29/10/2013 direito de superfÍcie e sua funÇÃo social

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___________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________1 Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner 29/10/2013 DIREITO DE SUPERFÍCIE E SUA FUNÇÃO SOCIAL 1. BOSQUEJO HISTÓRICO O direito de superfície tem origem no direito romano. Ele consistia na “concessão, dada a particulares, do direito de usar o solo público com a possibilidade de, nele, realizar-se uma edificação e dela se desfrutar com exclusividade, sujeitando-se, em alguns casos, à obrigação de se efetuar determinado pagamento. Tinha, então, forma assemelhada à enfiteuse, locação, compra e venda e, até, possivelmente, doação vitalícia intransferível” 1 . Dada sua utilidade e atendimento à função social da propriedade, o direito de superfície foi adotado por diversos ordenamentos jurídicos alienígenas, tais como da Bélgica, China, Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Áustria, Espanha e Inglaterra 2 . Em nosso ordenamento jurídico, o direito de superfície está regido pelo Código Civil e pela lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), “apesar de o art. 7º do Decreto-lei n. 271/67 ter disciplinado a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, onerosa ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social. Tratava-se do direito real relativo à concessão de uso de superfície bastante semelhante ao direito de superfície” 3 . Apesar das semelhanças que guardam referidos institutos, principalmente quando o direito de superfície é concedido com caráter puramente social, eles ainda assim não se confundem, pois o direito de superfície produz uma propriedade (da edificação ou da plantação) 1 AVAAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 220. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 4: direito das coisas. 24 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 483. 3 Ibid, p. 471 / 472.

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

29/10/2013 – DIREITO DE SUPERFÍCIE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

1. BOSQUEJO HISTÓRICO

O direito de superfície tem origem no direito romano. Ele consistia na “concessão, dada

a particulares, do direito de usar o solo público com a possibilidade de, nele, realizar-se uma

edificação e dela se desfrutar com exclusividade, sujeitando-se, em alguns casos, à obrigação

de se efetuar determinado pagamento. Tinha, então, forma assemelhada à enfiteuse, locação,

compra e venda e, até, possivelmente, doação vitalícia intransferível”1.

Dada sua utilidade e atendimento à função social da propriedade, o direito de superfície

foi adotado por diversos ordenamentos jurídicos alienígenas, tais como da Bélgica, China,

Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Áustria, Espanha e Inglaterra2.

Em nosso ordenamento jurídico, o direito de superfície está regido pelo Código Civil e

pela lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), “apesar de o art. 7º do Decreto-lei n. 271/67 ter

disciplinado a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, onerosa ou gratuita, por

tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins de urbanização,

industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social. Tratava-se

do direito real relativo à concessão de uso de superfície bastante semelhante ao direito de

superfície”3.

Apesar das semelhanças que guardam referidos institutos, principalmente quando o

direito de superfície é concedido com caráter puramente social, eles ainda assim não se

confundem, pois o direito de superfície produz uma propriedade (da edificação ou da plantação)

1 AVAAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense,

2012, p. 220. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 4: direito das coisas. 24 ed., São Paulo: Saraiva,

2009, p. 483. 3 Ibid, p. 471 / 472.

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distinta da propriedade do solo, caracterizando-se, assim, direitos reais autônomos. Ao direito

de superfície, inclusive, não se aplica o princípio da acessão.

2. PREVISÃO LEGAL

Há quem sustente que hoje o direito de superfície esteja regulado apenas pelo Código

Civil, pois este teria derrogado tacitamente os artigos da lei 10.257/2001, relativos ao tema,

dado que teria regulado inteiramente a matéria4.

Não é este, todavia, o entendimento predominante do tema. Para a maioria, o direito real

de superfície “encontra-se hoje regulado pela Lei n. 10.257/2001, arts. 21 a 24, e pelo Código

Civil nos arts. 1.225, II, 1.369 a 1.377 e 1.473, X”5.

Perscrutando o porquê da não ocorrência de derrogação da lei 10.257/2001, podemos

dizer que:

Apesar de incorporado ao Direito Brasileiro pelo art. 21 do Estatuto da

Cidade, o Código Civil prevê expressamente o direito de superfície no rol de

direitos reais, nos arts. 1.369 a 1.377. A partir de 11 de janeiro de 2003, as

legislações geral e especial iniciaram regime de coabitação. Não admitimos

aqui a aplicação da regra da lei de introdução, de acordo com a qual a lei

posterior revoga a lei interior [anterior], quando regula inteiramente a matéria

nela tratada.

A lei 10.257/01 é especial e a sua finalidade e essência são distintas do

modelo que agora é apresentado pelo Código Civil. O Estatuto da Cidade

regula a disciplina urbanística e deseja promover a função social da cidade,

tornando-a sustentável e dotada de condições dignas de vida. Já no Código

Civil o direito de superfície é um instrumento destinado a atender interesses e

necessidades privadas.6

4 AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 230. 5 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 475. 6 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 4 ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007,

p. 398 / 399.

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Corrobora a coexistência harmônica de ambas leis, sem derrogação da mais antiga, o

enunciado 93 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários –

CEJ do Conselho da Justiça Federal – CJF, nos seguintes termos:

Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície

não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da

Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de

desenvolvimento urbano.

Perora-se, portanto, que a aplicação da lei 10.257/2001 é destinada apenas a imóveis

urbanos, quando, necessariamente, da criação do direito de superfície há atendimento da

disciplina urbanística e promoção da função social da cidade.

Por exclusão, todos os demais casos serão obrigatoriamente regidos pelo Código Civil,

como, v.g., quando há interesses particulares, ainda que por concessão do próprio Poder

Público, ou se trate de imóvel rural.

3. CONCEITUAÇÃO

Sem grandes divergências a respeito do conceito de direito de superfície, a doutrina

afirma que “é o direito real autônomo, distinto do de propriedade, de construir ou plantar em

terreno alheio por prazo determinado”7.

Tal conceito foi nitidamente extraído apenas do Código Civil, pois considera que o prazo

tem de ser obrigatoriamente determinado. Vejamos:

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de

plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública

devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Veremos adiante que a lei 10.257/2001, por meio do artigo 21, prevê a possibilidade de

prazo determinado e indeterminado, gerando o conceito abaixo transcrito:

7 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 9 ed., São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2012, p. 1.230.

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O direito de superfície consiste na faculdade que o proprietário possui de

conceder a um terceiro, tido como superficiário, a propriedade das construções

e plantações que este efetue sobre ou sob o solo alheio (solo, subsolo ou espaço

aéreo de terreno), por tempo determinado ou sem prazo, desde que promova a

escritura pública no registro imobiliário.8

Por fim, como conceito mais preciso por nós encontrado é o de que “a superfície pode

ser simplesmente definida como o direito real de ter a coisa própria incorporada em terreno

alheio9.

4. OBJETO

Podem ser objeto do direito de superfície as edificações ou plantações que forem

promovidas no terreno pelo superficiário.

A partir daí, cria-se a discussão sobre a possibilidade ou não de o superficiário, com

autorização do proprietário concedente, poder edificar em regime de incorporação imobiliária

em solo alheio. A resposta nos parece clara no sentido de que não será possível assim proceder,

haja vista não poder o superficiário alienar propriedade que não lhe pertence (solo) juntamente

com as unidades autônomas.

De outra sorte, admite-se o direito de superfície por cisão. Apesar de o tema ser

controvertido, a III Jornada de Direito Civil assim publicou o enunciado 250: “Art. 1.369:

Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão”.

E o que significa direito de superfície por cisão? Significa cindir juridicamente o terreno

da edificação já a ele incorporada pela acessão, para que esta edificação (ou plantação) seja

dada a outrem em superfície, restando o terreno sob titularidade do primeiro. Retira-se aqui do

superficiário o dever de construir ou plantar, pois o proprietário concedente já lhe transferiu a

propriedade resolúvel apenas de parte daquela propriedade originária.

8 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 396. 9 ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos reais. 5 ed., Coimbra Editora, p. 525.

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Há ainda outra discussão a respeito do direito de o superficiário utilizar além do solo, o

subsolo e o espaço aéreo.

O Código Civil, no § único do artigo 1.369, diz que o direito de superfície não autoriza

obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

Já o § 1º do artigo 21 da lei 10.257/2001 diz que o direito de superfície abrange o direito

de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no

contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

Ora, deveria ser óbvio que o uso do subsolo e do espaço aéreo são sempre vinculados

ao objeto do negócio jurídico. Se se concedeu direito de superfície para a construção de

estacionamento subterrâneo ou para perfuração de poços artesianos, o uso do subsolo será

essencial. Igualmente, para se promover determinada plantação ou edificação, o espaço aéreo

correspondente deve ser assegurado ao superficiário. “Não há necessidade de se mencionar o

espaço aéreo [no instrumento translativo de propriedade superficiária] porque esta expressão

está visceralmente ligada à exploração do solo. E o subsolo depende do objeto do contrato.10”

Colaciona-se um exemplo de direito de superfície em que só se transfere a propriedade

superficiária do espaço aéreo: “a aquisição por condôminos da superfície do terreno vizinho,

com o fim de impedir qualquer edificação no imóvel contíguo acima de limites que inviabilizem

o sossego, privacidade e, mesmo, o campo visual dos superficiários”11.

5. CARACTERÍSTICOS

Igualmente a outros direitos reais, o direito de superfície gera oponibilidade erga omnes,

sequela e direito de preferência.

10 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 478. 11 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 402.

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5.1. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO SUPERFICIES SOLO CEDIT

Existe um princípio em direito – superficies solo cedit – que diz que os acessórios

seguem o principal. No caso, temos a regra de que o imóvel nu é o bem principal. As plantações

e construções, como regra, aderem à coisa principal, formando-se juridicamente um só bem,

pela chamada acessão.

Tal regra, porém, comporta exceções, como, inclusive, foi feito pelo artigo 94 do Código

Civil ao tratar das pertenças.

No caso de direito de superfície, a regra de que as edificações e plantações aderem ao

terreno não prosperam, como exceção ao princípio superficies solo cedit. Somente ao fim do

direito de superfície é que proprietário concedente terá as acessões incorporadas a seu terreno.

Quer dizer, a propriedade da edificação ou plantação é distinta da propriedade do solo.

Trata-se a superfície de propriedade resolúvel, que, quando finda, consolida os bens do

superficiário sob titularidade do proprietário do terreno, aí, sim, obedecendo ao princípio das

acessões. Podemos afirmar que:

Em princípio as construções e plantações são acessões contínuas,

caracterizadas por uma união exógena de coisas, por força da qual tudo o que

se planta ou constrói-se em solo alheio é de propriedade definitiva do dono do

solo. Trata-se do antigo princípio superfícies solo cedit. Esse princípio,

alinhavado no art. 1.255 do Código Civil, cederá no direito de superfície, pois

haverá a suspensão temporária dos efeitos da acessão, à medida que a

propriedade da construção ou plantação efetivada em solo alheio será daquele

que a realizou, permanecendo a propriedade do solo com o seu proprietário.

(...)

Há um fenômeno de superposição de duas propriedades distintas. Nesta

bipolarização da propriedade, o superficiário e o proprietário do solo atuam

em esferas distintas. Enquanto o superficiário adquire a propriedade resolúvel

das acessões (construções e plantações), o proprietário mantém a titularidade

sobre o solo. Ou seja, ao contrário da dogmática dos direitos reais tradicionais

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de fruição (v.g., enfiteuse, usufruto), não há um desdobramento dos poderes

dominiais, e sim a criação de duas propriedades autônomas.12

Fazemos ainda a seguinte indagação: “seria o direito real de superfície uma verdadeira

propriedade ou um direito real em coisa alheia? A resposta é: ambos”13.

E tanto a superfície é um direito real autônomo, ainda que inserto em coisa alheia, que

a III Jornada de Direito Civil assim publicou:

249 – Art. 1.369: A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto

de direitos reais de gozo e garantia, cujo prazo não exceda a duração da

concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.47414.

E também os artigos 1.473, X, do Código Civil, e o 22, IV, da lei 9.514/1997, cujos

incisos foram incluídos pela lei 11.481/2001, preveem de maneira expressa a possibilidade de

instituição de hipoteca e alienação fiduciária sobre a propriedade superficiária.

5.2. PRAZO

Aqui reside uma divergência em relação aos prazos do direito de superfície. Enquanto

o Código Civil fala em seu artigo 1.369 que o prazo será determinado, o artigo 21 da lei

10.257/2001 diz que o direito pode ser conferido por prazo determinado ou indeterminado.

Note-se que prazo indeterminado não quer dizer que o direito de superfície será perene.

Não se deve admitir a anulação dos efeitos da acessão, mas apenas sua suspensão.

Para os autores que defendem a derrogação da lei 10.257/2001, é claro, a duração do

direito de superfície somente poderá ser por prazo determinado. Mas, como já defendemos, para

cada situação, aplica-se uma lei. Portanto, para imóveis urbanos, quando, necessariamente, da

criação do direito de superfície há atendimento da disciplina urbanística e promoção da função

social da cidade, será aplicada a lei 10.257/2001, e, neste caso, a vigência poderá se dar por

prazo indeterminado ou determinado.

12 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 397 / 398. 13 Ibid, p. 399 / 400. 14 Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus

reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.

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Parece-nos muito claro como funciona o direito de superfície por prazo determinado.

Mas a pergunta que resta é: como desvanece o direito real de superfície de prazo indeterminado?

São diversas as formas de extinção do direito real de superfície, que serão abordadas em

subitem próprio. Quer-se saber, porém, em condições normais, sem a ocorrência de

transgressões legais ou convencionais, se seria possível e como seria o fim do direito resolúvel

de superfície.

Dizemos que o direito de superfície é forma de propriedade resolúvel, e, como tal, se

sujeita a alguma condição que a extingue, para consolidação do bem superficiário em nome do

proprietário concedente. E qual seria essa condição resolutiva?

Essa condição resolutiva é a simples denúncia do negócio jurídico, que o proprietário

concedente pode realizar judicial ou extrajudicialmente em face do superficiário. Trata-se de

direito potestativo do titular do solo.

É claro que a permissão irrestrita do exercício desse direito potestativo, sem se observar

a função social do contrato e os investimentos realizados por parte do superficiário, pode ser

obstada judicialmente. O parágrafo único do artigo 2.035 e o artigo 473 do Código Civil assim

dispõem:

Art. 2.035. (...)

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de

ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a

função social da propriedade e dos contratos.

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou

implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes

houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia

unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a

natureza e o vulto dos investimentos.

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Conclui-se, então, que deve “ser assegurado ao superficiário um prazo razoável para a

utilização do terreno, conforme o conteúdo da concessão”15, quando se tratar de concessão de

direito de superfície por prazo indeterminado.

5.3. PAGAMENTO

Os artigos 1.370 do Código Civil e 21, § 2º, da lei 10.257/2001, ditam a possibilidade

de o negócio ser realizado de maneira gratuita ou onerosa.

Se gratuita for a concessão do direito de superfície, a única contraprestação que receberá

o proprietário concedente será a edificação ou plantação ali realizadas, quando findo o direito

de propriedade superficiária.

Sendo onerosa, “o proprietário concedente (dono do solo ou fundieiro), havendo tal

convenção, passará a ter direito ao solarium ou cânon superficiário (remuneração periódica) e

nada obsta que haja previsão contratual de atualização monetária do valor das prestações

estipuladas”16.

Fica vedado ao proprietário concedente, porém, cobrar qualquer monta em caso de

alienação da propriedade superficiária, restando a ele apenas o direito de preferência, quando

se tratar de alienação onerosa.

O Código Civil veda tal cobrança, afastando o instituto da propriedade superficiária da

enfiteuse, em que o proprietário poderia cobrar laudêmio do enfiteuta.

Referida proibição está insculpida no § único do artigo 1.372 do Código Civil:

“Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela

transferência”.

Apesar de esta vedação estar encartada apenas no Código Civil, parece-nos

perfeitamente aplicável à lei 10.257/2001. O Código Civil trata principalmente de interesses

particulares e proíbe essa prática de cobrar laudêmio. Não haveria senso logico dentro do

15 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado, vol. IV, Direito das coisas. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2003, p. 219. 16 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 479.

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sistema jurídico permitir tal cobrança quando se tratar de direito de superfície de caráter social

e urbanístico.

5.4. FORMAS DE CONSTITUIÇÃO

Tanto o artigo 21 da lei 10.257/2001 quanto o artigo 1.369 do Código Civil são

categóricos ao prescreverem que o direito de superfície somente se constitui com o registro da

escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis competente.

A própria lei 6.015/1973 (LRP), por inclusão da lei 10.257/2001, traz em seu rol de atos

aptos ao registro o direito de superfície. Vejamos:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

I - o registro:

39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;

Reparem que o referido item 39 diz que a constituição do direito de superfície de imóvel

urbano se dá por meio do registro. Não se trata, então, de ato meramente declaratório, mas, sim,

constitutivo do próprio direito.

Acreditamos que em relação ao direito de superfície regulado pelo Código Civil,

idêntica regra se aplica, por se tratar de direito real, que já tem por regra a necessidade do

registro para sua constituição. Não encontramos subsídios minimamente sólidos para afirmar o

contrário, motivo pelo qual comungamos da necessidade do registro para constituição do

direito.

Assevera a doutrina que é também possível a instituição do direito de superfície por ato

testamentário. “A norma não proíbe a instituição do direito de superfície por ato mortis causa.

De sorte que, por testamento público, o direito real poderia ser instituído regularmente.17” Ou

seja; neste caso, o formal de partilha seria título hábil para registro no competente Cartório de

Registro de Imóveis.

17 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. cit., p. 1.231.

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5.5. FORMAS DE TRANSMISSÃO

Tanto o Código Civil (artigo 1.372) como a lei 10.257/2001 (artigo 21, §§ 4º e 5º)

dispõem sobre a possibilidade de transmissão da propriedade superficiária por ato inter vivos

ou causa mortis. E não apenas por herança se pode transferir por causa mortis, como também

por legado, ainda que os textos legais não sejam expressos nesse sentido.

Caso a transmissão do direito de superfície ocorra por causa mortis, os herdeiros ou

legatários ficarão sub-rogados no direito do de cujus, respeitando-se, inclusive, o prazo do

negócio jurídico. Se o de cujus já houvesse exercido 25 anos de propriedade superficiária em

negócio jurídico com prazo determinado de 30 anos, por exemplo, restaria aos herdeiros apenas

5 anos de propriedade superficiária.

Além disso, pelos artigos 1.373 do Código Civil e 22 da lei 10.257/2001, cabe o direito

de preferência, em igualdade de condições com terceiros, tanto ao proprietário concedente

quanto ao superficiário, quando qualquer dos dois alienar sua propriedade de forma onerosa.

Todavia, se a alienação ocorrer a título gratuito, não há como se conceber o direito de

preferência:

Aquele que preterir o direito de preferência do outro deverá pagar indenização

pelas perdas e danos e o preterido poderá depositar em juízo valor igual ao

pago pelo terceiro. Esse direito de preferência apenas poderá ser exercido em

caso de alienação onerosa, pois como poderia exigir, p. ex., o superficiário que

o dono lhe desse em doação o terreno que deseja doar a outrem, pois o doador

ao fazer uma liberalidade tem direito de escolher a pessoa beneficiária.18

5.6. FORMAS DE EXTINÇÃO

Extinto o direito de superfície, deve-se proceder à averbação na correspondente

matrícula, nos termos do artigo 167, II, item 20, da lei 6.015/1973.

18 DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 480.

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

As forma de extinção são as seguintes:

a) consolidação dos direitos de superfície e de propriedade do solo na mesma pessoa;

b) inadimplemento de obrigações contratuais ou legais pelo superficiário;

c) por destinação diversa da convencionada;

d) distrato;

e) renúncia do direito de superfície;

f) deixar o superficiário de usar o terreno no prazo convencionado;

g) pelo perecimento do terreno;

h) desapropriação;

i) término do prazo contratado; e

j) pela denúncia, no caso de direito de superfície por prazo indeterminado.

Relativamente à desapropriação, surgiu uma questão bastante interessante: para quem e

em que proporção a indenização deve ser paga?

O Código Civil dispõe a respeito:

Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de

desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor

correspondente ao direito real de cada um.

Está a dizer o Código Civil que o concedente receberá o preço do terreno nu e o

superficiário o valor das edificações (ou plantações). Mostra-se essa equação, porém,

absolutamente desproporcional.

Ilustramos a injustiça com o seguinte exemplo: concedido terreno para que o

superficiário erigisse prédio de alto valor, de 30 andares, com heliponto etc., e o prazo da

propriedade superficiária fosse de 50 anos. Decorridos 49 anos e 11 meses de exploração do

prédio pelo superficiário, o proprietário concedente (ou seu herdeiros) tem sua expectativa

quase consumada de ter aquela edificação para si, quando há a desapropriação.

Seria absurdamente injusta e desproporcional que a indenização pela desapropriação

fosse paga ao proprietário concedente o valor do terreno e ao superficiário o valor da edificação.

Interpretando o artigo de forma salutar, a IV Jornada de Direito Civil, por meio do enunciado

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

322, bem ponderou que “o momento da desapropriação e as condições da concessão

superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376),

constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário”.

5.7. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS

Incumbe ao superficiário o ônus de responder pelos encargos e tributos incidentes sobre

a propriedade superficiária. Na verdade, tal responsabilidade se justifica pelo fato de que o dono

do solo não aufere qualquer proveito pelo uso do terreno, sendo titular apenas da nua

propriedade. Conforme dispõem o artigo 21, §3º do Estatuto da Cidade e artigo 1.371 do Código

Civil.

Estatuto da Cidade:

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície

do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura

pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o

espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,

atendida a legislação urbanística.

§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.

§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos

que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda,

proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e

tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo

disposição em contrário do contrato respectivo.

Código Civil:

Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que

incidirem sobre o imóvel.

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

Vale ressaltar, que pode ocorrer, todavia, que o titular de direito de superfície ocupe

efetivamente apenas parte da propriedade. Nesse caso, arcará com os encargos e tributos

proporcionalmente à área que ocupar, evitando–se a sobrecarga de ônus relativa a terrenos não

utilizados, sendo totalmente possível as partes disponham diversamente no contrato. Tal

previsão, de pagamento proporcional está devidamente disposta no artigo 21, §3º do estatuto

da cidade. Cumpre frisar, que artigo 1.371 do Código Civil, não dispõem nada a este respeito.

5.7.1. INCIDÊNCIA DO ITBI NO DIREITO DE SUPERFÍCIE

Consoante redação do art. 1225, II do Código Civil, que trata sobre o rol taxativo, a

superfície constitui um direito real.

Dispõe o artigo 156, II da Constituição Federal:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,

exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”

(Destacamos)

Assim, tem-se pela leitura dos excertos em destaque que o direito de superfície é gerador

do ITBI – Imposto sobre transmissão “inter vivos”.

Questão que gera controvérsias é o fato gerador do aludido tributo: se no ato de lavratura

da escritura pública de constituição do direito de superfície, ou mediante o seu efetivo registro

na descrição tabular do imóvel.

Já é entendimento pacífico, tanto no Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto do STJ,

que a exação só é exigível mediante o registro imobiliário, independente da data em que foi

lavrada a escritura pública de constituição da superfície. Neste sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA ITBI Direito real de superfície Alegação de

violação de direito líquido e certo em razão da não incidência do tributo

Inocorrência - Fato gerador do imposto que se consubstancia no registro

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________15

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

imobiliário do título aquisitivo do direito, tendo por base de cálculo o valor da

transação. Incorreção não configurada - Inteligência do estatuído no artigo 38

do CTN e arts. 7º e 8º da Lei Municipal 11.154/91. Sentença que denegou a

ordem mantida Recurso improvido. (TJSP. AC 0186585-25.2007.8.26.0000 .

15ª Cam Direito Privado. Rel: Rezende Silveira. Data da Publicação:

30/07/2012).

AGRAVO DE INSTRUMENTO Mandado de segurança Decisão que recebe,

sem efeito suspensivo, apelação contra sentença denegatoria do mandado

Imposto sobre transmissão inter vivos de bens imoleis. Exação fundada em lei

editada após lavratura de escritura publica de concessão de direito real de

supeificie de imoveL Irrelevância. Fato gerador do tributo que se

consubstancia no registro do titulo aquisitivo do direito real Ausência de

"fumus bom iuris" e de "periculum in mora" Recurso desprovido. (TJSP. AC

0178270-42.2006.8.26.0000 . 14ª Cam Direito Privado. Rel: Geraldo Xavier.

Data da Publicação: 23/07/2007).

5.7.2. ITBI NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

Foi com a Lei Municipal nº 14.125/2005, mais especificamente em seu artigo 6º que a

legislação do município de São Paulo tratou expressamente da incidência do ITBI sobre o

direito de superfície, alterando a Lei 11.154/91, que tratava de forma mais genérica sobre a

matéria.

Este dispositivo legal supriu questionamentos específicos antes controvertidos, tais

como definição do sujeito passivo, e apuração da base de cálculo.

Atualmente, é o Decreto nº 51.627, de 13 de julho de 2010 que regulamenta a matéria.

Com relação ao sujeito passivo, assim dispõe:

“Art. 6º. São contribuintes do Imposto:

I - os adquirentes dos bens ou direitos transmitidos;

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________16

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

II - os cedentes, nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de

compra e venda;

III - os transmitentes, nas transmissões exclusivamente de direitos à aquisição

de bens imóveis, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a

compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento

mercantil;

IV - os superficiários e os cedentes, nas instituições e nas cessões do direito

de superfície.”

(Negritamos)

5.7.3. BASE DE CÁLCULO

Com relação a base de cálculo do ITBI no direito de superfície, prevê o artigo 38 do

Código Tributário Nacional: “ Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens

ou direitos transmitidos”.

Com relação ao Município de São Paulo, rezam os artigos 7 e 8º do Decreto

51.627/2010:

“Art. 7º. A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos

transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria

negociado à vista, em condições normais de mercado.

§ 1º. Na apuração do valor venal do bem transmitido ou do seu respectivo

direito, considera-se o valor das benfeitorias e construções nele

incorporadas.

§ 2º. Não serão abatidas do valor venal quaisquer dívidas que onerem o

imóvel transmitido.

§ 3º. Nas cessões de direitos à aquisição, o valor ainda não pago pelo cedente

será deduzido da base de cálculo.

§ 4º. Não se considera na apuração da base de cálculo do Imposto o valor

das benfeitorias e construções incorporadas ao bem imóvel pelo adquirente

ou cessionário, desde que comprovada, à Administração Tributária, na forma

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________17

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

e condições estabelecidas pela Secretaria Municipal de Finanças, que a

incorporação foi efetivada por tais agentes”.

“Art. 8º. A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores

venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do

Município de São Paulo.

§ 1º. A Secretaria Municipal de Finanças deverá estabelecer a forma de

publicação dos valores venais a que se refere o “caput” deste artigo.

§ 2º. Os valores venais dos imóveis serão atualizados periodicamente, de

forma a assegurar sua compatibilização com os valores praticados no

Município, através de pesquisa e coleta amostral permanente dos preços

correntes das transações e das ofertas à venda do mercado imobiliário,

inclusive com a participação da sociedade, representada no Conselho

Municipal de Valores Imobiliários.

§ 3º. Os valores venais dos imóveis a que se refere o “caput” deste artigo têm

presunção relativa e poderá ser afastada se:

I - o valor da transação for superior;

(Destacamos)

Ou seja, o valor considerado para fins de tributação será sempre o de maior valor.

Acaso o contribuinte discorde do valor venal determinado pela Municipalidade, poderá

requerer avaliação especial do imóvel, conforme previsão do art. 10º do mencionado Decreto:

“Art. 10. Caso não concorde com a base de cálculo do Imposto divulgada

pela Secretaria Municipal de Finanças, na conformidade do artigo 8º deste

regulamento, o contribuinte poderá requerer avaliação especial do imóvel,

apresentando os dados da transação e os fundamentos do pedido, na forma

estabelecida pela Secretaria Municipal de Finanças, que poderá, inclusive,

viabilizar a formulação do pedido por meio eletrônico”.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________18

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

5.7.4. ALÍQUOTA

A alíquota do ITBI será de 2% sobre o maior valor (operação ou venal), consoante

disposição do artigo 12 do citado Decreto:

Art. 12. O Imposto será calculado:

I - nas transmissões compreendidas no Sistema Financeiro de Habitação -

SFH, no Programa de Arrendamento Residencial - PAR e de Habitação de

Interesse Social – HIS, aplicando-se a alíquota de:

a) 0,5% (meio por cento) sobre o valor efetivamente financiado, até o limite

de R$ 42.800,00 (quarenta e dois mil e oitocentos reais);

b) 2% (dois por cento), sobre o valor restante.

II - nas demais transmissões, aplicando-se a alíquota de 2% (dois por cento).

6. COMPARATIVOS COM OUTROS DIREITOS

Já discutimos as particularidades do direito real de superfície. Agora vamos falar em

linhas gerais algumas diferenças com outros direitos.

6.1. LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO

Na locação e arrendamento, tem-se um direito pessoal, com caráter obrigacional, e o

pagamento do aluguel não gera direito de propriedade ao locatário, mas apenas o direito de

posse de imóvel alheio. Por este motivo, incabível seria, por exemplo, o locatário lograr

hipoteca ou alienação fiduciária do imóvel.

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________________________________________________________________________________________19

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

6.2. USUFRUTO

Já o usufruto é mais parecido com o direito de superfície, por ser igualmente direito real.

A maior diferença que encontramos é o quanto estatuído no artigo 1.393 do Código Civil:

“Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título

gratuito ou oneroso”.

Ou seja, o usufruto, como direito real, é personalíssimo. Ele não pode ser transferido

pelo usufrutuário. Este pode ceder apenas seu exercício, mas não o direito propriamente dito.

6.3. SERVIDÃO

Comparando-se com a servidão, “tem-se que esta é inalienável e pressupõe um ônus de

um prédio a outro, cujos proprietários são distintos (art. 1.378 do CC). Ou seja: o prédio

serviente é distinto do prédio dominante, sendo impraticável a superposição da servidão em um

só imóvel, ao contrário do que ocorre no direito de superfície.19”

6.4. DIREITO DE USO

Quando a concessão ocorre pelo Poder Público, nos moldes do decreto-lei 271/1967, é

transferido o direito real de uso resolúvel de coisa alheia, para que o concessionário possa usar

e gozar do bem, sem, contudo, o concedente perder sua propriedade. Nesse sentido, tudo o que

for edificado ou plantado no imóvel a ele será incorporado por acessão.

19 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 408 / 409.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________20

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

6.5. ENFITEUSE

Destaca-se que a partir da vigência do atual Código Civil novas enfiteuses não mais

podem ser criadas, exceto em terrenos de Marinha. E este instituto não se mostra adequado ao

cumprimento da função social da propriedade.

Uma das grandes diferenças entre a enfiteuse e o direito de superfície é que a primeira

era instituída em caráter perene. Já a superfície é geralmente feita por prazo determinado, e

quando não o é, pode ser denunciada pelo proprietário concedente.

A enfiteuse é onerosa (foro) e a cada transferência de titularidade do domínio útil, há

pagamento de laudêmio ao nu proprietário; enquanto no direito de superfície, pode ou não haver

pagamento (solarium), e não pode o proprietário concedente exigir pagamento de laudêmio em

transferências de titularidade: a ele cabe apenas o direito de preferência.

Sobre o laudêmio, pode-se afirmar que “trata-se de cobrança que estimula o parasitismo

e desafia a função social”20.

Outra curiosidade é o disposto no Código Civil de 1916:

Art. 693. Todos os aforamentos, inclusive os constituídos anteriormente a este

Código, salvo acordo entre as partes, são resgatáveis dez anos depois de

constituídos, mediante pagamento de um laudêmio, que será de dois e meio

por cento sobre o valor atual da propriedade plena, e de dez pensões anuais

pelo foreiro, que não poderá no seu contrato renunciar ao direito de resgate,

nem contrariar as disposições imperativas deste capítulo. (Redação dada pela

Lei nº 5.827, de 1972).

Percebemos que transpassado o prazo de 10 anos, facultava-se ao enfiteuta o direito de

adquirir a nua propriedade mediante pagamento de 10 foros e 1 laudêmio. Já no caso do direito

de superfície, o superficiário somente poderá adquirir a propriedade do terreno mediante

acordo, sendo a recíproca verdadeira durante a vigência do negócio jurídico.

20 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 410.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________21

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

7. DIREITOS ALIENÍGENAS

Como já dito anteriormente, o direito de superfície fora adotado por diversos países,

dentre os quais: Bélgica, China, Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Áustria, Espanha e

Inglaterra, além dos que serão abordados adiante.

7.1. ITÁLIA

Na Itália, “o Código Civil de 1942 consagrou o direito de superfície, limitando-o às

construções e proibindo que recaia sobre as plantações”21.

7.2. FRANÇA

Não consta de forma expressa o direito de superfície no Código Civil francês, mas ali

existem normas que permitiram à doutrina e à jurisprudência sua criação22.

7.3. PORTUGAL

O direito português admite o direito de superfície, de modo muito semelhante ao

tratamento conferido pela nossa legislação. Sobre o direito português podemos dizer que “o

direito de superfície é regulado pelo art. 1524 e ss., e a noção que a nossa lei dá desta figura é

a seguinte – “...consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporàriamente, uma

obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações”23.

21 AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 223. 22 AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 224. 23 MOREIRA, Álvaro; FRAGA, Carlos. Direitos reais – segundo as prelações do Prof. Doutor C. A. da Mota

Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-71. Coimbra: Livraria Almedina, p. 289.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________22

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

7.4. UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS

Na antiga URSS existiu há muitos anos o direito de superfície. Naquele ordenamento,

“o direito de superfície conferia a seu titular o uso de determinado terreno sob a condição de

nele levantar uma construção. Direito real na coisa alheia podia ser alienado, mas ao Estado se

reservava o poder de imitir-se na posse do bem, consolidando a propriedade, desde que pagasse

o valor da construção. O direito de superfície foi abolido em 1949.”24

8. USUCAPIÃO SUPERFICIÁRIA

Grande parte da doutrina pátria tem defendido a possibilidade do direito de superfície

ser adquirido também pela usucapião. Nos ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro25:

“Cumpre ressaltar, ainda, que alguém seja possuidor de boa-fé

e justo título embora tenha adotado as cautelas legais para a aquisição do

direito de superfície (vg., mediante contrato por instrumento público), pode

ocorrer que o título fosse eivado de nulidade, desconhecida do

adquirente(v.g., aquisição a non domino). Nada impede que o possuidor de

boa-fé venha, verificada a prescrição aquisitiva, a usucapir a superfície”.

Todavia, tal possibilidade tem sido ventilada apenas e tão somente em seara doutrinária,

eis que no ordenamento jurídico não há qualquer menção sobre tal possibilidade.

Na legislação alienígena, há a positivação deste instituto, a exemplo do BGB alemão,

que trata do assunto em seu parágrafo 900. Nas lições de Frederico Henrique Viegas Lima26:

24 GOMES, Orlando. Direitos reais. 16 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 411. 25 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Alguns Aspectos sobre o Novo Código Civil e o Urbanismo.Temas de

Direito Urbanístico 4. Imprensa Oficial, página 177. 26 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana –

Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 79.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________23

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

“A Usucapião é uma forma de aquisição do direito de superfície.

Caso exista um direito de superfície inscrito indevidamente por trinta anos ou

mais, o titular que, além da inscrição estiver na posse do imóvel por este

tempo portando-se como verdadeiro superficiário regularmente inscrito, o

adquirirá mediante usucapião tabular, em conformidade com o parágrafo

900 do BGB”.

8.1. PRAZO

Em decorrência da ausência de previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, com

relação ao prazo para declaração da usucapião, sugere-se a aplicação por analogia aos prazos

do artigo 1.379 do Código Civil, que regulamentam a usucapião da servidão, assim dispondo:

“Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma

servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o

interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-

lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o “possuidor não tiver título, o prazo

da usucapião será de vinte anos”.

Com relação ao termo inicial para a contagem do prazo, para o proprietário concedente,

apenas após o término do prazo do contrato de superfície inicia para ele o direito e dever do

exercício de sua pretensão reivindicatória ou reintegratória.

Assim, a contagem para a usucapião se inicia somente à partir da extinção do direito de

superfície.

Apesar da admissão do instituto da usucapião na propriedade superficiária pela doutrina,

na prática sua aplicabilidade se torna muito restrita, pois sua viabilidade se torna de difícil

visualização.

Com efeito, acaso determinada pessoa, desde que preencha os requisitos legais, ingresse

com a ação de usucapião, seria muito mais factível que o fizesse objetivando o domínio pleno

do imóvel, e não apenas a área objeto do direito de superfície, razão pela qual acreditamos não

existir previsão legal em nosso ordenamento pátrio.

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________________________________________________________________________________________24

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

9. FUNÇÃO SOCIAL

“A função social da propriedade não elimina o direito subjetivo do indivíduo, mas

procura conciliar o seu interesse com as necessidades da sociedade” (Hely Lopes Meirelles,

parecer ao CNDU sobre o PL 775, RDP 73/95).

A chamada função social, nada mais é do que um contraponto do direito individual e

absoluto do direito de propriedade, sendo moldada paulatinamente e vagarosamente, levando

em conta o influxo de ideias e ideais que passaram a identificar a importância do interesse

coletivo, voltando a atender as necessidades próprias dos aglomerados urbanos.

9.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A constituição de 1934, em seu artigo 113, n. 17, foi a primeira a consagrar o direito de

propriedade, vinculando-o ao cumprimento do interesse social ou coletivo. A constituição de

1946, já imprimia uma postura que estudiosos passaram a denominar de “relativização” da

propriedade privada por atender os interesses sociais, vinculados ao bem estar social,

promovendo à ideia de sua justa e igualitária distribuição, dando força a reforma agrária.

No entanto, com a edição da Carta de 1969, que consagrou a função social da

propriedade, como princípio maior de ordem econômica e social. Senão vejamos:

Artigo 160: A ordem econômica e social tem por fim realizar o

desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes

princípios:

(...)

III – a função social da propriedade

No que pese as tentativas anteriores, a efetiva construção das bases maiores da função

social da propriedade ocorreu apenas com a edição da Constituição de 1988. Assim, a função

social da propriedade, reconhecida em primeiro lugar no capítulo dos direitos fundamentais que

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________25

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

disciplina os direitos e garantias individuais e coletivos, foi concebida com grande força e

contundência:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e

na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme

os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III - função social da propriedade;

9.2. Natureza Jurídica da Função Social

A função social da propriedade é denominando, inicialmente, de princípio

constitucional, assim é tratado o artigo 5, XXIII e 170 da CF, ou seja, o legislador complementar

deve se submeter aos desígnios do princípio da função social, assim como o aplicador do direito.

Além de configurar como princípio jurídico, a função social da propriedade também

ostenta natureza regra jurídica, desde que positivada e materializada pelo diploma incumbido

de desenhar o modelo de organização urbana de cada local. O plano diretor de cada município

tem esta função, pois deve indicar o conteúdo da função social, atendendo as peculiaridades de

cada cidade e, atuando neste sentido, estará concretizando a regra jurídica da função social da

propriedade.

Cumpre frisar que a função social da propriedade enquanto regra jurídica, não carrega

a marca da socialização ou relativização da propriedade privada, mas traz o melhor sentido de

solidariedade, em que a população e os proprietários são chamados a colaborar para a solução

dos problemas gerais da cidade, facilitando o trabalho do Estado, propiciando alternativas de

desenvolvimento social e sustentável.

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________26

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

9.3. Função Social – Ordem econômica

Compondo capítulo de ordem econômica, a função social também é utilizada para

cumprir seu sentido econômico, ligado a propriedade, como fator propulsor de riquezas, que

pode exigir a intervenção do Estado para orientação e disciplina e de seu uso, controlando e

exigindo produtividade, sob pena de redistribuição agrária.

Por fim, a Constituição realiza a disciplina completa de política urbana, fixando seus

limites e seus padrões no artigo 182 da CF, vejamos:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público

municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar

de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para

cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política

de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano

diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa

indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para

área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário

do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu

adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no

tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de

___________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________27

Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real

da indenização e os juros legais.

Logo, podemos observar que a Constituição exige que diretrizes gerais e básicas para

organização das cidades sejam fixadas pelo Governo Federal, que podem estabelecer regras

gerais de conteúdo urbanístico, social e ambiental. No entanto, a política específica de

desenvolvimento urbano é de competência do Governo Municipal, devendo promover seu

implemento primado pelas necessidades e exigências do bem estar coletivo. A função social a

ser convertida em regra positivada pelo plano diretor vem incumbida de estabelecer padrões de

crescimento, ordenando a reorganização das cidades em atenção às peculiaridades e carências

locais.

Sendo assim, diante do exposto, podemos concluir que, uma das formas de respeitar a

função social da propriedade é atentando as regras dispostas no plano diretor de cada município.

Senão vejamos, no município de São Paulo:

Art. 11 – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,

no mínimo, os seguintes requisitos:

I - o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida,

à justiça social, o acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento

econômico;

II - a compatibilidade do uso da propriedade com a infra-estrutura,

equipamentos e serviços públicos disponíveis;

III - a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação da qualidade

do ambiente urbano e natural;

IV - a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem estar e a

saúde de seus usuários e vizinhos.

Art. 12 - A função social da propriedade urbana, elemento constitutivo do

direito de propriedade, deverá subordinar-se às exigências fundamentais de

ordenação da Cidade expressas neste Plano e no artigo 151 da Lei Orgânica

do Município, compreendendo:

I - a distribuição de usos e intensidades de ocupação do solo de forma

equilibrada em relação à infra-estrutura disponível, aos transportes e ao meio

___________________________________________________________________________

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

ambiente, de modo a evitar ociosidade e sobrecarga dos investimentos

coletivos;

II - a intensificação da ocupação do solo condicionada à ampliação da

capacidade de infra-estrutura;

III - a adequação das condições de ocupação do sítio às características do meio

físico, para impedir a deterioração e degeneração de áreas do Município;

IV - a melhoria da paisagem urbana, a preservação dos sítios históricos, dos

recursos naturais e, em especial, dos mananciais de abastecimento de água do

Município;

V - a recuperação de áreas degradadas ou deterioradas visando à melhoria do

meio ambiente e das condições de habitabilidade;

VI - o acesso à moradia digna, com a ampliação da oferta de habitação para

as faixas de renda média e baixa;

VII - a descentralização das fontes de emprego e o adensamento populacional

das regiões com alto índice de oferta de trabalho;

VIII - a regulamentação do parcelamento, uso e ocupação do solo de modo a

incentivar a ação dos agentes promotores de Habitação de Interesse Social

(HIS) e Habitação do Mercado Popular (HMP), definidos nos incisos XIII,

XIV e XXIV do artigo 146 desta lei;

IX - a promoção e o desenvolvimento de um sistema de transporte coletivo

não-poluente e o desestímulo do uso do transporte individual;

X - a promoção de sistema de circulação e rede de transporte que assegure

acessibilidade satisfatória a todas as regiões da Cidade.

Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 da Constituição da

República, não cumprem a função social da propriedade urbana, por não

atender às exigências de ordenação da Cidade, terrenos ou glebas totalmente

desocupados, ou onde o coeficiente de aproveitamento mínimo não tenha sido

atingido, ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis,

sucessivamente, de parcelamento, edificação e utilização compulsórios,

Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação

com pagamentos em títulos, com base nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da Lei Federal

10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade.

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Fernando Gelcer – Bruno Pacheco – Dalila Wagner

Parágrafo único - Os critérios de enquadramento dos imóveis não edificados,

subutilizados ou não utilizados estão definidos nos artigos 200 e 201 desta lei,

que disciplinam os instrumentos citados no “caput” deste artigo, e estabelecem

as áreas do Município onde serão aplicados.

9.4. Função Social – Direito de superfície

Diante do que de tudo que já vimos, podemos concluir que o direito de superfície pode

revelar-se um importante instrumento para que a propriedade imobiliária cumpra sua função

social, seja na área urbana, seja na área rural. Não há dúvida que o instituto se apresenta como

meio de favorecer a função social da propriedade, na medida que facilita a utilização do terreno

não edificado, conferindo-se utilidade aos imóveis não utilizados por seus proprietários. E, mais

do que a função social da propriedade, apresenta-se o instituto como um dos meios de

implementar a função social da cidade, conforme referido no artigo 2º do Estatuto da Cidade.

Com efeito, uma das grandes utilidades do direito de superfície e a de permitir a

construção ou plantação sem necessidade de aquisição do terreno, o que oneraria o interessado

em seu aproveitamento. Com isto facilita-se a utilização de terrenos alheios. Desse modo, o

instituto pode contribuir para minorar a crise habitacional enfrentada em todo o país.

Do ponto de vista do proprietário do solo o direito de superfície pode trazer também

algumas vantagens, como a de permitir o cumprimento da função social de sua propriedade,

escapando das sanções previstas no artigo 183, parágrafo 4 da CF; a de permitir o recebimento

da importância estipulado, caso seja um direito de superfície oneroso; a possibilidade de onerar

apenas parte do terreno que esteja inadequadamente utilizado, entre outros.

Desta forma, podemos concluir que a função social, compreende-se em uma garantia

constitucional fundamental, que por meio de legislações infraconstitucionais, busca uma

propriedade mais justa, vinculada ao seu cunho social, buscando equilibrar as diferenças

sociais.