25450989 revista brasileira de politica internacional

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    REVISTA BRASILEIRA DEPOLTICA INTERNACIONALAno XXIII nQ 89-92 1980

    ISSN 0034-7329 C A P E S F U N D A OALEXANDREPrograma San Tiago Dantas DEGUSMAO

    INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAES INTERNACIONAIS

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    Revista Brasileira de Poltica Internacional

    (Rio de Janeiro: 1958-1992; Braslia: 1993-)

    2004 Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais. Digitalizao. As

    opinies expressas nos artigos assinados so de responsabilidade deseus respectivos autores.

    Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais

    Presidente de Honra: Jos Carlos Brandi AleixoDiretor-Geral: Jos Flvio Sombra Saraiva

    Diretoria: Antnio Jorge Ramalho da Rocha, Joo Paulo Peixoto,Pedro Mota Pinto Coelho

    Sede:

    Correspondncia:

    Universidade de BrasliaPs-Graduao em Histria - ICC70910-900 Braslia DF, Brasil

    Ala Norte

    Kaixa Postal 440070919-970 Braslia - DF, Brasil

    Fax: (55.61) 307 1655E-mail: [email protected]://www.ibri-rbpi.org.brSite Brasileiro de Relaes Internacionais:http: //www. relnet. com .br

    O Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais - IBRI, uma organizao no-

    governamental com finalidades culturais e sem fins lucrativos. Fundado em 1954 no Riode Janeiro, onde atuou por quase quarenta anos, e reestruturado e reconstitudo emBraslia em 1993, o IBRI desempenha desde as suas origens um importante papel nadifuso dos temas atinentes s relaes internacionais e poltica exterior do Brasil. OIBRI atua em colaborao com instituies culturais e acadmicas brasileiras eestrangeiras, incentivando a realizao de estudos e pesquisas, organizando foros dediscusso e reflexo, promovendo atividades de formao e atualizaao para o grandepblico (conferncias, seminrios e cursos). O IBRI mantm um dinmico programa de

    publicaes, em cujo mbito edita a Revista Brasileira de Poltica Internacional - RBPI,Meridiano 47 - Boletim de Anlise de Conjuntura em Relaes Internacionais e livrossobre os mais diversos temas da agenda internacional contempornea e de especialrelevncia para a formao de recursos humanos na rea no pas.

    mailto:[email protected]://www.ibri-rbpi.org.br/http://www.ibri-rbpi.org.br/mailto:[email protected]
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    Projeto de Digitalizao

    Em 2004 o IBRI comemora cinquenta anos da sua fundao, com a convico deque desempenhou, e continuar desempenhando, a sua misso de promover aampliao do debate acerca das relaes internacionais e dos desafios da

    insero internacionaldo

    Brasil. Para marcara data,o

    Instituto levaa

    pblicoa

    digitalizao da srie histrica da Revista Brasileira de Poltica Internacional,editada no Rio de Janeiro entre 1958 e 1992, composta por exemplares que setornaram raros e que podem ser acessados em formato impresso em poucasbibliotecas.

    Equipe

    Coordenador: Antnio Carlos Moraes Lessa.

    Apoio Tcnico: Ednete Lessa.

    Assistentes de Pesquisa: Paula Nonaka, Felipe Bragana, Augusto Passalaqua,

    Joo Gabriel Leite, Rogrio Farias, Carlos Augusto

    Rollemberg, Luiza Castello e Priscila Tanaami.

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    Ano XXIII n 89-92 1980Prefcio

    ARTIGOS

    O informe Willy Brandt e suas implicaes polticasHlio JaguaribeViso da conjuntura e o comportamento diplomtico do Brasil (Conferncia do Ministro dasRelaes Exteriores Ramiro Saraiva Guerreiro, na ESG, 5.09.1980)

    Ramiro Saraiva GuerreiroA transio energtica: tempo, capital e tecnologia

    Rubens Vaz da CostaGeopoltica dos recursos naturais

    Claude Guillemin

    Notas sobre as relaes norte-sul e o relatrio BrandtRoberto Abdenur e Ronaldo SardenbergBrasil-Argentina

    Stanley HiltonDoutrina militar sovitica

    N.F. Lavenre-WanderleyAntrtida, Amrica Latina e o sistema internacional na dcada de oitenta: Para uma nova ordemAntrtida? Fatores polticos, econmicos, estratgicos e tecnolgicos

    Carlos J. Moneta

    Desenvolvimento mundial recente e seu impacto sobre as populaes pobres do TerceiroMundo Franco Montoro (agosto, 1980)

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    R E V I S T A B R A S I L E IR A D E P O L T IC A IN T E R N A C I O N A L

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    POLITICA

    INTERNACIONALANO XXIII 1 9 8Q 89-92

    Sumrio

    Prefcio 9

    O informe WiUy Brandt e suas implicaes polticasHlio Jagu arib e 11

    Viso da conjuntura e o comportamento diplomtico do Brasil. Conferenciapronunciada pelo Embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro, Ministro das Relaes Exteriores, na Escola Superior de Guerra, em 05 de setembro de 1980Ramiro Saraiva Guerreiro 29

    A transio energtica: tempo, capital e tecnologia.Rubens Vaz da Costa 47

    Geopoltica dos recursos naturais.Claude Guillenn 55

    Notas sobre as relaes norte-sul e o relatrio Brandt.Roberto AbdenurRonaldo Sardenberg 67

    Brasil-ArgentinaStanley Hilton 101

    Doutrina militar soviticaN.F. Lavenre-Wanderley 119

    Antrtida, Amrica Latina e o sistema internacional na dcada de oitenta:

    Para uma nova ordem Antrtida? Fatores polticos, econmicos, estratgicose tecnolgicosCarlosJ. Moneta 129

    Desenvolvimento mundial recente e seu impacto sobre as populaes pobresdo Terceiro MundoFranco Montoro (agosto, 1980) 175

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    A Revista Brasileira de Poltica Internacional, editada trimestralmente pelo InstitutoBrasileiro de Relaes Internacionais, sob a orientao de seu Conselho Curador, notraduz o pensamento de qualquer entidade governamental nem se filia a organizaesou movimentos partidrios. As opinies expressas nos estudos aqui publicados so daexclusiva responsabilidade de seus autores.

    Diretor:

    CLEANTHO DE PAIVA LEITE

    Secretria:

    ENEIDA NOGUEIRA RIGUEIRA

    Superviso Grfica e Reviso:

    DANIEL LEITE

    Direo e Administrao:

    PRAIA DE BOTAFOGO, 186 - Grupo B - 213 - T E L : 551 -059822250 - Rio de Janeiro - RJ - BRASIL

    Assinatura anual: Cr$ 1. 800 ,00- Para o exterior: US$ 20,00

    Nmero avulso: Cr$ 900, 00 - Para o exterior US$ 10,00

    Composto e Impresso nas oficinas grficas da ESCOPO EDITORA

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    Prefcio

    A UNIVERSIDADE DE BRASLIA, publica mais um volume da srie de "Leiturasde Poltica Internacional" com material preparado pelo INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAES INTERNACIONAIS do Rio de Janeiro.

    O Tema deste volume "RELAES ENTRE O BRASIL E A ARGENTINA NADCADA DE 80" foi objeto de um Seminrio organizado em Buenos Aires peloConsejo Argentino de Relaciones Internacionaies e que reuniu especialistas, homens pblicos, empresrios e diplomatas dos dois pases. Alm dos documentosapresentados e debatidos naquele Seminrio, inclumos neste volume dois trabalhospreparados pelo Professor Hlio Jaguaribe e Flix Pena para a reunio, realizadaem abril de 1981 em Braslia, pelo Conselho Brasileiro de Relaes Internacionais.

    Coube ao Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais a coordenao e reviso domaterial includo neste volume e que ser tambm publicado por aquele Institutona sua Revista, que vem circulando, desde 1958, nos crculos acadmicos do Brasile do exterior.

    A Universidade de Braslia espera, com este novo volume da srie "Leituras de Poltica Internacional", contribuir para o aperfeioamento do ensino e da pesquisa nocampo das relaes internacionais.

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    O Informe Wiily Brandt e suas Implicaes Polticas

    Hlio Jaguarib e

    1. INTRODUO

    A Comisso Brandt

    Atendendo a apelos pblicos de McNamara e de outras importantes personalidades, o ex-chanceler Wiily Brandt anunciou em uma conferncia de imprensa emNova York, em 28 de setembro de 1977, que aceitava a incumbncia de organizar epresidir uma "comisso independente sobre questes de desenvolvimento internacional.'' As declaraes do Presidente do Partido Social Democrtico da Alemanhaforam imediatamente objeto de caloroso apoio do Secretrio-Geral das Naes Unidas, Kurt Waldheim. E assim teve incio a Comisso Brandt* 1).

    A Comisso iniciou seus trabalhos em dezembro de 1977, em Bonn, adotando,em sua primeira sesso, seus prprios termos de referncia. "A tarefa da ComissoIndependente sobre Questes do Desenvolvimento Internacional estudar as gravesquestes gerais decorrentes das disparidades econmicas e sociais da comunidademundial e sugerir modos de promover solues adequadas para os problemas envolvidos no desenvolvimento e no ataque pobreza absoluta"! 2).

    Para esse efeito a Comisso se props considerar:

    1) Os antecedentes do processo do desenvolvimento no Tercei ro Mundo e a influncia sobre o mesmo do meio internacional, poltico e econmico;

    2) Os prospectos para a economia mundial, particularmente com relao dcada de 1980, mas considerando, tambm, um horizonte mais longquo;

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    12 Hlio Jaguarib e

    3) Os caminhos para uma nova ordem econmica internacional, a partir daconvico de que profundas mudanas so necessrias nas relaes internacionais,particularmente no campo econmico.

    A Comisso adotou como forma de trabalho uma combinao entre sessesplenrias, para a discusso conjunta dos temas, com estudos especficos a cargo derelatores e entendimentos de membros da Comisso com autoridades e especialistasde diversos pases. Problemas de sade do ex-chanceler Willy Brandt impedram-no de realizar pessoalmente viagens extensas, sendo s vezes substitudo na presidncia dos trabalhos da Comisso, pelo governador Lakshmi Kant Jha.

    A Comisso realizou ao todo dez sesses plenrias, levadas a cabo em diversas

    regies do mundo, as duas ltimas sendo dedicadas discusso do texto de seu Informe. O texto final foi adotado na ltima reunio da Comisso em 14-16 de dezembro de 1979. Em conferncia de imprensa realizada em Londres no dia 17 daquele mesmo ms, o Sr. Willy Brandt divulgou publicamente esse texto.

    A Comisso Brandt decidiu no dar continuidade formal a seus trabalhos apsa publicao de seu Informe, limitando-se a mo nt ar na cidade de Haia um pequeno escritrio para receber comentrios e prestar informaes.

    O Informe

    O Informe da Comisso Brandt um documento contendo uma introduo doprprio ex-chanceler, a que se seguem dezesseis captulos, tratando de diversos aspectos da matria e um captulo final, o 17,, com as recomendaes da Comisso.Dois anexos apresent am respectivamente um sumrio das recomendaes e umbreve histrico da Comisso.

    A Introduo de Willy Brandt constitui, sob a responsabilidade pessoal deste,uma sntese da problemtica encarada pela Comisso e dos pontos de vista desta sobre os principais assuntos considerados no Informe. Os dezesseis captulos que constituem o cerne do doc ume nto aborda m (Cap . 1 e 2) a caracte rizao geral do problema Norte-Sul, (Cap. 3) a questo da mutualidade de interesses entre os dois plos, (Cap. 5) a questo dos pases mais pobres do mundo, (Cap. 6) o problema dafome e da oferta de alimentos, (6) o problema da populao mundial, (Cap. 7) o

    desarmamento e o desenvolvimento, (Cap. 8) as tarefas do Sul, (Cap. 9) o comrciode mercadorias bsicas e o processo de desenvolvimento, (Cap. 10) a energia, (Cap.11) a industrializao e o comrcio mundial, (Cap. 12) a questo das corporaestransacionais, do investimento e da participao na tecnologia, (Cap. 13) a ordemmonetria internacional, (Cap. 14) as finanas para o desenvolvimento, (Cap. 15)oproblema de uma nova abordagem para o financiamento do desenvolvimento e(Cap. 16) os organismos internacionais.

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    O Informe Willy Brandt e suas Implicaes Polticas 13

    O capitulo 17, ltimo do Informe, contendo as recomendaes da Comisso,apresenta um Programa de Prioridades e, a partir deste, um programa de Emergncia para o quinqunio 1980-85.

    O Programa de Prioridade, depois de recordar resumidamente as alarmantesperspectivas com que se defronta o mundo, se no reduzir significativamente os desequilbrios previamente referidos, identifica os principais problemas que precisamser basicamente solucionados, como tarefa prioritria para as duas prximas dcadas. Oito grandes questes so enumeradas pelo Programa de Prioridades: 1) absoluta prioridade para o atendimento das necessidades dos pases mais pobres, queformam os cordes de pobreza da frica e da sia; 2) supresso geral da fome;3) medidas que assegurem o fortalecimento das receitas de ma terias-primas; 4) medidas que abram para os pases de industrializao recente acesso aos mercados dospases desenvolvidos; 5) medidas que assegurem a boa conduta das transnacionais ea efetiva transferncia da tecnologia; 6) reforma do sistema monetrio mu nd ia l;7) nova abordagem pa ra o financiamento do desenvolvimento e 8) mai s equit ativarepartio mundial do poder.

    Sem prejuzo da absoluta necessidade de se dar execuo, no curso das dcadasde 1980 e 1990, s tarefas do Programa de Prioridades, o Informe pe em destaque

    o imperativo de se atacar, desde j, no curso dos prximos cinco anos, um programa de ao imediata, para evitar a ocorrncia dos perigos mais srios. Esse Programa de Emergncia se arti cula em torno de quat ro pontos: (1) transferncia emgrande escala de recursos para os pases em desenvolvimento; (2) adoo de uma estratgia internacional para a energia; (3) adoo de um programa global de alimentos e (4) incio de algumas reformas do sistema econmico inte rnaciona l.

    2. FUNDAMENTAO DAS PROPOSTAS

    Dupla Fundamentao

    O Informe Brandt consiste num incisivo e sistemtico diagnstico dos principais desequilbrios mundiais, com uma clara identificao dos problemas bsicos,tanto quanto possvel com quantificao de seus aspectos gerais e com uma sucintamas compreensiva determinao das condies ou fatores que geram tais problemas. A partir desse diagnstico o Informe prope solues que, em termos extremamente realistas e implementveis tanto quanto possvel quantificados conduzam, em prazos variveis, ao bsico solucionamento dos problemas apontados.

    O diagnstico da Comisso Brandt no introduz, de um modo geral, importantes novidades na j volumosa literatura sobre o assunto. Sua anlise dos desequilbrios mundiais coincide com as que vm sendo feitas na UNCTAD pelo secretariado tcnico desta e pelos pases do Terceiro Mundo, assim como os estudos de Tin-bergen, em seu Informe RIO. A principal contribuio trazida pelo Informe

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    14 Hlio Jag uar ibe

    Brandt consiste na fundamentao das razes pelas quais se deve proceder, urgentee imperativamente, a um esforo mundial de correo da assimetria Norte-Sul. Essas razes so de duas ordens. De um lado , so razes de ordem pragmtica , decor

    rentes da existncia entre o Norte e o Sul de uma mutualidade de interesses de car-ter est rutural e sistmico e, por isso, se revestindo de decisiva importnc ia pa ra ambos os plos. De outro lado, so de carter tico, envolvendo valores impostergveisdo homem e da sociedade mundial.

    O princpio da mutualidade menos aparente, numa observao superficialdo problema. Pareceria que as sociedades afluentes do Norte, dotadas de recursosincomparavelmente superiores aos do Terceiro Mundo, s teriam que se preocuparcom os problemas deste por razes ticas ligadas solidariedade humana. Um dosprincipais mritos do Informe Brandt consiste em demonstrar claramente, as falcias da presumida auto-suficincia do Norte e em revelar o carter estrutural e sistmico da interdependncia dos dois hemisfrios e da medida em que, nas condies cont empor neas, a prosperidade do Norte n o mais pode ser ma nt id a s custasda imiserao do Sul, nem compatvel com a persistncia desta.

    O Informe Brandt, por outro lado, um documento ao mesmo tempo realistae impregnado de um profundo sentido humanstico universal. O simples entendi

    mento ilustrado pelas sociedades centrais, de seus vnculos sistmicos com o Terceiro Mundo, no seria suficiente para superar todas as formas da misria e para universalizar, para todos os hom ens , aquele mdico bem-estar com dignid ade queBrandt, semelhana de Tinbergen, considera uma obrigao de cada homem emrelao aos demais e de cada sociedade em relao s outras. A intervm, decisivamente, princpios de ordem tica e somente em cumprimento de imperativos morais se poder chegar universalizao da justia e de um mdico bem-estar material.

    O Princpio da Mutualidade

    O Princpio da Mutualidade segundo o Informe Brandt, se torna evidentequ ando se compre ende o fato bsico de que, den tro das condies c onte mpor neas,a excessiva concentrao de recursos e de oportunidades nos pases centrais condena necessariamente suas economias ao impasse da "stagflation" e que este s supe-rvel mediante uma deliberada poltica de macia retransferncia de recursos e deoportunidade para o Sul.

    um fato histrico, hoje bem conhecido, que a brecha Norte-Sul se produziu ese aprofundou pela circunstncia de que os pases que iniciaram a revoluo mercantil, acumulando excedentes ati vs do comrcio internacional, multiplicaramessa capacidade acumulativa por se terem tambm tornado os iniciadores da revoluo industrial e terem mantido, durante um sculo ou mais, o prtico monoplioda produo de manufaturas. Nessas condies, esses pases tiveram a capacidade,

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    dos fins da Idade Mdia a meados deste sculo considerando o conjunto do mun do de trocar suas horas de trabal ho , em termos cada vez mais favorveis, por umnmero incomparavelmente maior de horas de trabalho dos povos do TerceiroMundo, com o crescente enriquecimento daqueles e empobrecimento destes. Apartir de determinado momento, entretanto, esse sistema entrou em regime de rendimento decrescente. Acumulou-se. nos pases centrais, uma imensa capacidadeprodutiva, em termos de equipamentos e de especializaes humanas, operando acustos fixos elevados e incomprcssveis, que exigiam uma demanda mundial crescente. Esta, entretanto, deixou de acompanhar as necessidades do sistema produtivo porque o continuado empobrecimento dos pases do Terceiro Mundo no permitiu que sua demanda dos produtos dos pases centrais acompanhasse o incrementoda capacidade de oferta destes. Se os Estados industrializados, para manter o nvel

    da demanda de seus produtos, financiam seus prprios setores consumidores, geram inflao. Se corrigem a inflao, provocam o desemprego e a subutilizao desua capacidade produtiva.

    A nica soluo possvel, para os pases centrais, consiste em criar condiesque incrementem substancialmente a demanda de seus produtos por parte dos pases perifricos. Isto importa em quatro principais ordens de medidas: 1) transferncia macia de recursos financeiros e tecnolgicos para o Sul; 2) significativa melho

    ria dos termos de troca do Sul. notadamente mediante melhores e mais estveis preos para suas matrias-primas; 3) redistribuio continuada de oportunidades e especializaes, com transferncia, para o Sul, de muito maior quota na participaoda oferta mund ial de manufa turas e 4) abe rtu ra dos merc ados centrais s manuf a-turas dos pases de industrializao recente.

    A transferncia macia de recursos financeiros e tecnolgicos para o Sul proporcionar a expanso da capacidade produtiva deste e o barateamento de seuscustos de produo, permitindo um decisivo ativamento do comrcio mundial.Graas a isto, o Norte poder recuperar, com o aumento das exportaes, seu plenoemprego e conter a inflao, atravs do aumento da oferta, a sua populao, debens, provenientes do Sul. Para o Sul. o aumento de sua capacidade produtiva, gerada por tal transferncia macia de recursos, lhe permitir incorporar suas grandes massas ao processo produtivo e elevar seu nvel geral de vida.

    A estabilizao e a melhoria dos preos das ma terias-primas, que cont inua rosendo, por largo tempo, os principais produtos de exportao do Sul, corrigiro a

    excessiva assimetria nas relaes de troca, tornando o Sul apto a formar seu prprioprocesso de acumulao de excedentes e, com ele, de se autofinanciar e desenvolver.

    A redistribuio de oportunidades industriais constitui a outra faceta da corre-o da assimetria Norte-Sul. Tal assimetria no poderia, sem efeitos inflacionriosmundiais, ser corrigida apenas pela elevao do preo das matrias-primas. Uma

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    16 Hlio Jaguari be

    mais equitativa distribuio da capacidade de produo e da oferta mundiais demanufaturas equilibraria, no inflacionariamente, o comrcio internacional.Constituiria, tambm, um estimulo decisivo para o progresso tecnolgico, que se

    tomaria tanto mais importante quanto mais difundidos fossem os mtodos produtivos mais convencionais,

    A abertura dos mercados centrais s manufaturas dos pases do Terceiro Mundo, finalmente, complementaria os efeitos da medida precedente, barateando ocusto de vida para os pases centrais e, ao mesmo tempo, os incentivando a deslocarseu esforo produt ivo pa ra setores de mai or sofisticao tecnolgica.

    O Informe Brandt, ademais de formular de modo muito convincente as razesprecedentemente enunciadas, introduz persuasivas ilustraes quantitativas de seusaspectos positivos para os pases centrais. Assim, ao revelar o grande nmero de empregos (900 mil) gerados por ano, nos pases da OECD, pela reciclagem dos petro-dlares. Assim, igualmente, ao assinalar que o impacto negativo, nos pases centrais, ocasionado por deslocamentos em suas indstrias de mais simples tecnologia,em virtude de importaes dos "NICs", mais do que compensado pela expansodos setores de mais alta tecnologia e pelas exportaes para o Sul. Em 1977 a CEE eo Japo expediram para o Sul mais de um tero de suas exportaes. E as exporta

    es da CEE para o Terceiro Mundo foram trs vezes maiores do que as para os Estados Unidos. Neste ltimo pas, atualmente, um emprego em cada vinte est vinculado a exportaes ao Terceiro Mundo.

    O Princpio tico

    O Principio da Mutualidade, entretanto, no basta, isoladamente, para conduzir correlo dos desequilbrios mundiais. "Especialmente no que concerne aos

    povos e aos pases mai s pobr es os motivos principa is d e nossas propos tas so a solidariedade humana e um compromisso com a jus tia social in ter nacio na l. precisopr um fim privao e ao sofrimento. inaceitvel que em uma parte do mundoas pessoas vivam com relativo conforto enquanto em outra lutem pela mera sobrevivncia. Como o most raremos, h razes materi ais pa ra ten tar ac ab ar com esse estado de coisas a estabilidade poltica internacional, a expanso dos mercados deexportao, a preservao da ecobiologia, a limitao do crescimento demogrfico.Mas falamos da solidariedade como algo que vai mais alm dos interessesmtuos"*3).

    O aspecto tico da questo Norte-Sul um a dimenso pr pri a e fundamen talda mesma, em todo o Informe. Em sua Introduo, Willy Brandt salienta, desdelogo, a decisiva relevncia da dimenso moral, acentuando que "as novas geraesdo mundo necessitam no apenas de solues econmicas, mas de ideias parainspir-las, de esperanas para encoraj-las e de primeiros passos para implement-las. Necessitam de uma crena no homem, na dignidade humana, nos direitos hu-

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    O Informe Willy Brandt e suas Implicaes Polticas 17

    manos bsicos; uma crena nos valores da justia, da liberdade, da paz, do respeitomtuo, do amor e da generosidade, na razo e no na fora"!4).

    A part ir de uma posio social-humanista internacional o Informe Bran dtproclama, independentemente de qualquer reciprocidade de interesses, a obrigao de todos, em geral mas, em particular, dos pases e povos ricos, de acabar coma fome e a misria no mundo. preciso agir imediatamente, para reduzir nos prximos anos o nmero de vtimas da falta absoluta de um mnimo existencial e extirpar, at o fim do sculo, as condies que geram e mantm as formas mais gravesda misria. Para tanto importa combinar, em benefcio dos povos e pases mais po-

    bres do mundo, uma ajuda concessionai no inferior a 0,7% do produto dos pasesricos, com medidas de incremento da capacidade produtiva local, notadamente no

    campo dos alimentos.

    3. O PROBLEMA POLTICO

    O Regulatuo e o Operativo

    O Informe Brandt o mais conclusivo documento at hoje elaborado no sentido da promoo, por motivos tanto utilitrios como ticos, de um novo relacionamento Norte-Sul. Como precedentemente se assinalou, tem o mrito, por um lado,de sistematizar, consistentemente, as anlises que vm sendo empreendidas sobre ascausas e os efeitos da assimetria no relacionamento entre os pases centrais e o Terceiro Mundo, com a clara indicao das medidas apropriadas para a correo dosprincipais desequilbrios. Por outro lado, formula, de um modo extremamente correio e persuasivo, as razes de ordem pragmtica e de carter tico em virtude dasquais devem ser efetivadas as medidas propostas.

    Algo falta, entretanto, no Informe Brandt, para que a aceitao de sua proce

    dncia terica e pra gm tic a e da pr pr ia irrecusabili dade de seu apelo tico conduza prtica efetiva das medidas que prope. Ao leitor reflexivo do documentono escapar a impresso de que os atores a que se dirige mais diretamente, que soos governos dos pases cen tra is e, por trs deles, os setores de ma io r peso na to ma dade decises e na formao da opinio pblica, tendero a concordar, em tese, comas medidas propostas e, sobretudo, com a fundamentao geral apresentada paratais medidas e, no obstante, no sero efetivamente movidos a porem prtica essasmedidas.

    O intervalo entre a aceitao, era tese, de um projetoe a efetiva motivao para implement-lo algo que se apresenta constantemente nas relaes humanas.Tal intervalo sempre indicativo, num plano mais amplo, de uma falta de articulao entre o mundo dos valores e o mundo dos interesses. No plano especfico domundo dos interesses, esse intervalo marca a distncia entre as convenincias de carter regulatrio e as de carter operativo.

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    18 Hlio Jagua ribe

    O apelo moral da Comisso Brandt para que os pases ricos terminem com aFome do mundo e adotem medidas que conduzam erradicao da misria sensibilizar, certamente, os estadistas desses pases e seus setores mais influentes. Mas aexistncia de outras urgncias, eticamente tambm relevantes mas politicamente

    mais prementes, tende a impedi r que essa sensibilizao se conver ta numa aocontinuada e se exera com a amplitude requerida para produzir verdadeiros resultados. Assim tende a ocorrer, por exemplo, com relao outorga da ajuda concessionai de 0,7% do PNB dos pases ricos. Como tal ajuda tenha de partir de verbasor amentria s de origem t ributria , e todos os pases ricos se defron tem, concomitantemente, com problemas de conteno de despesas, para controle da inflao ecom demandas de gastos suplementares de seu setor previdencirio, para atenderao desemprego, resulta quase impossvel, para os governos desses pases, resistir

    presso dos setores internos que propem maior prioridade para as medidas antiin-flacionrias, ou para um maior atendimento do desemprego domstico, em trocada postergao de maior ajuda concessionai ao Terceiro Mundo.

    No plano mais utilitrio das motivaes pragmticas apresentadas pelo Informe Brandt a favor das medidas que recomenda, surge o intervalo, precedentemente aludido, entre as convenincias regulatrias e as operativas. Os estadistas e empresrios dos pases centrais tendero a concordar com o Informe no tocante dependncia sistmica existente entre uma melhor repartio mundial da riqueza e

    da capacidade produtiva e uma dinamizadora reestruturao do comrcio internacional, apta a superar o impasse da "stagflation" em que se debatem os pases industriais. O interesse dos pases ricos nessa reestruturao do comrcio mundial,entretanto, tem carter regulatrio. Os interesses operativos desses pases so, paracada um deles e para cada transao especfica, de continuar, enquanto for possvel, tirando proveito de todas as assimetrias favorecedoras, deixando a outros atorese ao futuro o enca rgo de ado tar um reg ime regulatr io mais vivel pa ra o conjuntodo sistema mundial.

    Ordenao Social

    A interdependncia entre os interesses regulatrios e os operativos bastanteevidente. A deteriorao das condies regulatrias se reflete sobre as transaes especficas de uma sociedade, afetando os respectivos interesses operativos. por essarazo que as sociedades, atravs de seu subsistema poltico, adotam as condies regulatrias convenientes para a proteo dos interesses operativos predominantes. E a que surge a questo da ordenao social e do servio pblico.

    As relaes polticas tendem a envolver, em diferentes dosagens, a polaridadedominao-representao. Quanto maior a taxa de dominao que uma determinada elite exera em uma sociedade, tanto mais essa elite utilizar o poder em seubenefcio prprio. Reversamente, em sociedades onde o poder poltico seja representativo de amplas maiorias seu exerccio se far com correspondente consensuali-

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    dade e a regulamentao da sociedade, bem como a prestao dos servios pblicos, em lugar de beneficiar uma elite dominante, atender ao interesse dessas grandes maiorias, aproximando-se do interesse geral da sociedade.

    Nas democracias industriais contemporneas o poder poltico representativode amplas maiorias, embora certas minorias privilegiadas grandes empresrios,importan tes lderes sindicais e controladores dos meios de difuso ma nt en ha muma influncia desproporcionada a sua representatividade. Nas condies dessespases, apesar dessas distores, o Estado tende a assegurar condies regulatriasque so convenientes para as grandes maiorias e a dar-lhes efetiva assistncia, atravs de apropriado servio pblico. Os interesses operativos se exercem, assim, dentro de condies regulatrias que asseguram o equilbrio geral do sistema e que so

    benficas para todos, ou quase todos.

    Nas sociedades subdesenvolvidas contemporneas, bem como em perodos anteriores das atuais democracias industriais, as elites dominantes exercem, ou exerciam, um poder de baixa representatividade. Em tais condies a regulamentaoda sociedade e o tipo de servio pblico nela prestado se encaminham, ou se encaminhavam, para atender s convenincias da elite dominante, em detrimento dasgrandes maiorias e do interesse geral da sociedade.

    Mesmo nas sociedades atuais ou do passado, submetidas dominao de umarestrita elite, as relaes polticas existentes envolvem um mnimo de representatividade. s vezes minimss imo Hait i con temporn eo, mona rquias absolu tas do sculo XVII e s vezes bastante amp lo : despotismo esclarecido . Tal fato se deve presso que exercem, numa sociedade nacional, os vnculos nacionais de solidariedade e, no mbito destes, a um mnimo de "feedback" reorientador que as reaesdas massas impem conduta das elites.

    As relaes de dominao-representao se tornam muito mais complexasquando se passa, do mbito interno de uma sociedade nacional, para o sistema internacional, no pautado por solidariedades equivalentes nem por formas correspondentes de representatividade.

    A Ordenao Internacional

    No sistema internacional a dominao poltica tende a se exercer de forma in-direta, atravs de presses limitativas das opes de um outro pas ou mediante go

    vernos satlites. Por outr o lado , a repres entao internaci onal quase no existe, salvo em funo da guerra. Um pas no representa a outros, exceto para os limitadosefeitos de certos organismos internacionais. A exceo vinculada ao risco de guerra,ent ret ant o, envolve um a representao de carte r dominativo. Os Estados Unidosrepresentam a seus aliados da OTAN, em matria nuclear, e a Unio Sovitica,para os mesmos efeitos, a seus aliados do Pacto de Varsvia. Ambas as alianas, en-

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    tretanto, so profundamente assimtricas e representam uma relao de hegemonia de cada uma das superpotncias para com os respectivos aliados.

    Os organismos internacionais, certo, envolvem diversas formas de representao. Em numerosos casos, os organismos internacionais dispem de mandatosconferidos pelos pases e os exercem atravs de uma burocracia internacional, indepen dente daqueles pases. Em outros casos, um mesmo delegado represen ta a diversos pases, finalmente, como no Conselho de Segurana das Naes Unidas, algunspases so membros natos de um poder supra-estatal, exercendo uma implcita delegao dos demais.

    A representatividade dos organismos internacionais, entretanto, ou est limi

    tada a reas tcnico-secretariais, que no envolvem modificaes nas relaes depoder - UNESCO, Organizao Mundia l da Sade, etc . ou, sob a forma de delegao de poderes, implica em uma dominao internacional, como no caso daspotncias que integram o Conselho de Segurana e, nele, o da posio hegemnicadas superpotncias.

    A inexistncia de um verdadeiro sistema de representao, no sistema internacional, reduz este a um regime de dominao indireta. Tal fato no permite que aordenao internacional se faa de forma transcontratual, ou erga omnes, comonas sociedades nacionais, mesmo as menos consensuais. Tampouco permite, salvodentro dos restritos limites de delegao tcnico-secretarial conferida a determinados organismos internacionais, que se constitua um sistema de servio pblico internacional. O mnimo de representatividade que existe em todas as dominaes nacionais permite que, embora em termos favorecedores das elites dominantes, as sociedades nacionais sejam reguladas de forma coletiva e disponham de um serviopblico. No caso da sociedade internacional, a Carta das Naes Unidas representa ind epende ntemen te dos mritos que contenh a uma imposio unila teral dos

    vencedores da Segunda Guerra Mundial, e o sistema regulatorio da ordem internacional ou determinado imperativamente pelas superpotncias, dentro dos limitesde seu equilbrio recproco, ou depende de uma unanimidade contratualstica entreos pases membros, raramente alcanvel.

    A Dominao Internacional

    A dominao internacional tem oscilado, historicamente, entre momentos dealta concentrao e momentos de grande dispersividade. Desde logo, s com a Ida

    de Moderna o mundo logrou unificar-se. At ento, subsistia um arquiplago de espaos geoculturais autnomos. Na alta Idade Mdia esses espaos compreendiam oeuro-islmico, o indiano, o chins, o poiinsio, o da frica centro-meridional e osamericanos. A revoluo tecnolgica converteu a unificao do mundo em um sistema integrado de relaes econmico-tcnicas, embora politicamente polarizado eculturalmente diferenciado.

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    A concentrao da dominao internacional s? tem realizado atravs da formao de imprios, como os do antigo Oriente, os helensticos, o romano, ou, modernamente, o britnico e os imprios americano e sovitico. A disperso de dominao internacional tem conduzido formao de uma multiplicidade de centros

    de poder, sob modalidades que, numa enumerao no exaustiva, variam doestado-cidade ao feudo autnomo e ao estado nacional, dentro de diversas formasde balano de poder.

    At a unificao do mundo coexistiam, em distintos espaos geoculturais, diferentes regimes de dominao internacional: a fragmentao feudal da Europa dosculo XI coincidia com a centralizao do Imprio Chins durante a dinastiaSung. A partir da Idade Moderna a crescente integrao do sistema internacional

    conduziu mundializao das formas de dominao internacional.

    Os imprios se tm configurado, historicamente, como um regime de dominao estvel e sistemtica de uma sociedade hegemnica sobre outras. Na rea dedominao dos imprios as sociedades e povos dominados no tm, enquanto tal,representao nos mecanismos decisrios, constituindo-se em meros sditos. Os imprios mais estveis e eficientes, entretanto, tendem a evoluir de uma dominaoinicial de ca r te r tnico gregos sobre persas, romanos sobre italio tas, etc. para uma dominao de carter poltico-cultural. Um centro da dominao polticacomo, por exemplo, Roma, mediatiza sua dominao atravs de uma certa cultura,como a helenstico-romana, Na medida em que o regime de dominao se transferedo plano tnico para o cultural os povos dominados, sempre que, por seu lado, incorporem a cultura dominante e aceitem a hegemonia poltica do centro imperial,passam a ter acesso a uma cidadania imperial, independentemente de suas respectivas etnias. Com isto se configura uma forma imperial de representao que superaa relao de dominao-sujeio e ntegra os povos que constituem o imprio, commaior ou menor grau de unidade, numa sociedade imperial. A evoluo do Imprio

    Romano um exemplo tpico desse processo. A integrao da sociedade imperialconfere um sentido de representao dominao poltica dessa sociedade, gerando uma ordem jurdico-imperial e um servio pblico imperial.

    Alternativamente, nos momentos de fragmentao da dominao internacional, o relacionamento entre as unidades autnomas que coexistem em um mesmoespao geocultural, tende formao de dois ou mais blocos que se equilibram, internacionalmente, num regime de balano de poder. Esse regime, quando o equilbrio dos blocos suficientemente estvel, conduz a formas relativamente consen

    suais de ordenao internacional, por acordo entre os blocos. Assim ocorreu, porexemplo, no caso do equilbrio europeu, de 1870 a 1914. Historicamente, entretanto, as fornias de ordenao internacional baseadas em um equilbrio de poder notm gerado uma verdadeira ordem jurdica internacional, que pudesse ser o equivalente de uma ordem jurdica imperial, nem um servio publico internacional quepudesse equivaler a um servio pblico imperial. As ordenaes internacionais ba-

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    seadas no equilbrio de pod er tm sido, historicamente, de cart er mult icontra tual ,sem delegao de soberania a uma instncia coordenadora. quando ocorre umadelegao de soberania, como no caso da Liga de Delos, o que efetivamente aconte

    ce a converso de um regime de balano de poder em um regime imperial. No caso de Delos, a formao do Imprio Ateniense.

    Situao Atitai

    O mundo con temporneo evoluiu, de um regime de balano de poder, fundado na supremacia mundial das potencias europeias, at 1914, a um balano de poder fundado no conglomerado euro-americano, at 1939, convertendo-se, depois

    da Segunda Guerra Mundial, em um sistema interimperial.

    Os dois novos Imprios, o Americano e o Sovitico, so muito diferentes deseus predecessorest&K 5$ imprios que se autodenegam, e que preservam, faa&immen te , a soberania dos pases de suas respectivas reas hegemnicas , m an te nd o formas indiretas de dominao, salvo em situaes limites como os "marines" naAmrica Central ou os soviticos na Tchecoslovquia ou no Afeganisto. Os dois

    imprios, por outro lado, diferem profundamente um do outro. O Imprio Americano se funda, duplamente, sobre a unidade da cultura ocidental universal e sobrea comun idade de interesses econmicos existente ent re os Estados Unidos, a Eu ro paOciden tal e o Ja p o, por um lado , e. por out ro , as elites dirigentes das reas d o T er ceiro Mundo vinculadas ao sistema americano. Esse tipo de fundamentao do Imprio Americano o conduz a minimizar, no seu mbito de hegemonia, o empregode meios coercitivos. A do mina o americana se processa sob for ma contratualfsri-ca, a partir de uma supremacia econmico-tecnolgica, apoiada pelo monoplio,em seu respectivo campo, da estratgia nuclear e mediatizada pela integrao cultural do sistema pela cultura ocidental universal.

    O Imprio Sovitico, diversamente, um sistema monolinear de dominaopolltco-militar, exercida, por via indireta, atravs de governos satlites e legitimada pela doutrina oficial do leninismo.

    Ent re os dois imprios existem reas de dominao indecisa e dis putada, na

    Africa e na sia e existem sistemas suficientemente autnomos para manterem suaindependncia; ante os dois plos imperiais, como no caso da China e, eventualmente, de alguns outros sistemas emergentes.

    O equilbrio mantido entre os dois imprios, fundado em sua estvel capacidade de aniquilamento recproco, se apresenta, entretanto, internacionalmente, deforma bastante instvel. Essa instabilidade decorre das prprias caractersticas de

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    O Imprio Sovitico econmica e culturalmente um sistema defensivo, queresiste com dificuldades s presses do sistema americano e no conta, internamente, com a solidariedade dos povos que o integram. Em contrapartida, dispe de umsistema monoltico de deciso, tanto no mbito restrito da prpria Unio Sovitica,

    como no mbito amplo de sua rea de hegemonia. Essa caracterstica, apoiada porum aparelho militar convencional que, atualmente, se tornou significativamentesuperior ao americano, confere ao sistema sovitico um poder de contrapor, aos desafios econmico-culturais do sistema americano, uma atuao poltico-militar, emdiversas reas, muito mais desinibida e flexvel do que aquela de que possa ser capaz seu adversrio.

    O Imprio Americano econmica e culturalmente expansivo. Mas, precisa

    mente porque sua forma de dominao internacional seja de carter econmico-cultural, torna-se necessrio para o sistema a preservao de um modo contratuals-tico de relacionamento com os pases de sua rea de hegemonia. Na medida em quese reduz, relativamente aos Estados Unidos, a dependncia econmico-tecnolgicados mais importantes pases que integram o sistema como as da Europa Ocidental ou mesmo o Brasil se reduz, igua lmen te, o pode r amer icano de manipul aointra-imperial. Por outro lado, o aparelho militar americano, estrategicamente superior ao sovitico, s muito marginalmente e em casos especiais pode ser empregado como meio de disciplinamento interno de seu prprio sistema imperiaH6). E mesmo em relao ao sistema sovitico, a relativa superioridade estratgica do aparelhomilitar americano no o compensa de sua atual inferioridade em recursos convencionais o que contrari amente situao que existia at a dc ada de 60 o t om amenos apto a intervenes localizadas, notadamente em reas prximas ao territrio sovitico. Da a ins tab ilidade internacional que se manifesta pre sentemen te, tornando difcil o estabelecimento de uma ordenao mundial.

    Vive o mundo, assim, presentemente, uma grande contradio no que se refe

    re a seus interesses internacionais. A revoluo tecnolgica unificou estreitamente omu nd o, tornan do indispensvel, para todos os povos, um a regul ame nta o racional, em escala planetria, de atividades e interesses que afetam o mundo tambmem escala planetria, desde os que se referem a uma apropriada administrao daecologia at aos que dizem respeito instaurao de uma ordem econmica internacional, mais vivel e equitativa. A presente instabilidade internacional, entretanto, no permite um entendimento racional entre os dois imprios para a administrao desses interesses planetrios e praticamente impossibilita que, no mbito do

    prprio Imprio Americano, se chegue a uma ordenao razovel das relaesintra-imperiais.

    Ocorre assim, no que se refere s medidas de correo dos desequilbriosNorte-Sul, que as recomendaes de peritos, como a Comisso Brandt, ou das prprias das Naes Unidas privadas de compulsor iedade por falta de uma verdadeira ordem jurdica inte rnaci onal ficam com o carte r de mer as exortaes mo-

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    rais. A Unio Sovitica e seu bloco, sob o pretexto de que a pobreza do TerceiroMundo produto dos vcios do capitalismo internacional e no envolve a responsabilidade dos pases socialistas, se nega a prestar qualquer assistncia. O governo dos

    Estados Unidos, por seu lado, a despeito das responsabilidades internacionais dopas, se mantm sensivelmente abaixo dos coeficientes de ajuda fixados pelas Naes Unidas, sob o pretexto de que o Congresso americano lhe nega os necessriosmeios. E assim, na prtica, somente alguns pases industrializados com maior conscincia internacional, como particularmente o caso da Holanda, da Sucia e doCanad, cumprem com rigor as quotas mnimas de assistncia previstas para o Terceiro Mundo. Tal situao, como evidente, frustra completamente qualquer possibilidade de eficcia para as polticas de reequilbrio das relaes Norte-Sul, apesar do consenso mundial que presentemente existe, em nvel declaratrio, quanto

    ao imperativo de se corrigir tais desequilbrios.

    Ao do Terceiro Mundo

    Como evidente, os pases do Terceiro Mundo, mais urgentemente interessados na correo dos desequilbrios do relacionamento Norte-Sul, tm bastante possibilidades para uma aao internacional coordenada encaminhada para a consecuo desse objetivo. Sem dar ao assunto maior elaborao, para conserv-lo nos limi

    tes deste breve estudo, importaria assinalar que se abrem trs importantes campospara a atuao coordenada do Terceiro Mundo. O primeiro diz respeito ao exerccio de presses eficazes sobre os pases industrializados, visando obteno de medidas como as recomendadas pelo Informe Brandt: melhores e mais estveis preospa ra as matrias-p rimas, macia transferncia de recursos financeiros e tecnolgicos, ajuda concessionai para os pases muito pobres e acesso para as manufaturas doTerceiro Mundo aos mercados do Norte.

    O segundo possvel campo de atuao concerne s relaes Sul-Sul, que tantovm sendo enfatizadas pelas Naes Unidas e com relao s quais os pases do Terceiro Mundo operariam em seu prprio mbito decisrio. O terceiro campo a considerar se refere ao princpio da "self-reliance", tambm situado ao mbito decisriodos interessados, e s amplas margens de ao que proporciona.

    Os pases do Terceiro Mundo tm plena conscincia das possibilidades de aoprecedentemente enunciadas e, certamente, tm mostrado alguma iniciativa emcada um daqueles trs campos. Ocorre, entretanto, que os pases em referncia,

    sem prejuzo das comuns caractersticas que justificam sua classificao como membros de um mesmo gnero, ostentam no menos importantes diferenciaes. O Terceiro Mundo, como hoje se reconhece correntemente, compreende, na verdade,trs tipos bem diferenciados de pases. O primeiro inclui os pases detentores dematrias-primas escassas e de alta demanda internacional, entre as quais sobressaio petrleo, cujos produtores esto quase todos agrupados na OPEP. O segundo grupo, conhecido como grupo dos "NICs" "new industrialized countries" agrupa

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    pases muito diferentes, mas que alcanaram, recentemente, um elevado nvel deindustrializao. Grosso modo, os NICs se subdividem em dois setores: grandes pases de industrializao recente, mas de ampla escala e muito diversificada, de que oBrasil o caso mais tpico e pequenos pases, que se especializaram com xito emcertas linhas industriais voltadas para a exportao, como Hong Kong ouCingapu-ra. O terceiro grupo, tambm s vezes chamado de Quarto Mundo, agrupa pasesextremamente pobres, com modesta estrutura de recursos, um nvel econmico-tecnolgio no menos modesto e populaoes, majoritariamente rurais, extremamente deseducadas.

    A acentuada heterogeneidade do Terceiro Mundo, como seria de prever-se,tem conduzido cada um dos trs grupos precedentemente mencionados a estrat

    gias diferentes de desenvolvimento. So os pases da OPEP, como compreensvel,os que dispem de maior capacidade internacional de presso. Esses pases tmadotado posies corretas, enfatizando a necessidade de se tratar o problema daenergia no quadro mais amplo da reestruturao da ordem econmica internacional. E ora se aprestam, depois de um perodo de hesitaes, a concentrar grandesrecursos para a formao de uma importante fonte alternativa, fora do controle dospases centra is, pa ra o financiamento int ernaciona l do desenvolvimento. Isto n oobs tan te, observa-se que esses pases em que predo mina m os arbicos n o tmum verdadeiro projeto universal. Seus interesses privados os conduzem a se associaraos grandes empreendimentos ocidentais. E seus interesses pblicos os levam aconcentrar-se na luta contra o Estado de Israel e nas medidas de assistncia aos pases rabes pobres.

    Do lado dos NICs cabe, igualmente, acentuar a distncia entre a retricatercei ro - mu n dista e as tendncias reais. Estas so mui to mais no sentido de buscarem solues individuais. Os pases pequenos do grupo aspiram a ampliar e consolidar a parcela do mercado mundial que conquistaram para suas manufaturas e es

    peram, atravs de suas exportaes, se converterem com celeridade em sociedadesmodernas e desenvolvidas. Os pases grandes querem ultimar sua transformao empotncias industriais integradas, combinando capacidade exportadora com umamplo mercado interno e aspiram a se converterem em membros de pleno direitodo clube dos desenvolvidos.

    So, assim, os pases mais pobres do grupo, que na prtica dependem quaseexclusivamente de uma nova ordem econmica internacional, para seu desenvolviment o, os que se em pe nham mais dire tame nte na promoo desta, sem pa ra tal dispor, entretanto, de suficiente peso internacional.

    Perspectivas

    A situao precedentemente descrita no conduz, evidentemente, a perspectivas favorveis a curto e a mdio prazos. Dada a inexistncia de uma verdadeira or-

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    dem internacional, em que as decises internacionais competentes tivessem cartercompulsrio para todos os pases, as recomendaes de peritos e as prprias deliberaes das Naes Unidas se constituem em meras exortaes, somente atendidas

    por um pequeno nmero de pases com grande sentido de responsabilidade internacional, como Holanda e Sucia. Por outro lado, as profundas diferenas que separam uns dos outros os trs setores do Terceiro Mundo e as consequentes diferenasem sua conduta internacional, enfraquecem, decisivamente, a unidade operacionaldesses pases.

    O mais provvel curso dos acontecimentos, assim, para os prximos anos, consiste na acentuao das diferenas entre os trs tipos de pases do Terceiro Mundo.Os pases produtores de petrleo e, em escala muito mais modesta, os de algumasoutras matrias-primas de crescente demanda internacional, acumularo extraordinrios excedentes econmicos e saldos internacionais de conta corrente e seconvertero nas grandes fontes do financiamento e da reciclagem internacionais.Converter-se-o, tambm, perigosamente, em alvo da cobia e do ressentimentomundiais. Na medida, entretanto, em que administrem com alguma competnciaseus extraordinrios excedentes, esses pases disporo de condies excepcionais para se modernizarem e se desenvolverem se o mundo no for conduzido a uma conflagrao militar de grande escala.

    Os "NICs" que lograrem compensar, de uma ou de outra forma, seus dficitsde petrleo, mantendo uma alta taxa de exportaes, apesar do provvel agravamento da "stagflation" internacional, tambm disporo de condies favorveis para seu crescimento econmico e desenvolvimento nacional, guardada a ressalva precedente.

    O peso da deteriorao das condies internacionais tender a recair, por isso,

    sobre os demais pases, que constituem a grande maioria do mundo. Entre esses demais pases se incluem os "NICs" que no lograrem compensar dficits petrolferosexcessivos como poder ocorrer com o Brasil, se no adotar polticas apropriadas. Se encontram todos os pases do "Quarto Mundo", compreendendo a maioriada hu man id ad e. E se encon tram t amb m, embor a em termos comparat ivamentemuito mais favorveis, os pases industriais que, pela queda da capacidade importadora do Terceiro Mundo, num quadro geral de recesso, sofram de elevadas taxas de subemprego de sua capacidade produtiva, com a decorrente tendncia "stagflation".

    Esse irracional cenrio de distores e de deteriorao das condies mundiais,entretanto, inerentemente instvel. Um prolongamento do mesmo incrementariaextraordinariamente as tenses internacionais, elevando exponencialmente as probabilidades de guerra. Os riscos inaceitveis contidos na perspectiva de um conflitomilitar de maiores propores constituiriam, em contrapartida, um poderoso incentivo para o estabelecimento de uma ordem mundial mais vivel.

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    As duas condies bsicas para uma mnima reordenao vivel do mundo soum retorno coexistncia pacfica, entre as superpotncias e a posta em pritica deq}go como o programa mnimo de reequilbrio das relaes Norte-Sul, proposto pela Comisso Brandt.

    Notas

    (1) A Cornudo Brandt, ademais de teu presidente, ficou integrada pelas seguintes personalidades: Ab-dlatif Y. AI-Hamad, diretOT-geral do Fundo do Kuwait para o Desenvolvimento Economico-Arabico;Rodrigo Bolero Montava, da Colmbia, diretor de Estratgia Econmica y Financeira; Antoine Kipea

    Dakour, conselheiro do presidente do Volta Superior; Eduardo Frei Montava, ex-presidente do Chile;Katberine Granam, os Estadas Unidos, presidente do Conselho de Administrao do Washington Post;Edward Heath, cr-primeiro-ministro do Reino Unido: Amir H. Jamal, da Tanznia, ministro dai Finanas; Lakshm Kanijha, da ndia, governador de jam mu e Kashmir; Khatijah Ahmad Kuala, da Ma-titia, diretor executivo de KAFDiscoub Ltd.; Adam Malik, vice presidente da Indonaia: HaruldMuri,dojapjo, embaixador; Joe Morris, presidente emrito do Congresso Canadense do Trabalho; Olof Palme, ex-prmieiro-ministro da Sucia; Peter G. Peterson, dos Estados Unidos, presidente do Conselho deAdministrao de I Bros. Kuhn Loeb; Edgar Pisani, da Franca, senador; Shridath Ramphal, daGuiana, secretrio-geral da Commonwealth; Layachi Yaker, da Algria, embaixador junto Uniio Sovitica- Em janeiro de 1978 foi organizado o secretariado da Comisso, comoProf. Goran Ohiin, do Departamento de Economia, da Universidade de Uppsala, como secretrio executivo e o Prof. DragoabivAvramovic, da Iugoslavia, como diretor do secretariado.

    (2) Cf, Nvrtk- South A Programmefor Survniai The Report of The Independem Connsnon on In-ternarionaj Development Issucs under the Chairmanship of Willy Brandt, London. Pan Books, 1980,Annex Z, p. 296.

    (S) Cf. North-Sovth A Programmefor Survival. Op.cit. p. 64.

    (4) Cf. North-South, op. cit. p. 20.

    (5) Cf. Sobre o novo sistema interhnperial: Hlio Jaguaribe, "Autonomia Perifrica e Hegemonia Cn-trica", m Relaes Internacionais, Ano 3, junho 1980, n. 3, p. 8 a 24.

    (6) A interveno americana no Vietn uma ilustrao de sua pouca capacidade para usar a fora militar como "polfcia imperial". Privado, por motivos scio-culturais internos, de' usar a plenitude de seu*recursos, os Estados Unidos terminaram, de fato, submetidos a uma derrota militar.

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    Conferncia Pronunciada pelo Embaixador Ramiro

    Saraiva Guerreiro, Ministro das Relaes Exteriores,na Escola Superior de Guerra, em 5 de setembro de 1980

    I. VISO DA CONJUNTURA E O COMPORTAMENTO DIPLOMTICO DOBRASIL

    1) No ano em que se abre a dcada de oitenta, a diplomacia brasileira se dirige s suas variadas tarefas, com a certeza de que continuar a ligar o seu trabalhoao esforo maior do desenvolvimento nacional, em todas as suas dimenses. Paraservir ao Brasil, no nos iludimos sobre o pas, nem muito menos procuramos iludirnossos interlocutores. Um realismo sbrio orienta a ao diplomtica. Assim se criaconfiana, base indispensvel para a construo de uma posio internacional quefavorea o desenvolvimento econmico e a segurana.

    2) Em outra dimenso, inegvel que a evoluo da situao interna elemento que refora a confiana e a credibilidade internacionais do pas. De fato, omo me nt o que vivemos, com o na o, exa tam ent e o da constituio de nossa verdade politica. A fixao do pluralismo e da democracia, do dilogo e da responsabilidade, e a ampliao das formas de participao permitem a governantes e governados ver melhor as realidades que nos envolvem. Permitem que se ajustem os ideaiss realidades, o trabalho do Governo ao que pensa e quer o povo. No existiro, porm, frmulas fixas ou ideais para o cotidiano, pois a democracia , exatamente, oquadro institucional que convida variao, inovao, ao futuro.

    3) Fao essas reflexes com o pensamento voltado para o mundo que nos cerca. Minha proposta inicial a metodolgica. O mesmo sentido que nos orientaint ernamente de abe rtura , de busca do povo e do mais certo pa ra a nao, esthoje plenamente incorporado ao exerccio da diplomacia brasileira. E no se tratade uma ttica de mero ajustamento entre a realidade interna e externa. uma

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    30 Ramiro Saraiva Guerreiro

    obrigao que nasce da prpria fluidez da conjuntura internacional, o modo moderno de ligar nosso pas aos negcios do mundo. No um modo simples, de meratransposio de uma disposio interna para o mundo exterior. Cada ao requeravaliao de seu efeito imediato e, sobretudo, de seus efeitos a mdio e longo prazos.

    4) De fato, o exerccio da diplomacia exige cuidadoso e pertinaz realismo naanlise e na interpretao da cena internacional. No existem formulaes fceisque en quad re m a complexidade do mu nd o con tem por ne o. A real idade fluida erepele maniquesmos, clichs, frmulas estratificadas. No h caminhos simplespara a superao dos impasses internacionais que se acumulam. As reas de tensose multiplicam porque as transformaes da realidade no se acompanham de ver

    dadeiro progresso; cada vez mais dramtica a exigncia de modificaes estruturais da ordem internacional. Se h trao persistente, o de que a tica e a razo, osideais de justia e solidariedade e, mesmo, as regras mnimas de convivncia noparecem contaminar o comportamento dos Estados que mais conformam a realidade internacional, impelidos que so pelos estatutos do poder ou por interesses imediatos e setoriais.

    5) Essas observaes gerais servem de introduo minha exposio, na qualprocuro caracterizar a conjuntura internacional, tomando como referncia temporal o ano que passou, desde minha ltima visita Escola.

    6) Naquela ocasio, preocupava-me o fenmeno da fluidez conjuntural, a dificuldade de apreender concetualmente a realidade e o fato de que a acelerao dahistria no se acompanhava de movimentos institucionais paralelos, que garantissem, de forma permanente, a ampliao dos quadros de deciso internacional.Acentuava-se o distanciamento entre o fato universal do progresso histrico e a participao lim ita da no leme da histria. O afastam ento e o bloqueio part ici pao

    s fazem gerar problemas que s podem ser adiados ou escamoteados com ndicescrescentes de violncia internacional. E a aceitao da violncia como inevitvel oerro maior que as grandes potncias frequentemente cometem.

    7) Gostaria, porm, de ilustrar minhas observaes com uma reviso rpida ecertamente seletiva dos acontecimentos internacionais importantes e bem conhecidos nesses ltimos meses. Farei uma lista:

    i) a invaso do Afeganisto, com violao do princpio da no-interveno,condenada claramente pela Assembleia-Geral das Naes Unidas, elevou a temperatura do confronto Leste-Oeste. O impasse persiste at hoje;

    ii) o aumento da tenso no Oriente Mdio. O funcionamento e as perspectivasde Cam p David, a paz patroci nad a pelos EUA e negociada d ire tam ent e pelo Egito eIsrael foi frustrada, em boa parte em virtude de atitudes intransigentes como, ago-

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    ra, a tentativa de unificao de Jerusalm; alternativas mais amplas para a consecuo de paz na regio, com efetiva participao dos atores interessados, esto postasnum perigoso segundo plano;

    iii) os conflitos no Sudeste da sia; o equilbrio de poder a base da polticaregional e, alimentado por exacerbadas disputas histricas e ideolgicas, tem feitocom que a rea viva em permanente conflito. A situao continua sem perspectivasde soluo;

    iv) a transio pacfica no Zimbabu, feito que deve ser tributado a um equilibrado processo de negociao e democracia eleitoral implantada, no resolve osproblemas do Sul da frica. O caminho zimbabuense no se transfere fcil ou auto

    maticamente para a Nambia, nem, muito menos, para a frica do Sul, nico pasdo mundo em que persiste institucionalizada uma poltica de discriminao racial;as incurses armadas sul-africanas em Angola so um dos exemplos correntes deviolncia internacional, que gera inevitveis e prolongados problemas polticos;

    v) o recrudescimento do terrorismo na Europa com o violentssimo atentadode Bolonha, que deplorado por todos, dentro e fora do mundo desenvolvido;

    vi) o desaparecimento de Tito abre um espao e uma interrogao na Europado Leste e, alm disto, pode agravar, talvez, as dificuldades que viveu, nesses ltimos anos, o Movimento No-Alinhado. A morte de Tito transcende, em sua significao, a Iugoslvia e vai repercutir sobre o prprio processo internacional;

    vii) as disputas internas na Aliana Atlnt ica so out ro sinal da dificu ldade decriar valores comuns para a atuao concertada; mesmo quando se analisa o focolimi tado da vida in tra blocos;

    viii) a renovao das disputas sobre armamentos, especialmente os nucleares,e a criao de novos e temveis patamares de equilbrio do terror na Europa formam tendncia que coloca em risco os minguados ganhos da dtente e das negociaes SALT;

    ix) as dificuldades de transformao poltica no Caribe e na Amrica Central,onde por infelicidade, a violncia parece estar inexoravelmente ligada aos processosde superao da estagnao poltica e econmica;

    x) os impasses conhecidos para a democratizao dos pases da Amrica doSul. Aqui, evidente que, de acordo com a tradio brasileira, no expressamos,em nenhum momento, preferncias concretas, em relao a pases determinados,por essa ou aquela forma de regime. No se trata disto. No obstante, como valorpoltico, o Governo brasileiro prefere nitidamente a democracia e manifesta sua de-

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    terminao de que a mesma se implante forte e amplamente no solo brasileiro, oque no deixar de ter reflexos externos;

    xi) persiste o impasse no relacionamento Norte-Sul. Os pases desenvolvidos se

    fecham ainda mais em suas reunies de cpula e dedicam ateno decrescente aosproblemas dos pases do Sul, A segunda reciclagem dos petrodlares coloca novos edifceis desafios para o sistema econmico internacional.

    8) Propositalmente, no busquei hierarquizar esses acontecimentos, nem lig-los dentro de algum esquema interpretativo, embora seja bvio que todos, ou quasetodos, contribuem para gerar tenso internacional. Minha preocupao outra.Desejo apresentar observaes de feitio muito geral, direta ou indiretamente perti

    nentes aos fatos apontados, observaes que, a meu ver, constituem uma base paraa anlise dos acontecimentos conjunturais e das tendncias que os mesmos denotam.

    9) Comearia essas observaes com a questo da "estrutura da convivnciainternacional". Na verdade, vejo aqui duas questes.

    10) Em primeiro lugar, h uma dimenso esttica. A convivncia se sustenta(ou se deve sustentar) num quadro de regras que garantam minimamente a segu

    rana e a integridade de cada Estado. Essas regras esto fixadas juridicamente naCarta da ONU e, simplificando, poderia dizer que o seu pilar fundamental oprincpio da no-interveno. O desrespeito a esse princpio vital perturba a intera-o internacional, engendra desconfianas, enseja reaes, e, como a histria contempornea demonstra cabalmente, gera frutos amargos para o interventor e aindamais amargos para a populao do Estado que sofre a interveno. No precisomencionar os limites a que, mesmo essa regra to fundamental e to aceita, est su

    jeita hoje , com a manifestao, nos mais variados quadrantes, de vocaes hegem

    nicas que atropelam os limites de Estados fracos ou indefesos, sob variados pretextos. Concluindo: se a convivncia viciada, desrespeitosa, como enfrentar os problemas comuns? Como suplantar os impasses que se acumulam? Como diminuir osnveis absurdos de armam en tis mo, p rincipalme nte nucl ear? Como vencer os interesses egostas e imediatistas que impedem uma viso mais aberta e ampla dos interesses econmicos? Como experimentar verdadeiramente o potencial do Estado-Nao, como base para organizao do mundo, se apenas alguns dentre eles podemfazer valer direitos plenos?

    11} fcil, infelizmente muito fcil, explorar algumas das consequncias negativas desse quadro. Em primeiro lugar, existe e se difunde uma espcie de dificuldade de negociar, com a perigosa substituio da diplomacia pela fora ou pelo discurso ideolgico. sintoma da prevalncia de um certo autoritarismo no plano internacional, em que o outro visto como adversrio a ser diminudo, humilhado ouisolado. paradoxal que, num momento em que aumentam dramaticamente as in-

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    teraes internacionais, esteja to rac iona da e tmida a interao funda men tal , organizadora, que a interao poltica. Ou melhor, a interao poitica que existe limitada a pequenos crculos e se destina a resolver questes especficas, sem sentidode generosidade e de futuro.

    12) H, porm, uma segunda dimenso da questo da convivncia internacional, que tem contornos dinmicos e que apresenta especial interesse para os pasesem desenvolvimento, como o Brasil. Discutir o problema da convivncia diplomtica insuficiente, quando vemos a cena internacional com os olhos de um pas emdesenvolvimento, preocupado tanto com as manifestaes de poder quanto com aestrutura, que confere uma aparncia de valor e legitimidade aos atos de poder; umpas preocupado, afinal, com problemas de alimentao, moradia, sade, e outros

    tantos que, talvez, precedem a problemtica do poder. Estamos preocupados porque a estrutura internacional cristaliza estratificaes indesejadas e se perpetua emtermos de poder. Na verdad e, repele os projetos de trans formao no me diadospelo prprio poder. A esse respeito, no poderia ser mais ilustrativa a nossa experincia no dilogo Norte-Sul.

    13) A evoluo da vida internacional est bloqueada pela consagrao estrutural de desigualdade, no que diz respeito tanto substncia dos problemas polticos, econmicos e sociais, quanto restrio participao no processo decisrio.Vivem-se mudanas; de fato existe movimento na histria, mas a estrutura da convivncia se altera apenas marginalmente, por adies tpicas, no incorpora novidades, no abre espao para o processo de criao poltica, para a soluo de problemas fundamentais. Chega-se ao aparente paradoxo de existirem pases subdesenvolvidos que, embora descritos como "afluentes" ou "em processo de industrializao", permanecem efetivamente subdesenvolvidos, sem que possam alterar seumodo de insero internacional.

    14) Nesse sentido, o presente sistema internacional sequer chegou a viver plenamente em toda a sua potencialidade. Vejo com ceticismo as frmulas para transcender o Estado, atravs de Governos ou instituies supranacionais. Hoje, essasformulaes no passam de transparente disfarce para novas hegemonias.

    15) Ainda no se reconhece, por exemplo, que a reforma do sistema econmico internacional no , apenas, um ato de benemerncia, e, sim, a reinterpretaodo prprio jogo de interesse entre o Norte e o Sul. No h desejo, de parte dos pases industrializados, de agir em conformidade com a constatao simples de que osinteresses que os ligam aos pases em desenvolvimento podem e devem ser transformados num quadro de mutualidade. O status quo no s reproduz as equaes depoder mas tambm bloqueia a articulao e o curso de frmulas alternativas s determinadas pelo presente esquema de distribuio de poder.

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    16) Outro exemplo dessa situao est ligado dinmica das tenses regionais. Na verdade, quem sofre com o status quo no so evidentemente as naes poderosas, que so imaginativas a ponto de descobrirem funcionalidade estrattica e

    econmica para os maiores e mais temveis arsenais de armas, nucleares e convencionais. Quem sofre so as naes do Sul.

    17) No quero, por outro lado, adotar verses simplistas que vem, em cadaconflito regional, a mera superposio de conflitos globais entre as superpotncias.Alm de objetivamente erradas, atribuem imediatamente s superpotncias o condo mgico da Paz: se so elas os mentores da guerra, no haveria paz, nem desenvolvimento autnomo, sem o correspondente patrocnio que possam dispensar.

    18) Insisto em outros pontos. Enquanto persistir a resistncia reforma da ordem econmica internacional, enquanto estiver bloqueado o acesso dos pases pobres ao desenvolvimento e aos processos de deciso internacional ser difcil evitarque as formas de interveno e de interferncia se manifestem, clara ou sub--repticiamente. De outro lado, a prpria incapacidade das superpotncias de criarum modus vivendi estvel contribui para acelerar as instabilidades regionais. As superpotncias no deixam de ver oportunidades de influncia em conflitos regionais,tantas vezes motivados fundamentalmente pela dinmica local. Quando se adota

    essa tica, e quando as partes do conflito a aceitam, est estabelecido o caminhopara a estratificao da disputa.

    19) Em suma, no haver ordem internacional consentida e legtima se nohouver Estados verdadeiramente autnomos e, para tanto, fundamental que sealterem as regras internacionais que fecham os caminhos para o desenvolvimento.E isso s ocorrer se houver participao ampla e democrtica dos Estados-mem-bros da comunidade internacional nas decises sobre o seu destino. Caso contrrio,

    a estrutura de convivncia com os efeitos que apontei se reproduz ir sem soluo esem transcendncia.

    20) No quer o arma r com essas observaes uni amargo "crculo vicioso", o daindigncia poltica. No essa a minha inteno. Quero assinalar, por enquanto, adificuldade das tarefas que enfrenta a diplomacia de um pas em desenvolvimentonos dias de hoje; de outro lado, insisto em que no existem solues e caminhos bvios, sobretudo se pensarmos em solues isoladas, egostas, que simplesmente procurem tomar a trilha percorrida pelas potncias atuais. A, alis, est a base para osentido democrtico e aberto da viso brasileira sobre o sistema internacional. Noacredito haja outra direo para o sistema internacional que no a democracia deresponsabilidades, uma democracia que gere segurana para todos os Estados e distribuio equitativa dos benefcios do sistema internacional.

    21) Abriria um parnteses para um exemplo recente de cooperao internacional que demons tre a possibilidade de negociao abert a, de trocas m tu as de

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    vantagens e de fixao consensual de regras: a Conferncia sobre o Direito do Mar,que se encaminha para sua fase conclusiva.

    22) Uma segunda rea de reflexo tem que ver com a posio brasile ira concreta, em relao aos temas e problemas apontados. No vou repetir, uma a uma,as atitudes que adotamos diante dos acontecimentos que marcaram a conjunturainternacional. Sero elas amplamente conhecidas dos senhores, no s porque constituem, em geral, matria de estudo nesta Escola, mas tambm porque temos procurado, atravs de contato cotidiano e franco com a imprensa, informar amplamente a opinio pblica brasileira sobre os passos de sua diplomacia. Nesta parte,prefiro colocar alguns dos dilemas da construo da prpria posio brasileira emrelao s questes que coloquei. Farei apontamentos gerais, indicaes sumrias,que, espero, no debate, possam ser suplementadas.

    23) Minha exposio centrou-se at aqui em revelar tendncias da conjuntura, que escondem, infelizmente, formas estruturadas do sistema internacional. Alista de acontecimentos que apresentei era de exemplos claros, alguns mais que outros, do que venho dizendo. O tema do poder e o tema da necessidade de reformadominaram minhas palavras. Mas no indiquei como nos devemos situar diante dainfluncia do poder nos negcios internacionais e da necessidade coerente de refor

    ma do sistema econmico e poltico.

    24) Esses quesitos const ituem o pa no de fundo da ao diplomtica brasileira,da mesma forma que a Paz, a Soberania e o Desenvolvimento so os seus vetores para a ao concreta.

    25) Seria m a resposta de que com mais poder mais conformaremos o sistemainternacional. Estaria o pas ganhando status de potncia e passaria a comportar-secorno tal. m essa resposta porque parte de trs falsas premissas. Em primeiro lugar, a reforma do sistema pelo caminho do poder no seria uma verdadeira reforma, mas, sim, a sua reproduo em novo patamar, com novos atores, em que nosinclui ramos , pa ra o qual seramos cooptados. No isto que pre tendemos. Em segundo lugar, no pensamos em copiar ou repetir a trajetria das potncias atuais, oque seria contra as tradies do Brasil em poltica externa, e contra a prpria lgicado sistema internacional contemporneo. Viver (ou pretender viver) como potnciaimplica a adoo de comportamentos hegemnicos e a utilizao de instrumentos,que condenamos. Em terceiro lugar, no recebemos (nem o pretendemos) qualquer

    legado ou manto imperial; o Brasil no substitui ningum no plano internacional, oBrasil pratica a sua prpria poltica. A influncia que tiver ser resultante da coincidncia de sua linha de ao com o interesse real da maioria dos Estados.

    26) Seria igualmente ineficaz imaginar, contra a realidade, que o Brasil tenhadeixado de ser um pas em desenvolvimento ou esteja prximo a faz-lo. Sim, progresso houve e tem havido, graas aos nossos prprios esforos. Mas continuamos,

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    Governo e povo, a enfrentar srias disparidades regionais e sociais em nosso pas;subsiste o hiato que nos separa dos pases desenvolvidos, como indica a simples vivncia de nossos problemas cotidianos. O Brasil, envaidecido, no se deixar enganar pelos rtulos de "pas recentemente industrializado" ou de pas em desenvolvi

    mento "avanado", rtulos cujo objetivo simplesmente o de nos separar dos demais pases do Sul e, assim, com aparente legitimidade, nos negar os benefcios decooperao internacional. Isso no faremos enquanto permanecer inalterado o nosso modo de insero na realidade internacional. Prosseguiremos em nossos esforosno plano Norte-Sul e, complementarmente, aceleraremos tanto quanto pudermos anossa cooperao com os pases do Sul.

    27) Como definir, ento, nosso perfil? Como pas em desenvolvimento, o Bra

    sil um pas afetado, em diversas dimenses, pelo sistema internacional, que nosaparece, em boa medida, como um dado. Nossos meios de projeo externa so limit ados. N o afetamos o destino do sistema inte rnaci onal da mesma forma amp lapela qual este molda o cotidiano da vida brasileira. Trata-se de um problema estrutural: a nossa dependncia de importao de petrleo, tecnologia e capitais.

    28) Nossa preocupao assim de criar filtros para que as influncias recebidas sejam as que desejamos, como nao, receber. Este problema no se resolve

    simplesmente pela adio mecnica de "quantidades de poder". Poder sim, mas noseu sentido mais amplo: coeso interna construda democrtica e livremente, a formao de consenso nacional, a criao de estruturas econmicas, sociais e polticasslidas, que podem sustentar a nossa autonomia, a nossa independncia.

    29) O alargamento da presena internacional do Brasil necessidade do prprio desenvolvimento nacional, mas no se far em termos de poder.

    30) Nossa presena externa tem que ser rigorosamente compatvel com a filosofia que adotamos. Se desacreditamos das solues de poder, no devemosimplement-las e sim conden-las; se acreditamos em necessidade de reformas amplas, que beneficiem os pases necessitados, no devemos transformar pontas mnimas de vantagens localizadas em supostos apangios de "nova potncia"; se confiamos na diplomacia, na persuaso, no convencimento, no adotamos a fora comonorma de ao externa, mas, ao contrrio, condenamos o seu uso, efetivo ou potencial; se acreditamos que a Paz deve ser pluralista, democrtica, com espao para a

    manifestao de todos os Estados, no admitimos movimentos que levem a intervenes externas, seja qual for o seu promotor; se defendemos solues solidrias eticas, devemos pratic-las em cada momento de nosso relacionamento, em cadainstncia de nossos empreendimentos internacionais. Se condenamos o egosmo e oimediatismo, advogamos sinceramente a importncia da combinao de esforosatravs de organizaes mundiais e regionais, que sirvam a seus membros sem discriminao e sem artifcios hegemnicos.

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    31) Para terminar esta parte, em que procurei sublinhar os efeitos complexosda conjuntura internacional, e definir alguns aspectos da atuao diplomtica doBrasil, insistiria somente nu m ponto. O Brasil vive, no sistema int ern aciona l, um a

    situao qu e dad a. As nossas possibilidades de modificar traos bsicos do sistemaso limitadas. Essa circunstncia no nos deve intimidar, nem conduzir a um fechamento ou a um isolamento. Ao contrrio, a nossa posio internacional convida participao intensa, sem preconceitos, nos negcios do mundo. Porque dependemos do sistema, devemos viv-lo plenamente, em todas as suas dimenses, com universalismo e dignidade, como bem definiu o Presidente Joo Figueiredo. esse ocaminho para absorver as influncias externas e abrir espao para a demonstraode nossas possibilidades e de nossas teses. Nossa diplomacia ter que ser sumamenteinventiva e dinmica. Nossas melhores armas, o exemplo, a tica e a imaginao,

    ou seja, a criao da confiana e a capacidade de convencimento, coadjuvadas porao prtica, mesmo com nossos meios modestos, inspirada nos mesmos conceitos.

    II. DOZE MESES DE POLTICA EXTERNA BRASILEIRA

    32) Antes de passar aos temas que integram a agenda diria da diplomaciabrasileira, desejaria assinalar que o nosso comportamento externo, em suas posiesde princpio e em suas aes, concretas, tem sido invariavelmente voltado para a

    Paj e o Desenvolvimento. Temos conscincia clara sobre os modos pelos quais poderemos ser teis ao sistema internacional. Temos diretrizes firmes de ao. Temoscompreenso de que as responsabilidades que queremos devem ser compartilhadase devem ser medidas pelo nosso compromisso com a Paz e o nosso interesse no desenvolvimento. No nos queremos atribuir responsabilidades maiores que as da dimenso externa do pas, nem desejamos que nos atribuam, por delegao ou solicitao, responsabilidades derivadas de conflitos ou disputas, cuja origem no estem nosso controle. Embora modesta, essa a forma genuinamente brasileira de fazer diplomacia.

    33) Minhas observaes at agora so dr eta ou indi ret amente modulaes eadaptaes do que constitui o cerne doutrinrio de nossa politica externa, tal comodefinida pelo Presidente Joo Figueiredo: o universalismo, a dignidade nacional e aboa convivncia. So elementos que se entrosam coerentemente e criam o modobrasileiro de participar do cenrio poltico internacional.

    34) O universalismo no uma aposta na quantidade de contatos e de nme

    ros de intercmbios. Ao contrrio, implica a tomada de posio sobre a substnciado relacionamento internacional. Implica a admisso de que a variedade de tendncias e propostas deve fundar o que tenho chamado de "estrutura democrticade convivncia internacional". O universalismo, bem aceito e compreendido, an-ciintervencionista. promotor da dignidade nacional, porque prope o pleno respeito s individualidades nacionais, ou seja a ampla aceitao da igualdade soberana dos Estados como modelo da organizao da vida internacional.

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    35) A preservao da dignidade nacional e a regra da boa convivncia so oselementos que, nos casos concretos, indicam o feitio da ao brasileira. Frequentam, como parmetros, os encontros diplomticos brasileiros bilaterais, regionaisou multilaterais. Constituem, assim, o substrato de uma tica de comportamento,

    que se baseia na no-interveno, na busca das solues pacficas, e na preocupao com o equilbrio de compromissos nos negcios concretos. Uma tica que buscaem cada ao projetar a inteno de Paz e Desenvolvimento.

    36) No quero (nem creio necessrio) alongar-mo nessas reflexes. No tenhodvidas de que a diplomacia brasileira, pela serenidade e objetividade com que tematuado, cristalizou socialmente o seu corpo doutrinrio. As premissas que nosorientam so conhecidas e aceitas; existe consenso sobre as metas e propsitos; o

    sentido de interesse nacional amplamente reconhecido; e, apesar de nossa disposio permanente para o debate e para o ajustamento, constato, com felicidade, queas crticas so episdicas e no tocam no cerne de nosso fazer. Sinto assim que a diplomacia do Presidente Figueiredo est plenamente integrada no esforo nacionalde desenvolvimento e de construo de uma nao democrtica, soberana e abertaaos contatos e convivncia.

    37) Penso que isto foi conseguido com a contribuio do Itaniaraty. Temospocurado ligar claramente a proposta de ao e o trabalho efetivo. A continuidade

    das aes, sua coerncia interna, a preocupao em recolher a tradio de comportamento diplomtico, o cuidado em adaptar o trabalho diplomtico s modificaes conjunturais, a viso de projeto so fatores que, creio, esto na base de ligaoentre a proposta e a ao.

    38) Olhando, agora, para o conjunto das aes nestes ltimos doze meses, registraria que a Amrica Latina foi rea prioritria da ao diplomtica brasileira.O Presidente Figueiredo deu clara relevncia aos nossos relacionamentos continen

    tais e, atravs de uma srie de encontros de alto nvel, estimulou grande dinamismona presena brasileira entre seus vizinhos do continente.

    39) importante fixar o sentido geral da poltica brasileira na regio, antes detocar em alguns temas bilaterais.

    40) O dado fundamental nossa identidade como pas latino-americano. Naverdade, a intensificao sequncia natural de um modo de ser do Brasil. Somoslatino-americanos, o que faltava era explorar a fundo as consequncias de nossaidentidade.

    41) Temos uma preocupao bsica cm nosso relacionamento continental, ode traduzir em aes e empreendimentos o vocabulrio da solidariedade latino-americana. No tarefa simples, e creio que, hoje, todos ns. latino-americanos,reconhecemos a dificuldade do processo. Nossa histria nos afastou uns dos outros

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    ao estabelecer, como privilegiadas, nossas relaes com os pases do Norte, os centros dinmicos da economia internacional. Ainda h numerosas dificuldades de comunicao e mesmo a identificao de uma cultura latino-amercana e o reconhecimento de problemas comuns no esto enraizados. O esforo de unidade deve, as

    sim, ser consciente e criativo, de luta, mesmo, contra estruturas que nos afastam enos cegam para o potencial da cooperao e do trabalho conjunto.

    42) O esforo no sentido da un id ade j comeou. As viagens do Presidente Figueiredo se inserem, sem dvida, na busca e no encontro de caminhos novos. E. fundamental que se estimulem encontros num momento particularmente difcil daconjuntura internacional. No quero isolar o continente das mazelas do mundo,mas devemos reconhecer que, em regra, temos conseguido um alto nvel de harmo

    nia entre vizinhos, harmonia talvez indita entre os pases do Terceiro Mundo (parano falar evidentemente dos dramas que so a histria dos desenvolvidos). umaharmonia histrica, que no mais deve ser quebrada. a base necessria para a intensificao do dilogo poltico e para o reconhecimento de relacionamentos econmicos mais frteis e proveitosos.

    43) Temos um trunfo importante que o da nossa diversidade e o da tradiode respeito s individualidades nacionais. Com base nesta diversidade, torna-se vivel a unidade, to necessria nos dias de hoje, inclusive para permitir melhor enfrentarmos as variaes adversas na conjuntura internacional. A unidade no umsonho; pelo contrrio, algo em pleno processo de construo. O Presidente Figueiredo tem, em vrias ocasies, mencionado o interesse brasileiro na preparao deuma posio mais homognea de negociao para a Amrica Latina em seus conta-tos com o Norte industrializado.

    44) Um out ro pon to impor tan te o reconhecimento de que ventos de mu da na prevalecem na Amrica Latina. Situaes de injustia social, formas estratificadas de dominao poltica, social e econmica, imobilismos de todo o tipo, estosendo questionados e muitos deles superados. Processos de transformao rpidaso iniciados, com a nsia de renovao se misturando com a vontade de superar opassado. So momentos em que temos que agir com compreenso e com sentido dehistria, evitando tomar sintomas, detalhes, pelo significado profundo da mudana. Mas a postura de rigorosa no-interveno.

    45) claro que, no mbi to do nosso ter ritrio, ao fazermos opes, aderimos avalores e condutas, que encarnam a vontade nacional. So nossos esses valores polticos e, por isto, acreditamos que, embora incompletos e irrealizados, desenham omelhor para o Brasil. Incorporam, neste momento, o sentido de mudana que vivea Amrica Latina, que acreditamos irreversvel e no aprisionvel por artifcios ouadiamentos. Nem acreditamos possam ser legitimamente estimulados por pressesou juzos de valor externos.

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    46) Reconhecimento de oportunidades, disposio poltica, aceitao da diversidade, adaptao mudana, busca do novo, mtuo reconhecimento em todasas dimenses, com esses elementos, mais a iden tidade la tino-amer icana, procuramos construir nossa presena continental neste momento. As viagens do PresidenteFigueiredo Venezuela, ao Paraguai, e Argentina; a visita dos Presidentes do Peru, do Mxico e da Argentina, o contato com o Grupo Andino, a entrada em vigordo Tratado de Cooperao Amaznica, o apoio aos novos mecanismos de integrao continental (ALADI), os meus prprios contatos com colegas latino-americanos, so momentos que coerentemente formam o quadro de nosso relacionamento.

    47) Dos vrios encontros bila terais , talvez mais do que os atos e negcios que

    abrem perspectivas para empreendimentos conjuntos, tenha ficado a sintonia dadiplomacia brasileira com a dos seus vizinhos. A nota dos dilogos foi invariavelmente a do descontraimento e da solidariedade, da linguagem comum, sem dissonncias.

    48) Podemos assim iniciar cursos novos de ao com o Peru, qu e hoje vive momento frtil de sua vida nacional; com o Paraguai, parceiro em tantos empreendimentos, constatou-se a profunda harmonia que une os dois povos, que tm a cons

    cincia clara de que a intensificao dos contatos, com base no respeito e no equilbrio, s os beneficiar; com a Argentina, pas com que temos talvez o relacionamento mais denso e complexo entre os pases em desenvolvimento, compatibilizamos os processos de aproveitamento hidreltrico do rio Paran e, vencida essa etapa, iniciamos com rapidez uma cooperao objetiva no mais vasto espectro de ativi-dades; com a Venezuela, o encontro presidencial foi base para a compreenso devrios elementos de complementaridade econmica e o mpeto que se deu ao intercmbio evidente; da mesma forma com o Mxico, onde foram numerosos os pro-

    je tos de cooperao entrevistos e real izados