2ª promotoria de justiça de macaíba/rn fone e-mail · em face do municÍpio de ielmo marinho/rn,...

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2ª Promotoria de Justiça de Macaíba/RN Rua Ovídio Pereira da Costa, nº 126, Tavares de Lira - Macaíba/RN CEP: 59.280-000 FONE: 3271-6842 E-MAIL: 02PMJ.MACAIBA@MPRN.MP.BR __________________________________________________________ EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUÍZ(A) DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MACAÍBA/RN. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pelo Promotor de Justiça signatário, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição da República, no art. 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/93 e no art. 5.°, inciso I , da Lei n.° 7.347/85, com lastro probatório no Inquérito Civil Público n.º 118.2017.000054 que segue em anexo, vem perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR em face do MUNICÍPIO DE IELMO MARINHO/RN, com endereço na Rua José Camilo Bezerra, S/N, Centro, Ielmo Marinho/RN, representada pelo Prefeito Municipal Cássio Cavalcante de Castro, brasileiro, viúvo, médico, tudo pelas razões de fato e de direito a seguir expostas: 1/25

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2ª Promotoria de Justiça de Macaíba/RNRua Ovídio Pereira da Costa, nº 126, Tavares de Lira - Macaíba/RN CEP: 59.280-000

FONE: 3271-6842 E-MAIL: [email protected]

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUÍZ(A) DE DIREITO DA 1ª

VARA CÍVEL DA COMARCA DE MACAÍBA/RN.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

NORTE, pelo Promotor de Justiça signatário, no uso de suas atribuições legais e

constitucionais, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição da República, no

art. 25, inciso IV, alínea a, da Lei n.º 8.625/93 e no art. 5.°, inciso I, da Lei n.° 7.347/85,

com lastro probatório no Inquérito Civil Público n.º 118.2017.000054 que segue em anexo,

vem perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER

COM PEDIDO DE LIMINAR

em face do MUNICÍPIO DE IELMO MARINHO/RN, com endereço na Rua José

Camilo Bezerra, S/N, Centro, Ielmo Marinho/RN, representada pelo Prefeito Municipal

Cássio Cavalcante de Castro, brasileiro, viúvo, médico, tudo pelas razões de fato e de

direito a seguir expostas:

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2ª Promotoria de Justiça de Macaíba/RNRua Ovídio Pereira da Costa, nº 126, Tavares de Lira - Macaíba/RN CEP: 59.280-000

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1. OBJETO DA DEMANDA

Busca-se com a presente ação obter provimento jurisdicional no sentido de

determinar-se ao ora demandado o cumprimento da Constituição da República e da

legislação específica no que tange à realização de processo seletivo sério para provimento

de cargos temporários para a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de

Promoção e Bem Estar Social de Ielmo Marinho/RN, e especificamente a nulidade do

Processo Seletivo nº 01/2017 realizado por meio do Edital nº 02/2017, e por consequência

das nomeações dele derivadas, considerando a violação aos princípios da legalidade e

impessoalidade, conforme constatado em investigação.

2. DOS FATOS

O Ministério Público, por meio de despacho fundamentado da 2ª Promotoria

de Justiça de Macaíba/RN, instaurou o Procedimento Preparatório nº 118.2017.000054

para apurar a existência de possíveis irregularidades na realização do Processo Seletivo nº

01/2017, iniciado pela Prefeitura de Ielmo Marinho/RN por meio do Edital nº 002/2017,

destinado à contratação temporária de diversos profissionais para atuação junto à Secretaria

Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Promoção e Bem Estar Social.

Tendo sido instaurado a partir de denúncia encaminhada pela Ouvidoria do

MPRN (fls. 2), foram anexadas aos autos as Notícias de Fato nº 118.2017.000056, nº

118.2017.000063 e nº 118.2017.001276, relatando outras irregularidades no mesmo

processo seletivo.

Requisitados esclarecimentos ao Município de Ielmo Marinho/RN sobre as

irregularidades apontadas, o gestor limitou-se a alegar genericamente a legalidade do

processo seletivo (fls. 21-40).

Considerando que as irregularidades apontadas não foram afastadas pelo

Município, que sequer juntou aos autos a lei autorizadora da contratação temporária,

conforme exigido no art. 37, IX, da Constituição da República, foi expedida

Recomendação Ministerial requisitando ao gestor municipal que se abstivesse de

homologar o resultado do concurso, ou anulasse as nomeações porventura realizadas,

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diante das patentes violações aos princípios da impessoalidade e legalidade, que regem a

atuação da Administração Pública.

Antes mesmo de qualquer resposta do Município à recomendação, foram

juntadas novas denúncias aos autos, tendo sido informado que os pedidos do Ministério

Público não teriam sido acatados (fls. 48).

Apesar de ter sido reiterada a Recomendação, com entrega pessoal ao

Prefeito, o Município manteve a postura de absoluto desdém aos argumentos ali

encartados, sem qualquer embasamento jurídico ou fático e afirmando que as contratações

realizadas anteriormente é que seriam inválidas, por basear-se em legislação defasada (fls.

54-81).

Com a juntada da documentação pelo Município, o que se verificou, em

verdade, é que o embasamento jurídico do edital se refere tão somente a uma Lei

Complementar Municipal de 2011 e que os formulários de realização de entrevista

apresentam critérios subjetivos, violando a impessoalidade necessária no âmbito da

Administração Pública.

Deste modo, e tendo por fundamento todas as denúncias realizadas e as

irregularidades objetivamente apontadas, o que se tem é um processo seletivo para cargos

dito “temporários”, sem que haja qualquer base legal contemporânea ou mesmo

fundamento para a excepcionalidade da medida, considerando que a regra de ingresso do

serviço público é que seja por meio de concurso, nos termos da Constituição.

Além disso, tem-se por comprovada a facilidade de direcionamento das

contratações, ao se prever edital que não permite recursos das fases de forma independente

e se utilizar de critérios flagrantemente subjetivos e ilesos de controle para a seleção de

servidores públicos, ainda que temporários, violando-se claramente os ditames da

Constituição da República e os princípios regedores da Administração.

Pelo exposto, e considerando todas as ilegalidades apontadas e

comprovadas, o Ministério Público, por meio da presente ação civil pública, busca a tutela

judicial para o cumprimento das normas constitucionais para garantia da isonomia no

acesso ao serviço público.

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3. DO DIREITO

3.1. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE

A Constituição da República de 1988 estabelece, em seu artigo 37, inciso II,

que a regra de acesso dos cidadãos ao serviço público brasileiro deve ser por meio de

concurso público, ressalvadas as hipóteses de cargos comissionados, conforme previsão

legal, estabelecendo ainda que a atuação da Administração Pública deve pautar-se nos

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aosprincípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de1998)I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros quepreencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, naforma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia emconcurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e acomplexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas asnomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação eexoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(…)§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade doato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Além da previsão da regra de acesso ao serviço público, a Constituição,

atenta à possibilidade de necessidade de pessoal em situações excepcionais e urgentes,

abriu mais uma exceção de contratação de servidores de forma temporária, nos termos do

inciso IX do art. 37:

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado paraatender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

A normativa constitucional acima indicada revela que o concurso público é

a regra de acesso aos cargos públicos. Por outro lado, há situações previstas

constitucionalmente que autorizam o administrador público a promover contratações

diretas, como nos casos de cargos em comissão, declarados em lei de livre nomeação e

exoneração, destinados, única e exclusivamente, a atribuições de direção, chefia e

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assessoramento, bem como no caso do regime especial de contratação por tempo

determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

Dessa maneira, resta evidente que é a lei a fonte primária a definir quais as

hipóteses de contratação por tempo determinado, especificando, de modo claro e

inequívoco, os dois requisitos constitucionais fundamentais para utilização da medida:

necessidade temporária e o excepcional interesse público.

No caso em apreço verifica-se que, apesar de acusar o gestor anterior de

realizar contratações diretas sem respaldo legal, o Prefeito Municipal, ao afirmar a

legalidade genérica do Processo Seletivo nº 01/2017 (Edital nº 02/2017), não apresentou

qualquer embasamento legal vigente para as contratações, inexistindo notícia sobre qual a

situação de excepcionalidade que autorizaria tal contratação.

Mesmo que se busquem informações no próprio Edital de convocação,

verifica-se que a base legal apontada é tão somente a Constituição da República e uma Lei

Complementar de 2011, provavelmente municipal, que não é apta a demonstrar a

necessidade excepcional do momento presente.

Desta forma, ainda que tenha atacado a gestão anterior ao afirmar que as

contratações não teriam base legal válida, o gestor, ora representante, pratica a mesma

artimanha para selecionar servidores para situações que, claramente, não são excepcionais.

Sem a norma legal que rege a necessidade e excepcionalidade das

contratações temporárias fica até difícil analisar os requisitos da contratação, ou mesmo

saber se a validade dos contratos porventura firmados atende aos ditames legais, ou mesmo

se os cargos colocados em disputa estão no rol da suposta lei autorizadora, por exemplo.

Tomando por exemplo a Lei Federal nº 8.745/1993, e considerando que o

Processo Seletivo nº 01/2017, ora impugnado, tem por finalidade contratação de servidores

para as áreas de saúde e assistência social, nota-se que a utilização do processo seletivo é

verdadeira burla à obrigação do gestor de realização de concurso público.

De forma clara, a lei federal afirma que só são situações excepcionais

aquelas destinadas a ocupação temporária de cargos nos casos de emergências em saúde

ou calamidades públicas1, o que não se verifica no caso dos autos.

1 Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:

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Cumpre ressaltar que a remissão à lei federal é apenas exemplificativa, visto

que a lei autorizadora da contratação temporária deve ser expedida pelo próprio ente

interessado, no caso o Município de Ielmo Marinho/RN, o que não sendo feito torna nulo o

processo seletivo para tal finalidade.

A realização de contratação temporária sem qualquer embasamento legal,

além de configurar ato de improbidade administrativa, que será apurada em ação

autônoma por conveniência processual, por violação aos princípios que regem a atuação

da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92 e pode até mesmo ser

conduta enquadrada nos Crimes de Responsabilidade, conforme preceitua o art. 1º, XIII, do

Decreto-lei nº 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos aojulgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento daCâmara dos Vereadores:(...)XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;

Note-se que não seria a mera ilegalidade apta a configurar o ato de

improbidade, mas sim a ilegalidade realizada com tal intenção, do mesmo modo que se dá

a configuração da conduta típica do crime de responsabilidade.

Conforme já expresso pelo Superior Tribunal de Justiça em decisão: “a

ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os

princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má intenção do

administrador”2.

Deste modo, no caso dos autos vê-se que, mesmo alertado da ilegalidade do

processo seletivo, o gestor, de livre e consciente vontade, manteve o certame e suas

nomeações, ignorando completamente os ditames do ordenamento jurídico.

Em verdade, além de não ter base legal, o processo seletivo também não

atende aos pressupostos da contratação temporária e ainda foi realizado com clara violação

I - assistência a situações de calamidade pública;II - assistência a emergências em saúde pública; (Redação dada pela Lei nº 12.314, de 2010)2STJ, AgRg no AREsp 81.766/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgadoem 07/08/2012, DJe 14/08/2012

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ao princípio da impessoalidade, sem critérios objetivos de seleção e com relatos veementes

de favorecimento de apadrinhados e prejuízo aos candidatos de boa fé.

Assim, não se afigura possível a manutenção de tais contratações, sob risco

de penalizar ainda mais o Erário municipal e consequentemente os cidadãos já tão sofridos

pelo descaso da Administração Pública de Ielmo Marinho/RN.

3.2. DA AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PARA CONTRATAÇÃO

TEMPORÁRIA.

Após constatar que o fundamento básico da contratação temporária não foi

atendido pelo Município de Ielmo Marinho/RN quando do Processo Seletivo nº 01/2017,

diante da inexistência de lei autorizadora, conforme previsão constitucional expressa,

cumpre demonstrar que nem mesmo os pressupostos específicos inerentes a este regime

jurídico especial foram atendidos no certame.

Sobre este ponto se assevera que, ainda que existisse lei municipal

autorizando a realização de contratação temporária, deveria estar devidamente

caracterizada a necessidade temporária e a excepcionalidade do interesse público. Com

base em tal premissa, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou a

inconstitucionalidade de algumas leis estaduais que, utilizando-se do argumento da

existência de interesse público temporário, não demonstraram o cumprimento dos

requisitos necessários para utilização do regime especial, realizando contratações para

funções de natureza permanente, apresentando hipóteses genéricas de atividades de

excepcional interesse público, sem especificá-las, e ainda não demonstrando a

temporalidade excepcional do serviço3.

Conforme entendimento do STF, para que a contratação temporária se dê de

forma regular e lícita, é necessário o atendimento dos seguintes requisitos, conforme

extraído da norma constitucional: (i) previsão em lei dos casos de contratação temporária;

(ii) previsão legal dos cargos; (iii) tempo determinado; (iv) necessidade temporária de

interesse público; (v) interesse público excepcional4. Além disso, não bastasse a

3 STF, ADI 2.229-ES; ADI 3.700-RN; ADI 2.987-SC e ADI 3.116-AP.4 STF, ADI nº 3210 e 2.229-ES.

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necessidade de lei específica tratando sobre os casos de contratação temporária e, ainda,

prevendo os cargos, há que se destacar a exigência disposta na Constituição Federal, em

seu art. 169, §1º, I e II, que exige, para a contratação temporária, a autorização específica

na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Sobre a definição de “necessidade temporária de excepcional interesse

público”, ensina Celso Antônio Bandeira de Melo5 que:

(…) trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências quedesgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenasprovisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclamasatisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normalde concursos.

Analisando o caso dos autos, notadamente diante da natureza dos cargos

acessíveis por meio do Processo Seletivo nº 01/2017, verifica-se que boa parte deles

exercem funções de necessidade permanente dos munícipes.

Apesar da oferta de cargos relacionada a alguns programas de

financiamento federal, como o Programa de Saúde da Família – PSF, o programa Mais

Saúde, também financiado pelo Ministério da Saúde, e ainda o Serviço de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos (SCFV), também financiado pelo ente federal, o que poderia,

em tese autorizar a contratação temporária, existem diversos cargos que são essenciais ao

serviço público municipal de forma perene, como médicos, enfermeiros e auxiliares de

enfermagem plantonistas, assistentes sociais, bioquímicos, farmacêuticos, psicólogos,

auxiliar de serviços gerais, e até mesmo agentes comunitários de saúde e de endemias.

Além da natureza permanente de boa parte dos cargos ofertados, verifica-se

ainda que a necessidade que justificaria a utilização do regime especial de contratação

temporária não existe, considerando que, conforme documentos juntados aos autos da

investigação (fls. 113-122), a maioria dos cargos já tinha sido objeto de processos seletivos

anteriores, em 2014 e 2015, tendo sido os referidos contratos “temporários” prorrogados

em 2016.

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.270.

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Isso demonstra que a necessidade de provimento das referidas funções não é

nem temporária nem mesmo excepcional, pois o município ofertar anualmente, por

exemplo, 5 (cinco) vagas de enfermeiros plantonistas, 5 (cinco) vagas de clínicos gerais

plantonistas, vagas para cozinheira plantonista ou mesmo vagas de vigia para a área de

saúde, demonstram a necessidade permanente de pessoal com no mínimo essa quantidade

de cargos vagos.

Conforme entende José dos Santos Carvalho Filho6, a utilização da

contratação temporária para cargos de natureza permanente constitui verdadeira afronta ao

ordenamento jurídico:

Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento atravésdos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidorestemporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém,haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente inválida. (…) Talconduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outroelemento mobilizador senão o de favorecer alguns apaniguados para ingressaremno serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade.

Como já citado anteriormente, a admissão de servidores sem a lei

autorizadora e sem os requisitos básicos previstos para o regime especial enseja a

responsabilização do gestor nas normas de improbidade administrativa e até mesmo pode

imputá-lo como incurso nas penas do crime de responsabilidade previsto no art. 1º, XIII do

Decreto-lei nº 201/67.

A lei que proíbe a admissão de pessoal nesses casos é a própria Constituição

da República, Lei Fundamental do Estado Brasileiro, em seus arts. 37, II e IX, e 169, §1º,

II, considerando que os requisitos que admitem a excepcional contratação de servidores

sem concurso público estão descritos na própria norma constitucional.

Além da responsabilização do gestor, a ser apurada no foro e processo

próprio, a contratação temporária sem observância dos requisitos vai ao encontro do que

também determinou a Carta Magna, no mesmo art. 37, desta vez em seu §2º: “A não

6 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 606-607.

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observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da

autoridade responsável, nos termos da lei”.

Ressalte-se ainda que, ao prever a contratação de agentes comunitários de

saúde e de endemias por meio de processo seletivo simplificado, o Município de Ielmo

Marinho/RN afrontou ainda outras disposições constitucionais, considerando que a

previsão da contratação para os referidos cargos é trazida no art. 198, §4º, da Constituição

Cidadã, que dispõe que a contratação dos Agentes de Endemias e Agentes Comunitários

de Saúde se dará por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e

complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para a sua atuação.

Regulamentando o referido dispositivo constitucional, a Lei Federal nº

11.350/2006, em seu art. 9º, preconiza que a contratação de tais profissionais se dará por

meio de “processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a

natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício

das atividades” (grifado adrede).

Pela própria natureza do processo seletivo simplificado, cujo nome já traduz

com obviedade sua essência, constata-se que não é o meio hábil para admissão de

servidores aos cargos de agente comunitário de saúde e agente de endemias.

A Lei Federal 8.745/93 dispõe, em seu art. 3º, que o processo seletivo

simplificado deve ser utilizado, tão somente para contratação por tempo determinado

para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do

inciso IX do art. 37 da Constituição Federal. Além disso, importa lembrar que o art. 16 da

Lei nº 11.350/06 veda a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários

de Saúde ou de Endemias, “salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos, na forma

da lei aplicável”, situação que não foi sequer cogitada nos autos.

Em verdade, o processo seletivo público previsto no art. 198 da CR

assemelha-se muito mais à rigidez necessária para admissão por meio de concurso público,

que, conforme disposto no art. 37, II da Constituição, também depende da realização “de

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provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou

emprego”, e tem o mesmo objetivo.

De um lado, buscam a seleção do profissional mais qualificado para

ingressar no serviço público como efetivo (e não temporário), e de outro, exigem a

realização de seleção por meio de provas ou de provas e títulos, sempre de acordo com a

natureza e a complexidade das atribuições e requisitos do cargo.

Atendem, a uma só vez, os princípios constitucionais da Impessoalidade e

da Eficiência.

Pode se compreender, inclusive, que, sob a ótica do Princípio da Unidade da

Constituição, de que a Carta Magna deve ser “compreendida como um todo unitário e

harmônico, desprovido de antinomias reais”7, os institutos do Concurso Público e do

Processo Seletivo Público são, em verdade, sinônimos: não há como distinguir um instituto

unicamente por seu nomem juris, mormente quando seus objetivos e requisitos são os

mesmos.

Deste modo, além de inadmissível a contratação de agentes comunitários de

saúde e de agentes de endemias por processo seletivo simplificado, inexistindo qualquer

notícia de surto ou urgência epidêmica que justifique a excepcionalidade da medida, o

meio adequado de admissão dos referidos cargos seria por concurso público, assim como

dos demais cargos cuja a necessidade, comprovou-se, é permanente.

Ainda que não seja esse o entendimento do julgador, tem-se por necessário

que o processo seletivo realizado para os referidos cargos possua a rigidez mínima prevista

na Constituição, realizando-se provas para avaliação da capacidade técnica dos candidatos

e até mesmo a avaliação de seus títulos, não sendo possível tão somente análise de

currículos e entrevista com caráter completamente subjetivo, como previu o Processo

Seletivo nº 01/2017.

7 MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Salvador, BA: Editora Juspodivm, 2014, p. 59.

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Por todo o exposto, e diante das provas juntadas aos autos, constata-se que a

realização do processo seletivo simplificado para os cargos pretendidos pelo Município de

Ielmo Marinho/RN, além de não se fundamentar em nenhuma lei local que autorize a

excepcional utilização deste regime, também não atende aos pressupostos básicos para sua

realização, estando por isso eivado do vício da nulidade, conforme preceitua o art. 37, §2º

da Constituição da República.

Na verdade, o instituto excepcional constitucionalmente previsto foi

utilizado tão somente para burlar o dever dos gestores municipais de realizar o devido

concurso público, utilizando-se dos cargos ofertados como meio de barganha política ou

favorecimento de pessoas específicas, com afronta até mesmo aos requisitos básicos de

qualquer seleção, violando-se também o Princípio da Impessoalidade.

Cumpre ressaltar que não há óbices efetivos à realização de concurso

público para os cargos cuja necessidade é permanente, como os citados acima, existindo

sua criação legal, e até mesmo recursos para sua manutenção, considerando que servidores

são contratados de forma “temporária” a pelo menos 3 (três) anos.

3.3. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

Além de todo o delineamento constitucional traçado para a configuração do

regime especial de contratação temporária, a Carta Magna trouxe ainda as condições de

acesso aos cargos públicos, com enfoque não só nos princípios da Administração Pública

mas também nos direitos fundamentais de cada indivíduo. Nos termos de seu artigo 5º,

caput, a Constituição da República garante a todos a isonomia perante a lei e, de forma

específica, determina também a igualdade de condições a todos para acesso aos cargos

públicos, conforme art. 37, I:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes: (…)

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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aosprincípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de1998)I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros quepreencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, naforma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Os objetivos das normas constitucionais supracitadas visam a possibilitar a

todos, em igualdade de condições, disputar os cargos e empregos públicos, motivo pelo

qual compete a Administração tratar a todos os candidatos com impessoalidade e isonomia,

dispensando o mesmo tratamento sem qualquer privilégio ou discriminação.

Nunca é demais frisar que a regra de admissão ao serviço público é a

seleção realizada por meio de concurso público, nos termos do art. 37, II, da

Constituição, que, contendo requisitos específicos (“de provas ou de provas e títulos, de

acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”),

possui rígidas regras para a escolha do candidato mais qualificado, tendo por fundamento a

garantia da impessoalidade.

Apesar de o regime de contratação temporária ser admitido no ordenamento

jurídico como forma excepcional de contratação direta de servidores, desde que

configurados os pressupostos previstos na CR, a contratação deve ser precedida de

realização de seleção pública simplificada, visando ao atendimento dos princípios regentes

da Administração Pública, notadamente a impessoalidade, a moralidade e a eficiência.

Apesar de não se revestir de todas as etapas e peculiaridades inerentes ao

concurso público, o processo seletivo não pode se afastar da necessidade de observância do

ordenamento constitucional vigente, sendo fundamental o estabelecimento de regras

prévias e claras discriminando a forma como se dará a disputa entre candidatos, com

critérios objetivos, sob pena de nulidade por violação da impessoalidade. Este, aliás, é o

posicionamento da jurisprudência pátria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR– REQUISITOS PRESENTES -CONTRATO TEMPORÁRIO – PROCESSO

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SELETIVO – SUPOSTA PRÁTICA DE NEPOTISMO – NÃOCONFIGURAÇÃO. – A liminar em Mandado de Segurança, nos termos do art.7º, inc. III, da Lei Federal nº 12.016/09, deve ser concedida quando houverdemonstração de fundamento relevante e quando o ato impugnado puder resultarem ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança pleiteada ao final. -Observada que as contratações da agravante se deram por meio deprocessos seletivos simplificados, considerando requisitos objetivos para asua classificação, bem como para sua contratação e, observando osprincípios constitucionais da moralidade administrativa, da impessoalidadee da igualdade, a principio, não há o que se falar na prática de nepotismo(TJ-MG - AI: 10132130005532001 MG , Relator: Dárcio Lopardi Mendes, Datade Julgamento: 08/08/2013, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data dePublicação: 14/08/2013)

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXONERAÇÃO.INAPLICABILIDADE DA LEI MUNICIPAL N. 4.513/2006 (LEI DONEPOTISMO) E DA SÚMULA VINCULANTE N.13 DO STF. ILEGALIDADEDOS MOTIVOS QUE ENSEJARAM OS DECRETOS EXONERATÓRIOS.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Percebe-se que quatro apelantes nãosão cônjuges, companheiras ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade,até o terceiro grau, inclusive, do Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores e agentespolíticos municipais ou equiparados, ou de servidores investidos em cargos dedireção ou assessoramento, da Administração Pública Municipal. O fato depossuírem parentes exercentes das funções de professores e agente deserviços gerais, contratados por meio de processos seletivos simplificados,não acarreta, imediatamente, qualquer impedimento na ocupação doscargos de provimento em comissão que exerciam. (TJ-SC - MS: 71058 SC2008.007105-8, Relator: Ricardo Roesler, Data de Julgamento: 20/02/2009,Segunda Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível emMandado de Segurança n. , de São José)

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. APELAÇÃO CÍVEL.MARINHA DO BRASIL. PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO.CONTRATAÇÃO DE VOLUNTÁRIOS PARA A ÁREA DE APOIO À SAÚDE.EDITAL Nº 01/2009 DO COMANDO DO 8º DISTRITO NAVAL. CRITÉRIOSSUBJETIVOS DE AVALIAÇÃO. VIOLAÇÃO AOS PRIMADOS REGENTESDA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NULIDADE CONFIGURADA.APELAÇÃO DA UNIÃO DESPROVIDA.I. A sentença proferida em sede de ação civil pública somente se submete aoduplo grau obrigatório quando define pela carência ou improcedência dademanda, abarcada a parcial procedência, nos termos do artigo 19 da Lei nº4.717/1965. In casu, ainda que considerada a possibilidade de aplicaçãosubsidiária do artigo 475 do CPC/1973, vigente à época da prolação do decisumrecorrido, para o escopo de admissão da remessa oficial, verifica-se ter sidoatribuído à causa o valor de R$100,00 e condenada a União ao pagamento dehonorários advocatícios no montante de R$500,00, situação que tampouco éhábil a submeter o feito ao reexame necessário, pois não preenchidos osrequisitos do § 2º do citado dispositivo. Aferido que o provimento recorrido foide integral procedência da demanda, ainda que contra a União, e considerados ovalor da causa e a quantia condenatória imposta, torna-se imperativo nãoconhecer do reexame necessário.II. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União,com pedido liminar, a qual objetiva a anulação do processo seletivo de Oficiais

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da 2ª Classe da Reserva, previsto no Edital nº 01/2009 do Comando do 8ºDistrito Naval da Marinha - vagas para a área de saúde -, pois os critérios deseleção e forma de avaliação seriam puramente subjetivos, revestidos decaráter vago, daí a derivar violação ao ordenamento jurídico pátrio,precipuamente aos princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia,moralidade e indisponibilidade do interesse público (artigo 37 da CF).III. As Forças Armadas, compostas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica,configuram instituição de caráter nacional, permanente e regular, com regimejurídico-funcional próprio, sem paralelo em outro ramo do Direito, fundadoprecipuamente na hierarquia e na disciplina. Seus integrantes estão subordinadosa um conjunto diferenciado de deveres e obrigações, sob a autoridade suprema doPresidente da República, porquanto sua função, preceituada em nosso diplomaconstitucional e correlata regulamentação legal, é zelar pela segurança do Estado,no âmbito interno e externo, garantidos a preservação da soberania e integridadenacionais, os poderes constitucionais, a lei e a ordem.IV. Aos militares são plenamente aplicáveis os princípios gerais da administraçãopública, pois a EC nº 18/1998, ao conferir às Forças Armadas regênciadiferenciada, não retirou dos militares a qualidade ontológica de servidorespúblicos, de forma que devem também observá-los.

V. O magistrado não pode se substituir ao administrador e interferir na valoraçãoadministrativa, mas a ele cabe controlar a legalidade das escolhas do agentepúblico. O ato administrativo não pode desbordar dos limites da lei, regras eprincípios, sob pena de inquinar de ilegitimidade a conduta praticada.VI. O edital sub judice é nulo, posto eivado pela subjetividade, por terconferido à Comissão Examinadora autoridade irrestrita de julgamento,sem critérios que pudessem ser aferidos de modo objetivo, o que refoge àpreservação do interesse público e revela arbitrariedade e abuso do poderdiscricionário, a violar os primados regentes da administração pública,precipuamente os contidos no artigo 37 da CF/88. VIII. Há disposiçãonormativa expressa quanto à necessidade de ser realizada prova escrita como fasedo processo seletivo, consoante o preceituado pelo artigo 4º do Decreto nº4.748/2003, teor regulamentar que não ultrapassa os ditames da lei, ao revés,confere-lhe maior eficácia, em especial quanto à salvaguarda dos valores eleitospelo constituinte, além de se amoldar aos entendimentos doutrinários ejurisprudenciais consolidados sobre a quaestio. IX. O edital de fato contemplacritérios subjetivos de julgamento, em especial quando algumas matérias decunho claramente objetivo seriam avaliadas por meio de "entrevista", comodomínio de linguagem técnica, cultura geral e compreensão de conceitosatrelados à atividade militar. Dito modo de avaliação escapa a qualquercontrole de legalidade e até mesmo vedaria ao candidato o exercício deefetiva ampla defesa e contraditório administrativo no caso da interposiçãode recurso, se eventualmente reprovado. Além disso, algumas fasescontemplam a identificação obrigatória do candidato, como a de análisebiográfica, o que revela afronta ao princípio da impessoalidade, posto quedesnecessária para ser efetivado o exame de tais dados. X. Procedência do pedidodo Parquet Federal, julgada procedente a ação para o fim de ser declarada anulidade do Edital nº 01/2009 do Comando do 8º Distrito Naval da Marinha e,por consequência, do processo seletivo realizado, vedado o ingresso devoluntários temporários na Marinha que tenham dele participado. XI. Reexamenecessário não conhecido e apelação da União desprovida.

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(TRF 3, Apelação/Remessa Necessária nº 00150592720094036100-SP, QuartaTurma, Rel. Des. Federal André Nabarreta, Julgamento: 27/10/2016, Publicação:e-DJF3 Judicial 1, 20/12/2016).

ADMINISTRATIVO. PROCESSO SELETIVO. DENTISTA. 11ª REGIÃOMILITAR. REPROVAÇÃO ENTREVISTA. FALTA DE CRITÉRIOSOBJETIVOS PARA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. PREVISÃO DEENTREVISTA DE CARÁTER APENAS CLASSIFICATÓRIO, NÃOELIMINATÓRIO. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. SENTENÇAREFORMADA.I - Não há impossibilidade jurídica do pedido ao fundamento de que o PoderJudiciário não poderia decidir questões concernentes ao mérito administrativo,uma vez que, na hipótese de flagrante ilegalidade envolvendo etapa de concursopúblico, tem-se admitido a intervenção judicial por ofensa ao princípio dalegalidade.II - "Embora seja possível se exigir, como requisito para a investidura emdeterminados cargos públicos, a aprovação do candidato em exame psicotécnico,é necessário, além da previsão em lei, que a avaliação se dê mediante critérioscientificamente objetivos, bem como é vedado o caráter sigiloso e irrecorrível doteste" (RESP Nº 499522/CE, Rel. Min. Félix Fisher, DJ de 16/06/2003, p. 403), oque não se deu na espécie.III - Ausência no edital do certame de critérios objetivos é vicio que possuicondão de anular "entrevista".IV - Ademais, a candidata que não poderia ter sido eliminada em razão deentrevista prevista no edital como de caráter classificatório e não eliminatório.V - Recurso da apelanteprovido, para anular o ato administrativo que a eliminoudo processo seletivo.(TRF 1, Apelação Cível 0011112-97.2011.4.01.3400, Sexta Turma, Rel. Des.Federal Jirair Aram Meguerian. Julg. 14/09/15, 16/10/2015 e-DJF1, p. 3683)

Deste modo, como garantia da igualdade de condições entre os

participantes, tem-se a necessidade de definição de regras através de Edital, o qual será

amplamente divulgado, a fim de que os interessados as conheçam e se conduzam de acordo

com elas. Por essa razão, o Edital é o instrumento para realizar qualquer certame,

vinculando à Administração Pública, assim também os particulares envolvidos, razão pela

qual é vedado a qualquer das partes agir em descompasso com as regras nele insertas,

posto que ali estão contidos os direitos e deveres dos participantes, os quais deverão ser

rigorosamente observados, sob pena de nulidade.

Analisando o teor das denúncias, verifica-se que a impessoalidade passou

longe de ser observada no Processo Seletivo nº 01/2017 da Prefeitura de Ielmo

Marinho/RN. Logo de início, verifica-se que o edital publicado em Diário Oficial e

disponibilizado aos candidatos, juntado a fls. 5-11, é diverso do edital encaminhado pelo

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Município em resposta à requisição ministerial (fls. 22-38), notadamente considerando que

aquele não possui qualquer subdivisão de itens.

Apenas esse “mero detalhe” já atenta quanto às condições de concorrência,

visto que ao ser desclassificado com base no item “a” ou “b” do instrumento convocatório,

o candidato sequer saberá o motivo de tal decisão, conforme relatado em depoimento

tomado nesta Promotoria (fls. 13).

Além disso, o edital impõe discrímem no reconhecimento de títulos

relacionados ao aperfeiçoamento funcional (item 6.4.1) durante a etapa de análise de

currículos sem que haja qualquer fundamento para a distinção, privilegiando alguns

participantes em detrimento de outros.

Note-se ainda que, estando dividido em duas etapas de caráter eliminatório e

classificatório, e mesmo tendo por objetivo selecionar o candidato mais capacitado para o

exercício da função pública, o Processo Seletivo do município de Ielmo Marinho/RN

previu que a análise de currículos, que teoricamente avaliaria sua qualificação técnica,

levaria o candidato a alcançar somente 100 (cem) pontos (fls. 28), sendo que o peso da

entrevista, concernente à segunda etapa da seleção seria de 200 (duzentos) pontos.

Sem entrar no mérito administrativo, não se pode negar que conferir maior

peso avaliativo à etapa mais frágil do processo seletivo, é um atentado claro e notório à

impessoalidade e isonomia do certame!

Não bastasse a discrepância entre as notas de cada etapa, o que se percebe

no edital do Processo Seletivo nº 01/2017 é a completa ausência de critérios para a

avaliação do candidato na etapa de entrevistas. Apesar de o Município ter alegado a

existência de critérios objetivos, o Edital não lista uma modalidade sequer de competência

a ser avaliada durante a segunda etapa, limitando-se a informar que seriam avaliados

“aspectos interpessoais, cognitivos e de conhecimentos gerais sobre o cargo”, sendo

conferida uma geral de até 200 (duzentos) pontos.

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Ainda que fossem esses os critérios estabelecidos pelo Município para

avaliar os candidatos, verifica-se que estão eivados de nulidade por apresentar viés

completamente subjetivo, sem sequer ser especificada a nota conferida a cada um dos

aspectos listados.

Não é demais destacar que a avaliação de aspectos cognitivos e

conhecimentos sobre o cargo, por exemplo, são aspectos que podem e devem ser avaliados

por meio de prova escrita e com critérios técnicos objetivos, sendo inaceitável que

fiquem sob a análise subjetiva de terceiro – inclusive que sequer compõe a Administração

em caráter definitivo! Entender de forma diversa, implica em violar o princípio da

legalidade, o disposto nos arts. 5º e 37, I, da CR/88, e até mesmo o princípio da eficiência,

visto que a seleção de candidatos mais qualificados para os cargos fica completamente

prejudicada e viciada.

A ausência de critérios objetivos para a avaliação dos candidatos no edital é

condição suficientemente apta à anulação do processo seletivo, considerando que deixa

margem de discricionariedade, com discriminações ou privilégios, de acordo com a

vontade do avaliador, deixando os candidatos em situação de surpresa quando da

participação da etapa. Neste sentido, os Tribunais brasileiros assim se posicionam:

Apesar de o gestor ter juntado aos autos formulários que teoricamente foram

utilizados na avaliação durante a entrevista (fls. 64-81), com algumas competências, tais

critérios específicos foram estabelecidos ao bel prazer da Administração, sem qualquer

divulgação prévia, ferindo a igualdade de condições e a transparência do processo seletivo,

já que nenhum dos candidatos sabia a forma que seria avaliado.

Até mesmo os critérios extemporâneos criados pelo Município somente

após as inscrições dos candidatos não se coadunam com as possíveis competências listadas

como alvo de avaliação, já que todos os itens da coluna “competência” dizem respeito a

questões de relacionamento interpessoal não sendo aptas, frise-se novamente, a avaliar

aspectos cognitivos e de conhecimento sobre o cargo.

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Cumpre observar que até mesmo a autenticidade dos referidos documentos,

juntados pelo próprio Município, deve ser amplamente questionada, visto que não

identifica corretamente o entrevistador ou mesmo sua qualificação técnica para a avaliação

dos aspectos apontados, contendo-se somente uma assinatura ilegível.

Além disso é de causar no mínimo estranheza que o Município tenha

juntado aos autos formulários nos quais já existe assinatura do entrevistador e

pontuação definida, mesmo não sendo possível identificar corretamente o nome do

candidato avaliado, conforme documentos juntados às fls. 64-67, tendo sido denunciado

que os melhores colocados na análise de currículos foram desclassificados na segunda fase

(fls. 46).

Retornando à análise do teor do edital, verifica-se que, conforme afirmado

nas denúncias recebidas, não existe previsão de recurso para os resultados da primeira

etapa do processo seletivo (item 8 – fls. 31-32). Ora, conforme já explicitado, a avaliação

curricular é a etapa mais importante do processo seletivo nos moldes (equivocados) em que

foi apresentado, tendo caráter classificatório e impedindo o acesso do candidato à etapa

seguinte.

Apesar da existência de algumas retificações sobre este ponto do edital (fls.

39-40), inclusive com a alteração do calendário de etapas do concurso após o término das

inscrições (02 e 03/03/17), e disponibilização tardia do formulário recursal, somente em

17/03/2017, não foi oportunizado aos candidatos o direito de impugnarem suas avaliações

e classificações após a análise de currículos.

Assim, o direito recursal somente foi disponibilizado aos candidatos após a

divulgação do resultado final, violando-se completamente o princípio do devido processo

legal administrativo, e consequentemente os postulados do contraditório e ampla defesa,

nos termos do art. 5º, LV, da Constituição da República, e em conformidade com o

entendimento da jurisprudência pátria:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO.PRATICANTE DE PRÁTICO. AVALIAÇÃO DA PROVA PRÁTICO-ORAL.

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AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO NO EDITAL.CERCEAMENTO DE DEFESA.1. É fundamental proporcionar ao candidato, não só o acesso à motivaçãoexpressa da banca examinadora, bem como a oportunidade de demonstrarseu inconformismo com os resultados obtidos, mediante recurso próprio, eisque vão de encontro ao seu interesse.2. Ofende frontalmente os princípios do contraditório e da ampla defesaimpossibilitar ao candidato a interpor recurso após divulgação da nota.3. Os concursos públicos envolvem aspectos de discricionariedade e vinculação,e qualquer violação ao direito deve ser proclamada em sede administrativa oujudicial. E por afronta ao direito entenda-se ofensa ao regime jurídico dosconcursos públicos, consubstanciado em princípios e regras.4. Os poderes exercidos pelo administrador público devem obedecer às regras dosistema jurídico vigente, não podendo a autoridade extrapolar os limitesdeterminados pela lei à sua atividade, sob pena de ilegalidade.5. A falta de previsão de procedimento recursal contra as avaliações oraisofende os princípios do contraditório e da ampla defesa que, por suarelevância, são de observância obrigatória nos concursos públicos. Alémdisso, no edital, devem estar presentes todos os meios necessários aoadequado exercício dos direitos decorrentes desses princípios.

6. A impossibilidade ou inviabilidade de se recorrer administrativamente equivalea impedir que a própria Administração Pública revise um ato administrativoporventura ilícito. A realização do procedimento administrativo comoconcretização do princípio democrático e do princípio da legalidade fica tolhida,tendo em vista a natural dificuldade, para não dizer autocontenção, daAdministração em revisar seus próprios atos. ( ADI 1976, DJ 18.05.2007).7. Se o edital permite a interposição de recurso em outras etapas do certame, nãohá razão para impossibilitar o referido expediente na prova prático-oral, que,como é notório, é uma prova determinante, em que o candidato demonstrará suahabilidade e seus conhecimentos técnicos, e ficará ao arbítrio e subjetivismo doexaminador.8. In casu, o exercício da competência discricionária foi além dos limites, pois oAdministrador eximiu-se do controle de legalidade dos atos que expediu. Dentrodesse parâmetro, cabe ao Poder Judiciário examinar os critérios em que se baseoua autoridade administrativa para inviabilizar o cabimento de recurso na provaprático-oral do certame ora discutido.9. Agravo interno provido.(TRF 2, Agravo de Instrumento 201202010068087, Quinta Turma Especializada,Rel. Des. Federal GUILHERME DIEFENTHAELER, Julg. 13/11/12, Publ.18/12/12)

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO SELETIVO –TERMO DE ELIMINAÇÃO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE RECURSOADMINISTRATIVO – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA –SEGURANÇA CONCEDIDA. 1.A ausência de previsão editalícia acerca de recurso administrativo contradecisão que elimina candidato de processo seletivo afronta o princípio daampla defesa. 2. Segurança concedida.(TJ/ES, MS 00030166620158080024, Segundo Grupo de Câmaras CíveisReunidas, Rel. Des. Telemaco Antunes de Abreu Filho, Julg. 08/07/15,Publicação: 24/08/15)

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APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. PROCESSO SELETIVOEXTERNO Nº 001/2009. EXTENSIONISTA RURAL. ASCAR/RS -EMATER/RS. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIADE CRITÉRIOS OBJETIVOS. RECURSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIADE PREVISÃO NO EDITAL.1. No caso em apreço, o Edital de Abertura do Processo Seletivo Externo nº001/2009 não prevê a possibilidade de recurso administrativo para a etapada Avaliação Psicológica, o que configura violação aos princípios docontraditório, ampla defesa e publicidade dos atos administrativos, quedevem ser observados nos concursos públicos, assim como no processoseletivo em questão.2. Necessidade de submissão do candidato a outro teste psicológico, a serrealizado com base em dados objetivos e sujeito a revisão.3. Sentença de procedência na origem. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.(TJ/RS, Apelação Cível Nº 70057625196, Quarta Câmara Cível, Rel. EduardoUhlein, Julgamento: 17/09/2014).

Somente a inconstitucionalidade da escolha dos requisitos de seleção, com

clara violação à impessoalidade, moralidade, transparência e isonomia, atrelada às

inconsistências do teor do edital, com afronta também aos princípios do contraditório e

ampla defesa, seriam argumentos suficientes para a declaração de nulidade do Processo

Seletivo, e consequentemente das nomeações realizadas com base nele, porém as

discriminações, favorecimentos e privilégios na condução do certame não pararam nesta

etapa.

Durante o processo de inscrição, foram constatadas diversas irregularidades,

demonstrando favorecimento de candidatos em detrimento de outros. Conforme

depoimentos colhidos (fls. 13, 44 e Notícia de Fato nº 118.2017.001276), o anexo II do

edital, referente à existência de cumulação de cargos públicos (fls. 36), não foi entregue a

todos os candidatos. Além disso, e em situação ainda mais grave de direcionamento, houve

autorização para alguns candidatos específicos juntarem documentos após entrega do

envelope, que deveria estar lacrado.

Pelas provas juntadas, e ainda se considerando a ausência de requisitos para

a avaliação da segunda fase do processo seletivo, nota-se que a escolha dos candidatos

passou longe da impessoalidade exigida ao Poder Público, os meios e formas de influenciar

no resultado final foram diversos, viciando por completo a escolha dos servidores.

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Resta por demais evidenciado, pelos fatos acima relatados, que o princípio

do amplo acesso aos cargos públicos, o qual obriga a Administração a garantir condições

equânimes para a inscrição de todos os que pretenderem concorrer, sob pena de inviabilizar

a regular competição, e, assim, frustrar os objetivos constitucionais, foi malferido, razão

porque não pode prosperar o resultado da seleção efetuada com violação às normas

constitucionais.

Deste modo, tem-se por fundamental a intervenção do Poder Judiciário no

sentido de tornar nulo e sem efeito o certame diante das patentes ilegalidades do Processo

Seletivo nº 01/2017 realizado pelo Município requerido, apresentando-se como verdadeira

simulação de regularidade para burlar a exigência de concurso público e ainda favorecer

candidatos específicos, diante dos favorecimentos constatados e da ausência de requisitos

objetivos de seleção.

4. DO PEDIDO LIMINAR

Diante dos argumentos apresentados, conclui-se pela ilegalidade evidente

que se encontra no Processo Seletivo nº 01/2017.

No caso em tela, depreende-se que se encontram presentes os requisitos

necessários à concessão de medida liminar, na forma do art. 12 da Lei 7.347/85, sem que

seja necessária justificação prévia.

Com efeito, a plausibilidade do direito invocado, qual seja, o "fumus boni

iuris", está plenamente evidenciado pela flagrante desobediência às referidas normas

constitucionais e infraconstitucionais, notadamente a ausência dos pressupostos necessários

à contratação temporária assim como da violação dos princípios da legalidade e da

impessoalidade no curso da seleção, sendo a nulidade o efeito legalmente previsto pelo

descumprimento das normas, nos termos do art. 37, §2º da CR/88.

Apesar de ter recebido a Recomendação Ministerial expedida para alertá-lo

da necessidade de anulação do certame, o Prefeito Municipal, descumpriu,

deliberadamente, tanto seu dever legal quanto a orientação recebida, efetivando nomeações

baseadas em procedimento de seleção flagrantemente inconstitucional.

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Por outro lado, resta patente o requisito do "periculum in mora", já que a

permanência desta situação poderá gerar lesões graves e de difícil reparação à correta

gestão dos interesses públicos, considerando que as provas juntadas demonstram a

existência de favorecimento de candidatos, com verdadeira burla ao dever de realização do

concurso público, sendo necessário também avaliar a questão do dano atrelado à dimensão

temporal do processo, agravado com a permanência dos aprovados sem qualquer base legal

plausível.

Pelo exposto, presentes os requisitos necessários, requer o MINISTÉRIO

PUBLICO seja concedida medida liminar, determinando-se:

a) a imediata nulidade do Processo Seletivo nº 01/2017, realizado pelo Município de Ielmo

Marinho/RN, com a consequente anulação das nomeações dele decorrentes, diante da

violação das normas constitucionais necessárias à realização de contratação temporária, nos

termos do art. 37, §2º da CR/88;

b) efetivando-se o pedido anterior, que seja determinada a manutenção dos serviços

públicos relacionados às contratações anuladas, evitando-se a descontinuidade dos

atendimentos das áreas de saúde e assistência social, sendo tomadas as medidas

administrativas necessárias e lícitas enquanto não deflagrado novo processo seletivo, desta

feita em conformidade com os pressupostos constitucionais, ou ainda a realização de

concurso público, medida mais adequada ao provimento dos cargos de caráter permanente,

nos termos do art. 37, II da Constituição da República.

Se o demandado não adotar estas medidas no prazo de 5 (cinco) dias, a

contar da intimação da liminar, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO seja compelido a arcar

com multa cominatória diária de R$ 1.000.00 (um mil reais), nos termos do § 2º do art. 12

da Lei nº 7.347/85 e arts. 536 e 537 do Novo Código de Processo Civil, multa a ser

aplicada em caráter pessoal8 ao Prefeito de Ielmo Marinho/RN.

8 Sobre multa pessoal aos Gestores Públicos, a doutrina do mestre HUGO DE BRITO MACHADO (Descumprimento deDecisão Judicial e Responsabilidade Pessoal do Agente Publico in Revista Dialética de Direito Tributário n. 86, p. 50usque 59, Oliveira Rocha, São Paulo, 2002), defende que quando seja parte no processo a Fazenda Pública, ou uma outrapessoa jurídica, a multa prevista no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, deve ser aplicada àquele quea corporifica, ao agente público, ao dirigente ou representante da pessoa jurídica ao qual caiba a conduta a ser adotada emcumprimento da decisão judicial. “Não é razoável”, diz o mestre, “sustentar-se, que, sendo o Estado responsável pelaprestação jurisdicional, cuja presteza lhe cabe preservar, tutelando e defendendo o interesse público primário, possa elepróprio, cometer um ato atentatório a dignidade da jurisdição. Quem comete esse ato na verdade é o servidor públicoque não está realmente preparado para o desempenho de suas atribuições em um Estado de Direito. A esse, portanto,

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5. DAS CONCLUSÕES E REQUERIMENTOS.

ISTO POSTO, requer o Ministério Público:

a) a concessão de medida liminar, após a ouvida do ente

público ora demandado, no prazo de 72 horas, nos termos do

artigo 1.º da Lei n.º 9.494, de 10.09.97 em combinação com o

artigo 2.º da Lei n.º 8.437/92, para que seja expedido

MANDADO LIMINAR, na forma especificada no item “4”

supra;

b) após deferida a liminar e no respectivo mandado, seja

citado o ente público ora demandado, na pessoa de seu

representante legal, para contestar a presente no prazo legal,

pena de revelia, confissão da matéria de fato e julgamento

antecipado, imprimindo-se ao feito o rito ordinário previsto

no Novo Código de Processo Civil;

c) ao final, seja julgado procedente o pedido mediato em

seu mérito, confirmando-se a liminar deferida,

determinando-se em definitivo a nulidade do Processo

Seletivo nº 001/2017 do Município de Ielmo Marinho/RN e

condenando-se o requerido à realização de Processo Seletivo

regular para os cargos das áreas de Saúde e Assistência Social

efetivamente temporários, bem como a realização de

Concurso Público Municipal para os cargos de natureza

permanente, nos termos do art. 37, II e IX da Constituição da

República/1988.

cabe suportar a sanção correspondente.”

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Protesta provar o alegado pelos meios de prova regularmente admitidas em

direito, notadamente através de documentos, perícias, testemunhas e depoimento pessoal

do representante legal do requerido.

Ação isenta de custas e emolumentos, na forma do art. 141, §2.º da Lei

8.069/90. Não obstante, dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Termos em que pede deferimento.

Macaíba, 23 de agosto de 2017.

Morton Luiz Faria de MedeirosPromotor de Justiça

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