2_a tecnica como problema filosofico (artur morao)
DESCRIPTION
História da filosofia da técnicaTRANSCRIPT
-
boletimG E P O L I S
sumrio A Tcnica como problema filosficoreflexes
2 Artur moroATCNICA COM(. PROBLEMA FILOSOFICO
4 Aa. Vv. Departamento de filosofiaI'E(_ N1CA E ACOA0 HUMANA
(3 Hans JonasENGENHARIA BIOLOICA; AIA ANTE-VISAI) EM 1971-1
8 David Walsh[IMA MITOLOGIA llA RAZAO
10 Rosa Maria SantosNO CEREBRO ACONTECE AO HOMEMPENSAR
seminrio
ARTUR MORO
1 Aparentemente, a reflexo filo-sfica acordou tarde para a tc-nica. No se dobrou sobre ela (ou
s o fez de modo espordico e incoativoem afirmaes soltas) no longo perodode optimismo e confiana aps o Ilu-minismo e a Revoluo Industrial, quan-do mais fortemente imperou a ideia ra-cionalista de domnio sobre a natureza.Possivelmente, em virtude da concepoantropolgica desenvolvida no idealismoalemo (Fichte e Hegel) e no marxismo,a filosofia contribuiu at para deixar deproblematizar a tcnica como objecto fi-losfico e incentivar a conquista desen-freada do mundo natural.
Por outro lado, as teorias biolgicas esociais da evoluo, elaboradas duranteo sculo XIX, incentivaram a expectativade um crescimento material ilimitado,que seria levado a efeito pela aco con-junta da cincia, da tecnologia e da in-dstria. Tal no deixa de ter algumaligao com a atitude dos filsofos que,desde o incio da era moderna, tinhamcelebrado a promessa inscrita na cincianatural e reforado a sua legitimao so-cial. Tradicionalmente orientada para ateoria, a filosofia parece nunca ter divi-sado problemas especficos na aco tec-nolgica. Esta no passaria possivel-mente de uma aplicao dos dados cient-ficos, sem ligao especial com outroscampos, por exemplo, a metafsica, areligio, a tica, e assim por diante.
- De facto, as fases anteriores da tc-nica (correspondentes Pr-Histria,ao Neoltico, Antiguidade e IdadeMdia, aos Tempos modernos) no pare-cem levantar problemas filosficos; natradio intelectual do Ocidente, a filo-sofia assumiu-se sempre como situadano reino da teoria e, consequentemente,alheou-se da tecnologia que ela olhou namaioria dos casos ou como ofcio ou co-
Noster in arte labor positus, spes omnes in illa 1Homines voluerunt se l.,.J potentes. 2
mo mera aplicao das descobertascientficas. De certo modo, levou a caboa auto-afirmao da sua substnciacon-tra a `tcnica' em sentido amplo, comolembra H. Blumenberg.
A questo das `duas culturas', aindano de todo eliminada, atesta igualmen-te a incessante dicotomia de teoria filos-fica e de prtica tecnolgica; como con-trovrsia, ter porventura perdido real-ce, j que a situao actual exige o con-curso tanto da compreenso humans-*tica e histrica como da cincia e datecnologia para resolver o grave dilemado nosso mundo macia e progressiva-mente tecnificado. Nenhum dos campos,cindidos pela diviso do trabalho, jpor si competente para resolver todos osproblemas que vo surgindo.
2. Assiste-se, de um outro ponto devista, ao "fim da era baconiana" (G. Bh-me): deixou de se acreditar que o progres-so tcnico-cientfico sejaeo ipso progres-so social e humano; pelo contrrio, acincia e a tcnicaj no podem olhar-secomo instrumento desse progresso, masapenas como condio da vida social,sob a qual importa redefinir o que seentende por `humanidade'.
Outro factor decisivo o carcterindito da tecnologia actual, com o pro-cessamento electrnico de dados, a au-tomao dos processos de produo, aintroduo de sistemas cibernticos einformticos. A sua evoluo acelerada,cujas consequncias inesperadas nosconfrontam com problemas extraor-dinrios, parece no encontrar pela fren-te nenhuma outra fora suficiente nodesenvolvimento espiritual e moral domundo. A unio dinmica de cincia etcnica, lenta e incompleta ao longo dostempos modernos, mas total desde o
12J1 SEMINRIO DE DOCENTESTICA PARA UMA IDADE TECNOLGICA
13 Joaquim Cardozo duarteIsabel leandro gomesJos Rosa
15 Marie Konig17 Ferdinand Mount18 Jean-Pierre Boutinet19 Michael Novak
20 Karl-Oito APe122 Stephen McRnight
FICHA TCNICA
PROPRIEDADE: UCP, Departamento de Filosofia, Palma de Cima 1600 Lisboa. Tel. 721 40 00DIRECo: Joaquim Cerqueira Gonalves. COORDENAO: Mando Castro Henriques. EDIO: Rosa Maria Santos
COMPOS GAO E IMPRESSO; Centro de Publlcades da UCP. TIRAGEM: OCO exemplares
-
boletimGEP O L I S
incio do sculo XX, desencadeou umprocesso de consequncias inabarcveis.Eis uma das razes por que se inten-sificou a reflexo filosfica em torno detal acontecimento, dos seus pressu-postos, do seu significado, do seu alcance,das suas promessas e ameaas.
3. Embora a reflexo filosfica notenha de todo ignorado a aco tcnica eos problemas dela decorrentes, o seucontributo foi apenas espordico; umtrabalho reflexivo atento e expresso so-bre a tcnica s comeou a ganhar con-tornos no final dos anos 60, mas sem queo tema se tenha institudo em disciplina
acadmica formal, como aconteceu porexemplo com a epistemologia. Houvedecerto filsofos que foram sensveis aorosto indito de uma civilizao cadavez mais tcnica (assim Romano Guardi-ni, Martin Heidegger, Ortega y Gasset,Arnold Gehlen, M. Horkheimer, Th. W.Adorno, H. Marcuse, H. Arendt entreoutros) e pronunciaram a seu respeito ju-zos contundentes, ainda esclarecedores.
No momento presente, aps quasetrinta anos de reflexo sobre a activi-dade tcnica, que se notajnumabiblio-grafia significativa e sempre em cres-cimento, e apesar de a inquirio filos-fica em torno da tecnologia no ser aindaum campo de reconhecimento geral noreino acadmico, j se desenha o esboode uma filosofia da tcnica, com temticamuito variada, onde semelhante acti-vidade humana se tenta ver a uma luzcondigna, matizada, como verdadeiroobjecto filosfico. H contributosinteressantes de J. Habermas, K.Hbner, F. Rapp, J. Ellul, J. Freund, S.Lem, H. Lenk, G. Ropohl, S. Moscovici,G. Simondon, G. Hottois e muitos outros.
4. De que tarefas se ocupar umafilosofia da tcnica?
Antes de mais, deve repararoesqueci-mento e a omisso responsveis poruma imagem antropolgica unilateral,que tambm est na origem das nossasdificuldades actuais; tem igualmentede superar uma viso abstracta da tc-nica que, no fundo, s favorece a falsaconcepo da sua neutralidade axiol-gica; atender sua dimenso histrica,ao seu enredamento nos interessessociais, polticos e de poder, tentandocompreender o possvel carcter alie-
nante dos mtodos e artefactos tecno-lgicos como um sintoma da patologiadas instituies sociais e dos modelos devida cultural; tentar compreender osignificado e o alcance do matrimnio(doravante indissolvel) entre tecno-logia e cincia, a sua vagarosa prepa-rao atravs dos tempos modernos, osseus pressupostos; contrastar a tcnicacontempornea com as tcnicas tradi-cionais e com outras pocas da cincia;ser sensvel s implicaes antropo-lgicas de outro tipo inerentes aventuratcnica (mesmo religiosas ou mticas);no deixar de lado a sua ligao com atica; evitar a concepo simplista deolhar a tecnologia como simples cinciaaplicada e a sua diabolizao; discerniro nexo profundo entre as suas carac-tersticas epistemolgicas, ticas, cultu-rais e sociais, que exigem um tratamentounificado; aprofundar o carcterespecfico da racionalidade da tcnica,do seu potencial, da sua ambiguidade,da sua insero no sistema cultural quea sustenta, e assim por diante.
5. So mltiplas e variadas asorientaes no esforo filosfico de pen-sar a tcnica:
a)Uma primeira antropolgica, deacento parcialmente essencialista, detom optimista e nada tecnofbico (e umtanto an-histrico); a tcnica um rasgohumano primignio. Nessa direco vaia reflexo de F. Dessauer, para quem ohomem vive estirado entre o real e opossvel e, por isso, se torna inventor,investigador, a fim de acomodar o mundoaos seus propsitos, numa promessa deliberdade e de configurao do futuro.
- Para a aponta igualmente a teoriade A. Gehlen, segundo o qual o ser huma-no incompleto, no de todo estabelecidoe fraco de instintos; v-se deste modoforado a suprir pela aco a sua deficin-cia biolgica, suscitando os meios e ascapacidades, numa palavra, a culturacomo compensao, na qual a tcnica
-t e^sempenha um papel essencial. Note--se que A; Gehlen colheu e desenvolveua ideia de Max Scheler da inexistnciaem ns de rgos especializados, com anossa consequente abertura ao mundo.
b) M.Bense prefere, por seu lado,encarar a tcnica luz de um impulsoconstrutivista, de um horizonte onto-lgico da factibilidade: a tecnicidade en-globa todo o conjunto de procedimentos
construtivamente fecundos para amodificao, ampliao e simulao do`mundo'.
c)J. Habermas, na linha da TeoriaCrtica da Escola de Francoforte, partedo lao entre conhecimento e interesse;nas cincias emprico-analticas v emaco um interesse cognitivo tcnico,tpico da razo instrumental, que levou cientificao da tcnica.
d) De vertente tica a abordagemque J. Ellul e Hans Jonas fazem ao fe-nmeno tcnico; o primeiro salienta anecessidade de uma tica do no poderface ao desenvolvimento autnomo e lgica prpria da tcnica; H. Jonas, quedenuncia o gnosticismo velado subja-cente ao esprito moderno (manifesto naciso entre Eu e mundo, na alienao dohomem perante a natureza, na desva-lorizao metafsica desta ltima, etc.),promove o princpio da responsabilidadecomo antdoto aos efeitos destruidoresda moderna tecnologia.
e)Lembre-se ainda a tese de MartinHeidegger, segundo o qual a modernatecnologia representa o estdio ltimoda metafsica. - Por esta senda segueigualmente o filsofo e telogo GeorgPicht, para quem a tcnica do sc. XX,no seu conjunto, nada mais do queuma espcie de liturgia que celebra a fna verdade inconcussa da ausncia decontradio, i. e., da unidade auto-idn-tica do pensar e, assim, do mundo, naidentidade, pressuposto da objectivi-I dada, a que se deve sujeitar a subjecti-vidade. 0 resultado histrico-mundialda histria europeia do esprito , pois,a civilizao tcnico-cientfica, que sub-meteu a Terra.
f) E j que se fala de telogos, serbom recordar a interpretao de E.Brunner: contemplada luz da Bblia(Gen 1, 28), a tcnica uma espcie decriao continuada, elemento nucleardo processo de secularizao, em que ohomem se torna autnomo face ao mun-do e toma nas mos a sua configurao,ao mesmo tempo que leva a cabo a totaldesmitologizao da natureza.
Ou ainda a posio de Paul Tillichpara quem o predomnio da viso tcnicano seio da nossa cultura assenta na uni-lateralidade reconhecida razo fun-cional, com o subsequente olvido da razoontolgica e apossvel demonizao dospoderes ntramundanos.
-
boletimG E P O L I S
>
Haveria ainda que mencionar a teoria do tecnocosmo de Gilhert Hottois, a afir-mao da subjectividade moderna na dominao do mundo pela tcnica segundoCharles Tavlor, e virias outras interpretaes.. Fiquemos por aqui. Do panoramaentrevisto depreende-se que o mundo da tcnica filosoficamente relevante, pejadode problemas, repleto de ameaas, rico de virtualidades. Uma filosofia que dele se noocupe dificilmente sc esquie it acusao dc futilidade e irrelevtincia. q
Ovdio, Huli,'uticas, v. I-11,
T,ucr^ cu, D^rcruut riuou(l, V, 1120,
Tcnica e aco humanaAA. VV. DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
TPICOS
Os surpreendentes avanos nos di-versos campos da tecnologia exigem dareflexo filosfica um redimensiona-mento do papel da aco humana natansformao elanatureza e de si prprio.
1. Tcnica e mitologia A cadarealizao cientfica corresponde um mi-to que a prepara, fecunda, e permite asua repercusso social, pois a descobertatecnolgica inseptiivel do ambientecultural. A investigao de nritosquepressupem uni pensar teme() escl,meceas teorias da te'nolo,ria puis aimagina-ao o processo por xcelencia;para ta-duzirsnihnles teoricos em termosprticos:
2. Tcnica e Inteligncia Artifli-cial.O funcionamento dos objectos tc-nicos que proliferaria no unix-eu so artifi-cialcriado pelatecmca e compreensvelitraves de processos de pensamento querecorrem a criao de modelos e que tmna analogia um mtodo de pesquisas eum principio de raciocinio As formulasda reflexo ilosofica podero esclarecertopicoscomo as relaes entre com-plicao e complexidade; opapel dainfor-mao; criatividade e, originalidade; aredundahciacomo garantiui de eficcia
gene.
3. Tcnicae Epistemologia cadaistinguir ent
.
re tec-vez mais dificil distinguir-nolo{ia e cincia. Tal como a estrutu-raocia realidade pelapraa is, criao
tcnica ultrapassa a produo de objec-tos, aponta para a transformao dosujeito e supe uma pesquisa operacionaldos meios. At que ponto esta configu-rao dos modelos de aco racional-mente pensvel? Ser a racionalidadeapenas a adequao dos meios aos fins?No possuir tambm contedo prprio?
4. Tcnica e tica. 0 pensamentotcnico e a aco teenocrtica presumemproteger a aco humana das incertezasdo presente atravs da adopo de pro-gramas de aco. necessrio reequa-cionar as relaes entre teoria e prtica,chamando-se a ateno para as razescomuns de theoria, praxis e techne. Nestavertente dever a reflexo incidir sobrea transformao das ideias de finalidadee liberdade. Poderemos assimilar osconceitos de fim e funo? Que relaesexistem entre conceitos como sucesso efracasso, e os conceitos ticos eontolgicos de origem emprica? Asestratgias de deciso interferem comoconceito de livre-arbtrio?
5. Tcnica e Sociedade. precisoque cada pessoa seja educada de modo adominar os instrumentos de conhe-ciment9yl e de aco ao seu dispr. Aimpj,efnentao dos "valores democr-ticos" insuficiente sem uma teorizaoda tecnologia que permita a cada pessoatornar-se concretamente representativada humanidade. Desembaraado pelaautomao de grande parte das. acesmateriais, o homem fica cada vez maisentregue ao peso social da imaginao e
da criatividade. Isto exige um trabalhode integrao na realidade da lngua eda cultura criadas em sede cientfica,tcnica e tecnolgica. Reciprocamente,as tradies da cultura devem ser ajusta-das em ordem a reflectir as vertentesrelevantes do progresso tcnico.
DESENVOLVIMENTO
Para o estudo, investigao e desco-berta dos objectos tcnicos, bem comopara a criao de uma teoria da tec-nologia, de grande interesse heursticoe metodolgico a identificao dos m-bitos de aco humana intervenientesna grande transformao social ocorridadesde a revoluo industrial e precedidapela criao da cincia e da filosofia mo- V.dernas.
Na primeira parte da revoluo in-dustrial a evoluo tcnica ocorria aonvel dos indivduos tcnicos, as mqui-nas. De acordo com o ideal de automa-tizao, procurou-se construir mquinasque preenchessem o trabalho do oper-rio, e que dispensassem a sua interven-o. Em alternativa, o operrio foi sub-metido a movimentos repetitivos esta-belecidos pelas consignas da "taylo-rizao" e estandardizao.
Uma segunda e presente fase darevoluo industrial trouxe uma inter-dependncia entre redes de relaes deenergia e comunicao da sociedade. Asmquinas aproximaram-se dos organis-mos ao serem dotadas de receptores eefectores, rgos de informatizao .e W )mecanismos com capacidade homeost-tica, que globalmente permitem o con-trole da mquina por mquinas ciber-nticas. medida que aumentam a com-plexidade e a integrao destes conjuntostcnicos, diminui a distncia que separaa matria da vida, a vida da conscincia,a mquina do organismo, e este da socie-dade e dos comportamentos intelectuais.
Este dado histrico veio a ser refor-ado pelos surpreendentes avanos noscampos da gentica, da informtica e da.ecologia, que obrigam a redimensionaro lugar da aco humana na transfor-mao da natureza e de si prprio. 0conceito de manuteno, conservaodo potencial de produo de um equi-pamento, noo perfeitamente com-preendida pelo utente comum de m-quinas e aparelhos, alarga-se esfera
page 1page 2page 3