3. introdução à proctologia

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Página 1 de 33 Principais Temas da Aula 1 - Introdução 1.1 - Anatomia 1.2 - Motivos habituais de uma consulta de proctologia 1.3 - Semiologia 1.4 - Exame Proctológico 2 - Patologia 2.1 - Doença hemorroidária 2.2 - Fissura anal 2.3 - Abcesso anal e fístula anal 2.4 - Oncologia e Proctologia 2.5 - Outras Patologias Bibliografia Desgravada do ano passado Slides da aula Alves Pereira Desgravadas do 3º Ano 2006/07 Data: 13 de Outubro 2007 Disciplina: Cirurgia I Prof.: Manuel Limbert Tema da Aula: Introdução à Proctologia Autor(es): Daniela Pereira Alves e Manuela Leal Equipa Correctora:Catarina Santos e Mariana Freire

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Page 1: 3. Introdução à Proctologia

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Principais Temas da Aula

1 - Introdução

1.1 - Anatomia

1.2 - Motivos habituais de uma consulta de proctologia

1.3 - Semiologia

1.4 - Exame Proctológico

2 - Patologia

2.1 - Doença hemorroidária

2.2 - Fissura anal

2.3 - Abcesso anal e fístula anal

2.4 - Oncologia e Proctologia

2.5 - Outras Patologias

Bibliografia

Desgravada do ano passado

Slides da aula

Alves Pereira

Desgravadas do 3º Ano – 2006/07 Data: 13 de Outubro 2007

Disciplina: Cirurgia I Prof.: Manuel Limbert

Tema da Aula: Introdução à Proctologia

Autor(es): Daniela Pereira Alves e Manuela Leal

Equipa Correctora:Catarina Santos e Mariana Freire

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1 - Introdução

Proctologia: ciência que estuda as doenças ano-rectais (grego

“proktos”- anús)

1. 1 - Anatomia

1.1.1 Região ano-rectal: porção terminal do tubo digestivo, formada

por dois componentes em continuidade, o canal anal e o recto que formam entre

si um ângulo agudo.

1.1.2 Canal anal

É constituído por feixes musculares, que representam o aparelho

esfíncteriano.

Tem a função de manutenção da continência, permitindo a expulsão

selectiva do conteúdo rectal.

Figura 1: Anatomia do recto e canal anal.

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O canal anal é dividido em duas partes por uma zona irregular,

denominada linha pectínea:

Supra pectínea:

Ocupada pelas colunas de Morgani, pequenas pregas verticais que

delimitam as criptas. Existem a este nível por vezes umas formações

triangulares em dente de gato, chamadas papilas anais, que podem estar mais

ou menos hipertrofiadas por fenómenos inflamatórios.

Nesta área situa-se o plexo hemorroidário interno (coloração vermelha

marcada).Tem origem na endoderme.

Subpectínea:

Também conhecida por pécten, 2 a 15 mm, cor cinza azulada, é bem

aderente aos planos profundos pelo ligamento de Parks, nesta área começa o

plexo hemorroidário externo. Tem origem na ectoderme

1.1.3. Musculatura do canal anal:

O canal é rodeado por duas camadas concêntricas de fibras

musculares, os sistemas esfincterianos, interno e externo, separados por uma

camada intermediária de fibras verticais, a camada longitudinal complexa.

Esfíncter anal interno: músculo liso (involuntário), prolongamento

camada circular do recto, em permanente contracção tónica (85% da pressão).

Esfíncter anal externo: músculo estriado (voluntário), com feixe

profundo e outro subcutâneo, continua-se com o puborectal, responsável pela

contracção voluntária do ânus, importante na continência de urgência. Inervado

pelo nervo pudendo.

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Camada longitudinal complexa: tem fibras de várias origens;

camada longitudinal do recto (lisas), puborectal e feixe profundo do esfíncter

externo (estriadas), fibras tendinosas da aponevrose pélvica superior. Envia

ramificações em sentido radial que formam o ligamento de Parks quando

atravessam o EI e se inserem na região justa-pectínea.

1.1.4. Glândulas do canal anal:

Glândulas de Herman e Defosses: Abrem-se no fundo das criptas

anais, tem origem em canais embrionários situados na submucosa, estendem-se

através do sistema esfíncteriano, podendo enviar ramificações que atravessam o

EI e seguem a camada longitudinal complexa. Papel fundamental na patogenia

das fístulas anais.

1.1.5 Epitélio:

O recto tem epitélio colunar. Entre o anel ano-rectal e a linha pectínea

temos uma zona de transição em que vamos deixando de ter epitélio colunar e

passamos a ter epitélio estratificado pavimentoso. Abaixo da linha pectínea o

epitélio do ânus é estratificado pavimentoso não queratinizado.

A diversidade de epitélios encontrados nesta zona explica a diversidade

de carcinomas que podem surgir.

Figura 2: Musculatura do canal anal.

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Limite anatómico

1. 1.6 Limites do ânus

Segundo o apontado na aula são considerados como limites cirúrgicos do ânus

a região em que se forma um ângulo entre o canal anal e o ânus, acima das

colunas de Morgani - anel ano-rectal. O limite anatómico corresponde à linha

pectínea.

1.2 - Motivos habituais de uma consulta de

proctologia

Sinais habituais:

Dor 50%

Rectorragia 40%

Tumefacção anal 25%

Alterações recentes no trânsito 18%

Prurido 15%

Escorrências sem sangue 12%

Limite cirúrgico

Figura 3: Limites do ânus.

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Diagnósticos mais frequentes:

Hemorróidas 40 %

Fissuras 18% (10% associadas a

hemorróidas)

Supurações (abcesso/fístula) 16 %

Condilomas 7 %

Eczema 6%

Patologia tumoral 4%

Outros (d.venéreas, nevralgias, Crohn) 9%

1. 3. Semiologia

1.3.1. Dor ano-rectal – forma de apresentação

No momento da evacuação

Fissura anal (prolonga-se após a evacuação);

Criptite e papilite;

Cancro anal.

Contínua, exacerbando-se com a evacuação

Trombose hemorroidária;

Abcesso;

Anite.

Sem relação com a evacuação

Contínua Cancro anal avançado;

Descontínua Proctalgia fugaz, nevralgia anal, coccigodinia.

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1.3.2. Dor ano-rectal essencial

Proctalgia fugaz

Dor rectal profunda, tipo caímbra;

Surge na primeira metade da noite;

Sobretudo no sexo feminino, entre os 40-50 anos;

Intensidade variável;

Pode demorar desde alguns segundos até meia hora.

Nevralgia anal

Dor anal mal definida;

Variável na intensidade, localização e irradiação;

Sem horário determinado;

Mais frequente nas mulheres, entre os 50-60 anos, com alterações

psiquiátricas.

Coccigodinia

Representa a maioria dos casos das algias proctológicas

essenciais;

Dor referida ao ânus, recto ou períneo;

Agravada pelo toque ou pela mobilização do cóccix;

Agravada com os movimentos, a posição de sentado e, por vezes,

com a defecação;

Tratamento muito difícil;

Mais frequente nas mulheres com mais de 50 anos;

Associada a traumatismos antigos do cóccix ?

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Pode suspeitar-se da origem provável da rectorragia em algumas situações:

I. Rectorragia mínima que mancha a roupa interior faz pensar numa lesão muco-cutânea anal ou peri-anal, num prolapso permanente ou, mais raramente, num cancro anal ulcerado.

II. Sangue vermelho vivo que pinga na sanita é característico de uma causa hemorroidária. Em geral, o sangue é expulso depois da evacuação, sob a forma de gotas ou em jacto.

III. Sangue vermelho que recobre as fezes em regra devido a uma lesão ulcerada, tumoral ou inflamatória, de localização distal.

1.3.3. Rectorragia

Emissão de sangue vermelho pelo ânus, não misturado com as fezes,

habitualmente no acto da defecação. É muito grande a probabilidade da causa

da hemorragia estar no ânus e/ou no recto /sigmóide.

Tipo de hemorragia

Duração e frequência;

Relação com as fezes (misturado nas fezes, antes ou depois,

isoladamente);

Quantidade (abundante, pequena ou apenas tingindo o papel ao

limpar);

Queixas associadas

Tenesmo, alterações do trânsito intestinal, dor abdominal ou anal,

emissão de muco ou pús, febre, etc.

Antecedentes

Introdução de corpos estranhos, cirurgia ano-rectal prévia,

radioterapia, medicamentos anticoagulantes, antecedentes familiares de

polipose ou cancro cólico

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Quadro ano-rectal associado a rectorragia

Se há dor intensa ao defecar, poderá pensar-se em fissura se a

quantidade de sangue é mínima; e em fissura e hemorróidas (situações

frequentemente associadas) se a quantidade de sangue é abundante.

Se houver tenesmo e/ou falsas vontades de defecar, deve pensar-

se na existência de um tumor benigno ou maligno do recto, ou de uma rectite.

Se o sangue estiver diluído numa grande quantidade de muco,

pode pensar-se num tumor viloso do cólon ou do recto.

Se à rectorragia se associa muco ou pús, inclinamo-nos para o

diagnóstico de colite ulcerosa no caso de haver diarreia, ou para o diagnóstico

de estenose inflamatória ou neoplásica no caso de haver obstipação recente.

Rectorragia – causas mais frequentes

Hemorróidas;

Fissura;

Pólipos;

Cancro;

Doença diverticular do cólon;

Doenças inflamatórias inespecíficas do intestino;

Lesões vasculares.

1.3.4. Tumefacção anal

Excrescência de longa duração pode corresponder a mariscas

(prega cutânea de pequenos milímetros, ligeiramente espessa e

hiperpigmentada que corresponde a sequelas de trombose hemorroidária), a

papilomas ou a um quisto sebáceo.

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Tumefacção com evolução relativamente curta, pode sugerir o

cancro anal.

Tumefacção de evolução recente e aguda, faz pensar em

trombose hemorroidária ou em abcesso do ânus, os quais constituem,

normalmente, urgências cirúrgicas.

Excrescência de aparição intermitente está geralmente associada

com prolapso, papila hipertrófica ou lesão polipóide.

1.3.5. Prurido anal

Sensação e necessidade mais ou menos imperiosa e intensa de coceira.

Embora possa aparecer como uma manifestação isolada, o prurido

habitualmente está associado a outras queixas, como a rectorragia, a

escorrência anal ou a dor.

Prurido anal – Formas clínicas e etiológicas

Proctológicas

Supurações perianais e anais;

Estados inflamatórios: criptites, papilites, ano-rectites;

Ulcerações, fissuras;

Hemorróidas, sobretudo prolapsadas;

Tumores benignos e malignos;

Afecções víricas (condilomas, herpes), psoríase, líquen;

Sequelas de pós-operatórios proctológicos.

Alérgicas

Alergias de contacto: tópicos, roupa interior.

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Infecciosas

Microbiana; micótica (candidíase).

Locoregionais

Ginecológicas: leucorreia por Candida, Trichomonas;

Intestinais: parasitoses (oxiuríase, áscaris, ténia, giardia); diarreia

(fezes ácidas).

Sistémicas

Diabetes, gota, nefropatias, hemopatias.

Sem causa

Prurido essencial.

1.3.6. Escorrências anais

A escorrência pode ser anal e estar em relação com uma fístula ou

fissura infectada.

A escorrência pode ser independente do ânus e recto, como

acontece no sinus pilonidal e na hidroadenite supurativa.

Algumas vezes, o doente refere simplesmente uma impressão de

humidade anal incolor, que é ocasionada por uma sudorese abundante, ou está

em relação com um pequeno prolapso hemorroidário intermitente, ou é

provocada por uma dermatite perianal com escorrência.

Uma pequena escorrência fecal na ausência de causa orgânica,

corresponde habitualmente a problemas funcionais de ligeira incontinência.

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1.4 - Exame protológico

O exame físico é fundamental para o diagnóstico da maioria das doenças

anorectais faz o diagnóstico em cerca de 80% das situações.

Exame físico geral (não esquecer região inguinal, exame abdominal e

toque vaginal)

Na avaliação clínica em Proctologia, o Exame Objectivo inclui:

Inspecção;

Palpação (toque rectal);

Anuscopia;

Rectoscopia rígida.

I. Inspecção

Inspecção da roupa interior;

Inspecção directa (localizar as anomalias

encontradas segundo um esquema igual aos ponteiros do relógio: 0 horas para comissura anterior e 6 horas para a posterior);

Afastamento das nádegas;

Observação com esforço defecatório (avaliar

descida do períneo, despistar a presença de prolapsos).

Posição do doente Figura 4 – Posições possíveis para

exame da região anal

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Inspecção - Anomalias que se podem encontrar

Lesões dérmicas: eczemas, micoses, condilomas, ulcerações;

Supurações: abcessos, orifícios fistulosos, quistos e fístulas

pilonidais;

Fissuras anais: quando localizadas fora da linha média, deverão

levantar a hipótese de ulceração por outras causas (doença de Crohn,

neoplasia);

Trombose hemorroidária;

Mariscas;

Lesões tumorais: benignas, malignas, condilomas;

Cicatrizes: indicando intervenções cirúrgicas ou traumatismos

anteriores, e fazendo suspeitar de lesões esfincterianas;

Períneo descido;

Hipotonicidade anal;

Prolapsos: diferenciando entre prolapso hemorroidário, mucoso do

recto e rectal completo.

II. Palpação e toque ano-rectal

Palpação da região peri-anal: delimitar extensão de abcessos,

orientação dos trajectos fistulosos, infiltração associada a lesões tumorais ou

dos bordos de lesões ulcerosas.

Exame neurológico da região peri-anal: indispensável em doentes

com incontinência ou prolapso.

Consiste em dois exames:

Pesquisa do reflexo anal

Avaliação da sensibilidade peri-anal

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Toque ano-rectal

Recto: conteúdo da ampola rectal, superfície mucosa, lesões do

recto distal (estenoses, pólipos, carcinoma, úlceras, abcesso intra-mural do

recto);

Estruturas extra-rectais: cóccix e espaço pré-sagrado, parede

pélvica lateral, recesso recto-vesical e os orgãos pélvicos anteriores (próstata,

vesículas seminais, colo do útero);

Pavimento pélvico: angulação ano-rectal (cerca de 130º em

repouso), resistência do puborectal em repouso e em contracção voluntária,

inibição reflexa da actividade do puborectal e esfíncteres com esforço

defecatório; presença de rectocelos;

Inspecção da luva

III. Anuscopia (realizada com o doente em repouso e em esforço

defecatório para avaliação de prolapso do recto distal e dos pedículos

hemorroidários).

Anuscopia – Anomalias que se podem encontrar

Prolapso mucoso do recto (parede anterior ou circular);

Figura 5 – Toque rectal

Canal anal: depressões

(correspondendo a criptites) ou papilas

hipertróficas da linha pectínea, lesões

tumorais e infiltrativas, fissuras, tonicidade

anal de repouso e após contração do

esfincter externo;

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Pedículos hemorroidários: número de pedículos prolapsados,

quantificação do prolapso;

Linha pectínea: lesões de criptopapilite, papilas hipertróficas;

Ulcerações do recto distal e do canal anal: doença de Crohn,

neoplasia maligna.

IV. Rectoscopia

Rectoscopia – Anomalias que se podem encontrar

Sangue ou pús no recto, com mucosa normal (impõe uma

exploração cólica complementar);

Alterações difusas da mucosa (as patologias inflamatórias

caracterizam-se nas fases iniciais por perda do padrão vascular, progredindo

para uma mucosa granular e hiperémica, friável, podendo observar-se

ulcerações);

Lesões localizadas: pólipos, carcinoma, úlcera solitária do recto,

áreas focais de doença de Crohn;

Dilatação do recto

Prolapso rectal (com o doente em esforço defecatório).

Para a maioria dos doentes proctológicos, basta esta investigação.

Casos selecionados poderão necessitar de outras técnicas:

Colonoscopia total

Técnicas radiológicas especiais, Defecografia (o ângulo rectal

rectifica para defecar); Ecografia, RM, Defecografia, Fistulografia, tempo do

trânsito cólico.

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Estudos funcionais, EMG - Electromiografia de Esfíncter anal (para

doenças motoras e desnervação) ; Manometria, importante para medir a pressão

necessária para relaxar os esfíncteres.

Ecografia endoanal e rectal

Visualizamos 3 camadas:

Interna, hiperecogénica, representa a mucosa e submucosa;

Intermediária, hipoecogénica, é o esfíncter interno;

Externa ou periférica, mais larga, hiperecogénica corresponde à

camada longitudinal complexa e ao esfíncter externo.

Estas duas estruturas são frequentemente indissociáveis na mulher, mas

no homem o carácter menos hiperecogénico do EE, permite diferencia-lo. A

espessura do EI aumenta com a idade, bem como a sua ecogenicidade. O EE,

cilíndrico no homem, é visível em toda a altura do canal anal; na mulher a sua

obliquidade para baixo e para a frente não permite a sua visualização na porção

mais alta do canal anal, o que pode gerar confusão com uma ruptura

esfincteriana.

ECOGRAFIA ENDOANAL E RECTAL

Figura 6 Figura 7

Page 17: 3. Introdução à Proctologia

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A Ecografia endo-rectal: permite distinguir as camadas da parede, os

gânglios linfáticos periviscerais do meso, os órgãos vizinhos e planos adjacentes

podendo assim distinguir-se uma parede normal de uma parede com lesão e

fazer o estadiamento caso haja um tumor (T1 a T4)

2 - Patologia

2.1. Doença Hemorroidária

Caso clínico típico:

Mulher de 50 anos, com história de rectorragias intermitentes, depois da

defecação, com mais de dez anos de evolução. O sangue é vermelho vivo e

pinga a sanita. Antecedentes de obstipação.

Hemorróidas: Constituem como que almofadas vasculares, existindo

em 30% da população. Dividem-se em internas(1) e externas(2), consoante o

plexo venoso dilatado se situe acima ou abaixo da linha pectínea ou denteada.

Podem também ocorrer em combinação, havendo uma comunicação entre os

plexos hemorroidários interno e externo (3)

Fig. 10 - Trajecto de fístula

transesfincteriana

Fig 8 - CPC canal anal

invadindo o EI e o EE

Fig 9 - Rotura

obstétrica do EE

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1

2

3

Estas almofadas vasculares são suportadas por uma rede fibromuscular

constituída por:

Elementos do esfíncter interno (2)

Elementos da camada longitudinal (entre os

dois esfíncteres)

Ligamento de Parks (1) espessamento

inferior (evita o prolapso da rede fibromuscular

durante a defecação)

Desta forma, os indivíduos que fazem muito esforço para evacuarem

“empurram” o plexo para o exterior.

Embora assintomáticos na maioria dos casos, cerca de 30% dos

indivíduos com hemorróidas vêm a sofrer de hemorragia, trombose ou prolapso,

na sequência de períodos de congestão pélvica (sedentarismo, obesidade,

gravidez), obstipação e de um maior esforço na defecação.

Figura 11 - Plexos hemorroidários

Figura 12 – Elementos fibro-musculares de

suporte aos plexos hemorroidários

Page 19: 3. Introdução à Proctologia

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As hemorróidas internas podem ser classificadas em 4 graus:

Grau I hemorróidas internas que ao defecar e com esforços

físicos sangram, mas sem prolapsarem;

Grau II exteriorizam-se com o esforço, mas reduzem

espontaneamente após a defecação;

Grau III necessitam de redução manual após a defecação;

Grau IV existe prolapso hemorroidário permanente, os plexos

internos e externos estão em continuidade.

Manifestações clínicas mais frequentes da hemorroidas:

Hemorragia

Maioria das vezes após defecação hemorragia de sangue

vermelho que pinga a sanita.

Não é patognomónico, mesmo depois de comprovadas a

existência de hemorróidas, deve-se proceder a exame fibroendoscópico do

cólon esquerdo, uma vez que em 12-15% dos casos, além da patologia

hemorroidária, detecta-se lesões tumorais, sob a forma de pólipos ou cancro.1

Prolapso hemorroidário (intermitente/permanente)

Tromboses hemorroidárias

Ocorre devido a fenómenos mecânicos que lesam a parede e

obliteram o lúmen, levando à formação de coágulos

1 Atenção especial a doentes com mais de 50 anos.

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O processo trombótico desencadeia uma inflamação (do tipo

reacção de corpo estranho)

Deve-se efectuar a excisão cirúrgica das hemorróidas trombosadas

até aos 4 dias de evolução, a partir do 4º dia, deve-se manter o quadro clínico

sob vigilância, com administração de venotrópicos (diosmina), AINE’s, pomada

heparinóide e gelo.

Tratamento das hemorroidas

Grau I Grau II Grau III Grau IV Hem. ext.2

Dieta

Escleroterapia

Infravermelhos ()3

Laqueação elástica ()

PPH

Hemorroidectomia ()

Dieta rica em fibras e elevada ingestão de água;

Escleroterapia injecção de um esclerosante na submucosa que

recobre os plexos;

2 Hemorróidas exteriorizadas

3 (): Sob análise cuidada do quadro clínico.

Page 21: 3. Introdução à Proctologia

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Hemorroidectomia são retirados 3 a 4

pedículos, deixando-se pontes de tecido entre estes,

de forma a não se formar um anel contínuo, cuja

cicatrização provocaria uma estenose (figura 15).

Infravermelhos a aplicação da radiação provoca a fibrose do tecido,

tornando-o mais resistente, permitindo uma melhor contenção das

hemorróidas durante a defecação;

Laqueação elástica faz-se a tracção

do plexo para o interior do anuscópio e

depois aplica-se um elástico em torno do

plexo, ao fim de algum tempo, este plexo

necrosa e cai (figura 13);

PPH hemorroidopexia segundo técnica de Longo (figura 14);

Figura 13 – Laqueação elástica

Figura 14 –Hemorroidopexia segundo técnica de Longo

Figura 15 - Hemorroidotomia

Page 22: 3. Introdução à Proctologia

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2.2 - Fissura Anal

Caso clínico típico:

Mulher de 50 anos, com história de rectorragias intermitentes, depois vida

defecação, com um ano de evolução. O sangue é vermelho vivo e, a maior parte

das vezes, é identificado apenas do papel higiénico. A hemorragia é

frequentemente acompanhada de dor anal, por vezes muito intensa, que surge 5

minutos depois da defecação e pode durar 2 a 3 horas.

É a causa mais frequente de dor anal, particularmente nas pessoas

cronicamente obstipadas. Trata-se de uma úlcera longitudinal do canal anal,

localizada normalmente na linha média posterior, causada por traumatismo

provocado pela emissão de fezes volumosas e duras. A maioria das fissuras são

agudas, recentes.

Etiopatogenia:

Traumatismo secundário à passagem de fezes duras (menos

frequentemente, um episódio de diarreia também pode provocar perda de

substância);

A persistência da fissura após o factor iniciador parece estar

associado a um aumento da pressão anal em repouso (hipertonia menor

perfusão da anoderme);

Factor vascular pobreza vascular no pólo posterior do ânus.

As fissuras anteriores e posteriores, são, na maioria dos casos, devidas a

hipertonicidade do canal anal.

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As fissuras laterais podem ser devidas a outras causas:

Doença de Crohn;

Colite ulcerosa;

Sífilis;

Tuberculose;

Leucemia;

Cancro;

HIV.

Manifestações clínicas mais frequentes das fissuras anais:

A dor surge durante e após a defecação, sendo sempre

acompanhada por espasmo do esfíncter anal, o que por sua vez agrava a dor;

A defecação é frequentemente seguida pela perda de sangue vivo.

Tríade de sinais de cronicidade (figura11):

No bordo externo (inferior) marisca sentinela(1)4

No bordo interno (superior) papila (2)

Fibras do esfíncter interno no leito da fissura (3)

4 Pelo que entendi, e tendo em conta o Alves Pereira, marisca sentinela não é mais que

uma hemorróida sentinela

1

2

3

Figura 16 – Exemplos de patologias da região

anal

Page 24: 3. Introdução à Proctologia

Página 24 de 33

Tratamento das fístulas anais

Cirurgia: esfincterectomia (esfíncter interno) que diminui a pressão

do canal anal;

Se não houver hipertonia retalhos cutâneos ou mucosos;

Devido às complicações a longo prazo da esfincterectomia,

surgiram outros tratamentos cujo objectivo é a diminuição da pressão anal média

máxima em repouso (esfincterectomia química):

1. Nitratos tópicos (nitroglicerina, dinitrato de isosorbido). O NO

(neurotransmissor do músculo liso do esfíncter interno)

vasodilatação;

2. Bloqueadores dos canais de cálcio tópicos ou orais (nifedipina,

diltiazem) vasodilatação;

3. L-arginina (dador de NO);

4. Agonistas muscarínicos tópicos (betanecol);

5. Toxina butolínica (injecção subfissurária).

2.3 - Abcesso anal e Fístula anal

Ambas as situações são fases diferentes do mesmo processo

supuração anal.

2.3.1. Abcesso anal

Fase aguda da supuração anal. É uma colecção de material purulento na

região anorrectal, que começa, na maioria dos casos, nas adenites supurativas

das glândulas anais.

Cerca de 2/3 das glândulas anais atingem o esfíncter interno; e 50%

atingem o espaço inter-esfíncteriano.

Page 25: 3. Introdução à Proctologia

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Caso clínico típico:

Homem de 30 anos, com queixas de dor peri-anal, não ritmada com as

dejecções, muito intensa, irradiando para os órgãos genitais, e com dois dias de

evolução. A dor está associada a alterações do estado geral e a febre. È visível

e palpável uma tumefacção da região peri-anal.

Etiologia do abcesso anal:

Não específica

Criptoglandular

Específica

. Doença inflamatória intestinal

Doença de Crohn

Colite ulcerosa

Infecção

Tuberculose

Actinomicose

Linfogranuloma venereum

Trauma

Empalamento

Corpo estranho

Cirurgia

Episiotomia

Hemorroidectomia

Prostatectomia

Neoplasia

Carcinoma

Leucemia (M4)

Linfoma

Page 26: 3. Introdução à Proctologia

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Classificação de abcesso anal (figura 17)

Submucoso

Perianal

Interesfincteriano

Isquioanal

Supralevantadoriano

Tratamento dos abcessos anais

A drenagem pode ser efectuada de duas formas:

Aspiração com seringa (maior risco de fecho);

Incisão (com ou sem dreno);

Figura 18 – Aspiração com seringa (A),

Incisão (B) e (C)

Fig 17 – Possíveis localizações de

abcessos anais

Page 27: 3. Introdução à Proctologia

Página 27 de 33

O professor chamou a atenção para a Fistulotomia primária: com este

método cirúrgico pretende-se, após a drenagem do abcesso, seguir o trajecto do

pus e descobrir o orifício interno, fazendo-se de imediato a fistulotomia primária.

Mas este processo está associado a um maior número de problemas de

incontinência (inflamação com edema dificulta a percepção da anatomia

esfíncteriana). Assim, opta-se por uma solução de meio termo coloca-se um

sedanho até passar a inflamação.

Diagnóstico diferencial de abcessos anais

Sinus pilonidal

Representa cerca de 15% dos abcessos perianais;

Tem origem no tecido celular subcutâneo do sulco inter-glúteo;

A cavidade infectada encontra-se ocupada por um tufo de pêlos e

comunica com a pele por um ou vários orifícios geralmente

medianos;

O quadro pode ser agudo (abcessos) ou crónico (descarga de

material purulento através dos orifícios presentes no sulco inter-

glúteo).

Tratamento: cirúrgico5 (depilação eficaz e definitiva pode resolver).

Etiopatogenia de sinus pilonidal:

o Teoria congénita: defeito na coalescência da rafe mediana

subcutânea com origem na primeira camada mesoblástica;

o Teoria adquirida: pressão interglútea rasga folículo piloso e

penetra o sulco criando uma reacção de corpo estranho.

5 Deve ser evitada a incisão ao nível da linha média.

Page 28: 3. Introdução à Proctologia

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2.3.2. Fístula anal

Constitui a fase crónica do processo de supuração anal.

Tem origem num abcesso criptoglandular (que corresponde ao orifício

interno) que drena para o exterior através de um orifício (designado por orifício

externo da fístula) geralmente na margem do ânus ou na mucosa anal, após um

trajecto mais ou menos complexo através do aparelho esfincteriano. Este

trajecto é preenchido por tecido de granulação.

Classificação das fístulas anais (fig19)

As fistulas anais podem ser classificadas segundo a sua relação com o

esfícter externo:

1. Interesfincterianas (A): internamente em relação ao esfíncter

externo (entre o interno e o externo);

2. Trans-esfincterianas (B): passam através do esfíncter externo;

3. Supra-esfincterianas (C): localizam-se acima do esfíncter

externo, atravessando o músculo pubo-rectal;

4. Extra-esfíncterianas (D): Se o orifício interno se situar no recto, e

não no canal anal

Figura 19 – Trajecto de fístulas anais

Page 29: 3. Introdução à Proctologia

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Distribuição dos orifícios internos:

Lei de Goodsall (figura 16)

Imaginando uma linha transversal que passa pelo ânus, dividindo esta

região em anterior e posterior, verifica-se que:

Orifício externo posterior: trajecto fistuloso curvilíneo;

Orifício externo anterior: trajecto fistuloso rectilíneo;

Esta lei é válida para orifícios externos que se encontrem num raio inferior

a 3cm em relação ao ânus.

Figura 21 – Trajecto de fístulas

anais

Figura 20 – Localização de fístulas anais

anais

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Figura 22 – Lesões herpéticas

anais

Tratamento das fístulas anais

Fístulotomia

Fístulectomia

Seton cortante ou seton de drenagem

Fistolotomia parcial com colocação de seton

Cola de fibrina

“Plug” obturador de fístula anal prostético)

Retalhos mucosos de avanço

Retalhos cutâneos de avanço

Encerramento do orifício interno e drenagem do trajecto extra-

esfincteriano

Ressecção anterior do recto

Colostomia (fístulas mais complexas)

Tratamento médico

Vigilância

2. 4. Oncologia e Proctologia

Condilomas acuminados

São lesões assintomáticas provocadas pelo vírus do HPV. Existem

estirpes de baixo (6, 11) e alto risco (16, 18, 31, 33, 35). É das mais frequentes

doenças sexualmente transmissíveis. A localização anal é própria dos que

praticam coito anorreceptivo.

São pequenas excrescências esbranquiçadas,

separadas por pele normal. Localizam-se mais

frequentemente ao nível da margem, mas também

podem existir dentro do canal anal. Raramente podem

degenerar e dar origem a um tumor localmente invasivo

(tumor de Buschke-Lowenstein) faz-se a coloração

com ácido acético a 5% para evidenciar displasia

epitelial.

Fig 22 – Lesões herpéticas

Page 31: 3. Introdução à Proctologia

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O tratamento é efectuado com pomada Imiquimod (Aldara) para as lesões mais

pequenas ou cirurgia (lesões mais volumosas).

Doença de Bowen

Carcinoma espinocelular do canal anal

Tem como manifestações clínicas a dor e a hemorragia. É por vezes

confundido com o quadro de doença hemorroidária. Este tipo de neoplasia pode

metastizar para os gânglios locorregionais (nomeadamente inguinais).

O tratamento é realizado com quimiorradioterapia, se ocorrer recidiva

faz-se uma amputação abdominoperineal.

É uma lesão que traduz um carcinoma pavimento-

celular “in situ”, mais recentemente denominado de HSIL

(high-grade squamous intrepithelial lesions).

Caracteriza-se como sendo uma lesão do tipo

dermatose crónica, facilmente confundida com as

apresentações clínicas do prurido anal, da queratose senil ou

da psoríase.

O tratamento é cirúrgico (excisão alargada).

Fig 23 – Doença de Bowman

Doença de Paget

Esta lesão contém células de Paget, que

representam um adenocarcinoma intraepitelial com uma

fase pré-invasiva longa e que eventualmente pode evoluir

para um adenocarcinoma de uma glândula apócrina

subjacente.

Tem um aspecto eczematoso com prurido intratável.

O tratamento é cirúrgico (excisão / amputação

abdominoperineal).

Fig 24 – Doença de Paget

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Melanoma do canal anal

Neoplasia que também pode ocorrer nesta região, pode ser confundido

com hemorróidas, daí a importância de saber o diagnóstico anatomo-patológico

de uma hemorroidectomia.

Outros

Linfoma;

Sarcoma;

Carcinoma Malpighiano;

Carcinoma basocelular;

Adenocarcinoma;

(…)

2.5 - Outras Patologias6

Hidradenite supurativa

É devida à infecção das glândulas sudoríparas da pele. A acumulação de

secreções pode levar à infecção e à fistulizacção por razões desconhecidas.

Distingue-se de outras patologias por só apresentar orifícios externos

(e não internos ao nível do canal anal). O tratamento é cirúrgico fistulotomia.

Prolapso rectal

Caracteriza-se pela exteriorização completa do recto em toda a sua

espessura através do ânus.

Deve-se a uma conjugação de factores:

Mesossigmóide longo;

Fundo-de-saco de Douglas anormalmente profundo;

6 Não mencionadas na aula

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Esfíncter anal enfraquecido;

Defeitos no pavimento pélvico com afastamento dos músculos

levantadores do ânus.

Existe exteriorização completa transanal durante os esforços de

defecação. A invaginação recto-rectal, por sua vez, provoca uma sensação de

tenesmo que conduz à repetição do esforço defecatório que vai agravando

progressivamente a situação. A incontinência anal acompanha frequentemente o

quadro.

Nas fases iniciais o prolapso reduz espontaneamente ou é reduzido

manualmente após a defecação. Nas fases mais avançadas o prolapso

exterioriza-se com o doente em pé, ou encontra-se exteriorizado

permanentemente.

O tratamento é cirúrgico:

Ressecção e anastomose colo-rectal;

Rectopexia (fixação do recto ao sacro);

Encerramento parcial do ânus.