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Capítulo I

Linhas introdutórias

Sumário • 1. Direito Processual Penal: 1.1. Conceito e finalidade; 1.2. Características; 1.3. Posição en-ciclopédica – 2. Entendendo O Tema: 2.1. Interesse; 2.2. Pretensão; 2.3. Lide; 2.4. Ação: 2.4.1. Noção; 2.4.2. Teorias da Ação; 2.5. Processo: 2.5.1. Procedimento (aspecto objetivo do processo); 2.5.2. Relação jurídica processual (aspecto subjetivo do processo); 2.5.3. Natureza jurídica do processo – 3. Sistemas Processuais: 3.1. Sistema inquisitivo; 3.2. Sistema acusatório; 3.3. Sistema misto ou acusatório formal – 4. Fontes: 4.1. Conceito; 4.2. Classificação – 5. Analogia: 5.1. Conceito; 5.2. Espécies; 5.3. Aplicação subsidiária do CPC/2015 – 6. Interpretação da Lei Processual: 6.1. Quanto à origem ou ao sujeito que a realiza; 6.2. Quanto ao modo ou aos meios empregados; 6.3. Quanto ao resultado – 7. A Lei Processual Penal no tempo – 8. A Lei Processual Penal no espaço – 9. Princípios Processuais Penais: 9.1. Princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade; 9.2. Princípio da imparcialidade do juiz; 9.3. Princípio da igualdade processual (princípio da paridade de armas e sua distinção); 9.4. Princípio do contraditório ou bilateralidade da audiência; 9.5. Princípio da ampla defesa; 9.6. Princípio da ação, demanda ou iniciativa das partes; 9.7. Princípio da oficialidade; 9.8. Princípio da oficiosidade; 9.9. Princípio da verdade real; 9.10. Princípio da obrigatoriedade; 9.11. Princípio da indisponibilidade; 9.12. Princípio do impulso oficial; 9.13. Princípio da motivação das decisões; 9.14. Princípio da publicidade; 9.15. Princípio do duplo grau de jurisdição; 9.16. Princípio do juiz natural; 9.17. Princípio do promotor natural ou do promotor legal; 9.18. Princípio do defensor natural; 9.19. Princípio do devido processo legal; 9.20. Princípio do favor rei ou favor réu; 9.21. Princípio da economia processual; 9.22. Princípio da oralidade; 9.23. Princípio da autoritariedade; 9.24. Princípio da duração razoável do processo penal; 9.25. Princípio da proporciona-lidade; 9.26. Princípio da inexigibilidade de autoincriminação; 9.27. Princípio da cooperação processual – 10. Quadro Sinótico – 11. Súmulas Aplicáveis: 11.1. STJ; 11.2. STF – 12. Informativos Recentes: 12.1. STJ; 12.2. STF – 13. Questões de Concursos Públicos – 14. Gabarito Anotado – 15. Questões discursivas com comentários – 16. Questões para treinar (sem comentários): 16.1. Gabarito

1. DIREITO PROCESSUAL PENAL

1.1. Conceito e finalidade

O direito é um só e é constituído pela linguagem. A linguagem é a tessitura constitu-tiva do mundo, dentro de um prisma fenomenológico-existencialista1. No ponto, pode-se anuir com Edvaldo Brito quando enfatiza que “a realidade do direito é, em si, linguagem”2. Esse modo de enxergar o direito é importantíssimo para sua aplicação contextualizada so-cialmente. É assim que o direito processual penal compreenderá a interpretação/aplicação normativa penal sem descurar da Constituição e dos fatos da atualidade.

Com essa advertência – que deve permear o estudo deste livro –, calha trazer à baila a lição de Frederico Marques, especialmente quando aduz que o direito processual penal “é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do direito penal,

1. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 5.2. BRITO, Edvaldo. Limites da revisão constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1993. p. 16.

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar46

bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares”3.

As disposições constitucionais sobre matéria criminal fazem parte desse conjunto e a sua interpretação/aplicação, nas palavras de Thiago Bomfim, não pode “ser uma atividade puramente mecânica”, porém deve convergir para uma “atividade criadora, responsável por reconhecer como sendo parte integrante do sistema valores que até então se apresentavam sob uma perspectiva eminentemente filosófica, sociológica e ética”4.

Com efeito, o processo penal deve ser compreendido de sorte a conferir efetividade ao direito penal, fornecendo os meios e o caminho para materializar a aplicação da pena ao caso concreto. Deve-se ter em vista que o jus puniendi concentra-se na figura do Estado. Essa característica não se modifica quando se cuida de ação penal privada, eis que aqui o querelante passa a figurar como substituto processual.

Outrossim, estando a vingança privada banida, como regra, do estado democrático de direito, com a tipificação criminal do exercício arbitrário das próprias razões como crime contra a administração da justiça (art. 345 do CP), resta confiar ao direito processual penal a solução das demandas criminais, delineando toda a persecução penal do Estado, já que se cuida daquela “parte do direito que regula a atividade tutelar do direito penal”5.

No que tange à finalidade do direito processual penal, ela pode ser dividida em me-diata e imediata: aquela diz respeito à própria pacificação social obtida com a solução do conflito, enquanto a última está ligada ao fato de que o direito processual penal viabiliza a aplicação do direito penal, concretizando-o.

FINALIDADE DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

Mediata Imediata

alcançar a pacificação social com a solução do conflito

viabilizar a aplicação do direito penal, concretizando-o

1.2. Características

A doutrina costuma discorrer sobre três características do direito processual penal. Senão vejamos.

(1) Autonomia: o direito processual não é submisso ao direito material, isto porque tem princípios e regras próprias e especializantes.

(2) Instrumentalidade: é o meio para fazer atuar o direito material penal, consubs-tanciando o caminho a ser seguido para a obtenção de um provimento jurisdicional válido.

3. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2003. v.1. p. 16.4. BOMFIM, Thiago. Os princípios constitucionais e sua força normativa: análise da prática jurisprudencial. Salvador:

JusPODIVM, 2008. p. 103.5. BELING, Ernst apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p. 26.

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(3) Normatividade: é uma disciplina normativa, de caráter dogmático, inclusive com codificação própria (Código de Processo Penal: Dec-Lei nº 3.689/1941).

1.3. Posição enciclopédica

Há uma crítica atual à dicotomia romana entre jus publicum et jus privatum, no-tadamente porque a distinção não explica perfeitamente todas as nuances de cada uma das esferas do direito. Não obstante, o direito processual penal é reconhecido como um dos ramos do direito público. O fundamento é que um dos sujeitos é o Estado e a fina-lidade das normas é obter a repressão dos delitos, através do exercício do jus puniendi, intrínseco àquele.

2. ENTENDENDO O TEMA

Passaremos aqui, de forma sucinta, a identificar alguns conceitos fundamentais para o estudo da matéria, levando-nos a relembrar tópicos da teoria geral do processo, enfrentados embrionariamente.

2.1. Interesse

É o desejo, a cobiça, a vontade de conquistar algo. É um conceito extrajurídico, que desperta aquilo que se quer alcançar. O interesse indica uma relação entre as necessidades humanas (que são de variadas ordens) e os bens da vida aptos a satisfazê-las.

Nas palavras de Moacyr Amaral Santos, “a razão entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é o que se chama interesse. Assim, aquilata-se o interesse da posição do homem, em relação a um bem, variável conforme suas necessidades. Sujeito do interesse é o homem; o bem é o seu objeto”6.

Nesse sentido, Francisco Wildo destaca que “quando existe uma necessidade que pode ser satisfeita por um determinado bem da vida, dizemos que há um interesse por esse bem. Desde Carnelutti, define-se o interesse como uma situação favorável à satisfação de uma necessidade”7.

6. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v.1. p. 3-4.7. DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Teoria geral do processo: jurisdição, ação (defesa), processo. 2. ed. São Paulo: Método,

2007. p. 41.

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar48

2.2. Pretensão

É a intenção de subordinar interesse alheio ao próprio. A beleza da busca do que se pretende é o prazer da conquista, que muitas vezes envolve a submissão de um bem jurídico alheio para que prevaleça o nosso.

Pretensão, em direito processual, é conceito formado pelos seguintes elementos: (1) é intencional, vale dizer, dirige-se a um fim, de cunho teleológico, expressando a vonta-de do sujeito ativo em subordinar o sujeito passivo a uma satisfação de necessidade que aquele entende legítima (em direito processual penal, a pretensão punitiva estatal tem seu início deflagrado a partir do conhecimento do cometimento do crime); (2) é dotada de persistência, pois uma vez deduzida em juízo, perdura no tempo, ainda que desapareça o intento condenatório do Ministério Público, razão pela qual, ao final, o que a rigor se julga improcedente não é a pretensão, porém o pedido condenatório (é possível ao juiz, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, julgar procedente o pedido condenatório, mesmo que o Ministério Público tenha requerido absolvição); e (3) é exteriorizada pela ação penal, eis que esta veicula o jus puniendi do Estado.

2.3. Lide

Como a prevalência de nosso interesse não se faz sem resistência, e no âmbito dos conflitos penais, a resistência à pretensão punitiva do Estado é de rigor (princípio da am-pla defesa, consagrado no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna); a lide surge do conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida8. No embate criminal, teremos, de um lado, a pretensão do Estado de fazer valer o direito material, aplicando a pena ao caso concreto, e, do outro, o status libertatis do imputado, que só pode ser apenado após o devido pro-cesso legal. Pressupõe-se, portanto, uma resistência necessária do réu, tal como consagra expressamente a Carta Magna, em seu art. 133, ao afirmar que o advogado é peça essencial à administração da justiça –, bem como a Súmula nº 523, do STF, que enfatiza que a falta de defesa constitui nulidade absoluta do processo.

É bastante controvertida a questão sobre a existência de lide no processo penal. Isso porque a presença de interesses antagônicos seria precipitada, já que a acusação e a defesa estariam em busca do mesmo interesse, que é a realização de justiça. No processo criminal a figura do Ministério Público, preocupada com o justo provimento, e não com a conde-nação desmedida, estaria no mesmo sentido da pretensão defensiva, buscando a adequada aplicação da lei penal9.

Ademais, na esfera penal o conflito entre as partes é irrelevante, pois o bem em jogo é indisponível, ao passo que no processo civil, de regra, há poder de disposição das partes em face dos respectivos interesses. Na seara penal há o interesse público prevalente na realização da justiça, o que é contemporizado nas ações de iniciativa privada, pois a vítima é movida

8. CARNELUTTI,Francesco. Sistema de direito processual civil. Tradução: Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: ClassicBook, 2000. v.1. p. 93.

9. BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito. Julgamento antecipado civil e penal. Goiânia: AB, 1999.p. 120. Também fazem registro, preferindo a expressão controvérsia penal: ARAÚJO CINTRA. Antonio Carlos de; GRINOVER. Ada Pellegrini; DINAMARCO. Cândido R. Teoria geral do processo. 13.ed. Malheiros: São Paulo, 1997. p. 132.

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pelos princípios da oportunidade, podendo exercer ou não a ação, e da disponibilidade, podendo desistir da demanda, seja perdoando o réu, ou através da perempção.

Gustavo Badaró apregoa que a lide não é condição essencial para o surgimento e desenvolvimento do processo. Ela pode até existir quando o acusado resiste à pretensão formulada pela acusação, mas é “absolutamente irrelevante para o desenvolvimento e a decisão do processo”. Em razão da nulla poena sine iudicio, o processo penal é ferramenta necessária e incontornável, já que os interessados têm no judiciário o órgão canalizador da aplicação do direito punitivo, e a “necessidade do contraditório como meio mais eficiente para a descoberta da verdade” acaba por ratificar a dependência processual para resolver a pretensão que nasce insatisfeita10. Por essa razão, a ação penal é uma ação necessária, quando se pensa na efetivação da pretensão punitiva.

O réu não pode voluntariamente submeter-se à pretensão acusatória, ressalvada a possibilidade da transação penal, no âmbito da justiça consensual. Da mesma maneira, se o réu confessar o crime, ou se o Ministério Público requer a absolvição, isso não é suficiente para que o processo chegue ao seu final de maneira precipitada. É necessária cognição exauriente do manancial probatório para formação do convencimento do julgador, já que estamos diante de bens jurídicos indisponíveis, e a lide deve ser vista de forma acidental, secundária, e despicienda para o exercício jurisdicional em matéria criminal. Não é outra a posição de Afrânio Silva Jardim, que entende que a lide é prescindível ao processo; o que é indispensável é “a pretensão do autor manifestada em juízo, exteriorizada pelo pedido e delimitada pela causa de pedir”11.

2.4. Ação

2.4.1. Noção

Gerindo o Estado a administração da própria justiça, evitando com isso que nós, anuentes do Pacto Social, façamos justiça com as próprias mãos, não pode aquele se omitir (non liquet). Tem o dever de agir, cabendo-nos o direito público subjetivo de obter uma decisão acerca do fato objeto do processo. Desta forma, enquanto o poder-dever de punir é do Estado, a nós cabe o direito de exigir esta punição, que é o direito à tutela jurisdicional.

Na senda da doutrina processual majoritária, José Antônio Paganella Boschi sustenta que “a ação é o direito ‘subjetivo’ público de ‘mover’ a jurisdição”, explicando que o “‘poder’ de mover a jurisdição pode ter natureza de ‘direito subjetivo público’ nas ações de iniciativa privada ou de ‘dever jurídico’ nas ações públicas”12.

Interessa anotar, todavia, a crítica de Ovídio Baptista, com a qual concordamos, consis-tente em enfatizar que a doutrina processual, na realidade, confunde “ação” processual com o direito subjetivo público do litigante de obter prestação jurisdicional. “Ação” (processual), dessa forma, é agir em juízo – e não direito subjetivo público –, não sendo adequado mesclar o conceito de ação, “qualquer que seja o nível em que o conceito seja tomado, e o conceito

10. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT, 2003. p. 205-206.11. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 161.12. BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação penal: denúncia, queixa e aditamento. 3. ed. Rio de Janeiro: AIDE, 2002. p. 21-22.

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de direito subjetivo que lhe serve de suporte”, ou mesmo confundir “direito público subjetivo de ação” com a atuação “desse direito através da ação processual”13.

2.4.2. Teorias da Ação

No curso da história da teoria da ação, várias concepções sobre sua natureza jurídica foram construídas. A diferença entre elas fica por conta de elementos relacionados ao or-denamento jurídico vigente, ao ponto de vista do teórico ou ao estado da arte do conceito. Dentre as teorias em torno da ação, podem ser alinhadas, a partir do momento em que inexistia monopólio estatal da jurisdição:

(1) ação como vingança privada: quando o Estado não exercia jurisdição penal, cabia ao ofendido exercer a denominada vingança privada. Era o exercício direto da tutela re-tributiva por meio de ação material da vítima, atualmente vedada. Só excepcionalmente o Estado autoriza o atuar direto do ofendido, a exemplo dos casos de excludentes de ilicitude (art. 23, do Código Penal);

(2) ação civilista ou imanentista: a ação manejada pelo interessado retrata o seu pró-prio direito. A ideia de ação decorre do direito material que a assegura, onde este caracteriza a natureza jurídica daquela (Savigny). A partir da polêmica entre Bernhard Windscheid e Theodor Muther, teve início a distinção entre a ação material e a ação processual. Para Windscheid, a ação moderna seria o direito de exigir algo que deriva, necessariamente, do direito material. Tomava em consideração, para tanto, que a actio romana era o próprio direito. De outro lado, Muther, ação e direito são distintos, isto é, a ação como direito subjetivo público, de um lado, e, do outro, o direito subjetivo material a ser protegido14.

(3) ação como direito concreto15: a ação, para essa concepção, é entendida como direito a uma sentença favorável, malgrado entendida como direito autônomo (Wach, Chiovenda, Bülow);

(4) ação como direito potestativo: de acordo com a teoria de Chiovenda (incluído também na teoria da ação como direito concreto), a ação também se caracteriza como poder jurídico necessário à atuação da vontade da lei;

(5) ação como direito abstrato: Liebman, nessa linha, entende a ação como direito subjetivo diverso daquele do direito substancial, estabelecendo as condições da ação como a espécie de ponto de tangência entre a ação e o direito material16. Nessa senda, a ação se cuida de um direito de iniciativa e impulso, através do qual se põe em movimento o exer-cício de uma função pública17.

13. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação. In: Polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Fábio Cardoso Machado; Guilherme Rizzo Amaral (orgs.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 31.

14. LOPES JÚNIOR, Aury. (Re) descobrindo as teorias acerca da natureza jurídica do processo (penal). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 75, p. 102-105, dez. 2008.

15. NICOLITT, André. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 65-67.16. Idem. p. 66.17. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile: I. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1980. p. 135.

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2.5. Processo

É o instrumento de atuação da jurisdição. É a principal ferramenta para solucionar os conflitos de interesse que se apresentam. No léxico, a palavra processo significa “ato de proceder ou de andar”. Contempla um elemento constitutivo objetivo, qual seja, o proce-dimento, que é a sequência de atos concatenados a um objetivo final, é dizer, o provimento jurisdicional, e um elemento constitutivo subjetivo, que é a relação jurídica processual entre os sujeitos que integram o processo.

= +2.5.1. Procedimento (aspecto objetivo do processo)

É a sequência de atos praticados no processo.

2.5.2. Relação jurídica processual (aspecto subjetivo do processo)

É o nexo que une e disciplina a conduta dos sujeitos processuais em suas ligações recíprocas durante o desenrolar do procedimento, sendo seus elementos identificadores:

(a) Os sujeitos processuais: partes e magistrado.

(b) O objeto da relação:

(b.1) Aspecto material: bem da vida;

(b.1) Aspecto processual: provimento jurisdicional desejado.

(c) Os pressupostos processuais:

(c.1) Subjetivos:

– Relativos ao juiz:

• Investidura: é a necessidade de estar investido no cargo em conformidade com a Cons-tituição e a legislação em vigor;

• Competência: é a medida da jurisdição. É o limite legal dentro do qual o órgão juris-dicional poderá atuar;

• Ausência de suspeição: é a imparcialidade necessária para o exercício da jurisdição. As hipóteses que levam a suspeição e ao impedimento do magistrado estão listadas nos artigos 252, 253 e 254 do CPP.

– Relativos às partes:

• Capacidade de ser parte: é a capacidade de contrair obrigações e exercer direitos. A capacidade de ser parte refere-se a todas as pessoas, salientando-se que para haver capacidade de ser parte passiva no processo penal, é preciso que o agente tenha idade igual ou superior a dezoito anos, considerada à época da ocorrência dos fatos narrados na denúncia;

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar52

• Capacidade de estar em juízo “sozinho”: refere-se à necessidade de assistência e repre-sentação daqueles que não gozam da plena capacidade;

• Capacidade postulatória: necessária para o pleito judicial, afinal, como consagra a Carta Magna em seu art. 133, o advogado é peça essencial à administração da justiça.

(c.2) Objetivos:

– Extrínsecos: ausência de fatos impeditivos para o regular tramitar procedimental, a exemplo da inexistência de coisa julgada ou de litispendência;

– Intrínsecos: regularidade formal, ou melhor, respeito à disciplina normativa do proces-so, ao devido processo legal ou ao chamado processo tipificado, isto é, aquele previsto em lei.

2.5.3. Natureza jurídica do processo

Há intensa controvérsia doutrinária sobre a natureza jurídica do processo.

A distinção entre os aspectos objetivo (procedimento) e subjetivo (relação jurídica processual) como formadora do conceito de processo é criticada por parte da doutrina. Para esse setor, a relação jurídica processual não integra o conceito de processo, pois é somente após o processo ser deflagrado que será possível falar em algo distinto, consistente na re-lação jurídica processual. Em outros termos, o processo cria a relação jurídica processual, mas não é, ele próprio, essa relação.

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 53

De certa forma, a diferença apresentada conta com a contribuição de Oscar Von Bülow18, que passou a ver o processo não restritamente ao seu aspecto evidente (procedi-mento), mas como relação jurídica processual, entendida esta como a que se dá entre as partes e o juiz. Nasce relação jurídica quando o autor ajuíza a ação em face do Estado-juiz. Em outros termos, o juiz deve ordenar citação do réu, realizar vários atos e prestar a tutela jurisdicional. Nesse sentido, não lhe é facultado dizer o direito, sendo-lhe exigida uma resposta estatal. De outro lado, aquela relação é distinta da outra, de natureza material, decorrente da incidência de normas penais. Essa concepção, adotada em larga medida, pelo direito brasileiro, enxerga o processo (inclusive o penal) como relação de direito público, de-senvolvida progressivamente com o envolvimento das partes e do órgão do Poder Judiciário.

Outros autores clássicos do direito processual apontam diversas naturezas e finalidades na tentativa de definir a função do processo.

Para James Goldschmidt, processualista alemão, “el proceso es el procedimiento cuyo fin es la constitución de la cosa juzgada”. A função de constituição de coisa julgada como finalidade do processo, retrata o modo peculiar desse procedimento. O autor vê o processo como situação jurídica necessária à constituição da imutabilidade do julgado submetido em juízo. Não se resume o processo à definição de relação jurídica, sendo antes espaço para a deflagração de um modo para exercício de ônus e expectativas19.

Partindo dessa concepção, a possibilidade de coisa julgada material, levada a efeito por meio do processo, é a nota de sua distinção relativamente ao inquérito policial. Este é procedimento administrativo, porém não tem por finalidade produzir a imutabilidade, como advertem Afrânio Silva Jardim e Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim20.

A natureza jurídica do processo é apontada ainda como contrato, quase-contrato, serviço público, instituição jurídica e procedimento21, variando a concepção relativamente ao ordenamento em vigor ou ao ponto de vista do teórico.

(1) Processo como contrato: atividade particular, exercida no âmbito privado, onde poderia haver a escolha de cláusulas e de juiz;

(2) Processo como quase-contrato: em que a vontade das partes tem lugar de forma indireta, decorrendo as obrigações mais da lei do que do consenso (Savigny);

(3) Processo como serviço público: entende a jurisdição como forma de prestação levada a cabo pelo poder público, sendo mera relação de fato; e

(4) Processo como instituição jurídica: vê o processo como relação jurídica disciplinada normativamente (Guasp), vale dizer, incluindo as teorias da norma jurídica e da relação jurídica. De acordo com o jurista espanhol, o processo não é instrumento do direito material,

18. BÜLOW, Oscar Von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. 2. ed. Campinas: LZN, 2005. p. 11-15.

19. GOLDSCHMIDT, James. Principios generales del proceso: teoria general del proceso. 2. ed. Buenos Aires: EJEA, 1961. p. 37.

20. JARDIM, Afrânio Silva; AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de. Direito processual penal: Estudos e pareceres. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 560-561.

21. LOPES JÚNIOR, Aury. (Re) descobrindo as teorias acerca da natureza jurídica do processo (penal). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 75, p. 101-129, dez. 2008.

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar54

porém o inverso, pois é o direito material que proporciona os instrumentos necessários ao labor processual, embora isso não signifique dizer que o direito material não exista por si. Daí entender Guasp que a preponderância do direito material ou processual relativamente ao processo é questão de ponto de vista. Para que haja o enlace entre eles, indispensável é o respeito às regras de competência, de imputação, dentre outras, que ocorrem no âmbito da instituição de conexões entre as diversas disciplinas, caracterizando, assim o processo (instituição jurídica)22;

(5) Processo como procedimento, entendendo-o como uma concatenação de atos, organizados em ordem sucessiva.

3. SISTEMAS PROCESSUAIS

A depender dos princípios que venham a informá-lo, o processo penal, na sua estru-tura, pode ser inquisitivo, acusatório e misto. É o que Tourinho Filho enquadra como tipos de processo penal23.

A principal função da estrutura processual, como aponta Geraldo Prado, é a de garantia contra o arbítrio estatal, conformando-se o processo penal à Constituição Federal, de sorte que o sistema processual penal estaria contido dentro do sistema judiciário, que por sua vez é espécie do sistema constitucional, que deriva do sistema político24.

3.1. Sistema inquisitivo

O princípio inquisitivo é caracterizado pela inexistência de contraditório e de ampla defesa, com concentração das funções de acusar, defender e julgar em uma figura única (juiz). O procedimento é escrito e sigiloso, com o início da persecução, produção da prova e prolação de decisão pelo magistrado. Esse sistema, como observa Aury Lopes Jr., “foi desacreditado – principalmente por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar”25.

No sistema inquisitivo (ou inquisitório), permeado que é pelo princípio inquisitivo, o que se vê é a mitigação dos direitos e garantias individuais, em favor de um pretenso interesse coletivo de ver o acusado punido. É justificada a pretensão punitiva estatal com lastro na necessidade de não serem outorgadas excessivas garantias fundamentais.

O discurso de fundo é a efetividade da prestação jurisdicional, a celeridade e a neces-sidade de segurança, razão pela qual o réu, mero figurante, submete-se ao processo numa condição de absoluta sujeição, sendo em verdade mais um objeto da persecução do que sujeito de direitos. É que, conforme esse sistema, os direitos de um indivíduo não podem se sobrepor ao interesse maior, o coletivo.

22. GUASP, Jaime. Derecho procesal civil: tomo primeiro [introduccion y parte general]. Madrid: IEP, 1968. p. 34.23. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p. 88.24. PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. A conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006. p. 55.25. LOPES Jr, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional: volume I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

p. 68.

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 99

incluída a atividade satisfativa (art. 4º); e (b) o que determina que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (art. 5º). Tais regras, diante da melhor precisão e generalidade de sua aplicação que aquelas de objetivo semelhante do CPP, têm perfeita incidência no direito processual penal, colmatando as lacunas existentes.

Em suma, entendemos que o princípio da cooperação processual não deve ter aplica-ção para mitigar as garantias do imputado. O STJ, contudo, seguindo aquela tendência de ampliar a incidência daquele, decidiu que não há nulidade no despacho que determina a intimação do Ministério Público para a apresentação de provas que pretenda produzir em juízo. Na hipótese, o MP acostou rol de testemunhas extemporaneamente e o juiz admitiu. Alegou-se inexistir prejuízo, pois, seguindo o STF98, as testemunhas podem ser ouvidas pelo juiz como se fossem suas e, de outro lado, aquele proceder, depois de apresentada a denúncia, porém antes da formação da relação processual, não seria apto a causar prejuízo à defesa, eis que esta teria amplas possibilidades de contraditar os elementos probatórios até ali pleiteados99.

10. QUADRO SINÓTICO

CAPÍTULO I LINHAS INTRODUTÓRIAS

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Conceito

e finalidades

O processo penal deve conferir efetividade ao direito penal, forne-cendo os meios e o caminho para materializar a aplicação da pena ao caso concreto. Tem como finalidades a pacificação social obtida com a solução do conflito (mediata), e a viabilização da aplicação do direito penal, concretizando-o (imediata).

1.1

Características

a) Autonomia: o direito processual não é submisso ao direito material, isto porque, tem princípios e regras próprias e especializantes.

b) Instrumentalidade: é o meio para fazer atuar o direito material pe-nal, oferecendo as ferramentas e os caminhos a serem seguidos na obtenção de um provimento jurisdicional válido.

c) Normatividade: é uma disciplina normativa, de caráter dogmático, inclusive com codificação própria (Código de Processo Penal: Dec-lei nº 3.689/41).

1.2

Posição

enciclopédica

É um dos ramos do direito público, embora haja uma crítica atual à dicotomia romana entre jus publicum et jus privatum.

1.3

ENTENDENDO O TEMA

Interesse

É o desejo, a cobiça, a vontade de conquistar algo. O interesse indica uma relação entre as necessidades humanas (que são de variadas or-dens) e os bens da vida aptos a satisfazê-las.

2.1

Pretensão É a intenção de subordinar interesse alheio ao próprio. 2.2

98. STF – RHC 86.793 – Primeira Turma – Rel. Min. Eros Grau – DJ: 18/11/2005.99. STJ – Quinta Turma – RHC 201301244282 – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJ: 23/02/2016.

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar100

CAPÍTULO I LINHAS INTRODUTÓRIAS

Lide

Surge do conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida. No embate criminal, teremos, de um lado, a pretensão do Estado de fazer valer o direito material, aplicando a pena ao caso concreto, e, do outro, o status libertatis do imputado, que só pode ser apenado após o devido processo legal.

2.3

Ação: NoçãoO Estado tem o dever de agir, cabendo-nos o direito público subjetivo de obter do mesmo uma decisão acerca da lide objeto do processo.

2.4.1

Teorias da Ação

No curso da história da teoria da ação, várias concepções sobre sua natureza jurídica foram construídas.

Dentre as teorias em torno da ação, podem ser alinhadas, a partir do momento em que inexistia monopólio estatal da jurisdição:

(1) ação como vingança privada;

(2) ação civilista ou imanentista;

(3) ação como direito concreto;

(4) ação como direito potestativo;

(5) ação como direito abstrato.

2.4.2

Processo

É o instrumento de atuação da jurisdição. Contempla um elemento constitutivo objetivo (o procedimento), e um elemento constitutivo subjetivo (relação jurídica processual entre os sujeitos que integram o processo).

2.5

Procedimento

(aspecto

objetivo do

processo)

É a sequência de atos praticados no processo.

2.5.1

Relação jurídica

processual

(aspecto

subjetivo do

processo)

É o nexo que une e disciplina a conduta dos sujeitos processuais em suas ligações recíprocas durante o desenrolar do procedimento, sendo seus elementos identificadores: a) Os sujeitos processuais; b) O objeto da relação; c) Os pressupostos processuais.

2.5.2

Natureza

Jurídica do

Processo

Há intensa controvérsia doutrinária sobre a natureza jurídica do pro-cesso.

A distinção entre os aspectos objetivo (procedimento) e subjetivo (re-lação jurídica processual) como formadora do conceito de processo é criticada por parte da doutrina. Outros autores clássicos do direito processual apontam diversas naturezas e finalidades na tentativa de definir a função do processo.

Para James Goldschmidt, não se resume o processo à definição de relação jurídica, sendo antes espaço para a deflagração de um modo para exercício de ônus e expectativas. A natureza jurídica do processo é apontada ainda como contrato, quase-contrato, serviço público, ins-tituição jurídica e procedimento, variando a concepção relativamente ao ordenamento em vigor ou ao ponto de vista do teórico.

2.5.3

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 101

CAPÍTULO I LINHAS INTRODUTÓRIAS

SISTEMAS PROCESSUAIS

A depender dos princípios que venham a informá-lo, o processo penal, na sua estrutura, pode ser inquisitivo, acusatório e misto. É com a fundamentação da sentença que são explicitadas as teses da acusação e da defesa, as provas produzidas e as razões do con-vencimento do juiz.

3

Sistema

inquisitivo

Concentra em figura única (juiz) as funções de acusar, defender e jul-gar; não há contraditório ou ampla defesa; o procedimento é escrito e sigiloso, com o início da persecução, produção da prova e prolação de decisão pelo magistrado.

3.1

Sistema

acusatório

Há nítida separação entre as funções de acusar, defender e julgar; o contraditório, a ampla defesa e a publicidade regem todo o processo; o órgão julgador é dotado de imparcialidade; o sistema de apreciação das provas é o do livre convencimento motivado. É o sistema adotado no Brasil, com algumas mitigações.

O CPC/2015 acolhe o princípio do convencimento motivado. Não inclui o termo “livre”, ao assentar que o juiz dará as razões de seu conven-cimento que, por sua vez, deve ser exposto de forma clara e precisa. O CPC/2015 não trouxe maior repercussão com a supressão do termo “livre”, salvo em razão de deixar mais claro o dever do magistrado de fundamentar suas decisões de forma suficiente (art. 93, IX, CF/1988). De tal modo, plausível concluir que a liberdade no convencimento não deve ser ilimitada. Nesse sentido, o CPC/2015 têm importantes contornos para que o convencimento seja fundamentado da melhor maneira, estatuindo o que não deve se entender por fundamentação (art. 489 e § 1º).

3.2

Sistema misto

ou acusatório

formal

Caracteriza-se por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com poderes inquisitivos, no intuito da colheita de provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes.

3.3

Procedimento É a sequência de atos praticados no processo. 3.3.1

Relação jurídica

processual

É o nexo que une e disciplina a conduta dos sujeitos processuais em suas ligações recíprocas durante o desenrolar do procedimento, sendo seus elementos identificadores:

a) os sujeitos processuais: partes e magistrado.

b) o objeto da relação: Aspecto material: bem da vida; Aspecto pro-cessual: provimento jurisdicional desejado.

c) os pressupostos processuais:

c.1) subjetivos:

– Relativos ao juiz: Investidura, Competência, Ausência de suspeição

– Relativos às partes: Capacidade de ser parte, Capacidade de estar em juízo “sozinho”, Capacidade postulatória.

c.2) Objetivos: Extrínsecos; Intrínsecos.

3.3.2

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar102

CAPÍTULO I LINHAS INTRODUTÓRIAS

FONTES

ConceitoÉ tudo aquilo de onde provém um preceito jurídico. É a origem do próprio direito.

4.1

Classificação

a) Fonte de produção ou material: é aquela que elabora a norma.

b) Fonte formal ou de cognição: é aquela que revela a norma.

– Antes da EC nº 45/2004:

b.1) imediata ou direta: leis e tratados (art. 5º, §§ 2º e 3º, e art. 22, I, CF/1988).

b.2) mediatas, indiretas ou supletivas: costumes e princípios gerais do direito.

4.2

ANALOGIA

Conceito

É forma de autointegração da lei (art. 3º, CPP e 4º, LINDB). Pela analo-gia, aplicamos a um fato não regido pela norma jurídica, disposição legal aplicada a fato semelhante. Deve-se interpretar com reservas a admissibilidade da analogia quando se trata da restrição cautelar da liberdade, ou quando importe em flexibilização de garantias.

5.1

Espécies

a) Analogia legis: em face da lacuna da lei, aplicamos a norma positi-vada que rege caso semelhante;

b) Analogia juris: são aplicados princípios jurídicos ante a omissão da lei.

5.2

Aplicação

subsidiária

do CPC/2015

O CPC/2015 só terá aplicação em sede processual penal nos casos em que o Código de Processo Penal ou legislação processual penal especial não dispuser sobre o assunto.

Em linha de princípio, o CPC/2015 não prevalece sobre o que o CPP regulou de maneira expressa, em face da diversidade essencial dos objetos regulados.

Note-se que não é o CPC/2015 que declara sua aplicação subsidiária ao processo penal, mas são as necessidades interpretativas e lacunas da legislação processual penal que impõem a sua integração, como preconizado pelo art. 3º, do CPP: “a lei processual penal admitirá in-terpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Nessa senda, o CPC/2-15 foi expresso ao excluir os processos criminais da ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

5.3

INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

Quanto à origem

ou ao sujeito

que a realiza

a) autêntica ou legislativa: realizada pelo próprio legislador;

b) doutrinária ou científica: realizada pelos estudiosos do direito;

c) judicial ou jurisprudencial: realizada pelos juízes e tribunais.

6.1

Quanto

ao modo

ou aos meios

empregados

a) literal, gramatical ou sintática: leva-se em conta o texto da lei e o sentido literal das palavras;

b) teleológica: busca-se a finalidade da norma, a vontade da lei;

c) lógica: objetiva-se a compreensão do espírito da lei, por meio das regras de raciocínio e conclusão;

6.2

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar114

para apuração de ato infracional previsto no ECA, com aplicação de medida de caráter reeducacional; na extinção da punibilidade, entre outros, excetuados os resultantes em indulto individual, coletivo ou comutação de pena. Por fim, as condenações por fatos posteriores ao apurado, com trânsito em julgado, não seriam aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. No ponto, a incidência penal só serviria para agravar a medida da pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver transitado em julgado em momento prévio. Deveria ser considerado o quadro existente na data da prática delituosa. O Ministro Teori Zavascki, ao aditar seu voto, ressalvou que as ações pe-nais que já contivessem sentença condenatória, ainda que não definitiva, não deveriam receber o mesmo tratamento dos inquéritos ou das ações penais pendentes de senten-ça para fins de maus antecedentes. Assim, processos em andamento não poderiam ser considerados como maus antecedentes, a não ser que se cuidasse de ação penal em que houvesse sentença condenatória proferida. Entretanto, no caso concreto, em nenhum dos processos envolvidos já existiria sentença, de modo que manteve a conclusão proferida anteriormente. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Rosa Weber, Luiz Fux e Cár-men Lúcia, que proviam o recurso. RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.12.2014. (RE-591054) (Info 772)

13. QUESTÕES DE CONCURSOS PÚ

BLICOS

(2016 – CESPE – TJ-AM – Juiz Substituto Adap-

tada) Relativamente aos sistemas e princípios fun-damentais do processo penal, julgue os itens se-guintes.

01. O direito ao silêncio ou garantia contra a autoincri-minação derrubou um dos pilares do processo pe-nal tradicional: o dogma da verdade real, permitin-do que o acusado permaneça em silêncio durante a investigação ou em juízo, bem como impedindo de forma absoluta que ele seja compelido a produzir ou contribuir com a formação da prova ou identifi-cação pessoal contrária ao seu interesse, revogando as previsões legais nesse sentido.

02. O princípio do juiz natural tem origem no direito anglo-saxão, construído inicialmente com base na ideia da vedação do tribunal de exceção. Poste-riormente, por obra do direito norte-americano, acrescentou-se a exigência da regra de competên-cia previamente estabelecida ao fato, fruto, prova-velmente, do federalismo adotado por aquele país. O direito brasileiro adota tal princípio nessas duas vertentes fundamentais.

03. (2016 – FCC – DPE-ES – Defensor Público) Sobre a garantia do duplo grau de jurisdição,

(A) é típico de sistemas processuais inquisitivos e se vale para uma melhor gestão da prova em virtude da co-legialidade dos Tribunais.

(B) não se aplica nos Juizados Especiais Criminais, em virtude da informalidade que vigora nesse sistema.

(C) é expressa e explicitamente prevista na Constituição de 1988, aplicando-se, inclusive, aos casos de com-petência originária do STF.

(D) a jurisprudência dominante dos Tribunais Superio-res considera aplicável o duplo grau de jurisdição apenas em relação ao acusado, não podendo o Mi-nistério Público recorrer em caso de absolvição em primeira instância.

(E) a Corte Interamericana de Direitos Humanos já de-cidiu que no caso de o acusado ter sido absolvido em primeiro grau, mas em razão de recurso da acu-sação, é condenado em segundo grau pela primeira vez, deve ser garantido recurso amplo desta decisão, podendo rediscutir questões de fato e de direito.

04. (2016 – UFMT – DPE-MT – Defensor Público)

Quanto à eficácia temporal, a lei processual penal(A) aplica-se somente a fatos criminosos ocorridos após

a sua vigência.

(B) tem aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos já realizados.

(C) vigora desde logo, tendo sempre efeito retroativo.

(D) tem aplicação imediata nos processos ainda não ins-truídos.

(E) não tem aplicação imediata, salvo para beneficiar o acusado.

05. (2016 – VUNESP – TJ-SP – Titular de Serviços de

Notas e de Registros – Provimento) Dos princí-pios constitucionais do processo penal a seguir enumerados, assinale o que admite que a legisla-ção infraconstitucional estabeleça exceções.

(A) Princípio do contraditório.

(B) Princípio da publicidade.

(C) Princípio da presunção da inocência.

(D) Princípio da imunidade à autoacusação.

06. (2015 – FCC – DPE-SP – Defensor Público) “Pari-dade de armas no processo penal é a igual distri-buição, durante o processo penal (…) aos envol-vidos que defendem interesses contrapostos, de oportunidades para apresentação de argumentos orais ou escritos e de provas com vistas a fazer pre-valecer suas respectivas teses perante a autoridade judicial” (Renato Stanziola Vieira, Paridade de armas no processo penal, Gazeta Jurídica, Brasília, 2014, p. 236).

Com base no texto acima, é situação de NÃO viola-ção ao princípio da paridade de armas:

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 115

(A) Oferecimento de parecer do Ministério Público em recurso decorrente de ação penal de iniciativa pú-blica.

(B) Sustentação oral no Ministério Público após a defesa, em julgamento de recurso exclusivo da acusação.

(C) Sigilo das medidas cautelares em curso na inves-tigação preliminar, cuja ciência ao investigado ou defensor possa prejudicar a eficácia do ato.

(D) Abertura de vista ao Ministério Público após ofereci-mento de resposta à acusação, onde se alega atipici-dade pela incidência do princípio da insignificância.

(E) Distribuição dos espaços físicos entre as partes nos julgamentos populares.

07. (2015 – FCC – DPE-MA – Defensor Público) O modelo processual acusatório tem sido entendi-do como o adequado a um Estado Democrático de Direito por ser o mais garantista. Tem-se como um pressuposto estrutural e lógico do modelo a

(A) possibilidade de emendatio libelli e mutatio libelli.

(B) existência de uma investigação prévia por delegado de polícia.

(C) possibilidade da prova ser colhida pelo próprio juiz.

(D) previsão legal de prisões processuais.

(E) separação entre juiz e acusação.

08. (2015 – FCC – DPE-MA – Defensor Público) A ne-cessidade de assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais consiste o conteúdo do princípio processual

(A) da paridade de armas.

(B) do contraditório.

(C) da ampla defesa.

(D) da identidade física do juiz.

(E) do estado de inocência.

09. (2015 – VUNESP – TJ-MS – Juiz Substituto) Com relação ao Princípio Constitucional da Publicidade, com correspondência no Código de Processo Penal, é correto afirmar que

(A) a publicidade ampla e a publicidade restrita não constituem regras de maior ou menor valor no pro-cesso penal, cabendo ao poder discricionário do juiz a preservação da intimidade dos sujeitos pro-cessuais.

(B) a publicidade restrita tem regramento pela legisla-ção infraconstitucional e não foi recepcionada pela Constituição Federal, que normatiza a publicidade ampla dos atos processuais como garantia absoluta do indivíduo.

(C) de acordo com o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, com nova redação dada pela EC 45/2004, os atos processuais serão públicos, sob pena de nulida-de, cabendo ao juiz limitar a presença, nas audiên-cias, de partes e advogados.

(D) a publicidade restrita é regra geral dos atos proces-suais, ao passo que a publicidade ampla é exceção e ocorre nas situações expressas em lei, dependendo de decisão judicial no caso concreto.

(E) a publicidade ampla é regra geral dos atos proces-suais, ao passo que a publicidade restrita é exceção e ocorre nas situações expressas em lei, dependendo de decisão judicial no caso concreto.

10. (2015 – VUNESP – MPE-SP – Analista de Promo-

toria) De acordo com o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Cons-tituição Federal, explícito no processo penal,

(A) iniciada a ação penal e feita a citação, o réu não é obrigado a comparecer em Juízo e se autoacusar, mas, comparecendo, não tem direito ao silêncio.

(B) em caso de dúvida, por aplicação do princípio da prevalência do interesse da sociedade (in dubio pro societate), condena-se o acusado.

(C) o ônus da prova de inocência cabe à defesa, após recebimento da denúncia ou queixa-crime e conse-quente início da ação penal.

(D) surge como sua decorrência lógica, a indispensabi-lidade da medida cautelar extrema, de prisão, ainda que desnecessária à instrução e à ordem pública

(E) presume-se inocente o acusado até pronunciamento de culpa, por sentença condenatória, transitada em julgado.

11. (2015 – FCC – TJ-RR – Juiz Substituto) O princípio internacionalmente consagrado do Duplo Grau de Jurisdição é reconhecido por várias legislações oci-dentais. No Brasil, o princípio também é reconheci-do e, segundo o Supremo Tribunal Federal, decorre

(A) diretamente do texto constitucional brasileiro e está previsto no artigo 5º como uma garantia fundamen-tal.

(B) diretamente do texto constitucional brasileiro, mas não está previsto no artigo 5º.

(C) do Pacto de Direitos Civis e Políticos e tem previsão na Constituição Federal do Brasil.

(D) do Pacto de São José da Costa Rica e não tem pre-visão Constitucional.

(E) diretamente dos pactos internacionais de direitos humanos e tem previsão expressa na Constituição Federal do Brasil.

12. (2015 – FCC – TJ-RR – Juiz Substituto) A lei pro-cessual penal brasileira

(A) admite interpretação extensiva e aplicação analógi-ca, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

(B) aplica-se desde logo, em prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

(C) retroage no tempo para obrigar a refeitura dos atos processuais, caso seja mais benéfica ao réu.

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 117

o fato que deu origem ao processo é anterior à sua entrada em vigor.

21. (MPE-SC – Promotor de Justiça – SC/2014 –

Adaptada) Segundo o Código de Processo Penal, a lei processual penal admitirá interpretação exten-siva e aplicação analógica.

22. (Vunesp – Juiz de Direito Substituto – PA/2014)

Em matéria processual penal, o duplo grau de ju-risdição

(A) não é previsto expressamente pela Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos, mas é pela CR/88.

(B) não é previsto expressamente pela CR/88, mas é pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

(C) não é previsto expressamente nem pela CR/88 nem pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

(D) é direito fundamental previsto expressamente tanto pela CR/88 quanto pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

(E) é garantia fundamental prevista expressamente tan-to pela CR/88 quanto pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

23. (Cespe – Procurador do Estado – PGE-BA/2014

– Adaptada) Em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, é vedado à autoridade policial mencionar anotações referentes à instau-ração de inquérito nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados.

24. (FCC – Defensor Público – PB/2014 – Adaptada) A defesa técnica no processo penal, como garantia exclusiva do acusado, é renunciável, desde que a renúncia seja homologada pelo juiz constitucional-mente competente.

25. (FCC – Defensor Público – PB/2014 – Adaptada) A garantia constitucional da duração razoável do processo somente se aplica à segunda fase da per-secução penal, consubstanciada na ação penal de conhecimento de natureza condenatória.

14. GABARITO ANOTADO

01 – E

Vide:

Item “9.26. Princípio da inexigibilidade de autoincri-minação”.

02 – C

Vide:

Art. 5º, XXXVII e LIII, da CF/88.

Item “9.16. Princípio do juiz natural”.

03 – E

Vide:

Corte Interamericana, caso “Mohamed vs. Argentina.

Art. 8º, 2, “h”, do Pacto de São José da Costa Rica.

Item “9.15. Princípio do duplo grau de jurisdição”.

04 – B

Vide:

Art. 2º, do CPP.

Item “7. A Lei Processual Penal no tempo”.

05 – B

Vide:

Art. 5º, LX, da CF/88.

Item “9.14. Princípio da publicidade”

06 – C

Vide:

Súmula vinculante 14.

Item “9.3. Princípio da igualdade processual” (princí-pio da paridade de armas e sua distinção).

07 – E

Vide:

Item “3.2. Sistema acusatório”.

08 – A

Vide:

Art. 5º, caput, da CF/88.

Item “9.3. Princípio da igualdade processual” (princí-pio da paridade de armas e sua distinção).

09 – E

Vide:

Art. 5º, LX, da CF/88.

Item “9.14. Princípio da publicidade”.

10 – E

Vide:

-Art. 5º, LVII, da CF/88.

Art. 8º, 2, da Convenção Americana de Direitos Hu-manos.

Item “9.1. Princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade”

11 – D

Vide:

Art. 8º, 2, “h”, do Pacto de São José da Costa Rica.

CURSO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL – Nestor Távora • Rosmar Rodrigues Alencar118

Item “9.15. Princípio do duplo grau de jurisdição”.

12 – A

Vide:

Art. 3º do CPP.

Item “6. Interpretação da Lei processual”.

13 – A

Vide:

Art. 263 do CPP.

Item “9.5. Princípio da ampla defesa”.

14 – C

Vide:

Item “9.26. Princípio da inexigibilidade de autoincri-minação”

15 – C

Vide:

Art. 2º do CPP.

Item “7. Lei Processual Penal no tempo”.

16 – E

Vide:

Art. 198, CPP

Item 9.26. Princípio da inexigibilidade de autoincri-minação

17 – A

Vide:

Art. 2º, CPP

Item 7. A Lei Processual Penal no Tempo

18 – D

Vide:

Art. 5º, incisos LVII e LV, CF/88

Item 9. Princípios processuais Penais

19 – E

Vide:

Art. 5º, §§ 2º e 3º CPP e art. 22, I, CF/88

Art. 4º, da LINDB

Item 4.2. Classificação

20 – C

Vide:

Art. 2º, CPP

Item 7. A Lei Processual Penal no Tempo

21 – C

Vide:

Art. 3º, CPP

Item 4.2. Classificação

22 – B

Vide:

Pacto de São José da Costa Rica, art. 8º, 2, h

Item 9.15. Princípio do duplo grau de jurisdição

23 – C

Vide:

Art. 5º, inc. LVII, da CF/88

Item 9.1. Princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade

24 – E

Vide:

Art. 5º, LV, CF

Item 9.5. Princípio da ampla defesa

25 – E

Vide:

Art. 5º, LXXVIII, CF/88

Item 9.24. Princípio da duração razoável do processo penal

15. QUESTÕES DISCURSIVAS COM CO

MENTÁRIOS

01. (Promotor de Justiça MPE-PR – 2014 – MPE-PR)

Discorra sobre a seguinte assertiva: “Com as últimas reformas legislativas, alguns artigos do CPP, com traços do sistema penal inquisitório, foram revo-gados ou alterados, mas persistem dispositivos em descompasso com o sistema constitucional acusa-tório”. (máximo de 20 linhas)

Resposta

O espelho de correção divulgado exige que, num primei-ro momento, diferencie-se com brevidade sistema inquisi-tório do sistema acusatório, bem como seja feita a indica-ção sobre qual foi o modelo brasileiro adotado pelo CPP (se acusatório, se inquisitorial ou misto, fundamentando a posi-ção) e seu eventual contraste com o sistema da Constituição Federal. Os sistemas processuais foram estudados no item 3 do presente capítulo, tendo sido ressaltado que a leitura dos dispositivos do CPP deve ser feita à luz da Constituição, adequando-se o nosso sistema processual ao constitucional acusatório. Importante mencionar as alterações legislati-vas da “minirreforma” de 2008 do CPP (Leis nºs 11.690/08,

Cap. I • LINHAS INTRODUTÓRIAS 119

11.689/08 e 11.719/08) e Lei nº 12.403/11, por meio das quais foi reduzida a atuação de ofício do juízo. Outrossim, necessário comentar ao menos um dispositivo legal que manteve traço inquisitório, como a manutenção da possi-bilidade de o juiz determinar a produção de provas urgentes antes de iniciada a ação penal e ordenar diligências de ofí-cio para esclarecimento de ponto relevante durante o pro-cesso (art. 156, I e II, do CPP), quando o ônus probatório é do MP. É indispensável, ainda, que seja abordada a alteração do interrogatório como primeiro ato – lembrando que no sistema inquisitório valoriza-se a confissão como a rainha das provas – meio de prova –, passando para depois da ins-trução – meio de defesa, podendo o acusado permanecer em silêncio (norma constitucional) e deixar de comparecer ao ato e ao julgamento no júri. Deve ser valorizado o siste-ma acusatório, comentando-se pelo menos um dispositivo do CPP alterado pela minirreforma de 2008 ou pela lei de medidas cautelares pessoais, tais como a possibilidade das partes fazerem indagações diretamente à testemunha, an-tes do magistrado (art. 212, do CPP) ou a impossibilidade do juiz aplicar de ofício medidas cautelares pessoais durante a investigação (art. 282, § 2º e 4º, do CPP – Lei nº 12.403/11).

02. (Promotor de Justiça MPE-PR – 2014 – MPE-PR)

Discorra sobre o princípio do Juiz Natural no pro-cesso penal brasileiro, abrangendo: a) conceituação e sua previsão no ordenamento jurídico e b) explici-te como se efetiva a distribuição de competência a partir do referido princípio. (máximo de 20 linhas)

Resposta

O princípio do juiz natural expressa o direito de ser pro-cessado pelo magistrado competente, assim como a ve-dação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção. Conforme destacado pelo espelho de correção, compreende-se o direito que cada cidadão tem em saber previamente, por meio de fontes constitucionais, qual auto-ridade irá processá-lo e julgá-lo, sendo este juízo constituído antes do fato delituoso a ser julgado e mediante regras ta-xativas de competência. O princípio está consagrado no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da CF: no primeiro inciso indicado é estabelecida a vedação aos tribunais de exceção, juízo ad hoc (criados para julgamento de determinado fato), bem como juízo ex post factum (criados após a prática dos fatos postos a julgamento). Quanto ao segundo inciso apontado, diz respeito aos julgamentos pelo juízo competente, isto é, ninguém será processado nem sentenciado senão pelo juízo competente, dotado de todas as garantias institucionais e pessoais previstas constitucionalmente. Por fim, quanto aos critérios de distribuição de competência a partir do referido princípio, o espelho de correção pontuou que a Constituição Federal estabelece:

• Competência ratione personae, em razão das funções (foro por prerrogativa de função), art. 102, 105, 108 e 96, III da CRFB.

• Competência ratione materiae, especializada por maté-ria, conforme a titularidade do bem e à natureza do crime (Justiça Comum: Federal (expressa) e Estadual (residual);

Justiça Especializada: Justiça Militar e Justiça Eleitoral; Jul-gamento pelo Tribunal do Júri: crimes contra a vida, art. 5º, XXXVIII da CRFB).

03. (Vunesp – Defensor Público – MS/2008) Explique a garantia da paridade de armas no processo penal, frente ao princípio do in dúbio pro reo.

Resposta

A paridade de armas no direito processual penal deve ser compreendida conforme sua finalidade primária, que é a de proteger a liberdade, ao lado do fito de fazer atuar o direito penal objetivo. Como o direito processual penal de-corre do seu núcleo constitucional sedimentado no art. 5º, da CF – sistema processual penal acusatório – suas regras são entendidas como manifestações de direitos fundamen-tais de primeira geração, eis que protegem a liberdade do indivíduo contra o arbítrio estatal.

Daí que, ao lado da isonomia formal entre as partes, as-segurada por diversas regras processuais penais – a exem-plo da resposta preliminar à acusação (art. 396-A, CPP), da oportunidade do acusado para falar sempre por derradeiro em sede de debates orais finais ou memoriais, da oportuni-dade para ambas as partes apresentar razões e contrarra-zões a recursos –, o Código de Processo Penal e leis extrava-gantes impõem a existência de defesa técnica ao acusado por advogado/defensor – não bastando a autodefesa –, com formas de solucionar deficiência ou ausência de defe-sa. Ademais, o princípio do favor rei possibilita interpretação mais favorável ao acusado quando existente dúvida (art. 386, CPP) ou para fins de desempate quando de julgamento por órgãos colegiados.

A justificativa para o aparente desequilíbrio da paridade de armas no direito processual penal decorre, sobretudo, do princípio constitucional do estado de inocência, sendo preferível um culpado impune do que um inocente preso. Decorre, ainda, do reconhecimento histórico de abusos e erros judiciários quando do julgamento de acusados. O aparato de persecução penal, em regra, é muito mais forte que a defesa do réu, sendo necessário, para equili-brar a balança e conferir isonomia material, um conjunto de regras que sirvam de escudo aos direitos fundamentais da pessoa acusada.

04. (Vunesp – Defensor Público – MS/2008) Explique quais são as manifestações processuais do direito de autodefesa do réu e ainda se esse direito é re-nunciável.

Resposta

Temos duas formas de defesa em processo penal: a auto-defesa e a defesa técnica. A defesa técnica é indispensável, irrenunciável. Ainda que o acusado não constitua advoga-do, ser-lhe-á dado defensor público (intimado para prestar assistência) ou nomeado defensor dativo.

Já a autodefesa é renunciável. Compreende o direito de comparecimento aos atos processuais, o direito de ser inter-rogado e o direito de ser intimado para fins recursais em juí-