatos indicados no quadro delimitado pela Corte de origem, impõe-se a reforma do acórdão recorrido, para majorar o valor a título de indenização por danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais). Tal valor se justifica por ser proporcional ao agravo e ao porte econômico da empresa bem como a reincidência na prática ilícita, reforçando a função pedagógica, punitiva eindenizatória das ações de reparação de dano moral e, ainda, o tempo de serviço da reclamante, que laborou vinte anos na empresa, conforme consignado no acórdão do Regional.” (TST AIRR-506-65.2010.5.04.0332,7 Turma, Min. Rel. Delaíde Miranda Arantes, publicado em 30/11/2012.) 329 TST RR- 5 Turma, Processo n. 381-05.2010.5.04.0201, Rel. Min. Emmanoel Pereira, publicado em 23/11/2012.) 330 Dano Moral: Conceito, função, valoração. Revista Forense, vol. 413, p. 373.

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Partindo-se, primeiramente, da gravidade e extensão dos danos causados,

dá-se maior importância a este elemento do que à culpabilidade do ofensor. Issose

explica porque:“tão mais reprovável será a conduta do ofensor quanto mais

relevantes forem os bens jurídicos por ela atingidos, ou ainda, quanto mais graves

forem tais prejuízos.”331 Um exemplo de como a natureza do bem jurídico foi

considerada no modo de indenizar está no caso Gore da Suprema Corte americana

(517 U.S, 1995, P. 575 e seguintes). Considerou-se que a indenização deveria ser

majorada em relação ao bem jurídico tutelado, de forma que a sanção seria mais

grave se os prejuízos causados às vítimas fossem físicos, em vez de econômicos.

Trazendo este critério para o assédio moral, se dele decorrerem danos

como depressão, síndrome do burn out, dentre outras consequências, deve haver

majoração do valor devido à vítima, sobretudo, se ocorrer dano onde não seja

possível retornar ao status anterior. De acordo com jurisprudência exposta no

capítulo anterior, funcionária que, em decorrência de cobranças excessivas no seu

período de licença sofre AVC, tornando-se incapaz para o trabalho, deve receber

valor maior do que quem sofreu humilhação ou xingamento durante a prestação

de serviço.

Outro ponto a ser observado no que concerne à gravidade do dano é a sua

repercussão e,trazendo tal fato para o assédio moral, se as ofensas são perpetradas

exclusivamente entre chefia e empregado, sem a participação de outras pessoas, a

conduta deve ser passível de condenação por conta da perseguição sofrida, mas

em montante menor do que alguém que foi humilhado e teve sua reputação

atingida perante os demais colegas332 ou diante de clientes e fornecedores, etc.

Quanto ao grau de culpa do ofensor, por mais que se defenda o destaque

dado às consequências do dano, a reprovabilidade da conduta em relação à vítima

deve ser considerada. Fatores como a indiferença total e desconsideração pelos

direitos alheios; reincidência na prática do ato, malícia ou premeditação; se houve

331 SERPA, P. R. Op. cit, p. 325. 332 Para exemplificar casos em que há repercussão negativa frente à imagem do empregado, tem-se o caso de chefe, que, diante da extinção do departamento em que trabalhava, foi mandada embora sem justa causa, com todos os seus pertences sendo jogados em um saco de lixo e com a troca de fechadura da sala em que trabalhava na frente de todos os funcionários, expondo a diretoria uma desconfiança injustificável da reclamante. (TRT 1 Região, RO n.: 0090600-15.2008.5.01.0073, Des. Gustavo Alkmim, publicado em 04/10/2011.). Ou ainda, o caso de empregado que, diante da imposição da loja em vender excessivo número de cartões de crédito, foi obrigado a se vestir de palhaço e abordar as pessoas não só no ambiente da ré, mas nos corredores de shopping, sem ter direito de recusa. (TRT 1 Região, RO n. 0058300-63.2008.5.01.0052, Des. Alexandre Agra Belmonte, publicado em: 11 de abril de 2011).

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ou não retratação espontânea; devem ser sopesados na majoração do quantum. Se,

além disso, o ofensor obtém lucro ou alguma vantagem com sua conduta333,

também é passível que a indenização aumente de valor para que o lesante deixe de

optar por violar interesses alheios, a partir de eventuais cálculos que faça frente

aos custos das reparações futuras.

Advoga-se que a análise das condições pessoais do ofendido é o principal

critério a ser apurado, tendo em vista a correta individualização do caso concreto.

A singularidade da vítima deve ser considerada em prol de se quantificar o dano

adequadamente: saber se sofreu a ofensa por muito tempo ou se foi algum ato

instantâneo que o atingi; se houve abuso da confiança depositada;se houve dano

psíquico, físico ou somente moral; se foi gerado risco (quando efetivamente há

acidente de trabalho ou doença ocupacional decorrente da atividade);a faixa etária

da pessoa ofendida; se oferece menos resistência devido à dependência ou

escolaridade ou se por ser pessoa em reabilitação ou em retorno de licença é

discriminada, etc.

Resta claro que não depende o assédio do perfil de determinada pessoa,

seja do ofendido ou do agressor, segundo o que já foi exposto no capítulo anterior,

mas não se deve desconsiderar que, pela análise da jurisprudência, nota-se que há

recorrência de danos contra pessoas, que pelas suas características, não darão o

“retorno” esperado pelas grandes empresas. É muito comum assediar gestantes,

pessoas readaptadas, reabilitadas, deficientes, portadores de HIV, idosos, tímidas,

ou pelo simples fato de serem menos produtivas do que as outras. Aqui a

justificativa para o assédio é econômica e deveria com mais força ser coibida, já

que se trata de prática reprovável e premeditada.

Ressalta-se o equívoco de se considerar as condições econômicas ou

sociais dos ofendidos, por ser um critério violador da igualdade substancial,

diferenciando as vítimas de acordo com suas posses (aquele que tem padrão de

vida melhor recebe valores mais elevados em detrimento dos mais humildes que

se satisfazem com menos). Todavia, dosar a reparação tendo em conta as

condições econômicas do ofensor é possível, já que a manutenção da atividade

333 Conforme explicitado pela jurisprudência presente no capítulo anterior, muito comum é a prática de empresas que trabalham com metas em violar os direitos fundamentais do grupo de trabalhadores - seja humilhando, impondo castigos, forçando participação em equipes de treinamento – visto que tais medidas são mais lucrativas do que o pagamento de eventual indenização na justiça do trabalho.

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deve ser garantida. Não se pode indenizar em valores estratosféricos, por mais que

o dano justifique, acabando com os meios de a empresa permanecer no mercado,

por isso é importante saber se o lesante é pessoa física ou jurídica, de pequeno,

médio ou grande porte. Assim como não é certo atrapalhar as atividades

empresariais, menos justo é indenizar em montante demasiado baixo capaz de

encorajar o ofensor a assediar, por serem as reparações de custo menor do que o

lucro auferido.

Por fim, traz-se a título de exemplo um acórdão com exposição de

critérios pormenorizadosonde se condenou empresa em danos morais, por

restringir o acesso de um operador de telemarketing ao banheiro:

“Caracterizado o dano moral, resta, por fim, a fixação da indenização reparadora destes danos, cujos critérios devem observar o seguinte: a – a natureza dos bens jurídicos atingidos e a sua natureza (assédio moral); b - a extensão do dano e a ofensa: o constrangimento e humilhação de quem se vê exposto ao ridículo, por um sistema que inibe o uso de sanitários, e adverte quem extrapola limites ínfimos para seu uso; c – a gravidade da culpa: deveria o empregador se valer de procedimentos modernos incentivadores da produtividade de seus empregados, apoiado em critérios de governança corporativa, em lugar de dolosamente expor seus empregados a risco de sofrimento e humilhação, que contamina o ambiente de trabalho; d - o caráter pedagógico da medida, diante da condição econômica do ofensor: trata-se de empresa de médio porte, com expressivo número de empregados, impõe-se a fixação de indenização em valor inibitório à reiteração de conduta semelhante (indenização irrisória estimularia a assunção do risco pela empresa em casos futuros). Considerando os referidos critérios, estabelece-se a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 para compensar a ofensa sofrida.” Passa-se agora para o usoda indenização punitiva em hipóteses

específicas, como ocorre nos casos de danos à coletividade.

3.3.3

Possibilidade da indenização punitiva em casos específicos como o

assédio institucionalizado

No que concerne às demandas de assédio moral, relacionados ao viés

organizacional, nos capítulos anteriores observou-se que os danos são causados

por um ambiente de trabalho apto a desenvolver doenças psíquicas decorrentes

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dos modos de gestão utilizados334. O diferencial quanto ao assédio interpessoal é

que pela prática ser difusa, tem-se extrapolada a esfera individual e se permite a

tutela coletiva por haver um potencial lesivo maior. Nesses casos, cabível não só a

pretensão do dano moral coletivo, como também de tutelas específicas de

obrigação de fazer e não fazer e multas em face dos causadores do dano.

Apesar de muitos dos casos de assédio moral se encontrar no âmbito

individual, os tribunais trabalhistas também têm apreciado ações coletivas quanto

à matéria. As ações civis públicas encontradas dizem respeito a lesões aos

interesses individuais homogêneos e coletivos dos empregados335, e, por se atingir

direitos indisponíveis do grupo de trabalho, têm-se adotado medidas mais severas.

Como exemplo de assédio coletivo, tendo em vista que houve lesão à coletividade

de trabalhadores da AMBEV, o MPT ajuizou ação civil pública pelo

constrangimento causado a seus empregados, expostos a situações humilhantes

quando do não cumprimento das metas estabelecidas336. Diante da comprovação

de que tal prática era recorrente em outras filiais da empresa ré, houve a

condenação por dano moral coletivo em um milhão de reais a ser revertidos ao

334 RAMOS FILHO, Wilson. Op. Cit. p. 2. “O assédio moral institucionalizado independe de intenção deliberada do agente, uma vez que é usado como estratégia ou característica empresarial. A finalidade presente não é perseguir determinado empregado, mas sim manter índices de produtividade ou atingir resultados a partir do envolvimento de todos os trabalhadores. Aqui a empresa promove a prática de assédio na organização por meio de seus prepostos ou equipes de trabalho”. 335 Segundo Renato Muçouçah, “o assédio moral coletivo engloba o assédio moral individual homogêneo, o assédio moral coletivo em sentido estrito e o assédio moral difuso. A jurisprudência e a doutrina reconhecem a possibilidade de haver a defesa dos interesses individuais homogêneos dos trabalhadores, com base no artigo 81, III da Lei 8078/90, que concebe tais direitos como àqueles que se apresentam uniformizados pela origem comum. Tais direitos permanecem fracionáveis e por isso são individuais em sua base deontológica. Já o assédio moral coletivo seria caracterizado como o atentado a direitos fundamentais de pessoas pertencentes a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, por uma relação jurídica base, conforme o artigo 81, II, da Lei 8078/90, e o bem a ser protegido nesse caso é indivisível. Os direitos difusos, por sua vez, são indivisíveis e indetermináveis em sua titularidade, pertencendo a pessoas ligadas por circunstâncias de fato.” O autor aponta como exemplo de assédio moral de natureza difusa, a lesão reiterada à saúde psicofísica e a lesão ao ambiente de trabalho em si mesmoconsiderado. 336 Ementa citada no capítulo anterior, referente ao recurso: RO 1034-2005-001-21-00-6, TRT 21 Região, publicado no Diário da Justiça do Rio Grande do Norte em: 22/08/2006. Outro exemplo, que teve o Banco Bradesco como réu: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CUMULAÇÃO DOS PEDIDOS DEOBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER COM CONDENAÇÃO EM DINHEIRO. POSSIBILIDADE. A açãocivil pública é o instrumento processual destinado a propiciara tutela ao meio ambiente de trabalho sadio (inciso I, da Lei nº 7.347/85). Desse modo, a interpretação do art. 3º, da Lei 7.347/85, que dispõe que “A ação civil poderá ter porobjeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento deobrigação de fazer ou não fazer", deve ser feita não no sentido alternativo, mas sim de adição, permitindo a cumulação dos pedidos, a fim de conferir tutela integral ao meio ambiente do trabalho, sob pena de tornar a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins. (TRT 5 Região, RO 0084300-30.2008.5.05.0007, Relatora: Desembargadora Dalila Andrade, publicado em 30 de novembro de 2010).

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FAT (fundo de amparo ao trabalhador), acrescida da obrigação de não fazer (não

submeter seus empregados a situações vexatórias e não tolerar ou praticar assédio

moral no ambiente de trabalho, sob pena de, em caso de descumprimento, pagar

multa no valor de R$ 10.000,00 por empregado assediado.)

A vista das características do assédio moral coletivo, a condenação

pecuniária apresenta natureza de sanção em relação ao ofensor com pretensão

dissuasória a realçar um traço preventivo de responsabilização. Conforme destaca

Xisto Tiago de Medeiros Neto, essa condenação “afasta-se, portanto, da função

típica que prevalece nos danos morais individuais, em que se confere maior

relevância à finalidade compensatória ou satisfatória da indenização”.337

Com o assédio institucionalizado, não há reparação direta em favor da

coletividade, devido ser impossível apreender a extensão dos interesses

transindividuais e identificar precisamente os indivíduos atingidos. A falta de uma

vítima individualizada faz emergir a indenização punitiva, onde a parcela

condenatória será destinada a reconstituição dos bens lesados, seja porque é

recolhida a um fundo próprio (art. 13 da Lei 7347/85) ou, alternativamente,

revertida a entidades públicas ou privadas, sem fins lucrativos.

Deve ser registrado o entendimento de Maria Celina Bodin de Moraes,

que, não obstante adotar posição restritiva em relação à natureza punitiva da

reparação do dano moral, admite a função sancionatória, em sua vertente

pedagógica (relativamente ao efeito exemplar da condenação), nos casos “em que

se faça imperioso dar uma resposta à sociedade, isto é, à consciência social,

tratando-se, por exemplo, de conduta particularmente ultrajante ou insultosa, em

relação à consciência coletiva, ou ainda, quando se der, caso não incomum, de

prática danosa reiterada.”338.

Em recente dissertação de mestrado, Pedro Ricardo e Serpa, aponta que é

perfeitamente cabível indenização punitiva quando:“se destina a reparar condutas

particularmente reprováveis, caracterizadas pela má fé do ofensor (que pode se

restringir apenas à intenção de cometer um ato ilícito, ou vir ainda acompanhada 337 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3 ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 202. 338 MORAES, Maria Celina Bodin de. Dano moral: Conceito, função, valoração. Revista Forense, vol. 413, p. 369. Tal posição também é defendida por Judith Martins Costa e Marina Pargendler: “há exemplo no ordenamento de um meio termo entre o intento de tornar exemplar a indenização e a necessidade de serem observados parâmetros mínimos de segurança jurídica, bem se diferenciando entre a “justiça do caso” e a “justiça do khadi”, trata-se da multa prevista na Lei 7347/85, para o caso de danos cuja dimensão é transindividual, como os danos ambientais e ao consumidor”.(Op. cit., p. 24)

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de características ainda mais indesejáveis, como por exemplo, a intenção em

extrair vantagens financeiras do ato cometido), ou no mínimo de flagrante

desconsideração em relação aos direitos alheios” (o que se não for suficiente para

caracterizar o dolo, certamente configura culpa grave).339

Há exemplos na jurisprudência trabalhista de indenização punitiva que

vem sendo utilizada como forma de condenação exemplar, a fim de desestimular o

ofensor em sua conduta lesiva (função punitivo-pedagógica), o que se pode extrair

das ementas abaixo transcritas:

ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. GESTÃO POR ESTRESSE. STRAINING. PRÁTICA CONSISTENTE NO INCENTIVO AOS EMPREGADOS DE ELEVAREM SUA PRODUTIVIDADE, POR MEIO DE MÉTODOS CONDENÁVEIS, COMO AMEAÇAS DE HUMILHAÇÕES E RIDICULARIZAÇÕES. DEVIDA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO PELA INSTÂNCIA A QUO. A gestão por estresse, também conhecida como assédio moral organizacional ou straining consiste em uma "técnica gerencial" por meio da qual os empregados são levados ao limite de sua produtividade em razão de ameaças que vão desde a humilhação e ridicularização em público até a demissão, sendo consideravelmente mais grave que o assédio moral interpessoal (tradicional) por se tratar de uma prática institucionalizada pela empresa, no sentido de incrementar seus lucros à custa da dignidade humana dos trabalhadores. Caracterizada tal situação, é devida indenização pelo dano moral coletivo causado, que deve ser suficiente, sobretudo, para punir a conduta (função punitiva) e para desestimular os infratores(função pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) a incorrerem em tal prática, mas também para proporcionar, na medida do possível, a reparação dos bens lesados, como preceitua o art. 13 da Lei 7.347/85. Assim, tendo em vista a amplitude das lesões e suas repercussões, razoável a redução do quantum indenizatório para R$200.000,00 (duzentos mil reais)”.(TRT 16 Região, Processo n. 00772-2008-016-16-00-5, Relator: José Evandro de Souza, data de Julgamento: 13/04/2011, data de Publicação: 26/04/2011) “A prática de assédio moral nas relações de trabalho do Banco do Brasil atinge toda a categoria, uma vez o direito a um ambiente de trabalho hígido e digno é assegurado a todos os empregados indistintamente. A reparação por dano moral coletivo visa, pois, preservar as regras contidas no ordenamento jurídico e os princípios que lhe dão fundamento, mormente o princípio da dignidade da pessoa humana. Desta feita, havendo ofensa a direitos extrapatrimoniais compartilhados por toda a coletividade (empregados do banco do Brasil), o reconhecimento do dano moral coletivo é medida que se impõe. Reveste-se a indenização exigida de caráter sancionatório, tendo nítido propósito pedagógico. É formada pelos seguintes elementos: conduta antijurídica do agente, seja pessoa física ou jurídica; ofensa a interesses jurídicos fundamentais de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade e nexo causal entre a conduta, seja comissiva ou omissiva, e o dano correspondente à violação do interesse coletivo. Nessa compreensão e considerando a capacidade econômica do Banco réu, além, é claro, da

339 Op. cit. p. 176.

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característica e potencial do dano, inclusive em vista de sua perpetuação no tempo, aliado ao grau de culpa constatado, tenho por razoável fixar a indenização por danos morais coletivos no mesmo valor proposto na inicial, ou seja, R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), montante a ser revertido em benefício do Fundo de Amparo ao Trabalhador.” (TRT 10 Região, 2 Turma, Processo n. 00500-2008-007-10-86-2, Relator: Juíza Elke Doris Just, publicado em 02/03/2012) Como se observa, nas situações em que há política de assédio

institucionalizado, o bem estar da coletividade justifica a indenização punitiva. A

necessidade de sanção mais grave do que a compensação decorre da concepção de

que o ato é tão reprovável, por atingir bens da mais alta relevância dos ofendidos,

que acaba por extrapolar a órbita jurídica dos lesados para atingir toda a

sociedade. Trata-se do chamado dano social, conforme acrescenta Antônio

Junqueira de Azevedo, ao afirmar que: “um ato, se doloso ou gravemente culposo,

ou se negativamente exemplar, não é lesivo somente ao patrimônio moral ou

material da vítima, mas sim atinge toda a sociedade, num rebaixamento imediato

do nível de vida da população.”340

Nos estudos de Souto Maior identifica-se que as agressões no âmbito

trabalhista atingem grande quantidade de pessoas, de modo que o empregador,

muitas vezes, se vale dessa prática para obter vantagem na concorrência com

outros empregadores. “Isto implica dano a outros empresários, que,

inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista ou que, de certo modo, se

veem forçados a agir da mesma forma delinquente. O resultado verificado é a

precarização das relações sociais, na forma de dumping social”341.

O sistema trabalhista oferece instrumentos punitivos que não se adequam à função

sancionadora, pois as multas previstas na CLT são quase irrisórias. Os

empregadores conhecedores dessa realidade mantém política de descumprimento

de obrigações, independentemente das condenações individuais. Com objetivo de

servir de referência para futuros julgamentos, por conta da repercussão social

produzida em constante descumprimento da legislação trabalhista, produziu-se o

Enunciado n. 4, aprovado na Primeira Jornada de Direito Material e Processual na

Justiça do Trabalho, in verbis:

340

Por uma nova categoria de dano na Responsabilidade Civil: o dano social. In: Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 380. 341 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O dano social e sua reparação. Revista LTr, 71-11/1317, p. 1324.

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Enunciado n º 4. “DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido dumping social, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no artigo 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos. 652,d e 832, § 1o, da CLT.”

Dolo, violência, ameaça de danos físicos e doenças psicológicas são

elementos que podem estar presentes em agressões a funcionários. A reprovação

da conduta na forma de condenação punitiva mostra-se importante,

principalmente contra empresas que se utilizam ordinariamente da prática do

assédio moral como elemento motivador da produção. Nesses casos, a fixação de

punitive damages pode servir de desestímulo.

De acordo com Rodrigo Trindade de Souza, “a compreensão da

ocorrência do dano social pode servir para outorgar nova interpretação ao

parágrafo único do artigo 404 do CCB”342. A insuficiência da condenaçãopermite

que o juiz possa fixar indenização suplementar, com o quese tem maior abertura

da atuação jurisdicional, ao acrescentar o necessário para a mais adequada atuação

do direito positivo. Esse acréscimo,não necessariamente, precisa ser dirigido para

o indivíduo ofendido, pois,percebendo o julgador a extensão dos afetados pode

acrescer condenação na forma de indenização de dano social343.

Desta feita, defende-se que a indenização punitiva torna-se adequada

contra condutas de alto grau de reprovabilidade, seja por ofender direitos de maior

relevância (interesses existenciais e metaindividuais), seja pela obtenção de

vantagens econômicas ilicitamente ou devido à reiteração das atividades danosas

contra a comunidade de trabalhadores.

342 Código Civil, artigo 404, Parágrafo Único. “Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.” 343 SOUZA, Rodrigo Trindade. Punitive Damages e o direito do trabalho brasileiro. Revista do

TRT da quarta Região, n. 38, Rio Grande do Sul, mai. 2010, p. 583.

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148

3.4

A destinação da parcela referente ao assédio moral coletivo – Uma

tendência à desmonetarização da reparação dos danos

Em busca de melhor adequar a responsabilidade civil aos valores solidaristas

constitucionais, novas formas de satisfação pela ocorrência do dano moral devem

ser incentivadas344. Já se passou pela crítica ao viés patrimonial da

responsabilidade civil, que, ao oferecer como única resposta às lesões o dever de

indenizar, trouxe, como consequência, o estímulo a demandas frívolas. Ademais,

as dificuldades em torno da quantificação do dano moral, no que diz respeito a

critérios e valores arbitrados, demonstra o insucesso da adoção exclusiva de meios

pecuniários de indenização.

Por isso, advoga-se a adoção de formas não patrimoniais de

compensação, que além de afastarem as relações existenciais de um processo de

mercantilização dos danos, são capazes de satisfazer de modo mais coerente os

anseios das vítimas. Para exemplificar, há decisões no âmbito coletivo que adotam

medidas de retratação pública e de publicidade da condenação, seja substituindo

ou acompanhando a compensação pelos danos, com o fim de desestimular a

conduta praticada.

Quanto à parcela pecuniária correspondente à condenação decorrente do

assédio moral coletivo, tem-se a aplicação do artigo 13 da Lei 7347/85, ao prever

que: “a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um

Conselho Federal ou por Conselhos estaduais sendo seus recursos destinados à

reconstituição dos bens lesados”. Como aponta Xisto Tiago de Medeiros Neto, a

constituição deste fundo representou “solução mais lógica no universo da tutela

dos direitos transindividuais, a se considerar a indivisibilidade do interesse

atingido, a titularização reconhecida a uma coletividade e a indeterminação das

pessoas dela integrantes, aspectos que impossibilitam a reparação direta”.345

344 Segundo Anderson Schreiber: “a revisão critica da estrutura e função da responsabilidade civil não trouxe para ordem do dia apenas questionamentos acerca da melhor forma de reparar os danos, mas também o dilema sobre se repará-los é a melhor solução”. Aqui o autor menciona novas formas de prevenção e precaução de danos, tais como o modelo existente nas agências reguladoras e os seguros de responsabilidade civil. (In: op. cit., p. 215-216) 345 MEDEIROS NETO, Op. cit., p. 213.

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A regulamentação do fundo encontra-se hoje efetivada pelo Decreto

Federal 1.306/1994 e pela Lei 9.008/1995346. Há que se ressaltar, a existência de

fundos próprios com objetivos específicos, em determinadas áreas, mais

autorizados a serem destinatários da parcela oriunda da condenação judicial

referente aos danos coletivos. Na seara trabalhista, tem-se o Fundo de Amparo ao

Trabalhador – FAT, criado pela Lei 7998/90, voltado ao custeio do Programa de

Seguro Desemprego e ao pagamento do abono salarial e financiamento de

programas de desenvolvimento econômico, conforme artigo 10 da mesma Lei.

De modo que, o valor obtido com a condenação não visa restituir um

bem material passível de quantificação, mas sim estabelecer uma sanção exemplar

ao ofensor e também conferir um proveito mais amplo, o que equivale a uma

compensação indireta para a coletividade. O que não se compara ao dano punitivo

outrora criticado, porque o valor indenizatório a ser pago não tem como

destinatário a vítima e sim pessoas indeterminadas, através de depósitos em

fundos previstos em lei, traduzindo-se em verdadeira indenização de desestímulo.

Embora o FAT esteja relacionado a interesses trabalhistas, há críticas

referentes à inadequação deste fundo como destino das condenações por dano

moral coletivo. De acordo com o procurador Marcos Antônio Ferreira Almeida:

“o FAT não se mostra adequado para receber tais recursos, vez que não preenche

todos os requisitos consignados no dispositivo legal”347. O autor afirma que por

exigência do artigo 13 da Lei de Ação Civil Pública, o fundo terá participação

necessária do Ministério Publico e representantes da comunidade, como forma de

assegurar a efetiva fiscalização e aplicação de seus recursos, o que não vem

ocorrendo, pois o Ministério Público do Trabalho não possui assento no Conselho

deliberativo do FAT.

Os relatórios de gestão do FAT348apontam que as receitas decorrentes de

demandas coletivas muitas vezes não são revertidas para a comunidade lesada

pela conduta ilícita, fato que demonstra não se atingir o fim almejado pelo

legislador, qual seja, a efetiva reconstituição ou restauração do bem jurídico 346 Nesses diplomas estatui-se que: “O Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei 7347/1985, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, histórico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos (art. 1).” 347

A efetividade da reparação do dano moral coletivo na Justiça do Trabalho. In: Revista do

Ministério Público do Trabalho, ano XX, n. 39, mar/2010, LTr editora, p. 81. 348 Os relatórios de gestão do Fundo de Amparo ao Trabalhador estão disponíveis no portal do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: http://www.mte.gov.br/fat.

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atingido pela conduta danosa. É por isso que, entre as múltiplas possibilidades de

provimentos jurisdicionais, deve-se sempre lançar mão daquela que permita a

recuperação do bem jurídico violado, cessando-se a atividade lesiva.

No âmbito do direito ambiental, registra-se a lição de Luciane Gonçalves

Tessler, aplicável mutatis mutandis à seara laboral, a preconizar que:

“inquestionável ser a tutela do ressarcimento na forma específica a modalidade

mais apropriada para repressão ao dano ambiental (...), sendo possível o

ressarcimento na forma específica, não se pode cogitar do ressarcimento pelo

equivalente”349. De fato, o fundamento da lei de ação civil pública consiste em

possibilitar que a condenação pecuniária decorrente da infração possa ser

revertida em benefício da própria coletividade lesada, atingindo, por conseguinte,

uma finalidade social.

De modo que, não obstante existir a previsão do artigo 13 da Lei

7347/85, a direcionar a parcela da condenação ao Fundo, não se pode conferir um

sentido restritivo a essa regra, ou seja, uma interpretação literal de que o Fundo

seria o único destinatário das condenações em dinheiro nas demandas coletivas.

Por força de atualizada postura em relação aos direitos coletivos, a fim de garantir

sua tutela eficaz em prol da coletividade, é que se deve destinar a parcela

condenatória pelo dano moral a um fim específico, a ser estabelecido no caso

concreto pelo julgador.

Tratando-se de reparação do dano moral coletivo, é possível a imposição de

medidas ao ofensor, sob a forma de obrigações de fazer, as quais traduzem espécie

de reparação in natura complementar à condenação em dinheiro. Em respaldo a

isso, foi aprovado o Enunciado 12 da Primeira Jornada de Direito Material e

Processual da Justiça do Trabalho, determinando a reversão da condenação às

comunidades diretamente lesadas, por parte do magistrado.350

349

Tutelas jurisdicionais do meio ambiente. Tutela inibitória, tutela de remoção e tutela do

ressarcimento na forma específica. São Paulo: Editora RT, 2004, (Coleção temas atuais do direito processual civil, v.9), p. 352. 350Enunciado n. 12, nos seguintes termos: “AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. TRABALHO ESCRAVO. REVERSÃO DA CONDENAÇÃO ÀS COMUNIDADES LESADAS. Ações civis públicas em que se discute o tema do trabalho escravo. Existência de espaço para que o magistrado reverta os montantes condenatórios às comunidades diretamente lesadas, por via de benfeitorias sociais, tais como a construção de escolas, postos de saúde, e áreas de lazer. Prática que não malfere o artigo 13 da Lei 7347/85, que deve ser interpretado à luz dos princípios constitucionais fundamentais, de modo a viabilizar a promoção de politicas públicas de inclusão dos que estão à margem, que sejam capazes de romper o círculo vicioso de alienação e opressão que conduz o trabalhador brasileiro na conviver com o labor degradante.”

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Consequentemente,nada impede que se recorra a sanções não pecuniárias,

consistentes em prestação de serviços, obrigações de fazer ou não fazer e

cerceamento de alguns direitos. Para exemplificar, vislumbra-se a

contrapropaganda, prevista no artigo 60 do CDC, nas hipóteses de propaganda

enganosa ou abusiva.351

A propósito, o legislador ao regulamentar a Lei n. 7.347/85 condicionou

sua aplicação às atividades ligadas à natureza da infração, de forma que sejam

utilizados prioritariamente “na reparação específica do dano causado, sempre que

tal fato for possível” (art. 7º do Decreto n. 1.306/94).E, em ação civil pública de

assédio moral coletivo, entendeu o Tribunal que a interpretação do artigo terceiro

da Lei 7.347/85 quedispõe que:“a ação civil poderá ter porobjeto a condenação em

dinheiro ouo cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer", deve ser feita não

no sentido alternativo, mas sim no de adição, permitindo a cumulação dos pedidos

a fim de conferir tutela integral ao meio ambiente do trabalho, sob pena de tornar

a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins.

Nesta mesma ação, além de se manter a indenização por dano coletivo

no montante de cem mil reais,revertido ao FAT, várias obrigações de fazer e não

fazer foram previstas, dentre as principais: “a realização de palestras de

conscientização dos trabalhadores em períodos de no mínimo seis meses (...);

tornar disponíveis dentro da empresa canais para recebimento de queixas quanto

ao assédio ou qualquer discriminação (...); publicar 12 notas nos três jornais de

maior circulação do Estado da Bahia e veiculação de campanha durante 06 meses

nas 03 emissoras de televisão mais assistidas no Estado da Bahia com duração de

01minuto com, no mínimo, 06 veiculações diárias esclarecendo a respeito dos

males causados pelo assédio moral e as medidas que podem ser implementadas

pelas empresas para evitar ou extinguir a prática”352.

Nas ações civis públicas sobre o tema, em conjunto com a parcela

indenizatória também se faz corrente a aplicação de medidas inibitórias contra a

tolerância do assédio moral353, com a adoção de obrigações de não fazer por parte

351 Art. 60: “A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de propaganda enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.” 352 TRT 5 Região, RO 0084300-30.2008.5.05.0007, Relatora: Desembargadora Dalila Andrade, publicado em 30 de novembro de 2010. 353 Exemplo retirado do fundamento do acórdão: TRT 21 Região, RO n. 01034-2005.001.21.00-6, Juíza Relatora Joseane Dantas Santos, em 15 de agosto de 2006: “obrigação de não submeter seus

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dos julgadores. No que concerne às obrigações de fazer, já houve determinação

para que a decisão condenatória em assédio moral organizacional fosse distribuída

no âmbito da empresa para todos os funcionários terem conhecimento, por meio

dos canais internos de divulgação.354

É válido mencionar que a postura de redirecionamento eficaz da

indenização vem sendo aplicada em diferentes casos de danos morais coletivos e

não apenas em casos de assédio institucionalizado. Cita-se, por exemplo, um caso

em que empresa condenada por divulgar anúncios discriminatórios de emprego,

teve a parcela de cem mil reais revertida em campanha publicitária educativa

contra a discriminação355.

Em outra oportunidade, a parcela foi convolada na aquisição e entrega

pelos réus ao órgão de fiscalização trabalhista de veículos e equipamentos de

informática a serem usados nas ações de combate ao trabalho escravo356. Também

houve divisão no redirecionamento da indenização (em que parte menor do valor

foi direcionada ao FAT e o restante para entidade específica de saúde) em caso

onde a coletividade de trabalhadores havia sofrido danos por causa da doença

leucopenia357.

Em época não tão distante, a ação civil pública na Justiça do Trabalho

era vista por muitos como descabida, no entanto, hoje, representa instrumento

idôneo para a defesa da ordem jurídica e solução dos conflitos de natureza

transindividual, com reconhecida importância na salvaguarda dos interesses dos

trabalhadores. Urge que a acomodação da comunidade jurídica em relação ao

empregados a situações vexatórias de uso de camisetas com apelidos ou qualquer outro tipo de constrangimento; não impedir o assento de seus empregados em reuniões; não obrigar seus empregados a danças vexatórias; não tolerar que sejam imputados apelidos a seus empregados; não tolerar ou praticar assédio moral no ambiente de trabalho, sob pena de, em caso de descumprimento, pagar multa no valor de R$ 10.000,00 por empregado prejudicado (sem prejuízo da ação correspondente) a ser revertida ao FAT.” 354 Nesse sentido: TRT 10 Região, 2 Turma, RO n.: 00500-2008.007.10-86, Des. Relatora Elke Doris Just, Publicado em: 02/03/2012.; TRT 4 Região, RO n. 00900-2006.007.04.00-3, Des. Relatora Maria Helena Mallmann, publicado em 27 de fevereiro de 2008. 355 Ação Civil Pública n. 166 de 2006 (2 Vara do Trabalho de Teresina- Piauí). 356 Ação Civil Pública n. 214 de 2006 (Vara do Trabalho de Redenção, Pará). 357 TRT 2 Região, Processo n. 01042-1999.255.02.00-5, Juiz Relator Valdir Florindo, publicado em 06/07/2007. Nesse acórdão, a parcela condenatória de 4 milhões de reais foi assim destinada: “(...) torna-se necessário estabelecer a destinação da importância, tendo presente, primordialmente, que a finalidade social da indenização é a reconstituição dos bens lesados. Determino o envio da importância de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), 12,5%, ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), instituído pela Lei nº 7.998/90 e R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais),87,5%,à ‘Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos’, objetivamente para a aquisição de equipamentos e/ou medicamentos destinados ao tratamento de pessoas portadoras de leucopenia.”

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tema ceda a uma postura lastreada em novos paradigmas, no intuito de encontrar

soluções criativas358 capazes de tutelar os interesses trabalhistas, traduzindo,

inequivocamente, os anseios da coletividade de trabalhadores brasileiros.

3.5

O Direito Penal e o Administrativo podem ser usados como

alternativas à Responsabilidade Civil?

Mesmo com as alterações pelas quais passou a responsabilidade civil nos

últimos anos (em que se destaca a objetivação e a socialização dos riscos), tal

instituto se mostra insuficiente na prevenção de condutas socialmente

indesejáveis. Devido ao fato de sua função dissuasória não ser exercida com

eficiência, principalmente quando se trata de bens existenciais, onde o prejuízo

costuma se eternizar pelo fato de não ser possível recompor os danos é que se

cogita a adoção de outros instrumentos, tais como as sanções administrativas e

penais. Além do mais, o fato de a responsabilidade civil ter passado por processo

de objetivação não impede que o agente exponha a vítima a uma situação de risco,

já que o mesmo pode ser calculado e inserido nos custos da produção.

Segundo Anderson Schreiber, “o sistema de sanções administrativas

possui, a um só tempo, a dupla vantagem de superar o problema do

enriquecimento sem causa da vítima – já que o eventual ganho econômico é

destinado ao poder público – e, desestimular de forma mais eficiente à conduta

antijurídica, pelo relacionamento existente entre os agentes lesivos e o órgão

regulador de sua atividade”359. Dentro das limitações do modelo ressarcitório,

estão as dificuldades para quantificar a indenização, como já demonstrado em

item anterior.

Embora seja possível a previsão de multas e outras sanções, há quem

entenda pela sua inadequação360, pois, em um primeiro plano, as medidas só serão

358 Legitimando a postura criativa judicial nos casos de satisfação de danos morais, em atendimento à justiça distributiva, defendendo a destinação de parte da indenização a entidades de fins sociais ou beneficentes, aplicando-se analogicamente a proposta estatuída no artigo 883, paragrafo único do CC de 2002, está Diogo Leonardo Machado de Melo, no artigo: Ainda sobre a

função punitiva da reparação dos danos morais e a destinação de parte da indenização para

entidades de fins sociais. In: Revista de Direito Privado, vol. 7, n. 26, abril-jun. de 2006, p. 137. 359

Arbitramento do Dano Moral no novo código civil, RTDC. Rio de Janeiro: Padma, 2002, v. 12,p. 22. 360 Nesse sentido: Pedro Ricardo e Serpa, Op. cit., p. 163.

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impostas após passarem pelo crivo de um órgão especializado (por exemplo, o

parquet ou autoridade administrativa) que deve decidir sobre a conveniência em

se iniciar um processo repressivo. Também é apontado óbice quanto aos sujeitos

passíveis de sanção, já que inexiste regra geral que admita responsabilidade penal

de pessoa jurídica361. Importa mencionar que tal restrição não se verifica no

âmbito do direito administrativo, que admite ampla responsabilização das pessoas

jurídicas.

No que concerne ao direito penal, deve-se chamar atenção para o fato de

que ele atende ao princípio da intervenção mínima, passíveis de serem penalizadas

apenas as condutas mais reprováveis. Portanto, se outros meios de controle social

forem suficientes para a tutela de um bem, sua criminalização é inadequada.

Atenta-se para o fato de que, tanto o direito penal, quanto o administrativo se

submetem ao princípio da legalidade, devendo existir um mínimo de certeza e

previsibilidade em seus conteúdos descritivos. Ocorre que a legalidade da

atividade sancionadora administrativa possui certa flexibilidade362, pela

elasticidade da competência estatal neste terreno, já que vigora a descentralização

administrativa (discricionariedade das autoridades competentes), ao contrário do

sistema penal vinculado à reserva de lei federal.

A responsabilidade administrativa possui estrutura que não parte do

mesmo dogma de responsabilidade subjetiva presente no direito penal. O direito

administrativo sancionador não tem raízes na garantia de direitos individuais, mas

sim na ideia de interesse público e em critérios objetivos. Não há nenhuma

exigência constitucional de culpabilidade das pessoas jurídicas em suas ações,

especialmente no direito administrativo, até porque o conceito de culpa está ligado

à pessoa física. Mas, podem as pessoas jurídicas se enquadrarem em uma

culpabilidade peculiar, voltada à exigência de evitar o fato e ao dever de cuidado.

A pessoa jurídica não possui vontade ou consciência, circunstância que

lhe afasta da pessoalidade da pena e da perquirição de dolo ou culpa na

individualização da sanção. O direito penal não seria o melhor instrumento para

361 Exceção à responsabilização penal das pessoas jurídicas encontra-se na Lei 9605/98, sobre crimes ambientais, ao prelecionar em seu art. terceiro, que: “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou beneficio de sua entidade.” 362 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo sancionador. 2 ed. São Paulo: Editora RT, 2005, p. 259.

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punir pessoas jurídicas, pois estas não seriam privadas de sua liberdade e outras

sanções como as multas podem ser impostas pelo direito administrativo. Além do

fato de que, a responsabilidade penal da pessoa jurídica põe em discussão a

responsabilidade penal dos sócios, numa perspectiva do non bis in idem, o que

não aconteceria em se tratando de uma responsabilidade puramente

administrativa.

Em que pesem as dificuldades do direito penal para sancionar condutas

praticadas pelas pessoas jurídicas, o artigo terceiro da Lei 9605/98 estabelece a

responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crime ambiental e há autores a

favor desta punição para determinados comportamentos363. Outros autores

apontam que esse preceito legislativo seria uma novidade ineficaz, pois a

responsabilidade administrativa seria suficiente em conjunto com a

responsabilidade civil364. Até porque administrativamente há punições como a

dissolução da pessoa jurídica, que não deixariam a desejar em nada a qualquer

pena apresentada pela esfera penal.

Dentro da esfera trabalhista, Wilson Ramos Filho aponta existir certa

expectativa de impunidade dos empregadores, fato queele atribui “a pouca

utilização da figura delituosa do crime de frustração de direito365, assegurado por

legislação trabalhista, apesar do expressivo quantitativo de casos de

descumprimento”366, como ocorre no exemplo do assédio moral. O autor é a

favor de que a impunidade seja evitada por meio da ação penal simultânea à

compensação pelo ilícito e critica o fato de que a justiça do trabalho resiste em

aplicar a lei penal e, consequentemente, a repressão aos empregadores acaba se

dando através da reparação do ilícito.

363 Esta é a posição de Fábio Medina Osório, ao justificar que: “na sociedade pós-capitalista da informação, os ilícitos assumem proporções tão agressivas que passam a exigir um Estado mais agressivo. Daí que as pessoas jurídicas venham a ser encaradas de modo uniforme e coerente pelo Estado, não importa se se trata de ferramentas penais ou administrativas. E não deixa de ser previsível que venham a ser encaradas como eventuais instrumentos de organizações criminosas, para efeito de blindagem das responsabilidades pessoais, problema que não se resolve apenas com a desconsideração de sua personalidade jurídica, mas com a expansão dos tentáculos sancionadores estatais”. Op. cit., p. 143. 364 Posição defendida por Carlos Ernani Constantino em: Meio ambiente – Responsabilidade penal

da pessoa jurídica: outros aspectos. RJ, n. 258, ano 47, Notadez, abril 1999, p. 64. 365 Art. 203, CP: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho.” 366 RAMOS FILHO, Wilson. Delinquência patronal, repressão e reparação. Revista Trabalhista -

Direito e Processo. São Paulo, a. 7, n. 28, out./dez. São Paulo: LTr-Anamatra, 2008, p. 16.

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Diante das dificuldades do aparato penal, defende-se o uso de multas

administrativas em substituição à indenização compensatória, com o objetivo de

sancionar os danos coletivos decorrentes do assédio moral. Até porque, se as

condutas dos empregadores fossem coibidas com base no artigo 203 do Código

Penal, devido a pena máxima para o ilícito ser de até dois anos e multa, se faz

cabível o artigo 61 da Lei de Juizados Especiais367. Ou seja, o juiz acabaria

aplicando aos infratores a composição dos danos, seja através da pena restritiva de

direitos, ou da multa.

Ao se analisar o Projeto de Lei federal 4742 de 2001 que pretende inserir

o assédio moral no trabalho como crime, observa-se que ele recai na mesma

situação acima, pois a pena imposta, inclusive, é menor (de três meses a um ano e

multa)368. Diante deresposta penal passível de transação, com base no princípio da

ultima ratio, mais eficaz é a aplicação do direito administrativo sancionador.

Acrescenta-se que no âmbito estadual e municipal, já existem leis aprovadas que

preveem sanções administrativas contra a prática do assédio moral, aplicando aos

infratores, na maior parte das vezes, as penalidades de advertência, suspensão,

multa ou demissão369.

Deve ser ressaltado, que,dentro da discricionariedade administrativa,

existem leis e projetos de iniciativas interessantes. É o que se tem a partir da Lei

federal 11.949 de 2009, ao tratar dos recursos para ampliação dos limites

operacionais do BNDES, preleciona em seu artigo quarto, que: “fica vedada a

367 Artigo 61 da Lei 9.099/95: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa”. 368Art. 146 -A. “Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.” 369 Como exemplo, dentre as leis aprovadas sobre assédio moral, pode ser destacada a Lei estadual 3921/2002 do Rio de Janeiro: “Art. 1º: Fica vedada, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista, do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, inclusive concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, o exercício de qualquer ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado e que implique em violação da dignidade deste ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes. (...) Art. 4º: O assédio moral no trabalho praticado por agente, que exerça função de autoridade, nos termos desta Lei, é infração grave e sujeitará o infrator às seguintes penalidades: 1. advertência; 2. suspensão; e/ou 3. demissão; § 4º - Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, em montante ou percentual calculado por dia, à base dos vencimentos ou remuneração, nos termos das normas específicas de cada órgão ou entidade, sujeitando o infrator a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades. No mesmo sentido, também podem ser citadas as leis estaduais: 3.921/2002 (do Distrito Federal) e 12.250/2006 de São Paulo.

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concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo

BNDES a empresas da iniciativa privada, cujos dirigentes tenham sido

condenados por assédio moral, dentre outras condutas como racismo, crimes

ambientais e trabalho escravo”370.

Além da lei acima que traz importante instrumento dissuasório contra o

assédio moral por afetar o recebimento de auxílio financeiro, há outros projetos

que também se voltam para consequências intimidativas. É o caso do Projeto de

Lei do Senado de n. 80 de 2009, que acrescenta o inciso VI ao artigo 27 da Lei

8666/93, prevendo que, para habilitação dos interessados nas licitações, seja

necessário “a comprovação de que não há registros de condenação por prática de

coação moral contra seus empregados nos últimos cinco anos.” Outro projeto

relevante, por trazer proteção aos trabalhadores como um todo, é o de número

7.202 de 2010, que pretende acrescentar ao artigo 21, II, alínea “b” da Lei de

previdência social, como hipótese de equiparação ao acidente de trabalho à ofensa

moral intencional.

Em síntese, devido a se viver em uma sociedade pautada por atividades

cada vez mais arriscadas,deveria ocorrer a expansão dos poderes públicos para

que houvesse melhor regulação do exercício das atividades por parte dos entes

privados, com base na previsão do artigo 174 da CF. De modo que, as políticas de

administrativização dos ilícitos pudessem ter maior repercussão na busca de

proteção da esfera jurídica dos trabalhadores, em favor de pessoas prejudicadas

pela busca desenfreada de lucros por parte das empresas, através do assédio

moral.

370 Em que pese ser a iniciativa em questão de relevância para coibir o assédio, tem-se observado tímido uso dela por parte dos magistrados. Diante de vários acórdãos pesquisados na presente dissertação, até agora somente em um deles se deparou com ordem judicial de que fosse expedido ofício ao BNDES para se ter ciência da decisão. (TRT 2 Região, RO n. 0135300-78.2007.5.02.0010, Des. Relatora Ivani Contini Bramante, publicado em: 21/09/2012.)

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