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Page 1: 23 O Programa Saúde da Família segundo profissionais de saúde, gestores e usuários

O Programa Saúde da Famíliasegundo profissionais de saúde, gestores e usuários

Brazil’s Family Health Programaccording to healthcare practitioners, managers and users

Telmo Mota Ronzani 1

Cristiane de Mesquita Silva 2

1 Departamento dePsicologia, Instituto deCiências Humanas,Universidade Federal deJuiz de Fora. CampusUniversitário, BairroMartelos. 36036-900. Juizde Fora [email protected] Fundação Oswaldo Cruz.

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Abstract Objective: To examine perceptionsamong Healthcare Practitioners, Managers andUsers of Brazil’s Family Health Program (FHP)in two municipalities in Minas Gerais State, Bra-zil. Methodology: Semi-structured interviewswith the Practitioners and Managers focused on:professional training, Family Health Programgoals, teams and difficulties encountered in themunicipalities; Users responded to a structuredquestionnaire in households registered with fourhealthcare units in these municipalities, selectedthrough a random draw. Results: Practitionersreported that: the requirements for a good teaminclude the personal attributes of its members;they are not satisfied with the FHP organization;prevention is its main goal. Managers rankedintervention at the family level as its main bene-fit, also mentioning health promotion, educationand assistance as other important aspects. Usersindicated that: community health agents are themost outstanding professional category; special-ists are required in the FHP; most respondentsare not engaged in any health-related activitiesother than consultations; specialized services arepreferable to the FHP. Conclusion: There aredifferent expectations among all those involved inthe FHP, which may undermine the effectivenessof its services.Key words Family health care, Healthcare prac-titioners, Managers, Users

Resumo Objetivo: Analisar a percepção dosprofissionais de saúde, gestores e usuários sobre oPrograma Saúde da Família (PSF) de dois mu-nicípios de Minas Gerais, Brasil. Metodologia:Foram realizadas entrevistas semi-estruturadascom os profissionais e gestores com os temas: for-mação profissional, objetivos do PSF, equipes edificuldades do programa no município. Foi uti-lizado um questionário estruturado, usandocomo critério de inclusão o sorteio de domicílioscadastrados em quatro unidades dos municípios.Resultados: Os profissionais relataram que: osatributos pessoais de seus membros são o requi-sito para uma boa equipe; há insatisfação com aorganização do PSF; a prevenção é o principalobjetivo do PSF. Os gestores destacaram que omaior benefício do PSF é a intervenção junto àsfamílias. Citaram também a educação, a assis-tência e a promoção da saúde como pontos im-portantes do PSF. Os usuários revelaram que: oagente de saúde representa a categoria profissio-nal de maior destaque; a presença de especialis-tas no PSF é necessária; a maior parte dos entre-vistados não participa de atividade extra-con-sulta; o serviço especializado é preferível ao PSF.Conclusão: Os envolvidos na proposta do PSFtêm expectativas diferentes quanto à estratégia,o que pode afetar a efetividade do serviço.Palavras-chave Saúde da família, Profissionaisde saúde, Gestores, Usuários

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Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) caracteriza-sepor ações preventivas e de promoção da saúdefísica, social e psicológica. Nesse sentido, “a aten-ção à saúde deixa de ser vista como meramentecurativa, individual e isolada do contexto social”1,para assumir proporções mais amplas, capazesde promover a integralidade das ações em saúde.

O Programa Saúde da Família (PSF) destaca-se entre as estratégias de saúde por ser uma tenta-tiva de transformar as práticas da atenção à saú-de e o trabalho dos profissionais que nele atuam,sendo, até mesmo, considerado a alavanca para atransformação do sistema como um todo2,3.Como estratégia inerente à atenção primária, guar-da como propósito, além de centrar a atenção nasaúde e dar ênfase à integralidade das ações, foca-lizar o indivíduo como um sujeito integrado àfamília e à comunidade4.

Desde sua criação, o PSF é uma estratégia quevem se estendendo por todo o território nacional.Entretanto, o crescimento do número de equipesnão implica, necessariamente, uma alteração realdas tradicionais formas de atenção à saúde ouuma estratégia de promoção de eqüidade. Senna5

discute que, devido à tradição clientelista e paterna-lista da política nos municípios brasileiros, o PSFpode estar sendo implantado como mero mecanis-mo de barganha política que envolve prefeitos,vereadores e população. Outro motivo para a ade-são ao PSF pelos municípios é o incentivo finan-ceiro dado pelos governos federal e estadual. Alémdisso, as políticas de descentralização no contextoneoliberal - em que surge o PSF - contribuem paraque o governo federal meramente transfira paraas unidades periféricas suas responsabilidades pelasaúde6, cabendo a ele apenas a função de planejaras ações, enquanto aos estados competiria con-trolar e aos municípios executar7.

Uma das especificidades que chama a atençãona proposta inicial do PSF diz respeito à atuaçãodos profissionais. Além da capacidade técnica, osparticipantes das equipes precisam se identificarcom uma proposta de trabalho que, muitas ve-zes, demanda criatividade, iniciativa e vocação paratrabalhos comunitários e em grupo4. Portanto, oPSF exige uma mudança estrutural na formaçãoe nas práticas dos profissionais de saúde, que devecomeçar nos centros formadores8.

Importante também é saber como a popula-ção adscrita às equipes de PSF avalia o atendimen-to oferecido, de modo a repensar as práticas pro-fissionais ou intervir sobre a forma de organiza-ção dos serviços, visando seu aprimoramento9.

Considerando as colocações acima, o presen-te artigo tem como objetivo caracterizar o PSF apartir do auto-relato dos gestores, profissionaise usuários de dois municípios do estado de Mi-nas Gerais. Analisou-se especificamente a visãoque profissionais de saúde, gestores e usuáriostinham sobre esta estratégia, bem como se estapercepção corresponde às propostas pensadaspara o PSF como um instrumento de real modi-ficação da atenção à saúde.

Para isso, foram realizadas entrevistas comos profissionais de saúde e gestores que contem-plavam as seguintes dimensões: formação pro-fissional, objetivos do PSF, atuação dos profissi-onais das equipes e dificuldades encontradas nocotidiano do trabalho desenvolvido. Aos usuá-rios foi questionada a satisfação com o PSF, bemcomo a organização do sistema de saúde nomunicípio.

Metodologia

Participantes e procedimento

Foram entrevistados uma secretária munici-pal de saúde e dois coordenadores do PSF (umde cada município), 14 profissionais de saúde e118 usuários das áreas de abrangência de quatroUnidades de Saúde da Família (USF) dos muni-cípios de Rio Pomba e Santos Dumont, MinasGerais. Foram incluídas no estudo as duas USFdo município de Rio Pomba e sorteadas duasunidades no município de Santos Dumont. Emcada equipe, foi sorteado um agente comunitá-rio de saúde para representar a categoria na pes-quisa. As entrevistas com os profissionais e ges-tores foram realizadas no próprio local de tra-balho.

Com relação aos usuários, foram escolhidos,através de sorteio do domicílio cadastrado nasUSF, cinco usuários por microárea das unidadespesquisadas, tendo sido estabelecido como crité-rio que o entrevistado fosse maior de 18 anos. Aentrevista foi realizada no próprio domicílio.

Rio Pomba é um município com populaçãoestimada em 17.283 habitantes e conta com noveestabelecimentos de saúde, sendo seis públicos.Já Santos Dumont tem 47.935 habitantes e pos-sui, ao todo, dezenove estabelecimentos de saú-de, dos quais onze são públicos. Ambos têm umaunidade hospitalar filantrópica com parte dosleitos disponíveis ao SUS10.

Os municípios foram escolhidos por se trata-rem de cidades de pequeno porte na Zona da Mata

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de Minas Gerais, embora com tempo de implan-tação do PSF diferenciado (aproximadamente oitoanos no caso de Rio Pomba e um ano e quatromeses para Santos Dumont). De acordo com es-tudo realizado por Machado et al.11, a introduçãodo Piso da Atenção Básica permitiu que os muni-cípios de pequeno porte de Minas Gerais ampli-assem a rede de serviços da Atenção Básica, espe-cialmente com a implantação de equipes de PSF.Nesse sentido, esses dois municípios foram esco-lhidos para analisar se o tempo de implantaçãopoderia ser apontado como um fator que influ-encia na visão dos profissionais de saúde, usuári-os e gestores sobre o Saúde da Família.

Instrumentos

De modo a caracterizar o PSF a partir da pers-pectiva dos envolvidos no contexto desta estra-tégia, foram utilizados roteiros de entrevista es-pecíficos para cada grupo.

Entre os profissionais e gestores, foram utili-zados roteiros de entrevista, nos quais consta-vam perguntas referentes à formação profissio-nal, aos objetivos do PSF, à atuação da gestãomunicipal frente ao PSF, à descrição que fazemdas atividades desenvolvidas pelos profissionaisda equipe, aos critérios definidores de uma boaequipe de saúde da família e às dificuldades de talestratégia no município estudado.

Os usuários da área de abrangência das equi-pes de saúde da família responderam a um ques-tionário cujas perguntas contemplaram temasreferentes à satisfação do usuário em relação àequipe e ao programa e comentários sobre o sis-tema de saúde no município.

Análise dos dados

Para a análise das entrevistas, foi utilizadocomo método a Análise de Conteúdo do tipotemática-estrutural12. Já os dados obtidos como questionário foram analisados no softwareestatístico SPSS, versão 11.0. Foram realizadasanálises estatísticas descritivas e inferenciais dasvariáveis.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éticaem Pesquisa da Universidade Federal de Juiz deFora e todos os participantes assinaram a umTermo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Profissionais de saúde

Os profissionais entrevistados tinham expe-riência média de três anos e nove meses em PSF,sendo que os de Rio Pomba trabalham, em mé-dia, há três anos na unidade, enquanto os de San-tos Dumont atuam há dez meses. Três dos pro-fissionais com ensino superior fizeram pós-gra-duação, sendo uma em Saúde da Família. O prin-cipal campo de atuação dos ACS antes do PSFera o comércio.

No que se refere à formação, os relatos indi-cam que os profissionais com níveis de ensinosuperior e técnico tiveram formação prática vol-tada essencialmente para o contexto hospitalar,enquanto os agentes comunitários não haviamtrabalhado anteriormente no setor saúde. Alémdisso, os entrevistados demonstraram insatisfa-ção com a formação, tendo sido a prática citadacomo fonte principal de aprendizado.

Quanto à pretensão de continuar trabalhan-do com PSF, foi relatado o interesse em prosse-guir com a atividade. As principais razões paratal foram: satisfação com o trabalho desenvolvi-do, proximidade com a população, crença no PSFcomo uma estratégia de mudança do setor saúdee possibilidade de adquirir mais conhecimentona área. Apesar disso, alguns profissionais comcurso superior anseiam por fazer cursos de espe-cialização ou trabalhar em áreas especializadas.

Dentre as razões para a escolha do PSF comocampo de atuação profissional, a oportunidadede emprego foi citada como o principal fator porACS e auxiliares/técnicos de enfermagem. Já en-tre os enfermeiros, o interesse pessoal pela pro-posta do programa foi a principal razão mencio-nada. Por outro lado, quando perguntados sobreos motivos que levaram os colegas de equipe aoptar pelo PSF, os ACS foram os profissionaismais citados: o fator referido como motivadorpara sua escolha foi a oportunidade de emprego.Um dos entrevistados citou a possibilidade de as-censão social do ACS através deste trabalho: Comonão tem serviço, muitos vieram de função, assim,de empregada doméstica. Aí arrumou uma coisamelhor. Quer dizer, subiram de nível, né? Eu nãoacho que seja totalmente por vocação [ENF C].

Quando perguntados sobre as atividades de-senvolvidas na rotina de trabalho, os médicosapontaram essencialmente o trabalho clínico (con-sultas e visitas domiciliares). Apenas duas refe-rências foram feitas ao trabalho de educação emsaúde, mas, ainda assim, realizado através de pa-

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lestras voltadas especialmente para diabéticos ehipertensos. Por outro lado, quando questiona-dos sobre o ponto mais relevante da proposta doPSF, a prevenção foi o tema mais citado. A proxi-midade dos profissionais com a comunidade e asvisitas domiciliares foram também lembradoscomo fatores importantes na proposta do PSF.

Os profissionais de saúde entrevistados avali-aram positivamente o trabalho desenvolvido porsuas equipes junto às comunidades atendidas. Issose dá, especialmente, em função da boa receptivi-dade dos usuários ao trabalho e pela ausência dereclamação formal do mesmo. Além disso, apon-taram como critérios definidores de uma boa equi-pe de saúde da família o aperfeiçoamento profis-sional através de cursos preparatórios e de atua-lização sobre PSF, o desenvolvimento de certosatributos pessoais entre os trabalhadores (comoatenção, disponibilidade, humildade, sensibilida-de) e interesse pessoal pelo trabalho. Segundo umdos profissionais, tem que haver algo além da for-mação técnica: uma vontade pessoal, uma forma-ção humana pessoal diferenciada, mais apurada,um sentimento mais apurado para estar atuandocom a comunidade no seu local [ENF A].

Foi solicitado também que cada profissionalentrevistado avaliasse o trabalho dos demaismembros da equipe. A avaliação do trabalho decada categoria profissional, como em outrasquestões, foi pautada por atributos pessoais.Entretanto, alguns pontos relevantes podem sercolocados em debate. Um deles foi a referênciaao tempo despendido pelo médico em cada con-sulta como algo positivo, comparável ao atendi-mento de um profissional da rede particular. Otrabalho do médico foi avaliado da seguinte for-ma: “Trabalho de atendimento particular. O aten-dimento dela é de 15 a 20 minutos para cadapaciente” [ENF C] e “Ele dá quinze minutos parauma consulta. Hoje, no SUS, a gente não temquase nenhum médico que faz isso. Acho que aatenção dele é muito grande para a populaçãodessa área” [AUX D]. Ainda fazendo referênciaao trabalho dos médicos, estes são colocadoscomo profissionais que trabalham muito, às ve-zes além de suas atribuições formais: “Ela [amédica] faz de tudo para poder dar conta dotrabalho dela. Acho que faz até além da conta, elafaz além.” [ACS C] e “Nossa, tadinho! Trabalhatanto... Ele trabalha pra caramba” [ACS D].Outro ponto relevante é a avaliação do trabalhodo enfermeiro, também julgado positivamente,embora de forma diferenciada pelas categoriasprofissionais. Médicos e auxiliares/técnicos deenfermagem ressaltaram a competência técnica

dos enfermeiros de suas equipes, enquanto osagentes comunitários tendem a valorizar atribu-tos pessoais: “Procura nos ajudar, dá apoio pragente” [ACS C].

Quanto ao trabalho dos agentes comunitári-os de saúde, a avaliação geral foi positiva, emboraos enfermeiros entrevistados tenham sido maiscríticos em relação ao trabalho deste profissional.Foram apontados, entre outras coisas, a deficiên-cia na formação técnica, o fato de não serem real-mente representativos da comunidade e a neces-sidade de chamar a atenção de alguns deles para arealização adequada de suas atribuições.

Ainda sobre o trabalho em equipe, a maiorparte dos entrevistados respondeu que as deci-sões são tomadas em reuniões de equipe ou atra-vés de consulta aos membros, apesar de ter havi-do algumas referências quanto à decisão final sertomada pelo gerente da unidade.

Quanto à organização do PSF nos municípi-os, a maior parte dos profissionais entrevistadosa considera razoável ou ruim. Em um dos muni-cípios, houve uma avaliação mais negativa da or-ganização, especialmente devido a deficiências nagestão municipal do sistema.

Os pontos positivos do trabalho desenvolvi-do pelos profissionais se referem especialmente àsatisfação do usuário em relação aos serviçosprestados na unidade e à possibilidade de cola-borar para suprir as necessidades da população.Os pontos negativos, por outro lado, variam deacordo com as categorias profissionais. Os mé-dicos se queixaram da falta de infra-estruturaadequada, os enfermeiros citaram problemasreferentes à gestão municipal do sistema de saú-de no município, os auxiliares/técnicos de enfer-magem apontaram a dificuldade que o usuáriotem de entender as propostas do PSF e o ACS, aimpossibilidade de ajudar o usuário quando estenecessita. Em outra questão, os profissionais sen-tem-se valorizados com o trabalho que desen-volvem, especialmente pelo reconhecimento vin-do da população e pela identificação que sentemcom o serviço. Nesse sentido, pode-se ressaltarque o usuário serve como uma forma de respal-dar e balizar o trabalho da equipe.

Gestores

Um dos gestores entrevistados tem curso degraduação em Serviço Social, outro em Enfer-magem e o terceiro em Medicina. Os três entre-vistados citaram como uma das atribuições im-portantes do cargo de gestão municipal do PSF ooferecimento de treinamento às equipes. Além

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desta, foram citadas a fiscalização do cumpri-mento do horário de trabalho, a aproximaçãoao trabalho das equipes de PSF e a resolução deproblemas que podem surgir no cotidiano dotrabalho das equipes.

Nenhum dos municípios dispõe de estraté-gias de avaliação da resolutividade do trabalhodesenvolvido pelas equipes de saúde da família.Apesar disso, foi mencionada uma pesquisa reali-zada entre os usuários sobre expectativas e satisfa-ção em relação ao PSF, em Rio Pomba, bemcomo, haja a pretensão, no município de SantosDumont, de realizar-se reuniões intersetoriaispara avaliação do funcionamento do sistema desaúde.

Quanto à participação dos conselhos muni-cipais de saúde no debate sobre o PSF, os gesto-res responderam que seu papel se restringe a re-ceber as informações sobre o que se passa nasunidades de saúde, não tendo os conselheiros afunção de discutir ou influenciar as atividadesdesenvolvidas.

Quando questionados sobre os critérios defi-nidores de uma boa equipe de PSF, os gestoresentrevistados ressaltaram, assim como osprofissionais, a importância de certos atributospessoais dos membros, ou seja, estes devem tercomprometimento com o serviço e ser colabora-dores, acessíveis e atentos às necessidades dapopulação.

Na opinião dos gestores, o maior benefícioproporcionado à população pelo PSF é a inter-venção junto às famílias, especialmente no que serefere à vacinação, à atenção aos casos de maustratos na família e ao controle de agravos especí-ficos a partir da notificação de doenças. Dentreas dificuldades encontradas para o pleno desen-volvimento da estratégia no município, estão: aincompreensão da população quanto aos objeti-vos do PSF, a formação dos profissionais e a de-pendência dos usuários em relação ao agentecomunitário. Entretanto, não é feita referênciaao papel da gestão municipal, item fortementeressaltado pelos profissionais.

Diferentemente dos profissionais de saúde,os gestores entrevistados citaram como caracte-rísticas mais importantes do PSF a educação, aassistência e a promoção da saúde da populaçãoadscrita, o que revela, pelo menos a princípio,uma perspectiva ampliada do que seja a propos-ta do programa.

Usuários

A amostra de usuários pode ser caracteriza-da, em linhas gerais, da seguinte maneira: mu-lheres (76,3%), com idade entre 31 e 50 anos(44,4%), renda familiar mensal entre um e trêssalários mínimos e escolaridade de ensino fun-damental incompleto (53,4%). Em geral, tanto oentrevistado quanto seus familiares costumamfreqüentar a unidade de saúde da família menosde uma vez por mês. O principal motivo que fazos entrevistados recorrerem à unidade é aferiçãode pressão arterial (14,4%), enquanto a princi-pal razão dos familiares é problemas respirató-rios (19,2%).

Quanto à opinião dos usuários sobre o tra-balho de cada profissional da equipe de PSF, apre-sentamos a seguir os dados encontrados. Dentretodas as categorias profissionais analisadas, oagente comunitário de saúde foi o que obtevemaior aprovação por parte dos entrevistados(84,7%), seguido pelo auxiliar/técnico de enfer-magem (67,8%) e, por fim, médico e enfermeiro(66,1%). Tal resultado pode ter sido influencia-do pelo fato de o ACS ser o personagem maisconhecido da equipe de PSF, já que é ele quem vaiaos domicílios, inclusive dos moradores que nãocostumam freqüentar a unidade. Vale citar quede 25% a 30% da amostra desconhecem quemsejam os demais profissionais da unidade de saú-de da família. Um dos motivos disso é a alta ro-tatividade dos profissionais das equipes.

Um resultado que chama a atenção nas res-postas dos usuários é a não participação destesem atividades desenvolvidas pela unidade que nãose refiram à assistência médica. Dos entrevista-dos, apenas 14,4% participavam de alguma ativi-dade “extra-consulta”. Quanto aos familiares dosentrevistados, 7,6% participam de alguma ativida-de, sendo que a mais lembrada foi grupo de hiper-tensos. As justificativas para a não participaçãodos entrevistados e seus familiares às atividadessão que elas não correspondem às suas necessi-dades, não há interesse em participar ou os entre-vistados ignoram a existência dessas (Tabelas 1 e2). Apesar de não participarem, 79,7% dos res-pondentes consideram importante a realização depalestras sobre temas relacionados à saúde.

Ainda que 61% dos entrevistados tenham con-firmado que a USF seja capaz de satisfazer suasnecessidades, quando os dados são analisados pormunicípio, percebe-se que no município de RioPomba esta satisfação foi mais pronunciada, en-quanto em Santos Dumont as opiniões foramdifusas (p = 0,000). A maior qualidade do PSF,

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segundo os usuários, é a forma cordial como sãotratados pelos membros das equipes. No muni-cípio de Rio Pomba, esta qualidade se destacaquando comparada ao município de Santos Du-mont (p = 0,004). Ademais, respondendo à ques-tão sobre satisfação geral com o PSF, numa escalaentre nada satisfeito e muito satisfeito, a tendênciageral foi para a resposta satisfeito (Tabela 3).

Os entrevistados, em sua maioria, aprovamo atendimento realizado na unidade de saúde dafamília da qual são usuários (64,4%). Dentre asprincipais deficiências relacionadas ao PSF estãoa falta de médicos especialistas na unidade(75,4%) e o número reduzido de profissionaisna equipe (61%). Com relação a esta última opi-nião, houve diferença entre os dois municípiospesquisados, sendo Santos Dumont o município

onde os usuários estão mais insatisfeitos com aquantidade de profissionais de saúde no PSF (p= 0,005). Quando questionados, porém, se aunidade de saúde da família oferece melhor aten-dimento do que as unidades básicas de saúde oupoliclínica do município (por serem centros desaúde onde há a presença de profissionais especia-listas), mais da metade dos entrevistados res-pondeu que não (53,4%) (Tabela 4). Dentre osque responderam que o PSF é, em algum senti-do, melhor que as demais unidades de saúde, omotivo central foi a proximidade da unidade dePSF do domicílio. Por outro lado, dentre os quedisseram preferir outras unidades ao PSF, a ra-zão mais relatada é que nos outros centros desaúde há mais médicos ou esses dispõem de es-pecialistas (Tabela 5).

Tabela 1. Motivo de o entrevistado não participar de atividade extra-consulta. Municípios, 2005.

Temas não correspondem às necessidades do usuárioNão sabe da existência de tais atividadesFalta de interesseFalta de tempoNunca foi convidadoHorário inviávelImpossibilidade de sair de casaDesânimoÉ atendido por médico particularEsquece os dias e horáriosNão mora no municípioTotal

Freqüência

18171613131010

1111

101

Porcentagem(%)

17,816,815,812,912,9

9,99,91,01,01,01,0

100,0

PorcentagemAcumulada (%)

17,834,650,463,376,286,196,097,098,899,0

100,0

Tabela 2. Motivo de o familiar do entrevistado não participar de atividade extra-consulta. Municípios, 2005.

Temas não correspondem às necessidades do usuárioFalta de interesseNunca foi convidadoHorário inviávelNão sabe da existência de tais atividadesFalta de tempoImpossibilidade de sair de casaDesânimoNão tem familiaresNunca foi convidado; falta de interesseUSF nunca ofereceu atividade extra-consultaTotal

Freqüência

2917151413

961111

107

Porcentagem(%)

27,115,914,013,112,1

8,45,60,90,90,90,9

100,0

PorcentagemAcumulada (%)

27,143,057,070,182,290,896,497,398,299,1

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Além disso, foi perguntado que atividade nãooferecida pelo PSF os entrevistados considera-riam importante haver. A atividade mais citadafoi o atendimento, na unidade, realizado poroutros profissionais de saúde – tais como psicó-logo, assistente social e dentista (94,1%).

Ao final da entrevista era solicitado que ousuário comentasse o que achava do sistemapúblico de saúde no município. O ponto maisressaltado pelos respondentes foi, novamente, afalta de médicos especialistas nas unidades desaúde. Além deste, foram também citados pro-blemas referentes à hierarquização do sistema,tal como o município não oferecer serviços dealta complexidade, havendo a necessidade de re-correr a municípios vizinhos. Comentários es-pecíficos sobre o PSF apontam para uma insa-

tisfação quanto à necessidade de agendamentoprévio das consultas médicas – seja porque asunidades, segundo os entrevistados, não aten-dem casos de urgência, seja porque é preciso es-perar por longo tempo nas filas. Há também in-satisfação quanto à obrigatoriedade de referen-ciamento pelo PSF para as especialidades médi-cas, o que, ao contrário, é citado como um pon-to positivo pelos gestores.

Discussão

A partir dos resultados encontrados, podemospropor algumas reflexões sobre o PSF nos mu-nicípios pesquisados.

Primeiramente, tendo em vista a freqüência

Tabela 3. Satisfação geral do usuário em relação à USF. Municípios, 2005.

SatisfeitoMuito satisfeitoNão seiNada satisfeitoTotal

Freqüência

6046

75

118

Porcentagem (%)

50,839,0

5,94,2

100,0

Porcentagem Acumulada (%)

50,889,895,8

100,0

Tabela 5. Motivo pelo qual PSF não é melhor que outros centros de saúde do município. Municípios, 2005.

UBS tem médicos especialistas/tem mais médicosPSF e UBS são igualmente bonsPSF e UBS não apresentam diferençaPSF e UBS são igualmente ruinsNa UBS o paciente sabe que vai ser atendidoUBS é mais próxima do domicílioEstá mais acostumado com médico da UBSUBS oferece bom atendimentoUBS oferece medicamento que não tem no PSFTotal

Freqüência

26168533111

64

Porcentagem (%)

40,625,012,57,84,74,71,61,61,6

100,0

Tabela 4. Comparação do PSF a outros centros de saúde pelos usuários. Municípios, 2005.

PSF não tem atendimento melhor que outros centros de saúdePSF tem atendimento melhor que outros centros de saúdeNão sabeTotal

Freqüência

634312

118

Porcentagem(%)

53,436,410,2

100,0

PorcentagemAcumulada (%)

89,836,4

100,0

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das respostas que afirmavam que a oportunida-de de emprego é o maior motivador para aden-trar o trabalho das equipes de saúde da família, épossível corroborar a afirmação de que o PSFvem se tornando um meio importante de inser-ção de profissionais no mercado de trabalho,especialmente para aqueles em início de carreira.Além disso, a permanência desses profissionaisestá, muitas vezes, condicionada à falta de outrasoportunidades de trabalho e estudo, principal-mente voltados para áreas especializadas13. O PSFé, muitas vezes, citado como uma área de traba-lho nova, diferente das experiências de trabalhoanteriores dos membros das equipes e que, porisso, apresenta-se como um desafio técnico porrepresentar uma lógica operativa diferente da queos profissionais de saúde estavam, até então,habituados14, 15.

Nunes et al.16, analisando o processo de cons-trução de identidade do ACS quando de sua en-trada no PSF, descrevem um sentimento de pres-tígio social destes trabalhadores frente aos demaismoradores da comunidade, especialmente porpassarem a ter acesso privilegiado às ações de saú-de. Ainda, segundo as autoras, os ACS e os médi-cos seriam, para os usuários, as duas persona-gens reconhecidamente importantes. Contudo,apesar da importância conferida ao médico espe-cialista, os profissionais com ensino superior nasequipes são os menos reconhecidos pelos usuári-os nos dois municípios analisados na presentepesquisa, ao contrário dos ACS, que obtiveram amaior aprovação. Tal dado corrobora a noção deque o agente comunitário é o ator que facilita ovínculo dos usuários com os demais membrosda equipe de saúde da família15.

Quanto à rotina de trabalho nas equipes, érelevante ressaltar a importância atribuída pelosmédicos ao trabalho clínico, especialmente nasvisitas domiciliares. Questionamos, com isso, seas visitas têm sido um instrumento real de apro-ximação entre profissionais de saúde e as famíli-as - no sentido de apreender-lhe o contexto e omodo de vida - ou meramente uma forma deatendimento clínico na casa do indivíduo. Sobreeste assunto, Ronzani13 afirma: as visitas domici-liares poderiam ser classificadas como consultas deações curativas e biológicas, mudando-se, portan-to, o local de atendimento e não a forma de açãopropriamente dita.

Apesar da importância dada ao trabalho clí-nico, os profissionais de saúde e gestores entre-vistados ressaltaram a importância da preven-ção na estratégia saúde da família. Deve-se, po-rém, analisar mais detidamente como esta pre-

venção vem sendo realizada pelas equipes, já queesta representa apenas um dos pressupostos doPSF, ou seja, pelo fato de o PSF pretender-se umaestratégia integral, deve associar assistência, pre-venção e promoção da saúde17. Nota-se mesmoque o termo é usado, algumas vezes, como sinô-nimo de PSF: “O PSF é um programa mesmo deprevenção. É a prevenção a coisa mais impor-tante” [ACS C]. Assim, apesar da importânciaconferida às práticas preventivas, estas se pau-tam especialmente em aspectos “higienistas” e decampanha13. É necessário analisar de que pre-venção se tem falado. Deve ser realizado o examedo termo pois se for considerado apenas comouma maneira estrita de evitar doenças, há o riscode o PSF se tornar um “serviço de atendimento apessoas saudáveis”.

Tendo em vista que 85,6% dos usuários en-trevistados não participam de atividades promo-vidas pelo PSF não-referentes a atendimento clí-nico, especialmente porque os temas não corres-pondem às suas necessidades, deve-se avaliaratravés de que ações a prevenção, tão ressaltada,é feita. Além disso, apesar de os usuários nãoparticiparem de atividades “extra-consulta”, elesconsideram importante a realização de palestrassobre saúde.

Conforme a revisão teórica aponta, propõe-se que as equipes de saúde da família sejam cria-tivas, tenham iniciativa e vocação para trabalhosem grupo. Entretanto, as equipes têm dificulda-des para criar estratégias eficientes de atingir osobjetivos de prevenção e promoção da saúde. Umdiscurso muitas vezes propagado pelos traba-lhadores é o de que a população não entendequal é a proposta do PSF, nem se interessa porseguir as orientações dos profissionais da equi-pe, tampouco participa de palestras educativasou grupos para controle de agravos específicos.A deficiência (ou a total falta) de planejamentodas ações pelas equipes e pela gestão municipalpode representar um fator que colabora para aslacunas na comunicação entre profissionais eusuários do PSF. Assim, pela falta de estratégiasde ação bem estruturadas, que levem em consi-deração o contexto sociohistórico da populaçãoadscrita, os objetivos da equipe (de prevenção epromoção da saúde) e os objetivos da popula-ção (de ter suas necessidades de saúde atendi-das) não se ajustam.

O trabalho no PSF amplia os instrumentosnecessários para a resolutividade das ações desaúde. Além do conhecimento clínico, os profis-sionais de saúde precisam agregar conhecimen-tos sobre epidemiologia para que as ações de saú-

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de atinjam o âmbito coletivo14. Nesse sentido, asreuniões de equipe que busquem discutir os da-dos do Sistema de Informação da Atenção Bási-ca, bem como a realização de reuniões interseto-riais são importantes para o trabalho em saúdena área adscrita14,18,19. A responsabilidade coleti-va dos membros da equipe é, portanto, funda-mental para o planejamento e efetivação dasações de saúde20,21.

Nesse sentido, pode-se avaliar, em outros estu-dos, onde está a falha na tentativa de unir açõescoletivas de prevenção e a efetiva participação dapopulação. Uma hipótese seria que os usuáriosestão distantes do planejamento e das tomadasde decisão da equipe. Conforme Crevelim22, nocampo do planejamento e da construção de proje-tos assistenciais, o trabalho, que deveria ser con-junto entre profissionais e usuários, se concentraexclusivamente dentro da equipe profissional.Assim, reproduz-se o modelo de ‘pensar por’, ‘plane-jar por’, ‘decidir por’, ao invés de ‘pensar com’, ‘pla-nejar com’, ‘decidir com’ o usuário e a população.

Nesse contexto, faz-se imprescindível exami-nar a relação entre profissionais de saúde, gesto-res (representantes das políticas públicas em saú-de) e usuários do sistema. Carvalho23 questiona:como ocorre o intercâmbio de saberes entre profis-sionais e usuários? Por uma co-gestão de contratose compromissos ou por uma relação vertical e au-toritária?.

Ainda sobre a participação da população nocotidiano dos serviços de saúde, quando é ques-tionada a participação popular via conselhos mu-nicipais de saúde, temos a impressão de que osusuários são vistos ora como aqueles que estãode fora, por sua própria culpa, necessitando sermobilizados e educados24, ora como fiscais que,de alguma forma, atrapalham o andamento dotrabalho da equipe22.

Com relação à comparação entre os municí-pios, pode-se observar algumas diferenças, so-bretudo quanto à organização do PSF. Portanto,talvez seja possível uma correlação entre tempode implantação e deficiências na organização doPSF, o que corrobora nossa hipótese inicial deque no tempo de implantação reside um dosmotivos de melhor ou pior desenvolvimento doPSF. Sugere-se que estudos mais sistematizados,voltados especificamente para fins de compara-ção, sejam realizados posteriormente.

Considerando a demanda por médicos espe-cialistas e a insatisfação com o PSF frente a ou-tros centros de saúde, é possível visualizar quãoessenciais as ações curativas são na atenção pri-mária. Campos25, em análise da trajetória da

implantação de serviços de atenção primária noBrasil - especialmente a partir das mudanças nosistema de saúde da década de 1980 -, afirmaque, ao invés deste campo propiciar a integraçãoda ação curativa com ações de prevenção e pro-moção da saúde, o que se assiste são a filas deespera por atendimento especializado. Assim,“parece haver, nesses casos, a importação da ló-gica dos serviços de emergência e de urgência aotrabalho da atenção primária à saúde”.

Sobre a acessibilidade aos serviços, Schaed-ler7 propõe a idéia de organização em rede, naqual a população, entre outras coisas, poderiater acesso irrestrito aos serviços, de modo quequem necessite de atendimento seja dignamenteacolhido, independentemente da porta escolhidacomo meio de acesso. Cecílio26 propõe uma re-flexão quando questiona:

Em geral, afirmamos que ‘a população está en-trando pela porta errada’, ou não seria mais corre-to afirmarmos [...] que as pessoas, diante de suasnecessidades, acabam acessando o sistema por ondeé possível, contrariando qualquer delírio raciona-lista que os técnicos do setor saúde continuam adefender sob a forma de uma pirâmide de serviços?

Considerações finais

Tendo em vista a discussão apresentada, pode-mos considerar que após treze anos de existênciado PSF, algumas mudanças importantes para areestruturação do sistema de saúde brasileiro ain-da não puderam ser feitas. Além disso, verifica-mos que os atores envolvidos na proposta doPSF têm expectativas diferentes quanto ao pro-grama, o que pode comprometer a resolutivida-de da proposta nas equipes analisadas.

Em geral, os profissionais e gestores se valemde um discurso inovador, de que “PSF é preven-ção”, ou mais que isso, PSF é prevenção, promo-ção e também tratamento. Apoiados nisso, criti-cam os usuários que não entendem qual é a pro-posta ou que têm urgência de serem atendidos,mas suas práticas se orientam, grande parte dasvezes, apenas por ações curativas, ainda quandopropõem prevenção e promoção da saúde7.

Muitas vezes, os usuários – especialmente osprovenientes de classes populares, como é o casodesta pesquisa – são censurados porque ansei-am pelas especialidades médicas ou porque “en-tram pela porta errada”. O mero estabelecimentode regras não é capaz de provocar um afasta-mento radical do modelo biomédico tradicional.Em crítica à proposta de promoção da saúde,

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Carvalho23 argumenta que as idéias de um “viversaudável” são baseadas na imagem de um indi-víduo de classe média, consciente de suas condi-ções e possibilidades e que, conseqüentemente, écapaz de determinar sobre sua própria saúde,ainda que esses parâmetros sejam impostos pe-las visões preconcebidas dos profissionais. As-sim, qualquer exame que se refira a subjetivida-des não pode se furtar de analisar o contextosociohistórico do objeto de crítica, ou seja, críti-cas podem ser feitas, desde que se analise detida-mente o contexto que está sendo examinado.

Assim, deve-se questionar não só as crenças epráticas daqueles que lidam diretamente com aestratégia (neste caso, os profissionais, os gesto-res e os usuários), mas também o que geralmen-te é veiculado como um modelo ideal de PSF.Várias propostas de transformação são elabo-radas, modelos de organização são discutidos –especialmente no meio acadêmico e na esfera fe-deral de gestão da saúde – mas tudo isso develevar em consideração as particularidades dasequipes de PSF e da organização do sistema nosdiferentes municípios. Desta forma, não preten-demos aqui responsabilizar exclusivamente osprofissionais, os gestores ou os usuários. Estesatores enfrentam dificuldades reais quanto à in-

fra-estrutura dos serviços e à organização do sis-tema de saúde nos municípios, cuja solução,muitas vezes, independe da ação isolada de cadaum deles. A mudança de percepção e a alteraçãodo sistema vigente não são possíveis com mu-danças pontuais de um setor ou outro da saúde.

Uma última questão que pretendemos ressal-tar é a não participação dos usuários às ativida-des extra-consulta, especialmente porque estasnão correspondem às necessidades dos entrevis-tados ou de seus familiares. O PSF, como estraté-gia que requer dos profissionais, entre outros atri-butos, atenção, comprometimento e sensibilida-de, ainda está pouco atento às reais necessidadesda população. Ou, ainda que os trabalhadorespercebam tais necessidades, não têm conseguidoatingir um público que considera importante as“palestras” desenvolvidas pela unidade. Nesse sen-tido, podemos colocar em debate onde estão asdificuldades na comunicação entre necessidadesde saúde e as orientações capazes de produzirimpactos sobre a saúde da população.

Concluímos afirmando que o SUS, apesar dosintensos avanços que vem alcançando em seuprocesso de implementação, ainda tem que pro-mover melhorias na sua organização para queseus princípios sejam efetivos.

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Colaboradores

CM Silva trabalhou no delineamento da pesqui-sa, coleta de dados, análise dos mesmos e reda-ção do artigo. TM Ronzani trabalhou no deline-amento da pesquisa, análise e interpretação dosdados, bem como na revisão crítica do artigo.

Agradecimentos

Agradecemos à PROPESQ/UFJF pela concessãode bolsa de conclusão de curso de graduação e àsSecretarias Municipais de Saúde de Rio Pomba eSantos Dumont, pela autorização para a realiza-ção da pesquisa.

Agradecemos também à psicóloga MelissaGevezier Fioravante pela colaboração na coletade dados. Agradecemos ainda à Profa. Dra. Ma-ria Teresa Bustamante e à Profa. Ms. Teresa Cris-tina Soares da Universidade Federal de Juiz deFora pela revisão final do artigo.

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Artigo apresentado em 17/04/2006Aprovado em 11/11/2006Versão final apresentada em 02/03/2007

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