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    3A imprensa psicodlica

    O objetivo do trabalho, como j salientado, mostrar como a ebulio

    cultural juvenil dos Estados Unidos e da Inglaterra na segunda metade da dcadade 60 o rock psicodlico por assim dizer influenciou a contracultura do Brasil poca. No entanto, tanto quanto pontuar essas influncias, percebeu-se anecessidade de mostrar a recepo das informaes que aqui chegavam. Apesquisa em peridicos serve, deste modo, para mostrar de que maneira asinformaes sobre o rock psicodlico e os temas a envolvidos chegavam aoBrasil. Com quanto tempo de atraso, com quais filtros eram transmitidos e, apartir dos escritos nos peridicos pelos prprios jovens contraculturais, com que

    filtros eram recebidos; so informaes valiosas para a excelncia deste trabalho.Mais ainda, as anlises dos jornais trariam tona como eram passadas eassimiladas essas influncias. Ajuda a mostrar como a sociedade, representadapela opinio pblica dos jornais, estava recebendo essas informaes. Como e deque forma elas chegavam populao como um todo. Em suma, o exame emperidicos foi imprescindvel, j que so neles, majoritariamente, que se encontrao buchicho das novidades.

    As opes de peridicos eram bastante considerveis. No entanto, a

    utilizao de todos ou at mesmo da maioria era invivel, demandaria bastantetempo. Houve, por isso, a exigncia de limitar a quantidade de jornais e revistasapreciados, respeitando um critrio de escolha. Optou-se por considerar, para osobjetivos aqui propostos, trs jornais com pblicos diferenciados: o Jornal do Brasil, o ltima-Hora e a revistaO Pasquim.

    Antes, porm, de comentar sobre cada um deles, vale salientar que orock uma das poucas manifestaes artsticas que no se pode creditar umaclasse especfica como consumidora. Tanto as elites quanto as camadas popularesadotam o rock no s como gnero musical predileto como tambm estilo efilosofia de vida. Mais do que sua a incidncia nos variados estratos sociais comoum produto finalizado, ele tambm produzido pelos mais variados grupos dasociedade. bem verdade que, em seu incio, nos anos 50, o rock era vinculado sclasses baixas e mdias: produzido pelos populares e consumido por eles prpriose pelas classes mdias. Hoje, porm, v-se uma democratizao do gnero

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    apesar da indstria do rock ainda permanecer, majoritariamente (no nosesqueamos da cena independente!), nas mos das elites, cobrando, por exemplo,preos elevadssimos para os concertos e pelos discos. Pode-se usar comoexemplificao os grupos Ramones e Legio Urbana. O primeiro veio das ruaspobres do distrito novaiorquino do Queens, tornando-se os pioneiros do punkrock. J a segunda banda foi formada, em Braslia, por filhos de diplomatas eprofessores universitrios. Vale salientar que os pobres do Ramones foram umaforte influncia para os riquinhos da Legio Urbana.

    Criado em 1891, o Jornal do Brasil acompanhou a efervescnciapoltica dos primeiros momentos do novo regime poltico do Brasil, a Repblica.Sem uma constituio nem mesmo uma convocao de uma AssembleiaConstituinte , o governo republicano enfrentava crticas de todos os lados, sendotaxado de ilegal. E o JB surge como um peridico de exaltao monarquista ecrtica ao republicanismo. De incio, tem sua frente, entre outros, JoaquimNabuco, que enfrentou forte perseguio por seus textos veementemente crticosao novo regime e saudosistas da poca do imprio.

    A partir de 1894, quando o jornal passou s mos dos irmos Franciscoe Cndidos Mendes de Almeida, a sua proposta mudou radicalmente. Doravante,declarou-se apoiador da legalidade e, consequentemente, dos poderes pblicos,denunciando qualquer tipo de desrespeito lei e irregularidades. Sendo assim, oJB passou de crtico ferrenho para aliado do governo republicano, com um cacoetede denncia social. Virou, portanto, um jornal popular, consumido pelas classesbaixas do pas. Com a entrada de Pereira Carneiro na direo do jornal, houveuma intensa tendncia elitizante em sua proposta, valorizando as sesses literriascom um corpo de profissionais ligados Academia Brasileira de Letras. Porm,com a chegada ao poder de Getlio Vargas e as recorrentes incurses parareprimir o jornal, o JB virou um boletim de anncios.

    A sua reformulao a partir de 1953 e a sua recrudescncia como umaempresa de notcias de grande expresso e popularidade em 1961 fez do jornal umdos principais do pas, sempre apelando para a moderao das veiculaes. Asmudanas no afetaram seus quatro principais atributos, que sempre nortearamsua atuao: era um rgo catlico, liberal-conservador, constitucional e defensorda iniciativa privada. Mas no deixou de ser um pblico crtico de Jnio

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    Quadros, em funo de suas medidas econmicas e, sobretudo, devido ao eventoda condecorao do argentino Ernesto Che Guevara, ento ministro cubano.Apoiou a legalidade quando o Brasil passava por mais uma crise poltica, dessavez levada pela renncia de Jnio e o impasse da posse ou no de Joo Goulart.Viu com bons olhos, inclusive, as reformas de base deste ltimo, publicando umamatria defendendo-as. No entanto, o jornal rompeu com o presidente em funoda veemente inclinao s esquerdas que apresentou, vendo a necessidade de umainterveno militar para garantir a continuidade democrtica devido a sucessivastentativas de golpe.68 Fato que no durou muito em funo das consecutivasperseguies e cassaes por parte do governo militar. O jornal mostrou repdiototal com a promulgao do Ato Institucional n5 e toda sua truculncia. Porm, amorte de Costa e Silva e a indicao de Emlio Garrastazu Mdici provocou umotimismo do peridico frente o regime militar. Otimismo esse apoiado na polticaeconmica do Ministro da Fazendo Delfim Neto.69 Para alm do seu histrico, notvel o fato do Jornal do Brasil ser um jornal surgido em terras cariocas,entretanto estava voltado para o pblico culto nacional.

    O ltima Hora, por sua vez, tem sua gnese j na segunda metade dosculo XX, fruto dos esforos de Samuel Wainer, em junho de 1951. De incio,era apenas um jornal vespertino e dirio, restrito ao Rio de Janeiro e a So Paulo.Surge como uma alternativa aos inmeros jornais que faziam oposio ao segundomandato de Getlio Vargas. Apesar de desmentido por Wainer, diz-se que oprprio Vargas, eleito, lhe fez o pedido pessoal para que comandasse um jornalque o apoiasse, numa espcie de porta-voz governamental. No entanto, afirma queseu peridico tinha como intuito interpretar as decises do governo e pass-las deforma clara e consistente para o povo. Percebe-se dessa forma que, desde suaformao, oltima Hora tinha um clamor popular, saindo das amarras da mdiaoligrquica que denominava as veiculaes de notcias no pas.

    68 Como no caso da Revolta dos Sargentos, em 1963, uma tentativa dos militares de baixo escalode tomar o poder em funo da deciso do Supremo Tribunal Federal de reafirmar ainelegibilidade dos praas para os rgos do Poder Legislativo, de acordo com a Constituio de1946. Cf. A revolta dos sargentos. Website da FGV/CPDOC. Acesso em 11 de maior de 2013.69 Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro do CPDOC.. Verbete: Jornal do Brasil.Acesso em 9 de abril de 2013.

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    importante comentar que o jornal passou a abarcar os demais estadosa partir de 1955. Desta forma, as notcias no se restringiriam ao eixo Rio-SoPaulo e, no caso dos assuntos culturais, chegavam vrias partes do pas fatobastante relevante ao presente estudo no que tange propagao, recepo eassimilao e, finalmente, a influncia de uma informao.

    A ligao entre Vargas e oltima Hora era bastante intensa. Foi aWainer que o pai dos pobres pediu para publicar a famosa frase s morto saireido Catete, na conjuntura da crise poltica que culminou em sua morte. Os demais jornais faziam forte presso e oposio. Como Vargas se suicidou antes dapublicao da matria, no dia 24 de agosto de 1954, Wainer fez uma levealterao na frase original: Ele cumpriu sua palavra: s morto sairei do Catete.Em seguida, um editorial intitulado Pela ordem pedia calma ao povo, pois era areao calorosa e o caos da gerado que almejava a oposio. Essa edio tevesetecentos mil exemplares. No entanto, passado o calor do acontecimento, CarlosLacerda volta a interceder por um boicote aoltima Hora, provocando uma fortequeda na prensagem.

    No episdio do impasse poltico provocado pela renncia de JnioQuadros, o jornal permaneceu fiel sua veia trabalhista e apoiou Jango at ogolpe militar, em 1964. E, por isso, sofreu uma forte punio orquestrada peloIBAD, no qual grandes companhias foram convencidas a no usarem o espao do jornal como publicidade. Oltima Hora s no encerrou suas atividades graass pequenas e mdias empresas, que vinham no flerte popular do peridico umaexcelente visibilidade propagandstica.

    Pode-se considerar que oltima Hora teve uma postura de oposio equestionamento s medidas dos militares. Mesmo sem Wainer, exilado na Europadepois de ter seus direitos polticos cassados, e sem a publicidade das grandesempresas, o jornal se manteve firme na crtica ao novo regime, denunciando

    torturas e maus tratos aos presos polticos sobretudo nos chamados anos dechumbo. Vale salientar que se declarou contra as propostas econmicas deabertura do pas ao capital estrangeiro de Delfim Neto.70

    70 Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro do CPDOC.. Verbete: ltima Hora. Acessoem 10 de abril de 2013.

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    Especificamente, priorizar-se-, noltima Hora, a coluna Roda Viva,assinada por Nelson Motta71. No episdio da volta de Samuel Wainer ao Brasildepois do exlio em Paris e a sua reassuno na direo do jornal, em 1967, Mottafoi convidado para dirigir uma coluna diria sobre a cultura jovem, que pululava poca. Sobre a coluna, o prprio diz:

    [Samuel Wainer] veio da Europa animado e cheio de idiasnovas, para uma completa reforma do jornal. Uma delas eralanr uma coluna sobre o poder jovem, escrita por um jovem,em linguagem jovem e irreverente, que no existia na imprensabrasileira. (...) seria cultural e poltica, rebelde, o alto-faltantedas novas geraes, a voz da juventude. (...) Seria o porta-vozdo Cinema Novo de Glauber Rocha, do novo teatro de JosCelso Martinez Correia e do Grupo Oficina, do som universalde Gil e Caetano, da arte pop de Antonio Dias e Hlio Oiticica,de tudo que fosse novo e jovem no mundo, informando sobre oque faziam, diziam, vestiam e ouviam os jovens de Londres eParis, de Nova York e Califrnia.72

    Diferentemente doltima Hora e do Jornal do Brasil, O Pasquim erasemanal. Ademais, fazia parte do que se convencionou chamar de imprensaalternativa, uma mdia de base poltica e crtica dedicada a levar informaes eopinies a uma sociedade acostumada a tendencialismos. Sua tnica era o humore uma abordagem leve, cingindo, inclusive, cartunistas em seu plantel. Ou seja,denunciava a partir de stiras e com uma linguagem coloquial, que agradava o

    grande pblico.Sua histria comea com o Ato Institucional n 5 e toda sua restrio e

    perseguio s oposies. Veio, ento, a necessidade de produzir uma crticadesvinculada da militncia poltica, com inspirao do Village Voice, um jornalalternativo de Nova York, surgido em 1955 em meio cena Beatnik. Desta forma,Tarso de Castro, Srgio Cabral, Murilo Reis, Jaguar, Carlos Prosperi, Claudius eCarlos Magaldi, depois de se verem impossibilitados de dar continuidade revistaCarapua (em funo da morte de seu fundador em agosto de 1968, Srgio Porto),

    decidem pela criao de um jornal tabloide. Contam com a participao de

    71 Jornalista, escritor, letrista e produtor musical carioca, Nelson Motta, nascido em outubro de1944, ficou conhecido, alm de seus trabalhos artsticos, por ter vivido muitas das transiesculturais e estticas a partir da dcada de 1960 at os dias de hoje. Trabalhou em inmerosperidicos e emissoras de televiso. 72 MOTTA, N. Noites Tropicais: solos, improvisos e memrias musicais. Rio de Janeiro: EditoraObjetiva, 2000, p. 165-166.

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    Ziraldo, Millr Fernandes, Paulo Francis, Henfil, entre outros. Vale destacar aparticipao de Luiz Carlos Maciel, responsvel pelas matrias da colunaUnderground sobre (contra)cultura e comportamento, difundindo na sociedadeos preceitos dos movimentos contraculturais que pululavam no mundo.

    A relao entre o peridico e os militares foi bastante conturbada. Em junho de 1970 teve incio a censura prvia dO Pasquim, durando at maro de1975. Nesse perodo, muitas matrias e reportagens foram censuradas, pormalgumas eram dribladas pelos editores e conseguiam chegar ao pblico. Muitaseram de Maciel, propagando os iderios da contracultura, sobretudo a ideologiahippie e as ltimas notcias do rock psicodlico, como se pode perceber napesquisa realizada a seguir.73

    ***

    importante deixar claro o recorte cronolgico e seus propsitos. Asabordagens aqui comentadas so referentes a anlises feitas nesses trs peridicosem publicaes de junho de 1967 at agosto de 1971. No entanto, cada um delesteve a sua periodicidade apreciada de forma distinta, seja por questesconvergentes ao tema, seja por motivos de ordem prtica.

    Junho de 1967 foi o ms de lanamento do lbumSgt. Peppers, oalicerce dessa dissertao e do qual se baseou todos os debates e pensamentosincipientes a cerca das tendncias do rock sessentista para o psicodelismo e a suarelao com a contracultura. Desta forma, v-se uma relevncia em iniciar osestudos a partir de sua veiculao na sociedade. No entanto, nessa pocaespecfica, dos trs jornais aqui estudados, apenas o Jornal do Brasil se mostracondescendente para com a proposta:O Pasquim ainda no existia e a colunaRoda Viva, doltima Hora, s passa a ser publicada no final deste ano.

    J setembro de 1971 o ms do qual se pode extrair a ltima matria deLuiz Carlos Maciel, na coluna Underground, nO Pasquim, relevante para o temaaqui apresentado. O Underground se encerra em fevereiro de 1972, porm cinco

    Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro do CPDOC.. Verbete: O Pasquim. Acesso emde abril de 2013.

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    meses que separam ambas as datas mostram um desgaste do jornalista no quetange as veiculaes nessa coluna. Tanto o que praticamente todas as matriasdesse nterim so uma forma de preparao do leitor a um novo peridico queMaciel estava criando, o Flores do Mal, que seria um jornal especfico paraassuntos da contracultura e no mais uma coluna num jornal alternativo.

    Vale salientar que o material encontrado na pesquisa bastante rico eabundante. O uso de absolutamente todos os dados recolhidos demandaria muitomais tempo do que o disponibilizado para concluir este trabalho. Portanto, fez-senecessrio a escolha dos materiais que esto mais de acordo com as propostasaqui estabelecidas e as mais ricas em informaes relevantes.

    A partir do levantamento de dados coletados da pesquisa nos citados jornais encontra-se trs grandes temas que permeiam a periodicidade do presentetrabalho e que esto em consonncia com o objeto e o objetivo em questo. Soeles: Drogas, Rock e Tropiclia.

    O intuito desse captulo, no entanto, apontar como que cada um dessesperidicos analisados aborda tais temas. Como as idiossincrasias do Jornal do Brasil, da ltima-Hora e d'O Pasquim ficam aparentes para os leitores que, deuma forma ou de outra, se atualizavam das questes culturais do mundo a partirdeles.

    Antes, porm, de dar incio s anlises da veiculao desses temas,considera-se importantes alguns comentrios.

    1. uma dificuldade inerente ao ofcio do historiador o tratamento com otempo. Estamos suscetveis a cada trabalho, a cada pensamento analtico e a cadaestudo histrico a cometer anacronismos e, to grave quanto, impor as nossasimpresses do tempo em que vivemos em perodos passados. Uma vez que estetrabalho prope entender influncias e, consequentemente, trocas de informaese distintas maneiras de recepes, o tempo que elas pairam no espao o tempo

    de deslocamento at chegar ao grupo social analisado crucial para o bomandamento das anlises. Em outras palavras, para um historiador das influncias,o tempo que a informao demora a chegar do emissor ao receptor de sumaimportncia.

    No caso especfico da dcada de 1960, est-se num limbo entre avagarosidade dos sculos passados e o imediatismo dos dias atuais. O que vai,

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    portanto, determinar este tempo o nvel de acesso tecnologia das sociedadesenvolvidas. Estados Unidos e Inglaterra estavam no topo do desenvolvimentotecnolgico poca, sobretudo o primeiro, que passava por uma disputaideolgica e desenvolvimentista com a Unio Sovitica. O Brasil, a pesar do seuestado de pas em desenvolvimento, no estava to atrs das potncias, dadoque era um pas capitalista de forte influncia norte-americana.

    O primeiro exemplo um relato de como os prprios viventes daqueladcada j estavam sentindo a transformao do mundo, a sua diminuio relativa.Em 1 de julho de 1968, Jos Carlos Oliveira escreve uma crnica cuja tnica uma anlise psicanaltica do crescimento das mobilizaes do Poder Jovem. Noentanto, ele relata como a reduo do tempo de chegada das informaesinfluenciou em seu texto.

    Neste nosso pequeno mundo, s se fala mesmo em PoderJovem. As grandes distncias j no apresentam qualquerobstculo para o dilogo entre as pessoas, de modo quetodos ns podemos confiar em que seremos ouvidosquando estivermos falando sbre problemasverdadeiramente interessantes. Por exemplo: leio nos jornais brasileiros um telegrama mandado de Chicago poruma agncia internacional de notcias. A informaoenvolve dois psiquiatras, um norte-americano e obrasileiro, Osvaldo Camargo. Lano minha opinio noCaderno B, dia 23 de maio. No dia 27 de junho, recebo

    uma carta escrita dezoito dias antes, em Nova Dli. Omundo pequeno!74

    No importa aqui comparar o que rpido ou o que lento o que correr-se-ia orisco de cometer um anacronismo. Importa, sim, a percepo da mudana dotempo de quem viveu em 1960.

    a partir destas ideias que se chega seguinte concluso: as informaestrocadas entre esses pases leva um curtssimo perodo para chegar at o Brasil eser veiculadas na mdia (comparado, obviamente, com os tempos histricos),como se pode perceber no advento do lanamento do disco Sgt. Pepper's, dosBeatles. Chega-se ao segundo exemplo. Disponibilizado no dia 1 de junho de1967 na Inglaterra, tal lbum recebe calorosa resenha de Juvenal Portella, cronista

    74 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.

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    de discos populares do Jornal do Brasil, no dia 26 de julho de 1967. O cdigo dolbum revelado por Portella e, a partir dele, tem-se conhecimento que se trata deum disco lanado no Brasil.75 Ou seja, o resenhista ouviu a verso nacional dodisco, e no a vinda de fora do pas. O disco j estava circulando no mercado,influenciando a juventude.

    Vale uma pequena apreciao sobre a resenha em si. O ttulo da resenha Os Beatles so bons e nicos e se inicia assim:

    Os leitores que me acompanham e me sabem ligado chamada pura msica talvez se espantem, mas o fato que, honestamente, eu no posso deixar de iniciar estacoluna elogiando um disco da chamada - erradamentetalvez - msica jovem, um disco dos Beatles. Realmente, eno tenho nenhum motivo para dizer o contrrio, o LP Sgt.Pepper's [sic] Lovely Hearts Club Band", assim se inicia aresenha.76

    Percebe-se o quo mal visto era o rock, poca, pela elite: o resenhista seespanta por considerarSgt. Pepper's um lbum de rock muito bom. Pelas suaspalavras, foi o nico que gostou e os Beatles, a nica banda que o agrada. Mas,ainda sim, deixa claro a sua intolerncia com a chamada "msica jovem". E istoleva para o segundo comentrio.

    2. A mdia no estanque. Como se diz na linguagem popular, h mdias e

    mdias. E elas representam interesses de certos grupos sociais. Por isso difcilencontrar assuntos relacionados contracultura, tanto nacional quantointernacional, em jornais de grande circulao entre s classes mdias, uma vezque as notcias ligadas cultura so majoritariamente retratando a cultura de elite,como peras, bals, msica clssica etc. O Jornal do Brasil um exemplo. NoCaderno B, sesso especializada em cultura, pode-se encontrar duas colunasprprias msica: uma chamada unicamente Msica (escrita por RenzoMassarani77); outra chamada Discos Populares (escrita por Juvenal Portella78).

    75 Cdigo do disco: Odeon BTX 1004. O site http://www.discogs.com/ d as inforamesnecessrias sobre o lanamento do disco no Brasil. Acesso em 15 de abril de 2013.76 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 15 de abril de 2013.77 Nascido na Itlia em maro de 1898, Renzo Massarani ficou conhecido no Brasil pela sua longaatividade como crtico musical no Jornal do Brasil, dissertando sobre msica erudita e suasvertentes. Seu conhecimento musical vem da sua formao e especializao em Msica, ainda na

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    A primeira trata exclusivamente de msica erudita, como msica clssica, barroca,msica de cmara e afins. J a segunda versa sobre todos os outros estilos, desdesamba ao rock. Vale salientar que a coluna Msica est presente empraticamente todas as edies, o que no acontece com a Msica Popular, queno tem uma freqncia determinada, aparecendo esporadicamente. Sem contarque, diariamente, h o Panorama da Msica, uma pequena coluna de informesde concertos, festivais e afins tambm voltada msica de elite.

    Um exemplo desse elitismo est justamente nessa ltima, no dia 5 desetembro de 1967. O editor responsvel declara o que considera uma triste nota:a apresentao de um grupo paulista de jazz, o Traditional Jazz, na Sala CecliaMeireles, famosa por sua tradio de msica erudita. O fato de a banda serbrasileira e ter um nome ingls causa alarde no escritor e faz crescer o temor de asala, to famosa por seus fins altamente artsticos, passar a abarcar festinhas i-i-i, formaturas e bailes de carnaval, como se esses eventos no fossem dignosda pompa do local.

    Depois de tantos e to merecidos elogias s realizaes daCeclia Meireles, uma nota triste: sua direo anuncia para osprximos dias um show de The Traditional Jazz, nome norte-americano de um conjunto que, parece, vem de So Paulo.Como conciliar esta primeira exibio (seguiro outra, ento?)com os fins altamente artsticos da Sala? E o fato no criar umprecedente para que, essa Sala, tambm, se abra s festinhas i-

    i-i, s formaturas, aos bailes de carnaval? O show anunciadocomo parte da Temporada de Concertos... Uma lstima.79

    No dia 20 de janeiro de 1969, v-se mais um exemplo do elitismo culturaldo Jornal do Brasil. O termo "msica", para os jornalistas e cronistas culturais dotabloide, designa sempre msica clssica ou de cmara. Quando querem tratar dosoutros gneros, usam o termo "msica popular". Na matria em questo, amanchete anuncia: "A msica que as Amricas fazem", versando sobre o IFestival de Msica das Amricas (22 a 29 de maro de 1969). Mas, no decorrer dotexto, percebe-se que se trata de concertos de msica erudita, como na passagem

    Itlia. E, por isso, alm de escrever, tambm atuava como msico. Cf.. Acesso em 12 de junho de 2013.78 H poucas informaes sobre Juvenal Portella. S se sabe que era um jornalista. 79 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 16 de abril de 2013.

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    Vrios compositores brasileiros estaro dando suacontribuio a esta manifestao cultural, e o prpriomaestro Cludio Santoro apresentar um trabalho de suaautoria, Intermitncia II, composta para piano, 13instrumentos, quatro microfones direcionais e dois alto-falantes.80

    Os termos maestro, composta para piano e o prprio nome dacano,Intermitncia II, no deixam dvida que se trata de uma referncia msica clssica, corroborando quo a ideia supracitada.

    Percebe-se, ento, a importncia da imprensa alternativa/underground paraa difuso e socializao das premissas da contracultura. Imprensa essa muitasvezes perseguida pela polcia poltica pelo simples fato de ser alternativa e depregar uma nova forma de sociedade.

    E, da, partimos para o terceiro e ltimo comentrio.3. Os informantes e escritores da contracultura e do rock na poca eram os

    prprios vivenciadores da contracultura. Vivia-se numa espcie de ditadura dono-rock na mdia escrita da dcada de 1960: ou se falava de msica erudita, ouse falava da novssima e valorizadssima MPB. Eram rarssimas as veiculaessobre o rock. E quando se falava dele era relacionando-o com algum um tema queestava em voga, como as drogas alucingenas ou as crescentes revoltas juvenis.Como numa matria de capa do Caderno B, no dia 23 de agosto de 1967, no qualPaul McCartney citado como um dos principais cones do movimentohippie,que se consolidava nos EUA e se alastrava pela Inglaterra.

    Os britnicos esto aderindo em massa filosofia doshippies: dos Beatles a Graham Greene, querem a liberaodos alucingenos e a ampliao do conceito de liberdadede expresso a limites que nem os americanos barbudos,do Village a So Francisco, ousaram. () Entre osinglses, Paul McCartney, um dos Beatles, o grandefavorito. Paul McCartney diz Miles est realmentecriando sons novos. muito avanado e est, pelo menos,um ano adiante de qualquer um de ns. A ltima faixa doLP Revolver , chamadaTomorrow Never Comes, gravada

    Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 16 de abril de 2013.

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    pelos Beatles, o ponto de partida de quase todo o i-i-ipsicodlico que esto fazendo.81

    Tal situao s foi mudada quando os prprios jovens passaram a escrevercolunas sobre os assuntos que permeavam a sua faixa-etria. Nomes como NelsonMotta, Luiz Carlos Maciel, Antnio Bivar, Maurcio Kubrusly e, vez por outra, oprprio Caetano Veloso davam s caras pelos jornais e revistas da poca. Cabia aeles a incumbncia de retratar a cultura e os acontecimentos deles mesmos, de suaprpria gerao. Portanto, caam naquela velha mxima: eram criadores ecriaturas; no s eram influenciados por toda a conjuntura juvenil e psicodlicacomo tambm influenciavam seus semelhantes com suas palavras.

    Cabe ressaltar que esses jovens foram ganhando espao nas respectivas

    redaes nas quais trabalhavam muito em funo do crescimento da moda jovem/psicodlica no mundo e, sobretudo, no Brasil. A partir dos estudos dessestrs peridicos percebe-se, claramente, o aumento da recorrncia a partir do finaldo ano de 1967 e o seu arrefecimento no ltimo quartel de 1971.

    Dadas essas consideraes, passa-se para as anlises propriamente ditasdos referidos temas.

    3.1Drogas

    Como salientado, as drogas so essenciais para o entendimento dessa cenamusical. O psicodelismo surgiu em funo de descobertas de drogas sintticasalucingenas, como o LSD, e a valorizao de outros tipos de psicotrpicosnaturais, como a maconha. O rock da segunda metade da dcada de 1960 estrelacionado ao alastramento dessas drogas na sociedade e ao uso indiscriminadoda classe artstica, sobre tudo os msicos de rock.

    No dia 7 de julho de 1967, o Jornal do Brasil publicou uma grandematria sobre o LSD, falando da sua histria iniciada em 1943 com AlbertHofman , do seu alastramento, dos grupos sociais que a usam, os efeitos e os

    81 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 17 de abril de 2013.

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    males. Versa ainda sobre a formao da culturahippie e suas idiossincrasias. Maso seu ponto alto a informao que, no Brasil, a difuso da droga pfia, notendo motivos para alardes das autoridades. Ou seja, a droga e suas consequnciassocioculturais ainda no tinham embarcado no pas de maneira contundente. Amoda psicodlica ainda estava por chegar.

    Apesar de ter sido revelado que h dois anos era possvelconseguir em So Paulo uma dose mnima de 10 microgramasde LSD por NCr$200,00, parece no haver ainda razo paraalarma da sua difuso, pois, antes que o emprgo desta drogapassasse pela fase de popularizao que teve nos EstadosUnidos, onde somente o ano passado sua venda e produoforam sustadas, o Servio de Fiscalizao de Medicina eFarmcia restringe o emprgo de LSD somente a centros depesquisas altamente categorizados como Crculo Universitriode Pesquisa da Universidade de So Paulo.82

    Outra informao importante mostrada na reportagem o crescimento dacultura psicodlica nos Estados Unidos mais especificamente em So Francisco com lojas, literaturas, indumentria etc. Para deixar o leitor ainda mais inteiradocom o assunto, d-se uma definio do conceito de psicodlico, retirada doRandon House Dictionary of English Language. Isso mostra que, apesar decrescente, o assunto ainda era novidade na sociedade brasileira.

    Lojas psicodlicas, onde se vendem literatura oriental e discosde msica atonal idela para obackground das viagens; umapublicao chamadaPsychodelic Review; a prpria incluso dotrmo psicodlico no Random House Dictonary of English Language - onde definido como "referente a um estado mentalde grande calma, de intensa e agradvel percepo sensorial empeto criativo" - tornam as medidas de restrio impostaspelas autoridades americanas praticamente incuas.83

    Em suma, a reportagem se mostra bastante imparcial. Histrico eantecedentes, explicaes sobre conceitos, lados positivos e lados negativostransparecem uma neutralidade sobre um assunto ainda incipiente na sociedade

    brasileira. Bem provvel que tal caracterstica da matria esteja ligada ignorncia dos malefcios sobre a droga e, por isso, as questes morais aindaestavam arrefecidas.

    82 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.83 Idem.

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    Outra veiculao sobre drogas foi publicada pelo jornal algumas semanasdepois, no dia 26 de julho de 1967. Na verdade, foi uma crnica de Jos Carlos deOliveira84, que comenta sobre a campanha de alguns artistas ingleses para alegalizao das drogas alucingenas. Um desses artistas, inclusive, era PaulMcCartney, que, de acordo com Clinton Heylin, estava passando por um processoinventivo muito intenso. Vinha frequentando novos ares tanto na msica quantonas artes plsticas, nas tentativas de fugir da solido que a solteirice lhe causava.Para Heilyn, Paul estava aberto nova cena artstica da poca. John Cage,Cornelius Cardew, Albert Ayler, Arnold Schnberg, Andy Warhol, RobertMorris, Diane Wakoski entre outros, eram cones artsticos que Paul interagia nassuas inmeras incurses nounderground artstico de Londres.85 O uso de drogasfazia parte desse processo modernizador da sua arte.

    Por se tratar de uma crnica, o autor se sente livre de expor seuspensamentos. E, a partir da, tece comentrios preconceituosos contra osmovimentos contraculturais que fazem uso de drogas como estilo de vida.

    A campanha em favor da maconha - marijuana, LSD esemelhantes tem a mesma origem pragmtica, generosa e...britnica. As publicaes internacionais esto fartas defotografar e entrevistar as multides de deslocados sociais que,nos Estados Unidos e na Gr Bretanha, recorrem a alucinaesartificiais. No Rio de Janeiro e em So Paulo, cidadestradicionalmente hipcritas, h pequenas maonarias que se

    entregam a sses excessos, mas tudo muito escondido. Oescndalo que a polcia faz, de vez em quando, no temproporo com os danos sociais provocados pelos viciados.86

    Termos como deslocados sociais, viciados e danos sociais mostramum certo moralismo no discurso de Oliveira. Deslocados sociais, nesse caso,estaria se referindo aoshippies e todos aqueles que se desconectaram da vidaocidental e capitalista. J o termo viciado um tanto quanto forte j que sabidopela comunidade cientfica que o THC substncia encontrada na maconha e que

    84 Jornalista, cronista e romancista brasileiro, nascido em Vitria, Esprito Santo, em agosto de1934. Trabalhou por duas dcadas escrevendo crnicas para o Jornal do Brasil. Morreu em 1986.85 HEYLIN, C.Sgt. Peppers Lonely Heat Club Band: um ano na vida dos Beatles e amigos. SoPaulo: Conrad Editora, 2007, p.79.86 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.

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    causa as viagens no causam dependncia qumica.87 Por fim, entende-se pordanos sociais a fuga da regrada e moral vida ocidental, baseada em preceitoscristos, e a desestruturao da tradicional forma de amar e constituir famlia,capitaneados pelo movimentohippie e a sua cultura de viver em comunidades. Detoda sorte, a cultura psicodlica estava sendo divulgada entre as classes mdias,consumidoras do peridico.

    O mesmo cronista escreve outro texto sobre drogas e os Beatles no dia 11de agosto, mas, dessa vez, relacionando-as mais diretamente banda. Desde quefoi lanada, Lucy In The Sky With Diamonds era taxada por fazer referncia aoLSD (que abarcaria as primeiras letras das palavras capitais do ttulo: L Lucy, S sky e D diamonds). E justamente isso que Jos Carlos de Oliveira retrata emsua crnica e afirma: L.S.D. - Lucy in the Sky with Diamonds. Paul McCartney eJohn Lennon fizeram a apologia da alucinao lisrgica nesta bela cano cujaletra um poema surrealista.

    Apesar da roupagem psicodlica da cano e da letra, de fato, surrealista,John Lennon deixou claro em diversas oportunidades que a msica foi feita apartir de um desenho feito por seu filho pequeno, Julian. No desenho, Julian tentaretratar sua colega de escola Lucy num cu de diamantes. Lennon e o resto dabanda, de qualquer maneira, estavam realmente numa fase de experimentao dealucingenos introduzidos em suas vidas, inclusive, pelo prprio Bob Dylan,que lhes ofereceu o primeiro cigarro de maconha. Ou seja, o mais provvel queessas duas verses no estejam complemente dissociadas.

    Oliveira faz algumas consideraes dos dois caminhos que a juventude dapoca poderia tomar depois de apresentar a traduo da cano para o portugus:o da busca por novas experincias e novas sensibilidades a partir das drogas, cujoscones eram os prprios Beatles; e o trajeto seguido por Roberto Carlos naquelapoca, uma vida regrada, sem vcios, instigadora do sentimento maternal na

    mulher, e no sexual. A despeito do que comentou na crnica do dia 26, JosCarlos de Oliveira diz que mais simptico a John, Paul, George e Ringo.

    87 Ainda h bastante discusso acerca do vcio ou no da maconha. O prprio termo vcio problemtico, j que traz consigo muitos estigmas. Conceituar os limites do uso excessivo para ovcio bastante relativo. No entanto, sabe-se que a maconha no causa a mesma dependnciaqumica que o lcool, a cocana, o crack e outras drogas produzidas artificialmente. Se h algumtipo de dependncia que envolva a maconha, ela est relacionada a questes socioculturais.

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    No Brasil, Roberto Carlos lana uma espcie de manifestoalertando a juventude contra o que considera uma heresia dessesdolos, cujas canes e vozes tambm aprecia. Nosso jovemartista se aproveita da ocasio para firmar (...) o seu tipopublicitrio - de rapaz direito, sem vcios, provocador dosentimento maternal nas mulheres de todas as idades. Mas os

    Beatles proclamam que a juventude atual sofrida, perdida,desamparada, precocemente amadurecida. Os Beatles so tristese [palavra ilegvel] verdadeiros. Nesse dilema juventude aqualquer preo (mesmo ao preo da autoridade) ou confissopblica de [palavra ilegvel] qual o caminho que os jovensannimos seguiriam? Talvez eu esteja puxando a sardinha paraa minha brasa, mora! mas a verdade que John, George,Ringo e Paul me so mais simpticos.88

    Chega-se em 1968. As matrias sobre drogas continuam. No dia 3 de janeiro, um enorme artigo de capa do Caderno B relata a difuso e fortalecimento

    das drogas, sobretudo da maconha e do LSD. Dessa vez, o tom parecido com osque vemos nas notcias nas mdias de hoje: aponta-se o ndice de crescimento deusurios, os principais redutos, as suas questes psicolgicas e sociais.

    Como ocorre nas favelas mesmo nos bairros residenciais avizinhana de um dependente a melhor publicidade para asdrogas. A maioria dos viciados foi levada ao uso habitual deentorpecentes por amigos e vizinhos. Mas deve-se levar emconta a personalidade fraca, desorganizada e facilmenteinfluencivel dessas pessoas. No conceito do psiquiatra OsvaldoMorais Andrade, a personalidade mal estruturada uma dasprincipais razes do vcio, levando-se em conta quedeterminadas pessoas possuem tendncias para a sua prtica.89

    Entretanto, a matria no enxerga a relao das drogas com acontracultura, a forma de contestao e fomentao de uma nova sociedade ainerente, mas sim como algo nocivo e ruim, vil sade e s relaes sociais.Analisa a relao do jovem com a droga, porm sem relacion-lo nominalmentecom toda a ebulio contracultural que acontecia naquele momento, que tinha nouso das drogas uma forma de disputa. Mas, atravs de uma entrevista com um

    jovem da poca, deixa a entender que o uso das drogas est relacionado a uma

    88 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.89 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.

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    fuga. Indica, ainda, os Beatles como um dos principais propagadores porcantarem, nas rdios, "viagens psicodlicas".

    A publicidade aumenta na medida em que todos os meios decomunicao apresentam farto material a respeito das drogas.No rdio os Beatles cantam uma viagem psicodlica, em todosos centros cinematogrficos filmes so feitos. Mesmo sendomaterial contrrio ao uso, o levantamento do problema ocasionaa curiosidade natural de cada um e a [sic] conseqente procuradas drogas em uma tentativa de novas experincias.90

    No se est, aqui, valorizando o lado positivo das drogas, tampoucofazendo algum tipo de apologia. O intuito de tais apontamentos a relao com ocrescente moralismo que inundava as redaes dos principais jornais das classesmdias brasileiras. At mesmo porque, poca, ainda se tinha muita opinio

    cientfica apontando os benefcios de drogas como a maconha e o prprio LSD.91

    A tendncia para a negatividade dos entorpecentes, naquele momento, era umatomada de postura.

    Atitude contrria tinha Luiz Carlos Maciel, dO Pasquim, em relao aospsicotrpicos. No dia 15 de janeiro de 1970, o guru brasileiro dounderground publica uma imensa e quase tcnica matria sobre a maconha e seus efeitospsicossociais. To tcnica que at mesmo uma cadeia da frmula qumica do THC tetrahidrocanabinol foi disponibilizada.

    90 Idem.91 Muitas dos artigos de Luiz Carlos Maciel na coluna Underground mostravam, a partir dedepoimentos de profissionais da sade, que a maconha e o prprio LSD no s no faziam mal aohomem como eram benficos.

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    1 C , 15 1970, '. : A , E .30, 15 21 1970, . 24 25.

    Para Maciel, a frmula qumica da maconha, poca, constitua nummistrio para os cientistas, que no conseguiam identificar como o THC reagia ao

    corpo humano ao ser ingerido e dava as sensaes alucingenas.As razes dos efeitos da Cannabis so um mistrio. Por essarazo, sua classificao como droga difcil. Oficialmente temsido tratada como um txico, um narctico e um entorpecente.A Cannabis, entretanto, no contm substncias txicas e otetrahidrocanabinol pertence a uma famlia qumica totalmentediferente dos narcticos. (...) Thimoty Leary, o papapsicodlico, classifica-a como um 'psicodlico suave'. Juntandotudo, poderamos cham-la de um "sedativo-estimulante-hipntico-psicodlico", o que sem dvida demais para umadroga. O mistrio continua.92

    O artigo de Maciel se mostra bastante informativo. Faz questo de exporas reaes somticas, os efeitos psquicos, os lados negativos e positivos do seuuso, alm de dar uma enorme lista dos apelidos que a maconha recebe pelo Brasilafora.

    Para terminar, esclareo que a Cannabis Sativa maisconhecida pelo populacho ignaro, pelos nomes de: diamba,liamba, riamba, fumo de Angola, fumo de caboclo, pango,chico, birra, ch, erva, dirijo, fumo brabo, umbaru, atchi,pretinha, planta do diabo, erva maldita, Rosa Maria, rafo,Malva, Namba, pio de pobre, mulatinha, marijuana, DonaJuanita, ganja, gongo, dagga, anasha, canjinha, erva maligna,daboa, fumo, Cristina e maconha.93

    Maciel mostra, duas edies depois, como, grosso modo, oshippies selivraram das instituies de aprisionamento mental em funo das drogas. O textodo dia 5 de fevereiro de 1970 aponta uma comparao entre osbeats domovimento Beatnik e oshippies, membros da contracultura da dcada de 1960,em relao sanidade mental. Para o jornalista, a loucura dos primeiros vinha da

    angstia para com o mundo, que era amenizada com drogas. Porm, o excesso e otipo droga utilizada naquele perodo94 levava loucura. (Loucura na verdade, jque o conceito de loucura est muito ligado s formas de dominao e o sistemade poder). O mesmo no acontecia com os hippies, que usavam o LSD, uma droga

    92 O PASQUIM, Ed.30, dia 15-21 de janeiro de 1970, pp. 24 e 25.93 Idem.94 Como a lcool, os barbitricos, anfetaminas, morfina etc.

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    alucingena e escapista. Pois, para ser louco, necessrio estar dentro doEstablishment e, assim, contest-lo. E a essa contestao que se d o nome de"loucura". Com o LSD, no entanto, os hippies vivem em mundos paralelos,afastados do sistema. Por isso, no so vistos como loucos.

    Os hippies da nova gerao, por outro lado, abandonaram a luta,refugiados no recm-descoberto territrio psicodlico quedrogas como LSD tornaram possvel. Inventaram uma espciede esquizofrenia sinttica, pr-fabricada, que lhes permiteescapar da velha esquizofrenia tradicional, muito conhecidaembora no dominada pelos psiquiatras. Quem corta tdas assuas relaes com a estrutura social opressiva, como os hippies,no acaba no hospcio mas em parques, praias, ilhas, etc. Amaneira mais direta de evitar o nervous-breakdown assumirtranqilamente a prpria loucura, como um nvo estilo de vida.No mundo do esquizofrnico por escolha, a esquizofrenia anormalidade e a psiquiatria tradicional perde seus direitos.95

    No difcil perceber o lado que Maciel pende em relao s drogas.Ademais, o escapismo posto em prtica peloshippies entendido, ao longo damatria, como uma contundente manobra contestatria da sociedade ocidental. Aluta, para o movimentohippie, estava mais ligada ao chamadodrop out (algocomo sair fora) do que mudar as estruturas sociopolticas propriamente ditas.Mas nada assim seria sem o uso das drogas alucingenas.

    Reclamando do sensacionalismo do tratamento da imprensa ao LSD,

    Maciel prope um contraponto, bem aos moldes da sua caracterstica maismarcante: a viso dooutsider . A matria da edio 51 do peridico (11 de junhode 1970) aponta as verdades cientficas da droga. Para tal, convida um mdicopsiquiatra para relatar os benefcios trazidos ao consumidor.

    O LSD tem sido geralmente tratado pela imprensa como umassunto escandaloso e sensacionalista. Sistematicamente, ongulo mais importante do problema, o ngulo cientfico, temsido desprezado. Para corrigir sse rro, nas apreciaes sbre oLSD veiculadas pela imprensa, O PASQUIM publica otestemunho de um mdico psiquiatra, o dr. Jamil Almansur

    Haddad, que analisa os aspectcos essenciais da droga de umponto de vista estritamente cientfico.96

    So onze verdades cientficas apontadas pelo mdico, com suas devidasexplicaes e consideraes: 1) Aumenta a percepo, 2) um remdio, 3) No

    O PASQUIM, Ed.33, dia 05-11 de fevereiro de 1970, p.8. O PASQUIM, Ed.51, dia 11-17 de junho de 1970, pp. 20-21.

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    cria alucinaes, 4) No oferece perigo de morte, 5) Cura vrias doenas, 6) Serveno tratamento de neuroses e psicoses, 7) No bom para cardacos, 8) Curaalcoolismo e toxicomanias, 9) Sofre campanhas injustas, 10) No vicia. analgsico, e 11) Tem funo social e deve ser estudado.

    Dos onze itens, interessam mais diretamente dois deles: o 9 e o 11. O itemnmero 9 est relacionando a imagem da droga no mercado de produesliterrias, dando o exemplo do artigo de William Burroughs expoente domovimento Beatnik que versa sobre o tratamento da cura para o vcio demorfina, j testado e comprovado. Porm, no foi aceito nos jornais de sade dosEstados Unidos. Foi publicado no Brasil, entretanto, com o nome de LSD Dossier do Vcio, enquanto seu ttulo original era Mandala LSD. O fato deacrescentar a questo do vcio no ttulo do trabalho, na concepo do dr. Haddad,gera uma imagem negativa, mesmo quando o seu objetivo era desconstruir talideia de vcio e dependncia. Mas alerta: livro que fala bem do LSD vende mais.Para falar mal, j h uma saturao publicitria custa de todos os veculos dedifuso.97

    J o item 11 conta uma breve histria de como o LSD se dispersou nasociedade a partir dos experimentos de Timothy Leary em seus alunos em Havarde em alguns detentos da priso de Concord98. Em ambos os grupos, o resultado foisatisfatrio: 95% dos alunos modificaram suas vidas para melhor e 25% dosdetentos tiveram reincidncia criminal (quando a porcentagem habitual de 50%).

    No importa aqui a veracidade das estatsticas por Leary coletadas, massim o que os brasileiros estavam lendo. Como as informaes sobre as drogasestavam sendo veiculadas. E, mais importante, como que um mesmo assunto oLSD, bastante caro ao movimento contracultural nacional ganhava diferentesabordagens e roupagens, variando de um peridico para outro.

    Postura contrria se observa numa matria do Jornal do Brasil do dia 1 de

    abril de 1970, num artigo de capa do Caderno B. Percebe-se uma matriapolicialesca sobre a maconha, j retratando o maniquesmo frente droga. Com ottulo Um comrcio silencioso: para morrer basta falar, o texto retrata a

    97 Idem.98 No se especifica a localizao exata dessa priso.

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    amplitude e a facilidade da comercializao da maconha no Brasil e o despreparoda policia para conter o trfico.

    A polcia sabe tudo sobre os entorpecentes: tem at um mapados pontos de venda e acompanha suas constantes mudanas.Mas no pode agir, pois os recursos so insignificantes, oshomens so pouqussimos e h o pior: o silncio normal de umcomrcio fechadssimo, onde qualquer palavra pode significar amorte. Enquanto isto, a maconha prospera: das imensasplantaes no Nordeste, em Mato Grosso e no Paraguai otransporte se faz sem muita dificuldade e o lucro dos traficantes imenso. S no se do bem em So Paulo: l a polcia no dfolga.99

    Hoje comum vermos assuntos relacionados droga em sesses policiaisdos jornais. Mas na segunda metade da dcada de 1960, a partir da difuso e darevoluo que causou no pensamento e na postura socioculturais juvenis, asdrogas sobretudo s ligadas ao movimento psicodlico estavam mais nombito do novo, do diferente, e, portanto, ligado s questes culturais. interessante notar, no entanto, que, mesmo com um carter quase investigativo ecriminal tecendo comentrios sobre mortes, perseguies e incurses policiais tal matria se encontra no Caderno B, uma sesso dedicada cultura etrivialidades. Ou seja, trata-se de uma desconexo entre a ideia e os julgamentossobre o objeto e a sua veiculao social. Em outras palavras, a maconha comea a

    virar caso de polcia em funo de um crescente moralismo sobre seus efeitos,porm sua roupagem de novidade e por ainda estar ligada rebeldia juvenilgarante um lugar nos cadernos culturais.

    Na edio 69 dO Pasquim 14 de outubro de 1970 , Maciel deixatransparecer um leve, porm preocupante, desnimo com a contracultura. Depoisda morte de Jimi Hendrix, em 18 de setembro, morre, menos de duas semanasdepois, a cantora Janis Joplin. Ambos faleceram em plena juventude (os dois com27 anos) e atravs do tipo de vida que pregavam: uso e abuso de entorpecentes.

    A qumica da destruio . - "Isso uma advertncia!" -exclamou um amigo meu, j grisalho, que usa gravata o tempotodo. As mortes de Jimi Hendrix e Janis Joplin, num perodo decrca de quinze dias, foram demais para le. Bem: foramdemais para todos ns. H uma certa perplexidade no ar, uma

    Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel emhttp://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19700401&printsec=frontpage&hl=pt-BR. Acesso em 21 de abril de 2013.

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    angstia que beira o pnico, uma dvida pesada sbre oapocalipse que se anuncia os derradeiros horizontes do sculo:se le, de fato, promete um nvo como, como querem ascrianas de Aquarius, ou se apenas assinala um fim sem futuro,como a grande imprensa (a despeito de si prpria, de suasdesvairadas iluses sbre a preservao das runas ocidentais)

    insinua como um sintoma assustador que no tem , sequer,conscincia de si memso. Sim: o impacto das duas mortes foipoderoso. Os que mais as sentiram tentam conservar a prpriapaz de esprito, revestindo-as de novos valores msticos e/oumticos; os que permaneceram indiferentes no conseguemesconder sua satisfao necrfila diante dos fatos. 'U, jcomearam a morrer todos, ?' - uma piada freqente nosrostos sorridentes de todos os defensores do chamadoEstablishment , seja les de direita, centro ou esquerda. Essaalegria pela morte de duas pessoas um pouco chocante nessessacerdotes da moralidade tradicional.100

    Porm, ao final do texto, deixa a entender que existem muitos tipos dedrogas. A que eles usuram foram drogas tidas como "diablicas" e qumicas: olcool e os barbitricos. Ou seja, a maconha e o LSD os prismas dacontracultura , at ento, no tinham feito vtimas. Portanto, o sonho ainda notinha acabado.

    ***

    A coluna Roda Viva, do jornalltima Hora, escrita por Nelson Motta, noaborda tantos temas polmicos tais quais os textos de Luiz Carlos Maciel noUnderground e os artigos do Caderno B do JB. A diretriz da coluna transmitirnotcias e frivolidades sobre a cultura da poca de maneira leve, e no promovergrandes debates apesar de algumas boas consideraes sobre os temas aquipertinentes, tratados em seus devidos espaos.

    O que mais se assemelha ao tema das drogas so umas pequenas elimitadas sesses dentro da coluna sobre o movimentohippie. Flower Power o

    seu nome e retrata uma faceta dos movimentos contraculturais estrangeiros demaneira bastante leviana, apresentada em tpicos curtos e singelos (figura 02).

    O PASQUIM, Ed.69, dia 14-20 de outubro de 1970, pp. 18-19.

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    2 , . 11 1968. : . D

    < :// . . . . / / . ? =11& =1& =1968& =10& =2> . A 24 2013.

    Por exemplo, na primeira delas no total de quatro 101, do dia 11 de janeiro de1968, os assuntos foram: a ida de Ringo Itlia e o seu encontro com o papa; aparticipao da banda Animals no filme do Batman; o sucesso de duas bandas deacid rock que tem o nmero 5 em seu nome: o Fifth Dimension e o FiveAmericans; a compra de outro carro de luxo por John Lennon, que j tinha 4carros, entre outras. Como se pode notar na figura 02, as notcias apontadas sobastante suprfluas e com pouco aprofundamento. Parece apenas uma tentativacomercial de inserir o jornal na voga da contracultura da poca: tais notas e asdemais notcias sobre o tema so s uma forma de atrair ao jornal esse pblico, eno abrir um campo de discusso como props Luis Carlos Maciel.

    Apesar da superficialidade desta sesso, Motta apresentou umainteressante matria no qual analisa, mesmo que brevemente, oshippies no Brasil.

    101 Lanadas nos dias 11, 16 e 19 de janeiro de 1968 dentro da coluna Roda Viva, do jornalltima Hora.

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    Ele expe o que acredita ser um problema de tal movimento nacional: a falta deadequao da filosofia s idiossincrasias do pas. Em seu ver, oshippies daquiteriam que deixar a paz de lado e serem mais incisivos ele diz violento, masacredita-se que ele quis tratar no sentido de mais ativos, no to pacficos eparados. Os EUA passavam por uma guerra demasiadamente violenta, e nadamais coerente do que pedir a paz. Aqui, o problema social, tendo a necessidadede uma agitao nas estruturas para se alargar os direitos e diminuir asdesigualdades. O pacifismo doshippies ingleses e norte-americanos seria em vono Brasil.

    Em suma, as drogas e o prprio movimentohippie no eram a tnica dacoluna. No entanto, como poder-se- perceber, h bastante riqueza no que tange,por exemplo, a Tropiclia e os discos da poca de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

    3.2Rock

    Chega-se ao tema central do trabalho. Na dcada de 1960, falar emcontracultura era, inevitavelmente, relacion-la com os debates e astransformaes que o rock implementava. Mudanas essas que aconteceram desde

    meados da dcada de 1950, quando o chamadorocknroll arrebatou uma juventude que buscava uma identidade e se entendia como grupo social. Um rockfeito, alis, por esses prprios jovens em mutao (novamente, criador e criatura).Desta forma, entende-se que tais transformaes do rock, num primeiro momento,esto ligadas esfera social, diferentemente do que ocorre uma dcada depois.

    A partir, mais ou menos, de 1965, o rock ganha umethos poltico ecultural, uma vez que os jovens, j identificados como um grupo de grandepoder socioeconmico -, pleiteiam mudanas nas estruturas da sociedade. No

    em vo termos a maior rebelio juvenil do sculo XX em 1968, vindo j de umprocesso de radicalizao das exigncias dos jovens frente educao desde 1963.Mais ainda, tem-se um salto qualitativo nas composies roqueiras decrescimento harmnico e lrico , cultuado at os dias de hoje, advindo dessa novapostura juvenil.

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    Em outras palavras, no se pode dissociar as variaes da juventude comas do rock. Um influencia o outro. Vivem numa simbiose perfeita. E um dosgrandes exemplos a tendncia ao orientalismo que os jovens apresentavam napoca, seguida pelo rock. No dia 9 de setembro de 1967, pouco depois darevoluo causada porSgt. Peppers, saiu uma grande matria no Jornal do Brasil sobre a forte relao dos Beatles com o orientalismo e suas filosofias e religies.O texto d a entender que os Beatles voltaram suas atenes para o Oriente depoisda morte de Brian Epstein (27 de agosto de 1967). Mas, talvez, devesse falarapenas que eles intensificaram sua espiritualizao oriental a partir de ento, jque antes podemos perceber tal fato, tanto com declaraes como atravs deroupagens de certas canes, como "Love You To" ( Revolver , 1965) e "WithinYou Without You" (Sgt. Pepper's, 1967).

    Ademais, o texto procura entender o interesse da juventudeintelectualizada e os Beatles, apesar de oriundos da classe trabalhadora, nodeixavam de ser intelectuais formadores de opinio nos ensinamentos budistas.

    Os jovens hippies no ficaram nisso em seus movimentos daCalifrnia. Sua rebelio empurrava-os contra a infelicidade etenso do homem moderno: poderia ser profunda. O caminhoque abriu foi o do budismo, ou o do zen-budismo, uma das suascorrentes mais populares nos Estados Unidos. Mas os hippies eos Beatles no esto distantes. Apenas o zen-budismo abre as jovens intelectuais uma possibilidade de romper com a lgica e

    o aprisionamento de dogmas (...).102

    As msicas dos Beatles, ento, estariam ligadas a essa ideia, a essafilosofia que afirma que "a lgica representa uma priso". Qualquer tipo depensamento regrado e cartesiano perde a essncia espiritual, vira priso. "O zen-budismo acredita que o processo lgico impotente para satisfazer asnecessidades espirituais mais profundas".103 E depois do disco Revolver , ascomposies deixaram de remeter quele rocknroll cinquentista de Elvis e

    Buddy Holly e ganharam novas roupagens, menos diretas e simplistas e maisdifceis de serem assimiladas. E muitas dessas canes foram inspiradas pela

    102 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 21 de abril de 2013.103 Idem.

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    esttica musical oriental, sobretudo as compostas por George Harrison, o beatle aoOriente e seus ensinamentos filosficos.

    Ao final, a matria esboa uma tentativa de responder a questo inicial:por que os jovens do final da dcada de 1960 se identificam tanto com oorientalismo? De acordo com o artigo, buscam abrir o sentido da vida para fugirda vida tecnocrtica do ocidente.

    Alguns meses mais tarde, foi a vez de Nelson Motta relacionar o rock coma vida oriental. No dia 9 de janeiro de 1968, o jornalista publicou uma nota sobrea passagem de Mick Jagger pelo Rio de Janeiro. Segundo Motta, o anfitrio deJagger, Fernando Sabino, buscou msicos populares da MPB como Edu Lobo eLuz Ea , para mostrar um pouco da msica brasileira. Mas aparentemente ostone no estava muito interessado na msica brasileira e s queria conversarsobre os principais assuntos da contracultura: LSD, misticismo e orientalismo.

    Edu Lbo e Luz Ea foram tambm convidados por Fernandopara mostrar um pouco de msica brasileira para o agitadoMick, que no entanto, no demonstrou qualquer intersse emmsica de qualquer tipo e preferiu conversar o tempo inteirosbre filosofias indianas, LSD e "descobertas do esprito".Depois de uma hora neste papo, Jagger achou melhor parar"porque isto j me trouxe muita complicao".104

    Na edio de n 60 dO Pasquim, Maciel finalmente aborda o zen-

    budismo, j que desde as primeiras edies ele comenta sobre o assunto, semaprofund-lo no entanto. Alm comentar sobre sua relao com a sociedade norte-americana citando o seu incio, com o movimento beat, e a importncia de AllanWatts, o adaptador da filosofia com as idiossincrasias ocidentais , fornece umasrie de conceitos relacionados filosofia e ao espiritualismo oriental, to caro contracultura que florescia no seio do psicodelismo. Palavras de Lin-chi,Mxima de Tao Te Ching, O mtodo de Hui-neng, Satori de Ma-tsu, entreoutros, so termos ligados a essa religio oriental e que recebem, cada qual, uma

    detalhada citao do seu livro sagrado, sendo elas relevantes ao positivismo e fuga do mundo materialista que tanto oshippies pregavam.

    104 Jornal Ultima Hora (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 15 de maio de 2013.

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    Ao contrrio de outrosscholars especializados no pensamentooriental, Watts tem plena conscincia dos problemas deassimilao que os ensinamentos do Zen envolve ao sedefrontar com a mente ocidental e tdas as categorias depensamento que elaborou e introjetou atravs de sculos deestratificao cultural. Hoje, le uma espcie de guru supremo

    do vigoroso movimento deunderground na Califrnia. Aprpria filosofia do movimento psicodlico que floresceu naWest Coast, a partir da crescente popularidade do LSD, umamistura das iluminaes do cido (psicticas talvez masobjetividades e, hoje, parte inegvel da nova contra-cultura) edas mximas dos mestres do Zen-Budismo.

    Ao se referir ao west coast , Maciel estava, subjetivamente, referindo-setambm s inmeras bandas de rock psicodlico oriundas da regio de SanFrancisco e entorno. Um exemplo dessa influncia direta pode ser encontrado na

    msica Carpet Man, do The 5th Dimension105

    . A msica, a despeito de seragitada e ter uma levada mais direta, apresenta uma esttica psicodlica,provocada pelas vocalizaes dos integrantes afinal, se tratava de uma banda decoro e pela presena do rgo. Ademais, possvel ouvir com bastante clareza actara no final da msica.

    Como este trabalho faz uma ponte entre cena norte-americana e a inglesa,vale a pena mencionar um caso britnico. Talvez, o melhor exemplo doorientalismo no rock ingls para alm das j citadas canes dos Beatles (Within

    You, Without You e Love To You), seja a cano Paint It Black, dos RollingStones. Com alternncia entre climas soturnos e agitao psicodlica, essa canotambm levada pela ctara, que divide espao com violes e guitarras, alm deuma bateria bastante intensa. Uma excelente traduo da esttica contracultural dapoca.

    Tem-se, ento, nesses dois casos a mais perfeita combinao dopsicodelismo com o orientalismo, materializando a fala de Maciel sobre a relaodesses elementos com a contracultura.

    A partir do recorte cronolgico estabelecido, este estudo perpassa pela datade lanamento do sucessor deSgt. Peppers, o disco Magical Mystery Tour , de 8de dezembro de 1967. Por isso, muito se foi divulgado na imprensa aqui. Por

    105 O 5th Dimension foi uma banda de coro surgida em Los Angeles, Califrnia, em 1964. Suasmsicas flertavam com o R&B, o soul e, nos primeiros lbuns, com o psicodelismo. Encerrou suasatividades em 1975.

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    questes da cronologia, vemos a preocupao em retrat-lo por parte do Jornal do Brasil e doltima Hora, j queO Pasquim ainda no existia.

    Magical Mystery Tour foi, na verdade, um projeto cinematogrfico dosFab Four . Em San Francisco, nos EUA, Paul se deparou com uma cidade quemais parecia uma grande comunidadehippie. Foi testemunha ocular do projeto deKen Kesey de customizar um nibus escolar com cores vivas e vibrantes bem aoestilo psicodlico e promover uma viagem pelo interior do pas distribuindoLSD populao.106 Pensou, desta forma, quo interessante seria fazer umamgica viagem pelo interior da Inglaterra.

    O que aconteceria se os Beatles se juntassem para concretizaressa ideia? Seria divertido se embrenha no interior ingls emum nibus prprio, parando nos vilarejos e cidadezinhas quedesejassem, como inspirao para um filme muito louco?

    Poderiam compor pequenos cenrios, produzir uma trilhasonora original, controlar eles prprios o projeto. Eram muitasas possibilidades. Logo em seguida, ele j imaginara uma formasurreal de viagem misteriosa ou melhor, uma viagemmgica de mistrio, para refletir a atmosfera do momento.107

    O filme foi transmitido no Boxing Day ingls o dia seguinte do Natal pela BBC. E o que os ingleses assistiram foi uma sequncia de cenas sem sentidoe com os cortes mal feitos entre uma e outra. Isso se deu porque no havia umroteiro bem estruturado, racionalizado e profissional para o filme. Foi McCartney

    quem o fez, criando oito itens que deveriam ser seguidos ou no. O resto seriaimprovisado na hora.

    1. Apresentao comercial. Entrar no nibus. Guia apresenta-se.2. As pessoas do nibus se conhecem / (Msica,Fool on the Hill?).3. Maratona sequncia do laboratrio.4. Sorrisos. ALMOO. Mangas, trpicos (mgico).5 e 6. Sonho.7. Stripper & banda.8. Cano.FIM.108

    A imprensa no perdoou: taxou o filme das formas mais negativaspossveis. O buchicho informal das ruas tambm no favorecia aos Beatles.

    106 Tal feito foi retratado por Tom Wolfe no livroThe Electric Kool-Aid Acid Test , 1968.107 SPITZ, B. op. cit. pp. 677-678. 108 Ibidem, p. 715.

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    Apesar da forte vendagem, nem mesmo a trilha sonora do filme caiu na boca dopovo. E s se pode creditar esse forte interesse pelo disco a partir do nome dosBeatles. De outra maneira, seria to fracassado quanto o filme.

    E o ltima Hora relatou exatamente este fracasso. No dia 4 de janeiro de1968, Nelson Motta publica uma pequena, porm veemente nota sobre Magical Mystery Tour , relatando o quo mal visto foi e toda a sua repercusso negativa.Inicia seu texto descrevendo todo o processo de criao e o esprito inventivo dabanda poca. Porm, o excesso de riqueza e a notoriedade artstica teriam tiradoo foco lgico da produo artstica dos Beatles, fazendo aquilo que lhes fossebelo, interessante e conveniente para o momento, fato que no agradou o pblicoe a mdia.

    Matria parecida saiu na capa do Caderno B, do Jornal do Brasil, de 12 de janeiro de 1968. Um pouco menos pessimista, porm bastante elucidativa no quetange as propostas. O texto retrata toda a histria da concepo da ideia e sua aconcretizao. Foca bastante no esplendor da banda, que, a partir dele, podecolocar em prtica todos os seus anseios, pois crdito e dinheiro para tal elestinham. Como diz a reportagem, eram donos dos seus narizes.

    Os Beatles no demonstravam em absoluto qualquer apreensopelo encaminhamento que as coisas iam tomando, embora arealizao dste filme tenha sido, em muitos aspectos, um dosimportantes passos de suas carreiras, pelo menos desde que lesforam pela primeira vez admitidos em um estdio de gravao.Ao fazer um filme, os Beatles duplicam repentinamente os seushorizontes, tentando tornar-se mestres em meios decomunicao. Para dominar a msica, criar e controlar porcompleto o seu prprio som, les passaram por um processo deamadurecimento que foi de 1962 a 1967.109

    A despeito da questo dos recursos financeiros que dispunha a banda, essafilosofia estava de acordo com a ideologia da contracultura da poca: faa o quefor de sua vontade. H tamanho desprendimento moral e social que no existe

    nada que impea os rebelados de fazerem o que desejam.Motta volta a tratar do assunto em sua coluna Roda Viva, no jornalltima

    Hora, no dia 10 de fevereiro. Dessa vez, a nota curta e diz especificamente deuma msica, Fool on the Hill. Para o jornalista, ela representa uma das melhores

    109 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 24 de maio de 2013. Jornal do brasil dia 12 de janeiro de 1968.

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    canes da era inventiva dos Beatles e seria uma homenagem a MaharishiMahesh Yogi, o guru espiritual da banda.

    No novo lbum dos Beatles,Magical Mystery Tour , existeuma canoThe Fool on the Hill que talvez seja a melhorcano do repertrio atual do quarteto em termos de tcnica,letra e tratamento orquestral. A letra denota claramente umsentido de homenagem ao Maharishi Mahesh(...).110

    Nelson Motta ainda vai tratar do disco por mais duas vezes. No dia 2 demaro do mesmo ano, comea uma srie de correspondncias da cena cultural deNova York a partir de uma colaboradora, amiga do jornalista, que l vivia. VeraBocayuva Cunha relata, ento, que tanto Magical Mystery Tour e o lbum doRolling StonesTheir Satanic Majesties Requestestavam no topo dos lbuns maisvendidos da cidade. Vale comentar que, poca, Beatles e Rolling Stonesestavam na mesma sintonia esttica no que dizia respeito o lanamento dos seusrespectivos discos. Um inspirava o outro em vrios quesitos dos lbuns.Obviamente, estavam sendo influenciados pela mesma cpula cultural eidiossincrasias da poca. No entanto, o que se copiava era as temticas. Osprprios nomes magical mystery tour e their satanic majesties request temuma correlao. Uma aliterao bastante aparente. Ademais, as capas dos discosso bastante similares, como se pode ver nas figuras abaixo. A fantasia e o

    colorido psicodlico baixam nas duas capas dos discos!

    110 Jornal Ultima Hora (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 24 de maio de 2013.

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    . : . D < :// . . / / /19671208> < :// . . / / /19680120>. A 24 2013.

    Quase dois anos depois, os Rolling Stones lanam o disco Let it Bleed .Pouco tempo depois, a vez dos Beatles lanarem Let it Be. Apesar dassimilaridades, as msicas no so parecidas, cada qual respeitando sua identidademusical mas, ainda sim, estavam sendo bombardeados pela utensilhagensculturais da poca.

    Mais tarde, no dia 7 de fevereiro de 1969, a crise dos Garotos de Liverpoolainda estava em voga. Magical Mystery Tour , o filme, tinha sido um fracasso, mas

    no o suficiente para impedi-los de se arriscarem novamente. Na mesma poca dolanamento do filme, a Apple Boutique foi aberta, na Inglaterra, com o fim derevolucionar a indumentria da juventude londrina.111 O conceito da loja era umlugar bonito onde pessoas bonitas possam comprar coisas bonitas. PaulMcCartney alega que a loja estava dando certo e, sobretudo, lucro. Porm, emcomum acordo, resolveram fech-la, dando, de graa, tudo o que se encontravaem seu interior, desde roupas at acessrios burocrticos. Com o ttulo de Beatlesfalidos? Qu Qu Qu, Motta argumenta que os boatos sobre a crise financeira

    da banda e de suas empresas no passavam de um jogo de marketing, e explica oporqu:

    Como pode ir mal a Apple se esta companhia lanou apenas trsdiscos, a saber: Those Were The Daus, com Mary Hopkins, quefoi o maior sucesso de vendagem do ano; o baladssimocompacto de John Lennon e Yoko Ono nus na capa, que podeno ter sido rcorde de renda mas foi rcorde de promoo,causando imenso tumulto no mundo inteiro; e finalmente o LPdos Beatles, que est em primeiro lugar em tdas as paradas domundo desde que foi lanado e, mais que isto, custa 11 dlaresporque contm dois discos.112

    111 Pessoas bonitas, na verdade, era como eram chamados oshippies, uma espcie de apelidoque tomou um carter pejorativo, uma vez que se tratava de pessoas de classe mdia se passandopor desapegados.112 Jornal Ultima Hora (Digitalizado). Disponvel em . Acesso em 24 de maio de 2013.

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    Na esteira de 1969, chega a vez de Luiz Carlos Maciel comentar sobre orock psicodlico. Uma imensa matria publicada na edio 28 do peridico (01de janeiro de 1970) apresentando Jimi Hendrix ao pblico brasileiro. Maciel peem relevo o poder inventivo do msico na guitarra e nas suas composies,seguindo a "orientao experimentalista dos Beatles e tenta lev-la ao seu limite".Fala, alm disso, da influncia oriental que tanto Hendrix como os Beatlesaderiram. Ainda o coloca no patamar de ressignificao social pelo som tirado apartir da eletrificao da msica: Hendrix usava e abusava dos sons eltricos dasua guitarra.

    A diferena est no fato de que a msica eletrnica, apesar daaudcia, continua ligada tradio racionalista, letrada - comodiria McLuhan - da arte ocidental, enquanto a de Hendrixcorresponde ao que o mesmo McLuhan chama de tendncia

    retribalizao da juventude contempornea [movimento hippie].Ela envolve, para ser devidamente apreciada, uma novasensibilidade musical que os Beatles apenas insinuaram nosseus ouvintes. por isso que digo que a guitarra eltrica, emJimi Hendrix, no apenas um novo som: uma novaexperincia existencial que exige, para que se estabelea umacomunicao efetiva, uma alterao profunda na prpriamaneira de viver do ouvinte, nos prprios valores que norteiamseu comportamento e no seu prprio sistema nervoso. Sim: amsica de Jimi Hendrix exige uma readaptao certamente maisfcil aos jovens e que a condio indispensvel da novasensibilidade. Esse o segredo da sua fora e de suaoriginalidade.113

    Mas o mais relevante da matria seja, talvez, a relao com Gilberto Gil.Cita-o como um grande admirador do msico. Como ver-se- no prximocaptulo, dedicado a pontuar as influncias do rock no tropicalistas, Gil era o quemais a fundo ia nas questes modernistas do rock e, consequentemente, era o quemais se influenciava. No documentrio Uma Noite em 67, isso fica muito claro.Segundo o prprio Caetano, Gil estava mais avanado nos projetos de mudanatropicalista que ele. Ia mais incisivo nas questes modernas. E os Beatles eram o

    carro-chefe de todas essas ideias. Gil havia feito uma viagem ao nordeste e, porum tempo, vivido a cultura de l. Quis, ento, juntar tudo, hbridos at entodicotmicos. "Beatles e Luiz Gonzaga, Rolling Stone e Jorge Ben, Banda de

    113 O PASQUIM, Ed.28, dia 01 de janeiro de 1970, p. 15.

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    pfaro de Caruaru e Jefferson Airplane",114 tudo isso com o objetivo de mudar emodernizar a cena cultural brasileira, palavras do prprio. E Jimi Hendrix estava,para Gil, dentro desses hbridos. Talvez no o virtuosismo nas guitarras, mas simo poder inventivo, rebelde, contracultural e moderno.

    No caso do rock eltrico de Hendrix, as pontes com os padresestabelecidos esto destrudas. Em vez de rebeldia e resignao,temos aqui uma marginalizao deliberada. A cultura e acivilizao diz Gilberto Gil, um admirador confesso deHendrix , elas que e danem, ou no.115

    O entusiasmo de Gil com o rock psicodlico e a importncia de JimiHendrix so retratados em algumas edies posteriores tambm. Na edio 65,Maciel d a vez para Antnio Bivar, outro expoente da contracultura nacional, naautoria do texto. O tema: sua incurso e de seus amigos no festival da Ilha deWight, no sul da Inglaterra, em 1970.

    Depois de Woodstock, a terceira edio do festival da Ilha de Wight talvezseja o mais importantehappening musical e contracultural. O clima era o mesmoem ambos: sexo, drogas e rocknroll,hippies por todos os lados. Foram cindodias de muita festa, com bandas como The Who, The Doors e The Jimi HendrixExperience dando o ar psicodlico atravs de suas harmonias viajantes. Tudo issodescrito por Bvar nos mnimos detalhes, com um importante adicional literrio: a

    participao de Gil, Caetano e um grupo de brasileiros entusiastas da cenacontracultural internacional.Ilha de Wight - No nosso quinto dia de festival, estvamostodos nus do outro lado da colina, na praia: eu, RogrioSganzerla, Helena Ignez, Gilberto Gil, Sandra, Caetano,Mercedez e milhares de pessoas que abandonaram o festivalpela praia num dia de sol brasileiro. (...) Como tda vspera defestival, Londres estava cheia dehairy people de mochila scostas rumo estrada estrada quando Z Vicente e eu pegamosas nossassleeping bags e comeamos a pedir carona.116

    Porm, o ponto alto do texto e, quem sabe, do festival como um todo foi a participao dos brasileiros no palco principal. Depois de uma noite de muitosom tropicalista, Gil, Caetano e seus companheiros foram convidados para se

    114 Frase proferida pelo prprio Gilberto Gil em sua entrevista para o documentrio Uma Noiteem 67.115 O PASQUIM, Ed.28, dia 01 de janeiro de 1970, p. 15.116 O PASQUIM, Ed.65, dia 16 de setembro de 1970, pp. 18-19.

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    apresentarem no palco principal, levando a cultura brasileira ao mar dehippies que ali se encontrava. Subiram ao palco vestindo uma roupa de plstico vermelhana qual cabia doze pessoas. Dali, pegaram seus instrumentos em sua maioria, depercusso e levaram o que de mais fino se tinha no tropicalismo ao palco que,na noite seguinte, tocaria nada mais nada menos que Jimi Hendrix.

    Quando Rikk Farr, organizador e apresentador do festival,anunciou o grupo brasileiro, houve uma grande receptividadepor parte da platia. Boas vibraes. Nosso grupo era formadopor 25 pessoas, brasileiros, belgas, alemes, americanos,inglses, suos, franceses, portuguses, argentinos, etc. mas eraconhecido como o grupo brasileiro porque ohead era o Gil. Dedentro da roupa danante, surgiram doze corpos, masculinos efemininos, nus. Gil comeou a cantar e tocar guitarra. Cantouem portugus, ingls, africano, baiano e uma lngua que criouna hora e que aprendemos logo. No final, grande parte dopblico se levantou e aplaudiu de p.117

    Duas edies depois a de nmero 67 Maciel d a triste notcia da mortede do guitarrista com um belo texto. Como bom entusiasta e membro dacontracultura, o jornalista mostra, de forma abstrata, o quo importante oguitarrista foi para o movimento, apontando o carter metafsico de sua carreira.Toda a extravagncia hendrixiana que vai desde sua indumentria at o seutratamento com a guitarra, digna de uma performance isolada, restrita a mos,cordas e madeira , segundo Maciel, fazia parte de uma aspirao por um mundonovo. Um mundo desejado por todos os seus cmplices, reunidos nummovimento que ia de encontro com a cultura estabelecida. Entretanto,complementava o seu transe metafsico da guitarra com drogas. As famosas LSDe maconha. E foram elas que completaram a experincia que, no toa, davanome a sua banda, The Jimi Hendrix Experienced da extravagncia, daexcentricidade da sua vida. Da nsia por uma mudana cultural, comportamentale, sobretudo, social. Assim, Maciel comenta sobre a importncia do rockpsicodlico para tais transformaes.

    Do ponto-de-vista estritamente musical, a obra de Hendrixencerra a grande lio cultural do rock. Foi essa msica quepraticamente estabeleceu o mtodo fundamental de criao dacontracultura. Consiste basicamente em recolher o lixo dacultura estabelecida, o que , pelo menos, considerado lixopelos padres intelectuais vigentes, e curtir sse lixo, lev-lo asrio como matria-prima da criao de uma nova cultura.

    117 Idem.

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    Misticismo irracionalista, filosofia oriental, astrologia,especulao metafsica, hedonismo primitivista, etc.,geralmente considerados bobagens infantis pelo melhorpensamento moderno, foram transformados nas principaisdisciplinas da academia do underground. O rock foi amanifestao artstica que iniciou o processo que o inspira e

    que, at agora, o levou mais longe.118

    Ou seja, o rock foi o norteador da contracultura. Desde sua gnesemarginal, elevou a cultura a um teor poltico, ou melhor, de mudana poltica. Noentanto, nada ocorreria se no se transformasse, primeiraemte, a cultura. E esta,por sua vez, veio a partir de um movimento interno e comportamental dos jovens.

    ***

    Para encerrar o tema do rock, insta ressaltar um problema comum a todomovimento de grande repercusso social e, consequentemente, miditico:banalizao do seu conceito, do seu significado. O termo psicodelismo, oupsicodlico, surgiu a partir de tentativas fsicas e concretas de reproduzir osefeitos das drogas alucingenas no mundo real, seja a partir de sons, luzes,sensaes etc. Com o fortalecimento doshippies como um grupo social dedissidncia cultural, o termo se difundiu e acabou fagocitado pela mdia. (Alis, o

    prprio movimentohippie tambm foi cooptado pela indstria cultural, perdendotambm muito do seu poder de contestao.) A partir de ento, tudo viroupsicodlico. Muitas propagandas e anncios, ou mesmo descries aleatrias deprodutos ou lugares, ganhavam tal rtulo. As pesquisas nesses peridicos mostramcomo tudo e, ao mesmo tempo, nada passou a ser psicodlico.

    Em 13 de junho de 1968, na tentativa de descrever os frequentadores darecm-criada boate, o cronista Joo Carlos Oliveira, do Caderno B ( Jornal do Brasil), chama as luzes de uma boate de psicodlicas. So moas e rapazes que

    dormem quando amanhece e acordam quando anoitece. Movimentam-se emambientes escuros, atravessados por luzes psicodlicas.119

    118 O PASQUIM, Ed.67, dia 30 de setembro de 1970, pp. 20-21.119 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 27 de maio de 2013.

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    J numa pequena nota da coluna social de La Maria, no mesmo jornal,alguns meses antes, v-se outro exemplo do uso inapropriado do termopsicodlico. No caso, h quase um decreto do fim da moda do psicodelismonica e exclusivamente por causa de um restaurante no Leblon.

    Vivar o nvo restaurante do Leblon , assim como o Jirau,tornou o psicodelismo fora de moda, na decorao dos lugaresnos quais acontece a vida noturna carioca. Como o Jirau, decorado em vermelho, negro e ouro, inspirao que vem do artnouveau. O restaurante chegou at, para alguns dos convidados sua noite de inaugurao, a lembrar o Maxims de Paris -apesar de fazer parte de um centro de esporte: o Boliche 300.120

    Primeiramente, deve-se comentar o termo moda para o psicodelismo.Tira-se o carter de movimento scio-cultural e toda a sua pauta reivindicatria,

    alm de suas idiossincrasias; tornar-se uma tendncia a ser seguida e, no momentodo surgimento de outra, ela se esvai. Sem contar que o texto reduz o movimento decorao, que, unicamente pela ausncia da esttica psicodlica naquelerestaurante especfico, declarada o fim da moda como um todo. De todomodo, leva-se, sim, em considerao o fato de ser uma coluna social e asuperficialidade e frivolidade das suas publicaes. No deixa de ser, tambm,uma polaroide social: um retrato instantneo do que se passa e do que se pensa nasociedade. Pelo menos das classes mdias, consumidoras majoritrias do jornal...

    3.3Tropiclia

    Dos temas encontrados na pesquisa aos peridicos, o terceiro e ltimo demaior relevncia e incidncia foi o movimento da Tropiclia. Ao lado da MPB, oseu rival cultural, o tropicalismo aparecia como um quebra da tradio musicale uma alternativa para a modernizao das artes nacionais.

    Para Marcos Napolitano, a esttica tropicalista era um contraponto aspremissas da arte engajada. Se esta via o passado e as mazelas do presente(subdesenvolvimento, conservadorismo etc.) como elementos a serem superados

    120 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 27 de maio de 2013.

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    pela histria, os tropicalistas assumiam esses mesmo elementos, vendo-os comopertencentes da realidade nacional. O moderno e o arcaico, a riqueza e a pobrezaconvivam num espao de muita natureza. Assim se fez, portanto, a estticatropicalista: misturando elementos at ento antagnicos, como o nacional eestrangeiro, o moderno e o retrgrado, o erudito e o popular etc.121

    Essa batalha foi comentada por Juvenal Portella em sua crnica do dia 8de janeiro de 1968, uma retrospectiva dos acontecimentos musicais do anoanterior. Percebe-se uma posio do colunista acerca da msica brasileira. Deixabem claro a sua predileo pelo novo rumo que a cultura nacional estava tomando,com a "reaproximao da msica popular com as suas razes mais slidas, isto ,tudo aquilo ocorrido na denominada 'fase de ouro'". Portella cita Caetano Veloso eGilberto Gil como msicos que se perderam, por deixarem de fazer esse tipo demescla entre a msica popular e o samba e, em suas prprias palavras, fazermsica comercial.

    Trata-se de Gilberto Gil e Caetano Veloso, dois moosinteligentes e de boa formao, que comearam bem e depoisresolveram, sabe-se l por quais motivos, enveredar pela trilhamenos trabalhosa, a comercial.122

    Para Juvenal, Chico Buarque foi a melhor coisa que aconteceu na MPB em1967. Entretanto, no final da coluna, ele se volta para as anlises dos melhores de

    tal ano na msica internacional.Sgt. Pepper's foi considerada o melhor disco de1967, apesar de, em poucas palavras, tratar a banda indiferentemente e com certopreconceito. "No campo internacional deve-se fazer justia ao conjunto ingls TheBeatles pelo seu magnfico elep Sgt. Pepper's - Lonely Hearts (...)". O termo"fazer justia" aponta que Juvenal tem uma reticncia frente a banda, qui dorocknroll como um todo. Mas, mesmo assim, gostou do ento disco dosFabFour .

    Vale salientar que Juvenal Portella, a despeito de ter escrito algumas

    poucas resenhas sobre rock poca do lanamento desse disco dos Beatles segunda metade de 1967 mais ou menos , no mais apresentou nenhum texto ou

    121 NAPOLITANO, M..Cultura brasileira: utopia e massificao (1950-1980). So Paulo: Ed.Contexto, 2008, p. 65.122 Jornal do Brasil (Digitalizado). Disponvel em. Acesso em 27 de maio de 2013.

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