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9 1 INTRODUÇÃO A crescente busca por lazer em ambiente natural, caracterizado por diversas atividades de aventura ao ar livre, causa preocupação em relação a procedimentos adotados por muitos de seus adeptos. Considera-se, entre as preocupações, a redução dessa vertente do lazer em bem de consumo e o uso indiscriminado da natureza, que acaba por provocar impactos ambientais profundos. Em incursões na natureza, seja em atividades de curta duração, seja em expedições que duram dias, nos deparamos com áreas cada vez mais degradadas por seus visitantes. Adeptos de atividades de aventura, quando despreparados, ingressam no ambiente natural de forma predatória, causando impactos ambientais dos quais, muitas vezes, não têm consciência, como: poluição (por exemplo: visual, sonora, do ar, do solo, da água); contaminação (por exemplo: de nascentes e do solo); perturbação local e modificação da paisagem (por exemplo: início de processos erosivos, compactação do solo), entre outros. Os conseqüentes problemas são muitos e esses podem ocorrer não somente por desconhecimento de causa, mas, até mesmo com o consentimento do adepto, quando este concebe e pratica sua atividade de lazer de forma a atender exclusivamente seus prazeres e desejos pessoais. Serão apontadas perspectivas da realização de atividades de aventura que considerem suas implicações ambientais e promovam ações, se não de recuperação direta, de mínimo impacto, que resultem em uma convivência mais sustentável entre o adepto de atividades de aventura e o meio ambiente. Para tanto, torna-se necessário compreender a prática do lazer sob a forma de atividades de aventura ao ar livre e discutir interfaces do fenômeno no contexto atual, identificando significados atribuídos a essas atividades por

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Page 1: 303O - LAZER E MEIO AMBIENTE) - unimep.br · pelas diferentes manifestações artísticas, baseadas no imaginário, nas emoções e nos sentimentos); e os físico-esportivos (onde

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1 INTRODUÇÃO

A crescente busca por lazer em ambiente natural, caracterizado por

diversas atividades de aventura ao ar livre, causa preocupação em relação a

procedimentos adotados por muitos de seus adeptos. Considera-se, entre as

preocupações, a redução dessa vertente do lazer em bem de consumo e o uso

indiscriminado da natureza, que acaba por provocar impactos ambientais profundos.

Em incursões na natureza, seja em atividades de curta duração, seja

em expedições que duram dias, nos deparamos com áreas cada vez mais

degradadas por seus visitantes. Adeptos de atividades de aventura, quando

despreparados, ingressam no ambiente natural de forma predatória, causando

impactos ambientais dos quais, muitas vezes, não têm consciência, como: poluição

(por exemplo: visual, sonora, do ar, do solo, da água); contaminação (por exemplo:

de nascentes e do solo); perturbação local e modificação da paisagem (por exemplo:

início de processos erosivos, compactação do solo), entre outros. Os conseqüentes

problemas são muitos e esses podem ocorrer não somente por desconhecimento de

causa, mas, até mesmo com o consentimento do adepto, quando este concebe e

pratica sua atividade de lazer de forma a atender exclusivamente seus prazeres e

desejos pessoais.

Serão apontadas perspectivas da realização de atividades de

aventura que considerem suas implicações ambientais e promovam ações, se não

de recuperação direta, de mínimo impacto, que resultem em uma convivência mais

sustentável entre o adepto de atividades de aventura e o meio ambiente.

Para tanto, torna-se necessário compreender a prática do lazer sob

a forma de atividades de aventura ao ar livre e discutir interfaces do fenômeno no

contexto atual, identificando significados atribuídos a essas atividades por

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praticantes divulgadores1, articuladas a reflexões de estudiosos do tema.

Uma das indagações geradoras desse trabalho é se, a partir de

prováveis registros de termos e expressões correntes no meio e difundidos pela

mídia2, como adrenalina, radical, liberdade, válvula de escape, entre outras, pode-se

interpretar que atitudes de seus praticantes são fundadas prioritariamente em

entendimentos que remetem a um fator compensatório do lazer, na fuga das

dificuldades e insatisfações vividas na rotina do cotidiano urbano.

Outro questionamento é se ocorre um processo de sensibilização e

aprendizagem de novos valores, por meio dessas atividades ao ar livre e de maneira

desejada e pré-planejada, que resultem em ações e relações mais harmônicas e

sustentáveis do ser humano consigo mesmo, com o meio e demais seres vivos.

Entendemos ser importante identificar em quais perspectivas as atividades de

aventura são promovidas e vivenciadas e se mudanças comportamentais são

geradas no indivíduo a partir dessa (con)vivência.

Responder a essas perguntas torna-se a base dos objetivos:

compreender a prática do lazer sob a forma de atividades de aventura ao ar livre no

contexto atual analisando, tanto o trabalho de pesquisadores do tema, como a

atividade desenvolvida por praticantes divulgadores de atividades de aventura na

natureza; e identificar os significados de tais atividades atribuídos por esse grupo de

praticantes.

O texto está dividido em duas partes, sendo que a primeira, revisão

de literatura, abarca os temas envolvidos com o fenômeno atividade de aventura e 1 Por praticantes divulgadores, nesta pesquisa, entende-se como sendo pessoas envolvidas tanto na prática de atividades de aventura ao ar livre, bem como, no processo de orientação e coordenação de atividades para grupos interessados na vivência desta perspectiva. 2 Termos como, por exemplo, adrenalina e válvula de escape, se apresentarão ao longo desse trabalho com sentido conotativo, ou seja, em entendimentos que remetem a idéias e associações, como, por exemplo, as idéias de aventura e de emoção e associações com o risco e/ou com a liberdade.

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de interesse dessa pesquisa, como o lazer, o meio ambiente e a educação. Nossa

intenção foi unir esses temas de forma que, espontânea e linearmente e na medida

do possível, cada um deles seja apresentado, incluindo citações de autores e

estudiosos, em diálogos com o todo já apresentado e de maneira a incitar novos

assuntos e raciocínios.

A segunda parte é referente ao percurso metodológico e apresenta

os dados sobre os sujeitos que participaram da pesquisa e a análise e interpretação

dos dados obtidos.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Lazer e educação em ambiente natural

O entendimento da atividade de aventura ao ar livre nesse trabalho

insere-o como conteúdo do lazer. Dessa forma, antes de qualquer outra ponderação,

devemos visualizar o tema lazer em uma perspectiva atual, concisa e que se alinhe

a esse trabalho.

Magnani (2002, s/p.) observa que o lazer “a despeito de estar

presente, de uma forma ou de outra, na vida de todos, ainda é pouco valorizado

como objeto de reflexão”:

O lazer, justamente pelo fato de ser um tema tão familiar, termina sendo alvo de considerações que raramente ultrapassam o senso comum, numa perspectiva na maioria das vezes meramente consumista (MAGNANI, 2002, s/p.).

Reflexões sobre o lazer devem ser conduzidas para o seu

entendimento como algo merecedor de atenção, seriedade e preparo.

O lazer é uma esfera da vivência fundamental e um direito

inalienável, que pode promover a dignidade humana e os desenvolvimentos pessoal

e social. Segundo Marcellino (2002), esse desenvolvimento é uma das importantes

contribuições do lazer (juntamente com o descanso e o divertimento). Porém, não

lhe é dada relevância devida, talvez pelo entendimento do aspecto desenvolvimento

inerente ao lazer ser pouco divulgado e vivenciado, em comparação com os demais.

Ou, talvez, por ser muito abrangente, dando margem a inúmeras interpretações.

Afinal, que desenvolvimento é esse que estamos abordando?

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Trata-se do desenvolvimento pessoal e social que o lazer enseja. No teatro, no turismo, na festa, etc., estão presentes oportunidades privilegiadas, porque espontâneas, de tomada de contato, percepção e reflexão sobre as pessoas e as realidades nas quais estão inseridas [...] (MARCELLINO, 2002, p. 14).

As atividades de aventura ao ar livre podem ser vistas como

propostas de lazer na perspectiva do desenvolvimento, visando contribuir para a

formação de um ser humano integral, crítico e criativo, consciente “[...] de sua

responsabilidade para com o meio que o cerca” (DUMAZEDIER, 1980, p. 24), capaz

de participar intelectual e culturalmente da vida em grupo, num acampamento, no

bairro, no país, no planeta, vivenciando e gerando valores questionadores da ordem

social vigente, de modo a promover mudanças na sociedade como um todo.

A lógica de desenvolvimento desenfreado e de consumo exacerbado domina as atitudes do ser humano. O lazer, longe de ser “uma tábua de salvação” [...], pode contribuir para uma inversão de tais valores. Alguns valores vividos no lazer podem vir a transformar as atitudes adotadas na vida de cada um e na vida da sociedade (BAHIA, 2005, p. 40).

O lazer apresentado por Bahia (2005), em contraposição aos valores

do sistema produtivo atual, leva, naturalmente, a se pensar em educação; e em

processos ensino-aprendizagem realizados de forma fruída e prazerosa (Marcellino,

2003) e que busquem não o controle, mas a emancipação do indivíduo.

Nas palavras de Sampaio (2006), esta é uma educação que se dá

por meio da vivência consciente do lazer, compreendendo outros valores que não

sejam os de mercado e rompendo com a lógica hegemônica.

Segundo Marcellino (2002), atividades de lazer não abrangem

somente as situações de prática, uma vez que a atitude ativa independe da situação

de prática ou de consumo. Uma pessoa pode, por exemplo, participar ativamente de

uma escalada, ao fazer a segurança passiva do escalador, ou, simplesmente, ao

assistir, no contemplar de seu desenvolvimento sobre a rocha.

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Dumazedier (1980, p. 19) considera o lazer como:

conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

Nesta afirmação, o mesmo autor retoma as três possibilidades do

lazer: divertimento, descanso e desenvolvimento. Esse último é definido por

Dumazedier (1980) como fator de formação do indivíduo de forma desinteressada.

Marcellino (2002) reforça tal possibilidade do lazer, dizendo que

devemos levar em conta que, se o conteúdo das atividades de lazer pode ser

educativo, também a forma como são desenvolvidas abre possibilidades

pedagógicas muito grandes.

Desse modo, as atividades de aventura ao ar livre podem constituir-

se, repetindo Marcellino (2002), nessas possibilidades pedagógicas muito grandes

de educação pelo e para o lazer e, entre outros fatores, pelo caráter de experiência

vivida e catalisadora de relações concretas e afetuosas, entre o indivíduo e o meio,

que tais atividades propiciam.

As abordagens de lazer aqui adotadas podem abranger uma série

de atividades como sendo conteúdos para sua execução. Para fins de análise,

adotamos a divisão proposta por Dumazedier (1980) e complementada por

Camargo (1992) e Schwartz (2003).

Dumazedier (1980) distingue os conteúdos de acordo com as áreas

de interesse. Os conteúdos culturais do lazer são divididos em cinco áreas de

interesse: manuais (marcados pela capacidade de manipulação, seja para

transformar objetos ou materiais, seja para lidar com o meio ambiente natural);

intelectuais (a busca de novas informações reais, objetivas e racionais); sociais

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(buscam-se relacionamentos e contato com outras pessoas); artísticos (marcados

pelas diferentes manifestações artísticas, baseadas no imaginário, nas emoções e

nos sentimentos); e os físico-esportivos (onde ocorre prevalência de movimentos ou

exercícios físicos).

Camargo (1992) e Schwartz (2003) acrescentam a esses cinco

conteúdos mais dois, respectivamente: o conteúdo turístico e o conteúdo virtual.

Dumazedier (1980) aventa o turismo como possibilidade de

lazer, porém, sem desenvolvê-lo como um conteúdo cultural, fato

realizado por Camargo (1992). O conteúdo turístico é caracterizado pela

quebra da rotina, pela busca de novas paisagens e de novos conhecimentos.

Schwartz (2003) expõe o conteúdo virtual, gerado a partir dos

avanços tecnológicos e das novas práticas propiciadas pela adesão ao ambiente

virtual, com suas especificidades.

Mesmo que em determinada atividade de lazer ocorra predominância

de um conteúdo de interesse sobre os outros, esses não devem ser separados e sim,

trabalhados de forma integrada, pois se encontram interligados.

Marcellino (2003) defende que o ideal é que cada indivíduo conheça

as atividades de lazer que satisfaçam seus interesses e que, no seu tempo

disponível, vivencie atividades que façam parte de todos os grupos de interesse,

exercitando o corpo, a imaginação, o raciocínio, a habilidade manual e o

relacionamento social, quando, onde, com quem e da maneira que quiser.

Assim, Marcellino (2003, p. 31) propõe o lazer “[...] como cultura

compreendida no seu sentido mais amplo, vivenciada (praticada ou fruída) no tempo

disponível”, e afirma que:

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O importante, como traço definidor, é o caráter desinteressado dessa vivência, não se buscando, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa (MARCELLINO, 2003, p. 31).

Também Villaverde (2003) lembra que não devemos perder de vista

que a experiência do lazer diz respeito a uma experiência humana de grande

complexidade, sendo marcada pela fruição subjetiva, lúdica e intencional no mundo.

Define a expressão tempo conquistado como mais apropriada, porque associa:

[...] a experiência do lazer à vivência, produção e reelaboração de cultura, num espaço-tempo conquistado pelos sujeitos às imposições da vida no mundo, visando a humanidade mais plena, especialmente em suas expressões de liberdade e ludicidade (VILLAVERDE, 2003, p. 55).

Os conceitos mencionados são adequados para a finalidade deste

trabalho, uma vez que, a partir desses entendimentos, é possível compreender o

lazer em toda sua dimensão e significado sociocultural, compreendendo-o como um

direito social adquirido e do qual surgem valores questionadores da sociedade como

um todo e sobre o qual são exercidas influências da e na estrutura social vigente.

Essa qualidade inerente ao lazer propõe o repúdio às abordagens

funcionalistas3, tais como a moralista4, a utilitarista5 e a compensatória6 (Marcellino,

2002) e que sofrem grande incidência na sociedade e no lazer como atividades na

natureza.

Pimentel (2003) alerta que, no segmento turístico, por exemplo, o

3 “[...] altamente conservadora, que busca a paz social, a manutenção da ordem, instrumentalizando o lazer como recurso para o ajustamento das pessoas a uma sociedade supostamente harmoniosa, ou fator que ajuda a suportar a disciplina e as imposições sociais e a ocupar o tempo com atividades equilibradas e corretas do ponto de vista moral” (MARCELLINO, 2002, p. 48).

4 “[...] motivada pelo caráter ambíguo do lazer [...], enfatiza-o como ocasião para efetivação de valores suspeitos, negativos, perigosos, inconvenientes e desagregadores da tranqüilidade, da ordem e da segurança social” (MARCELLINO, 2002, p. 48). 5 “[...] a redução do lazer à função de recuperação da força de trabalho, ou sua reciclagem”

(MARCELLINO, 2002, p. 48).

6 “[...] o lazer compensaria a insatisfação e a alienação do trabalho e de outras esferas de atuação humana” (MARCELLINO, 2002, p. 47).

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consumo alienado de seus produtos, concebidos como válvula de escape da

violência, do tédio, da falta de referências, do isolamento e do individualismo

exacerbado, tende a reproduzir a alienação quanto a esses e outros aspectos dos

quais se tenta fugir nas viagens. Dessa forma, o autor sugere uma educação para o

turismo que passe pelo conhecimento sobre a natureza e para a convivência na

natureza.

Consideramos o lazer na natureza como um tempo privilegiado para

a vivência de valores que, potencialmente, podem vir a educar indivíduos, criando

pessoas questionadoras da ordem social estabelecida e contribuindo para

mudanças morais e culturais necessárias para o surgimento de, dentre outras, novas

condutas ambientais.

Werneck, Stoppa e Isayama (2001, p. 104) acreditam “[...] na

possibilidade de resistir e modificar as regras do jogo, buscando vivências de lazer

mais significativas e comprometidas com a mudança da nossa sociedade”. Seguem

os autores, afirmando que:

O lazer não se restringe ao consumo alienado, proporcionado pelas oportunidades que padronizam gostos e preferências, que tratam os sujeitos como se fossem meros objetos desprovidos de histórias de vida particulares e que ignoram as questões culturais, políticas e sociais mais amplas que nos constituem (WERNECK; STOPPA; ISAYAMA, 2001, p. 104).

Ações ambientais vinculadas ao lazer, qualquer que seja seu

conteúdo, podem se tornar, contrariamente a atitudes conformistas, formas de

resistência críticas e criativas (MARCELLINO, 2003) as quais procuramos dentro de

atividades de aventura ao ar livre.

As atividades de aventura na natureza podem ser desenvolvidas

como oportunos processos educacionais que se realizam nos momentos de lazer,

mas é importante verificarmos que, para tal, há a necessidade de reflexão sobre a

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concepção de educação que está na base desse processo e, a partir daí, moldarmos

sua relação com as atividades de lazer e o meio ambiente.

Educação assistemática e prazerosa, efetuada por livre arbítrio pelo

indivíduo e que o atinge e modifica num processo contínuo e sem fim, são

características possíveis das atividades ao ar livre como lazer.

Porém, Marcellino (2003, p. 50) atenta para o fato de que “para a

prática das atividades de lazer é necessário o aprendizado, o estímulo, a iniciação

aos conteúdos culturais [...]”. Tais pressupostos criados, por sua vez, e ainda

seguindo com o autor, possibilitam “[...] superar o conformismo pela criticidade e pela

criatividade”.

A percepção do crescimento da busca pela prática de atividades

físicas na natureza desde o século XIX, numa perspectiva de vivência de um lazer

mais próximo à natureza (RYBCZYNSKI, 2000) permite afirmar que as atividades de

aventura ao ar livre, como todas as atividades de lazer, são práticas passíveis, tanto

de um reforço da atual crise ser humano/meio ambiente, quanto de apropriado

tempo/espaço para atitudes de contestação e ressignificação. As atividades de

aventura ao ar livre, dessa forma, podem facilitar práticas educacionais e ainda

incitar novas perspectivas para o entendimento da educação.

Torna-se imprescindível catalisar elementos motivadores para que o conceito de educação não fique restrito apenas à transmissão de conhecimentos, mas aliado a este propósito, que ela possa ser, também, motivo de reconhecimento (SCHWARTZ, 2004, p. 34).

A natureza se apresenta como espaço privilegiado para ação

educativa e essa é, conforme Schwartz (2004), uma via capaz de aprimorar o

envolvimento emocional da criança e do adulto, pela facilitação do processo

expressivo, catalisador motivacional de mudanças de atitudes e condutas.

Comparativamente à relação lazer/educação, o envolvimento

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emocional como facilitador de processos educacionais favorece também um duplo

processo (MARCELLINO, 2003, p. 59), dessa vez entre educação e natureza. A

educação na e pela natureza ou ao ar livre é rica em experiências emotivas

(aventura, risco, medo, superação), que geram mudanças no indivíduo (autonomia e

emancipação). E, na educação sobre a natureza (ou ambiental), há uma busca de

informação e compreensão sobre o meio ambiente e que, também, almeja sua

preservação. Os dois desenvolvimentos desse duplo processo educativo se

desencadeiam simultânea e interdependentemente.

Esse trabalho defende uma educação na e pela natureza, que venha

a sobrepujar imposições do sistema dominante vigente, que se fortalece ao gerar

sociedades numerosas, fragmentadas e apegadas ao consumo impensado e

condutas individualizantes essencialmente competitivas. A natureza perde muito com

isso. E, não nos esqueçamos: também somos natureza. E sendo natureza, defende-

se, também, uma educação contrária a imposições, porém sensível, porque o ser

humano “[...] só consegue preservar as idéias que são úteis e significativas de

alguma forma, como aquelas que possuem caráter lúdico e afetivo, as quais

estimulam a incorporação da natureza como parte de si próprio” (SCHWARTZ, 2001,

p. 53).

Marinho vislumbra uma nova realidade por meio do “[...] estar na e

com a natureza, nos dias atuais, conforme novos códigos e comportamentos [...]”

alinhados aos defendidos por esse trabalho, e com os quais “[...] se busca construir

uma nova realidade, desistindo da lógica dominante das coisas, arriscando um ritmo

menos veloz, tornando-se criativo e contribuindo para a construção de uma outra

história” (MARINHO, 2004, p. 6).

Os dizeres da autora corroboram a defesa do lazer em ambiente

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natural como meio propício e oportuno, além de privilegiado, para o aprendizado de

formas renovadoras de convívio do ser humano com o planeta. Formas renovadoras

que rompam e que desistam da lógica dominante das coisas. Apoiados nessas

afirmações, nós entendemos que, para lidar com as questões ambientais, devemos

vivenciar o mundo de uma forma diferente do imposto pela lógica vigente.

2.2 Mudanças de percepção: a compreensão sistêmica e a ecologia profunda

Torna-se urgente o “resgate de valores esquecidos e criação de

outros”, numa “busca de reeducação da sociedade humana” (DIAS, 2004, p. 95).

Enfim, é preciso deixar de lado pensamentos fragmentários7, pensamentos

dualistas8 e pensamentos simplistas9 e, contrariamente a esses, é preciso entender

a complexidade existente em toda e qualquer forma de relação, é preciso entender a

compreensão sistêmica como oportuna e necessária para o “redirecionamento da

conduta humana” (DIAS, 2004, p. 95) e, por meio dessa compreensão, lidar

coerentemente com as questões ambientais.

Moreira (2000, p. 206) afirma que a complexidade sistêmica é uma

visão a criar “uma educação cujo valor maior é o humano, em suas relações com

outros seres e em sua interação com o ambiente”. E segue:

7 Pensamentos que dividem, mas não reúnem. 8 Pensamentos que separam em extremos, por exemplo, o ser humano da natureza e cria desigualdades. 9 Pensamentos que furtam raciocínios mais amplos e a noção de união entre tudo e todos.

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Essa educação, necessariamente, utilizará uma linguagem dialética, buscando o conhecimento mais na interpretação dos fenômenos do que na explicação dos fatos, propiciando critérios de avaliação discente calcados mais em aspectos qualitativos de percepção, intersubjetividade e sensibilidade do que em marcas quantitativas, onde a investigação, sem perder o rigor e a radicalidade, será contextualizada (MOREIRA, 2000, p. 206).

O autor se aproxima ainda mais do entendimento do lazer nas

vivências na natureza como proposta a criar elementos propícios à educação, ao

afirmar que “a educação, por esse novo paradigma, quanto mais estudar o mundo

vivo, mais aperceberá a tendência da criação de vínculos, de associação, da

vivência em cooperação, características fundamentais dos organismos vivos” e,

tomando como base pareceres da teoria sistêmica, conclui Moreira, ao dizer que

“assim, competição e mútua dependência acabam se combinando, estabelecendo

um equilíbrio” (MOREIRA, 2000, p. 206).

Ao contrário dos raciocínios que distanciam o entendimento dos

problemas ambientais de outras dimensões humanas, como as sociais, as políticas e

as técnicas, o pensamento sistêmico vem a interligá-las complementarmente,

reunindo conhecimentos que outrora foram fragmentados e que acabaram por

dominar nosso jeito de entender o mundo. Dessa forma, é primordial, se quisermos

alcançar verdadeiras soluções para as questões ambientais, compreender essas

dentro de um campo relacional com a vida, um todo integrado, onde todas as partes

se comunicam entre si e com a totalidade (MORIN, 1977).

Capra (1996, p. 46) fundamentou a teoria sistêmica e discorre sobre

a proximidade entre essa abordagem e as questões ambientais:

A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio da análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior [...].

A visualização de Capra (aceita por Morin, Dias e Moreira, entre

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outros) defende a compreensão de sistemas por meio da observação e interpretação

de suas interações, por meio, também, do entendimento das conexões entre as

partes. Torna-se importante não entender os sistemas, os seres vivos, como objetos

estanques e auto-suficientes, mas como um conjunto indivisível cujas partes são

interdependentes e que ações isoladas influenciam o todo, dialeticamente. A

abordagem sistêmica torna relevante como elementos de observação e para uma

compreensão coerente do mundo, as conexões, físicas ou não, diretas e indiretas

entre os organismos e sistemas.

[...] Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento contextual, e uma vez que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las considerando o seu meio ambiente, também podemos dizer que todo pensamento sistêmico é pensamento ambientalista (CAPRA, 1996, p. 46).

É fato que, nos noticiários diários, e com freqüência crescente, o

mundo se depara com informes sobre desastres e destruição ambientais, como

inundações, secas, incêndios florestais e desmatamentos ilegais e com a mesma

freqüência são informadas calamidades sociais, como a fome e a desnutrição, a

epidemia de doenças, a violência urbana, a guerra. É necessário se entender que as

notícias são apresentadas separadamente para melhor compreensão, mas que há

inter-relação entre as mesmas.

Dias (2004, p. 94) afirma que a crise ambiental, e, também, a social

e a econômica, entre outras, “são meros sintomas de uma crise mais profunda, cujas

raízes se encontram na perda e aquisição de novos valores humanos e na carência

de ética”.

A crise ambiental de nossa história atual, interligada a outras crises,

é apenas um de tantos fragmentos de um fenômeno maior chamado por Capra

(1982, p. 13) de crise de percepção. O autor afirma que esse fenômeno se

apresenta com diferentes facetas como, por exemplo: “taxas elevadas de inflação e

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desemprego, [...] crise energética, crise na assistência à saúde, poluição e outros

desastres ambientais, uma onda crescente de violência e crimes, e assim por

diante”.

A denominada crise de percepção é decorrente de raciocínios que

dividiu o mundo e o conhecimento em áreas, separou sistemas interligados e, em

última instância, reduziu o raciocínio, a compreensão e a percepção das conexões

entre tudo e todos. Como exemplos de resultados dessa falta de entendimento

sistêmico há o “[...] aumento da desigualdade e da exclusão social, [...] uma

deterioração mais rápida e extensa do ambiente natural e uma pobreza e alienação

cada vez maiores. O novo capitalismo global [...] procurou transformar a diversidade

em monocultura, a ecologia em engenharia e a própria vida numa mercadoria

(CAPRA, 2002, p. 217)”.

Na lógica do consumo, os prejuízos não-financeiros não são levados

em conta pelos economistas. Capra (2002) afirma que a maior parte dos

economistas convencionais ignorou o custo ambiental da nova economia. O

aumento e a aceleração da destruição do meio ambiente natural no mundo inteiro é

tão grave quanto, senão mais grave, do que os efeitos sociais.

As conseqüências produzidas pela (rel)ação predatória do ser

humano perante o meio ambiente ao redor do mundo são pesquisadas,

documentadas e discutidas intensamente pelas mais diversas áreas de interesse,

que, por sua vez, se utilizam também das mais diferentes mídias para a divulgação

de resultados e análises, demonstrando o caráter ainda predominantemente

denunciatório e acusatório com que as questões ambientais são tratadas.

Dias (2004) exemplifica o fato quando recorda o Alerta dos Cientistas

do Mundo à Sociedade, publicado em Washington, DC, pela Union of Concerned

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Scientists em novembro de 1992, e assinado por 1.600 cientistas, incluindo 101

laureados com o Prêmio Nobel, isto é, a maioria dos ganhadores vivos do Prêmio

Nobel, na área científica. O documento, já na última década do século passado e

amparado por inúmeras pesquisas, alertava para a necessidade de mudança na

nossa forma de viver “para se evitar grande sofrimento humano e a mutilação

irreversível do nosso lar global“ (DIAS, 2004, p. 380).

Denúncias e alertas são importantes e necessários, mas esses

devem ser encarados como justificativas inerentes a um processo de mudança, por

meio de atitudes e ações para o avanço de nossos comportamentos, assim como,

avançamos nas últimas décadas em relação à chamada consciência ecológica, ou,

pelo menos, em relação ao discurso ecológico. Pelo exemplo dado anteriormente,

vemos que somente estar a par dos problemas atuais, e nada fazer em relação a

eles, não basta. Tal conhecimento deve demandar reflexão e abertura para novos

raciocínios a serem colocados em prática, cotidianamente.

Não temos a intenção de personificar o inimigo a ser eliminado e,

tampouco, repetindo um dualismo cartesiano ingênuo, promover um suposto

extremo oposto aparentemente benéfico. Verdades extremistas agem contra a

criação de propostas de equilíbrio entre o que é idealizado e o concreto.

Pretendemos, apenas, relembrar que há flexibilidade em nosso

modo de pensar e agir, de que não precisamos estar presos em todo momento ao

pensamento fragmentário e dualista dominante que nos diferenciou e nos afastou da

natureza e coisificou10 a felicidade humana. O ambientalista e educador Joseph

10 Evidencia-se, na atualidade, a procura pela felicidade por meio da aquisição e acúmulo de bens e serviços, e não mais nos elementos intrínsecos ao indivíduo e suas relações, como a paz, a amizade e o conhecimento.

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Cornell11 argumenta que:

As pessoas definitivamente estão divorciadas da natureza. Os conservacionistas [...] dizem que não é a questão de cuidar do rio, mas dos corações humanos. Todos somos parte de um mesmo todo. É realmente uma questão de mudança de consciência que trará uma mudança de percepção que mudará o nosso comportamento.

Afinal, por que novas condutas são necessárias? O que há de tão

negativo em nossas percepções de mundo? Por que mudanças de consciência e

percepção são exigidas?

Porque, segundo Dias (2004, p. 95), “os modelos de

desenvolvimento vigentes, impostos e suas influências nos sistemas políticos, de

educação e informação, em quase todo o mundo, legaram-nos uma situação sócio-

ambiental insustentável”.

Ainda seguindo com o autor, vários são os sintomas que motivam

mudanças de consciência e percepção: padrões de consumo insustentáveis;

excessivo crescimento populacional de sociedades cada vez mais injustas, desiguais

e insensíveis; colapso de ética e de valores humanísticos, permitindo o crescimento

da corrupção e da desigualdade social.

Padrões de consumo insustentáveis e o colapso de ética e de

valores fazem Baudrillard (1991) afirmar que:

À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana (BAUDRILLARD, 1991, p. 15).

O crescimento desenfreado do consumo está exercendo uma

pressão sem precedentes sobre o ambiente, ameaçando duplamente os que menos

11 Entrevista concedida por Joseph Cornell ao Programa Repórter Eco da TV Cultura, em 04/02/2007. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/reportereco/materia.asp?materiaid=542>. Joseph Cornell é um dos mais respeitados educadores naturalistas do mundo. Seus métodos conduzem as pessoas a estados de concentração que proporcionam experiências profundas com o mundo natural. Disponível em: <http://www.institutoroma.com.br/>.

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consomem, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(ONU - PNUD, 1998), além de criar uma inversão de valores: a vida do indivíduo

sofre influência, mais pelo que este tem ou não tem materialmente (ou pelo que

aparenta ter ou não ter) e menos pelo que ele é.

A distribuição desigual da renda traduz-se em exclusão social quando o sistema de valores de uma sociedade confere demasiada importância ao que uma pessoa possui, desvalorizando o que uma pessoa pode fazer. Um adolescente que não use um par de sapatos de marca pode sentir-se envergonhado perante os seus colegas de escola (ONU - PNUD, 1998, s/n).

A falsa sensação de infinitude dos recursos do planeta acarreta

problemas correlacionados, apesar da crise de percepção também dificultar mais

esse raciocínio. Apesar de esforços em contrapor tais problemas, aparentemente os

mesmos tendem a se agravar, visto que nós totalizamos hoje mais de 6,5 bilhões de

pessoas habitando a Terra (entende-se: consumidores do planeta), e com

perspectiva de chegarmos a 10 bilhões de habitantes em 2050, conforme números

da Organização das Nações Unidas (ONU, 2005, s/n).

As reações ambientalistas aos ataques à natureza que produzem

prejuízos sociais, em cujo cerne ainda se mantém a percepção antropocêntrica,

foram classificadas pelo filósofo Naess (1989) de ecologia rasa ou superficial.

Ecologia definida como rasa porque, dentro desse raciocínio, conscientemente, o

indivíduo valoriza a natureza, porém, inconscientemente, o que realmente se procura

é a manutenção da própria qualidade de vida (ou da de seus descendentes), ou

seja, prevalece o antropocentrismo e o individualismo.

Exemplifica a ecologia rasa, Aveline (1999, p. 5):

Ao nível superficial, o homem coloca-se como centro do mundo e quer preservar os rios, o oceano, as florestas e o solo porque são instrumentos do seu próprio bem-estar. Quando olha para o meio ambiente com esta preocupação, o homem só enxerga os seus próprios interesses, já que, inconscientemente, se considera a coisa mais importante que há no universo.

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O autor identifica na ecologia rasa, a separação da humanidade do

mundo natural e a criação de uma relação de domínio/submissão. O ser humano

regido pela ecologia rasa:

[...] olha a árvore e vê madeira. Olha o solo e vê o potencial agrícola ou a possível exploração de minérios. Olha o rio e vê um curso d’água navegável por barcos de determinado porte. Ele sabe que deve preservar os chamados recursos naturais, porque são preciosos. A natureza para ele é um grande cofre, abarrotado de riquezas renováveis, mas que deve ser cuidadosamente preservado (AVELINE, 1999, p. 5).

Propostas de soluções para os desequilíbrios ambientais sem

mudanças de percepções, ou seja, mantendo-se a postura antropocêntrica e

individualista regidas pela lógica de produção e consumo, demandam muito esforço

e apresentam grande risco de terem seus objetivos não cumpridos. Ações em

andamento, inseridas em raciocínios da ecologia rasa, são fundamentalmente

paliativas, de amenização, de desaceleração, de compensação ambiental aos

malefícios impostos à natureza, quando não são ações de puro marketing.

A crise ambiental pela qual passamos não deve ser vista como

objetivo final da lógica de mercado em si (o que seria uma lógica auto-destrutiva),

mas sim, como um subproduto indesejado, o conflito entre o modo de pensar gerado

pela mesma e pensamentos, como a complexidade sistêmica, antagônicos

renovadores.

A crise é fundamentalmente um momento de ruptura, uma mudança

de uma situação para outra(s), ou mudança de um modo de ver o mundo para

outro(s). A crise é momento propício para mudanças paradigmáticas. Ao relembrar o

historiador Thomas Kuhn, na defesa da complexidade sistêmica como alternativa a

sobrepujar nossa crise de percepção, Capra (1996) define um paradigma científico

como:

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Uma constelação de realizações – concepções, valores, técnicas, etc. – compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções legítimos. Mudanças de paradigmas ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas e revolucionárias (CAPRA, 1996, p. 24).

Obstante a distância das discussões acadêmicas da comunidade

científica, Barros (2000) nos dá um exemplo de como mudanças paradigmáticas

evoluem próximas a nós, em nosso cotidiano, quando afirma que a perpetuação da

biodiversidade é um dos componentes fundamentais de um novo paradigma da

sociedade contemporânea, internacionalmente conhecido por desenvolvimento

sustentável.

Outros valores que, colocados em prática, podem vir a atenuar os

problemas causados pela nossa crise de percepção foram concebidos por Naess

(1989, p. 3), que propõe contrapor a visão da ecologia rasa hoje disseminada, “[...]

utilizando conceitos básicos da ciência da ecologia – como, por exemplo,

complexidade, diversidade, e simbiose – para a compreensão da posição de nossa

espécie na natureza [...]”. Naess, baseado em estudos inseridos no que definiu com

ecofilosofia, concebeu um novo paradigma ou, simplesmente, uma diferente

percepção do mundo: a ecologia profunda.

Em linhas gerais, a ecologia profunda reivindica um novo

relacionamento entre ser humano e meio ambiente: a passagem da relação dual

dominador/dominado para o convívio harmonioso. A natureza deixaria de ter

importância apenas por ser aceita como recurso a ser consumido, mas pelo valor

intrínseco à sua existência e essa valorização seria igualitária entre as diferentes

espécies. O ser humano, enfim, se reencontraria como natureza.

Juntamente com abordagens da complexidade sistêmica, novas

percepções surgiriam como prática a partir dessa relação de harmonia, valorização e

igualdade da natureza, defendidas pela ecologia profunda, como, por exemplo, a

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consciência de que o planeta é limitado.

Dessa forma, hábitos e vontades consumistas seriam deixados de

lado e trocados pela conduta de utilização do necessário; a percepção de que a

auto-realização deve sobrepor objetivos materiais; entre outras novas formas de agir.

Este nível da consciência ecológica tem importância, porque faz com que os seres humanos questionem seu comportamento econômico e comecem a perceber mais claramente que a ética, afinal, dá bons resultados. A postura mais primitiva, de mera pilhagem, vem sendo deixada de lado em grande parte da economia (AVELINE, 1999, p. 6).

A vida e obra do norte-americano Thoreau é um exemplo a destacar,

como postura alinhada, com inconteste radicalismo, aos pensamentos da ecologia

profunda. Inicialmente, chama a atenção pela época em que o autor viveu, no século

XIX, mais precisamente entre 1817 a 1862. Após se formar em Harvard, Thoreau

decidiu se distanciar dos valores e modo de organização social que o rodeava.

Resolveu construir sozinho em um bosque, um pequeno chalé próximo a um lago de

nome Walden. Viveu ali isolado por dois anos e suas experiências deram origem à

obra Walden (CABRAL, 2001).

Na introdução da versão traduzida para o português, Cabral (2001)

relata que na época de Thoreau, quando mal começava a destruição da natureza,

“[...] ele se deu conta da ameaça que significa para os valores humanos a sociedade

materialista, e de modo enérgico protestou contra seus aspectos negativos

sugerindo soluções” (CABRAL, 2001, p. 11).

Assim, segue Cabral, num movimento revés, a doutrina pragmática

de Thoreau orienta-se no sentido da economia, do anticonsumismo, numa

expressão mais moderna:

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A redução das necessidades ao estritamente essencial acarreta uma libertação para o homem dos detalhes que estilhaçam sua vida, do perigo de se tornar seu próprio capataz. “Por que teríamos de viver com tanta pressa, esbanjando a vida? Decidimos morrer de fome antes de sentir fome”. Para contrabalançar a incessante ansiedade e tensão da vida civilizada, Thoreau apela para a simplicidade, uma volta decisiva ao fundamental, uma vida o quanto possível livre e descompromissada (CABRAL, 2001, p. 11.).

Radicalismos à parte, as reflexões de Thoreau dão provas de que os

problemas ambientais enfrentados hoje não são recentes como possam parecer, já

vem de longa data. E, longe de incentivar um retorno à vida nas cavernas, busca-se,

ao relatar essa passagem, apresentar paralelos com pensamentos ambientalistas

atuais e também da ecologia profunda e com as vivências e os aprendizados

proporcionados pelas atividades ao ar livre que reivindicamos. São atividades de

lazer em essência, imersões na natureza propícias ao resgate da “simplicidade, de

uma volta decisiva ao fundamental, de uma vida o quanto possível livre e

descompromissada”, defendida por Thoreau há quase dois séculos atrás.

2.3 Atividades de aventura ao ar livre: aulas em unidades de conservação

Os avisos de Thoreau parecem não ter surtido efeito. O uso e o

abuso do meio ambiente, por parte do ser humano, causam grandes malefícios para

ambas as partes, muitas vezes, tendo como justificativa o chamado

desenvolvimento.

A década de 60 começava, exibindo ao mundo as conseqüências do modelo de desenvolvimento econômico adotado pelos países ricos, traduzido em níveis crescentes de poluição atmosférica nos grandes centros urbanos [...]; em rios envenenados por despejos industriais [...]; em perda da cobertura vegetal da terra, ocasionando erosão, perda da fertilidade do solo, assoreamento dos rios, inundações e pressões crescentes sobre a biodiversidade (DIAS, 2004, p. 77).

Formas alternativas de convívio entre o ser humano e o planeta se

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mostram necessárias para uma reversão do quadro. Capra (1996, p. 158) sugere

que: “[...] a maneira apropriada de nos aproximarmos da natureza para aprender

acerca da sua complexidade e da sua beleza não é por meio da dominação e do

controle, mas sim, por meio do respeito, da cooperação e do diálogo”.

Se ainda há muito a se caminhar em busca do convívio igualitário e

harmonioso ser humano/meio ambiente calcado em pensamentos não-

antropocêntricos, por outro lado (e, de certa forma, ironicamente), foi a importância

estética e a oportunidade de usufruto de determinadas áreas naturais, consideradas

ilhas de beleza, que garantiu a proteção das primeiras regiões delimitadas com fins à

conservação (COSTA, 2002, p.15).

O advento das unidades de conservação é uma das estratégias que

contribui para a perpetuação das áreas naturais. Essas áreas “são importantes

patrimônios da sociedade, como lugar de lazer, recreação e que também podem, e

devem, ter um relevante papel no exercício de cidadania” (BARROS, 2000, p. 106).

No Brasil, o conjunto de Unidades de Conservação (UCs) ostenta

normatizações recentes para sua criação, implantação e gestão: o Sistema Nacional

de Unidades de Conservação (SNUC). Seu artigo 2º as define como:

Espaço territorial [...] com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 1).

O documento, em seu artigo 8º, divide as UCs em dois grupos com

características específicas: as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso

Sustentável. Encontram-se no primeiro grupo: Estação Ecológica; Reserva Biológica;

Parque Nacional; Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. No segundo

grupo: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta

Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento

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Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Entre os objetivos do SNUC, elencados em seu artigo 4º, destaca-se

o inciso XIII: “favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental,

a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”. E, entre as diretrizes

pelas quais é regido o SNUC, no artigo 5º, destaca-se o inciso IV:

Busquem o apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação (BRASIL, 2000, p. 3).

A menção da íntima relação das atividades ao ar livre com o lazer,

com a educação, com o turismo (ou, mais especificamente, com o turismo ecológico

ou ecoturismo) e com ações de conservação das áreas naturais, anteriormente

citadas, é também exemplo de que devemos entender o mundo de modo sistêmico,

se estamos em busca de ações ambientais nas atividades de aventura ao ar livre.

Soluções para problemas ambientais podem ser pensadas por diferentes áreas –

turismo, educação física, biologia, geologia, ecologia, educação, entre outras – que

coabitam o mesmo equipamento, ou seja, as áreas naturais representadas pelas

unidades de conservação. Dessa forma, a interdisciplinaridade é recorrente nas

atividades de aventura ao ar livre e os objetivos de desenvolvimento individual,

social e ambiental (enfim, a criação de um mundo melhor, que valorize a vida de

todos os seus habitantes, numa visão da ecologia profunda) são alguns dos elos

entre as diversas áreas de conhecimento.

Obstante a interdisciplinaridade característica de qualquer vivência

na natureza, a procura pelas atividades de aventura ao ar livre, como propostas de

cunho educativo, ainda possui um viés de lazer a satisfazer desejos pontuais, como

consumo rápido de fim-de-semana a compensar a insatisfação e a alienação do

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trabalho e da rotina diária. Rybczynski (2000, p. 24) exemplifica o fato quando afirma

possuir:

[...] muitos conhecidos que parecem considerar as atividades de fim-de-semana mais importantes do que as cotidianas e agem como se a semana fosse apenas uma irritante interferência nas suas verdadeiras vidas, longe das obrigações.

Pela sua característica de compensar as agruras diárias, somada à

sua conotação de risco, intensidade, prazer, emoção e contato direto, a exemplo de

outros segmentos (e modismos) nessa era de contatos e relacionamentos cada vez

mais virtuais e impessoais, a recente expansão das chamadas atividades de

aventura ao ar livre no Brasil, encontrou seguidores ávidos por novas experiências

antes mesmo de criada uma cultura dentro da área. Relata-nos Rodrigo Bastos12, da

Outward Bound Brasil (OBB)13, que “hoje a oferta de cursos e as possibilidades que

a Internet oferece, ajudam muito quem quer começar ou quem pratica e quer

melhorar”, porém:

A única coisa que atrapalhou foi a excessiva mercantilização antes da formação de uma cultura sólida compartilhada por muitos praticantes. Essa mercantilização sem a cultura abriu portas para muita gente sem capacidade técnica ganhar dinheiro e, pior, disseminar uma idéia de que sem prestadores de serviço as atividades ao ar livre não existiriam (informação verbal)14.

O depoimento demonstra um dos lados perversos do significativo

crescimento da procura por atividades de aventura ao ar livre: o interesse pelos

12 Rodrigo Bastos é formado em Engenharia de Materiais pela POLI/USP, trabalhou por 5 anos com desenvolvimento de produtos em uma indústria. Apaixonado pela vida ao ar livre desde garoto, inicialmente com o campismo, depois com o escotismo. Em 1994 começou a escalar e fazer travessias, mas só resolveu mudar de carreira ao fazer o Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL), em 2004. Está completando uma especialização em Educação Democrática e hoje é coordenador da Outward Bound Brasil para cursos abertos, escolas e programas de ação social. Disponível em: http://www.obb.org.br/OBB/i_escritorio.asp 13 A Outward Bound é uma organização educacional, sem fins lucrativos. Pioneira mundial em educação experiencial ao ar livre. Presente em mais de 30 países e com mais de 65 anos de história, atua no desenvolvimento humano de jovens e adultos, despertando valores como confiança, espírito cooperativo, liderança e responsabilidade pessoal, social e ambiental. Desde 2000, a Outward Bound Brasil oferece cursos voltados a públicos diversos como executivos, educadores, estudantes, jovens carentes ou em situação de risco social. Disponível em: http://www.obb.org.br/OBB/default.asp

14 Depoimento informal de Rodrigo Bastos ao entrevistador, em São Paulo, SP, Brasil, em 1 jul. 2008.

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ambientes naturais como equipamentos a serem explorados comercialmente por

empreendedores com pouca experiência e capacitação para articular ações que

sejam, no mínimo, seguras, tanto para os indivíduos que ingressam na natureza,

quanto para o meio visitado.

Barros e Dines (2000, p. 47) observam que “o advento do

ecoturismo no Brasil coincide com a emergência das questões ambientais [...] no

início dos anos 80”. Os autores afirmam, ainda, que as primeiras iniciativas foram

empreendidas por grupos de ecologistas, ao perceberem que a popularização das

questões ambientais criava uma nova demanda para as incursões em ambientes

naturais.

Apesar da crescente atenção dada às questões ambientais poder

ser relacionada e ter incentivado as visitações à natureza, outro aspecto que

pesquisadores suscitam, ao discorrer sobre essas incursões, é que muitos

empreendedores, turistas e atletas que adentram o meio natural, o fazem ainda

despreparados, agindo sem a mínima responsabilidade ambiental.

Atividades inseridas como propostas de consumo pressionam a

natureza, como exemplifica Marinho (2003), ao citar as corridas de aventura, quando

seus praticantes “[...] reduzem o ambiente natural a um cenário teatral [...]” e que:

[...] o marketing, ao trabalhar com o imaginário das pessoas, rotula a natureza de mito e este, por sua vez, ao ser devidamente tomado pelo mercado, ilustra a exacerbada estetização do consumo de nossos dias. [...]. As atividades de aventura, por fim, como práticas de lazer, igualmente se transformam em mercadoria, assim como as paisagens (MARINHO, 2003, p. 21).

A mesma autora afirma que “as almejadas sensações de adrenalina,

de riscos extremos e radicais parecem ter forte relação com a popularização dos

termos, desencadeada, principalmente, pela mídia” (MARINHO, 2003, p. 14). Essa

popularização de expressões, de sentido conotativo e usadas pela mídia em

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substituição a vivências de fortes emoções, também ligadas às atividades de

aventura ao ar livre, suscitam o fator compensatório do lazer, na necessidade do

indivíduo de abstrair as dificuldades e insatisfações da rotina do cotidiano.

Mendonça (2000, p. 137) afirma que as visitas ecoturísticas hoje

praticadas revelam um desperdício de oportunidade e, muitas vezes, são altamente

impactantes aos ambientes visitados, porque elas “[...] obedecem ao mesmo ritmo

urbano, os interesses estão no final da linha, nos chamados atrativos, e não na

experiência em si, não no caminho”.

Essa reprodução do “ritmo urbano” no ambiente natural vem ao

encontro da crítica de Guattari (1990, p. 8): “o turismo [...] se resume quase sempre

a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas redundâncias de imagens e

de comportamento”.

Serrano (2000, p. 18) coloca o fato de que a busca do equilíbrio

entre a prática e impactos causados por praticantes de atividades em áreas naturais

deve considerar o modo de agir de uma sociedade, de nossa sociedade:

Se a mediação do mercado para o ecoturismo e a educação ambiental pode ser vista como algo que invalida os esforços na constituição de uma conduta ‘ambientalmente correta’, por parte de seus praticantes, é impossível negar que não há um modo de se estar no mundo hoje que dispense algum grau de consumo – mais ou menos impactante.

Esse é um aparente e inevitável paradoxo: como agir, num primeiro

momento, num mundo regido pela lógica de consumo, sem que nossas ações

deixem de causar impactos ambientais ao que nos rodeia?

Se impactos ambientais são inevitáveis quando de nosso ingresso

na natureza, devemos constituir e nos regrar em condutas que minimizem esses

impactos ao máximo. Os valores da ecologia profunda mais raciocínios

desencadeados por percepções da abordagem sistêmica podem vir a constituir tais

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condutas de mínimo impacto, não restritas aos momentos de lazer em ambientes

naturais, mas que se ampliam para nossos compromissos diários.

Nos dizeres de Serrano (2000, p. 17), “procurar a natureza para lazer,

descanso e relaxamento [...], não deve servir para que esqueçamos o humano que

marca nosso cotidiano, mas para que reflitamos sobre ele”.

Mendonça (2000, p. 136) acrescenta que não devemos esquecer do

humano e demais seres com quem convivemos, numa aproximação da teoria

sistêmica e da ecologia profunda:

As áreas naturais hoje existentes podem ajudar-nos a perceber quem somos e para que estamos aqui, permitir que seja desenvolvida a consciência de que fazemos parte daquele conjunto, mesmo estando esquecidos disso em nossos ambientes e afazeres urbanos. Podem, por fim, permitir que conheçamos a nós mesmos.

Seguindo com Mendonça (2000, p. 136), a autora afirma que nos

vemos na iminência de perder os espaços naturais e a intimidade que com eles

tínhamos. Acredita que quando “visitamos os espaços naturais impregnados de nossa

cultura de dominação e consumo e de nossa vivência urbana”, deixamos poucas

possibilidades de expressar os potenciais de nossos órgãos dos sentidos e de nossos

sentimentos.

Não há, em incursões que reproduzem em ambientes naturais as

mesmas condutas do ambiente urbano, possibilidades de práticas para sensibilização

ou novas formas de compreensão do meio. Dessa maneira, para se evitar a completa

separação ser humano/natureza, torna-se importante levar nossos semelhantes às

unidades de conservação, em contatos separados, desvinculados de pensamentos ou

condutas de subjugação da natureza. Devemos todos nos reencontrar com o meio

natural e conosco mesmos.

Esse reencontro, nos dizeres de Schwartz (2002, p. 161), “[...] que

permite uma íntima exploração da própria pessoa, da situação e das vivências, com a

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perspectiva de interiorização posterior dessas sensações no cotidiano”. O contato com

o ambiente natural, quando isento de perspectivas de dominação ou consumo,

sensibiliza o indivíduo e o resgata como parte da natureza, gerando mudanças de

condutas mesmo em ambiente urbano.

Delineiam-se formas extremas de visitações à natureza. Formas que

vão do contato reprodutor dos valores de dominação e consumo para contatos

totalmente desvinculados desses valores e mais receptivos a novas propostas de

reconciliação ser humano/natureza.

A distinção de visitações tão diversas entre si é elaborada por Kinker

(2002). A autora sugere que imaginemos uma linha contínua, na qual em um extremo

está a pouca responsabilidade do visitante em relação ao meio ambiente natural.

Nesse ponto, qualquer tipo de turismo causará grande impacto. No outro extremo, o

visitante tem uma grande responsabilidade para com o meio ambiente, respeitando a

natureza e aprendendo com as culturas diferentes da sua. Nesse ponto, é gerado

impacto mínimo e o esforço para a conservação do ambiente.

Especificamente dentro do grupo de praticantes de atividades de

aventura, Mascarenhas (2003, p. 92) visualiza essa mesma linha de atitudes extremas

e dois grupos distintos de praticantes: os que privilegiam a aventura e/ou a competição

esportiva, e aqueles que priorizam o contato profundo e respeitoso com a natureza.

O autor (MASCARENHAS, 2003, p. 92) afirma que “o primeiro grupo

valoriza a adrenalina, os feitos atléticos e o grau de sofisticação dos equipamentos

utilizados”, que “priorizam a competição” e tomam “a natureza como divertido palco

para suas peripécias esportivas, terreno repleto de emoções, desafios, incertezas”,

enquanto, do segundo grupo, fazem parte aqueles que buscam “conhecimento e

contemplação do meio ambiente”.

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Mendonça (2000), Kinker (2002) e Mascarenhas (2003) amparam a

visualização de perspectivas diversas e conflitantes entre os visitantes de áreas

naturais, que se distinguem pelo grau de interação desses com a natureza. Visitas

que possuem viés compensatório se baseiam na reprodução, em ambiente natural,

da cultura de consumo e modismos criados em meio urbano. Por outro lado,

visitações com interesses mais integrativos valorizam a conservação da natureza e

procuram se conduzir por ações de mínimo impacto ambiental, aprendidas em novas

experimentações sensoriais e sentimentais com o meio e consigo próprio.

Em relação aos interesses do último grupo, Villaverde (2003, p. 67)

diz que o que parece evidenciar-se nas vivências das atividades de aventura ao ar

livre (ou, utilizando seu termo, das práticas corporais de aventura) é “a possibilidade

de o praticante exercitar uma nova relação consigo mesmo, de vivenciar de maneira

diferente o mundo” e, também, a possibilidade da experiência de formas renovadas

de sociabilidade e subjetividade.

Formas renovadas de sociabilidade e subjetividade são elementos

que aproximam as atividades de aventura ao ar livre como conteúdo do lazer

educativo, na formação de um indivíduo crítico e criativo, que compreende o meio de

maneira sistêmica.

Assim, as unidades de conservação, representantes do ambiente

natural preservado, podem ser consideradas grandes equipamentos de lazer

recreativo e educativo, convenientes salas de aula, locais de aprendizado e

facilitadoras de processos de desenvolvimento pessoal, onde são aprendidas lições

que podem se fixar no indivíduo por toda sua vida (HATTIE et al, 1997, p. 77).

As mudanças de atitude e comportamento, a formação de um turista

mais responsável ambientalmente, podem acontecer como resultado de uma

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39

adequada condução e disponibilidade de informações sobre o meio ambiente

visitado.

E essas mudanças extrapolam a visitação à natureza, quando os

novos valores aprendidos são transportados ao lugar de origem do visitante, em

questionamentos sobre como o ambiente urbano está sendo tratado e,

conseqüentemente, na busca de soluções também para esses problemas (KINKER,

2002, p. 31).

O conjunto de atividades de aventura ao ar livre necessita educar a

humanidade, a fim de criar condutas de mínimo impacto na natureza e maior

responsabilidade ambiental no dia-a-dia. Essa educação é gerada na e por meio da

própria atividade realizada.

De uma perspectiva conceitual, e a despeito da multiplicidade de definições encontradas para a atividade ecoturística, é possível apontarmos para um consenso em torno de seu caráter intrinsecamente educativo, de seu compromisso com a modificação de comportamentos e com a criação de uma consciência ambientalista. (SERRANO, 2000, p. 8).

Esteja o foco na educação na natureza, esteja ele na educação por

meio da natureza, ou sobre a natureza (FORD, 1986), as atividades de aventura ao

ar livre devem ser entendidas como processos educativos que tendem a criar

mudanças – de raciocínios, de valores, de atitudes, de condutas – por intermédio de

oportunidades geradas pelo contato direto e íntimo do ser humano com a natureza.

Mendonça (2000, p. 137) cita Joseph Cornell e sua crença em

renovadas relações da humanidade com a natureza e a efetiva conservação dos

espaços naturais, por meio da afetividade. Argumenta que “[...] informações,

conhecimento, ainda que absolutamente necessários, são insuficientes para

engendrar processos de efetiva transformação na organização social e formas de se

relacionar com o mundo”. Numa aproximação à abordagem sistêmica e valores da

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40

ecologia profunda, é sugerido o equilíbrio entre a razão e o sentimento para

fundamentar um entendimento mais amplo da natureza.

Alves (1999, p. 50) comenta sobre nosso distanciamento do mundo

sensível, do entorpecimento de nossos sentidos e enumera sugestões de cursos

que se alinham à criação de condutas ambientais como resultado de vivências

educacionais diretas na natureza:

O corpo não é formado apenas por músculos. [...] os olhos, os ouvidos, a boca, o nariz, a pele são também parte do físico. Podem também ficar atrofiados como ficam atrofiados os músculos. O corpo atrofiado pela inércia e pelo acúmulo de gordura pode terminar em obesidade, diabetes, colesterol alto e infarto. Mas um corpo de sentidos atrofiados termina numa doença terrível chamada “tédio”. Imagino [...] cursos do tipo “Curso de cheiração avançada I”, “Curso de cheiração avançada II”, “Curso de observação de cores”, “Curso de audição de ruídos da natureza”...

A citação demonstra a necessidade de se entender o lazer nas

atividades ao ar livre como fenômeno interdisciplinar ou, aproveitando a abordagem

sistêmica, como fenômeno que reintegra áreas como a Educação Física, a

Psicologia e a Ecologia, por exemplo.

Bruhns (2003, p. 41) entende que a caminhada na natureza, uma

atividade de aventura ao ar livre, possui qualidades que respondem as

reivindicações de Alves. Afirma, ainda, que nessa prática, uma série de estímulos

sensoriais se apresenta, e exemplifica: “olfativos (odores de plantas, flores, detritos e

outros), táteis (calor temperado pela brisa, temperatura da água, por exemplo),

visuais, auditivos”. A autora compreende que “a experiência sensível mostra-se

bastante pessoal e duradoura, que perdura além do efêmero”.

A caminhada, assim como o excursionismo, o ciclismo, o

montanhismo e a escalada, a canoagem, o mergulho e toda a sorte de atividade de

aventura ao ar livre próximas, antecessoras ou derivadas e correlacionadas a essas,

são experiências ativas de lazer, lúdicas e de sensibilização, que favorecem e

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exacerbam a curiosidade, a aproximação natural, a criatividade, a sensibilidade e a

afetividade (SCHWARTZ, 2001), agregando um forte caráter emocional à relação.

Emoções proporcionadas e amplificadas por fatores reais ou

percebidos, muitos desses encontrados raramente fora desse tipo de integração: a

aventura, o risco, o desejo e a sensação de auto-superação, de autoconhecimento,

a observação, a contemplação, a reflexão. Bem conduzidas, tais experiências

sensíveis e emocionalmente ricas podem potencialmente incutir no indivíduo,

simultaneamente ao desenvolvimento de um caráter crítico-criativo, uma conduta

ambiental mais responsável.

Educadores e adeptos das atividades ao ar livre do mundo todo,

acreditando nas possibilidades do aprendizado ao ar livre, estruturadas na

experiência sensível vivida pelo indivíduo junto ao ambiente natural, delinearam

programas e propostas de intervenção. São exemplos: a educação pela aventura15

(adventure education), a educação experiencial (experiencial education), a educação

pelo ambiente natural16 (wilderness education) e a educação ao ar livre (outdoor

education). Apesar das diferentes designações, as fundamentações teóricas e

metodologias que essas propostas possuem (e quando identificadas) são

extremamente próximas entre si, o que sugere a compreensão dessas, senão como

sinônimas, como muito similares.

Assim como a educação ao ar livre e a educação experiencial, a

educação pela aventura (adventure education) utiliza atividades como caminhadas

de longa duração, expedições em veleiros e escaladas, por exemplo, para o

aprendizado da liderança, do gerenciamento de riscos, do trabalho em equipe, de

relações interpessoais e para o autoconhecimento, objetivando o desenvolvimento 15 Tradução livre. 16 Tradução livre.

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pessoal de seus praticantes. A educação pelo ambiente natural (wilderness

education), em seus fundamentos, se caracteriza por afirmar que esses mesmos

aprendizados, de técnicas de gerenciamento e liderança ao ar livre e para o

autoconhecimento, por exemplo, são importantes em si e, apresentando um

diferencial discreto, porém, importante a essa pesquisa, também enfatiza esses

aprendizados como necessários para a conservação das áreas naturais.

No exterior, ao contrário de escasso material acadêmico disponível

no Brasil, em países como o Reino Unido e a Nova Zelândia, essas propostas (pela

similaridade, não sendo relevante nesse trabalho, com que designações são

definidas) já fazem parte de programas de cunho educativo e como objetos de

pesquisa e análise (HATTIE et al, 1997; NEILL; RICHARDS, 1998; LUO et al, 2002;

LITTLE; PETERSON, 1985; STEVENS; RICHARDS, 1992; FORD, 1986;

BONIFACE; BUNYAN, 1999; KIELSMEIER, 1988; WAGNER, 2000).

Salienta-se que programas de educação em ambientes naturais,

embora ganhando espaço como prática no Brasil, o que os torna atrativos como

tema de estudo em contextos da Educação, do Lazer, da Educação Física e do

Turismo, por exemplo, ainda possuem pouca atenção tanto do crescente número de

praticantes de atividades de aventura como do meio acadêmico.

Por fim, antes de avançar nos conteúdos interessantes a esse

trabalho, e relembrando o duplo processo educação/natureza, é necessário notar

que essas propostas de intervenção não podem ser confundidas com a educação

ambiental, por essas se tratarem, fundamentalmente, de educação por intermédio da

natureza e não de educação sobre a natureza, como defende a educação ambiental.

Apoiados nos conceitos de Barros (2000, p. 98), esses programas

têm em comum a metodologia experiencial de aprendizado, na qual são

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proporcionadas vivências onde os indivíduos constroem conhecimentos, aprendem

técnicas e adquirem valores por meio da experiência direta. A educação experiencial,

também freqüentemente citada como aprender fazendo, é uma teoria pedagógica

que reconhece o valor da experiência como a base do aprendizado.

Oliveira (2000) diz que a idéia de impelir pessoas em situações de

aventura com objetivos educacionais não é nova e afirma que até mesmo Platão e

Aristóteles, entre outros, já falavam que o aprendizado de virtudes estava

diretamente relacionado com a educação e que isto é a base da filosofia que

permeia os programas educacionais junto à natureza.

Mendonça (2000, p. 138) observa que “ao caminhar pelos espaços

naturais, somos convidados não mais a observar o que vemos, mas observar a nós

mesmos enquanto componentes daquele ambiente”:

A vivência é essencial para engendrar esse processo. Não é possível “compreender” esta proposta sem a experiência. É o tipo da coisa que não se explica, que não se ensina. O educador facilita, sugere, propicia. É como a vida, que não pode ser apreendida sem a experiência.

A experiência sensível de vivências ao ar livre é o motivo que leva o

grupo de praticantes divulgadores às atividades de aventura. Esse grupo adentra os

ambientes naturais, em busca de raras possibilidades sensitivas e perceptivas que o

contato com a natureza propicia de forma intensa.

Porém, para a maioria das pessoas, essa experiência é dificultada

pelas obrigações da vida moderna, que criam distância do mundo natural e oprimem

sensibilidades. Mendonça (2000) afirma que, apesar de vivermos numa sociedade

racionalista, tecnológica e objetiva, o sentir é algo inerente ao viver. Não é

valorizado, mas fica latente, aguardando sua oportunidade para ser revelado.

Marinho (2004, p. 6) constata o fato de que muitas pessoas que

visitam a “natureza na tentativa de se aventurar [...], de contemplar ou de fazer algo

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que ainda não descobriram o que é, podem encontrar em simples experimentações,

oportunidades transformadoras”. A vivência dessas experimentações repletas de

aventura, emoção e risco, transformam o visitante esporádico de áreas naturais, no

denominado praticante divulgador.

O risco inerente à vivência do real em ambiente não-habitual, em

oposição a vivências cada vez mais virtuais no conforto do ambiente urbano, é

característico e grande atrativo de programas educacionais ao ar livre.

Spink (2001), estudiosa do tema específico, revela várias facetas do

risco, em reflexões sobre sua aparição como prática e como conceito metafórico de

linguagem, entre outros. Sendo elemento adjacente à aventura, suas variações

interpretativas e práticas são identificadas nas atividades ao ar livre, como

exemplificado em trechos de discursos de praticantes divulgadores na análise dos

significados, referente à segunda parte desse trabalho.

Algumas variações do risco, especificamente quando da vivência de

atividades de aventura, também são apresentadas por Barros (2000, p. 95), sendo

dois tipos relevantes aos propósitos desse trabalho, os denominados pela autora

como risco social e o risco espiritual.

O risco social aparece “[...] quando as pessoas são confrontadas

com o medo de expor seus receios para os demais e serem julgadas por isso”. O

risco espiritual ocorre quando, por exemplo, “[...] um estudante encontra uma

situação em que é preciso encarar a si mesmo ou talvez o significado da vida e da

morte”.

Os aprendizados conseguidos por ocasião dos riscos social e

espiritual vêm ao encontro do que Spink (2001) define como resultantes da formação

de caráter e demonstram o valor educativo da aventura.

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Obstante o inegável destaque dado ao risco (talvez o gerador da

mítica adrenalina), não somente este, mas todo um conjunto tempo e atitude

(MARCELLINO, 2002, p. 7) que envolve o lazer nas atividades de aventura ao ar

livre, pode ser vivenciado como oportuno e estruturado meio para uma educação em

ambientes naturais. Educação para a formação de caráter, ou para o

desenvolvimento individual, por meio do aprendizado sobre si mesmo e sobre o

mundo, que é o objetivo maior da educação ao ar livre.

Por fim, Barros (2000, p. 90) conceitua “outdoor education ou

educação ao ar livre como uma prática educacional que utiliza como recursos

educativos desafios encontrados em ambientes naturais” e que almeja o

desenvolvimento educacional do ser humano “impelindo-o a situações de aventura

de modo que ele possa confrontar aspectos de si mesmo, os quais ele

possivelmente não conhecia”.

Dessa maneira, dentre outros, com o amparo de Barros (2000), para

o desenvolvimento de uma legítima educação ao ar livre, é necessário que se

estabeleça uma relação experiencial (indivíduos tendo as suas próprias

experiências), em que as respostas são criadas dentro do próprio sujeito a partir da

sua relação significativa com o ambiente. As atividades de aventura se apresentam

como vivências alinhadas com essa educação e seus objetivos.

O contato físico direto com a natureza oportuniza a exacerbação dos

sentidos, incita a observação, a reflexão e a criatividade, possibilitando “a passagem

de níveis menos elaborados, simples, para níveis mais elaborados, complexos, com

o enriquecimento do espírito crítico” (MARCELLINO, 2003, p. 59).

A interação e integração com o ambiente natural são capazes de

modificar percepções que temos do meio e de nós mesmos, colocando-nos num

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contexto de um todo mais amplo, interligado e interdependente.

Mendonça (2000, p. 139) cita a ampliação de nossa capacidade

perceptiva para experienciar a natureza, criando a suposição de um vínculo dialético

entre vivências significativas em ambiente natural e mudanças perceptivas:

Se mudamos nossa maneira de pensar, mudamos nossa maneira de nos relacionarmos com ela, mudamos a nós mesmos, mudamos todo o sistema do qual fazemos parte. Toda vivência é uma auto-observação, uma observação de nós mesmos que leva à observação de que estamos ligados uns aos outros (MENDONÇA, 2000, p. 139).

A educação ao ar livre, caracterizada pelas vivências das atividades

de aventura como experiências sensíveis e sensoriais, a desenvolver novas

percepções de mundo, pode potencialmente gerar novas condutas e valores.

Assim, apresentadas como propostas de lazer e educação, nos

dizeres de Bahia (2005, p. 40), “longe de ser uma tábua de salvação, as atividades

de lazer na natureza podem vir a transformar as atitudes adotadas na vida de cada

um e na vida da sociedade”.

Também, Marinho (2003) reconhece aqui a riqueza no

desenvolvimento de tais atividades, como possibilidades de extrapolação da mera

visitação consumista e, muitas vezes, alienada nesses ambientes, possibilitando

uma vivência representativa em termos de mudanças de valores e comportamentos

que tangenciam a relação humana com a natureza.

São propostas além de necessárias, muito oportunas. Oliveira (2000,

p. 116) também acredita na superação de atitudes regidas pelo consumismo, e cita

mudanças relacionadas com o desenvolvimento e autoconhecimento do praticante:

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A prática do montanhismo e de outras atividades na natureza nas quais aventura e aprendizagem são protagonistas, podem cunhar pessoas mais equilibradas e responsáveis, através da vivência de experiências, nas quais sobressaem o exercício da consciência, o autocontrole em situações adversas e a vitória por seus próprios meios. Certamente uma alternativa nos dias de hoje quando há tantas pessoas egocêntricas e indolentes cujas vitórias se limitam a saciar apetites consumistas e mundanos com o mínimo esforço (OLIVEIRA, 2000, p. 116).

Embora citações de autores e pesquisadores aventarem a

possibilidade do aprendizado de novas relações entre o ser humano e o ambiente

natural, a realidade que se apresenta em áreas preservadas (ou, pelo menos,

destinadas a esse fim), por exemplo, em unidades de conservação, indica que esse

aprendizado tem urgência em sua realização, por meio das mais diversificadas

formas possíveis.

2.4 Condutas de mínimo impacto em ambiente natural

Compactação e erosão do solo pela sobrecarga de trilhas;

mudanças de hábitos da fauna silvestre (como um lobo-guará ou um mão-pelada

que se condiciona a vasculhar restos de comida no lixo deixado em áreas de

acampamento, para dar um exemplo singelo); contaminação da água de rios por

dejetos humanos; e até mesmo vandalismo (pichações em grutas e cavernas, por

exemplo), são alguns dos inúmeros impactos que ocorrem em visitações

inconseqüentes a áreas naturais.

Para reverter esse quadro, experientes praticantes de atividades em

ambientes naturais se viram obrigados a desenvolver e divulgar programas de

educação para as práticas de mínimo impacto, partindo do princípio de que,

recebendo informações pertinentes e de modo adequado, o visitante estará disposto

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a mudar suas práticas e hábitos em suas incursões à natureza (BARROS; DINES,

2000).

Dentro do raciocínio de que são necessárias mudanças de

percepção do mundo, por parte de todos, como via a reverter os problemas

ambientais atuais, somente o acesso à informação, como método isolado, não

eliminará os impactos nocivos causados ao meio ambiente natural protegido, por

parte de seus visitantes. Porém, dentro da proposta de identificar ações em prol da

conservação da natureza, vinculadas aos momentos de lazer e às atividades de

aventura, os programas de divulgação de condutas de mínimo impacto são

meritórios, como iniciativas pioneiras a direcionar novas propostas e, também, por

possuir grande poder de alcance, atratividade e mobilização do público específico.

Existe um raciocínio simples para justificar a adoção de técnicas de

mínimo impacto por adeptos de atividades de aventura, diretamente relacionado com

uma atual lógica da sustentabilidade, muito utilizada e divulgada por ambientalistas,

sintetizado na frase “pense globalmente, aja localmente”:

A adoção de técnicas de mínimo impacto baseia-se na premissa de que os usuários de áreas naturais devem assumir a sua parcela na responsabilidade pela manutenção do bem-estar destas. É uma forma de pensar sobre essas áreas, sobre a nossa relação com elas, e perceber que, embora as ações de uma só pessoa talvez não sejam visíveis no ambiente, as ações de milhares de pessoas fazendo a mesma coisa será um caso completamente diferente (BARROS; DINES, 2000, p. 72).

Entre as iniciativas de divulgação de técnicas de mínimo impacto,

duas são atraentes, não somente pelo sucesso e abrangência, mas também porque

seus fundamentos se alinham a um dos objetivos desse trabalho, que é o de buscar

ações ambientais nas atividades de aventura ao ar livre. Primeiramente, fundado nos

EUA, temos o Leave No Trace (LNT)17 e, no Brasil, temos o Pega Leve!18

17 Tradução livre: Não deixe rastros. Disponível em: http://www.lnt.org/

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Esses programas e seus similares, antecessores ou deles

decorrentes, possuem históricos semelhantes: são iniciativas desenvolvidas e

divulgadas em forma de campanhas ao grande público por grupos preocupados com

as causas ambientais, como escoteiros, biólogos e ecólogos, montanhistas,

espeleólogos e excursionistas.

O Pega Leve!, por exemplo, é um programa criado pelo Centro

Excursionista Universitário (CEU), associação sem fins lucrativos fundada em 1970,

na Universidade de São Paulo. Os técnicos envolvidos nessa campanha realizaram

um levantamento abrangente sobre códigos de conduta para atividades em

ambientes naturais, em modalidades como a caminhada, a escalada, a exploração

de cavernas e outras atividades de lazer ao ar livre. A divulgação desses códigos

objetiva a sensibilização dos visitantes para a conservação dos ambientes naturais

(PEGA LEVE!, 2008, s/n):

Pega Leve! é mais que uma campanha para garantir o bom uso das trilhas e acampamentos limpos. É um programa voltado à convivência responsável com o ambiente natural, dedicado a construir a conscientização, apreciação e, além de tudo, o respeito por nossas áreas naturais. Uma ética, que orienta a conduta adequada do cidadão consciente da importância da conservação da biodiversidade no Brasil.

Ainda caminhando com o Pega Leve!, esta campanha brasileira,

assim como similares internacionais, procura difundir princípios e práticas de mínimo

impacto em área natural19:

• Planejamento é fundamental;

• Você é responsável por sua segurança;

• Cuide dos locais por onde passa, das trilhas e dos

acampamentos;

18 Disponível em: http://www.pegaleve.org.br/ 19 Parte de Pega Leve! Princípios e Práticas encontra-se em Anexos.

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• Traga seu lixo de volta;

• Deixe cada coisa em seu lugar;

• Evite fazer fogueiras;

• Respeite os animais e as plantas;

• Seja cortês com outros visitantes e com a população local.

Porém, demonstrando um avanço frente a propostas estrangeiras,

seus documentos sugerem a compatibilização das atividades – textos da Série

Aventura: Caminhada e Acampamento; Cavernas; Corridas de Aventura; e Escalada

em Rocha – com especificidades de nossas geografias e ecossistemas – textos da

Série Biomas: Cerrado e Pantanal; Florestas Tropicais; Serras e Chapadas; e Zonas

Costeiras.

O exemplo da campanha do Pega Leve! demonstra que as

atividades de aventura ao ar livre, associadas a um programa eficiente de educação

para a prática e a ética de mínimo impacto, representam uma das melhores

oportunidades para a educação ambiental em contextos informais (BARROS;

DINES, 2000).

Os programas de conscientização e ensino de condutas de mínimo

impacto nas atividades em ambiente natural, que propagam suas idéias,

basicamente, por meio de folhetos que são entregues aos excursionistas antes de

suas atividades, e o relativo sucesso na adoção dessas idéias, podem indicar que

visitas a natureza não necessitam, obrigatoriamente, serem assistidas, monitoradas

ou, em outra perspectiva, indicam que diferentes e diversificados meios de

conscientização podem e devem ser colocados em prática para a superação da

realidade.

Evidencia-se que, mais importante que vigiar as ações do visitante

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da natureza, é o seu próprio estímulo pessoal para a apreensão dessas novas

condutas e para o convívio mais salutar com o ambiente visitado, divulgados por

programas de mínimo impacto e projetos educacionais na natureza.

Porém, o praticante motivado, predisposto a receber informações

para o início de vivências mais profundas com a natureza tem suas chances de obter

sucesso sensivelmente aumentadas, caso possa ser auxiliado, instruído (e não

vigiado) por adeptos experientes, para a apreensão dessas novas condutas e na

prática de renovados modos de convívio com o ambiente natural.

2.5 Imersão na natureza

Visitações esporádicas, breves e superficiais ao ambiente natural,

mesmo com objetivos educacionais e amparadas por adeptos experientes, são

pouco eficientes para engendrar reordenações de valores que embasam as ações

dos praticantes de atividades de aventura.

A experiência significativa pode estar diretamente relacionada com o

aparecimento de algumas prerrogativas, necessárias, então, para que novas

percepções se apresentem e se consolidem. O conjunto dessas prerrogativas é a

imersão na natureza.

Define-se imersão na natureza (aproveitando o contexto metafórico

utilizado pela ecologia profunda), a circunstância adequada de vivências de

atividades assistidas por praticantes divulgadores e baseadas em elementos como a

freqüência, o tempo de duração, o estímulo individual e a intensidade.

Assim, quando esses elementos são identificados nas atividades de

aventura ao ar livre, elas se apresentam como potenciais oportunidades capazes de

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transformar as percepções do sujeito praticante, para a concepção do contato

ambientalmente mais coerente e para uma ressignificação do lazer por meio das

atividades de aventura ao ar livre.

Tais fatores podem ser compreendidos tanto como causas, quanto

como conseqüências das vivências, num relacionamento dialético característico

desse contato extremo com o meio natural. Os elementos da imersão na natureza

podem agir sobre o sujeito concomitantemente ou se apresentarem em fases

distintas no processo de (re)aproximação à natureza, por exemplo, podendo

aparecer antes de qualquer vivência, ou somente após muito tempo de contato com

a natureza. Eles se potencializam apesar de independentemente uns dos outros.

Os parâmetros a seguir definem a imersão na natureza:

1. Estímulo pessoal: o sujeito necessita de motivação interna e

predisposição para identificar as oportunidades de aprender e apreender novas

maneiras de vivenciar as atividades ao ar livre. Valores incutidos por livre escolha do

indivíduo são assimilados e se refletem em condutas e ações por longo prazo.

Somente o entendimento da natureza como parceira e não mais como obstáculo e/

ou como ambiente agressivo tornam as atividades de aventura momentos propícios

para o desenvolvimento pessoal, interpessoal e ambiental;

2. Tempo de duração da vivência: dentre os fatores que definem

uma consistente imersão na natureza, esse é um ponto que requer atenção, por ser

talvez o menos compreendido ou identificável devido à falta de hábito do brasileiro

(diferentemente de outros povos, por exemplo, os ingleses, os canadenses e os

neozelandeses) em conceber com naturalidade e executar incursões mais

duradouras no meio ambiente natural. Apesar do grande número de unidades de

conservação e atrativos naturais no Brasil, existe ainda forte resistência a vivências

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que não sejam as de curta duração (as atividades de um dia). Por terem tempo

limitado, tais atividades de curta duração são consumidas de maneira rápida e

superficial (em oposição à imersão), em perspectivas conflitantes com os objetivos

propostos por esse trabalho. Atividades ao ar livre que se desenvolvem

ininterruptamente por dias, semanas e até por meses, são oportunas ao que

definimos como uma real e sensível imersão na natureza aonde se inicia a vivência

com e não somente no meio ambiente natural;

3. Freqüência: vivências regulares que oportunizam o contato

direto e sensível, ao mesmo tempo em que oportunamente desconstroem a imagem

veiculada pela mídia do meio natural como ambiente hostil a ser sobrepujado,

acabam por criar no indivíduo o vínculo afetivo sujeito/ natureza necessário para que

condutas de mínimo impacto ambiental sejam acatadas e disseminadas

espontaneamente;

4. Intensidade: obstante ser assimilável apenas pelo sujeito que a

vivencia, a intensidade é elemento que bem caracteriza a imersão na natureza,

podendo ser identificado menos como causa e mais como efeito dos outros três

elementos supracitados. A intensidade pouco pode ser encontrada em situações do

cotidiano controlável, e talvez seja o legítimo elemento atraente de novos adeptos

das atividades ao ar livre. Ela é inerente à experiência da aventura. A intensidade é

compreendida como proporcionada e promotora da vivência e da experimentação de

uma imensa diversidade de situações e ambientes, sensações e emoções, contínua

e ininterruptamente. Essa experiência profunda de humores e a exacerbação

sensorial decorrente do contato com a natureza são capazes da criação de vínculos

afetivos entre o visitante e a área visitada tornando a atividade representativa ao

sujeito. A intensidade surge quando é possibilitado ao praticante vivenciar atividades

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de aventura ao ar livre que sejam realizadas com freqüência, que tenham duração

expressiva e que sejam, ao praticante, estimulantes ao aprendizado de novos

valores e condutas.

O surgimento desses elementos nas vivências do lazer,

caracterizado pelas atividades de aventura ao ar livre pode vir a propiciar, àqueles

que as vive, uma legítima imersão na natureza, necessária a mudanças de

percepção e condutas e, potencialmente, capazes de prover o surgimento do que

vislumbramos como um novo ser humano:

[...] ‘experto’ nos conhecimentos, formais ou experimentais, versado nas ciências naturais, do inerte e do vivo, à parte das ciências sociais de verdades mais críticas que orgânicas e de informação banal e não rara, preferindo as ações aos relatórios, a experiência humana às enquetes e aos dossiês, viajante por natureza e socialmente [...] enfim, sobretudo ardente de amor para com a Terra e a humanidade (SERRES, 1991, p. 109).

No final desse longo percurso, a natureza, conosco a ela reatados,

enfim, é a grande ganhadora. A análise e interpretação de falas de praticantes

divulgadores, desenvolvidas no próximo capítulo, objetivam a identificação dos

significados das atividades de aventura ao ar livre e o reflexo dessas vivências no

cotidiano de seus praticantes, e ampara a possibilidade de vivências, não mais na

natureza, mas, com a natureza.

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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 Caracterização da pesquisa e delimitação do seu universo

Os objetivos desse trabalho norteiam a identificação de significados

das vivências do lazer ao ar livre, experimentada e veiculada pelos praticantes

divulgadores da atividade de aventura na natureza, bem como, de que ações

exercem no sentido de minimizar os malefícios causados por conduções impróprias

de atividades de aventura. Foram coletadas informações para entender em quais

perspectivas as atividades de aventura são promovidas e vivenciadas e quais os

reflexos destas experiências em ambiente natural na rotina diária dos que se

envolvem em tais atividades.

Para tanto, a metodologia possui caráter qualitativo, combinando

pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo (SEVERINO, 2000).

A pesquisa bibliográfica foi realizada nos sistemas de bibliotecas da

UNIMEP, UNESP e UNICAMP (livros, periódicos, artigos, teses, dissertações, anais

de seminários, congressos e encontros, e em websites acadêmicos da Internet,

entre outros) e utilizando, tanto em língua portuguesa quanto inglesa, temas-chave

como: atividade de aventura, atividade de aventura ao ar livre, esporte de aventura,

educação ao ar livre, lazer e meio ambiente. Após o levantamento das obras

relevantes ao estudo, realizamos as análises textual, interpretativa e crítica

(SEVERINO, 2000) para, num segundo momento, de posse dessas análises,

estabelecer diálogos com os dados da pesquisa de campo.

A pesquisa de campo foi estruturada na técnica de elaboração e

análise de unidades de significado, de autoria de Moreira, Simões e Porto (2005). A

técnica percorre os seguintes momentos: relato ingênuo, identificação de atitudes e

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interpretação.

A técnica de elaboração e análise de unidades de significado nos

pareceu propícia porque, sem perder as prerrogativas científicas do rigor,

radicalidade e contextualização, visa compreender e interpretar os relatos dos

sujeitos de uma pesquisa, que emitem opinião sobre determinado assunto, opinião

essa carregada de sentidos, de significados e de valores (MOREIRA; SIMÕES;

PORTO, 2005).

Lembram, ainda, Moreira, Simões e Porto (2005) que, ao

estabelecer a categoria de abordagem (o ponto de vista fundamental em relação ao

ser humano e ao mundo que o cientista traz ou adota, com relação ao seu trabalho

como cientista), devemos levar em consideração o próprio pesquisador no

empreendimento da ciência.

A técnica para a elaboração e análise de unidades de significado

deve percorrer, conforme Moreira, Simões e Porto (2005) os seguintes momentos:

1) Relato ingênuo

A importância está na construção da pergunta geradora. Esta não pode ser na direção de respostas monossilábicas, o que impediria os sujeitos de emitir seus pensamentos com detalhes. Também a pergunta deve ser feita após explicação do por quê da pesquisa, dando aos sujeitos o tempo necessário para organizarem o pensamento antes da resposta (MOREIRA; SIMÕES; PORTO, 2005, p. 11).

Para atender aos objetivos desse trabalho, que é entender o lazer

sob a forma de atividades de aventura ao ar livre no contexto atual analisando, tanto

o trabalho de pesquisadores do tema, como a atividade desenvolvida por praticantes

divulgadores de atividades de aventura na natureza; e identificar os significados de

tais atividades atribuídos por esse grupo de praticantes, três perguntas geradoras

foram formuladas. O universo da pesquisa de campo, formado por indivíduos com

larga vivência nas atividades de aventura ao ar livre no Brasil, desenvolveu suas

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falas a partir dos seguintes questionamentos:

I. O que você entende por atividade de aventura ao ar livre?

II. Fale sobre sua relação com as atividades de aventura ao ar livre.

III. Quais os reflexos desta prática em sua vida cotidiana?

Nosso interesse em seus depoimentos, e em registrar

detalhadamente suas vivências e seus significados, resultou numa especial atenção

dada à explicação da proposta da pesquisa e ao tempo disponibilizado para que os

sujeitos organizassem seus pensamentos, antes de emitirem suas respostas.

2) Identificação de atitudes: nesse momento da pesquisa (numa

adaptação da designação atitude dada pelos autores da técnica) busca-se, nas falas

dos sujeitos, expressões, termos ou idéias que direcionem a condutas relacionadas

aos objetivos da pesquisa.

3) Interpretação: o que se pretende, neste momento, é encontrar

insights gerais, ou seja, a estrutura do pensamento individual dos sujeitos que pode,

como um todo, pertencer a vários outros indivíduos (MOREIRA; SIMÕES; PORTO,

2005, p. 13). Assim, os discursos individuais foram lidos e relidos para identificação,

em suas estruturas, de quais proposições podem e quais não podem ser tomadas

como verdade no contexto geral.

O universo da pesquisa de campo foi do tipo não-probabilístico

intencional, por competência e experiência (RUDIO, 1997). Formado por indivíduos

adultos, praticantes divulgadores de ambos os sexos, com formação interdisciplinar

e com larga experiência nas atividades de aventura ao ar livre e cujas ações e

esforços em prol e por meio dessas atividades de aventura são reconhecidos e lhes

conferem papel de destaque dentro do meio. Pela acessibilidade e

representatividade, o universo de pesquisa contou com praticantes que residem e/ou

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atuam no Estado de São Paulo.

As falas dos participantes foram gravadas e registradas digitalmente

(gravador de voz digital Panasonic RR-US450) e transcritas sem alterações de

ordem ortográfica ou de concordância. Foram escolhidos praticantes divulgadores do

tipo não-probabilístico intencional (isto é, os sujeitos foram previamente

selecionados e convidados a participar da pesquisa) por critérios de

representatividade e acessibilidade (BRUYNE et al, 1977).

Dessa forma, a pesquisa teve abrangência de municípios do Estado

de São Paulo, onde residem e/ ou trabalham os sujeitos participantes. Os contatos

iniciais e recrutamento foram efetuados por meio de convites pessoais, por

telefonemas, contatos por correio eletrônico e mensagens instantâneas pela Internet.

Os locais de coleta de dados foram escolhidos pelos sujeitos

participantes, não lhes conferindo despesas com locomoção ou de qualquer outro

tipo. Foi necessário o aceite na participação da pesquisa e, para isso, foi utilizado o

termo de consentimento livre e esclarecido, apresentado antes do início da

entrevista. Os sujeitos participantes tomaram ciência: dos objetivos do trabalho, e, se

assim quisessem, poderiam suspender suas participações a qualquer momento; que

os resultados para a pesquisa acadêmica seriam tornados públicos na dissertação

de mestrado e que os dados pessoais seriam guardados em sigilo; entre outras

garantias constantes por escrito no termo de consentimento livre e esclarecido, os

quais asseguram a privacidade dos sujeitos envolvidos.

Todos os procedimentos metodológicos descritos, antes de suas

execuções, passaram por análise e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Metodista de Piracicaba, sob a designação de Protocolo de Pesquisa

número 10/08.

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A pesquisa contou com a participação total de onze sujeitos, sendo

três do gênero feminino e oito do masculino. Os participantes estavam, no período

da coleta de dados, numa faixa etária entre 28 e 50 anos de idade. Todos os onze

sujeitos concluíram o ensino superior e seis possuíam, além disso, também pós-

graduação em alguma área correlata às atividades de aventura ao ar livre.

Para melhor visualização do gênero e idade de cada participante da

pesquisa, esses referenciais serão expostos subseqüentemente às suas falas, de

forma abreviada, como, por exemplo, um sujeito do gênero feminino e com 35 anos

de idade será identificado como Sujeito ‘X’ f 35. São aspectos dos sujeitos,

relevantes a esse trabalho:

O Sujeito 1, gênero feminino, 29 anos (Sujeito 1 f 29), é especialista

em ecoturismo e é co-fundadora e diretora de projetos de uma instituição dedicada à

educação experiencial, aonde também executa oficinas de formação para crianças,

jovens e adultos. Participou também da tradução e coordenação da edição do livro

“Vivências com a Natureza 1”, de Joseph Cornell. Tem vivências em atividades de

aventura como, por exemplo, canoagem em Baños de Água Santa (Equador),

travessia em caminhada Petrópolis-Teresópolis (RJ/Brasil) e travessias em

arvorismo (conhecidas como canopy tours) (Costa Rica), entre outras.

O Sujeito 2, gênero masculino, 30 anos (Sujeito 2 m 30), é praticante

da canoagem, integrante da Seleção Brasileira entre 1994 e 1997, membro da

Confederação Brasileira de Canoagem, no Comitê Nacional para a modalidade no

ciclo olímpico 2005-2008 e atual diretor de capacitação da Federação Paulista de

Canoagem. É mestre e professor universitário em Educação Física, especificamente

em estudos das atividades de aventura, entre outros.

O Sujeito 3, gênero masculino, 39 anos (Sujeito 3 m 39), é

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mestrando em Educação Física, montanhista e canoísta há vinte anos, tendo maior

expressividade e vivência na segunda atividade, na qual totaliza aproximadamente 3

mil milhas náuticas em viagens em caiaque e canoas canadenses por rios e pelo

mar, no Brasil e exterior. É também instrutor em quatro instituições especializadas

em educação ao ar livre, com atuação no Brasil e no exterior.

O Sujeito 4 é do gênero feminino e possui 28 anos (Sujeito 4 f 28),

sendo a mais nova dentre os sujeitos de nosso universo de pesquisa. É mestre em

Ciências Sociais (defendendo a dissertação: “O excursionismo e o gosto pela

natureza”), trabalha em instituição especializada em educação ao ar livre e pratica

“caminhadas, canoadas, bicicletadas e escaladas em rocha como lazer e

independentemente do mercado turístico”.

O Sujeito 5, gênero masculino, 48 anos de idade (Sujeito 5 m 48), é

empresário e como parte de suas atividades estão estudos para o ambiente natural

em áreas como a espeleologia, o montanhismo, o mergulho e a gestão de áreas

naturais. Identificou e elaborou relatórios sobre cavernas subaquáticas da Chapada

Diamantina (BA/ Brasil) para a Sociedade Brasileira de Espeleologia, ministrou

cursos de cartografia e orientação no SENAC e é instrutor de uma escola

especializada em educação ao ar livre, dentre outros feitos.

O Sujeito 6 possui 35 anos e é do gênero masculino (Sujeito 6 m

35). É formado em Turismo, praticante de cicloturismo (tendo, entre outros feitos,

uma expedição São Paulo/Brasil – Buenos Aires/Argentina e outra pela Patagônia

Chilena), montanhismo e parapente. É empresário de ecoturismo e educador ao ar

livre.

O Sujeito 7, gênero masculino, tem 50 anos de idade (Sujeito 7 m

50). Doutorando em Geografia do Turismo, há mais de 15 anos se dedica às

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atividades de aventura ao ar livre, tendo e sendo, entre muitos outros cargos e feitos,

idealizador e coordenador do Programa Pega Leve!, fundador e diretor da

Federação Paulista de Montanhismo e da Confederação Brasileira de Montanhismo

e Escalada, diretor do Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável, membro-ancião20

do Centro Excursionista Universitário e consultor e elaborador de planos de manejo

de áreas protegidas e unidades de conservação com trabalhos para instituições

como o Ministério do Meio Ambiente, Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São

Paulo, SOS Mata Atlântica e World Wildlife Foundation (WWF-Brasil).

O Sujeito 8 possui 31 anos e é do gênero masculino (Sujeito 8 m

31). Entre outros feitos, acumula mais de 250 dias de campo em caminhadas de

longo percurso e longa duração, em locais como, por exemplo, a Patagônia Chilena,

Terra do Fogo (arquipélago dividido entre a Argentina e o Chile), Lake District

National Park (Reino Unido), Chapada Diamantina (BA/Brasil), Chapada dos

Veadeiros (GO/Brasil) e Serra do Cipó (MG/Brasil). Na atividade escalada em rocha,

ele possui mais de 35 dias em montanhas como a Pedra do Baú e Ana Chata (São

Bento do Sapucaí – SP/Brasil), Cuscuzeiro (Analândia – SP/Brasil), Anhangava

(PR/Brasil) e Pão de Açúcar (Rio de Janeiro – RJ/Brasil). O Sujeito 8 já trabalhou no

World Challenge Expedition do Reino Unido e é atualmente instrutor e gestor de

segurança de escola especializada em educação ao ar livre, no Brasil.

O Sujeito 9, mestre em Educação Física, é do gênero masculino e

tem 29 anos (Sujeito 9 m 29). É praticante de atividades como canoagem, ciclismo

de montanha e surfe há 20 anos. Integrou em 11 ocasiões a Seleção Brasileira de

Canoagem, participando de campeonatos mundiais, panamericanos e

sulamericanos, entre outras experiências.

20 Termo utilizado internamente pelos membros do grupo para designar os sujeitos fundadores e/ou

mais experientes.

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O Sujeito 10 é do gênero feminino, com 36 anos (Sujeito 10 f 36), é

engenheira florestal pós-graduada em Ciências Florestais. Escaladora, nos

momentos de lazer, do Grupo Alpino Paulista, e é uma das fundadoras e instrutoras

de renomado instituto de educação ao ar livre no Brasil e, atualmente, trabalha no

manejo de áreas silvestres e na elaboração de planos de manejo de unidades de

conservação.

Nosso último participante, com 50 anos, o Sujeito 11, do gênero

masculino (Sujeito 11 m 50), agrega, entre outras atividades, a de fotógrafo

profissional da natureza. Essa profissão o iniciou na aventura ao ar livre no fim da

década de 1970, em caminhadas de longa duração, escaladas em rocha e

espeleologia. É precursor da atividade de canionismo no Brasil, possuindo mais de

4.000 cachoeiras catalogadas, por meio dessa atividade. É co-fundador da

Associação Brasileira de Canionismo e já formou mais de 600 praticantes em cursos

específicos e oportunizou atividades de aventura de curta duração para mais de

30.000 pessoas, entre outros feitos.

3.2 Análise dos significados das vivências ao ar livre para praticantes divulgadores

Uma das indagações precursoras desse trabalho é se a

interpretação de atitudes de praticantes das atividades de aventura se fundamenta

prioritariamente em entendimentos que remetem a uma característica compensatória

(MARCELLINO, 2002) ou amenizadora (SCHWARTZ, 2002) do lazer, na fuga das

dificuldades e insatisfações vividas na rotina do cotidiano urbano, a partir de

prováveis registros de expressões correntes no meio e difundidas pela mídia, como

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adrenalina, radical, liberdade, válvula de escape, entre outros21.

Já na identificação de termos comuns e no início da interpretação dos

depoimentos, o conjunto de significados relembra a metáfora proposta por Kinker

(2002): a linha contínua na qual em seus extremos encontram-se diferentes condutas

em meio natural.

Em um extremo da linha, encontra-se a pouca responsabilidade do

visitante em relação ao meio ambiente natural e que, dessa maneira, causa grande

impacto ambiental. Esse tipo de visitação pode ser reflexo de incursões esporádicas

efetuadas por sujeitos, não necessariamente iniciantes, mas cujas vivências, com

periodicidade irregular, baseiam-se no consumo de atividades de breve duração (por

exemplo: um rapel ou uma tirolesa que duram, em média, um período do dia) e

mediadas, em sua maioria, por agentes comerciais.

A crescente procura por incursões à natureza, seguindo esses

moldes, pode estar diretamente relacionada e deve sofrer influência da também

crescente divulgação das atividades de aventura pela mídia. Salienta-se que esse

grupo não é foco desse trabalho.

No outro extremo da linha metafórica de Kinker (2002), encontra-se o

visitante que age com responsabilidade para com a natureza, se esforçando para sua

conservação e gerando impacto ambiental mínimo. Esse extremo, com base nos

relatos colhidos, delimita o perfil de nosso universo de pesquisa, os praticantes

divulgadores de atividades de aventura ao ar livre.

Dessa forma, expressões como adrenalina, radical, entre outras, não

encontraram espaço expressivo dentro de seus depoimentos. Quando, porventura,

21 Termos como, por exemplo, adrenalina e radical, são apresentados nesse trabalho com sentido conotativo, ou seja, em entendimentos que remetem a idéias e associações, como, por exemplo, as idéias de aventura e de emoção e associações com o risco e/ou com a liberdade.

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algum sujeito utilizava algum desses termos, não objetivava expressar suas visões

sobre as atividades de aventura ou a suas vivências (ou caracterizar o grupo de

praticantes divulgadores).

Em contrapartida ao não-vínculo de expressões que remetem a um

lazer compensatório ou amenizador em suas atividades, um elemento teve grande

destaque, aparecendo em vários depoimentos, quando os sujeitos participantes

eram indagados sobre suas concepções de atividades de aventura ao ar livre: o

risco.

Iniciamos com os dizeres do Sujeito 10 f 36: “Eu acho que atividades

de aventura ao ar livre são todas as práticas que envolvem algum tipo de risco,

realizada em ambientes naturais [...]” (grifo nosso).

Esse sujeito entende que não existe apenas um, mas alguns tipos

de riscos, e que a aventura está fundamentalmente ligada a esses riscos, apesar de

não definir quantos e quais são eles. O conjunto de relatos desse trabalho apresenta

variações do repertório interpretativo do risco e sua relação com a aventura.

O Sujeito 3 m 39 encontra o elemento risco nas atividades ao ar

livre, entendendo-as como: “Atividades recreativas praticadas em ambientes

naturais, que envolvem riscos à integridade física e psicológica do praticante [...]”

(grifo nosso).

Esse praticante entende as atividades na natureza como lazer,

especificamente, como recreação. Quando o sujeito identifica o elemento lúdico no

vínculo natureza/recreação, ele, ao mesmo tempo em que expande os efeitos do

risco, ao ir além do âmbito físico e adentrar o campo psicológico, reconhece o ser

humano em toda sua integridade, o que pode ser considerado como uma

abordagem para a ressignificação das atividades de aventura ao ar livre.

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Ao adentrar em tipificações do elemento risco nas atividades de

aventura, encontra-se o Sujeito 2 m 30 que, quando questionado sobre sua

compreensão das atividades de aventura ao ar livre, responde: “Compreendo as

atividades de aventura ao ar livre como atividades de caráter físico-esportivo, na

qual o elemento risco está presente, seja esse risco previsível ou calculado [...]”

(grifo nosso).

Esse sujeito entende as atividades de aventura como conteúdos

físico-esportivos do lazer (DUMAZEDIER, 1980) e parece distinguir dois níveis de

um tipo apenas de risco. O Sujeito 2 m 30 não concebe o risco desejado presente

nas atividades de aventura.

Machlis e Rosa (1990 apud SPINK, 2001, p. 1278), encontram o

risco desejado nas “atividades ou eventos que tem incertezas quanto aos resultados

ou conseqüências, e em que, as incertezas são componentes essenciais e

propositais do comportamento”.

Já Spink (2001, p. 1280) conceitua, dentro da análise dos riscos, que

o “cálculo dos riscos consiste na identificação dos efeitos adversos potenciais do

fenômeno em análise, a estimativa de sua probabilidade e da magnitude de seus

efeitos”.

O Sujeito 8 m 31, em seu discurso, diferencia o risco desejado

(porém, carregado de incertezas) e o risco calculado, e, assim como o Sujeito 2 m

30, concebe apenas o segundo como imbricado à aventura, ao criticar o risco

desejado, afirmando que: “[...] o risco não gerido, desmedido e incontrolável não

deve entrar na aventura. Esse risco existe na desventura, sonhadora de malucos e

poetas”.

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Dessa maneira, o risco somente pode ser calculado (ou seja, a

identificação de efeitos adversos possíveis, somados às suas probabilidades de

ocorrência e magnitude de seus efeitos), dentro das atividades de aventura, apenas

por praticantes bastante experientes. Desconsiderando esse fato, a mídia, por sua

vez, se utiliza de um discurso que enviesa os riscos (calculados) inerentes às

atividades de aventura, e potencializa o risco desejado, ao criar imagens de um risco

imprevisível como fator de exacerbação da emoção, e que, paulatinamente, se

cristaliza no imaginário das pessoas.

Nesse tocante, o Sujeito 2 m 30, em mais um trecho de seu relato,

também corrobora, quando sugere que: “[...] muitas vezes, esse mesmo risco

(carregado de incertezas) passa a ser um dos principais motivos da busca das

pessoas em praticar determinada atividade [...]” (adendo nosso).

E em mais um entendimento, agora do Sujeito 8 m 31, que remete

aos riscos desejado e calculado: “A aventura só existe quando ela carrega uma dose

de risco, de conseqüências reais e significativas [...]” (grifo nosso).

Essas “conseqüências reais e significativas”, por se tratar do

discurso de um praticante divulgador, dentre outras formas, podem ser interpretadas

como resultantes na formação de caráter, e demonstram o valor educativo da

aventura (SPINK, 2001). O aprendizado de valores formadores do caráter é um risco

que praticantes divulgadores estão cientes e dispostos a correr no vivenciar das

atividades de aventura.

Essa predisposição dos praticantes divulgadores para o risco com

viés educativo, ou seja, conforme La Mendola (1999), para o risco entendido como

uma interpretação do enfrentamento do perigo ou do desconhecido na busca para

alcançar objetivos, fundamenta as propostas educacionais na e pela natureza, como,

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por exemplo, a educação ao ar livre.

O Sujeito 11 m 50 possui uma visão abrangente das atividades de

aventura ao ar livre. Esse adepto divulgador classifica as atividades de aventura ao

ar livre como: “Todo evento de cunho desportivo ou recreativo coletivo [...]. Acredito

que atividades dessa natureza praticadas ao ar livre expõem as pessoas a certos

riscos controlados [...]” (grifo nosso).

Nesse depoimento, no qual o sujeito, também, menciona o controle

de riscos (SPINK, 2001) como numa fusão dos registros anteriores, o risco aparece

amparando tanto o conceito de esporte como de atividade recreativa ao ar livre. O

diferencial encontrado é o caráter coletivo associado às atividades na natureza, o

que denota a valorização desse praticante divulgador para com as relações

interpessoais vivenciadas nas atividades de aventura.

O aparecimento do termo risco, não somente em estudos de teóricos

do tema, mas, e em diálogos com esses, em definições do que são atividades de

aventura ao ar livre para praticantes divulgadores, faz pressupor que esse elemento

se encontra intrínseco, fundamentando de maneira dialética as vivências dessas

atividades.

A mídia direciona a divulgação das atividades de aventura e seus

riscos como adequados contrapontos à insatisfação gerada pela rotina urbana.

Muitos praticantes buscam a aventura para vivenciar, especificamente, os elementos

correlacionados a esse risco-compensação-amenizador. Dessa forma, alinhamos,

comparativamente, a busca pelo risco ao que Caillois (1990, p. 43) define como Ilinx

(“vertigem”):

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[...] uma tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da percepção [...]. Trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe ou de estonteamento que desvanece a realidade com uma imensa brusquidão (CAILLOIS, 1990, p. 43).

Essa citação reforça o entendimento do risco como elemento

atraente de novos adeptos de atividades de aventura, suscetíveis aos apelos da

mídia, e que buscam “[...] distanciar-se do cotidiano urbano, em busca da evidência

de suplantar a anestesia provocada pela mesmice, pela rotina estressante [...]”

(SCHWARTZ, 2002, p. 149).

Porém, o praticante divulgador, universo desse trabalho, como

observado em seu discurso, não procura em suas vivências “destruir, por um

instante, a estabilidade da percepção” (CAILLOIS, 1990), mas, talvez, encontrar

novas formas de perceber, não somente suas atividades na natureza, como também,

a si próprio e o mundo.

Por meio da reunião e interpretação de termos e expressões com

significados em comum coletados em depoimentos, supomos que os adeptos

divulgadores, apesar de conscientes de que o risco, como contraponto às

insatisfações da rotina urbana, também está presente nas atividades de aventura e

entendendo esse elemento, nesse contexto, como quesito atraente de novos

praticantes, não necessariamente e/ ou prioritariamente buscam o risco-vertigem em

suas vivências.

Para a tipificação de risco, recorrente no conjunto de praticantes

divulgadores, retorna Barros (2000, p. 95), que tabula, nas atividades de aventura ao

ar livre, além de outros, o risco social e o risco espiritual. Nesses contextos, o risco é

visto como elemento a ser confrontado em uma perspectiva menos física e mais

ligado ao âmbito de valores e condutas.

Ao contrário do risco como elemento “que desvanece a realidade”

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(CAILLOIS, 1990), nos riscos social e espiritual, o sujeito é forçado a encarar suas

particularidades, sejam qualidades ou defeitos, e, a partir do confronto desses riscos,

novas percepções acabam surgindo. Percepções sobre o meio, sobre os outros e

sobre si próprio.

Dessa forma, se há alguma disposição em correr risco por parte de

praticantes divulgadores, esse interesse se encontra nas particularidades dos riscos

social e espiritual, que agem como uma “conexão entre risco e formação de caráter,

expressa no valor educativo da aventura” (SPINK, 2001).

Se o risco que “[...] suplanta a anestesia provocada pela mesmice”

(SCHWARTZ, 2002, p. 149) deixa de ser fundamental fator motivador para a

vivência das atividades de aventura pelos praticantes divulgadores, outros

elementos, intimamente ligados ao valor educativo, como já exposto, são atraentes a

esses sujeitos. Interpretando relatos, esse grupo prioriza, entre outras vivências:

O contato mais consistente e constante com o ambiente natural [...] inclusive, para promover atitudes que beneficiem a preservação do ambiente, fator preponderante para o equilíbrio existencial de todas as espécies (SCHWARTZ, 2002, p. 150).

Em diálogo com a autora e alinhada à proposta de Capra (1982) da

busca pela superação da atual crise de percepção, toma-se, por exemplo, o Sujeito

1, que confirma que o “contato mais consistente e constante” lhe propiciou o

“despertar” para uma relação mais estreita e equilibrada com os seres vivos.

Entendemos esse “despertar” como uma nova percepção:

Antes de conhecer os esportes de aventura não tinha quase nenhum contato com a natureza. [...] foi por meio deles que meu interesse pela natureza foi despertado. A partir daí fui buscar outros tipos de atividades que me levassem a estreitar meus laços com os outros seres vivos (Sujeito 1 f 29).

Praticantes divulgadores optam por minimizar os riscos inerentes às

suas atividades de maneira planejada, consciente e racionalmente, por conhecerem

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a real dimensão desses riscos, por meio de seus cálculos (SPINK, 2001). A

minimização de riscos ocorre pela assimilação e aprimoramento de procedimentos e

atitudes, técnicas e equipamentos utilizados em suas vivências no meio ambiente

natural. Esses elementos devem seguir a premissa do mínimo impacto ambiental,

para que condutas de segurança não conflitem com condutas conservacionistas.

Porém, apesar de praticantes divulgadores salientarem um cenário

no qual, quanto mais atividades vivenciam, proporcionalmente também, uma

crescente responsabilidade ambiental lhes acomete (ou, é aprendida) e que

influencia e direciona suas condutas e atitudes em ambiente natural, não fica claro

se, ao mesmo tempo em que essa nova perspectiva é criada, outras acabam por

desaparecer. Veja o depoimento do Sujeito 8 m 31, quando perguntado sobre os

reflexos das atividades de aventura ao ar livre em sua vida cotidiana:

[...] (sinto) uma certa inquietação em morar na cidade grande. Uma vontade de sair que só arrefece quando estou ao ar livre e que volta mais forte quando estou na companhia de pessoas que possuem a mesma inquietação e que compartilham do mesmo olhar (grifo e adendo nossos).

Esse trecho de relato pode ser indício de que esse sujeito, entre

outros fins, ainda recorre às atividades de aventura ao ar livre (também) como

oportunidade de compensar ou amenizar sua “inquietação em morar na cidade

grande”, ou seja, aproveitando termo difundido no meio, como válvula de escape.

Essa constatação cria precedente e dúvidas quanto a possíveis conflitos entre

relatos e procedimentos de nossos integrantes do universo de pesquisa, os

praticantes divulgadores, e deve instigar novas e aprofundadas observações e

pesquisas no tema.

Outra passagem semelhante e que amplia nossas suspeitas quanto

às condutas de praticantes divulgadores, ou, pelo menos, quanto à coerência entre

seus valores e suas atitudes, vem do Sujeito 6 m 35, ao falar sobre o conjunto de

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atividades de aventura ao ar livre afirma que:

Serve como desabafo, serve como comemoração, serve para passar momentos só, serve para eu me socializar. Com certeza contribui para minha saúde, para meu humor, criatividade, disposição e inspiração (Sujeito 6 m 35) (grifo nosso).

Esse sujeito, obstante o fato de ter todo o tempo desejado para

formular suas idéias antes de expô-las, se utilizou bastante do verbo servir para

definir sua relação com as atividades na natureza. O entendimento do Sujeito 6 m

35, da natureza como algo servil, é constante como visão da ecologia rasa, causa

estranheza e não condiz com o discurso geral do conjunto de relatos coletados com

praticantes divulgadores.

Ao interpretar esses últimos depoimentos e, somando a isso, a

identificação de tipificações antagônicas em torno do elemento risco, que, ora

suscita a abstração da realidade, ora a reflexão sobre a mesma, levanta-se a

suspeita de que o caráter compensatório do lazer caracterizado nas atividades de

aventura ao ar livre não se anula quando vivenciado por praticantes divulgadores.

A busca pela amenização da rotina urbana, familiar em discursos e

condutas de praticantes recentes atraídos pela divulgação da mídia comercial,

parece (como pôde ser anteriormente interpretado) não desaparecer por completo

como perspectiva dentro das atividades em ambiente natural, mas apenas perder

importância dentro das vivências, em detrimento de novas percepções, novos

conhecimentos e novas responsabilidades adquiridos.

Assim sendo, quanto mais os sujeitos se envolvem na e com a

natureza e adquirem vivências sensíveis, mais dão atenção, prioridade e valorização

para condutas que, não somente minimizam o caráter compensatório ou o risco, mas

que ambientalmente causem menos impactos.

O Sujeito 5 m 48 corrobora essa suposição em relato de suas

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próprias mudanças de percepção:

No início, era parte de uma procura pessoal, mas envolvia um grupo de amigos que acrescentava mais adrenalina às experiências, ainda que desde o início tivéssemos cuidado e preocupação com segurança e impacto no ambiente. O caráter de aventura foi aos poucos substituído por um caráter de contemplação e apreciação, ainda que muitas vezes, exigindo níveis mais técnicos (Sujeito 5 m 48).

Aqui ocorre a única aparição do termo adrenalina (em sentido

conotativo e utilizado em substituição à palavra emoção) no conjunto de

depoimentos coletados. Esse termo mais a palavra aventura, exaustivamente

alardeados pela mídia, são utilizados pelo Sujeito 5 m 48 para dar significado e

justificar suas primeiras vivências na natureza, ou seja, como elemento motivacional

inicial para suas incursões em ambientes naturais.

Dando seqüência à interpretação de seu relato, o Sujeito 5 m 48,

conforme suspeita, faz entender que sua busca inicial por vivências emocionantes

(suscitadas pelo termo adrenalina) foi substituída pela busca de outros interesses,

conforme suas vivências se ampliavam conjuntamente com suas técnicas.

Porém, mudanças de percepção não ocorrem espontaneamente

dentro das atividades de aventura. É necessário o direcionamento, a educação e a

divulgação dos valores ambientalmente corretos ou a vivência de imersão na

natureza.

O mesmo Sujeito 5 m 48 entende os praticantes esporádicos ou o

grupo de indivíduos que é atraído pelas atividades de aventura ao ar livre, na

atualidade, como:

[...] quem busca uma alternativa para o lazer, escape ou crescimento interior, mas que nem sempre tem a informação ou a educação necessária para fazer isso sem causar impacto ao meio, às outras pessoas e a si mesmo. [...] Vemos que o turista que migra da praia para a montanha e, assumindo, sem qualquer critério científico, que a maioria das atividades de aventura está no ambiente não-praieiro, nem sempre é educado para o novo cenário, mais frágil e perigoso (Sujeito 5 m 48).

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O relato desse sujeito sugere que muitos dos novos adeptos de

atividades de aventura e, inclusive, como aconteceu com ele próprio, iniciam suas

incursões e atividades na natureza, atraídos essencialmente por elementos a essas

atividades correlacionadas (pela mídia e incutidos no senso comum) como a

aventura, o risco, a emoção exacerbada, a quebra da rotina, entre outros.

O Sujeito 5 m 48 segue afirmando que o praticante que define como

sem informação ou sem acesso à educação para o ambiente, ou seja, aquele sem

auxílio para sobrepujar o nível conformista (MARCELLINO, 2003) de interação com

o ambiente natural, acaba por se manter estagnado em suas percepções e valores,

consumindo vivências esporádicas e buscando apenas satisfazer desejos pessoais,

agindo sem minimização de riscos ou de impactos ambientais causados pela sua

presença na área visitada. Mantém-se no extremo da ausência de consciência e

responsabilidade ambientais, relembrando a linha de Kinker (2002).

Em contrapartida, não apenas com o amparo de estudiosos, mas,

também, com a interpretação dos depoimentos de praticantes divulgadores, há o

entendimento de que, quando novos adeptos são auxiliados em suas vivências, as

atividades ao ar livre se transformam em adequadas vivências de sensibilização e

aprendizagem de novas percepções e condutas, em imersões na natureza, em cujas

vivências, potencialmente, o indivíduo pode sobrepujar o nível conformista de

consciência e adentrar os níveis crítico e criativo (MARCELLINO, 2003).

A imersão na natureza é proposta a qual, nas palavras do Sujeito 1 f

29:

[...] Transforma a vida das pessoas, amplia a percepção em relação aos outros seres, facilita a reflexão sobre o papel de cada um perante as questões ambientais e conceitos como coerência, ética, afetividade e eqüidade se tornam cada vez mais claros.

Nesse trecho de seu depoimento, esse sujeito enumera valores

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adquiridos em imersões na natureza muito próximos às prerrogativas da ecologia

profunda, do ecofilósofo Naess (1989), e às mudanças percebidas pelo naturalista e

educador Cornell (1996, p. 4):

Nunca subestimei o valor desses momentos de contato e comunhão com a natureza. [...] percebi que podemos desenvolver uma profunda conscientização até adquirirmos um entendimento vital e verdadeiro do lugar que ocupamos neste mundo.

O surgimento de um praticante mais perceptivo, reflexivo e crítico

por meio da vivência de contatos profundos não é o único fenômeno constatado.

Talvez, diretamente influenciado por essas mesmas qualidades, o praticante de

atividade de aventura que vivencia imersões na natureza e, tendo como referência,

tanto os dados coletados, como os perfis de nossos entrevistados, também é

acometido pela necessidade de divulgar as atividades ao ar livre e levar outros

indivíduos à natureza e dividir com esses suas vivências intensas e profundas em

ambiente natural.

Praticantes que acumulam vivências intensas são ávidos em

compartilhar suas experiências, as quais influenciam para mudanças

comportamentais e de valores e condutas. Os praticantes se tornam promotores de

educação por meio e para a natureza. Seja como instrutores de atividade de

aventura, educadores ambientais, guias turísticos ou qualquer outra denominação

próxima a essas. Todos os onze sujeitos participantes desse trabalho corroboram

esse fenômeno.

O surgimento espontâneo de um querer divulgar e compartilhar

vivências é exemplificado pelo Sujeito 5 m 48 quando esse relata que: “a partir de

um certo momento, um desejo de compartilhar e inspirar outros me levou à

instrução”. Assim, também sinalizam os demais depoimentos de nossos

entrevistados. A identificação desse fenômeno nos mostrou ser acertada a decisão

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de definir o universo de pesquisa como praticantes divulgadores.

O Sujeito 1 f 29, ao entender a necessidade de amparar as vivências

de novos praticantes, apresenta um indício dos motivos do querer divulgar, por parte

de seus praticantes mais experientes:

Penso que somente a prática [...] não é suficiente para criar um laço profundo e sincero (entre o praticante) com o meio natural. Na minha opinião, isso acontece porque a maioria das empresas que oferecem este tipo de atividade e mesmo as pessoas que conduzem, utilizam a natureza como cenário e não como parte integrante. Você acaba praticando [...] na natureza e não com ela, não há uma interação profunda ou uma preocupação em incluí-la nas atividades (grifo nosso).

O discurso sugere que praticantes divulgadores, conforme adquirem

consciência de que é possível uma relação ser humano/natureza calcada no

convívio igualitário entre ambos22, se sentem responsáveis pelo compartilhar dessa

relação e pelo repúdio e crítica a relações de submissão do meio ambiente.

Por ocasião da menção da utilização e redução da natureza como

cenário para a prática das atividades de aventura, citamos o Sujeito 9 m 29, que

define as atividades ao ar livre como: “atividades praticadas em meio à natureza...

céu, florestas, montanhas, cidades, rios, mares, lagoas... que tem como objetivo

transpor obstáculos naturais criados por ela mesma”.

Essa afirmação corrobora a crítica do Sujeito 1 f 29 quando denuncia

que somente a prática não é suficiente para criar profundas relações ser

humano/ambiente natural, resultantes da imersão na natureza.

O trecho de relato do Sujeito 9 m 29, que considera os ambientes

naturais como “obstáculos”, faz lembrar também a crítica de Mendonça (2000, p.

137), a qual afirma que vivências utilizando o ambiente natural somente como

cenário são apenas reflexos de condutas em meio urbano: “[...] os olhares são

22 Afinal, somos um só.

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rápidos, consumidores de paisagens e não interativos; a relação de dominação se

expande, o lixo se espalha e o descompromisso com os lugares e culturas visitados

também se amplia”.

Portanto, vivências que não consideram suas implicações

ambientais perpetuam a submissão da natureza e sua redução a mero cenário para

o consumo das atividades de aventura, numa relação dialética.

Assim como alguns outros depoimentos registrados, o relato do

Sujeito 9 m 29, contrasta e o coloca em oposição à maioria dos significados

coletados e interpretados, ou seja, seu conteúdo não pode ser entendido como

significado comum ao grupo pesquisado, de praticantes divulgadores, dentro da

análise proposta.

Mais uma vez, a presença de afirmações contrárias aos significados

comuns pode motivar o início de futuras pesquisas e de diferentes análises

interpretativas e o avançar do entendimento do fenômeno lazer caracterizado pelas

atividades de aventura ao ar livre no Brasil.

Encontrar exemplos de praticantes de atividades de aventura ao ar

livre que buscam relacionamentos com a natureza em prol de sua conservação e o

surgimento espontâneo de uma percepção de que os valores aprendidos nas

vivências ao ar livre devem ser divididos e perpetuados, nos aproxima positivamente

de um questionamento desse trabalho: ocorre de maneira desejada e pré-planejada

e por intermédio do lazer nas atividades de aventura ao ar livre, um processo de

sensibilização e aprendizagem de novos valores que resultem em mudanças de

conduta? Em ações e relações mais harmônicas e sustentáveis do ser humano

consigo mesmo, com o meio e demais seres vivos?

Trechos de discursos nos falam, por exemplo, em um “despertar do

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interesse pela natureza” e um “estreitar de laços com os outros seres vivos” (Sujeito

1 f 29), em concordância com Marinho (2006, p. 47), autora que entende as

atividades em contato com a natureza como uma nova possibilidade de lazer que

permite:

[...] que as experiências na relação corpo-natureza (ou ser humano/natureza) expressem uma tentativa de reconhecimento do meio ambiente e dos parceiros envolvidos, expressando, ainda um reconhecimento dos seres humanos como parte desse meio (adendo nosso).

Num depoimento prático, o Sujeito 3 m 39 enumera alguns

ensinamentos aprendidos na vivência das atividades na natureza, que também vão

ao encontro da citação de Marinho (2006). Esse sujeito expressa algumas mudanças

de percepção, mudanças de conduta e mudanças comportamentais:

(São) muitos (os) reflexos (das vivências das atividades de aventura ao ar livre em minha vida), alguns certamente não percebidos por mim. Entre os percebidos e as aprendizagens, poderia inferir: melhor tolerância a alguns desconfortos da vida; capacidade de colocar em perspectiva situações que tendem a estreitar a visão; [...] aprendi muito sobre história natural e sou um melhor apreciador da natureza, mesmo em ambientes urbanos; aprendi a olhar para cima e ver o céu; [...] aprendi muito sobre minhas qualidades e meus defeitos [...]; basicamente minha história pessoal está profundamente relacionada às atividades ao ar livre (adendo nosso).

Assim como o Sujeito 3 m 39, o Sujeito 8 m 31 também lembra

alguns ensinamentos aprendidos e colocados em prática mesmo fora do ambiente

natural, ou seja, nas cidades: “Muitos são os reflexos (das atividades de aventura ao

ar livre em minha vida): mudança na maneira de gerir o lixo; apreciar o meio; olhar

para as pessoas; enfrentar desafios” (adendo nosso).

O Sujeito 4 f 28 também relata mudanças de conduta, tanto suas

como de praticantes auxiliados em suas experiências na natureza:

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Acredito que ampliação da zona de conforto é o reflexo imediato e mais visível (de minha vivência das atividades de aventura ao ar livre) [...]. Isso significa que baixei meu nível de ansiedade quanto às necessidades da vida civilizada e consumista. Sim, há outros reflexos além deste: maior consciência ambiental que levam a atitudes ecologicamente corretas, diferente percepção da paisagem, interesse por assuntos diversificados além da minha formação pessoal. O reflexo principal que percebo em educandos [...] é a percepção da paisagem diferente da paisagem urbana. Depois disso, vem a consciência sobre a responsabilidade de seus atos, tanto para com a natureza quanto para consigo mesmo (Sujeito 4 f 28) (adendo nosso).

Nas palavras do Sujeito 11 m 50, as atividades de aventura ao ar

livre possuem forte caráter educativo: “Acredito que atividades dessa natureza

praticadas ao ar livre [...] encurtam os caminhos para o mais amplo aprendizado

para uma convivência social e ambiental saudáveis”.

Da mesma maneira que o Sujeito 11 m 50, os dizeres do Sujeito 7 m

50 evidenciam o caráter educacional vinculado às atividades na natureza. Esse

sujeito discorre sobre a necessidade do auxílio a novos praticantes para o

aprendizado de novas condutas, tanto na natureza, como em ambiente urbano:

[...] tento transmitir esse gosto pelas atividades ao ar livre e a ética de praticá-las ou planejá-las sempre com vistas ao mínimo impacto, princípio fundamental ao Programa Pega Leve! [...]. Na minha vida, além de tentar separar o lixo e reciclá-lo [...] atualmente eu levo os meus filhos às trilhas e canoadas sempre que possível (Sujeito 7 m 50).

O Sujeito 10 f 36 enfatiza como a vivência das atividades de

aventura ao ar livre podem potencialmente transformar o indivíduo: “a natureza e a

prática de atividades ao ar livre são parte integrante da minha vida e influenciam

desde onde eu moro até meus valores morais”.

O Sujeito 5 m 48 também demonstra expressivas mudanças

proporcionadas pelas atividades de aventura ao ar livre, mudanças perceptivas, que

influenciaram todo o seu modo de viver. Esse depoimento é caro à pesquisa, no que

diz respeito à nossa busca por relatos de processos de sensibilização e

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aprendizagem de novos valores que resultem em mudanças comportamentais, em

ações e relações mais harmônicas e sustentáveis do ser humano consigo mesmo,

com o meio e demais seres vivos, por meio do lazer nas atividades de aventura ao

ar livre:

(A vivência das atividades de aventura ao ar livre) gerou uma transformação radical em meu estilo e projeto de vida, permitindo uma re-conexão com valores mais fundamentais, como família, saúde, solidariedade, criatividade, versatilidade, liberdade, etc., substituindo a acumulação material pelo desapego; do consumismo pela valorização da simplicidade; da ambição desmedida pelo foco em projetos sustentáveis. Motivou-me a desfazer de um empreendimento bem sucedido [...] e investir num projeto sustentável num município pobre da Bahia, abrindo mão de um bom conforto material em troca de um enorme conforto espiritual (Sujeito 5 m 48) (adendo nosso).

Esse trecho do depoimento do Sujeito 5 m 48, somado ao contexto

geral dos discursos coletados, sugere que as vivências proporcionadas pelo lazer

nas atividades de aventura ao ar livre podem sobrepujar a chamada crise de

percepção (CAPRA, 1982) e sensibilizar adeptos para mudanças de modo de vida,

para a construção de uma nova realidade, de uma nova história (MARINHO, 2004),

sensibilizar para a compreensão e adoção de outros valores que não sejam os de

mercado e que rompam com a lógica hegemônica (SAMPAIO, 2006).

Os últimos trechos de discursos de praticantes divulgadores

expostos identificam, também, atitudes alinhadas com a ecologia profunda, como,

por exemplo, o reencontro do ser humano como natureza, num relacionamento

igualitário e a percepção de que a auto-realização deve sobrepor objetivos materiais,

entre outras novas formas de agir. São identificadas, por influência do lazer nas

vivências das atividades de aventura ao ar livre, em imersões na natureza, modos de

vida que propiciam o resgate da simplicidade e de uma volta decisiva a uma vida

livre o quanto possível.

Percebe-se que os valores adquiridos nas vivências de imersões na

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natureza repercutem inicialmente no cotidiano de cada sujeito, em revoluções

individuais. Num segundo momento, numa visão de conjunto, mais ampla, a adoção

de condutas sensíveis com e em defesa do ambiente natural pode ser entendida

como a mudança para novos paradigmas que vão ao encontro de pensamentos da

abordagem sistêmica (CAPRA, 1982) e da ecologia profunda (NAESS, 1989).

Embora mais pesquisas e interpretações dos significados das

vivências das atividades de aventura ao ar livre sejam necessárias para uma maior

compreensão do fenômeno, criar ao crescente número de adeptos de atividades de

aventura, oportunidades de experiências na natureza ao lado de praticantes

divulgadores (que levam em consideração o estímulo pessoal, a freqüência e a

duração, e a intensidade em suas vivências), torna-se alternativa adequada para a

realização de reais imersões na natureza e para uma ressignificação do fenômeno

atividade de aventura ao ar livre.

Resultado do diálogo entre estudiosos do tema e praticantes

divulgadores, em torno dos significados das vivências das atividades de aventura ao

ar livre, é possível entendê-las como propostas a superar a crise de percepção,

quando:

• ocorrem não influenciadas por aspectos modistas e/ou

consumistas amparados por imposições mercadológicas amplamente divulgadas

pela mídia, mas como lazer prazeroso e efetuado por livre escolha;

• o fenômeno deixa de ser somente uma compensação ou uma

amenização da rotina urbana e se torna vivência significativa cujos ensinamentos

aprendidos e apreendidos são referenciais para um melhor relacionamento

indivíduo/ sociedade/meio ambiente (natural ou não)/ demais seres vivos. Um melhor

relacionamento almejado pela abordagem sistêmica;

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• identificadas como reais possibilidades educacionais, de

desenvolvimento humano, de maneira desejada e pré-planejada, por meio de

experiências e sensações possíveis e atraentes no lazer ao ar livre;

• o praticante segue crítica e conscientemente princípios e

condutas de mínimo impacto e agregando novas percepções e sensibilidades;

• criadoras de uma relação ser humano/natureza calcada na

afetividade;

• estímulos espontâneos à apreensão de novos valores de

igualdade e não-submissão da natureza; novos valores defendidos, por exemplo,

pela ecologia profunda;

• geradoras de transcendência humana e ambiental.

Por meio da realização das atividades de aventura ao ar livre,

embasadas e sustentadas por esses parâmetros, em atividades de imersão na

natureza, então potencializadas por e propiciadoras de sentimentos e o afloramento

de sensibilidades, são vivenciadas experiências com significados marcantes.

Nesse contexto de arrebatamento causado pelo contato e convívio

diretos com outros seres vivos e em ambientes naturais, são criados no sujeito o

respeito, o fascínio, o afeto e o amor, a si próprio, aos nossos semelhantes (ou nem

tanto) e ao nosso mundo (NABETA, 2006).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ações ambientais vinculadas às atividades de aventura ao ar livre

são possibilitadas quando há predisposição do visitante do ambiente natural a

aprender e contribuir com a conservação da natureza e quando são delineadas

estratégias a promover vivências que agreguem responsabilidade ambiental.

Pensamentos sistêmicos e valores da ecologia profunda, obstante o

fato de parecerem paradigmas distantes de serem criados, surgem

espontaneamente quando da vivência de atividades de aventura ao ar livre como

lazer com cunho educacional. Surgem por ocasião do contato direto e intenso e a

criação do afeto pela natureza.

A realidade apresentada por estudiosos da área demonstra que

ainda ocorre o desperdício de oportunidades para o desencadeamento desses

novos valores. Muitas possibilidades de atividades em curso na natureza ainda

possuem, em seus cernes, objetivos indiferentes à conservação de ambientes

protegidos.

Somado a esse perfil atual de indiferença, há uma gestão dificultosa

das áreas protegidas nacionais, tanto pelo poder público como por usuários, sejam

entidades civis ou turistas esporádicos, influenciados pela divulgação, por parte da

mídia, de uma natureza reduzida a cenário, para o lazer compensatório/amenizador

da rotina urbana. Nesse contexto, as atividades de aventura ao ar livre parecem não

se encaixar como ações ambientais, ou seja, não propiciam benefícios evidentes à

natureza quando de suas execuções e sempre causarão impactos, por mínimos que

possam ser.

Porém, mesmo dentro dessa realidade, identificam-se propostas,

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como programas de mínimo impacto ambiental e programas educacionais na e com

a natureza, que, mesmo não beneficiando o meio ambiente num primeiro momento,

propiciam o desenvolvimento individual do praticante de atividades ao ar livre em

vivências de contato direto.

Em decorrência da grande incidência nos discursos da pesquisa de

campo, caracteriza-se a estreita e dialética relação entre a aventura e o risco. Fica

evidente que a relação aventura/risco, apesar de assumir diferentes sentidos,

práticos e interpretativos e diferentes conotações metafóricas, também é entendida

por praticantes divulgadores experientes nas vivências das atividades na natureza, e

não somente pelo senso comum, muito suscetível aos apelos da mídia do consumo

e dos modismos.

É notória a atenção dada ao risco calculado e gerenciado por parte

dos praticantes divulgadores. A vivência desse risco pode ir além de mero reforço do

lazer compensatório e se tornar grande aliado de uma educação no e com o

ambiente natural, ao se inserir como elemento sensibilizador e gerador de vivências

emocionantes e sentimentais, oportunidades para o aprendizado de novos valores e

percepções no e do meio.

Praticantes divulgadores, por meio de seus discursos, e em

concordância com o vislumbrado por estudiosos do tema, demonstram que

mudanças de percepções, de condutas e de valores podem ocorrer, quando da

vivência de experiências profundas em atividades de aventura e amparadas por

adeptos mais experientes, ou seja, em imersões na natureza.

Temas como programas de educação em ambientes naturais,

embora em expansão como prática no Brasil, ainda possuem pouca atenção do

meio acadêmico, e, bem estudadas e desenvolvidas, podem servir de base

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metodológica para a elaboração de futuras intervenções educacionais e de lazer.

Esse trabalho apresentou propostas em curso e esboçou caminhos

para futuras pesquisas e observações por parte dos estudiosos do lazer e das

atividades de aventura e meio ambiente, na crença de que o aprendizado de novos

valores e mudanças perceptivas, propiciados pela experiência do lazer na e com a

natureza, extrapolam as condutas em ambiente natural, e se refletem em todo o

contexto vivencial do indivíduo e recriam a relação harmônica ser humano/natureza

há tanto tempo despercebida.