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SALVADOR SALVADOR SEGUNDA-FEIRA 24/4/2017 A4 REGIÃO METROPOLITANA [email protected] Editor-coordenador Luiz Lasserre [email protected] TRANSPORTE Metrô faz novo teste no trecho Rodoviária - Pituaçu www.atarde.com.br FRANCO ADAILTON Parte do Programa de Pre- venção de Desastres Natu- rais do Governo Federal, o anunciado projeto de ma- crodrenagem, canalização e revestimento das calhas de trechos do rio Jaguaribe ain- da não saiu do papel, mas já está envolto em polêmica quanto à alteração do estado natural de seu leito. Sob responsabilidade da Companhia de Desenvolvi- mento Urbano do Estado (Conder), a obra orçada em R$ 273 milhões coloca em la- dos opostos os poderes pú- blicos, defensores do forma- to original do curso hídrico e moradores próximos das margens que alagam nos tempos chuvosos. A intervenção no Jagua- ribe segue a mesma linha de canalização de três afluen- tes que abastecem seu leito: os rios Mangabeira, Passa Vaca e Trobogy. O primeiro com intervenção prevista a cargo da Conder, enquanto os dois últimos já passam por obras de canalização executadas pela Prefeitura. Na foz do Jaguaribe, já é possível avistar as marca- ções onde serão implanta- das as calhas de concreto nas margens. A canalização do rio Trobogy está com 48% da obra concluída. No rio Passa Vaca, operários estão na fase de escavação. E no rio Man- gabeira, ainda não há sinal de intervenção. O principal argumento dos poderes públicos é de que a canalização dos rios tem por objetivo conter os alagamentos ao longo do curso dos corpos hídricos, que, historicamente, tive- ram suas margens ocupadas desordenadamente por po- pulações de baixa renda. Por outro lado, movimen- tos ambientalistas conde- nam a canalização dos rios, sobretudo na foz do Jagua- ribe (que deságua na praia de mesmo nome), defen- dem a preservação dos ecos- sistemas hídricos, alegam prejuízos ambientais irre- paráveis e clamam por sa- neamento para evitar polui- ção das águas. Ecossistema Para manter o ecossistema do rio intacto, movimentos como a Associação de Mo- radores e Amigos de Jagua- ribe, Viva o Parque de Pitua- çu e SOS Vale Encantado têm somado forças na tentativa de reverter a decisão do go- verno estadual. “Os projetos vão na con- tramão das cidades susten- táveis”, avalia Virgílio Ma- chado, membro do SOS Vale Encantado. “Há um ecossis- tema bem delineado nessa região, com mar, rios, mata atlântica e mangue, que será alterado”, acrescenta. Segundo a publicação “O Caminho das Águas em Sal- vador”, na Bacia Hidrográ- fica do rio Jaguaribe, exis- tem importantes remanes- centes de vegetação nativa, característicos do bioma Mata Atlântica. “Essa faixa verde […] serve como refúgio para muitas espécies ani- mais”, indica o livro. O mesmo texto ressalta que, na foz do rio Passa Vaca, onde as escavações encon- tram-se em estágio avança- do, localiza-se o último re- manescente de manguezal no meio urbano da Orla Atlântica de Salvador. “É um rio com importância mari- nha, pois serve de nascedou- ro e berçário de várias es- pécies”, destaca o livro. Moradora de Jaguaribe, a bióloga Maira Azevedo su- gere que, em vez de concre- tar as margens na foz no tre- cho da orla, o projeto deveria incluir a recomposição das matas ciliares. “É preciso preservar as áreas de vazão dos rios, assim como reflo- restar suas margens”, diz. Sobrevivência Para a comerciante Marli Santos, 46 anos, a canaliza- Fotos Xando Pereira / Ag. A TARDE Operários atuam na macrodrenagem do rio Passa Vaca Marli Santos espera canalização do rio Mangabeira Diretor da Conder defende o revestimento das margens O diretor de obras estrutu- rantes da Conder, Sérgio Sil- va, explica que a canalização dos afluentes teve como con- sequência a necessidade de igual intervenção no Jagua- ribe, uma vez que o volume de água do rio principal de- verá aumentar, assim como o risco de inundação. “Com a canalização do rio Trobogy, haverá um aumen- to da vazão no Jaguaribe. O mesmo ocorrerá quando a obra do rio Mangabeira es- tiver pronta”, explica. “Por isso, é necessário fazer o re- vestimento das margens, para suportar a contribuição dos afluentes”, completa. Além disso, continua o gestor, o revestimento das margens garantirá a melho- ria do escoamento das águas e controle das cheias. Silva garante que o projeto não prevê o tamponamento do Jaguaribe, como foi feito nos rios das Pedras (Imbuí), Sei- xos (Centenário) e Lucaia (Vasco da Gama). O diretor frisa que as obras têm componentes de responsabilidade social, já que, segundo dados da Con- der, cerca de 400 mil pes- soas são prejudicadas com as cheias. Em função do pro- jeto, cerca de 300 famílias sairão das margens do Man- gabeira para novas casas. “Entendo a preocupação com a paisagem da cidade, mas é preciso pensar tam- bém nas pessoas que vivem sobre a adutora nos bairros pobres”, rebate. “Não vamos fazer do Jaguaribe o que foi feito no Camarajipe”, com- para, em referência ao cha- mado “Rio das Tripas”, que deságua no Costa Azul. Município Por meio de nota, a Secre- taria Municipal de Infraes- trutura e Obras Públicas (Seinfra) informa que as in- tervenções nos rios Passa Va- ca e Trobogy visam promo- ver o revestimento lateral em ambos os corpos hídri- cos, com investimentos da ordem de R$ 98,1 milhões. O comunicado reforça que as obras são indispen- sáveis para a solução dos problemas crônicos de ala- gamentos na região. Com a intervenção no rio Trobogy, diz o texto, o assoreamento do corpo hídrico será inter- rompido, “garantindo a sua integridade e recuperação do leito”. As obras preveem, ainda, intervenções como micro- drenagem na avenida Tam- burugy (Patamares), im- plantação de pontilhão so- bre o rio Passa Vaca, recu- peração das matas ciliares e execução da barragem na la- goa do Vale Encantado. ção do rio Mangabeira é uma questão de sobrevivência. Há 25 anos, a família dela convive com as enchentes na rua Beira Rio, que fica no Bairro da Paz. A casa de Marli está lo- calizada sobre a adutora de água de abastecimento da cidade, às margens do rio, que, cercado de moradias, pede passagem quando a chuva cai forte. A mulher conta que a água suja invade as moradias precárias, junto com lixo jogado pela popu- lação, animais e doenças. “Não só eu, mas muitos moradores aqui já perde- ram muita coisa: colchão, sofá, rack, armário, guar- da-roupa. A gente dá um du- ro danado. É muito sofri- mento”, lamenta. “Sem falar que a água é suja, traz lixo, cobras e ratos para nossas casas”, completa. O drama de viver na área de vazão dos rios aflige tam- bém moradores de áreas no- bres, a exemplo da adminis- tradora Rosa Brito, 65 anos, que mora há quatro décadas no Village Piatã. Ela diz que vários moradores já tiveram prejuízos com as inunda- ções do rio Jaguaribe, sobre- tudo na maré cheia. “Já chegamos ao ponto de ver carros carregados pela água. Todo mundo fica de sobreaviso, quando chove. A gente torce para que a obra comece logo”, anseia. “É preciso pensar nas pessoas que vivem sobre a adutora” SÉRGIO SILVA, diretor da Conder CAPITAL Canalização rende debate sobre demanda urbana e preservação de ecossistemas Ações em rios dividem gestores e ambientalistas Mila Cordeiro / Ag. A TARDE O rio Jaguaribe deságua em Piatã, na 3ª Ponte da Av. Octávio Mangabeira

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SALVADORSALVADOR SEGUNDA-FEIRA 24/4/2017A4

REGIÃO METROPOLITANA

[email protected]

Editor-coordenadorLuiz [email protected]

TRANSPORTE Metrô faz novo teste notrecho Rodoviária - Pituaçu

www.atarde.com.br

FRANCO ADAILTON

Parte do Programa de Pre-venção de Desastres Natu-rais do Governo Federal, oanunciado projeto de ma-crodrenagem, canalização erevestimento das calhas detrechos do rio Jaguaribe ain-da não saiu do papel, mas jáestá envolto em polêmicaquanto à alteração do estadonatural de seu leito.

Sob responsabilidade daCompanhia de Desenvolvi-mento Urbano do Estado(Conder), a obra orçada emR$ 273 milhões coloca em la-dos opostos os poderes pú-blicos, defensores do forma-to original do curso hídricoe moradores próximos dasmargens que alagam nostempos chuvosos.

A intervenção no Jagua-ribe segue a mesma linha decanalização de três afluen-tes que abastecem seu leito:os rios Mangabeira, PassaVaca e Trobogy. O primeirocom intervenção prevista acargo da Conder, enquantoos dois últimos já passampor obras de canalizaçãoexecutadas pela Prefeitura.

Na foz do Jaguaribe, já épossível avistar as marca-ções onde serão implanta-das as calhas de concreto nasmargens. A canalização dorio Trobogy está com 48% daobra concluída. No rio PassaVaca, operários estão na fasede escavação. E no rio Man-gabeira, ainda não há sinalde intervenção.

O principal argumentodos poderes públicos é deque a canalização dos riostem por objetivo conter osalagamentos ao longo docurso dos corpos hídricos,que, historicamente, tive-ram suas margens ocupadasdesordenadamente por po-pulações de baixa renda.

Por outro lado, movimen-tos ambientalistas conde-nam a canalização dos rios,sobretudo na foz do Jagua-ribe (que deságua na praiade mesmo nome), defen-dem a preservação dos ecos-sistemas hídricos, alegamprejuízos ambientais irre-paráveis e clamam por sa-neamento para evitar polui-ção das águas.

EcossistemaPara manter o ecossistemado rio intacto, movimentoscomo a Associação de Mo-radores e Amigos de Jagua-ribe, Viva o Parque de Pitua-çu e SOS Vale Encantado têmsomado forças na tentativade reverter a decisão do go-verno estadual.

“Os projetos vão na con-tramão das cidades susten-táveis”, avalia Virgílio Ma-chado, membro do SOS ValeEncantado. “Há um ecossis-tema bem delineado nessaregião, com mar, rios, mataatlântica e mangue, que seráalterado”, acrescenta.

Segundo a publicação “OCaminho das Águas em Sal-vador”, na Bacia Hidrográ-fica do rio Jaguaribe, exis-tem importantes remanes-centes de vegetação nativa,característicos do biomaMata Atlântica. “Essa faixaverde […] serve como refúgiopara muitas espécies ani-mais”, indica o livro.

O mesmo texto ressaltaque, na foz do rio Passa Vaca,onde as escavações encon-tram-se em estágio avança-do, localiza-se o último re-manescente de manguezalno meio urbano da OrlaAtlântica de Salvador. “É umrio com importância mari-nha, pois serve de nascedou-ro e berçário de várias es-pécies”, destaca o livro.

Moradora de Jaguaribe, abióloga Maira Azevedo su-gere que, em vez de concre-tar as margens na foz no tre-cho da orla, o projeto deveriaincluir a recomposição dasmatas ciliares. “É precisopreservar as áreas de vazãodos rios, assim como reflo-restar suas margens”, diz.

SobrevivênciaPara a comerciante MarliSantos, 46 anos, a canaliza-

Fotos Xando Pereira / Ag. A TARDE

Operários atuam na macrodrenagem do rio Passa Vaca Marli Santos espera canalização do rio Mangabeira

Diretor daConder defendeo revestimentodas margensO diretor de obras estrutu-rantes da Conder, Sérgio Sil-va, explica que a canalizaçãodosafluentestevecomocon-sequência a necessidade deigual intervenção no Jagua-ribe, uma vez que o volumede água do rio principal de-verá aumentar, assim comoo risco de inundação.

“Com a canalização do rioTrobogy, haverá um aumen-to da vazão no Jaguaribe. Omesmo ocorrerá quando aobra do rio Mangabeira es-tiver pronta”, explica. “Porisso, é necessário fazer o re-vestimento das margens,para suportar a contribuiçãodos afluentes”, completa.

Além disso, continua ogestor, o revestimento dasmargens garantirá a melho-ria do escoamento das águase controle das cheias. Silvagarante que o projeto nãoprevê o tamponamento doJaguaribe, como foi feito nosrios das Pedras (Imbuí), Sei-xos (Centenário) e Lucaia(Vasco da Gama).

O diretor frisa que asobras têm componentes deresponsabilidade social, jáque, segundo dados da Con-der, cerca de 400 mil pes-soas são prejudicadas comas cheias. Em função do pro-jeto, cerca de 300 famíliassairão das margens do Man-gabeira para novas casas.

“Entendo a preocupaçãocom a paisagem da cidade,mas é preciso pensar tam-bém nas pessoas que vivemsobre a adutora nos bairrospobres”, rebate. “Não vamosfazer do Jaguaribe o que foifeito no Camarajipe”, com-para, em referência ao cha-mado “Rio das Tripas”, quedeságua no Costa Azul.

MunicípioPor meio de nota, a Secre-taria Municipal de Infraes-trutura e Obras Públicas(Seinfra) informa que as in-tervençõesnosriosPassaVa-ca e Trobogy visam promo-ver o revestimento lateralem ambos os corpos hídri-cos, com investimentos daordem de R$ 98,1 milhões.

O comunicado reforçaque as obras são indispen-sáveis para a solução dosproblemas crônicos de ala-gamentos na região. Com aintervenção no rio Trobogy,diz o texto, o assoreamentodo corpo hídrico será inter-rompido, “garantindo a suaintegridade e recuperaçãodo leito”.

As obras preveem, ainda,intervenções como micro-drenagem na avenida Tam-burugy (Patamares), im-plantação de pontilhão so-bre o rio Passa Vaca, recu-peração das matas ciliares eexecução da barragem na la-goa do Vale Encantado.

çãodorioMangabeiraéumaquestão de sobrevivência.Há 25 anos, a família delaconvive com as enchentesna rua Beira Rio, que fica noBairro da Paz.

A casa de Marli está lo-calizada sobre a adutora deágua de abastecimento dacidade, às margens do rio,que, cercado de moradias,

pede passagem quando achuva cai forte. A mulherconta que a água suja invadeas moradias precárias, juntocom lixo jogado pela popu-lação, animais e doenças.

“Não só eu, mas muitosmoradores aqui já perde-ram muita coisa: colchão,sofá, rack, armário, guar-da-roupa. A gente dá um du-

ro danado. É muito sofri-mento”, lamenta. “Sem falarque a água é suja, traz lixo,cobras e ratos para nossascasas”, completa.

O drama de viver na áreade vazão dos rios aflige tam-bém moradores de áreas no-bres, a exemplo da adminis-tradora Rosa Brito, 65 anos,que mora há quatro décadas

no Village Piatã. Ela diz quevários moradores já tiveramprejuízos com as inunda-ções do rio Jaguaribe, sobre-tudo na maré cheia.

“Já chegamos ao ponto dever carros carregados pelaágua. Todo mundo fica desobreaviso, quando chove. Agente torce para que a obracomece logo”, anseia.

“É precisopensar naspessoas quevivem sobrea adutora”SÉRGIO SILVA, diretor da Conder

CAPITAL Canalização rende debate sobredemanda urbana e preservação de ecossistemas

Ações em riosdividem gestorese ambientalistas

Mila Cordeiro / Ag. A TARDE

O rio Jaguaribedeságua em Piatã,na 3ª Ponte da Av.Octávio Mangabeira