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3 Análise exegética do Salmo 96 3.1 Tradução e segmentação Cantai para YHWH um cântico novo, 1a ab ָ֑ דָ ח ירִ֣ הָ יהו֭ ַ ל ירוִּ֣ b cantai para YHWH toda a terra. 1b ירוִּ֥ ץ׃ֶ רָֽ אָ ל־הָ ה֗ ָ יהו֜ ַ לCantai para YHWH, 2a הָ יהו֭ ַ ל ירוִּ֣ a bendizei o nome dele, 2b a ֑ מְ b ֣ כֲ רָ Proclamai, dia após dia, a salvação dele. 2c וֹ׃ֽ תָ שׁוּעְ יc וֹם֗ י֜ ְ וֹם־לֽ ִ מ֥ רְ ַ Narrai, entre as nações, a glória dele, 3a a ֑ בוֹדְ b םִ֣ גּוֹיַ ב֣ רְ ַ סa [narrai] entre todos os povos as maravilhas dele. 3b יו׃ָֽ אוֹתְ לְ פִ נ ים֗ ִ ַ ע֜ ָֽ ל־הָ כְ Pois grande [é] YHWH e muito louvável. 4a ד֑ ֹ אְ מ לָ֣ ֻ הְ וּמ הָ֣ הוְ י וֹל֤ ד֨ ָ ג יִ֥ Ele é temido sobre todos os deuses. 4b ים׃ִֽ הֱ ל־אָ ל־כַּ ע וּא֗֜ הa אָ֥ נוֹרPois todos os deuses dos povos são nada, 5a יםִ֑ ילִ לֱ א יםִ֣ ַ עָ ה יֵ֣ הֱ ל־אָ י׀ִ֤ porém, YHWH [os] céus fez. 5b ה׃ָֽ ָ עםִ יַ֥ מָ ה֗ ָ יהו֜ ַֽ וHonra e esplendor estão diante dele, 6a יוָ֑ נָ פְ ל רָ֥ דָ הְ הוֹד־וforça e beleza no santuário dele. 6b ז֥ ֹ עa ֽ ָ ְ קִ מְ תֶ ר֗ ֶ אְ פִ ת֜ ְ וa ׃Dai para YHWH, ó famílias dos povos, 7a יםִ֑ ַ ע וֹת֣ חְ ְ ִ מ הָ יהו֭ ַ ל֣ בָ הdai para YHWH glória e força. 7b ז׃ֽ ֹ עָ ו וֹד֥ בָ ה֗ ָ יהו֜ ַ ל֥ בָ הDai para YHWH a glória do nome dele. 8a ֑ מְ וֹד֣ בְ הָ יהו֭ ַ ל֣ בָ הTrazei uma oblação 8b ה֗ ָ חְ נ֜ ִ וּ־מֽ אְ e entrai pelos átrios dele. 8c ׃a יוָֽ רוֹתְ צַ חְ ל אוּ֥ ֹ וּבInclinai-vos para YHWH no esplendor da santidade. 9a תַ רְ דַ הְ הָ יהו֭ ַ ל֣ וֲ חַ ְ ִ הa ֶ ד֑ ֹ ־קb Dançai diante dele toda a terra 9b ץ׃ֶ רָֽ אָ ל־הָ d יו֗ ָ נָ ֜ ִ מc ילוִּ֥ חDizei entre as nações: 10a a ֤ רְ מִ אb ם׀֙ ִ גּוֹיַ בYHWH reina! 10b a ֗ ָ לָ מ הָ֤ ו֨ הְ יDe fato, a Orbe está firme, 10c c וֹן֣ ִ אַף־תּd לֵ ב֭ ֵ não é abalada. 10d וֹט֑ ִ ל־תַּ c Sentenciará povos com retidão. 10e ׃e יםִֽ רָ ישֵׁ מְ ים֗ ִ ֜ ַ ע יןִ֥ דָ יe Que se alegrem os céus 11a םִ יַ מָ ֭ ַ ה֣ חְ מְ ִ יe que se regozije a terra. 11b ץֶ רָ֑ אָ ה לֵ֣ גָ תְ וQue retumbe o mar e tudo o que ele contém, 11c וֹ׃ֽ אְ וּמ ם֗ ָ ֜ ַ הa םַ֥ עְ רִֽ יQue festeje o campo e tudo o que há nele. 12a זֲ֣ עַ יa יַ ד֭ ָ b ֑ ר־בֶּ ֲ ל־אָ כְ וQue exultem, então, todas as árvores da floresta 12b ׃d רַ עָֽ י־יֵ צֲ ־עc לָ ֗ נְ ַ ר֜ ְ י זָ֥ אdiante de YHWH, pois vem, 13a יֵ֤ נְ פִ לa א֗ ָ ב י֬ ִ ה׀֙ ָ הוְ יpois vem para julgar a terra, 13b b ֘ אָ ב יִ֥ b ט֪ ֹ ְ ִ לc ץֶ רָ֥ א֫ ָ הjulgará a Orbe com justiça e [julgará] os povos na fidelidade dele. 13c 13d קֶ דֶ֑ צְ לֵ֥ בֵ ט־תּֽ ֹ ְ ִ יd ׃d ֽ תָ מוּנֱ אֶ ים֗ ִ ַ ע֜ ְ ו

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  • 3 Anlise exegtica do Salmo 96

    3.1 Traduo e segmentao

    Cantai para YHWH um cntico novo, 1a ab bcantai para YHWH toda a terra. 1b Cantai para YHWH, 2a abendizei o nome dele, 2b a b Proclamai, dia aps dia, a salvao dele. 2c c Narrai, entre as naes, a glria dele, 3a a b a [narrai] entre todos os povos as maravilhas dele. 3b Pois grande [] YHWH e muito louvvel. 4a Ele temido sobre todos os deuses. 4b a

    Pois todos os deuses dos povos so nada, 5a porm, YHWH [os] cus fez. 5b Honra e esplendor esto diante dele, 6a fora e beleza no santurio dele. 6b a aDai para YHWH, famlias dos povos, 7a dai para YHWH glria e fora. 7b Dai para YHWH a glria do nome dele. 8a Trazei uma oblao 8b e entrai pelos trios dele. 8c a Inclinai-vos para YHWH no esplendor da santidade. 9a a bDanai diante dele toda a terra 9b d c Dizei entre as naes: 10a ab YHWH reina! 10b a De fato, a Orbe est firme, 10c cd no abalada. 10d c Sentenciar povos com retido. 10e e eQue se alegrem os cus 11a e que se regozije a terra. 11b Que retumbe o mar e tudo o que ele contm, 11c a Que festeje o campo e tudo o que h nele. 12a a bQue exultem, ento, todas as rvores da floresta 12b dc

    diante de YHWH, pois vem, 13a a pois vem para julgar a terra, 13b b b c julgar a Orbe com justia e [julgar] os povos na fidelidade dele.

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    3.2 Notas de crtica textual

    v. 1a: a Septuaginta107 apresenta um ttulo para o Salmo: Quando a casa era

    construda aps o cativeiro. Cntico de Davi108. Esta uma caracterstica do texto

    grego em relao ao TM109, o qual apresenta muitos Salmos sem ttulo ou autor.

    No livro IV do Saltrio, a Septuaginta opta por ttulos, mas a autoria varia de

    posio110. Por sua vez, 1Cr 16,8-36, texto no qual so introduzidos os Salmos 96;

    105,1-15; 106,1.47-48, no traz ttulo e epgrafe, embora haja um contexto litrgico

    no qual apresenta uma grande ao de graas que deve ser executada no dia da chegada da Arca da Aliana.

    A partir dessas consideraes, opta-se pelo TM, pois precede a Septuaginta e

    atestado pela Vulgata. Alm disso, com tais acrscimos a Septuaginta teria datado

    o Sl 96 no contexto do Segundo Templo,111 concordando com a ideologia do

    cronista, que tem como meta a restaurao da aliana e do culto.

    v. 1ab-b; v. 2aba-a: os segmentos do TM so omitidos em 1Cr 16,23. Contudo,

    a tripla repetio formada com o v. 1b junto com os segmentos omitidos pelo

    cronista (cf. v. 2ab) uma caracterstica do Sl 96 (cf. vv. 7-8a).112 Por isso, adindo-

    se a atestao do TM pela Vulgata e pela Septuaginta, decide-se pela forma do Sl

    96 sem a omisso dos vv. 1a.2ab.

    v. 2bb: a Peshitta e a Vulgata acrescentam uma conjuno antes de . Provavelmente o acrscimo desta cpula no denota uma peculiaridade da Vulgata,

    pois no se repete no Sl 96,1. Mas na Peshita se trata de uma caracterstica em

    relao ao TM.

    107 O texto grego usado no cotejo o de Alfred Rahlfs, revisado e alterado por Robert Hanhart. Nesta dissertao, ser citado apenas como Septuaginta. 108 ) O cdex Sinaiticus e cdex Alexandrinus tambm trazem o mesmo ttulo, entretanto antecipam a autoria do Salmo: [...]. 109 A sigla TM (Texto Massortico) ser usada nesta dissertao como referncia ao cdex Leningradense (B 19a) reproduzido na edio crtica da Bblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1967/77. 110 Ou o ttulo est no incio da epgrafe (cf. Sl 89; 90; 91; 93; 94; 97; 98; 99), ou, ento, no final (cf. Sl 92; 95). Considera-se, ainda, o fato de alguns Salmos do livro IV apresentarem somente o ttulo ( ; ; ), e no possurem epgrafe (cf. 90; 94; 97; 98; 99; 100; 102; 103). 111 Cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, A commentary on Psalms, vol. II, p. 463. 112 Cf. M. DAHOOD. Psalms II. New Haven, Connecticut: Yale, 2011. p. 357.

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    Com um estilo potico que lhe prprio, o texto hebraico revela a

    particularidade da justaposio de dois estquios113 de um mesmo versculo,

    enquanto a Peshitta tende a acrescentar a conjuno para coordenar os estquios.

    Desse modo, conclui-se que esta cpula no se deve leitura de uma Vorlage

    diferente, mas ao estilo prprio da Peshitta.114 Sendo assim, opta-se por seguir o

    TM.

    v. 2cc: enquanto se l no TM , muitos manuscritos hebraicos no especificados pela BHS, assim como 1Cr 16,23, apresentam a forma , que tambm pode ser traduzido como dia aps dia. Mas, considerando a

    precedncia do TM, e tendo presente algumas divergncias apresentadas por 1Cr

    16,23-33 em relao ao Sl 96, decide-se seguir o TM.

    Tambm avaliou-se a proposta de M. Dahood115, que props a leitura

    defectiva (de mar mar), semelhante a (cf. Sl 72,8 e Zc 9,10). Dahood afirma que as palavras dia e mar so escritas igualmente no fencio

    .podendo, no hebraico, ser identificadas como uma escrita defectiva ,()Todavia, ainda que esta leitura defectiva do texto hebraico, juntamente com

    as expresses (v. 3a) e (v. 3b), seja favorvel visualizao do carter universalista presente no Sl 96, opta-se por seguir a vocalizao do TM, pois

    assegura o carter espacial (v. 3b) e tem por acrscimo o aspecto temporal dia aps

    dia (v. 2c).

    v. 3aa-a: este segmento omitido pelo cdex Alexandrino e cdex Veronense.

    Porm, a Septuaginta atesta a leitura do TM, fato que corrobora a opo de segui-

    lo.

    v. 3ab: 1Cr 16,24 e muitos manuscritos gregos no indicados pela BHS

    adicionam a partcula de objeto direto , resultando em ao invs de Porm, decide-se seguir o TM, por ser atestado em outros manuscritos .hebraicos, por se considerar que o TM no optou por uma uniformizao do Sl 96 113 Esclarecem-se alguns termos que sero empregados na presente dissertao: estquio: este termo aplicado poesia hebraica vem do grego stchos e significa uma linha singular de uma poesia; colon utilizada como sinnima de estquio; hemistquio a metade de um estquio; bicolon ou dstico so compreendidos como dois estquios, duas frases com sentido completo; trcola formada com trs estquios; estrofe a unidade literria, formada por um ou mais estquios; stanza uma diviso maior, formada por uma ou mais estrofes, e nessa dissertao ser chamada como seo, pois seu equivalente; verso corresponde a cada uma das linhas do poema. 114 Cf. I. CARBAJOSA. Las caractersticas de la versin siraca de los salmos (Sal 90150 de la Peschitta). Roma: PIB, 2006. p. 48.52. 115 Cf. M. DAHOOD, Psalms II, p. 357-358.

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    com o cronista e por se compreender que raramente empregado na poesia clssica.116

    Fora das consideraes do aparato crtico da BHS, observa-se que a Peshitta

    e o Targum traduzem e por povos. Trata-se de outra caracterstica da Peshitta chamada reduo semntica, que, neste caso, tambm tem proximidade

    com o Targum. Basicamente, isto pode ter ocorrido no siraco devido a uma pobreza

    de vocabulrio da lngua em relao ao hebraico ou por considerarem-se os dois

    termos com um mesmo significado.117 Por isso, decide-se seguir o TM.

    v. 4b: vrios manuscritos hebraicos, no indicados no aparato crtico da BHS,

    a Peshitta, o Targum e 1Cr 16,25 acrescentam a conjuno , resultando em (e temido).

    Todavia, considera-se que a falta desta conjuno no v. 4b no prejudica o

    entendimento do texto. O pode ter sido admitido pelo cronista por questo estilstica, j que tambm usado no particpio anterior . Alm disso, recorda-se que a Peshitta tem como caracterstica o uso de conjuno para coordenar a

    orao. Portanto, prope-se seguir o TM, j que a conjuno no est atestada na

    Vulgata e na Septuaginta.

    v. 6ba-a: poucos manuscritos hebraicos e 1Cr 16,27 trazem (fora e festejo no lugar dele). Tal diferena entre as duas leituras pode ter sido

    ocasionada por confuso na identificao das razes ou, ento, por uma metstase

    transposio dos dois primeiros substantivos do v. 6a ( ) para os dois do v. 6b ( ). Alm disso, a Septuaginta tambm apresenta texto diverso no v. 6b: ao invs de (fora e beleza), diz (santidade e esplendor).

    Considera-se tais leituras, mas, em relao aos manuscritos hebraicos e 1Cr

    16,27, decide-se seguir o TM, visto que no revela uniformizao com o cronista.

    E a mesma deciso se d em relao a Septuaginta, pois sua leitura no apoiada

    por outros manuscritos hebraicos, to pouco pela Vulgata.

    v. 8c: poucos manuscritos hebraicos e 1Cr 16,29 apresentam (diante dele), e poucos manuscritos do Targum colocam antes do verbo.

    116 Cf. W. G. E. WATSON. Classical hebrew poetry: a guide to its techniques. Trowbridge, Wiltshire: JSOT, 1986. p. 37. 117 Cf. I. CARBAJOSA, Las caractersticas de la versin siraca de los salmos, p. 69-71.

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    Essa mudana na verso do cronista pode ser uma adaptao intencional ao

    contexto118, visto que, cronologicamente pela narrativa, o templo ainda no havia

    sido construdo. Esclarece-se, outrossim, que de 1Cr 16,29 mantido pela Vulgata e Septuaginta. Porm, do Sl 96,8 foi mantido na Vulgata e Septuaginta. Por isso, decide-se seguir o TM, pois novamente se verifica respeito

    pela forma diferente do texto em relao ao cronista.

    v. 9a: ao invs de a Septuaginta diz (no lugar/trio), assim como a Peshitta, embora com alguma divergncia textual em relao a Septuaginta.

    seria uma retroverso de (no trio). Possivelmente o contexto imediato (v. 8) influenciou o tradutor grego, que

    teria feito a confuso entre (v. 9a) e (v. 8c), ambos os termos com semelhana na grafia. Isto tambm se aplicaria ao v. 9 da Peshitta, embora no Sl

    29,2 tambm tenha ocorrido confuso da raiz hebraica com o similar (trio), coincidindo, nos dois casos, com o grego . Alm disso, , no incio do v. 9, seguido da preposio , parece pedir um lugar, e, por isso, teria sido empregado o termo 119.

    Considera-se, ainda, o fato de substantivo feminino ser interpretado luz da raiz ugartica hdrt, estando, portanto, em paralelo com sonho, viso, e

    possibilitando um sentido teofnico de apario, um caso de teofania cltica.120

    Essa aproximao com o ugartico ajuda a esclarecer a nota v. 9ab, quando o

    aparato crtico da BHS aponta que, conforme a Septuaginta e a Peshitta, deve ser

    lido (santidade dele), com um sufixo de 3 pessoa, masculino, singular, semelhante ao Sl 28,2, no qual especificada a pessoa ( com sufixo de 2 masculino, singular).

    O sufixo de 3 pessoa facilitaria a leitura do versculo, mas seria um

    pleonasmo, pois a partir do ugartico hdrt se compreende que a santidade est

    relacionada a YHWH e no quele que se inclina diante de YHWH (cf. v. 9a).121

    118 una adaptacin intencional al contexto (J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 86). 119 Cf. I. CARBAJOSA, Las caractersticas de la versin siraca de los salmos, p. 216-218. 120 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 374; G. RAVASI, Il libro dei Salmi: commento e attualizzazione. vol. I. Bologna: Dehoniane, 2008. p. 536; A. APARICIO RODRGUEZ. Comentario filolgico a los Salmos y al Cantar de los Cantares. Madrid: BAC, 2012. p. 545. 121 Cf. D. M. HOWARD Jr, The structure of Psalms 93100, p. 63-64.

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    Tambm o paralelismo entre (v. 9a) e (v. 9b) evidencia que o esplendor da santidade do v. 9a est relacionado a YHWH.

    Finalmente, entende-se que h na Peshitta a tendncia de explicitar o

    possuidor de uma caracterstica ou objeto, com o objetivo de evitar

    ambiguidades.122 Por isso, ainda que o sufixo propicie fluidez ao versculo, pode-

    se seguir o TM.

    v. 9bc: a Sepuaginta e a Peshitta teriam lido , com sufixo de 2 pessoa, feminino, singular, originando (verbo imperativo aoristo, 3 pessoa,

    singular, de seja agitada), concordando com .

    Esse no seria um fator decisivo para mudar o texto hebraico, ainda que na

    sequncia tambm haja um substantivo feminino . possvel, inclusive, interpretar o texto hebraico como um imperativo de , danar, dar voltas, bailar,123 dado o contexto festivo do Sl 96. Seguir-se-, portanto, o TM.

    v. 9bd: em muitos manuscritos hebraicos e em 1Cr 16,30 a preposio (v. 9b) substituda pela locuo preposicionada . Alm do valor espacial,

    (por causa da presena dele), denota um valor causal, possuindo, tambm, uma nuance relacional pela razo de estar no ambiente cultual.

    Pensa-se que esta locuo preposicionada positiva na abordagem teolgica

    do Salmo. Contudo, opta-se pela forma do v. 9b no TM, pois respeitou a diferena

    em relao ao texto do cronista.

    v. 10aba-a: poucos manuscritos hebraicos omitem esta frase, enquanto 1Cr

    16,31 a transpe aps o v. 11a. A omisso da frase de difcil entendimento, pois

    diz respeito ao reinado de YHWH, um dado fundamental do Sl 96. A transposio

    feita pelo cronista causa um certo desajuste no Sl 96, pois quebra a sequncia dos

    verbos jussivos (cf. Sl 96,11-12). Por isso, decide-se seguir a forma do v. 10ab,

    tambm atestada pela Vulgata e pela Septuaginta.

    Justifica-se, alm disso, a traduo assumida a partir do verbo qal qatal (cf. v. 10b): a raiz , gramaticalmente, tem o sentido estativo, podendo ser traduzida como rei, e o sentido ativo, traduzida por tornou-se rei.124 A escola

    mtico-cultual, inaugurada por Mowinkel, prope a traduo do sintagma como YHWH tornou-se rei, ou YHWH foi entronizado, destacando o valor do 122 Cf. I. CARBAJOSA, Las caractersticas de la versin siraca de los salmos, p. 39-42; 213-214. 123 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, p. 76. 124 JM, 111, h.

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    seu ingresso como . Contudo, gera-se um problema de interpretao, pois praticamente impossvel no considerar o aspecto cronolgico que admitiria,

    portanto, que YHWH no era rei ou, ento, perdeu sua realeza, e novamente

    comeou a reinar.125

    Opta-se, portanto, pela traduo de pelo presente reina, j que, pela forma verbal qatal, supe-se uma ao contnua no passado, com o autor atuando

    no presente.126 Desse modo, preserva-se o aspecto perfectivo de , pois o reinado de YHWH presente e eterno (cf. Sl 93,2), visto que desde a criao (cf. Sl 96,5b)

    manifestou o seu senhorio.127

    v. 10ab: 1Cr 16,31 acrescenta a cpula no imperativo , lendo-o como um qal weyiqtol , continuando os jussivos de 1Cr 16,31a. Esta forma assumida pelo cronista causa alguma estranheza pelo fato de o sujeito ser impessoal128. Por

    isso, conclui-se que a forma dada no v. 10a parece respeitar melhor a lgica deste

    Salmo, alm de tambm ser seguida pela Vulgata e pela Septuaginta.

    v. 10cdc-c: o aparato crtico da BHS prope a supresso do v. 10cd, pois seria

    caso de influncia do Sl 93,1. Contudo, trata-se de uma conjectura que, inclusive,

    no atestada pela Vulgata ou pela Septuaginta. Por isso, decide-se seguir o TM.

    v. 10cd: a Septuaginda apresenta o verbo (firmou no

    indicativo aoristo, 3 singular de ), enquanto o TM traz , nifal yiqtol, 3 pessoa, feminino, singular de O texto grego seguido com algumas . divergncias pela verso grega de Smaco, Peshitta, e pela verso de So Jernimo.

    Estas verses teriam lido o verbo no piel (3 pessoa, masculino, singular). Embora se admita uma Vorlage diferente como base para a verso Peshitta,129

    decide-se seguir o TM dada a sua precedncia, devido possvel assonncia com

    e por ser admissvel manter a forma nifal sublinhando o passivo divino 130,caso semelhante ao Sl 93,1.

    125 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. I, 6, 1, IIb, p. 67. 126 Cf. JM, 112, f. 127 Cf. FLIX ASENSIO. El Yahveh malak de los Salmos del Reino en la historia de la Salvacin. EstBib 25 (1966), vol. XXV, Madrid. p. 301. 128 Eles diro (qal weyiqtol); que se diga (qal jussivo). 129 Cf. I. CARBAJOSA, Las caractersticas de la versin siraca de los salmos, p. 321-322. 130 Cf. D. BARTHELEMY. Critique textuelle de LAncien Testament: Psaumes. vol. IV. Fribourg/Gttingen, 2005. p. 661.

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    v. 10ee-e: omitido em 1Cr 16,31. Contudo, visto que o cronista no apresenta

    a tendncia de harmonizar os textos, opta-se por seguir o v. 10e de acordo com o

    TM, que tambm apoiado pela Septuaginta e Vulgata.

    v. 11ca: o verbo significa trovejar. Destaca-se a caracterstica forte dessa raiz, com nuance blica (cf. 1Sm 7,10; Eclo 46,17), salientando a voz de

    YHWH que troveja sobre os inimigos.131 A traduo de por retumbar deve-se ao contexto da ocorrncia do verbo no Sl 96, pois associado ao mar, forma uma metonmia, destacando a ideia do forte estrondo. Sabendo que o mar no

    troveja, indica mais a atitude do mar e tudo o que h nele (v. 11c), uma forte borrasca, com raios e grande movimentao das ondas do mar, praticamente uma

    imagem teofnica.

    v. 12aa: 1Cr 16,32 emprega a raiz verbal , enquanto no v. 12a ocorre a raiz . Porm as duas formas so intercambiveis, de tal modo que no h necessidade de se operar qualquer mudana no TM.132

    v. 12ab: poucos manuscritos hebraicos no elencados pela BHS, e 1Cr 16,32

    apresentam o substantivo masculino com o artigo definido (). Embora sejam consideradas as diferenas, possvel seguir a forma empregada no Sl 96,12a

    ocorre , pois esta considerada rara, provavelmente mais antiga que ,()poucas vezes na Bblia hebraica e somente na poesia.133

    v. 12bc: poucos manuscritos hebraicos e 1Cr 16,33 omitem o substantivo . Todavia, nota-se a importncia de para a mtrica do versculo e para continuar a srie que marca a totalidade da criao (cf. Sl 96,11c.12) que chamada a uma ao

    diante da vinda de YHWH (cf. Sl 96,13ab).

    v. 12bd: vrios manuscritos hebraicos e 1Cr 16,33 acrescentam o artigo,

    tendo, portanto, e especificando a floresta, analogamente a um manuscrito , do Targum que, alm disso, l como um plural . Observa-se, no entanto, que no v. 11a-c todos os substantivos possuem o artigo, diferentemente do v. 12ab.

    Portanto, como os manuscritos hebraicos e 1Cr 16,33 propem o acrscimo do

    artigo justamente para os substantivos (cf. v. 12a) e (cf. v. 12b), conclui-se que no h outra razo para delimitar seno a busca pela uniformizao dos

    substantivos. 131 Cf. I. FISCHER; H.-J. FABRY, , GLAT, vol. VIII, p. 495-497. 132 Cf. L. ALONSO SCHKEL, , p. 500; , BDB, p. 763. 133 Cf. D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 64.

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    v. 13aa: 1Cr 16,33 emprega a locuo preposicional , que, de modo geral, expressa origem ou causa, com o significado de por causa de134 ou

    porque135. Seguir o cronista equivale a estabelecer uma relao causal, ou seja, o

    movimento de toda a criao por causa de YHWH, enquanto o Sl 96 acentua mais

    a vinda de YHWH, marcada no texto com a preposio (cf. Sl 96,13ab). Por isso, decide-se manter no texto.

    v. 13bb-b: muitos manuscritos hebraicos, a Peshitta e 1Cr 16,33 omitem a

    segunda ocorrncia de , conforme o Sl 98,9. De acordo com a indicao na masora parva, essa repetio no Sl 96,13b um hapax legomenon. Explica-se a

    omisso na Peshitta por causa da sua tendncia em omitir termos redundantes,

    evitando as repeties.136 Tambm se constata o testemunho favorvel repetio

    na Septuaginta e na Vulgata. Com esses elementos, julga-se desnecessria a

    omisso de no Sl 96,13b. v. 13bc: vrios manuscritos hebraicos e 1Cr 16,33 acrescentam a partcula de

    objeto direto antes . O uso pode equivaler a um pronome, delimitando e enfatizando aquele que sofrer o julgamento: (a terra). Contudo, em 1Cr 16,33 essa nfase tambm se apresenta como um limitador da ao divina, diferente

    do Sl 96,13, no qual o salmista tambm se refere ao julgamento da terra (cf. v. 13b),

    embora use outros termos que marcam os receptores do julgamento de YHWH: a

    Orbe e os povos (cf. v. 13bc).

    v. 13cdd-d: 1Cr 16,33 omite todo este segmento. Essa omisso, assim como

    aquela do v. 10e, pode ser explicada por uma inadequao em declarar YHWH

    como juiz no momento da celebrao do translado da Arca da Aliana at

    Jerusalm, ou um anacronismo, uma vez que as frases dos vv. 10e.13d omitidas em

    1Cr denotam o contexto do ps-exlio, ou, ainda, por uma incompatibilidade com a

    teologia de 1Cr 16, pois no Sl 96 podem expressar o fracasso da monarquia.137

    .BDB, p. 818 , 134135 M. E. TATE. Psalms 51100. Dalas, Texas: Word Books Publischer, 1990. p. 511. 136 Cf. I. CARBAJOSA, Las caractersticas de la verson siraca de los Salmos, p. 302. 137 Cf. M. J. SELMAN. 1 e 2Crnicas: introduo e comentrio. So Paulo: Vida Nova, 2008. p. 145-146; R. P. TORQUATO. Malkut Adonaj, p. 365.

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    3.3 Constituio do texto

    Sobre este tpico, observa-se a relevncia da anlise do contexto imediato do

    Sl 96, respectivamente, o Sl 95 e o Sl 97, tendo-se em conta a discusso feita no

    captulo anterior acerca da incluso do Sl 96 no livro IV do Saltrio.

    A classificao do gnero do Sl 95 matria de constantes debates,138 assim

    como a anlise da sua forma, compreendida pela maioria dos autores em duas

    sees: a) Sl 95,1-7c, com caractersticas de hino; b) Sl 95,7d-11, orculo

    proftico.139 A primeira seo subdividida em duas subsees: a.1.) vv. 1-5 e a.2)

    vv. 6-7c. A primeira subseo (vv. 1-5) inicia-se com o verbo no imperativo: vinde; um apelo hnico, marcando o convite para louvar YHWH. Em seguida,

    seguem os verbos no coortativo (piel e hifil), formando um invitatrio: exultemos

    a YHWH; aclamemos rocha da nossa salvao. Entremos diante dele com louvor;

    com cantos aclamemo-lo (Sl 95,1-2).

    Depois disso, a partcula (cf. Sl 95,3) apresenta os motivos do invitatrio: pois YHWH o grande Deus; o grande rei sobre todos os deuses. E nos vv. 5-6,

    a partcula relativa descreve outros atributos de YHWH, continuando a explicao iniciada no v. 3.

    Verifica-se uma estrutura semelhante na segunda subseo (vv. 6-7c): o

    invitatrio composto pela frase vinde, inclinemo-nos e prostremo-nos; ajoelhemo-

    nos diante de YHWH que nos fez, e novo uso da partcula (v. 7abc) para justificar os apelos do invitatrio.

    J a segunda seo (cf. Sl 95,7d-11) difere das anteriores e cria certa tenso

    no texto, sugerindo ser fruto de trabalho redacional. caracterizada como um

    orculo proftico dirigido por YHWH, em 1a pessoa. De convite ao de graas,

    transforma-se em exortao,140 e se encerra com sentena negativa eu jurei em

    minha ira: no entraro no meu repouso (Sl 95,11).

    138 Gunkel denomina o Sl 95 como composio litrgica, ou liturgia proftica, enquanto Mowinkel classifica-o como Salmo de entronizao. Os demais autores praticamente seguem Gunkel e Mowinkel (cf. D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 57-58). 139 Cf. A. APARICIO RODRGUEZ, Comentario filolgico a los Salmos, p. 538-540; L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1199-1200; D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 57-58. 140 Cf. J.-H. KRAUS, Los Salmos. vol. II, p. 367.

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    Os Salmos 95 e 96 compartilham elementos formais, lexicais e temticos.

    Formalmente, o Sl 95,1-7c aproxima-se do Sl 96 por ser um hino, mas o Sl 95,7d-

    11 difere do Sl 96 em gnero e contedo. Temtica e lexicalmente, compartilham:

    a apresentao de YHWH como grande rei ( ), justificando, inclusive, a insero do Sl 95 entre os cognominados Salmos de YHWH Rei; a nfase na

    soberania de YHWH, rei (Sl 95,3; 96,4b-5a); a apresentao de YHWH como criador (cf. Sl 95,6; 96,5b); a adorao/venerao diante de YHWH

    (cf. Sl 95,6; 96,8c-9a).141

    Por sua vez, o Sl 96 inicia com uma srie de imperativos (cf. vv. 1-3) e tem

    um tom festivo, celebrativo, com convite ao louvor. No apresenta um ttulo, como

    na verso da Septuaginta, elemento que dirimiria possveis problemas de

    delimitao. Todavia, observa-se um ponto de repouso no Sl 95,11, dado pela

    partcula com valor consecutivo,142 quando YHWH diz por isso jurei na minha ira: no entraro no meu repouso.

    Deste modo, visto que o Sl 96,1 no inicia com alguma partcula que retome

    uma ideia anterior, ou uma explicao, entende-se que, em si, o Sl 96 uma nova

    unidade textual.

    Mas entre os cognominados Salmos de YHWH Rei, o Sl 96 e o Sl 97 so

    aqueles que mais caractersticas comuns tm, sejam elas lexicais, temticas ou

    estilsticas.143 Os dois abordam o tema do julgamento:

    No Sl 93, o Senhor assume a dignidade do poder real, em 94 julga os malvados e descrentes, em 95 admoesta a seus sditos, em 96 canta-se com entusiasmo a tomada de posse, em 97 celebra-se um julgamento de idlatras e malvados em favor dos honrados.144

    O Sl 97 pode ser dividido em trs sees: a) teofania (vv. 1-6), b) efeitos da

    teofania de YHWH (vv. 7-9), e c) aplicaes prticas (vv. 10-12)145. um hino

    realeza de YHWH, assim como o Sl 93; 96; 98; 99. Mas diferentemente do Sl 96, e

    141 Cf. D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 131-133. 142 Cf. JM, 169, f. 143 O Sl 96 e o Sl 98 tm mais palavras comuns que o Sl 96 e o Sl 97. Contudo, no Sl 96 e no Sl 97 encontrado o maior nmero de palavras que so exclusivas a estes dois Salmos. 144 L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1214-1215. 145 Cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 470.

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    de acordo com os Salmos 93 e 99, o Sl 97 inicia com a proclamao do reinado de

    YHWH . H cinco palavras-chave que ligam intimamente os dois Salmos: (cf. Sl

    96,5b.11a.; 97,6) e (cf. 96,3a.7b.8a; 97,6) ocorrem somente entre os Sl 93 cf. 96,11b; 97,4) tem, apenas, duas ocorrncias no livro IV, mas ) ;100encontrado em outros livros do Saltrio, assim como (cf. Sl 96,9b; 97,4; 90,2); e (cf. Sl 96,5a; 97,7), presente apenas nos Sl 96 e 97.146

    Alm de alguns termos que se aproximam a partir do motivo da adorao,147

    os dois Salmos em questo tambm destacam a soberania de YHWH sobre os povos

    e sobre a natureza.148 Mas conclui-se que ambos so duas unidades textuais

    distintas, como revelam a estrutura do TM, Septuaginta, Vulgata e demais verses,

    pois tambm se verifica um repouso natural no Sl 96,12-13.

    3.4 Crtica da forma

    A anlise da estrutura do Sl 96 no foi ponto pacfico nos estudos ao longo

    dos tempos.149 Quanto s sees e subsees, preciso discernir quais so os

    elementos evidenciados em cada proposta, pois eles esto alm da simples

    enumerao de estrofes.

    A partir dos critrios literrios e do contedo, compreendeu-se uma

    disposio do Salmo 96 em duas estrofes (vv. 1-9 e vv. 10-13), em uma trcola

    disposta em escala A+B+C // A+B+D // A+B+E.150 Seria uma proposta plausvel e

    menos mecnica que aquela em que se manipula o texto hebraico dividindo o Sl 96

    em dois corpos, chamados 96A (vv. 1-2a.4-5a.7-8b.9a-10a) e Sl 96B (vv. 2b-3.5b-

    6.9b.10bc-13), nos quais so observadas subsees idnticas, com diferena apenas

    na mtrica das estrofes: Sl 96A 4+4+4; Sl 96B 3+3+3.151

    146 Cf. D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 141-143. 147 Tais como: (cf. Sl 96,11a; 97,1.8.11.12), a santidade de YHWH (cf. Sl 96,9a; 97,12), o nome de YHWH (cf. Sl 96,2b.8a; 97,12). 148 Cf. Sl 96,1b.5.9b.11-13; 97,1.4.5.9. 149 P. van der LUGT (Cantos and strophes in biblical Hebrew poetry III: Psalms 90150 and Psalm 1. Boston: Brill, 2014. p. 74-75) resume as vrias propostas de estruturao do Sl 96. 150 Cf. M. DAHOOD, Psalms II, p. 357. 151 Cf. L. JACQUET. Les Psaumes et le coeur de lhomme: etude textuelle, littraire et doctrinale. vol. II. Gembloux: Duculot, 1977. p. 799-802.

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    Considerando a estrutura literria, tambm possvel compreender o Sl 96 a

    partir da estrutura prpria do hino imperativo, que utiliza verbos no imperativo e

    recorre s partculas, geralmente , para explicar os motivos dos louvores propostos.152 Sob essa perspectiva, identificam-se quatro estrofes nesse hino: I)

    introduo (vv. 1-3); II) primeira seo principal (vv. 4-6); III) introduo (vv. 7-

    9); IV) segunda seo principal (vv. 10-13), com foco na realeza de YHWH.153

    Outra proposta enxerga uma estrutura que privilegia o sintagma (Sl 96,10b), e aponta cinco sesses: I) convocao ao louvor (vv. 1-3), em que se

    destaca a sequncia verbal com cinco imperativos; II) o corpo do hino (vv. 4-6),

    com a funo de exaltar YHWH; III) nova convocao ao louvor (vv. 7-9); IV)

    proclamao da entronizao de YHWH (v. 10), em que se reconhece YHWH como

    o rei supremo; V) chamado ao jbilo (vv. 11-13), resultado do supremo domnio de

    YHWH.154

    Tambm se verifica no Sl 96 uma estrutura que acena para uma ao

    crescente, com trs convites: ao louvor universal (vv. 1-6); adorao universal

    (vv. 7-10); ao louvor csmico (vv. 11-13). Cada um destes momentos apresentaria

    subsees semelhantes: convite a celebrar YHWH (vv. 1-3.7-9.11-12); motivo do

    louvor (vv. 4-6.10.13). Esta proposta salienta a ao que parte de Israel em direo

    a todos os povos e aos cosmos.155

    O Sl 96, entendido como texto, ou unidade potica, apresenta elementos

    sintticos, semnticos e estilsticos156 que possibilitam a sua delimitao enquanto

    corpo comunicativo. Aliados aos pressupostos bsicos dados nas diferentes

    propostas de estruturao desse Salmo, e com o cuidado de abordar o mximo dos

    elementos, esta dissertao seguir uma rigorosa proposta, identificando no Sl 96

    uma estrutura em trs sees, cada uma com uma subseo na qual so descritos os

    motivos do louvor:

    152 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 64-66. 153 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 374-375. 154 Cf. E. S. GERSTENBERGER. Psalms and Lamentations. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2001. p. 187-188. 155 Cf. T. LORENZIN. I Salmi. Milano: Paoline, 2001. p. 376. 156 Sobre os elementos elencados: cf. M. L. C. LIMA, Exegese bblica, p. 94-98; H. SIMIAN-YOFRE, p. 94-97.

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    Seo I vv. 1-6

    Invitarrio I: vv. 1-3

    Subseo descritiva I vv. 4-6

    Seo II vv. 7-10

    Invitarrio II vv. 7-9

    Subseo descritiva II v. 10

    Seo III vv. 11-13

    Invitarrio III vv. 11-12

    Subseo descritiva III v. 13

    Na primeira seo (vv. 1-6), cada um dos segmentos dos vv. 1-3 trazem um

    verbo imperativo, na posio 1, no antecedido por partculas. Os vv. 4-6 formam

    uma subseo, sendo que os vv. 4-5 so diretamente ligados aos primeiros (vv. 1-

    3) pela partcula , com funo explicativa. O v. 6 se une aos precedentes atravs da sequncia de substantivos que continuam a descrio da grandeza de YHWH.

    Identificar o v. 1 como uma nica introduo ao hino uma proposta

    plausvel.157 Prefere-se, contudo, entend-lo como parte do invitatrio inicial que

    segue at o v. 3, quando cessam os imperativos. Constata-se que os vv. 1-2a e vv.

    7-8a so estilisticamente relacionados e formam um paralelismo assimtrico em

    escala invertida158, numa trcola, fenmeno presente em outros Salmos (cf. Sl 24,7-

    10; 77,17-20; 93,3-5).159

    Duas palavras formam a espinha dorsal nos vv. 1-2a: o verbo e o Tetragrama Sagrado :

    1a 1b

    2a

    157 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 144-145. 158 Cf. W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 150-152; B. DOYLE. Heaven, earth, sea, field and forest: unnatural nature in Ps 96. JNSL, vol. 27 (2); 2001. p. 8. 159 Cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER., Psalms, vol. II, p. 447; E. S. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 174.

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    Desse modo, a repetio cria nfase na conclamao a cantar para YHWH, marca como contedo dessa parte da seo e delimita o sujeito: -Ademais, prope continuidade com os verbos dos segmentos dos vv. 2b .3a, os quais se encontram todos no imperativo e, embora tenham diferentes

    significados, possuem a comunicao como elemento comum (v. 2b ; v. 2c .e esto todos no piel ( v. 3a ;

    Nos vv. 4-6 h seis oraes nominais, sendo a do v. 5b uma orao w-x-

    qatal160, com a conjuno apresentando valor adversativo no incio do segmento, enfatizando YHWH, que est na posio absoluta, e sua ao criadora.

    A primeira srie de verbos imperativos do invitatrio (cf. vv. 1-3) se liga com

    os vv. 4-6 por meio da partcula , com funo explicativa, momento em que so dadas as razes para o louvor.

    Essa segunda srie emprega adjetivos e substantivos que exaltam YHWH: ele

    grande e muito louvvel (v. 4a), temido (v. 4b). No v. 5b, destaca-se a frase

    w-x-qatal, com o verbo na forma qal qatal que apresenta, mesmo no sendo entendido como um ttulo de YHWH, uma grande verdade: s ele o criador.

    No v. 5a a partcula , empregada pela segunda vez, propicia a continuao da dinmica de exaltao de YHWH, agora em relao a . Ela no inicia nova subseo descritiva, mas faz explanao especfica, subordinada s razes

    dadas no v. 4. Desse modo, ajuda a criar nfase em YHWH ao mesmo tempo em

    que contrasta sua grandeza em relao aos deuses que so nada 161. O v. 6 est ligado aos anteriores e forma com eles uma unidade, pois h nele

    uma sequncia de substantivos que continuam a descrio da grandeza de YHWH:

    honra e esplendor (cf. v. 6a), fora e beleza (cf. v. 6b).

    160 Teoricamente, no v. 5b h uma orao verbal, pois a ltima palavra do segmento o verbo na 3a pessoa, singular, masculina. Essa dissertao adota a nomenclatura proposta por A. Niccacci, que entende a orao w-x-qatal (w para conjuno ; x para um elemento nominal ou adverbial) como uma orao nominal complexa (cf. A. NICCACCI. Sintaxis del hebreo bblico. Estella: Verbo Divino, 2002. p. 27-35, 6-9). Contudo, h quem no admita a existncia de orao nominal complexa (cf. R. BARTELMUS. Einfhrung in das Biblische Hebrisch: Mit einem Anhang Biblisches Aramisch. 2. ed. Zurique, Suia: Theologischer Verlag, 2009, p. 71). 161 Nas lnguas orientais antigas, a raz ll exprime uma ideia de fraco, intil, dbil, nada (cf. H. D. PREUSS, , GLAT, vol. I, p. 610-611; J. M. HADLEY, , In: W. VanGEMEREN (org.). NDITEAT. vol. I. So Paulo: Cultura Crist, 2011, 496, p. 401). Como esse termo usado em contraste com YHWH (cf. Sl 96,5b) que tudo fez (criou), optou-se em traduzir .por nada

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    Alm disso, toda a srie (vv. 1-6) est centrada em YHWH, seja pela clara

    citao do Tetragrama Sagrado162, pelo emprego do pronome pessoal 163, ou pelo constante uso do sufixo de 3a pessoa, masculino, singular 164 referente a YHWH.

    O sufixo de 3a pessoa, agregado ao final dos substantivos em cada um dos

    segmentos, prope a centralidade em YHWH e, alm disso, o som do sufixo

    em (v. 2b), (v. 2c), (v. 3a), (v. 6b), e o som aw de v. 6a), gera a rima. Pode no ser exemplo de rima bem) v. 3b) e) composta e rica.165 Mesmo assim, esse tipo de rima suscitada pelo sufixo atua como

    ferramenta fundamental para a unidade da seo.

    No incio da segunda seo (cf. vv. 7-10) h uma sequncia de oito verbos no

    imperativo plural (cf. vv. 7-10a), uma orao x-qatal (cf. v. 10b), e trs oraes com

    verbos na forma yiqtol:166 uma orao p-yiqtol (cf. vv. 10c), outra N-yiqtol (cf. v.

    10d), e a ltima 0-yiqtol (cf. v. 10e).

    A funo principal do verbo imperativo a exortao que visa a realizao de

    algo concreto.167 No Sl 96,8-10a, a estrutura frasal com imperativos no precedidos

    de algum elemento, portanto 0-ivo168, conclamam ao louvor.169

    O v. 10b apresenta uma estrutura de orao peculiar x-qatal, denominada

    orao nominal complexa, cuja funo enfatizar o sujeito da ao.170 O v. 10cd

    forma um paralelismo sinttico, com estrutura semelhante: partcula + verbo nifal

    yiqtol. Esse paralelismo amplia o anncio 171.

    162 Cf. vv. 1a-2a.4a.5b. 163 Cf. v. 4b. 164 Cf. v. 2b.2c.3a.3b.6a.6b. 165 Segundo L. Alonso Schkel (Manual de poetica hebrea. Madrid: Cristandad, 1987. p. 41-42), a rima pobre se caracteriza pelo emprego de sufixos pronominais que, quando acumulados, produzem algum efeito. W. G. E. Watson (Classical hebrew poetry, p. 231) afirma que esse tipo de rima final o mais comum na Bblia Hebraica. 166 Quanto classificao das oraes em yiqtol empregadas no v. 10c-e: p-yiqtol diz respeito estrutura da orao com partcula + verbo (nifal) yiqtol; N-yiqtol estrutura com partcula adverbial de negao (N) + verbo (nifal) yiqtol; 0-yiqtol com verbo em posio absoluta, sem qualquer elemento que o anteceda. 167 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO. Sintaxis verbal en los profetas menores preexlicos. 2001. 381 f. [Tese doutoral. Departamento de Estudios Hebreos y Arameos Facultad de Filologa Universidad Complutense de Madrid]. Madrid, 2001. p. 260. 168 0-ivo: verbo imperativo (ivo) no precedido de partcula (0). 169 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 95. 170 Cf. A. NICCACCI, Sintaxis del hebreo bblico, p. 27-28, 6. 171 L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, 1998, p. 1210.

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    Por sua vez, a estrutura 0-yiqtol se refere a informaes adicionais de

    detalhes, sem interesse claro no aspecto temporal, e aponta para um futuro desejado,

    diferente da estrutura weqatal, que indica a certeza do acontecimento futuro.172

    Os substantivos presentes na primeira seo (cf. vv. 1-6) pertencem a um

    mesmo campo semntico. Na sua maioria, so atributos divinos que evidenciam a

    majestade de YHWH, alm de se referirem sua manifestao: (v. 2b), (v. 2c), (v. 3a), (v. 3b). O mesmo se d com os predicados empregados na seo, que se constituem em propriedades de YHWH: , .(v. 4b) v. 4a) e) 173

    Na segunda seo, predominam as palavras relacionadas ao culto: (v. 8a), (v. 8b), (v. 8c). Mas h aquelas que enfatizam a realeza e soberania de , tais como: (v. 7b) e os verbos empregado no hishtaphel, imperativo, plural (v. 9a) , (v. 10b) e .(v. 10e)

    De modo geral, todos os imperativos da segunda seo esto dispostos em

    ordem sequencial: ao reconhecimento do louvor devido a YHWH (vv. 7-8a) segue-

    se a expresso ritual (vv.8b-9), culminando com o anncio na orao x-qatal (v.

    10b).174

    Os trs primeiros segmentos do invitatrio acompanham a mesma ordem da

    primeira seo, com o paralelismo assimtrico em escala, em trcola (cf. vv. 7-8a).

    Nesta escala, so palavras constantes, enquanto , que pode formar uma hendadis com 175, empregada duas vezes (cf. vv. 7b.8a). A repetio de .evidencia YHWH, centro de toda a seo

    7a

    7b 8a

    172 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO, Sintaxis verbal, p. 200-201. 173 Esta expresso no muito utilizada na Bblia hebraica. Ocorre no Saltrio (cf. Sl 18,4; 48,4; 113,3; 145,3) e na obra do cronista (cf. 1Cr 16,25). O verbo pual particpio intensificado pela partcula adverbial , transformando a expresso em um superlativo (cf. L. ALONSO SCHKEL, .(p. 350; R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 199-200 ,174 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de Yhwh rey, p. 95. 175 Cf. E. W. BULLINGER. Figures of speech used in the Bible: explained and illustrated. London: Grapho, 1898. p. 660.

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  • 49

    A repetio do som presente nos imperativos dos vv. 7-10a ajuda a

    delimitar a seo, gera rima e cria uma tenso positiva, ou expectativa, em relao

    quilo que anunciado depois da pausa (paseq) do v. 10a.

    O substantivo plural tambm um elemento delimitador na segunda seo, pois marca uma incluso nos vv. 7a.10e, ou seja, no incio e no final da

    seo.176

    Diferentemente da subseo anterior, aps os imperativos dos vv. 7-10a no

    h a partcula . Contudo, frase imperativa dizei entre as naes (v. 10a) segue seu complemento com o anncio exclamativo na frase x-qatal .(v. 10b) Desse modo, compreende-se que razo para louvar YHWH dada pelo contedo

    dessa frase (cf. v. 10ab) com o anncio exclamativo: a Orbe est firme, no

    abalada. Julgar povos com retido (v. 10c-e).177

    A terceira seo (vv. 11-13) tambm segue um esquema semelhante s duas

    primeiras sees, com um chamado ao louvor (vv. 11-12b), seguido pela exposio

    do seu motivo (vv. 13a-c), dado pela partcula com funo explicativa. Os vv. 11-12b apresentam uma sequncia de quatro verbos no jussivo178 (cf.

    vv.11-12a) e um piel yiqtol (cf. v. 12b). Todos os verbos expressam um convite

    festivo, por isso podem ser categorizados em um mesmo campo semntico: a

    alegria. Embora no v. 11b haja a conjuno , compreende-se que todos os verbos esto em posio absoluta.

    O carter da universalidade mantido atravs do merismo179 cus e terra

    (v.11ab), e atravs do relevante uso do substantivo , que expressa a totalidade dos convidados ao louvor: o mar e sua plenitude (v. 11c), o campo e tudo o que

    176 Cf. L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 100. 177 Caso semelhante ocorre no Sl 103 que tambm classificado como um hino, com duas sees: vv. 1-3; vv. 4-5. A primeira seo tambm no apresenta a partcula . Contudo, o v. 3 considerado uma subseo temtica, que aponta os motivos do louvor (cf. C. WESTERMANN. Praise and Lament in the Psalms. Atlanta, Georgia: John Knox, 1981. p. 131-133; R. A. JACBSON. Psalm 100: praise the one true God. In: N. DECLAISS-WALFORD R. A. JACOBSON B. L. TANNER [orgs.], The book of Psalms, p. 734-735; tratado de modo semelhante por E. S. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 203-205). 178 Verbos imperativos e outras formas verbais, tais como o coortativo e jussivo so importantes marcadores de transio do texto, corroborando, assim, a opo dessa dissertao em delimitar a terceira seo nos vv. 11-13 (cf. P. VAN DER LUGT, Cantos and strophes, p. 3). 179 Cf. L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 105; W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 321-324.

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  • 50

    h nele (v. 12ab), todas as plantas do bosque (v. 12c). Destaca-se, ainda, que os

    termos empregados nos vv. 11-12 so relacionados ao cosmos.

    O verbo empregado no v. 13ab no qal particpio, terceiro momento em que um verbo qal aparece no hino (cf. v. 5b.10b.13ab). Em seguida, o verbo ocorre por duas vezes, primeiro no infinito construto (v. 13b), depois no qal yiqtol

    (v. 13c), alm de estar subentendido no v. 13d. De modo geral, o v. 13 apresenta

    uma predominncia semntica do campo jurdico.

    No invitatrio da terceira seo, os verbos empregados nos vv. 11-12 tambm

    tm, em comum, a alegria.180 Nos vv. 1-2b e 7-8b um mesmo verbo destacado no

    incio dos segmentos, atuando como elemento estilstico na poesia. Nos vv. 11-12a

    no h a repetio de um mesmo verbo, mas o som da consoante inicial , assim como a conjuno , aponta para uma unidade estilstica.

    De modo geral, ainda que se considere exagerado o empenho em identificar

    no substantivo (v. 1a) uma referncia a Israel, verifica-se um esquema ritual ou litrgico, no qual so chamados a se reunir em crculos concntricos em

    ascenso: Israel181 (vv. 1-6), os povos (vv. 7-10) e toda a criao (vv. 11-13) para o

    julgamento de YHWH.182

    Na poesia hebraica, a base da regularidade rtmica183 est na repetio

    peridica do mesmo elemento ou fator184 em srie. A periodicidade esperada no

    matemtica, mas demonstrada pela linguagem e a sua percepo. Logo, possvel

    compreender a regularidade de um poema atravs da recitao e percepo, que

    no so feitos subjetivos que perturbam a pura objetividade cientfica185.

    nesse momento que os acentos massorticos revelam o grau de intensidade

    empregado no poema. A coincidncia numrica dos acentos em cada verso no 180 At mesmo o verbo (v. 11c), que tem como significado primrio trovejar, pertence ao mesmo campo semntico (cf. FISCHER, I., FABRY, H.-J., , GLAT, vol. VIII, p. 495-497). 181 J. M. Blunda (La constituicin de YHWH rey, p. 103) afirma que o nico sujeito expresso dos imperativos . Embora seja um elemento genrico, tambm o sujeito especificado pelo verbo imperativo. 182 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 96. 183 No que diz respeito s observaes sobre o ritmo, essa dissertao segue a teoria acentual, pois possibilita maior clareza na percepo do ritmo potico, que uma questo de som e escuta (cf. L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 53-68). Outras teorias, como a alternncia de slabas tnicas e tonas, o verso breve e o nmero de slabas so resumidamente apresentadas por L. Alonso Schkel (Manual de poetica hebrea, p. 65-66). 184 El ritmo se funda en una reaparicin peridica del mismo elemento o factor (L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 60). 185 no son hechos subjetivos que turben la pura objetividad cientfica (L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 61).

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  • 51

    necessria, pois h certo nvel de variao na poesia hebraica. O que se espera

    uma certa correspondncia no conjunto do poema.186

    Desse modo, embora se entenda que os versos dos Salmos esto todos

    delimitados pela pontuao massortica,187 observa-se os acentos nos versos do Sl

    96 e se julga a possibilidade de delimit-los a partir da valorizao de aspectos como

    as formas verbais e suas consequentes assonncias, assim como os sufixos de

    pessoa.

    Esta opo, apoiada em estudos precedentes,188 no quer se sobrepor ao

    trabalho dos massoretas, mas busca valorizar os vrios elementos que o poema

    apresenta.

    Seo Estrofe Verso Acentos

    Seo I

    Estrofe I vv.1a.1b.2a (trcola) 4+4+2 v.2b.2c (bcola) 2+4 v.3a.3b (bcola) 3+3

    Estrofe II v.4a.4b (bcola) 4+4 v.5a.5b (bcola) 4+3 v.6a.6b (bcola) 3+3

    Seo II Estrofe III

    vv.7a.7b.8a (trcola) 4+4+4 v.8b.8c (bcola) 2+2 v.9a.9b (bcola) 4+4

    Estrofe IV v.10a.10b (bcola) 2+2 v.10c.10d.10e (trcola) 2+2(1)+3

    Seo III Estrofe V v.11a.11b.11c (trcola) 2+2+3 v.12a.12b (bcola) 4+4

    Estrofe VI v.13a.13b (bcola) 3+3 v.13c.13d (bcola) 3+2

    186 Cf. L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 66. 187 No caso do Sl 96, o sinal disjuntivo sillq () marca a extremidade do verso. 188 M. L. C. Lima (Identificao e caracterizao da poesia hebraica bblica. Teocomunicao. Porto Alegre: PUC, vol. 34, no 146, p. 817-850, dez. 2004. p. 834-835) comenta a delicada tarefa de estruturar a poesia a partir da anlise mtrica, dadas as dificuldades na definio do metro, identificao e clculo exato. Dificilmente h exatido, pois o ritmo prejudicado pela inexata pronncia do hebraico bblico e impreciso na identificao dos acentos. A autora cita e concorda com D. N. Freedman (Pottery, poetry, and prophecy: an essay on biblical poetry. Journal of Biblical Literature. 96, 1, 5-26, Mar. 1977. p. 10-11), que afirma no existir uma nica soluo para o problema da mtrica e da estrutura potica do hebraico, e aconselha no usar apenas um sistema fixo, mas acolher o resultado dos diferentes sistemas propostos. Por isso, essa dissertao se apoia no trabalho de J. M. Blunda (La constituicin de YHWH rey, p. 91-94).

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  • 52

    3.5 O Gnero literrio

    Quando se fala em gnero (Gattung) dos Salmos, destaca-se a figura de H.

    Gunkel, pois a exegese bblica deve a ele o incio da investigao sobre os gneros

    (Gattungsforschung), que at ento no passava da anlise literria histrica, com

    intento de determinar a situao histrica do autor dos Salmos, e psicolgica, com

    foco nos sentimentos do salmista.189

    A classificao do Sl 96 como um hino realeza de YHWH praticamente

    unnime entre os autores, pois destacam o sintagma como o elemento mais caracterstico desse Salmo.190

    Segundo a caracterizao clssica do gnero, o hino tem uma introduo

    explcita, com convite a louvar ou cantar, sempre com o verbo no imperativo plural

    (cantai um cntico novo Sl 96,1a), 3a pessoa, plural, jussivo (que louvem

    Sl 97,1), ou na 1a pessoa, plural, coortativo ou yiqtol (aclamemos Sl 95,1).191

    Aps a introduo, h uma seo central, geralmente definida pela partcula

    com funo explicativa, iniciando a apresentao dos motivos do louvor. Outros ,elementos formais, tais como expresses prprias de ao de graas, conectadas ao

    nome de YHWH como apostos (cf. Sl 18,2) e oraes relativas (cf. Sl 16,7) tambm

    so delimitadores de seo.192

    Alm disso, o hino tem YHWH como personagem principal, uso recorrente

    da 3a pessoa e poucos casos de alternncia entre 2a e 3a pessoas. E, no seu ncleo,

    apresenta proposies breves, mas com grande densidade. Todas se relacionam a

    YHWH e cantam seus grandes feitos, suscitando entusiasmo. E as oraes nominais

    empregadas no hino podem ser compreendidas como propriedades divinas (cf. Sl

    96,4).193 189 Cf. V. MORLA ASENSIO. Livros sapienciais e outros escritos. So Paulo: Ave-Maria, 2008. p. 283-284. 190 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, II, 1, p. 47; M. DAHOOD, Psalms, vol. II, p. 357; H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. I, 6, IIb, p. 67; L. JACQUET, Les Psaumes et le coeur de lhomme, p. 800; F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 464-465; J. L. MAYS. Salmi. Torino: Claudiana, 2010. p. 33; E. ZENGER F.-L. HOSSFELD, Einleitung in das Alte Testament, p. 439; D. M. HOWARD Jr., The structure of Psalms 93100, p. 64; G.-D. MAILHIOT. Os Salmos: rezar com a Palavra de Deus. So Paulo: Loyola, 2008. p. 174; A. APARICIO RODRGUEZ, Comentario filolgico a los Salmos, p. 543; L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1206-1207; E. S. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 109). 191 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, II, 2, p. 48-49. 192 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, II, 18-26, p. 57-64; 36, p. 71. 193 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, II, 24-25, p. 62-63.

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  • 53

    Considera-se, ainda, a regularidade e as descries de jbilo no corpo do hino,

    com possveis comparaes entre YHWH e outros seres, mas com o intuito de

    destacar a grandeza de YHWH, sem deixar possibilidade para prestar louvor

    queles que com ele competem (cf. Sl 96,5).194

    Contudo, essa clssica estruturao do gnero hino encontrou avanos, pois

    compreendeu-se que, alm da investigao da forma literria e da forma estrutural

    do hino, h tipos de formas que esto presentes no complexo mbito de um

    hino195.

    Essa afirmao permite entender que o gnero no deve ser uma camisa de

    fora para o texto. Pois, ainda que a anlise correta do gnero possibilite uma

    correta compreenso do texto,196 h elementos nos Salmos que possibilitam acerc-

    los de diferentes gneros. Algo semelhante acontece com o Sl 96: considerou-se

    pertencente ao gnero hino. Mas alguns de seus elementos remetem questo: que

    tipo de hino?

    Pensando nessa questo, classifica-se o Sl 96 como um hino. Mas, seguindo

    uma proposta que vai alm da clssica estruturao, define-o como um

    beschreibende Lob (louvor descritivo), enriquecido com o tema reinado de YHWH

    (cf. v. 10b).

    Louvor e lamentao so reconhecidos como dois grupos fundamentais de

    Salmos, dois modos bsicos de se dirigir a YHWH. Os dois representam a alegria

    e a dor, que no so dois estados de nimo puramente humanos, que somente em

    um segundo momento so postos em relao com Deus, seno que como tais vm

    de Deus, esto diante de Deus e em relao com Deus197.

    Assim como a lamentao, o louvor pode se referir comunidade ou ao

    indivduo. Por isso, entendem-se dois grupos diferentes de louvor: o louvor

    individual, e o beschreibende Lob (louvor descritivo).198

    194 Cf. H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, II, 28-33, p. 67-70. 195 los tipos de formas que se hallan presentes en el compejo mbito de um himno (H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. I, 6, I, p. 63). 196 Cf. T. LONGMAN III. Form criticism, recent developments in genre theory, and the Evangelical. WTJ. 47, 1, 46-67, 1985. p. 57-61. 197 no son estados de nimo puramente humanos, que slo em um segundo momento son puestos em relacon com Dios, sino que como tales vienen de Dios, estn ante Dios y em relacin com Dios (C. WESTERMANN, Los Salmos de la Biblia, p. 27). 198 Cf. C. WESTERMANN, Los Salmos de la Biblia, p. 27.

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  • 54

    Beschreibende Lob refere-se ao canto da comunidade que louva YHWH por

    seus feitos em toda a histria e se caracteriza por dois elementos bsicos: a

    afirmao que YHWH e faz.

    Esses elementos so perfeitamente identificados no Sl 96. As formas

    imperativas plurais apontam para um louvor comunitrio, no qual todos so

    convidados a louvar YHWH por suas aes passadas, presentes e futuras.

    Os Salmos classificados como beschreibende Lob possuem a seguinte

    estrutura: uma introduo em forma de invitatrio e a parte principal, ou seo

    temtica. Na sua introduo, esse gnero marcado por verbos no imperativo,

    enquanto que a seo temtica apresenta os motivos do louvor, com grandes

    afirmaes referentes a YHWH, aspectos que tambm foram observados na crtica

    da forma.199

    Entretanto, o Sl 96 revela outra peculiaridade: um louvor descritivo,

    acrescido pelo motivo do reinado de YHWH, assim como os Salmos 47; 93; 95;

    97-99. Os Salmos desse grupo louvam a grandeza e a majestade de YHWH,

    soberano sobre todos os povos. Neles, a comunidade celebra a futura irrupo do

    reinado de Deus sobre todo o mundo. Alm disso, o que na realidade uma

    promessa se vive com jbilo no culto como um feito j acontecido200

    H no Sl 96 todos os elementos que caracterizam um beschreibende Lob.

    Embora tenham sido destacados na crtica da forma, afirma-se:

    a) Estrutura bsica com o invitatrio, no qual so empregados verbos no

    imperativo plural ou no jussivo (cf. vv. 1-3b; 7-10a; 11-12), e com a seo temtica,

    em que so descritos os motivos do louvor (cf. vv. 4-6; 10b-e; 13);

    b) As formas plurais e imperativas que caracterizam um louvor comunitrio;

    b) Centralidade em YHWH, dada na repetio do Tetragrama Sagrado, no

    pronome e nos sufixos de 3a pessoa, masculino, singular que a Ele se referem;

    c) Louvor cantado a YHWH por seus feitos, destacando sua grandeza sobre

    todos os povos e deuses;

    d) Perspectiva e irrupo futura do reino de YHWH;

    e) Acrscimo do sintagma que ressalta o louvor pela grandeza e soberania de YHWH sobre todos os povos.

    199 Cf. C. WESTERMANN, Los Salmos de la Biblia, p. 83-85. 200 la comunidad celebra la futura irrupcin del reinado de Dios sobre todo el mundo. Adems, l que en realidad es una promessa se vive con jbilo en el culto como um hecho ya acontecido (C. WESTERMANN, Los Salmos de la Biblia, p. 106).

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    3.6 O Sitz im Leben do Sl 96

    A discusso sobre o seu Sitz im Leben matria de constante debate.201 A

    pesquisa exegtica classificou os Salmos 47; 93; 9699 em um subgrupo da

    categoria dos hinos. Esses seriam denominados Salmos de entronizao

    (Thronbesteigungspsalmen), e teriam como Sitz im Leben o festival de entronizao

    de YHWH, que ocorria no fim do ano agrcola, por ocasio da festa do ano novo,

    ou festa das Cabanas . As caractersticas de tal festa seriam duas: a) o sintagma revelaria a

    imagem da constituio de YHWH como rei neste dia festivo, sendo traduzido,

    portanto, como YHWH tornou-se rei;202 e b) YHWH que vai ao santurio para

    tomar posse do trono.

    Essa proposta destacou a fundao da realeza de YHWH como um ato de

    salvao csmico, mtico, no histrico, semelhante concepo da realeza dos

    deuses no Antigo Oriente Prximo (AOP).203

    E apesar da plausibilidade dessa teoria, que identificava a festa de como o cho no qual se originaram os Thronbesteigungspsalmen,204 vrias crticas

    emergiram, principalmente por considerar-se que a festa de entronizao de YHWH

    no passava de inveno, pois no h nem relatos histricos, nem referncias na

    Torah.205

    Entretanto, praticamente se consolidou nas pesquisas posteriores o

    pensamento de que os hinos do Saltrio tm o culto como Sitz im Leben. A

    discusso, porm, continuou diante da tentativa de compreender qual festa estaria

    na sua origem.

    201 Cf. S. MOWINKEL. The Psalms in the Israels worship. Grand Rapids, Michigan: Eerdamans, 2004. p. 106-107; V. MORLA ASENSIO, Livros sapienciais e outros escritos, p. 285-286; K. SEYBOLD. Introducing the Psalms. Hawick: T&T Clark, 1990. p. 113-114. 202 Ver a nota de crtica textual do v. 10aba-a a respeito da traduo do verbo (p. 37-38) 203 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 152; H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, p. 117. 204 Cf. D. MICHEL. Studien zu den sogenannten Thronbesteigungspsalmen. VT. 6, 40-68, Jan. 1956. 205 Cf. L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. I, p. 55; H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, p. 124-125; H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. I, 2009, 6, 1, IIb, p. 67; H.-J. KRAUS. Teologa de los Salmos. Salamanca: Sgueme, 2009. p. 115; A. WEISER. I Salmi (61-150). Brescia: Paideia, 1984. p. 56; B. C. OLLENBURGER. Zion, the city of the great King. A Theological Symbol of the Jerusalem Cult (JSOT.S 41; Sheffiel 1985). p. 26-27.

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  • 56

    Sendo assim, considerou-se que o Sitz im Leben do gnero hino fora o festival

    da Aliana celebrado pela anficcionia das tribos de Israel, pois Israel tinha por

    obrigao celebrar o memorial da instituio da Aliana.206 O festival de Sio

    tambm foi apontado como ambiente no qual nasceram e foram transmitidos grande

    nmero dos Salmos.207

    Contudo, determinar o rito ou festa, a partir da qual o Sl 96 e os demais hinos

    se desenvolveram, parece ser tarefa sem resultado totalmente objetivo. Embora no

    sejam negados os elementos clticos do Sl 96, afirmar que o seu Sitz im Leben a

    festa de entronizao de YHWH Rei, a festa de transposio da Arca da Aliana

    para Sio, ou outra festividade, ajuda a esclarecer alguns elementos teolgicos. Fora

    isso, corre-se o risco de acumular a erudio.208

    Portanto, mesmo que haja o risco de uma interpretao genrica, essa

    dissertao tratar o Sl 96 como um beschreibende Lob que foi usado diariamente

    ou no em rituais do templo e em reunies festivas.209 Deste modo, seguir-se- a

    proposta dos autores recentes que no delimitam o uso desse Salmo em apenas um

    ritual israelita, visto que a identificao de um Salmo com um modelo literrio210

    no o vincula a um Sitz im Leben preciso.211

    3.7 A crtica das tradies

    Os grandes comentrios sobre o Saltrio, assim como artigos e as recentes

    pesquisas sobre o Sl 96 no consideram com largueza a questo das tradies

    presentes nesse Salmo. Apenas destacam os temas mais pertinentes e a grande

    proximidade com a obra do Dt-Is.

    De modo geral, pensa-se que em relao aos motivos o Sl 96 depende de

    outros textos do Saltrio (Sl 29; 33), mas quanto aos conceitos e imagens depende 206 Cf. A. WEISER, I Salmi (61-150), p. 56-57. 207 J.-H. Kraus (Los Salmos, vol. I, 6, 1, IIb, p. 67-68) tambm afirma que o Sitz im Leben da maioria dos Salmos o culto. Contudo, prope a existncia do festival de Sio, do perodo monrquico. Nele, no se celebrava a entronizao de YHWH, mas a eleio de Sio e de . O principal elemento do culto era a entrada da arca, que se referia a entrada do rei sentado no trono, e no a entronizao. 208 Cf. G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, 2008, p. 996; LG. PERDUE. Yahweh is king over all the earth: an exegesis of Psalm 47. Restoration Quarterly. 17, 2, 85-98, 1974. p. 89-90. 209 Cf. E. ZENGER F.-L. HOSSFELD, Einleitung in das Alte Testament, p. 444. 210 M. L. C. LIMA, Exegese bblica, p. 123. 211 Cf. J. L. MAYS, Salmi, p. 27.

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    de Is 40-66,212 embora algumas sees do Dt-Is revele maiores correlaes com o

    Sl 96.213

    Mas quando so destacados temas fundamentais do Sl 96, tais como a

    exaltao csmica de YHWH (Sl 96,11), a polmica anti-idoltrica (Sl 96,5), tenso

    quanto vinda de YHWH (96,13), compreende-se que a conexo se expande at o

    Trito-Isaas (Tr-Is).

    possvel elencar os elementos caractersticos dos fragmentos hnicos de Dt-

    Is214 e identificar os vnculos que possibilitam o relacionamento das diferentes

    peas entre si e com a unidade de Is 4052. Com isso, compreende-se que h um

    esquema sinttico semelhante entre os fragmentos hnicos de Dt-Is, assim como

    uma correspondncia formal com os hinos imperativos do saltrio neste caso, com

    o Sl 96 assim como uma grande correspondncia de termos e sintagmas.215

    De modo geral, o Sl 96 e o Dt-Is empregam verbos imperativos (cantai,

    bendizei, proclamai) com destinatrios diversos, mas tendo YHWH como nico

    beneficirio. (cf. Sl 96,2c) tambm aparece similarmente como (cf. Is 40,9). Outrossim, destacam os sintagmas e (cf. Sl 96,1a; Is 42,10).216

    H temas tratados por ambos: a universalidade dos que entoam seu canto (cf.

    Sl 96,1b; Is 42,10); a manifestao csmica (cf. Sl 96,11c.12; Is 55,12), o

    reconhecimento de YHWH como nico criador (cf. Sl 96,5b; Is 44,23; 49,13); a

    referncia glria de YHWH (cf. Sl 96,3a.7b.8a; Is 42,12); a manifestao da

    justia do Senhor (cf. Sl 96,10e.13cd; Is 45,8); a polmica anti-idoltrica (cf. Sl

    96,5; Is 40,17-20; 41,29), tenso quanto vinda de YHWH (cf. Sl 96,13; Is 40,10).

    O Sl 96 e, de modo especfico, o poema de Is 52,1-12 tambm possuem muitas

    palavras de um mesmo campo semntico, principalmente no que diz respeito ao

    culto: (Sl 96,8b; Is 52,11), (Sl 96,8b.13ab; Is 52,1), (Sl 96,9a; Is

    212 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 375. 213 L. Alonso Schkel C. Carniti (Salmos, vol. II, p. 1207-1208.1226) destacam os principais textos do Dt-Is relacionados com o Sl 96. Seriam os seguintes: 52,7; 41,27; 42,10; 42,10; 44,23; 49,13; 55,12. 214 Cf. 42,10-13; 44,23; 45,8; 48,20-21; 49,13; 52,9-10. 215 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 221-229; 250-252. 216 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 251.

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    Sl 96,2b.8a; Is) ;(Sl 96,6b; Is 52,1) ,(Sl 96,6b; Is 52,1) ,(52,1052,2.6.11); e realeza: (Sl 96,10b; Is 52,7), ), (Sl 96,7b; Is 52,1).217

    Contudo, pode-se pensar que a grande proximidade com o Dt-Is,

    especificamente com os fragmentos hnicos, alm das reminiscncias dos Salmos

    29 e 33 no Sl 96 no se constituem em condio sine qua non para a defesa de uma

    dependncia literria.218

    Sendo assim, sabendo que a crtica do gnero tambm no prope um nico

    culto como Sitz im Leben do Sl 96, e que as relaes de proximidade entre esse

    Salmo e o Dt-Is no implicam em dependncia, pode-se questionar: como se daria

    tal semelhana temtica, lexical e de motivos entre o Sl 96 e o Dt-Is? Possivelmente,

    a explicao esteja em uma tradio litrgica de Israel, que merece ser investigada

    para entender a articulao no Dt-Is e no Sl 96.219

    Os elementos considerados at aqui permitem visualizar a afinidade do Sl 96

    e do Dt-Is com o ambiente litrgico. Seus motivos literrios se aproximam da

    tradio de Sio, que est presente nos cinco livros do Saltrio e nos diferentes

    gneros.220

    Os principais motivos literrios dessa tradio so: a) a descrio de Sio

    como montanha divina (cf. Sl 48,3-4); b) o rio do paraso que brota em Sio (cf. Sl

    46,5); c) o lugar do triunfo de YHWH (cf. Sl 46,3-4); d) o lugar onde a paz

    estabelecida aps a vitria de YHWH sobre os reis e suas naes (cf. Sl 46,7; 48,5-

    7; 76,4.6-7); e) a meta de chagada dos sobreviventes da naes que reconhecem a

    soberania de YHWH (cf. Sl 76,11-13).221

    Os Salmos classificados como cantos de Sio222 apresentam motivos

    consideravelmente prximos queles apresentados no Sl 96. Entre eles, destacam- 217 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 252-253. O mesmo autor destaca que h termos coincidentes entre Is 52,1-12 (contexto prximo do hino de Is 52,9-10) e Sl 96, mas que possuem semntica distinta. Cita, entre outros: , entendido como israelitas (Is 52,4.5.6.9) e povos da terra (Sl 96,5a); relacionado a YHWH (Is 52,7.10.12) e aos deuses (Sl 96,4b.5a). 218 Cf. A. WEISER, I Salmi (61-150), p. 692. 219 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 254-255. 220 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 258. 221 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 259. Segundo H.-J. Kraus (Teologa de los Salmos, p. 102-103), os conceitos e descries que enfatizam os louvores de Sio certamente no so originrios do santurio de Israel, mas entraram na realidade judaica de modo secundrio, sendo, ento, aplicados cidade santa. 222 J.-H. Kraus (Los Salmos, vol. I, p. 87) e G. Ravasi (Il libro dei Salmi, vol. I, p. 48) classificam como cantos de Sio os Salmos 46; 48; 76; 84; 87; 122 e 132. Contudo, L. A. Fernandes (Em busca de Deus e do bem de sua casa: Sl 122. In: L. A. FERNANDES M. GRENZER. Dana, terra, p. 160) fala da falta de unanimidade dos estudiosos em classificar estes Salmos.

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    se os seguintes: a beleza e grandeza de Sio (cf. Sl 48,3; 50,2; 78,68-69), morada

    de YHWH, por ele escolhida e fundada (cf. Sl 76,3; 87,5; 132,13), onde esto os

    tronos da justia (cf. Sl 122,5), inabalvel (cf. Sl 125,1). Canta a grandeza de

    YHWH que habita em Sio ( Sl 48,2), lugar de bno, pois hospeda a santidade de YHWH.223

    Importa destacar que as vrias concepes que exaltam Sio no tm fim na

    cidade mesma, mas so modos de exaltar YHWH, ou seja, cantam-se os louvores

    porque YHWH habita neste lugar. Caminhar at a casa de YHWH e entrar pelos

    seus trios (cf. Sl 96,8c), no revela apenas a etapa final de uma caminhada at Sio,

    mas se refere ao estar diante de YHWH, na sua presena.224

    J se apontou na crtica da forma que o Sl 96 revela uma forte centralidade

    em YHWH, e todo o movimento do poema tem como escopo a sua exaltao. Nesse

    sentido, o eco das polmicas anti-idoltricas do Dt-Is225 no Sl 96,4b.5a viriam

    acentuar a grandeza de YHWH, assim como a sua unicidade: h um s Deus,

    chama-se YHWH, que tudo criou (cf. Sl 96,5b), reina sobre todos os povos (cf. Sl

    96,10b).

    Os sentimentos de segurana e confiana presentes nos hinos de Sio tambm

    podem ser encontrados no Sl 96, principalmente quando fala da firmeza da Orbe,

    que no pode ser abalada (cf. Sl 96,10cd).226 Parece clara a busca do salmista em

    apontar para a estabilidade do mundo propiciada pela ao de YHWH. Tal

    segurana fundamentaria plenamente o chamado a cantar um cntico novo e

    anunciar a todos os povos as maravilhas de YHWH.

    A propsito do cntico novo e das maravilhas de YHWH (Sl 96,1a.3b)

    visualiza-se alguma proximidade com a tradio do xodo. Essa possibilidade

    ganha corpo quando se percebe que alguns dos termos empregados no Sl 96 tambm

    aparecem no contexto do xodo. A abertura do Sl 96, por exemplo, com denota a experincia de Mriam que canta a vitria proporcionada por YHWH (cf.

    Ex 15,21). o cntico da reao ao salvfica de YHWH.227

    223 Cf. M. GRENZER. As tarefas da cidade: Salmo 122. In: L. A. FERNANDES M. GRENZER, Dana, terra, p. 201. 224 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 104-105; L. A. FERNANDES. Em busca de Deus e do bem de sua casa: Salmo 122. In: L. A. FERNANDES; M. GRENZER, Dana, terra, p. 174. 225 Cf. Is 40,18-20; 41,6-7; 44,9-20; 46,5-7. 226 Cf. V. MORLA ASENSIO, Livros sapienciais e outros escritos, p. 308. 227 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 278-281.

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    O emprego do substantivo e do Tetragrama Sagrado tambm apontam para uma possvel correspondncia ao xodo. Em Ex 3,14-15, est diretamente relacionado com YHWH, pois tendo Moiss perguntado quem lhe falava, YHWH

    diz: assim dirs aos filhos de Israel: me enviou at vs (Ex 3,14). Em seguida, apresenta-se como Deus dos vossos pais (Ex 3,15) e conclui: este o

    meu nome para sempre 228.Desse modo, constata-se a intercambialidade229, ou metonmia, entre e

    YHWH. Os dois termos fazem eco experincia do xodo, momento em que

    YHWH revela quem , e quando a significativa ocorrncia do binmio e do Tetragrama Sagrado se relacionam libertao (cf. Ex 6,2-8). Esse evento marca

    profundamente o de YHWH e lembrado em outros momentos da Bblia hebraica230. Por isso, invocar o de YHWH atualizar sua presena, ou seja, sua atuao libertadora.231

    228 Cf. F. V. REITERER, , GLAT, vol. IX, p. 464-465. 229 Que tambm se verifica em Is 42,8; Jr 16,21. 230 Cf. Ex 9,16; 2Sm 7,23; Ne 9,10; Jr 32,20; Is 52,6; 63,12; Dn 9,15. 231 Cf. R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 137-138.

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