3 sobre o crime de lavagem de dinheiro · de dinheiro apresentam algumas características similares...

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3 SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO 3.1 ASPECTOS INICIAIS DOS MÉTODOS DE LAVAGEM Os métodos apresentados pela doutrina variam de acordo com o modo que o utilizador irá movimentar seu patrimônio financeiro. Além da preocupação com a elaboração de legislações para o enquadramento do crime existem algumas medidas preventivas tomadas em áreas vinculadas diretamente ao poder econômico que tentam coibir as diversas técnicas de infiltração deste dinheiro na economia. Mesmo já existindo um complexo sistema normativo com o objetivo de detectar as práticas de lavagem de dinheiro, na prática, o que podemos observar é a crescente inovação 1 de métodos, divididos em fases, conforme a doutrina. Para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, as fases da lavagem de dinheiro apresentam algumas características similares dentre si, como por exemplo: o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e, por fim, a disponibilização do dinheiro novamente 2 . 3.2 A INTEGRAÇÃO DOS MÉTODOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO 3.2.1 As fases da lavagem de dinheiro Em relação ao estudo das fases da lavagem, resta claro que o envolvido não precisará exaurir cada uma delas para concretizar o delito, pois poderá se utilizar de 1Os sites de jogos de cassino on-line representam uma grande parcela de valores envolvidos com as técnicas de lavagem de dinheiro. Conforme estudo do The Peterson Institute for International Economics: “Chips are bought with cash, then after a period of time during wich gambling mai or may not take place, the chipas are traded in for a check from casino, perhaps in the name of a third party. When a casino has establishments in different countries, it may serve as an unwitting international launderer if a customer request thar this or her credit be made avaiable in a casino establishement in another country. In addition, tokens themselves may be used to purchase goods and services or drugs. (Disponível em: <http://www.piie.com/publications/chapters_preview/381/3iie3705.pdf >. Acesso em: 19 ago. 2012.) 2COAF. Op.cit.

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Page 1: 3 SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO · de dinheiro apresentam algumas características similares dentre si, como por ... realização de um ciclo específico para a tipificação

3 SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

3.1 ASPECTOS INICIAIS DOS MÉTODOS DE LAVAGEM

Os métodos apresentados pela doutrina variam de acordo com o modo que o

utilizador irá movimentar seu patrimônio financeiro. Além da preocupação com a

elaboração de legislações para o enquadramento do crime existem algumas

medidas preventivas tomadas em áreas vinculadas diretamente ao poder econômico

que tentam coibir as diversas técnicas de infiltração deste dinheiro na economia.

Mesmo já existindo um complexo sistema normativo com o objetivo de

detectar as práticas de lavagem de dinheiro, na prática, o que podemos observar é a

crescente inovação1 de métodos, divididos em fases, conforme a doutrina.

Para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, as fases da lavagem

de dinheiro apresentam algumas características similares dentre si, como por

exemplo: o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação

direta deles com o crime; o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o

rastreamento desses recursos; e, por fim, a disponibilização do dinheiro novamente2.

3.2 A INTEGRAÇÃO DOS MÉTODOS DE LAVAGEM DE DINHEIRO

3.2.1 As fases da lavagem de dinheiro

Em relação ao estudo das fases da lavagem, resta claro que o envolvido não

precisará exaurir cada uma delas para concretizar o delito, pois poderá se utilizar de

1Os sites de jogos de cassino on-line representam uma grande parcela de valores envolvidos com as técnicas de lavagem de dinheiro. Conforme estudo do The Peterson Institute for International Economics: “Chips are bought with cash, then after a period of time during wich gambling mai or may not take place, the chipas are traded in for a check from casino, perhaps in the name of a third party. When a casino has establishments in different countries, it may serve as an unwitting international launderer if a customer request thar this or her credit be made avaiable in a casino establishement in another country. In addition, tokens themselves may be used to purchase goods and services or drugs. (Disponível em: <http://www.piie.com/publications/chapters_preview/381/3iie3705.pdf >. Acesso em: 19 ago. 2012.)2COAF. Op.cit.

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uma só consumindo as demais, havendo somente uma variável relacionada à opção

do modelo escolhido pelo agente. Assim, conforme o doutrinador Guilherme de

Souza Nucci, o elemento subjetivo da lavagem é o dolo, consistindo na intenção do

agente em ocultar ou dissimular a utilização dos bens, direitos ou valores, não

havendo a forma culposa3.

Embora o delito esteja se consumando desde o início das fases de ocultação,

existirá um elemento subjetivo elementar que transpassa todas as etapas, qual seja:

a vontade de transformar o capital e fazer com que ele retorne para a economia

formal. Nas palavras de Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini:

em outras palavras, ainda que no plano objetivo seja suficiente a mera ocultação dos bens para a caracterização da lavagem de dinheiro, na esfera subjetiva sempre será necessária a intenção de reciclar os bens, o desejo de completar o ciclo da lavagem4.

Os mesmos autores ensinam que a legislação brasileira não precisará a

realização de um ciclo específico para a tipificação da lavagem, não necessitando a

sua integração com a economia lícita, bastando a consumação da ocultação para

que reste configurada a materialidade delitiva, incidindo sobre esta a mesma pena

aplicável à dissimulação e/ou integração5.

No âmbito do estudo das fases, a doutrina explica amplamente sua distinção.

E com propriedade André Callegari aponta-nos que o transcurso percorrido pelo

numerário tem como objetivo dificultar a sua localização, por isso resta necessário

analisar as diversas variações características de cada fase pormenorizada:

O processo de lavagem de dinheiro normalmente se constituí de distintas fases ou estados, ao longo dos quais tem lugar a aparente normalização dos rendimentos ilícitos. A primeira fase é ocultação ou colocação, na qual se faz desaparecer enormes quantidades de dinheiro em espécie enormes quantidades de dinheiro em espécie derivada de atividades ilegais, mediante o depósito nas mãos de intermediários financeiros. Com redução desse enorme numerário, o patrimônio resultante fica submetido em segunda instância a ma série de transações dirigidas a fazer desaparecer o vínculo existente entre os delinquentes e o bem procedente de sua atuação, dificultando a localização de rastros do dinheiro. Por fim, o processo se conclui com a última fase de integração, em que a riqueza obtém aparência

3NUCCI, Guilherme de Souza. Op.cit., 2007. p. 720.4BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op.cit., 2012. p. 25.5 Ibidem.

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definitiva de legalidade, objetivo do lavador, o que significa que o dinheiro pode ser utilizado no sistema econômico e financeiro como se fosse dinheiro licitamente obtido6.

Embora as fases sejam amplamente citadas na doutrina nacional e

internacional, o objetivo deste intrínseco planejamento será resumido, como também

aponta Luiz Flávio Gomes, em um processo dinâmico que possui como objetivo

distanciar cada vez mais a origem dos fundos de origem7, evitando o seu

rastreamento e usufruindo do tempo como um forte agente da transformação do

dinheiro antes considerado ilícito8.

De acordo com a cartilha elaborada pelo Conselho de Controle de Atividades

Financeiras, e com base na publicação do primeiro relatório do Grupo de Ação

Financeira Internacional - GAFI, os mecanismos mais utilizados no processo de

lavagem de dinheiro envolvem teoricamente essas três etapas independentes que,

com frequência, ocorrem simultaneamente. Vejamos:

1. Colocação – a primeira etapa do processo é a colocação do dinheiro no sistema econômico. Objetivando ocultar sua origem, o criminoso procura movimentar o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal.A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie.

2. Ocultação – a segunda etapa do processo consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente,

6CALLEGARI, André Luís. Op.cit., 2004, p. 139.7Vejamos um exemplo prático de lavagem de capitais e a sua integração no sistema financeiro paralelo: duas casas de câmbio do país Sul realizavam remessas de valores ao exterior realizando cobranças por este serviço. Os valores eram movimentados em contas bancárias localizadas na América do Norte, Europa e na América do Sul, de onde eram remetidos para os clientes, sendo pessoas físicas ou jurídicas. Utilizando a conta destas pessoas, os criminosos podiam realizar operações de compensação, misturando o dinheiro legal com ilegal. As pessoas que possuíam estas contas ganhavam percentuais para realizarem estas operações. Para maiores informações, o COAF editou, em parceria com o Banco do Brasil, e traduzido pela Embaixada dos EUA a coletânea Os Cem Casos de Lavagem, compilados pelo Grupo de Egmont e oriundos das 58 Unidades de Inteligência Financeira que compõem o Grupo. Esta publicação tratou de reunir cem casos reais da luta contra a lavagem de dinheiro. Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/ downloads/ 100_Casos.pdf. Acesso em 07 jul. 2012. 8GOMES, Luiz Flávio. Legislação Criminal Especial, v. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 519.

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em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas”.

3. Integração – nesta última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal9.

É o desmembramento dos atos contidos nas operações de lavagem de

dinheiro que irá identificar os elementos caracterizadores do cometimento desse

delito. Segundo Raúl Cervini10, para identificar dos corretivos técnicos e legais para a

regulamentação da economia, deve ser valorada uma análise que possa caracterizar

os principais operadores do mercado.

Para tanto, primeiramente deveríamos realizar uma análise tomográfica dos

mecanismos econômicos envolvidos, visualizando o conjunto de variáveis

macroeconômicas que compõem os diferentes nichos das principais atividades

econômicas do país. Posteriormente, cumprida esta etapa, cabe encontrar o

fomento econômico que move determinados setores da economia, como, por

exemplo, o mercado de câmbio e as indústrias que monopolizam a economia.

A terceira etapa consiste na definição de qual empresa mais movimenta

valores neste complexo sistema econômico, e, por fim, devem ser identificadas as

relações destas empresas entre si, e principalmente quem são seus fornecedores de

matéria-prima e os fabricantes do produto.

Já em relação ao particular, a identificação de indícios irá ocorrer pela análise

de movimentações financeiras suspeitas incompatíveis com a sua renda. Nesse

sentido, Samuel Monteiro aponta-nos algumas situações relacionadas a tipos de

atividades, nas quais um auditor do Tesouro Nacional deverá verificar por meio de

uma investigação mais aprofundada, são elas: aplicações vultuosas em Bolsas de

Valores, valores elevados de depósitos bancários prêmios de loterias federais,

investimento em propriedades privadas, dentre outros11.

O certo é que, para ocorrerem as fases, o estudo da lavagem de dinheiro

estabeleceu formas específicas de integração do capital.

9Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/sobre-lavagem-de-dinheiro-1/fases. Acesso em: 07 jul.2012. 10CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Op.cit., 1998. p. 68-69.11MONTEIRO, Samuel. Dos crimes fazendários: compendio teórico e prático. São Paulo: Hemus, 1998.p. 206.

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3.3 AS AÇÕES DE INTEGRAÇÃO ENTRE SISTEMAS

Na atualidade, havendo uma diversidade de métodos para as transmissões

de informações, acabamos por criar uma verdadeira “volatilização” financeira. Ou

seja, cada vez mais transformamos o papel moeda (físico) em virtual, e por um lado,

ao passo que facilitamos o transporte de numerários, aumentamos o risco do

descontrole no acompanhamento das operações financeiras. Na verdade, o agente

que pratica esse crime na pós-modernidade poderá optar entre o transporte de

“papel-moeda”, ou ainda, utilizar-se de mecanismos que evoluíram juntamente com

a sociedade.

As crescentes operações de negócios empresariais foram as responsáveis

pelo desenvolvimento de uma cultura de mercado incentivadora do intercâmbio de

informações. Assim, com a crescente utilização de plataformas tecnológicas,

aumentou-se o contato entre grandes corporações, que investiram em mecanismos

para diversificar o contexto de seus investimentos de mercado:

New communication technology has been especially important for the development of financial activities. Computers, Internet, switching devices and telecommunications satellites have slashed the cost of transmitting information internationally, of confirming transactions, and of paying for transactions. Moreover, thanks to these technological innovations, information is easily and quickly available and can be accessed and sent around the world in seconds. Capital transfers can thus be made instantaneously and with low costs.In addition, companies and enterprises can cross frontiers much more easily than in the past, leading to the growth of truly multinational enterprises. Multinational enterprises operate their production branches in several countries, trying to exploit comparative advantages of particular locations. As a result, integrated international production trade among branches or subsidiaries of the same multinational corporation has been growing very fast and represent a large share of total world trade. As the trade among branches of the same multinational enterprises grows, it becomes more difficult to allocate the profits of theses corporations among the countries where they operate and consequently to tax those profits.Within this process of increasing globalization of economic activities and of growing integration of the world’s economies, private economic operators have become more sensitive to differences in effective tax rates and react to these differences whenever a decision related to business or investment is made.12

12“Novas tecnologias de comunicações tem sido especialmente importante para o desenvolvimento de atividades financeiras. Computadores, Internet, dispositivos de comutação e satélites de telecomunicações reduziram o custo de transmissão de dados a nível internacional, de transações de confirmação, e de pagamento por transações. Além disso, graças a essas inovações tecnológicas, a informação é facilmente e rapidamente disponível ao poder ser acessada e enviada para todo o mundo em segundos. As transferências de capital podem, assim, serem feitas instantaneamente e com baixo custo.Além disso, as companhias e empresas podem atravessar fronteiras muito mais facilmente do que no

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Neste patamar, independente da técnica utilizada, passamos a verificar que a

elaboração do esquema de lavagem de dinheiro torna-se um crime silencioso, e

cada vez mais complexo. Logo, enquanto as autoridades policiais buscam, na

persecução penal, uma investigação que demonstre a origem dos ativos ilícitos, o

Sistema Financeiro já absorveu com plenitude todo o bojo probatório, considerando

a quantidade das operações realizadas.

Nesse contexto, não somente a colaboração internacional será estratégica na

investigação deste crime, mas também a atuação de uma equipe técnica

especializada ainda sentirá dificuldades na reunião das provas que apontem o real

participante do esquema. Coadunando com este pensamento, Howard Silverstone e

Michael Sheetz nos apontam:

[...] as investigações dos crimes financeiros não são como a maioria de outros tipos de investigações criminais. Eles são repletos de complexidade e realizados com informações de natureza intensivas. Se você está seguindo o rastro de papel de uma organização de lavagem de dinheiro ou tentando encontrar os recursos desviados de uma conta bancária corporativa, você deve seguir o rastro do papel - uma trilha que muitas vezes contém cheques, extratos bancários, transferências bancárias, ordens de pagamento, certificados de ações, recibos, ordens de compra, cartas de crédito e possivelmente mais milhares de documentos individuais. (tradução nossa)13.

passado, o que conduz ao crescimento de empresas verdadeiramente multinacionais. As empresas multinacionais operam seus ramos de produção em vários países, tentando explorar as vantagens comparativas de determinados locais. Como resultado, a produção integrada de comércio internacional entre sucursais ou filiais da mesma empresa multinacional tem vindo a crescer muito rápido e representam uma grande parcela do comércio mundial total. Como o comércio entre os ramos das mesmas empresas multinacionais cresce, torna-se mais difícil para alocar os lucros das corporações entre os países em que atuam e, consequentemente, tributam esses lucros.Dentro desse processo de crescente globalização das atividades econômicas, e da crescente integração das economias do mundo, os operadores econômicos privados tornaram-se mais sensíveis às diferenças nas taxas de imposto efetivas e reagem a essas diferenças sempre que uma decisão relacionada ao negócio ou investimento é realizada” (tradução livre). WU, Tun Nin. Theory and Operation of a Modern National Economy: Tax Heavens. The George Town University: 1999. Disponível em: <http://www.gwu.edu/~ibi/minerva/Fall1999/Wu.Tun.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012. p.3. 13“As we cautioned the reader throughout this text, financial crime investigations are unlike most any other type of criminal investigation. They are fraught with complexity and are by nature information intensive. Whether you are following the paper trail of a money-laundering organization or attempting to find the assets siphoned from the corporate bank account, you must follow the paper trail – a trail than often contains checks, bank statements, wire transfers, money orders , stock certificates, receipts, purchase orders, letters of credit, and possibly thousands more individual documents.” Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=cr7tMOsTdqAC&oi=fnd&pg=PR9&dq=Offshore+shelf+companies+fraud+case&ots=UEGV7VYiye&sig=PIpGQ93M-Lvn4oWiNG8zZaDbld8#v=onepage&q=laundering&f=false p. 179. Acesso em: 18 ago. 2012.

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3.4 AS FERRAMENTAS DE INTEGRAÇÃO EM SISTEMAS FINANCEIROS

Fruto da organização das sociedades, o homem moderno começou a

executar ações especializadas na utilização de informações fornecidas pelo sistema

social. Além disso, também utilizou o sistema de governo na construção de

instituições capacitadas a definir algumas regras de mercado. O próprio Estado,

através de suas instituições regulamentadas, facilitou, como meio, a maioria das

circunstâncias em que ocorre o crime de lavagem de capitais.

As ferramentas de integração estarão atreladas a mecanismos de

contratações nacionais e internacionais, conforme o risco assumido pelo investidor,

tendo em vista a questão da confiança no investimento ser imprescindível para evitar

possíveis ocorrências de fraudes, com o objetivo de mascarar a integração de

valores irregulares no mercado financeiro.

O excesso da utilização de ferramentas elaboradas diretamente no mercado

financeiro facilita a reciclagem do capital ilícito, decorrente do fato de existir um

descontrole nos mecanismos liberais de política monetária autorizados pelo Estado,

o que auxilia o processo de ocultação e manipulação de economias.

Atualmente, podemos localizar instituições e serviços especializados no

agenciamento de serviços financeiros, muitas vezes servindo de intermediários ou

até mesmo operadores finais, até locais onde o numerário permanecerá guardado

sigilosamente. Estes locais no exterior são conhecidos como paraísos fiscais, ou

centros offshore. Os métodos de integração de valores serão efetivados por meio de

depósitos bancários (com dinheiro em espécie ou transações eletrônicas), compra

de ações, criação de fundos, bem como pela constituição de determinados tipos

societários14.

A obtenção dos serviços intermediários de integração pode ser efetivada por

meio de instituições localizadas nos próprios paraísos, ou ainda, por serviços

14“Um outro dado interessante e preocupante dá conta de que entre duzentos a trezentos russos compraram uma cidadania dominicana junto aos paraísos. Entre os métodos utilizados para transferência de recursos para dentro ou para fora de um paraíso fiscal, temos o transporte pessoal tradicional, muito utilizado na nossa fronteira; a transferência eletrônica; cheques administrativos; preço de transferência, importação ou exportação, muito usado hoje em dia no comércio; por advogados, contadores e gerentes; conta de corretagem; serviço de transferência por cabo; empréstimos fictícios; investimentos estrangeiros fictícios; honorários de intermediação; combinações de alguns métodos anteriormente elencados.” (MORAES, Deomar. Seminário internacional sobre lavagem de dinheiro. Paraísos Fiscais, Centros Offshore e Lavagem de Dinheiro. Série Cadernos do CEJ, Brasília, DF, 1999 , v.17, p. 102.)

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disponíveis por meio da rede mundial de computadores. Sendo assim, para facilitar

ainda mais o contato entre as pessoas físicas (ou jurídicas), substituiu-se os meios

tradicionais de transporte de valores, como carros, aviões, ou dinheiro em espécie,

por simples transações eletrônicas entre instituições.

Ao contrário do que poderíamos pensar, muitas vezes as instituições

envolvidas em práticas de lavagem estão relacionadas indiretamente ao mercado

financeiro, sendo um exemplo disso a utilização de casas de câmbio para praticar as

técnicas de lavagem. André Callegari, com base na obra de Carlos Aránguez

Sánches, aponta-nos existir métodos utilizados para a lavagem de dinheiro através

de depósitos realizados na conta bancária da casa de câmbio, podendo ser

novamente transferidos para qualquer lugar do mundo15.

Assim, qualquer investidor, diante das opções oferecidas através de agentes

de operações bancárias e câmbio, empresas de consultoria, ou escritórios de

advocacia poderá entrar diretamente em contato com intermediários que atuam

entre instituições financeiras, ou empresas captadoras de fundos monetários, a fim

de realizar a conferência da documentação e pactuar como será realizada a

transferência do numerário.

A facilidade na busca destas instituições dependerá diretamente do fluxo das

informações nas quais o investidor terá acesso, alternando suas opções de

investimento no mercado.

3.5 O FLUXO DE INFORMAÇÕES: A DINÂMICA DAS TELECOMUNICAÇÕES

A evolução com base no fluxo de informações e operações telemáticas de

valores substituiu o numerário físico por ordens de compra e venda em diversos

mercados mundiais. Hodiernamente, o sujeito ativo da lavagem poderá realizar

operações simplificadas (como por exemplo, a utilização de programas home

brokers particulares), ou por intermédio de assessorias especializadas, a derivação

de seu capital econômico. Ambas estratégias possibilitam rápidos processos de

mascaramento através de operações lícitas desenvolvidas com métodos avançados

de transmissão de informações.

15 CALLEGARI, André Luís. Op.cit., 2003. p. 54.

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Segundo Roberto Chacon, a velocidade computacional foi um dos principais

elementos motivadores deste fluxo, assim:

Foi justamente para aumentar a velocidade das operações bancárias internacionais, para torná-las instantâneas, através de computadores, que se criou, em Bruxelas, a rede Swift, sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication. Uma sociedade civil de direito belga, a rede Swift existe desde 1973. Tem como finalidade operar uma rede internacional de telecomunicações como a Chaps, na Inglaterra; a Chips, nos Estados Unidos; e a Sagittaire, na França. A rede Swift, que opera mundialmente, em regime ininterrupto, foi criada para gerar um ambiente que favoreça a execução rápida, em nanossegundos, segura e eficaz de operações bancárias internacionais16.

Em contrapartida, tornando o mercado um vasto campo para a prática de

operações arriscadas, também foi necessária a criação de mecanismos de controle.

Dessa forma, com a ajuda de órgãos responsáveis pelo controle interno (como o

Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras), o Estado

organizou a enorme tarefa de sistematizar um complexo “quebra-cabeças”, tendo

como pano de fundo a influência de mercados e governos distintos.

São esses principais órgãos que mantêm a fiscalização na realização de

operações bancárias, tendo em vista as instituições financeiras comporem um dos

setores mais visados pelas organizações criminosas para a realização de operações

de lavagem de dinheiro, auxiliados por novas tecnologias envolvidas com transações

financeiras, e a globalização dos serviços bancários que, por sua vez, imprimem

uma velocidade sem precedentes à circulação do dinheiro.

Recursos em busca de taxas de juros mais atraentes, compra e venda de divisas e operações internacionais de empréstimo e financiamento, misturam-se num vasto circuito de transações complexas. Nessas transações, o dinheiro sujo se mistura com quantias que essas instituições movimentam legalmente todos os dias, o que favorece o processo de dissimulação da origem ilegal. As redes mundiais que interligam computadores, a exemplo da Internet, favorecem amplamente este processo, ampliando as possibilidades de movimentação dos recursos, conferindo maior rapidez e garantindo o anonimato das operações ilegais.17

A propósito, dentro do complexo sistema social, a lavagem de dinheiro

transforma-se numa operação dinâmica, principalmente por estar, estreitamente,

16ALBUQUERQUE, Roberto Chacon de. Op.cit. p. 399.17Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/publicacoes/downloads/cartilha.pdf. Acesso em: p 6

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vinculada aos interesses das grandes instituições ou governos com regras de

mercado próprias.

Atentos a esta situação, as organizações criminosas aparelharam-se e

passaram a investir em instituições que facilitassem o trabalho de ocultação dos

valores envolvidos. Basicamente, com o acesso a informações privilegiadas, o

agente envolvido com a lavagem de capitais poderá escolher sua carteira de

investimentos, da mesma forma que um investidor em potencial contrataria os

serviços bancários oferecidos no mercado.

3.6 O SISTEMA BANCÁRIO COMO MEIO DE INTEGRAÇÃO DE VALORES

Um exemplo da participação de instituições bancárias no esquema de

lavagem de dinheiro pode ser observado no caso das contas CC518, mais conhecido

nacionalmente como “Caso Banestado” 19 20. Este caso envolveu o sistema bancário

18 “As famosas contas “CC5” foram assim chamadas por terem sido objeto da Carta Circular nº 5, de 1969, já revogada, que regulamentava o art. 57 do Decreto 55.762 de 1965. Constituem-se em contas em moeda nacional mantidas no país por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, matéria hoje tratada pelo capítulo 13 do título 1 do RMCCI. Ganharam notoriedade por terem sido usadas em vigoroso esquema bilionário de evasão ilegal de divisas do país . Disponível em: <http://gtld.pgr.mpf.gov.br/gtld/crimes-contra-o-sistema-financeiro/glossario/>. Acesso em: 02 out. 2012.19Conforme explica o Perito Criminal Federal, Renato Barbosa: “O laudo de exame contábil indicou especificamente algumas providências imprescindíveis para que os peritos criminais federais obtivessem, legalmente, acesso a alguns documentos bancários arquivados na extinta agência do Banestado, em Nova Iorque, entre eles:a) ordens de pagamento recebidas pelas instituições financeiras de Nova Iorque, por meio de SWIFT, CHIPS ou qualquer outro sistema eletrônico de transmissão de dados, provenientes do Brasil, relativas as contrapartidas dos valores negociados no mercado interbancário nacional, conforme registros nos relatórios do Sisbacen RCAM 1335;b) documentos físicos comprobatórios das operações levadas a crédito e a débito de algumas contas correntes mantidas naquela extinta agência;c) dossiês e pastas operacionais das contas correntes a serem investigadas;d) procurações e documentos pessoais dos representantes ou proprietários das contas correntes tituladas por empresas offshore;e) extratos e ordens de pagamento veiculadas pelas contas correntes investigadas nos EUA.”(BARBOSA, Renato. Lavagem de Dinheiro. Revista Perícia Federal, n. 14, jun/jul 2003 p. 20-26. Disponível em: < http://www.apcf.org.br/Portals/0/revistaAPCF/14.pdf>. Acesso em 15 ago. 2012).20 De acordo com o glossário de crimes financeiros do GAFI, “o “esquema CC5”, que se alongou de 04/1996 a 01/2000, foi um esquema de evasão ilegal de divisas do país responsável pela remessa ao exterior de mais de US$ 24 BILHÕES. Nesse esquema diversos bancos, “doleiros”e seus clientes uniram-se para remeter ilicitamente recursos para o exterior, valendo-se irregularmente de contas CC5, as quais, embora criadas para uso lícito, tiveram sua função desvirtuada. Surgiu a partir da autorização do BACEN, em 1996, para que cinco Instituições Financeiras (Bemge, Banco do Brasil, Banestado, Araucária e Real), que mantinham agências na cidade fronteiriça de Foz do Iguaçu, recebessem depósitos em espécie em contas “CC-5”, acima do patamar de R$ 10.000,00, a pretexto de facilitar o repatriamento de recursos gastos por brasileiros (“compristas”) no comércio de CIUDAD DEL ESTE (Paraguai), afastando, assim, para a finalidade específica da repatriação de recursos de “compristas”, a exigência do art. 8º da CC 2677, o qual determinava identificação completa de proveniência, destinação e natureza dos pagamentos. “Doleiros”, então, vislumbraram aí a possibilidade de remeter ao exterior recursos sem que fossem identificados os seus reais titulares no Brasil, ou mesmo os intermediários (os “doleiros”). Esse esquema deve ser compreendido no contexto de que, desde 1992, os normativos do BACEN já autorizavam, sem maiores formalidades, a remessa de recursos ao exterior, desde que identificados os “donos do dinheiro”,

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nacional em um grande esquema de remessa de valores ilegais para o exterior.

A origem deste esquema tem por início o ano de 1996 onde, após a acusação

de desvio de valores por parte de um gerente de câmbio do banco, houve a

denúncia da existência de mais 107 contas bancárias na agência do Banestado, em

Nova Iorque, utilizadas para a remessa de valores irregulares através de contas

CC5. Em 2003 houve uma investigação federal e a instauração de uma Comissão

Parlamentar de Inquérito, onde, em seu Relatório Final, restou o indiciamento de 91

pessoas envolvidas.

Em relação a este caso, cabe ressaltar que, somente no ano de 2012, através

da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e do Departamento

Internacional da Advocacia-Geral da União, foi garantida a repatriação de valores

depositados em conta bancária para o envio ilegal de recursos, perante a Corte

Distrital de Nova Iorque21.

de modo que os “doleiros” eram a via preferencial eleita por titulares de recursos com origem ilegal, com raiz em crimes que variavam desde a sonegação fiscal até corrupção e tráfico de drogas. Por não desenvolverem os “doleiros” um sistema eficiente de “compliance”, bem como por não ostentarem uma contabilidade oficial, guiando seus negócios à margem do Estado, criou-se um ambiente bastante propício à lavagem de ativos. O “esquema” apresentou, ao longo do tempo, dois modos de operar distintos, os quais foram objeto de denúncias do Ministério Público Federal por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de Lavagem de Dinheiro, que podem ser assim resumidamente expostos:a) foram criadas, em especial em agências de Foz do Iguaçu, muitas vezes com auxílio de gerentes, contas em nome de “laranjas”, interpostas pessoas que movimentavam valores absolutamente incompatíveis com seus rendimentos, para albergar valores depositados por clientes de “doleiros” de todo o país. Então, valendo-se da falta de fiscalização da Receita Federal, que não estava efetuando, na Ponte da Amizade, fronteira com o Paraguai, a devida (Portaria SRF 61/94) confrontação das DPVs (Declarações de Porte de Valores) com os efetivos recursos ou malotes contidos nos carros-forte que ali circulavam, deixando de contá-los, os agentes das organizações criminosas, com o auxílio de funcionários dos respectivos bancos, sacavam somas consideráveis, em espécie, para simular a sua saída ao exterior em carros-forte e também o seu reingresso, a fim de aparentar a proveniência dos recursos como sendo decorrente do comércio entre brasileiros e paraguaios, visando a burlar o fundamento das autorizações especiais para as 5 (cinco) instituições financeiras. Por fim, os valores eram depositados em contas CC5 de titularidade de Casas de Câmbio e Instituições Financeiras paraguaias, mantidas nas cinco instituições financeiras que gozavam de autorização especial, e se operava liquidação de câmbio, com sua remessa ao exterior;b) após recomendação formulada pelo Ministério Público Federal em 21/05/97, para que a Receita Federal efetivamente fiscalizasse o trânsito de recursos na fronteira, as mesmas organizações criminosas reformularam o método e passaram a abrir outras tantas contas de “laranjas” (mais de trezentas foram comprovadamente detectadas), a partir das quais os valores eram simplesmente transferidos, via cheques ou “DOC's”, para as contas CC5, e então remetidos ao exterior mediante liquidação de câmbio.” Disponível em: <http://gtld.pgr.mpf.gov.br/gtld/crimes-contra-o-sistema-financeiro/glossario/>. Acesso em: 02 out. 2012.21 Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/ 57601/governo+brasileiro+ recupera+ r$+22+milhoes+desviados+para+os+eua.shtml>. Acesso em: 07 ago. 2012.

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Sobre a relação do agente bancário integrador deste sistema financeiro,

André Callegari aponta-nos com propriedade que o cerne da questão é saber se o

respectivo agente é o garantidor do bem jurídico tutelado pela lei de lavagem. Caso

ele seja, efetivamente estará participando como autor do delito, pois o mesmo

possui como função evitar transferências provenientes de fundos ilícitos. Porém,

conforme o autor, acaso a lei não abarque esta situação, ocorrerá a sua

responsabilidade administrativa, até mesmo por não competir ao agente financeiro a

averiguação prévia, na seara criminal, da origem ilícita dos bens22.

Diversos casos da participação de agentes bancários, mundialmente

conhecidos, servem de modelo para exemplificar os pilares fundamentais dos crimes

relacionados a finanças e instituições bancárias. Algumas destas situações podem

ser amplamente identificadas através de fatos divulgados pela imprensa nacional e

internacional, como por exemplo:

em 2010, segundo a publicação “Global Finance”, o quarto maior

banco do mundo, o City (UK), admitiu a participação na manipulação e

taxas de juros interbancárias no Reino Unido;23

neste mesmo ano, uma investigação do Senado norte-americano

mostrou que o HSBC havia descumprido leis contra a lavagem de

dinheiro, permitindo inúmeras transações ligadas ao narcotráfico

mexicano nos anos 200024;

o banco Standad Chatered sofreu acusação de autoridades financeiras

de Nova Iorque por lavar mais de US$ 250 bilhões ligados ao Irã entre

2001 e 201025;

também em 2010, devido a transações suspeitas descobertas pela

unidade de inteligência financeira do Banco da Itália, foi iniciado um

inquérito a fim de apurar as irregularidades destas transações26 .

22CALLEGARI, André Luís. Op.cit., 2004, p. 105.23Disponível em: http://www.cfr.org/uk/understanding-libor-scandal/p28729. Acesso em: 07 ago. 2012.24Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/56954-mexico-multa-em-us-28-mi-o-hsbc-por-lavar-dinheiro.shtml. Acesso em: 07 ago. 2012 25Disponível em: http://www.bbc.co.uk/news/business-19155577 Acesso em: 07 ago 2012.26Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/09/100921_bancovaticano_ba.shtml. Acesso em: 07 ago. 2012.

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Todos os exemplos apontados remetem à problemática de instituições

financeiras não imporem regras claras para identificar fatores que possam apontar a

origem dos valores depositados27.

Destarte, além de essas operações possuírem avais discricionários por parte

das autoridades bancárias, os métodos de conhecimento da política de relação com

o cliente são de certa forma desconsiderados. Seja por demandar um trabalho

detalhado de identificação do cliente (podendo afastar determinado investimento),

seja simplesmente por descuido, é certo que esta situação acarretará um nível

gradual de imprudência, contribuindo com inúmeros casos de aproximação do

capital ilícito ao mercado, facilitando o processo de integração como a última e mais

temerosa fase do crime de lavagem28.

27Nesta mesma seara de operações, a Ação Penal 470 – STF, mais conhecido como Caso do Mensalão, apontou inúmeras irregularidades com ativa participação do sistema bancário, como nos apontam as denúncias apontadas no início da ação: “Segundo a denúncia, a lavagem praticada pelo Grupo Publicitário e Financeiro no Relatório de Análise teria ocorrido da seguinte forma: a) emissão de cheque de conta mantida no Banco Rural, vindo SMP&B Comunicação Ltda., nominal à própria empresa e endossado pela SMP&B; b) preenchimento do “Formulário de Controle de Transações em Espécie”, com timbre do Banco Rural, informando que o portador e o beneficiário dos recursos era a SMP&B Comunicação Ltda. e que os recursos destinaram-se ao pagamento de fornecedores; c) correio eletrônico (e-mail) enviado por funcionária da SMP&B ao gerente do Banco Rural, informando os nomes das pessoas autorizadas a sacar o dinheiro na ‘boca do caixa’, assim como o local do saque; d) fac-símile, enviado pela agência do Banco Rural de Belo Horizonte à agência do Banco Rural de Brasília, autorizando o pagamento às pessoas indicadas pela funcionária da SMP&B no e-mail; e) saque na “boca do caixa”, feito pela pessoa autorizada, contra recibo, muitas vezes mediante uma rubrica em papel improvisado e f) outras situações por meio do registro de quem efetuou o saque no documento emitido pelo Banco Rural, denominado ‘Automação de Retaguarda – Contabilidade’. Segundo a denúncia, o Banco Rural, embora conhecesse os verdadeiros sacadores/beneficiários dos recursos retirados na “boca do caixa”, registrou no Sistema do Banco Central (Sisbacen – opção PCAF 500, que registra operações e situações com indícios de crime de lavagem de dinheiro) que os saques foram da empresa de publicidade para o pagamento de fornecedores.” Ainda:Segundo a denúncia, o mecanismo do núcleo financeiro para praticar gestão fraudulenta foi relatado no item 6.1 PT 0501301503, V.1, e aponta como forma de agir: a) renovações sucessivas das operações, como o principal procedimento para impedir atrasos e reclassificações /provisionadas; b) o aumento do limite de conta garantida, destacando que o procedimento adotado pela instituição, além de renovar a cada 90 dias, amplia o limite ou concessão de uma nova operação na mesma modalidade; c) liquidação de uma operação com outra em modalidade diferente da primeira, onde a instituição concede, por exemplo, operação de mútuo (capital de giro), com vencimento dos encargos e principal em 90 (noventa) dias, para liquidar operações de crédito rotativo ou outros empréstimos em atraso; d) a transferência de ativos (operações ou parcelas) para o fundo de direito creditório administrado pelo Banco Rural; e e) a aquisição de Cédulas de Produtor Rural. A acusação aponta que a documentação obtida junto às autoridades norte-americanas, baseada no Acordo de Cooperação em Matéria Criminal com os EUA demonstrou que o Banco Rural é proprietário da off shore TRADE LINK BANK, com sede nas Ilhas Cayman. (Reportagem da Revista Carta Capital de 27 jul.2012, elaborada pelo jornalista Claudio José Langroiva Pereira, entituada Os principais pontos do processo. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/os-principais-pontos-do-processo/ >. Acesso em: 02 out. 2012). 28Disponível em: https://www.coaf.fazenda.gov.br/downloads/cartilha.pdf .Acesso em: 07 ago. 2012.

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Conforme informação do Grupo Tax Justice Network, os maiores detentores

de quantias envolvidas com os mercados financeiros é a indústria bancária29,

tornando-se um verdadeiro império concentrado de capitais, mantendo ativo o

sistema monetário de cada nação. Este canal construído para intermediar as

operações financeiras possui limitação legal com o objetivo de regular a relação do

Estado com a sua base de investimentos, muitas vezes tendo por subterfúgio

inúmeros atores sociais que contribuem com uma prática generalizada que

ultrapassa o nível organizacional estatal. Assim:

Por outro lado, o alcance e o conteúdo da autonomia privada das entidades financeiras encontram também limites inexoráveis na própria Constituição. Esses limites decorrem da natureza da atividade que desenvolvem, do fato de que o crédito e o investimento são instrumentos insubstituíveis para garantir o gozo dos direitos constitucionais e legais das pessoas, da prevalência do interesse público sobre o particular e da obrigação constitucional de respeitar os direitos alheios e não abusar dos próprios30.

Nessa senda, interligado com as políticas de prevenção e controle, os bancos

tem sido agentes facilitadores na integração de capitais, à medida que seus métodos

de transferências evoluíram juntamente com a prática de políticas do mercado.

Nesse sentido, estas práticas originaram uma relação jurídica responsável por

absorver determinado capital, e o manter protegido pelo sigilo contratual, um dos

principais empecilhos na identificação do rastro de ativos ilícitos.

3.7 O SIGILO CONTRATUAL E O MERCADO: A QUESTÃO DAS PROVAS E O

NEXO TEMPORAL DE PROTEÇÃO LEGAL

A questão do sigilo bancário será de extrema importância na conclusão das

investigações, considerando ser esta proteção legal a responsável pelo

apontamento da origem das provas que irão embasar todo o processo de

indiciamento do crime de lavagem. O controle do sigilo das informações pode

oportunizar ao operador do

29Esta afirmativa pode ser embasada através de pesquisas da Tax Justice Network (http://www.taxjustice.net), responsável por identificar e promover a transparência entre instituições financeiras mundiais. A lista dos 50 bancos mundiais privados que mais detém quantias monetárias pode ser visualizada no endereço http://www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/Appendix%203%20-%202012%20Price%20of%20Offshore%20pt%202%20-%20pp%2060-104.pdf 30Estudo introdutório elaborado por Eduardo Montealegre Lynett, Advogado Especialista em Direito Penal pela Universidad de Bonn (Alemanha) e Constitucionoal pela Universidade de Erlangen (Alemanha). (CALLEGARI, André Luís Callegari. Op.cit., 2004, p. 57.)

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esquema de lavagem a destruição dos rastros de sua conduta pelo simples decurso

do tempo.

Sendo assim, este tempo pela busca da informação é decisivo para a reunião

de provas no delito de lavagem de capitais, pois, de certa forma, quanto maior o

lapso temporal em função do sigilo, mais difícil se tornará a análise dos registros de

dados. E no que tange à problemática da identificação dos valores, o sigilo trata-se

de ferramenta exclusiva destes centros de captação fiscal, sendo um forte atrativo

para investimentos clandestinos.

A garantia do sigilo, à luz de nossa Constituição, é disposto como um direito

fundamental31, prevendo a salvaguarda da privacidade do agente e, embora, na

atualidade, existam maiores necessidades de flexibilização no pedido de

informações, deve ser observado o respeito a todas as garantias constitucionais

instituídas com o objetivo de assegurar somente a flexibilização de informações,

para fins penais, autorizados pela autoridade judiciária competente.

Mesmo na modernidade um delito que se caracterize pela rápida ação do

tempo não autorizaria a violação de princípios basilares do direito do indivíduo;

porém, claramente esta mesma proteção também não poderá oferecer limitações

sem justificativa à persecução criminal. Para tanto, o Princípio do Devido Processo

Legal deve ser rigorosamente observado, assim como também a Presunção de

Inocência do acusado.

Com efeito, independente dos métodos coercitivos criados, a investigação

deste crime deve ser centralizada em casos que especificamente comprovem a

ilicitude do objeto em uma situação que coloque interesses pessoais em oposição à

ordem pública32.

Com propriedade, a opinião do Juiz Federal Fausto de Sanctis segue no

mesmo sentido:

31“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[...] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 04 ago 2012).32Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro / Conselho de Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Secretaria de Pesquisa e Informação Jurídicas. Brasília: CJF, 2002. p. 27.

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Diante das indagações que causa, reputa-se de relevância a análise do tipo definidor do crime de violação ao sigilo bancário, não podendo ser interpretado de maneira restrita ao ponto de ceifar as garantias constitucionais de maior importância, muitas delas operacionalizadas pelos órgãos estatais de execução de políticas públicas33.

E existindo previsão legal para a garantia do sigilo de informações, cabe

ressaltar a devida atenção às diversas situações envolvidas na requisição de dados

privados.

3.8 AS GARANTIAS INFRACONSTITUCIONAIS DO SIGILO CONTRATUAL

Além das garantias constitucionais, devemos observar as infraconstitucionais

com o objetivo de que não se adote condutas contrárias à legislação vigente,

principalmente em virtude do dever ético profissional envolvendo determinadas

classes profissionais que lidam de forma direta com informações sigilosas.

Um dos aspectos que envolvem esta temática diz respeito à modificação da

Lei 9.613/98, expandindo a obrigação de determinados profissionais a colaborarem

com a atuação das autoridades públicas34, prestando informações relacionadas

33DE SANCTIS, Fausto Martin. Punibilidade no sistema financeiro nacional: tipos penais que tutelam o sistema financeiro nacional. Campinas, SP: Millenium, 2003. p. 25.34Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se; II - deverão comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes: a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas; a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas, devendo ser juntada a identificação a que se refere o inciso I do mesmo artigo; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003) b) a proposta ou a realização de transação prevista no inciso I deste artigo. II - deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) b) das operações referidas no inciso I; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) III - deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) § 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista. § 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão responsabilidade civil ou administrativa. § 3º As pessoas para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador farão as comunicações mencionadas neste artigo ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras - COAF e na forma

por ele estabelecida. § 3o O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos

respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9o. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 11-A. As transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) (Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm >. Acesso em: 02 out. 2012).

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diretamente com a sua atividade profissional. Esta situação, muitas vezes, colide

diretamente com as normas infraconstitucionais35 que delimitam regras éticas do

campo de trabalho do agente investigado.

Conforme podemos analisar, a criação de um risco não é suficiente para

haver a imputação objetiva de conduta ilícita do acusado. Dessa maneira, quebrar o

sigilo do profissional, através de meros indícios, colocaria a insegurança jurídica

como uma barreira a ser erguida contra o sistema capitalista de investimentos. Na

35 São exemplos :“LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). (…) Art. 7º São direitos do advogado: (…) XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional; XX - … § 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representantes da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.”“RESOLUÇÃO CFC Nº 803/96 DO CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Aprova o Código de Ética Profissional do Contador – CEPC. (…) Art. 2º São deveres do Profissional da Contabilidade: (…) II – guardar sigilo sobre o que souber em razão do exercício profissional lícito, inclusive no âmbito do serviço público, ressalvados os casos previstos em lei ou quando solicitado por autoridades competentes, entre estas os Conselhos Regionais de Contabilidade; (…) Art. 3º No desempenho de suas funções, é vedado ao Profissional da Contabilidade: (…) XV – revelar negociação confidenciada pelo cliente ou empregador para acordo ou transação que, comprovadamente, tenha tido conhecimento; XVI – emitir referência que identifique o cliente ou empregador, com quebra de sigilo profissional, em publicação em que haja menção a trabalho que tenha realizado ou orientado, salvo quando autorizado por eles;” “RESOLUÇÃO NORMATIVA CFA Nº 393, DE 06 DE DEZEMBRO DE 2010 DO CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO. Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Administração (CEPA) e o regulamento do Processo Ético do Sistema CFA/CRAS, e dá outras providências. Art. 1º São deveres do Profissional de Administração: (…) II – manter sigilo sobre tudo o que souber em função de sua atividade profissional; (…) Art. 2º É vedado ao Profissional de Administração: (…) XII – revelar sigilo profissional, somente admitido quando resultar em prejuízo ao cliente ou à coletividade, ou por determinação judicial;”“RESOLUÇÃO Nº 1.002, DE 26 DE NOVEMBRO DE 2002 DO CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA – CONFEA. Adota o Código de Ética profissional da Engenharia, da Arquitetura, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia e dá outras providências. (…) Art. 9º No exercício da profissão são deveres do profissional: (…) III – nas relações com os clientes, empregadores e colaboradores: (…) b) resguardar o sigilo profissional quando do interesse de seu cliente ou empregador, salvo em havendo a obrigação legal da divulgação ou da informação;”“RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. (…) PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (…) XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.”“RESOLUÇÃO – COFECI Nº 326/92 DO CONSELHO FEDERAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS Aprova o Código de Ética Profissional dos Corretores de Imóveis (…) “CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DA PROFISSÃO DE ECONOMISTA Normas Originais PL 7166/2002, Res. 1683/2001, RES 1628/1996 Resolução de Implantação Anexo I à Resolução 1.729/2004 (…) 4. São deveres que se originam da condição de economista e do respectivo exercício profissional: 4.1 – Deveres fundamentais do economista: (…) j) guardar sigilo sobre as informações técnico-econômicas privativas a que tiver acesso, sobretudo quanto ao uso indevido de informações privilegiadas, em detrimento dos interesses do País e da sociedade;”

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verdade, o risco sugerido na operação realizada por agentes autorizados será

decorrente de métodos de prevenção, característicos de operações financeiras.

Logo, o caso do agente que responde como gerente de uma instituição

bancária demonstra que haverá um limite punível para a conduta do profissional,

parecendo desnecessária a quebra do seu sigilo bancário. Isso se explica tendo em

vista a conduta de respeito ante as regras profissionais pertinentes a sua função.

Mesmo que ele acabe permitindo a movimentação de valores ilícitos entre

contas, esse resultado não seria plenamente imputável, tampouco a título de

participação por que sua ação não ultrapassou o risco permitido para gerar risco na

conduta social36.

Desta forma, a possibilidade da quebra de sigilo bancário, sem a necessidade

de autorização judicial37, resta claro que ferirá as garantias previstas

constitucionalmente. Além disso, devido ao grande número de apurações, o sentido

das investigações pode se resultar vazio, sofrendo interferências que retrocedem na

questão da celeridade da persecução criminal, contribuindo com o risco do excesso

de investigações tornar o sistema denso e inoperável.

Porém, devemos sinalizar que é garantido o sigilo profissional às partes de

um negócio jurídico até mesmo pelo caráter da privacidade que envolve alguns

contratos. Um exemplo claro desta limitação ética está no fato de um advogado

realizar a defesa do cliente envolvido no crime de lavagem de dinheiro.

Sobre esta situação, resta clara a diferenciação entre a conduta do advogado

e a do cliente. Para Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini38, o

fornecimento de informações suspeitas às autoridades públicas fere o diploma mais

específico voltado para a prática da advocacia (o Estatuto da Advocacia39), que irá

preservar o dever de sigilo não maculando o próprio réu com provas produzidas

contra si mesmo.

36BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op.cit., 2012. p. 124-125.37A Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro de 2001, dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp105.htm > . Acesso em 05 ago 2012. 38BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op.cit., 2012. p. 137.39LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 03 out. 2012.

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Isso aponta que, restando ao advogado a preservação de sua imparcialidade,

ainda que o mesmo receba valores em contraprestação por seus serviços

prestados40, não haverá a realização de conduta de ocultação, caracterizando a sua

participação na lavagem, mas sim, mero exaurimento de um serviço profissional

executado.

Em contraponto ao caráter ilícito das operações, é normal a prática da

constituição de um negócio internacional, a formação de um contrato sigiloso (non-

disclousure agreement) entre as partes envolvidas, como forma de preservação de

eventuais prejuízos na formação destes instrumentos41.

Nesse sentido, alguns princípios próprios dos contratos podem ser estendidos

no sentido de abranger a proteção do sigilo das operações, como, por exemplo: o

Princípio da Livre Iniciativa (art. 1º, inciso IV e 170, da Constituição Federal), o da

Propriedade Privada (art. 5º, inciso XXII, e 170, inciso II), da Livre Concorrência (art.

170, inciso IV), e o do Livre Exercício de qualquer atividade econômica (art. 170,

parágrafo único) 42.

Da mesma maneira, caso o entendimento da conduta do profissional ainda

reste dúvidas, cabe lembrar que a própria figura do Estado, ao garantir o

crescimento privado e a livre iniciativa, foi também o responsável pelo surgimento de

uma falsa segurança social, em relação ao conjunto que possibilita o investimento

em sistemas paralelos financeiros.

Na verdade, tanto para o poder público, como para o privado, seria

impraticável a aplicação de todos os mecanismos de fiscalizações normativas,

mediante o exacerbado fluxo de dados diários do mercado financeiro. Na verdade,

esta conduta de fiscalização excessiva, além de possivelmente aumentar os casos

de injustiça social (através de denúncias e inquéritos sem embasamento em provas

técnicas), também contribui para aumentar consideravelmente a demanda

investigatória dos órgãos de polícia estatal.

Portanto, torna-se extremamente delicada a análise do fluxo de informações

em um sistema complexo, pois, segundo estudo do escritório responsável pelo

40Sobre a temática dos honorários recebidos pelo advogado, provenientes do pagamento da defesa do acusado de lavagem de dinheiro, estudos apontam o uso da expressão: honorários maculados. Mais esclarecimentos podem ser obtidos no artigo A temática da lavagem de capitais e o recebimento de honorários por parte do advogado criminalista, escrito por Rodrigo Sánchez Rios. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/desenv/site/boletim/exibir_artigos.php?id=3498>. Acesso em: 07 out. 2012. 41 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (Coord.). Op.cit,, 2004. p. 206.42 Idem. p. 149.

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controle de drogas e apreensões de crimes de lavagem de dinheiro da ONU, um

enorme crescimento de pagamentos eletrônicos tem sido o responsável pelo

desenvolvimento dos mecanismos de transferências eletrônicas operados pela

Worldwide Interbank Financial Telecommunications System (SWIFT), a Federal

Reserve (Fedwire), e o Clearing House Interbank Payments System (CHIPS). O

volume dessas transações diárias giram em torno de 465 mil transferências

bancárias, no valor de mais de dois trilhões de dólares, contabilizando um número

estimado de 220 mil mensagens enviadas através de transferências SWIFT43.

Esta situação acaba retratando uma das principais características do combate

ao crime de lavagem de dinheiro na atualidade: a velocidade do fluxo de operações

e a identificação do investidor.

3.9 O FLUXO DE MERCADO E A IDENTIFICAÇÃO DO INVESTIDOR

Assim, com o objetivo de prevenir o tipo de operação relacionada com os

mecanismos da lavagem de dinheiro, as instituições financeiras cada vez mais são

compelidas a conhecer os seus clientes. Isso, de certo modo, representa a clara

intenção de proporcionar uma salvaguarda aos agentes responsáveis pelas

transações financeiras. Sendo assim, estes profissionais passaram a respeitar uma

regra já conhecida por instituições bancárias no exterior. O nome dado a este

método é “know your customer”, que em tradução literal significa “conheça seu

cliente” 44.

Notadamente, a partir da criação de mecanismos de persecução criminal, o

Estado investiu com propriedade nas ações que visam combater com eficiência o

cometimento o delito de lavagem. Em que pese este esforço estivesse concentrado

43Estudo realizado pelo Escritório das Nações Unidas responsável pelo o Controle e Prevenção do Crimes de Drogas. “The massive growth of electronic payments has been made possible by the development of the electronic transfer mechanisms operated by the Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications System (SWIFT), the Federal Reserve (Fedwire) and the Clearing House Interbank Payments System (CHIPS). The volume and value of the transactions that move through these mechanisms are staggering. “Each day, more than 465,000 wire transfers, valued at more than two trillion dollars, are moved by Fedwire and CHIPS, and an estimated 220,000 transfer messages are sent by SWIFT (dollar volume un-known)”. Disponível em: http://www.caerdydd.ac.uk/socsi/resources/levi-laundering.pdf >. Acesso em: 09 ago 2012. p. 43.44“O procedimento de Conheça seu Cliente é uma recomendação do Comitê de Basiléia, na qual os bancos devem estabelecer um conjunto de regras e procedimentos bem definidos com o objetivo de “Conhecer Seu Cliente, buscando identificar e conhecer a origem e constituição do patrimônio e dos recursos financeiros do cliente”.” (Disponível em: <http://www.abbi.com.br/praticasdeprevencao.html#indicador05>. Acesso em: 02 out. 2012.)

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em uma atividade regulada pelo próprio Estado, houve a necessidade de um maior

cuidado com relação às atividades executadas pelo setor financeiro. Logo, foram

criados mecanismos que realizaram um estudo prévio sobre a origem dos valores,

instituindo estratégias de compliance4546 com os possíveis clientes que desejem

realizar alguma operação47.

A Resolução do Conselho de Controle de Atividades Financeiras nº 20, de 29

de agosto de 2012, veio no sentido de dispor sobre os procedimentos a serem

observados pelas pessoas reguladas pelo COAF, na forma do § 1º do art. 14 da Lei

45O termo compliance provém do idioma inglês, onde o verbo “to comply” (segundo o dicionário Oxford), significa “executar”, “cumprir” ou satisfazer”. Sua aplicabilidade na doutrina bancária é a prevenção da gestão de riscos, e deriva das políticas internas de cada instituição. Seu objetivo é fazer com que a instituição esteja em conformidade com as leis e regulamentos internos e externos. Este dever de averiguação das práticas bancárias tem por escopo inicial a criação do Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária.46 “Os princípios do processo de controle interno são subsídios que balizam e estão contemplados na Resolução n. 2.554 do Banco Central: · Visão gerencial e a cultura de controle. A diretoria deve ter responsabilidade pela aprovação e revisão periódica, elaborar estratégias globais de negócio e políticas relevantes para o banco, compreender os principais riscos incorridos pelo banco, determinar níveis aceitáveis para eles e assegurar que o nível gerencial superior tome medidas necessárias para identificar, monitorar e controlar esses riscos. A diretoria é responsável, em última instância, pelo estabelecimento e manutenção de um sistema de controles internos adequado e efetivo. · O nível gerencial superior deve ser responsável pela implementação de estratégias e políticas aprovadas pela diretoria. Voltamos ao gerenciamento de riscos, ou seja, identificar, monitorar e controlar riscos, entre os quais o risco legal, que tem tudo a ver com a lavagem de dinheiro. · A diretoria, em nível gerencial superior, é responsável pela promoção de altos padrões éticos e de integridade. · Reconhecimento e avaliação de riscos. O risco legal é, por definição, um risco que tem características institucionais, e posso citar, como exemplo, uma tablita no Plano Collor; como também o fato de você não estar em conformidade com as leis, normas e regulamentos, o que também traz risco legal. · Um sistema efetivo de controle interno requer a existência apropriada de segregação de encargos, isto é, que aos funcionários não sejam atribuídas as responsabilidades conflitantes. Um exemplo: numa grande organização, quem paga não recebe; quem recebe não paga. Vê-se uma cultura interna adequada, compreensiva informação financeira e operacional e dados de conformidade. A informação deve ser confiável, oportuna, acessível e fornecida no formato consistente. O controle interno requer um sistema de informações que cubra todas as atividades do banco, inclusive informações trabalhadas eletronicamente. Um sistema efetivo de controle interno requer o estabelecimento de canais efetivos de comunicação. Vejam o quanto somos repetitivos ao usarmos a palavra "comunicação". É questão de cultura, de mudar o enfoque, de conscientização. · A efetividade global dos controles internos do banco deve ser continuamente monitorada. Novamente, controle interno é um processo, possui uma dinâmica. Deve existir uma auditoria interna efetiva e compreensiva sobre o sistema de controles internos e reportar-se diretamente à diretoria ou ao conselho de administração. · As deficiências identificadas no controle interno, se observadas pela linha de negócios, pela auditoria interna ou por outro pessoal de controle, devem ser prontamente comunicadas ao nível gerencial apropriado e ser corrigidas. Os supervisores devem exigir que todos os bancos, independentemente do tamanho, tenham um efetivo sistema de controle interno, que seja consistente com a natureza, complexidade, risco de suas atividades registradas e não-registradas no balanço e que responda a mudanças nas condições do ambiente externo do banco. Se o controle interno não é adequado ao perfil de risco, os bancos devem buscar ações apropriadas.” (COELHO, Francisco da Silva. Op.cit., 1999. v.17. p. 35).47A exemplo disto, foram criados mecanismos específicos que facilitam o serviço de análise das informações derivadas de operações em instituições bancárias: “Prosecutors consider the paper trail mandated by the BSA and its amendments to be a crucial tool in the investigation and prosecution of money laundering offenses. They use five kinds of reports to track financial transactions: - Currency transaction report. Filed when a financial institution receives or dispenses more than $10,000 in currency, it reports the name and address of the person who presents the transaction and

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nº 9.613, de 3.3.1998. Basicamente esta resolução tenta aplicar o conceito de

conheça o seu ciente48 a fim de prevenir o depósito de quantias relacionadas aos

crimes financeiros.

Exemplificando um exemplo prático da influência do conceito de identificação

do cliente, podemos observar a análise da Instrução Normativa nº. 29, do Banco do

Estado do Rio Grande do Sul - BANRISUL, que visa a Prevenção e Combate à

Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo, vejamos:

the identity, account number, and Social Security number of anyone for whom a transaction is made.- Suspicious activity report. Filed when any bank employee has reason to suspect a person of money laundering, regardless of the transaction size. IRS Form 8300. Filed by any person involved in a business that receives cash payments in exchange for goods or services exceeding $10,000 in a single transaction or a series of related ones. - Currency and monetary instruments report. Filed by anyone entering or leaving the country with currency or monetary instruments in excess of $10,000. Carrying more than this amount is perfectly legal, but failure to file the report can lead to fines, up to five years in prison, or forfeiture.- Foreign bank account form. Filed by anyone controlling more than $10,000 in a foreign account during the year” (Disponível em: <http://www.clevelandfed.org/Research/commentary/2000/0915.pdf > . Acesso em: 10 ago 2012.) 48Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: Art.

9o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários. Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações:I - as bolsas de valores e bolsas de mercadorias ou futuros; I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização; III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços; IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos; V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado; VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual; VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros; IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo; X - as pessoas jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades. XII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.(Incluído pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003) XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) XIII - as juntas comerciais e os registros públicos; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria,

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De acordo com a recomendação do Comitê de Basiléia, os bancos devem adotar políticas do tipo Conheça seu Cliente e Suas Atividades, estabelecendo um conjunto de regras e procedimentos bem definidos com objetivo principal de identificar e conhecer a origem dos recursos financeiros de seus clientes, suas atividades, bem como a potencialidade dos seus negócios. Dessa forma, está protegendo sua reputação e reduzindo os riscos de seus produtos e serviços serem utilizados para legitimar recursos provenientes de atividades ilícitas.49

Fora o estabelecimento de uma relação angularizada de conhecimento do

investidor, algumas informações específicas ainda restarão resguardadas pelo

próprio sistema bancário em consonância com o previsto na Lei de Lavagem. Sobre

a situação do controle internacional de transferências, interessante lição nos é

apresentada nas palavras de Bassiouni e Gualderi, na obra elaborada por André

Callegari. Assim:

Entre as razões pelas quais falta o controle internacional das transferências eletrônicas, está a que os governos têm interesse em preservar o sigilo de uma variedade de transações financeiras. Por exemplo, os governos insistem no sigilo quando os bancos centrais intervêm no controle da flutuação de suas moedas nacionais. Se essas transações fossem

aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:(Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) (Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm >. Acesso em: 02 out. 2012).49 É o que dispõe a Instrução Normativa n. 29, Capítulo 3 - Políticas Institucionais, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul - BANRISUL, que visa a Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo. Juntamente com esta Instrução Normativa, a instituição financeira aponta que todos os registros de transações são armazenadas no Repositório Único (base de dados Oracle) permanecendo sob a guarda do Sistema de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD) – BLL, tendo como objetivo executar procedimentos a serem adotados pelas instituições financeiras, na prevenção e combate às atividades relacionadas aos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como no financiamento ao terrorismo. Disponível em: < http://ri.banrisul.com.br/banrisul/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=26699 >. Acesso em 12 ago 2012.

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conhecidas, se frustrariam os objetivos da intervenção e seriam fonte primária de informação para os especuladores de divisas que, por isso, poderiam fazer estragos na estabilidade das moedas nacionais e nos mercados financeiros. Outras transações de armas, grandes transações de petróleo que podem ser marginalmente legais (por exemplo, violação de embargo). Um sistema de regulamentação das transferências eletrônicas internacionais deveria fazer, ou ao menos tenderia a isso, com que essas transações fossem conhecidas, o que prejudicaria os governos inseridos nas mesmas. Como resultado mantém-se o sigilo, permitindo que as organizações criminosas se beneficiem do mesmo sigilo que os governos desfrutam no que diz respeito às transações monetárias. Deve-se criar um método no qual o sigilo do Governo possa ser protegido enquanto, ao mesmo tempo, exerça-se o controle sobre outras transações que compreendem fundos procedentes de delitos. Um método assim concebido será um importante passo na solidificação da vontade política dos Governos na aplicação dos controles financeiros.

Diante deste quadro da necessidade de identificação do usuário do Sistema

Financeiro Nacional, as instituições privadas tentam elaborar práticas adequadas

para garantir um marketing para seu de investimento e, ao mesmo tempo, conseguir

atrair os potenciais investidores com ênfase no respeito à legalidade de seus atos.

Desta forma, resta necessário diferenciar as pessoas envolvidas com a lavagem de

dinheiro daquelas que colaboram efetivamente com o procedimento de ocultação e

transformação de ativos ilícitos.

De acordo com a lição de Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini:

Se o operador da instituição bancária deixar de comunicar ao COAF uma transação bancária suspeita, criou um risco não permitido de lavagem de dinheiro. A violação de norma de cuidado, por si, é suficiente para sujeitar este agente às sanções administrativas previstas na Lei de Lavagem, mas não para caracterizar a participação penalmente punível. Para essa, será necessário averiguar também se a não comunicação contribui para o mascaramento de bens provenientes de infração penal (ou seja, se o ato comunicar o ato às autoridades impediria a lavagem de dinheiro) e a existência de dolo do agente de colaborar com o ato ilícito. A não comunicação culposa é irrelevante para a norma penal50.

No entanto, além das instituições bancárias no mercado, ainda restarão

aquelas que permanecem em um mercado “paralelo”, tornando cada vez mais

acentuado o problema de identificação.

50BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op.cit., 2012. p. 134.

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3.10 O MERCADO PARALELO: A AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DO

INVESTIDOR

Haverá uma diferença destacada na identificação do investidor quando ele

não se utiliza dos meios convencionais de transferência de capitais51. Este sistema

de transferência monetária informal receberá o nome de “mercado paralelo”52. E

como seu próprio nome aponta, serão denominados “sistemas paralelos” aqueles

sistemas informais presentes em diversos países, e que não são operados por

intermédio de instituições autorizadas.

Historicamente, o desenvolvimento desse mercado prosperou através do

crescimento de fluxos migratórios e da necessidade constante da remessa de

valores para suas famílias em seus países de origem53. Muitos dos sistemas que

possibilitaram esse contato são provenientes de uma relação de confiança pré-

estabelecida entre seus operadores. O sistema Hawala (que em árabe significa

“transferência”) é um exemplo disso54.

51Segundo o glossário da Comissão Nacional de Bolsas, o mercado paralelo será a “movimentação ilegal de numerário destinado a atender a quem não quer ou não pode utilizar-se do mercado financeiro para obter crédito.” (Disponível em: <http://www.cnb.org.br/html/glossario.html>. Acesso em: 02 out. 2012. 52Nas palavras de Hugo Cuevas-Mohr, diretor da Mohr World Consulting, o mercado pararelo de dollar no Brasil é utilizado por: “Operadores do Mercado Paralelo (OMPs), de transferências de dinheiro de brasileiros inocentes ou desavisados vivendo nos EUA, Europa e outros lugares para abastecer um sistema no qual os Reais, normalmente em espécie e produtos de atividades ilegais no Brasil, são depositados nas contas dos beneficiários da transferência no Brasil, enquanto os Dólares ou Euros entregues aos remetentes no exterior são usados para saldar e movimentar dinheiro como parte dessa “troca” de fundos.” (Disponível em: <http://www.imtconferences.com/docs/Mercado_Paralelo_de_Cambio_no_Brasil.pdf >. Acesso em 02 out. 2012.)53Conforme o estudo de Leonides Buencamino e Sergei Gorbunov, os maiores sistemas de transferência informais que operam evoluíram a partir de dois tipos de origem, a saber, o hawala (em hundi Paquistão), que desenvolveu no Sul da Ásia (Bangladesh, Índia e Paquistão) e da ch'ien fei, que começou em China. Ainda além destes dois sistemas monetários, diversos sistemas de transferência têm-se desenvolvido ao longo dos anos, a maioria derivados do sistema colombiano que surgiu no contexto do mercado negro de pesos. (Ibid. p. 1)54Segundo Nikos Passas, tendo em vista os inúmeros países que utilizam estes mecanismos, ele irá varias conforme o seu grupo étnico, recebendo também os seguintes nomes: “Hawala (it means “transfer" in Arabic and “reference” in Hindu) – India United Arab Emirates (UAE), and the Middle East; Hundi (akin to a bill of exchange or promissory note; it comes from a Sanskrit root meaning "to collect") - Pakistan, Bangladesh; Fei ch'ien (flying money) – Chinese; Phoe kuan – Thailand; Hui k'uan (to remit sums of money) - Mandarin Chinese; Ch'iao hui (overseas remittance) - Mandarin Chinese; Nging sing kek (money letter shop) - Tae Chew and Cantonese speakinggroups; Chop shop - foreigners use this term for one of the Chinese methods; Chiti banking – (refers to the "chit" used as receipt or proof of claim in transactions introduced by the British in China; short for "chitty", a word borrowed from the Hindi "chitthi", signifying a mark); Hui or hui kuan (association) - Vietnamese living in Australia; Door to door, padala – Philippines; Black market currency exchange – South America, Nigeria, Iran; Stash house (for casa de cambio) - South American systems” (Disponível em: https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/grants/208301.pdf. Acesso em 01 set. 2012. p. 25-260.

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Embora, ainda que este mercado seja mais conhecido no Brasil pelo comércio

de valores relacionados ao câmbio financeiro, ele também será utilizado para a

lavagem de dinheiro por ser um mecanismo prático para a remessa de valores

extraterritoriais55.

No mercado atual, licitamente, a remessa de dinheiro pode ser realizada

através de empresas como a Western Union, onde seus serviços são oferecidos

através do Banco do Brasil e nas agências de câmbio e turismo Action, Encantur,

Fitta, Fair, Lastro, Novo Mundo, Ourominas, Renova, Turiscred, Turismo10 e Treviso.

Além disso, também se pode realizar transferências bancárias por ordem de

pagamento, abertura de conta no exterior, e-conta, vale postal eletrônico, ou ainda,

55 PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA IRREGULAR. GESTÃO FRAUDULENTA. IMPOSSIBILIDADE. EVASÃO DE DIVISAS ATRAVÉS DE OPERAÇÕES DE "DOLÁR-CABO". LAVAGEM DE DINHEIRO. CONCURSO MATERIAL. FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO DE INDENIZAÇÃO PARA O CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS. PRESCRIÇÃO. MARCO INTERRUPTIVO. CRIMES CONEXOS.1. Cuidando-se de instituição financeira operada sem autorização da autoridade competente para a realização de transferências internacionais - conduta recriminada no artigo 16 da LCSFN -, revela-se descabida a condenação pelo crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86, que pressupõe a gestão de uma instituição financeira regular, conforme jurisprudência pacificada deste Colegiado.2. Impõe-se a responsabilização criminal pelos crimes capitulados nos artigos 16 e 22, haja vista que, além da operação de instituição financeira equiparada sem autorização para transferências internacionais, ficou sobejamente demonstrado o firme propósito de promover milionária evasão de divisas do país, mediante transações de "dólar-cabo", efetuadas a partir da offshore constituída em paraíso fiscal, praticando, inclusive, a segunda figura delitiva do parágrafo único do artigo 22 da LCSFN, isto é, a manutenção de depósitos no exterior sem declaração à autoridade competente.3. Os crimes de operação de instituição financeira sem autorização da autoridade competente e evasão de divisas constituem, por si só, um nefasto instrumento para a ocultação de bens provenientes dos mais variados delitos, independentemente de se apurar se cada cliente do "doleiro" ora acusado enveredou pelo mundo do crime.4. Não ficando configurada a absorção do crime de evasão de divisas pelo delito de lavagem de dinheiro quando o agente promove, na condição de "doleiro", a evasão de divisas para os seus clientes e oculta a milionária quantia evadida nas contas bancárias mantidas no exterior, em nome de offshore constituída em paraíso fiscal, impõe-se a aplicação do concurso material de delitos, consoante iterativa jurisprudência deste Tribunal e do STJ.5. Considerando que a extinção da punibilidade não obsta a eficácia civil da condenação penal, nos termos do artigo 67, II, do CPP e da jurisprudência do Egrégio STJ (REsp nº 789.251/RS, Terceira Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, DJ de 04-08-2009), fixa-se o valor mínimo de indenização do crime de evasão de divisas, conforme disposição do art. 387, IV, do CPP, em 5% sobre o valor movimentado, segundo orientação pacificada da Colenda Quarta Seção (ENUL nº 2006.70.00.016298-3, Relator Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 04-06-2010).6. Apesar de o réu ter sido absolvido dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro em primeiro grau, a publicação da sentença condenatória em relação ao delito conexo (art. 16 da LCSFN) estende-lhes a interrupção do prazo prescricional, conforme preclara disposição do art. 117, § 1º, in fine, do CP [Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.], o que, aliás, já foi reconhecido pelo STF (HC nº 71983, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31-05-1996). (Apelação Criminal Nº 0034208-37.2005.404.7000, Oitava Turma, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Relator: Paulo Afonso Brum Vaz, Julgado em 01/08/2012). Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=5103061&termosPesquisados=offshore >. Acesso em: 29 out. 2012. (grifo nosso)

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levar dinheiro em espécie, limitado ao valor de R$ 10.000,00, preenchendo a

Declaração de Porte de Valores (DPV) no serviço alfandegário56.

Já em relação às transferências ilegais de valores, a lavagem de dinheiro

opera facilitando o anonimato de seus usuários. Para realizar este esquema Hugo

Cuevas-Mohr explica-nos que existe uma alinhada participação de operadores de

mercado paralelo e operadores de fundos internacionais. Vejamos um exemplo

dessa operação:

A – Uma remessa é enviada por um remetente nos EUA ou na Europa, para sua família no Brasil. B - Os fundos do remetente são depositadas em uma Conta Bancária de propriedade da MTC57 e ela os transfere para uma conta bancária de propriedade do OMP¹ (no mesmo país, mas geralmente em outro). C - O OMP¹ envia as instruções de pagamento ao OMP² (que incluem uma lista de contas de beneficiários, valores a depositar e dados de identificação). D - Com os fundos do remetente em seu poder, o OMP¹ distribui os fundos a diversos destinos. E - O OMP², tendo recebido as informações do remetente, instrui terceiros a fazer depósitos de Reais na conta bancária dos beneficiários. F - O dinheiro é depositado na conta bancária dos beneficiários; um recibo de depósito bancário é recebido e enviado por fax / e-mail para os registros da MTC. Um auditor sem suspeitar do esquema verá todos esses recibos de depósitos como evidência “legal” de que a remessa foi paga em uma instituição financeira. G - O beneficiário, também sem suspeitar de nada, confirma que os fundos do remetente estão em sua conta bancária. Com esse sistema, dinheiro de atividades ilegais no Brasil, quer sejam produzidos por atividades no próprio país ou nas fronteiras com o Uruguai ou Paraguai, é depositado em milhares de contas bancárias de beneficiários de remessas, enquanto os fundos do remetente são usados para concluir as operações internacionais dos "proprietários" do dinheiro58.

Assim, a troca de valores ocorre por meio de contas operadas através de

depósitos provenientes de fundos, contas bancárias, localizados em outros países.

Consequentemente, estas transferências não possuem o aval do Banco Central do

Brasil, tendo em vista não existir comunicação entre os prestadores de serviços

autorizados e os operadores do mercado paralelo.

Segundo Leonides Buencamino e Sergei Gorbunov, economistas da Divisão

do Departamento de Análises Econômicas das Nações Unidas, os sistemas

56Disponível em: <http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/cambio/noticias/seis-formas-enviar-ou-receber-dinheiro-exterior-564526?page=2 >. Acesso em: 02 set. 2012.57 Para melhor compreensão do texto, necessário descrever algumas siglas: MTCs (Money Transfer Companies; MTCs, ou Empresas de Transfer阯 cias de Fundos; OMP - Operadores do Mercado Paralelo).58Disponível em: <http://www.imtconferences.com/docs/Mercado_ Paralelo_de_Cambio_no_ Brasil. pdf>. Acesso em 01 set. 2012.

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informais de transferências de informações monetárias são operados abertamente

em mercados de rua em cidades asiáticas, em agências de viagem, importação

/exportação ou transporte empresas, supermercados, lojas de ouro e jóias, têxteis

ou lojas de, vestuário e diversos outros estabelecimentos59.

No Brasil, segundo Hugo Cuevas-Mohr, existirá uma relação entre as

empresas de transferências de fundos60 (Money Transfer Companies - MTCs), e os

Operadores do Mercado Paralelo (OMP):

Das maiores empresas globais de transferência de fundos, como Western Union, MoneyGram e RIA Envia, às empresas americanas como Pontual Money Transfer, BB Money e Viamericas, o sentimento é o mesmo: empresas de transferência de fundos operando com OMPs estão com uma parte bem maior do mercado. Em lugares como Boston e áreas vizinhas que abrigam brasileiros, em New Jersey - no lado oposto do Rio Hudson em frente à Nova Iorque - e em Orlando, na Flórida, a porcentagem de transferências de fundos enviadas com OMPs é ainda maior. Agentes de MTCs (Money Transfer Companies; MTCs, por suas iniciais em inglês 23 ) fazem transferências para outros países por meio de uma MTC e transferências para o Brasil por meio de outra MTC, que por sua vez trabalha com um OMP. De acordo com uma empresa de pesquisas do Brasil, entre 45% e 62% das transferências de fundos do corredor EUA-Brasil são processadas por empresas de serviços com dinheiro usando canais irregulares no Brasil61.

Os canais irregulares de remessa de capitais irão nutrir uma rede de

fornecedores com o objetivo de alocar o capital investido, garantindo que não haja

nenhuma certificação de que a operação estará resguardada através de proteções

jurídicas necessárias para afastar o alto grau de risco da operação. A garantia estará

estabelecida somente entre as partes do negócio, sem nenhuma interferência do

Estado.

É devido ao anonimato e sigilo proporcionado pelos métodos de remessa

paralelos que, em sua grande maioria, esses mecanismos também serão utilizados

como peças da lavagem de dinheiro sujo, pagamento de subornos ou taxas de

contrabando, tráfico de drogas, venda de armas, e financiamentos terroristas em

59BUENCAMINO, Leonides; GORBUNOV, Sergei. Informal Money Transfer Systems: Opportunities and Challenges for Development Finance. Policy Analysis Division Department of Economic and Social Affairs United Nations. Disponível em: http://www.un.org/esa/desa/papers/2002/esa02 dp26.pdf?utm_source=OldRedirect&utm_medium=redirect&utm_campaign=OldRedirect>. Acesso em 01 out. 2012. 60No Brasil, o Banco Paulista, o Banco Rendimento e a Western Union criaram uma associação para regulamentar o serviço de micro-transferência de dinheiro para ou do exterior, denominada, Associação Brasileira das Empresas Prestadoras de Serviços de Micro-Transferência de Dinheiro http://www.abmtransf.com.br/ 61Disponível em: <http://www.imtconferences.com/docs/Mercado_Paralelo_de_ Cambio_no_ Brasil. pdf>. Acesso em: 02 set. 2012. p. 6.

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Page 29: 3 SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO · de dinheiro apresentam algumas características similares dentre si, como por ... realização de um ciclo específico para a tipificação

muitas partes do mundo. Além disso, deve ser ressaltado que estas ferramentas

podem reunir vários operadores que interagem no processo de liquidação usando

seus próprios métodos preferenciais62.

Considerando esta distorção do mercado, foi necessário ao Estado, além da

elaboração de legislações preventivas, adequar com rapidez as suas ferramentas de

persecução criminal a níveis internacionais.

62“Because of the anonymity and secrecy afforded by all of these methods, most have been used for the laundering of tainted money, the payment of bribes or alien smuggling fees, drug trafficking, gun running, and terrorist funding in many parts of the world. It must be impressed that not only can these methods be used by the same operator, but various operators can also interact in the settlement process and use their own preferred method.” (PASSAS, Nikos. Informal Value Transfer Systems, Terrorism and Money Laundering. U.S. Department of Justice, 2005. Disponível em: https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/grants/208301.pdf. Acesso em 01 set. 2012.)

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