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MOZAR MARTINS DE SOUZA

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

OS ESSÊNIOS E O

CRISTIANISMO

4

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

PREFÁCIO

Neste livro vamos estudar os fatos relativos à pesquisa

do cristianismo que, no meu entendimento, estão pouco

disponíveis em língua portuguesa. Sei, perfeitamente, que essa

forma poderá causar certa frustração nas pessoas interessadas,

que acessarem este livro, mas por outro lado, a chama deste

conhecimento estará mais rapidamente disseminada.

Procurarei sempre fazer as interrupções em pontos que

não prejudiquem o entendimento, evitando quebras bruscas na

continuidade, o assunto seguinte será sempre um tópico, tanto

quanto possível, se não independente, em continuação

cronológica, histórica ou sobre fatos paralelos ao assunto

anterior.

5

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

OS ESSÊNIOS

 

Abril de 1947, no vale de Khirbet Qumran, junto às

encostas do Mar Morto, Juma Muhamed, pastor beduíno da

região, recolhia seu rebanho quando ao seguir atrás de uma

ovelha desgarrada percebeu que havia uma extensa fenda entre

duas rochas. Curioso, atirou uma pedra e ouviu o ruído de um

vaso se quebrando. No vaso, encontrou pergaminhos.

Este momento caracterizou-se como um marco para o

mundo arqueológico:

A Descoberta dos Manuscritos do Mar Morto.Desde então, a tradução e divulgação do seu conteúdo

têm atraído atenção mundial, e uma grande expectativa tem se

instaurado quanto a possíveis segredos ainda não revelados.

  Foram encontradas em 11 cavernas, nas ruínas de

Qumran, centenas de pergaminhos que datam do terceiro século

a.C até 68 d.C., segundo testes realizados com carbono 14. Os

Manuscritos do Mar Morto foram escritos em três idiomas

diferentes: Hebreu, Aramaico e Grego, totalizando quase mil

obras.

Eles incluíam manuais de disciplinas, hinários,

comentários bíblicos, escritos apocalípticos, cópias do livro de

Isaías e quase todos os livros do Antigo Testamento.

De acordo com os estudiosos, os Manuscritos estão

divididos em três grupos principais: Sectários, Apócrifos e

Bíblicos. Os Bíblicos reúnem todos os livros da Bíblia, exceto

6

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Ester, no total 22 livros. Os Apócrifos são os livros sagrados

excluídos da Bíblia, e, finalmente os Sectários que são

pergaminhos relacionados com a seita, incluindo visões

apocalípticas e trabalhos litúrgicos.

No livro "As doutrinas secretas de Jesus", o autor H.

Spencer Lewis, F.R.C., Ph.D., cita na pág. 28 a referência (chave

15):

"Essa sociedade secreta (sociedade secreta de Jesus)

pode ou não ter sido afiliada aos essênios, outra sociedade

secreta com que Jesus estava bem familiarizado".

A descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto confirmou

a referência feita pelo autor aos essênios e seus ensinamentos

secretos, que precederam o cristianismo e que Jesus deve ter

conhecido bem. Um relatório parcial sobre essa descoberta, do

arqueólogo inglês G. Lankester Harding, Diretor do

Departamento de Antiguidades da Jordânia, diz o seguinte:

"A mais espantosa revelação dos documentos essênios

até agora publicada é a de que os essênios possuíam, muitos

anos antes de Cristo, práticas e terminologias que sempre foram

consideradas exclusivas dos cristãos. Os essênios tinham a

prática do batismo, e compartilhavam um repasto litúrgico de pão

e vinho presidido por um sacerdote. Acreditavam na redenção e

na imortalidade da alma. Seu líder principal era uma figura

misteriosa chamada o Instrutor da Retidão, um profeta-sacerdote

messiânico abençoado com a revelação divina, perseguido e

provavelmente martirizado."

7

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

"Muitas frases, símbolos e preceitos semelhantes aos da

literatura essênia são usados no Novo Testamento,

particularmente no Evangelho de João e nas Epístolas de Paulo.

O uso do batismo por João Batista levou alguns eruditos a

acreditar que ele era essênio ou fortemente influenciado por essa

seita. Os Pergaminhos deram também novo ímpeto à teoria de

que Jesus pode ter sido um estudante da filosofia essênia. É de

se notar que o Novo Testamento nunca menciona os essênios,

embora lance freqüentes calúnias sobre outras duas seitas

importantes, os saduceus e os fariseus."

Todos esses documentos foram preservados por quase

dois mil anos e são considerados os achados do século,

principalmente porque a Bíblia, até então conhecida, data de uma

tradução grega, feita pelo menos mil anos depois da de Qumran.

Hoje, os Manuscritos do Mar Morto encontram-se no Museu do

Livro em Jerusalém.

O nome Essênios deriva da palavra egípcia Kashai, que

significa "secreto". Na língua grega, o termo utilizado é

"therepeutes", originário da palavra Síria "asaya", que significa

médico. A organização nasceu no Egito nos anos que precedem

o Faraó Akhenathon, o grande fundador da primeira religião

monoteísta, sendo difundida em diferentes partes do mundo,

inclusive em Qumran. Nos escritos dos Rosacruzes, os Essênios

são considerados como uma ramificação da "Grande

Fraternidade Branca".

Segundo estudiosos, foi nesse meio onde passou Jesus,

no período que corresponde entre seus 13 e 30 anos. Alguns

8

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

estudiosos também acreditam que a Igreja Católica procura

manter silêncio acerca dos essênios, tentando ocultar que

receberam desta seita muitas influências.

Para medir o tempo, os Essênios utilizavam um

calendário diferenciado, baseado no sol. Ao contrário do utilizado

na época, que consistia de 354 dias, seu calendário continha 364

dias que eram divididos em 52 semanas permitindo que cada

estação do ano fosse dividida em 13 semanas e mais um dia,

unindo cada uma delas.

Consideravam seu calendário sintonizado com a "Lei da

Grande Luz do Céu". Seu ritmo contínuo significava ainda que o

primeiro dia do ano e de cada estação sempre caía no mesmo

dia da semana, quarta-feira, já que de acordo com o Gênesis, foi

no quarto dia que a Lua e o Sol foram criados.

Segundo os Manuais de Disciplina dos Essênios dos

Manuscritos do Mar Morto, os essênios eram realmente

originários do Egito, e durante a dominação do Império

Selêucida, em 170 a.C., formaram um pequeno grupo de judeus,

que abandonou as cidades e rumou para o deserto, passando a

viver às margens do Mar Morto, e cujas colônias estendiam-se

até o vale do Nilo.

No meio da corrupção que imperava, os essênios

conservavam a tradição dos profetas e o segredo da Pura

Doutrina. De costumes irrepreensíveis, moralidade exemplar,

pacíficos e de boa fé, dedicavam-se ao estudo espiritualista, à

contemplação e à caridade, longe do materialismo avassalador.

Os essênios suportavam com admirável estoicismo os maiores

sacrifícios para não violar o menor preceito religioso.

9

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Procuravam servir a Deus, auxiliando o próximo, sem

imolações no altar e sem cultuar imagens. Eram livres,

trabalhavam em comunidade, vivendo do que produziam.

Os Essênios não tinham criados, pois acreditavam que

todo homem e mulher era um ser livre. Tornaram-se famosos

pelo conhecimento e uso das ervas, entregando-se abertamente

ao exercício da medicina ocultista. 

Em seus ensinos, seguindo o método das Escolas

Iniciáticas, submetiam os discípulos a rituais de Iniciação,

conforme adquiriam conhecimentos e passavam para graus mais

avançados. Mostravam então, tanto na teoria quanto na prática,

as Leis Superiores do Universo e da Vida, tristemente

esquecidas na ocasião. Alguns dizem que eles preparavam a

vinda do Messias.

Era uma seita aberta aos necessitados e desamparados,

mantendo inúmeras atividades onde, a acolhida, o tratamento de

doentes e a instrução dos jovens eram a face externa de seus

objetivos. Não há nenhum documento que comprove a estada

essênia de Jesus, no entanto seus atos são típicos de quem foi

iniciado nesta seita. A missão dos seguidores do Mestre

Verdadeiro foi a de difundir a vinda de um Messias e nisto

contribuíram para a chegada de Jesus. 

Na verdade, os essênios não aguardavam um só

Messias, e sim, dois. Um originário da Casa de Davi, viria para

legislar e devolver aos judeus a pátria e estabelecer a justiça.

Esse Messias-Rei restituiria ao povo de Israel a sua soberania e

dignidade, instaurando um novo período de paz social e

prosperidade. Jesus foi recebido por muitos como a encarnação

10

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

deste Messias de sangue real. No alto da cruz onde padeceu, lia-

se a inscrição: Jesus Nazareno Rei dos Judeus. 

O outro Messias esperado nasceria de um descendente

da Casa de Levi. Este Salvador seguiria a tradição da linhagem

sacerdotal dos grandes mártires. Sua morte representaria a

redenção do povo e todo o sofrimento e humilhação por que teria

que passar em vida seria previamente traçado por Deus.

O Messias-Sacerdote se mostraria resignado com seu

destino, dando a vida em sacrifício. Faria purgar os pecados de

todos e a conduta de seus atos seria o exemplo da fé que leva os

homens a Deus. Para muitos, a figura do pregador João Batista

se encaixa no perfil do segundo Messias.

Até os nossos dias, uma seita do sul do Irã, os

mandeanos, sustentam ser João Batista o verdadeiro Messias.

Vivendo em comunidades distantes, os essênios sempre

procuravam encontrar na solidão do deserto o lugar ideal para

desenvolverem a espiritualidade e estabelecer a vida

comunitária, onde a partilha dos bens era a regra.

Rompendo com o conceito da propriedade individual,

acreditavam ser possível implantar no reino da Terra a

verdadeira igualdade e fraternidade entre os homens.

Consideravam a escravidão um ultraje à missão do homem dada

por Deus. Todos os membros da seita trabalhavam para si e nas

tarefas comuns, sempre desempenhando atividades profissionais

que não envolvessem a destruição ou violência.

Não era possível encontrar entre eles açougueiros ou

fabricantes de armas, mas sim grande quantidade de mestres,

11

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

escribas, instrutores, que através do ensino passavam de forma

sutil os pensamentos da seita aos leigos.

O silêncio era prezado por eles. Sabiam guardá-lo,

evitando discussões em público e assuntos sobre religião. A voz,

para um essênio, possuía grande poder e não devia ser

desperdiçada. Através dela, com diferentes entonações, eram

capazes de curar um doente. Cultivavam hábitos saudáveis,

zelando pela alimentação, físico e higiene pessoal. A capacidade

de predizer o futuro e a leitura do destino através da linguagem

dos astros tornou os essênios figuras magnéticas, conhecidas

por suas vestes brancas.

Eram excelentes médicos também. Em cada parte do

mundo onde se estabeleceram, eles receberam nomes

diferentes, às vezes por necessidades de se proteger contra as

perseguições ou para manter afastados os difamadores. Mestres

em saber adaptar seus pensamentos às religiões dos países

onde se situavam, agiram misturando muitos aspectos de sua

doutrina a outras crenças. O saber mais profundo dos essênios

era velado à maioria das pessoas.

É sabido também que liam textos e estudavam outras

doutrinas. Para ser um essênio, o pretendente era preparado

desde a infância na vida comunitária de suas aldeias isoladas. Já

adulto, o adepto, após cumprir várias etapas de aprendizado,

recebia uma missão definida que ele deveria cumprir até o fim da

vida. Vestidos com roupas brancas, ficaram conhecidos em sua

época como aqueles que "são do caminho".

Foram fundadores dos abrigos denominados "beth-

saida", que tinham como tarefa cuidar de doentes e desabrigados

12

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

em épocas de epidemia e fome. Os beth-saida anteciparam em

séculos os hospitais, instituição que tem seu nome derivado de

hospitaleiros, denominação de um ramo essênio voltado para a

prestação de socorro às pessoas doentes. 

Fizeram obras maravilhosas, que refletem até os nossos

dias. A notícia que se tem é de que a seita se perdeu, no tempo e

memória das pessoas. Não sabemos da existência de essênios

nos dias de hoje (não que seja impossível), é no mínimo, pelo

lado social, uma pena termos perdido tanto dos seus preceitos

mais importantes. Se o que nos restou já significa tanto,

imaginem o que mais poderíamos vir a ter aprendido.

DESVENDADO OS PERGAMINHOS

Escrevendo em 1949 sobre a exploração da gruta, R. de

Vaux acreditava que "estes rolos, de idades diferentes,

cuidadosamente guardados em vasilhas da mesma época, não

são peças abandonadas por acaso, mas um arquivo ou biblioteca

escondida em um momento de perigo". E, ao datar a cerâmica e

com ela relacionar os manuscritos, acrescenta: "Nenhum

documento é posterior aos começos do século I a.C. e alguns

deles podem ser mais antigos".

Agora é necessário descobrir quem teria depositado os

manuscritos na gruta. O estabelecimento humano mais próximo é

representado pelas ruínas de Qumran. R. de Vaux e G. L.

Harding fazem assim a primeira expedição de escavações no

Khirbet Qumran de 24 de novembro a 12 de dezembro de 1951.

13

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Identificam uma construção retangular de 37 metros de

comprimento por 30 metros de largura à qual se ligam outros

edifícios e um aqueduto que serve para recolher as águas do

Wadi Qumran no inverno. A cerâmica encontrada é idêntica à de

1Q: isto relaciona os manuscritos com o grupo que vivia em

Qumran. O cemitério, com mais de mil túmulos, rigorosamente

organizado, também é investigado e nove esqueletos são

enviados a Paris para exames técnicos.

Mas as moedas são o achado mais precioso, porque

permitem a datação do assentamento humano de Qumran. As

dez moedas identificadas inicialmente vão da época de Herodes

Magno (37-4 a.C.) à segunda guerra judaica contra Roma (132-

135 d.C.).

Entretanto, ainda em 1951, os ta'amireh levam mais

fragmentos manuscritos a Jerusalém e os oferecem aos

arqueólogos, que os compram. No dia 21 de janeiro de 1952, R.

de Vaux e outros arqueólogos seguem até a região do Wadi

Murabba'at, situado a 25 km a sudeste de Jerusalém e a cerca

de 18 km ao sul de Qumran. Em algumas grutas desta região são

encontrados importantes documentos em hebraico, aramaico,

grego e latim, relacionados em sua maioria, com a segunda

guerra judaica contra Roma  (132-135 d.C.) Fica estabelecido

que Murabba'at servia de refúgio aos soldados de Simão bar

Kosibah, líder do levante, de quem são recuperadas até cartas

assinadas.

Enquanto a equipe de R. de Vaux se encontra em

Murabba'at, os ta'amireh levam novos manuscritos a Jerusalém,

descobertos em outra gruta de Qumran, que será chamada de

14

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

2Q. Nela são encontrados 185 fragmentos de pele. Logo em

seguida, De Vaux e seu pessoal, em março de 1952, faz um

levantamento da falésia, numa extensão de 8 km, explorando

230 grutas. Destas, 37 contêm cerâmica e outros objetos. E a

cerâmica é idêntica à das ruínas de Qumran e da primeira gruta.

Na terceira gruta de Qumran são encontrados cerca de

35 jarros e fragmentos de mais ou menos 30 rolos de pele

extremamente deteriorados. "Mas o seu conteúdo mais curioso

era de cobre: na parte anterior da gruta (...) jaziam dois rolos de

cobre com um texto gravado em caracteres hebraicos quadrados,

alguns deles em relevo".

Em setembro de 1952 são descobertas as grutas de

número 4, 5 e 6. A gruta 4Q é a mais rica de todas: possui

fragmentos de cerca de 400 manuscritos.

Na 6Q são encontrados fragmentos do "Documento de

Damasco", um manuscrito que fora recuperado em 1897 em uma

antiga sinagoga do Cairo e do qual não se sabia quase nada.

Na primavera de 1955 são descobertas as grutas 7Q,

8Q, 9Q e 10Q, e em fevereiro de 1956, a última, a 11Q, com

quatro rolos em bom estado de conservação.

As ruínas de Qumran são escavadas em 6 diferentes

expedições que se encerram em 1958. Arqueólogos judeus

pesquisam também os wadis da região ocidental do Mar Morto

entre Engaddi e Massada e encontram importantes documentos.

No total, cerca de mil documentos são recuperados em

20 grutas no deserto de Judá, entre os anos de 1946 e 1966.

Além de centenas de óstracas (cacos de cerâmica com escrita) e

inscrições.

15

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Em Khirbet Qumran os arqueólogos identificam um

conjunto de construções bastante interessante: oficinas, olaria,

despensas, refeitório, cisternas, um "scriptorium" etc. Nenhum

fragmento de manuscrito é encontrado nas construções, mas

apenas alguns óstracas. E a sua grafia é a mesma dos

manuscritos encontrados nas grutas. Também são recolhidas

cerâmicas, muitas moedas e outros objetos.

O curioso é que o edifício não tem dormitórios. Ou se

dormia em tendas ou nas grutas das redondezas. O

estabelecimento agrícola de Ain Feshka, ao sul de Qumran,

também é explorado. Ali os essênios manufaturam a palmeira,

juncos, sal, betume e cereais. Estes últimos são cultivados numa

planície a oeste de Qumran, a Buqea, que mede cerca de 8x4

km.

No total, são recuperados, em 11 grutas de Qumran, 11

manuscritos mais ou menos completos e milhares de fragmentos

de mais de 800 manuscritos em pergaminho e papiro. Escritos

em hebraico, aramaico e grego, cerca de 225 manuscritos são

cópias de livros bíblicos, sendo o restante livros apócrifos,

trabalhos exegéticos e escritos da comunidade que vive em

Qumran.

Todos os manuscritos são anteriores ao ano 68 d.C.,

quando Qumran é destruído. Os mais antigos são anteriores à

instalação da comunidade que vive em Qumran e remontam ao

século III a.C. O mais antigo é o 4QEx, datado em torno de 250

a.C. O teste do Carbono 14 chega à data de 33 a.C. com 200

anos para mais ou para menos.

16

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O método do Carbono 14, descoberto em 1947, é

aplicado em 1950-51 a um pedaço de linho que envolve os

manuscritos. Não é possível aplicá-lo diretamente aos

manuscritos porque exige a destruição de 1 a três gramas de

material.

Mais recentemente, em 1990, 14 manuscritos são

submetidos ao teste AMS (Accelerator Mass Spectrometry), ou

Espectrometria com Acelerador de Massa, técnica de datação

descoberta em 1987. O material orgânico necessário para o AMS

é de apenas 0,5 a 1,0 miligrama. Dos 14 manuscritos testados, 4

não são de Qumran e estão datados com segurança através de

outros métodos: isto é necessário para se checar a veracidade

dos resultados. E os resultados confirmam, com certa

segurança, a datação feita através de outros métodos como a

paleografia. Com certeza nenhum dos manuscritos de Qumran

foi copiado após 68 d.C.

Manuscritos Bíblicos:

São recuperados manuscritos e fragmentos de quase

todos os livros bíblicos judaicos, pois só falta Ester.

O Pentateuco está muito bem representado em Qumran,

pois há 15 manuscritos fragmentados do Gênesis, 15 do Êxodo,

9 do Levítico, 6 de Números e 25 do Deuteronômio. São 70

manuscritos. Estes manuscritos ligam-se a três tradições

textuais: 

a) à do texto massorético (TM); b) à do original hebraico a partir do qual é traduzida a

LXX ;17

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

c) à do Pentateuco samaritano.

A parte da Bíblia que hoje conhecemos como Obra

Histórica Deuteronomista (OHDtr.), composta pelos livros de

Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis está pouco presente em

Qumran, num total de apenas 12 manuscritos.

Os arqueólogos recuperam apenas fragmentos de 2

manuscritos de Josué, 3 de Juízes, 3 de Samuel e 4 de Reis. O

grande interesse desses manuscritos para os estudiosos é que

eles estão bem mais próximos do texto hebraico usado para a

tradução da LXX do que do texto massorético.

Dos profetas são encontrados 18 manuscritos: 2 de

Isaías - um quase completo (1QIsa) e outro com uma parte

apenas (1QIsb) - 4 de Jeremias, 6 de Ezequiel e 8 dos doze

profetas menores.

Os textos de Isaías são próximos ao TM, assim como os

de Ezequiel e dos profetas menores, mas um manuscrito de

Jeremias, 1QJrb, traz o mesmo texto da LXX. E isso é importante,

pois o Jeremias da LXX é bem mais curto do que o do TM. Este é

resultado de uma ampliação posterior, enquanto o que serve de

base para a LXX é mais sóbrio.

1QIsa é um rolo quase completo de Isaías, datando da

primeira metade do séc. I a.C. 1QIsb está mal conservado e

contém apenas Is 38-66 e trechos de outros capítulos. É da

última metade do séc. I a.C.

Quanto à última parte da Bíblia Hebraica, os Escritos,

são recuperados em Qumran restos de cerca de 66 manuscritos.

Os Salmos estão bem representados com 30 manuscritos, Daniel

18

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

está em 8 e assim por diante. Na gruta 4 são recuperados

fragmentos do original aramaico de Tobias, até então perdido, e

textos muito próximos à época de composição dos originais como

4QEcla e 4QDn, respectivamente, cerca de cem e cinqüenta

anos após a escrita dos livros do Eclesiastes e de Daniel.

Ester não é encontrado. Como esse livro é muito bem

aceito pelos Macabeus, isto deve ter provocado sua rejeição pela

comunidade de Qumran, inimiga daqueles governantes.

No conjunto, são cerca de 225 manuscritos ou

fragmentos de livros bíblicos. Sua importância para a história do

texto do AT é grande, já que testemunham as várias tradições

existentes antes da unificação feita pelos rabinos de Jâmnia nos

anos 90 da era cristã.

Livros Apócrifos:

Outra área bastante interessante dos manuscritos de

Qumran é a dos livros apócrifos.

Na gruta 1 são encontradas 22 colunas de um Gênesis

Apócrifo (1QapGn), em aramaico, que narra a história de Gn

5,28-15,4, isto é, de Lamec a Abraão, com embelezamentos

midrashicos. Pode ser datado entre o II e o I séculos a.C.

Vários fragmentos da gruta 1 testemunham a existência

de um Livro de Noé. Na gruta 4 há fragmentos de 5 manuscritos

de um Testamento de Amram (Amram é neto de Levi, segundo a

Bíblia), sete fragmentos de um Samuel Apócrifo (4Q160) etc.

COMENTÁRIOS BÍBLICOS:

19

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Os comentários bíblicos de Qumran são do gênero

pesher, palavra hebraica que quer dizer "explicação",

“significado". O método pesher consiste em comentar o texto

bíblico versículo por versículo, procurando aplicá-lo às

circunstâncias vividas pela comunidade, como se os textos

bíblicos, especialmente os proféticos, estivessem falando

diretamente da realidade atual. Os livros resultantes são

conhecidos como pesharim, "comentários".

Após citar um versículo ou mesmo trechos menores, o

comentarista diz: "A explicação (pesher) disto diz respeito a...".

Estes livros são classificados como 1QpHab, 1QpMq,

4QpOs etc, respectivamente, Comentário (pesher) de Habacuc,

Comentário de Miquéias, Comentário de Oséias e assim por

diante. Estão identificados cerca de uma dúzia destes

comentários entre os manuscritos de Qumran.

Os pesharim, além de exemplificarem um método

exegético só usado pela comunidade de Qumran e pelos

cristãos, são importantes igualmente como testemunhos

históricos da organização e vicissitudes da comunidade.

O pesher mais importante de Qumran é o 1QpHab,

Comentário de Habacuc, escrito provavelmente no começo do

séc. I a.C., por suas constantes referências à história da

comunidade.

Outro tipo de trabalho exegético encontrado em Qumran

é o targum. Targum significa "tradução" e indica as traduções

aramaicas dos livros bíblicos (targumim) que se fazem nas

sinagogas da época. Só que o targum não é uma tradução literal,

20

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

mas uma paráfrase explicativa e atualizada do texto hebraico. É

ótimo para se saber como os judeus interpretam o texto bíblico.

Na gruta número 11 de Qumran os arqueólogos

encontram vários fragmentos de origem targúmica, entre eles um

Targum de Jó. É o mais antigo dos targumim conhecidos, sendo

do final do séc. II a.C.

Outro tipo de exegese é o que os editores dos

manuscritos chamam de Florilégio: consiste em agrupar vários

trechos bíblicos, que possuam alguma homogeneidade, para que

eles se completem e sejam explicados. O fragmento 4Q174, por

exemplo, reúne trechos de 2Sm 7 com Sl 1 e 2 que são

interpretados, em seguida, segundo o padrão do pesher.

Regras da comunidade:De extrema importância são os livros que trazem as

normas de constituição e atividades da comunidade de Qumran.

  A Regra da Comunidade ou Manual de Disciplina, em

hebraico, Serek hayahad (1QS), é o principal livro da

comunidade de Qumran. É o manuscrito que contém as normas

que governam a comunidade. Provavelmente seu autor é o

próprio fundador da comunidade, conhecido nos textos como o

Mestre da Justiça. Sua composição pode ser situada entre 150 e

125 a.C., enquanto que o manuscrito completo é dos anos 100-

75 a.C.

Além da cópia completa encontrada em 1Q, fragmentos

de outras 11 cópias estão entre os textos de 4Q e 5Q.

A Regra pode ser dividida em três seções:

21

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

 

1. Normas para o ingresso na Comunidade (I-IV);  2. Estatutos referentes ao Conselho da Comunidade (V-IX);  3. Diretrizes para o Mestre e o Hino do Mestre (IX-XI). 

A Regra da Congregação, em hebraico,Serek ha'edat

(1QSa), e a Coleção de Bênçãos (1QSb) são dois anexos à

Regra da Comunidade. A primeira é da metade do séc. I a.C. e a

segunda pode ser datada por volta de 100 a.C. A Regra da

Congregação é um escrito de tipo escatológico que descreve a

vida e o banquete da comunidade no fim dos tempos. A Coleção

de Bênçãos é uma antologia de fórmulas para abençoar os

membros da comunidade.

  Os Cânticos de Louvor, em hebraico, Hôdayôt (1QH),

são cânticos de ação de graças ou hinos de louvor, parecidos

com o "Magnificat" e o "Benedictus" de Lucas. Inspiram-se

principalmente nos Salmos e em Isaías. Devem ter sido

compostos entre 150 e 125 a.C., e, pelo menos em parte, pelo

Mestre da Justiça. O manuscrito de 1Q provém dos anos 1 a 50

d.C. Em 4Q são encontrados fragmentos de mais 6 cópias.

  A Regra da Guerra, em hebraico, Serek hamilhamah,

também conhecida como "A guerra dos filhos da luz contra os

filhos das trevas", "compreende uma espécie de compêndio da

ciência bélica e das celebrações cultuais que deveriam ser

observadas por ocasião de uma guerra com vistas à luta final que

precederia a era da salvação". Os filhos da luz contam com a

ajuda dos anjos Miguel, Rafael e Sariel, enquanto que os filhos

das trevas contam com Belial. A vitória, é claro, é dos filhos da

22

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

luz. O original é composto entre os anos 50 a.C. e 25 d.C.,

enquanto que o manuscrito encontrado em 1Q é do séc. I d.C.

Em 4Q são encontrados fragmentos de mais cinco cópias deste

livro.

  O Documento de Damasco (CD) é uma obra conhecida

desde 1896-97, quando dois manuscritos são encontrados num

depósito de rolos velhos (genizá) de uma antiga sinagoga do

Cairo. Um dos manuscritos é do século X d.C. e o outro do séc.

XII d.C. Publicados em 1910, continuam, então, um enigma: não

se sabe a que grupo judeu o texto se refere e que certamente

compôs a obra. Os estudiosos sugerem os saduceus, os

fariseus, os ebionitas, os caraítas... e apenas um diz que é dos

essênios!

  Agora, acontece que fragmentos de nove cópias do

Documento de Damasco são encontrados nas grutas de Qumran

(7 fragmentos em 4Q, 1 em 5Q, 1 em 6Q): sem dúvida é uma

obra criada na comunidade essênia.

  Muitos especialistas defendem que "Damasco" deve ser

entendido em sentido literal e que representaria uma primeira

fase da comunidade, anterior ao seu estabelecimento em

Qumran. Outros pensam que "Damasco" seja apenas um modo

velado de se falar de Qumran, a partir de Am 5,26-27. E o

Documento pode ser também a regra de outra ala da

organização, que viveria fora de Qumran.

  A obra compõe-se de uma exortação e de uma lista de

estatutos. Na exortação o pregador (talvez uma autoridade da

comunidade) tem por objetivo "encorajar os sectários a

permanecerem fiéis e, com este fim em vista, ele se empenha em

23

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

demonstrar, por meio da história de Israel e da comunidade, que

a fidelidade é sempre recompensada e a apostasia castigada".

  Os estatutos reinterpretam as leis bíblicas relativas a

votos e juramentos, tribunais, purificação, sábado, pureza ritual

etc. Trazem também os estatutos da comunidade. O Documento

de Damasco deve ter sido escrito por volta de 100 a.C.

  Consulte o conceituado The Orion Center sobre a

pesquisa dos Manuscritos.

   O Rolo do Templo, encontrado na gruta 11, (11QT), só

aparece em junho de 1967, durante a "Guerra dos Seis Dias",

quando o Estado de Israel o retira das mãos de um antiquário da

parte árabe de Jerusalém, a quem os ta'amireh o vendera.

  É o maior dos manuscritos de Qumran, com mais de oito

metros e meio de comprimento e 66 colunas. Trata do Templo e

do culto, e embora se trate de uma reinterpretação da legislação

bíblica do Êxodo, Levítico e Deuteronômio, o autor apresenta sua

mensagem como fruto de revelação divina direta. O Rolo do

Templo é do séc. II a.C. São encontrados fragmentos deste livro

nas grutas 4Q e 11Q.

O rolo de cobre:  Desde o início da década de 90, cerca de cem

estudiosos de todo o mundo participaram das pesquisas, sob a

supervisão do Departamento de Antiguidades de Israel.

  O resultado deste trabalho que envolveu cerca de 900

pergaminhos está sendo apresentado em 38 volumes, dois dos

quais em fase final de preparação. Entre os documentos

24

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

publicados está o conteúdo do Rolo de Cobre, com a suposta

localização de tesouros do Templo.

Os Manuscritos foram encontrados entre 1947 e 1956

nas grutas de Qumran, região localizada ao sul da cidade de

Jericó, na margem ocidental do Mar Morto. Segundo os estudos

realizados, alguns são datados de aproximadamente 250 antes

da era comum e outros do ano 70 da era comum. A maioria dos

textos foi escrita em hebraico e sobre pergaminhos, porém há

alguns em aramaico ou grego, em papiro. Entre as principais

dificuldades encontradas pelos pesquisadores, está o fato de

terem sido encontrados fragmentos, principalmente, e não rolos

completos.

Os primeiros sete rolos foram descobertos ao acaso por

um beduíno, em 1947.

Três desses foram comprados pelo arqueólogo E.L.

Sukenik e quatro contrabandeados para os Estados Unidos. Foi

somente em 1954 que o arqueólogo e filho de Sukenik, Yigal

Yadin, conseguiu que estes últimos fossem encaminhados a

Israel. Para marcar o fato, foi construído o Santuário do Livro, um

anexo do Museu de Israel, em Jerusalém, local que abriga a

maioria dos fragmentos e no qual há uma exposição permanente

dos Manuscritos do Mar Morto.

Entre os 900 pergaminhos reconstituídos pelos

pesquisadores, cerca de 200 contêm o mais primitivo original

bíblico conhecido, enquanto os demais incluem orações, rituais e

regras provavelmente dos essênios, uma comunidade judaica

isolada e austera que viveu em Qumran.

25

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Um rolo, em especial, chamou a atenção dos pesquisadores:

Diferentemente dos demais, que narram estilo de vida,

hábitos e costumes dos essênios, este, além de conter textos

literários, traz a suposta localização de tesouros enterrados há

séculos.

Para alguns especuladores, seriam tesouros do Segundo

Templo, escondidos antes da sua destruição, no ano 70 da era

comum. Para outros, seria o patrimônio acumulado pelos

essênios, comunidade que fizera um voto de pobreza. De

qualquer maneira, independentemente das teorias, segundo o

conteúdo do Rolo de Cobre, foram escondidas mais de 200

toneladas de ouro e prata, que estariam à disposição de quem

conseguir encontrá-las. Pois, como disse um arqueólogo

israelense, ao se decifrar o Rolo de Cobre, o mesmo se tornou

acessível a qualquer criança que saiba ler.

O Rolo de Cobre foi restaurado no Laboratório Valectra,

unidade nuclear de Pesquisa e Desenvolvimento da estatal

Electricité de France. Foi descoberto em 20 de março de 1952,

em duas partes, na caverna de número três, próximo a Qumram,

por Henri de Contenson, da Escola Dominicana de Arqueologia

Bíblica de Jerusalém (EBAJ). A presença de rebites nas duas

partes encontradas comprovou a teoria de que compunham um

único documento, com 240 centímetros de largura e 30 de altura.

Decifrá-lo, no entanto, revelou-se difícil por causa da oxidação do

metal, que impossibilitou desenrolá-lo.

26

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Em 1955, diante da falta de recursos, na Jordânia, para

dar continuidade às pesquisas, o Rolo de Cobre foi enviado à

Universidade de Manchester, Inglaterra, aos cuidados do

professor H. Wright-Baker. A metodologia adotada implicou no

corte do objeto em 23 peças, para limpeza, fotografias e

decifração. A divulgação do conteúdo do Rolo de Cobre foi feita

em etapas, a partir de 1956, pelo padre Joseph T. Milk, da EBAJ,

responsável pela versão completa do texto, de 1962, com uma

lista de 64 locais onde teriam sido escondidos os tesouros.

Nada no conteúdo decifrado, no entanto, responde a duas perguntas cruciais: de onde vieram os tesouros e qual a sua origem?

Não existe consenso nas respostas. Durante um

simpósio internacional realizado em setembro de 1996, no

Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester,

uma pesquisa informal revelou que a maioria dos 50 participantes

acreditava no conteúdo do Rolo de Cobre, divergindo, no

entanto, sobre a quem teriam pertencido: ao Segundo Templo ou

aos essênios.

O Rolo de Cobre (3Q15) - que tem de ser cortado para

ser aberto, de tão oxidado que estava - fala de um tesouro

escondido em 64 lugares diferentes da Palestina, em ouro, prata,

perfumes etc. O montante alcançaria a fabulosa quantia de 65

toneladas de prata e 26 toneladas de ouro.

Seria um tesouro de fato ou só uma ficção? Até hoje

nada foi achado deste pretenso tesouro. Os estudiosos se

dividem na suas opiniões: seria um tesouro da comunidade de

27

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Qumran? Ou pertenceria ao Templo de Jerusalém? Neste último

caso, quando e porquê o documento vai parar em Qumran?.

A leitura, tradução e publicação dos manuscritos mais ou

menos completos não é um grande problema para os

especialistas. Mesmo os fragmentos das grutas menores são

publicados até os anos 70.

O problema está nos milhares de fragmentos de mais de

500 manuscritos da gruta 4. A maioria está muito deteriorada:

corroídos, curvados, enrugados, retorcidos, cobertos por mofo e

elementos químicos.

Para trabalhar nestes fragmentos é constituída em 1952

uma equipe internacional no Museu Arqueológico da Palestina,

em Jerusalém Oriental, pertencente à Jordânia.

O chefe da equipe é o dominicano R. de Vaux. Com ele

trabalham Frank Moore Cross, americano, presbiteriano; J. T.

Milik, polonês, católico; John Allegro, inglês, agnóstico; Jean

Starcky, francês, católico; Patrick Skehan, americano, católico;

John Strugnell, inglês, presbiteriano; Claus-Hunno Hunziger,

alemão, luterano. Predominam especialistas de Harvard (USA),

École Biblique (Jerusalém) e Oxford (Inglaterra).

"Ficou aparentemente entendido que esses pesquisadores possuíam o direito oficial de publicar os textos de seus respectivos quinhões. Na lista, era óbvia, e foi nitidamente percebida, a ausência do nome de qualquer pesquisador judeu. O governo jordaniano insistiu em que nenhum judeu fosse incluído na equipe".

Os trabalhos avançam em bom ritmo, já que são

financiados por J. D. Rockfeller Jr., magnata americano. Mas,

28

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

dois fatos intervêm: morre Rockfeller e Israel, na Guerra dos Seis

Dias, em 1967, anexa Jerusalém Oriental e toma o Museu

Arqueológico da Palestina onde estão os manuscritos da gruta 4.

O projeto de publicação perde o compasso.

Com a morte de R. de Vaux em setembro de 1971, a

função de editor-geral passa para seu colega dominicano Pierre

Benoit, que por sua vez, ao morrer em 1987, passa o cargo para

John Strugnell. Durante todos estes anos, a equipe continua

pequena. Quando um pesquisador morre ou se retira, é

substituído por outro e pronto. Strugnell, porém, lutará por duas

coisas: pela expansão do pequeno grupo original encarregado

dos manuscritos e pela inclusão neste equipe de pesquisadores

judeus.

Entretanto, cresce no meio acadêmico mundial a

insatisfação com a demora na publicação dos documentos.

Alguns nomes se destacam neste protesto: Robert Eisenman, da

Universidade do Estado da Califórnia e Philip Davies da Sheffield

University, Inglaterra. Eles tentam o acesso aos manuscritos,

mas são barrados por J. Strugnell. É então que entra em cena

Hershel Shanks, fundador da Biblical Archaeology Society.

Através da Biblical Archaeology Review, ele inicia, a partir de

1985, poderosa campanha em favor do livre acesso dos

pesquisadores aos manuscritos ainda não publicados.

Após polêmica entrevista aos jornais, em dezembro de

1990, John Strugnell é demitido do cargo pela Israel Antiquities Authority (IAA), que indica Emanuel Tov como editor-chefe e

amplia a equipe para cerca de 50 pesquisadores.

29

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Contudo, dois novos fatos mudam o rumo das coisas. Em

setembro de 1991 Ben Zion Wacholder e Martin Abegg do

Hebrew Union College, em Cincinati, publicam A Preliminary

Edition of the Unpublished Dead Sea Scrolls. Baseados no

glossário elaborado pelos pesquisadores oficiais, e utilizando um

computador, os dois estudiosos reconstroem textos inteiros da

gruta 4. No mesmo mês, a Biblioteca Huntigton, de San Marino,

Califórnia, que possui as fotos de todos os manuscritos, coloca a

coleção à disposição dos estudiosos.

Em novembro de 1991 a Biblical Archaeology Society

publica a Edição Fac-símile dos Manuscritos do Mar Morto, com

cerca de 1800 fotografias dos manuscritos.

Neste meio tempo a IAA autoriza aos fotógrafos o acesso

aos manuscritos. Estas fotografias estão disponíveis em 5

lugares: Jerusalém, Claremont e San Marino (as duas últimas na

Califórnia), Cincinati e Oxford. E, finalmente, em 1993, sob os

auspícios da IAA, sai a edição completa em microfilmes de todos

os manuscritos do Mar Morto: The Dead Sea Scrolls on

Microfiche. A Comprehensive Facsimile Edition of the Texts from

the Judaean Desert, edited by Emanuel Tov with the collaboration

of Stephen J. Pfann, E. J. Brill-IDC, Leiden 1993.

No Brasil temos a importante obra de Florentino García

Martínez, Textos de Qumran, Petrópolis, Vozes,  1995, 582 pp. É

uma acurada tradução dos 250 textos mais importantes de

Qumran. A tradução do espanhol para o português é do exegeta

Valmor da Silva.

É preciso assinalar que em nenhum dos manuscritos até

agora publicados aparece a palavra "essênio". Este termo vem,

30

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

provavelmente, do hebraico hassidim (os piedosos), em aramaico

hassayya, em grego essaioi ou essênoi, daí "essênios".

Embora a quase totalidade dos estudiosos identifique a

comunidade de Qumran com os essênios, são, às vezes,

sugeridas outras possibilidades. Há a hipótese caraíta, judeu-

cristã, zelota, saducéia e farisaica.

O grupo caraíta é fundado em Bagdá no séc. VIII d.C.

pelo rabino Anan ben Davi, que proclama uma volta à Escritura.

O termo vem de caraim, "leitores (da Escritura)", pois em

hebraico qara é "ler". "Etimologicamente, os caraítas são, pois,

os 'biblistas' ou 'especialistas da Escritura'; isso eles o seriam

também historicamente".

Graças à afinidade existente entre a teologia da

comunidade de Qumran e os caraítas é que se levanta a

hipótese caraíta. Mas é uma idéia sem fundamento histórico

algum.

Assim como os cristãos primitivos, a comunidade de

Qumran se autodenomina, às vezes, os "pobres" (ebionim). Daí

alguns acharem que ali vivem os ebionitas, seita judaico-cristã.

Só que os dados da arqueologia e da paleografia contradizem tal

hipótese.

Em Massada os arqueólogos descobrem uma cópia de

uma obra de Qumran, o que levanta a possibilidade, segundo

alguns, de serem zelotas os habitantes de Qumran. Entretanto, é

bem mais viável pensar que alguns essênios tenham se reunido

aos zelotas que resistem aos romanos em Massada até 73 d.C.

Daí a obra ter ido parar lá.

31

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A hipótese saducéia quase não encontra apoio, pois em

relação à helenização saduceus e qumranitas estão em posições

opostas. Sem mencionar as profundas divergências teológicas.

Por último, a hipótese farisaica é colocada a partir das

muitas semelhanças da comunidade de Qumran com o grupo

dos fariseus. Mas isto se explica pela provável entrada maciça de

fariseus na comunidade por ocasião das perseguições de João

Hircano I.

O testemunho dos autores antigos:O testemunho dos autores antigos sobre os essênios é

importante para a identificação da comunidade de Qumran.

Localização geográfica, valores, modo de vida etc dos essênios

são descritos pelos judeus Flávio Josefo e Fílon de Alexandria e

pelos romanos Plínio, o Velho, e Solino.

É Flávio Josefo quem nos diz que:

"Existem, com efeito, entre os judeus, três escolas

filosóficas: os adeptos da primeira são os fariseus; os da

segunda, os saduceus; os da terceira, que apreciam

justamente praticar uma vida venerável, são denominados

essênios: são judeus pela raça, mas, além disso, estão

unidos entre si por uma afeição mútua maior que a dos

outros".

Na mesma direção vai Fílon de Alexandria, que diz:

32

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

"A Síria Palestina, que ocupa uma parte importante da populosa nação dos judeus, não é, também ela, estéril em virtude. Alguns deles, que somam mais de quatro mil, são denominados essênios".

Plínio, o Velho nos oferece precioso dado para a

localização dos essênios em Qumran:

"Na parte ocidental do mar Morto os essênios se afastam das margens por toda a extensão em que estas são perigosas. Trata-se de um povo único em seu gênero e admirável no mundo inteiro, mais que qualquer outro: sem nenhuma mulher e tendo renunciado inteiramente ao amor; sem dinheiro e tendo por única companhia as palmeiras. Dia após dia esse povo renasce em igual número, graças à grande quantidade dos que chegam; com efeito, afluem aqui em grande número aqueles que a vida leva, cansados das oscilações da sorte, a adotar seus costumes (...) Abaixo desses ficava a cidade de Engaddi, cuja importância só era inferior à de Jericó por sua fertilidade e seus palmeirais, mas que se tornou hoje um montão de ruínas. Depois vem a fortaleza de Massada, situada num rochedo, não muito distante do mar Morto".

A. G. Lamadrid observa que "a descrição de Plínio

corresponde perfeitamente às ruínas de Qumran, que se

encontram a uns dois quilômetros a ocidente do mar Morto e

também alguns quilômetros ao norte da antiga cidade de

Engaddi".

Solino, do séc. III d.C., que tira parte de seu material de

Plínio, diz o seguinte:

"O interior da Judéia que se estende para o ocidente é ocupado pelos essênios. Estes, seguidores de rígida disciplina, se separaram dos costumes de todos as outras nações, tendo sido destinados a este modo de vida pela divina providência. Nenhuma mulher se encontra entre eles

33

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

e eles renunciaram ao sexo completamente. Eles desconhecem o dinheiro e vivem entre palmeiras. Ninguém nasce entre eles, entretanto seu número não diminui. O local é destinado à castidade. Ali reúnem-se pessoas de várias nações; entretanto, ninguém que não tenha uma reputação de castidade e inocência é ali admitido. Aquele que cometer a menor falta, embora faça o maior esforço para ser admitido, é mantido afastado por ordem divina. Assim, ao longo de tantas eras (é difícil de se crer), uma raça onde não há nascimentos vive para sempre. Logo abaixo dos essênios existia a cidade de Engaddi, mas ela foi arrasada".

Tanto Flávio Josefo quanto Fílon de Alexandria noticiam

a opção celibatária e a vida comunitária dos essênios, o que os

manuscritos de Qumran confirmam - pelo menos para uma parte

da organização - como veremos adiante:

"Os essênios repudiam os prazeres como um mal e consideram como virtude a continência e a resistência às paixões. Eles desprezam, para si mesmos, o casamento; mas adotam os filhos dos outros numa idade ainda bastante tenra para receberem seus ensinamentos: eles os consideram como se fossem de sua família e os moldam de acordo com os seus costumes".

Fílon diz que na comunidade dos essênios "existem

apenas homens de idade madura e inclinados já para a velhice,

que não são mais dominados pelo fluxo do corpo nem arrastados

pelas paixões, mas que gozam da liberdade verdadeira e

realmente única".

Fílon acredita que os essênios não se casam porque isto

ameaçaria a sua vida comunitária, dado, segundo sua opinião, o

caráter de semeadora de discórdias que predomina nas

mulheres: "Por outro lado, prevendo com perspicácia o obstáculo 34

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

que ameaçaria, seja por si só, seja de modo mais grave,

dissolver os laços da vida comunitária, eles baniram o

casamento, ao mesmo tempo em que prescreveram a prática de

uma perfeita continência".

Sobre a vida comunitária dos essênios diz Flávio Josefo

que os seus bens são igualmente divididos, evitando que haja

pobres e ricos, o que é confirmado pelos documentos da

comunidade: "Com efeito, trata-se de uma lei: aqueles que

entram para o grupo entregam seus bens à comunidade, de tal

forma que entre eles não se vê absolutamente nem a humilhação

da pobreza nem o orgulho da riqueza, já que as posses se

encontram reunidas, não existindo para todos senão um único

haver, como ocorre entre irmãos".

Há ainda muitos outros testemunhos interessantes sobre

os essênios, especialmente de Flávio Josefo, que veremos

oportunamente.

Se a comunidade que vive em Qumran é composta pelos

essênios, é possível reconstruir a sua história, que se situa entre

os séculos II a.C. e I d.C. Além dos testemunhos antigos

contamos com os manuscritos da comunidade e os resultados

das escavações de Khirbet Qumran.

Tudo indica que quando o macabeu Jônatas assume o

sumo sacerdócio em Jerusalém começa a crise. Como sabemos,

os assideus lutam lado a lado com os Macabeus contra a

aristocracia filo-helênica, a partir de 167 a.C. 

Mas quando estes, que não são sadoquitas, se apossam

do sumo sacerdócio, um sacerdote sadoquita do Templo,

conhecido nos manuscritos apenas como Mestre da Justiça

35

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

(Môreh hasedeq) rompe com os Macabeus e lidera um grupo de

sacerdotes e assideus que se afasta de Jerusalém.

O Documento de Damasco comenta esta aliança e

conseqüente ruptura: "E no tempo da ira, aos trezentos e noventa

anos após tê-los entregue nas mãos de Nabucodonosor, rei da

Babilônia, visitou-os e fez brotar de Israel e de Aarão um broto da

plantação para possuir a sua terra e para engordar com os bens

de seu solo. E eles compreenderam sua iniqüidade e souberam

que eram homens culpáveis; porém eram como cegos e como

quem às apalpadelas busca o caminho durante vinte anos. E

Deus considerou suas obras porque o buscavam com coração

perfeito, e suscitou para eles um Mestre de Justiça para guiá-los

no caminho de seu coração" (CD I, 5-11).

Trezentos e noventa anos após a destruição de

Jerusalém por Nabucodonosor ocorrida em 586 a.C., nos

colocaria no ano 196 a.C. e não combina com a época dos

Macabeus, quando teria surgido o grupo essênio. Mas somando-

se aos 390 anos mais 20 anos, durante os quais a comunidade

anda às cegas, depois mais 40 anos, que representam o tempo

simbólico entre a morte do Mestre da Justiça e a chegada da era

messiânica, chega-se a 450 anos. Some-se a isto os simbólicos

40 anos de atividade do Mestre e temos 490 anos ou 70 x 7 anos

que, segundo o livro de Daniel, representam o tempo decorrido

entre a intervenção destruidora de Nabucodonosor e o advento

salvador do Messias. Ou seja: 390 anos (ou 490) é uma quantia

simbólica, uma afirmação teológica apenas e não serve para

datar coisa alguma.

36

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Mas há outros dados neste texto que nos oferecem

algum ponto de apoio histórico. O "tempo da ira" só pode ser a

crise da época de Antíoco IV Epífanes.

A "raiz que brota de Israel e Aarão" é uma referência aos

leigos e sacerdotes que compõem a comunidade essênia, e os

"vinte anos" nos quais se comportam como cegos pode ser uma

avaliação do período de aliança dos assideus com os Macabeus,

anteriores ao surgimento do Mestre da Justiça.

De uma passagem da Regra da Comunidade se deduz

que os líderes deste grupo são sacerdotes sadoquitas: "Esta é a

regra para os homens da comunidade que se oferecem

voluntariamente para converter-se de todo mal e para manter-se

firmes em tudo o que ordena segundo a sua vontade. Que se

separem a congregação dos homens da iniqüidade para formar

uma comunidade na lei e nos bens, e submetendo-se à

autoridade dos filhos de Sadoc, os sacerdotes que guardam a

aliança, e à autoridade da multidão dos homens da comunidade,

os que se mantêm firmes na aliança" (1QS V, 1-3).

Também os fragmentos de uma antologia de bênçãos

(1QSb), originalmente anexadas à Regra da Comunidade, falam

da liderança dos sacerdotes sadoquitas entre os essênios:

"Palavras de Bênção. Do Instrutor. Para abençoar] os filhos de

Sadoc, os sacerdotes que Deus escolheu para si para reforçar

sua aliança para [sempre, para distribuir todos os seus juízos em

meio ao seu povo, para instruí-los conforme o seu mandato. Eles

estabeleceram na verdade [sua aliança] e inspecionaram na

justiça todos os seus preceitos, e andaram de acordo com o que

ele escolhe" (11QSbIII, 22-25).

37

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Além do Documento de Damasco, alguns comentários

bíblicos de Qumran falam do Mestre da Justiça. O

enquadramento histórico do Mestre da Justiça é importante para

se reconstruir a história da comunidade, pois ele é apresentado

como a figura mais importante entre os essênios e quase

certamente é o seu fundador.

Explicando o Sl 37,23-24 diz um escrito de Qumran:

"Pois por YHWH são assegurados [os passos do homem;] ele se

deleita em seu caminho: embora tropece [não] cairá, pois YHWH

[sustenta sua mão]. Sua interpretação se refere ao Sacerdote, o

Mestre de [Justiça, a quem] Deus escolheu para estar [diante

dele, pois] o estabeleceu para construir por ele a congregação

[de seus eleitos] [e endireitou o seu caminho, em verdade"

(4QpSlaIII, 14-17).

No Comentário de Habacuc se lê interessante aplicação

de Hab 1,13b: "Por que contemplais, traidores, e guardais

silêncio quando devora um ímpio alguém mais justo que ele? Sua

interpretação se refere à Casa de Absalão e aos membros de

seu conselho, que se calaram quando da repreensão do Mestre

de Justiça e não o ajudaram contra o Homem de Mentira, que

rejeitou a Lei em meio a toda a sua comunidade]" (1QpHab V,8-

12).

Ainda no mesmo Comentário de Habacuc aparecem

outros dados interessantes na explicação de Hab 2,8b: "Pelo

sangue humano [derramado] e a violência feita ao país, à cidade

e a todos os seus habitantes. Sua interpretação se refere ao

Sacerdote Ímpio, posto que pela iniqüidade contra o Mestre de

Justiça e os membros de seu conselho o entregou Deus nas

38

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

mãos de seus inimigos para humilhá-lo com um castigo, para

aniquilá-lo com a amargura da alma por ter agido impiamente

contra os seus eleitos" (1QpHab IX, 8-12).

A comunidade Q:Segundo Burton L. Mack, os escritos da comunidade "Q"

são os primeiros registros que temos dos movimentos primitivos

de Jesus, e é um texto verdadeiramente precioso. Eles

documentam a história de um grupo específico do movimento

primitivo de Jesus, por um período de cerca de 50 anos, desde a

época em que Jesus tinha 20 anos até após a guerra Romano-

Judaica nos anos 70. O notável sobre este grupo é que ele se

desenvolveu dentro de uma comunidade, firmemente, interligada

e produziu uma vasta e grandiosa mitologia, simplesmente

atribuindo, mais e mais ensinamentos a Jesus.

Eles não precisaram imaginar Jesus no papel de um

Deus ou contar estórias sobre sua ressurreição dos mortos para

honrá-lo como um mestre. Em outras palavras eles não eram

cristãos, eram na verdade, um grupo de Jesus. As camadas

primitivas dos ensinamentos de Jesus em Q são as menos

interpoladas de todas as suas citações em documentos

existentes. Isto pode nos significar, que Q nos coloca mais

próximos do Jesus Histórico do que jamais poderemos estar. 

Portanto, é enorme a importância de Q. Os desafios

sobre a concepção popular das origens Cristãs é claro. Se a

visão convencional dos primórdios do Cristianismo está certa,

como podemos explicar esses pioneiros de Jesus. Será que não

entenderam a mensagem? Eram ignorantes do evangelho da

39

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

salvação ou os repudiavam? Se, entretanto, os primeiros

seguidores de Jesus entendiam o propósito do movimento, da

maneira descrita em Q, como explicaremos a aparição dos cultos

de Cristo, as fantásticas mitologias dos evangelhos narrativos e o

eventual estabelecimento do culto e da religião Cristã? Q nos

força a repensar as origens do Cristianismo como nenhum outro

documento dos primeiros tempos.

Após a descoberta de Q, os evangelhos narrativos não

podem mais serem vistos como relatos dignos de confiança

sobre os eventos históricos que culminaram com o

estabelecimento da fé Cristã. Temos agora que considerar os

evangelhos como resultados da elaboração do primitivo mito

Cristão. Como já dissemos, Q força essa questão, porque não

concorda com os relatos dos evangelhos narrativos. 

Q é oriundo da palavra alemã Quelle, que significa

"fonte". O texto obteve este nome quando historiadores

descobriram que tanto Mateus como Lucas usaram uma coleção

de citações de Jesus como uma de suas "fontes" para seus

evangelhos, sendo a outra fonte o evangelho de Marcos. Os

estudiosos sabiam a mais de 150 anos que alguma coisa como Q

tinha que ter existido, mas apenas recentemente tiveram a

certeza. Apesar de tudo, todos sabíamos qual o o conteúdo do

documento porque os seus ensinamentos estavam lá, nos

evangelhos de Mateus e Lucas.

Uma vez que não tínhamos um manuscrito Q

independente que teria sido perdido na balbúrdia do início do

segundo século, um conhecimento profundo de Mateus e Lucas

seria necessário caso quiséssemos reconstruir o texto original

40

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

que eles tinham em comum. Foi uma surpresa, quando alguns

especialistas curiosos, começaram a reconstruir um texto

unificado e olharam Q como uma peça de literatura

independente, uma peça de literatura que tinha conduzido um

movimento de Jesus por meio século, antes de Mateus e Lucas

sequer pensarem em mesclá-lo com a estória de Marcos sobre

Jesus. 

Um mundo Cristão, inteiramente, diferente veio à tona. 

Uma vez que o texto de Q não é encontrado

separadamente, em nenhuma cópia do Novo Testamento,

teremos que nos referir aos seu conteúdo citando o capítulo e

versículo no evangelho de Lucas. A preferência de Lucas sobre

Mateus é devida ao fato de que Lucas não alterou a seqüência e

terminologia das citações tanto quanto Mateus alterou (assim Q

11:1-4 = Lucas 11:1-4). No artigo FAQ do Problema Sinótico

você poderá encontrar alguns subsídios para entender as

hipóteses da construção dos evangelhos sinóticos. 

Q coloca os primeiros povos de Jesus no foco, e o

quadro é tão diferente daquele que todos sempre imaginaram

que se torna surpreendente. Ao invés de pessoas se reunindo

para adorar um Cristo, como nas congregações Paulinas, ou

preocupando-se com o que significa ser um seguidor de um

mártir, como nas Comunidades de Marcos, o povo de Q estava,

completamente dedicado às questões presentes sobre o Reino

de Deus e com o comportamento necessário para alguém

abraçá-lo seriamente. 

Estudos recentes identificaram três camadas de material

de instrução em Q. Cada uma dessas camadas corresponde a

41

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

um estágio na história da comunidade Q. Isto permite rastrear a

história dos primeiros movimentos de Jesus acompanhando as

mudanças nas referências a respeito da idéias do Reino de

Deus. Nenhum outro texto ou conjunto de textos do primeiro

século nos preenche com as histórias inteiras de uma

comunidade "Cristã" primitiva. Os estudiosos agora se referem a

essas camadas como Q 1 ,Q 2 e Q 3.

A camada mais antiga,Q 1, consiste, extensivamente,

das citações sobre a sabedoria de ser um verdadeiro seguidor de

Jesus. Q 2 , por outro lado, introduz pronunciamentos de

julgamentos proféticos e apocalípticos sobre aqueles que se

recusarem a ouvir os ensinamentos de Jesus. E, finalmente, Q 3

registra uma retratação ao desgaste de encontros públicos para

tratar de idéias de paciência e piedade para os iluminados

enquanto esperam seu momento de glória num certo futuro no

fim da história humana. 

Um fato notável sobre o material de Q 1 é que ele advoga por um

estilo de vida evolucionário, transformando aforismos em

prescrições de comportamento. Uma injuriosa recriminação tal

qual "Deixa os mortos sepultarem os seus mortos, tu vai e

anuncia o reino de Deus", pode ser isolada no núcleo de um

pequeno aglomerado de citações, tornando-se um princípio de

comportamento adequado ao novo reino. Neste caso, o

comportamento recomendado é simplesmente o compromisso

com o reino (Q 9:57-62).

Podemos identificar sete temas no bloco Q 1:

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A maior unidade (Q 6:20-49) consiste de ensinamentos de Jesus a respeito de a quem pertence o reino de Deus ("os pobres, famintos, os que choram"), e como tratar os outros ( o que quereis que os homens vos façam, fazei-lhes o mesmo a eles"), e sobre julgamentos aos outros (" não julgueis e não sereis julgados"); 

O segundo bloco de Q 1 é sobre tornar-se um seguidor e trabalhar para o reino de Deus (Q 9:57-10:11); 

O terceiro é sobre ter confiança em pedir a Deus (o Pai) (Q 11:1-13); 

O quarto diz que não se deve ter temor de falar (Q 12:2-7);

O quinto explica que não deve existir preocupação com alimentação, vestuário e que o desejo por coisas pessoais é tolice (Q 12:13-34); 

O sexto ensina que como a semente e o fermento, o reino de Deus crescerá (Q 13:18-21); 

O sétimo fala sobre os encargos de ser um seguidor e sobre as conseqüências de não levar o movimento a sério (Q 14:11, 16-24, 26-27, 34-35). 

Se datarmos esse material em cerca de 50 C.E., na

altura dos primeiros vinte anos do movimento, podemos verificar

o que o povo de Jesus vinha fazendo. Eles estavam

profundamente envolvidos em definir, exatamente, o que

significava pertencer à escola de Jesus. Eles despenderam um

grande esforço intelectual para encontrar argumentos para um

determinado tipo de atitudes e ações consideradas fundamentais

para alcançar-se o reino de Deus.

Podemos definir o perfil do estilo de vida que eles

estavam recomendando?

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Se fizermos uma lista dos imperativos que estão próximos aos

núcleos das menores unidades de Q 1 podemos começar a

enxergar que um tipo de programa estava na mente dos

primeiros povos de Jesus. A lista inclui os seguintes imperativos

ou regras de comportamento: 

Ame os seus inimigos (Q 6:27); Se apanhar numa face ofereça a outra (Q 6:29); Dê a todos que pedem (Q 6:30); Não julgue e não sereis julgados (Q 6:37); Remova primeiro a trava do seu próprio olho (Q 6:42); Deixe os mortos enterrarem os seus mortos (Q 9:60); Eis que vos mando como cordeiros ao meio dos lobos (Q

10:3);Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias (Q 10:4); Dizei-lhes: É chegado o reino de Deus (Q 10:9); Pedi e dar-se-vos-á (Q 11:9); Não estejais apreensivo pela vossa vida (Q 12:22);Buscais antes, o reino de Deus (Q 12:31). 

Um programa com muito risco parecia estar em

andamento. Ricos, mau uso da autoridade e poder, hipocrisias e

pretensões, iniqüidades sociais e econômicas, injustiças e até

mesmo lealdades familiares normais estavam, inteiramente, sob

suspeita. O reino ideal estava sendo estabelecido em

antagonismo aos costumes tradicionais, através da orientação de

que os seguidores de Jesus deveriam praticar a pobreza

voluntária, o afastamento dos laços familiares, a renúncia de

bens, a coragem de falar e aplicar a não-retaliação.

Um tremendo programa. Fazia esse programa algum

sentido? 

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A resposta é afirmativa. O estilo de vida do povo de

Jesus guardava estrita semelhança com a tradição grega da

filosofia popular característica dos Cínicos. Os Cínicos também

promoveram um afrontoso estilo de vida como maneira de criticar

os costumes convencionais e os temas dos dois grupos, Cínicos

e povo de Jesus, eram bastante coincidentes. Os Cínicos

ajudaram ao homem comum ganhar alguma percepção sobre a

maneira como seu mundo funcionava, desta forma as pessoas

não encontraram problemas para entender o que o povo de

Jesus estava dizendo. 

A diferença entre o povo de Jesus e os Cínicos era a

seriedade com a qual o movimento de Jesus encarava a nova

visão social do reino de Deus. Isto era reflexo da preocupação

judaica por uma sociedade trabalhadora real, como sendo o

contexto necessário para qualquer bem-estar individual. Foi esse

interesse em explorar uma visão social alternativa que afastou o

movimento de Jesus de um mero apelo Cínico. Pode-se ainda

detectar algum humor do tipo Cínico no estilo aforístico das

citações:

"Porque onde estiver o vosso tesouro ali estará também

o vosso coração" (Q 12;34);

"Pode porventura o cego guiar o cego" (Q 6:39); "Porque

qualquer que pede recebe" (Q 11:10).

Assim a fase inicial dos movimentos de Jesus devem ter

sido caracterizada por um espírito mais brincalhão do que aquela

caracterizada pelo material Q 1 que chegou até nós. 

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Mas o processo de formação dos grupos, e a fase de agir

seriamente como grupos, estabeleceu uma atitude não-Cínica.

Todos os blocos do material de Q 1 revelam uma tentativa

estudada de expressar um claro conjunto de códigos para o

movimento de Jesus como uma formação social, códigos estes

que giravam em torno de definir quem, realmente, pertencia ao

reino. As instruções Q 10: 1-11, por exemplo, são direcionadas

para orientar um comportamento adequado quando se tivesse

que representar o movimento de Jesus em outra cidade. Estas

instruções, mostram que existia uma rede de pequenas

assembléias de grupos, que poderia ser considerada como

suporte ao movimento.

Assim, o período inicial de tentar um novo reino por

intermédio do estilo tipo Cínico, evoluiu para uma bem mais

complexa empreitada. O foco não estava somente no

estabelecimento de uma lista de códigos para definir um

verdadeiro discípulo, mas em estabelecer padrões para

reconhecimento e para os relacionamentos autênticos dentro da

comunidade dos companheiros seguidores de Jesus. A formação

social do povo de Jesus e a visão social do reino de Deus

começaram a se espelhar uma na outra. 

A motivação em Q 2 é, drasticamente, diferente. O

processo de formação social tinha pago o seu preço. Famílias

tinham sido separadas, um código de comportamento estrito

tinha sido estabelecido pelos demais Judeus para censurar ou

levar ao ostracismo o povo de Jesus, algumas cidades os

incitavam a se afastarem e alguns membros antigos decidiram

que o estresse era muito grande. A lealdade era nessa hora o

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

apelo principal, e alguns seguidores de Jesus tiveram que decidir

entra a família e o movimento. Aqueles que permaneceram fiéis,

a despeito das tensões sociais, encontraram novas razões para

dizer sim ao movimento de Jesus, mas a maioria dessas razões

era o lado secundário de argumentos extravagantes de

comparação com aqueles que eram considerados do lado errado.

"Mas ai de vós fariseus. Vocês são como sepulturas

bonitas por fora, mas cheia de poluição por dentro" (Q 11:42; cf

Mateus 23:27).

"E digo-vos que mais tolerância haverá naquele dia para

Sodoma do que para aquela cidade" (Q 10:12). 

Assim, ao invés do estilo de crítica social através dos

aforismos alegres, característico dos primeiros tempos de

experimentação social, ou mesmo do tom mais sério de instrução

que definiu o posterior desenvolvimento do povo de Jesus, a

comunidade Q adotou uma postura firmemente judicatória em

relação ao mundo. Pronunciamentos apocalípticos ameaçadores

do juízo final eram dirigidos contra aqueles que recusavam o

programa do reino. E assim o tempo para a completa realização

do reino foi adiado para o fim dos tempos (eschaton).

Os conflitos sociais refletidos em Q 2 provavelmente

tiveram lugar durante os anos 50 e 60, embora algumas das

citações são melhor entendidas como uma linguagem cunhada

nas sombras da guerra Romano-Judaica. Com este tipo de

linguagem soando em seus ouvidos, os escribas do movimento

de Jesus tiveram que rever seus manuais de instrução sobre

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Jesus. Eles mantiveram os livros antigos de instruções e

sabedoria ética que hoje identificamos como Q 1, porque esses

haviam se tornado em ensinamento padrão para a comunidade.

Mas adicionaram material judicatório e profético para promover o

enquadramento na nova motivação.

O novo manual foi arranjado de maneira cuidadosa,

tecendo o material apocalíptico e judicatório no conjunto primitivo

de instruções, dando a impressão que o material original tinha

sido preparado com o juízo final em mente.

Entretanto, dois problemas conceituais tinham que ser

resolvidos para que essa revisão fosse realizada. O primeiro era

o fato de que o povo de Jesus tinha se acostumado a encarar

Jesus como um mestre de sabedoria e agora tinham que

imaginá-lo como sendo também um profeta apocalíptico. Isto

requeria uma grande mudança na caracterização. O outro

problema era que, tendo experimentado um fracasso adiando a

realização de sua visão até a data da justificação, a comunidade

tinha agora a obrigação de estar bem segura de estar no

caminho certo. Isto requeria um horizonte de história bem mais

vasto do que a comunidade jamais tinha considerado ser

necessário. 

Ambos os problemas foram resolvidos com revisões

imaginativas da figura de Jesus e do seu papel na história épica

de Israel. Estas revisões foram engenhosas. O primeiro

movimento foi introduzir a figura de João Batista como profeta do

julgamento e pregador do arrependimento (Q 3:7-9).

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O segundo movimento foi João prever "aquele que virá"

quem ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com

fogo que nunca se apaga" (Q 3:16-17).

Então, esses escribas deixaram João e Jesus falarem um

sobre o outro para ver o que cada um sabia do outro (Q 7:18-19,

22-28, 31-35). Como os escribas imaginaram, Jesus reconhece

João como o último dos profetas de Israel e assim "aquele que

virá", e João previu um ainda "maior" para vir, o qual,

obviamente, era Jesus. Jesus era "maior", de acordo com os

escribas, porque ele era tanto um sábio como um profeta. Ele era

um sábio pelo virtuosismo de seus ensinamentos em Q 1 . Ele

era um profeta em virtude dos seus julgamentos apocalípticos

que breve seriam ouvidos de seus lábios. 

A possibilidade espantosa oferecida por essa simples

história imaginária era que, como filho da sabedoria, Jesus

poderia saber o que Deus teria desejado desde o início da

criação. E como um profeta apocalíptico ele poderia saber o que

aconteceria no final dos tempos. Resultado: Jesus tornou-se o

vidente da história passada e o profeta do fim da história. Seus

seguidores poderiam agora se sentirem seguros que eles

estavam, exatamente, onde deveriam estar, unidos com o grande

plano de Deus para Israel e prontos para assumir seus lugares

quando o julgamento final ocorresse. 

Esta solução engenhosa para seus problemas tem que

ser julgada como um golpe de gênio na criação do mito, não

importando o que se pense propriamente sobre o mito. Sobre o

João Batista histórico e sua relação com esse movimento, os

estudiosos ainda estão quebrando a cabeça entre várias opções.

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O fato importante para nossos propósitos é que João entrou na

cena da imaginação da comunidade Q sobre Jesus como um

segundo estágio na criação do mito, de maneira a redesenhar o

próprio papel de Jesus. 

As adições de Q 3 foram feitas algum tempo depois da

guerra Romano-Judaica. Elas incluem o lamento sobre

Jerusalém (Q 13:34-35), a estória da tentação de Jesus (Q 4:1-

13), afirmações sobre a importância da lei Mosaica (Q 16:16-18)

e a promessa final aos fiéis: "E vós sois os que tende

permanecido comigo sentareis no trono, julgando as doze tribos

de Israel" (Q 22:28-30). Q 3 não é uma grande revisão do

manual, mas introduz algumas novas idéias sobre o

relacionamento do povo de Q com a história de Israel, e elevou a

mitologia de Jesus ao nível de um ser divino que poderia ser

imaginado conversando com Deus como seu Pai e debatendo

com Satanás como seu tentador.

O Tópico em ambos os casos era a própria "autoridade

de Jesus sobre todo o mundo." (Q 4:6-7). Tudo parece crer que a

poeira do período Q 2 havia baixado e que o povo de Q teria

afinado o tom de suas respostas àqueles que lhes eram críticos.

Talvez a guerra tenha se encarregado dos antagonismos

primevos ou transformado a paisagem cultural tão drasticamente,

que a postura pré-guerra do movimento se apresentasse então

tola, mesmo para o povo de Jesus. 

Foi o livro de Q, no nível Q 3, que atraiu a atenção de

outros grupos de Jesus, foi então copiado e lido por outra

geração dentro dos movimentos de Jesus e, eventualmente,

incorporado nos evangelhos de Mateus e Lucas e se perdeu até

50

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

recentemente para a história, quando então os estudiosos o

reconstruíram. Historiadores da segunda corrente diferente de

Mack, considerando que se está apostando muitas fichas na

primeira camada de um documento não mais existente,

construído a partir de outros, Mateus e Lucas, escritos após meio

século e algumas revisões.

Estes historiadores consideram que o Jesus, mestre com

estilo dos Cínicos é inteiramente ausente nas epístolas do

primeiro século, e portanto, deveria ser examinada a

possibilidade de que esta camada de Q não pertencer a Jesus, e

sim ser o produto de algum reduto Cínico que teria encontrado

seu caminho dentro de algum movimento de pregação judaica na

Galiléia e somente mais tarde ter sido anexada à idéia de uma

figura histórica. Questionam, igualmente, a incongruente

mudança de motivação da camada Q 1 para a camada Q 2 , não

considerando adequadas as explicações de Mack, que as

atribuiu às tensões resultantes das rejeições. A visão

convencional do Cristianismo assumia uma visão apocalíptica no

início e, gradualmente, mudava para a linguagem da sabedoria

quando o mundo não acabava conforme se apregoava. Agora, a

seqüência estava disposta de maneira inversa. A mudança não

era mais da mensagem apocalíptica para o advento da instrução

e da sabedoria, mas da sabedoria para o apocalíptico.

Reafirmamos que esta mudança implica numa total

reconsideração das origens Cristãs e da maneira como a função

da linguagem apocalíptica foi entendida. 

Na minha opinião um forte componente corrobora essa

segunda corrente, trata-se do desinteresse da comunidade Q

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pelos destinos de seu fundador. Isto é certamente incrível. Se o

seu mestre e fundador tivesse sofrido o destino relatado em

Jerusalém, seria crível que a comunidade ignorasse isto ou

permanecesse ignorante do fato?

Um fato marcante a respeito da comunidade Q é que

eles não eram cristãos. Eles não encaravam Jesus como o

Messias ou o Cristo. Eles não consideravam sua morte como um

evento divino, trágico ou redentor. E eles não imaginavam que

ele iria ascender dos mortos para governar um mundo

transformado. ao contrário, eles pensavam nele como um mestre

cujos ensinamentos tornaria possível viver com verve naqueles

dias turbulentos. Assim eles não se reuniam para cultuar em seu

nome, honrá-lo como um deus, ou cultivar sua memória através

de hinos, orações e rituais. O povo de Q, era um povo de Jesus,

não cristãos. 

O desafio de Q ao conceito popular das origens do

cristianismo é claro. Se a visão convencional das origens do

cristianismo é correta, como explicar estes primeiros seguidores

de Jesus?

Teriam eles falhado quanto a compreender a

mensagem?

Estavam ausentes quando o inesperado aconteceu?

Teriam seguido em ignorância ou repúdio ao evangelho

cristão de salvação?

Se, entretanto, os primeiros seguidores de Jesus

entenderam o propósito de seu movimento tal qual Q o descreve,

como podemos explicar o surgimento do culto de Cristo, da

52

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

fantástica mitologia dos evangelhos narrativos, e o eventual

estabelecimento da igreja e religião cristã ?

Q força a questão de se repensar as origens do

cristianismo como nenhum outro documento da antiguidade

força. Os evangelhos narrativos não podem mais serem vistos

como relatos fidedignos dos raros e estupendos eventos

históricos na fundação da fé cristã. Os evangelhos, agora têm

que ser vistos como resultados da antiga fabricação de mitos

cristãos. Q força a questão, pois documenta uma história antiga

que não concorda com o relato dos evangelhos narrativos. 

Os pronunciamentos:

Segundo Burton L. Mack, os evangelhos sinóticos

incluem muitas estórias sobre Jesus que os especialistas

costumam chamar pronunciamentos. Jesus é descrito em uma

certa situação; alguém questiona o que ele está dizendo ou

fazendo; e Jesus dá uma resposta satírica, irônica e às vezes

mordaz. Em muitos casos estas estórias foram embelezadas

para descrever a situação, explicar porque a questão foi

levantada e discriminar os opositores. Mas mesmo se a

passagem se transforma em um diálogo, Jesus tem sempre a

última palavra, e freqüentemente uma longa narrativa pode ser

reduzida a uma simples troca de desafios e respostas. Vejamos

alguns exemplos, numerados para referência futura com J de

Jesus como prefixo: 

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

(J-1) Quando perguntado por que comia com os coletores de

impostos e os pecadores, Jesus respondeu, Aqueles que tem

saúde não precisam de médico." (Mar 2:17) 

(J-2) Quando perguntado porque seus discípulos não jejuavam,

Jesus respondeu, "Por acaso podem jejuar os amigos do noivo

enquanto o noivo estiver com eles?" (Mar 2:19) 

(J-3) Quando perguntado porque seus discípulos colhiam grãos

no sábado, Jesus respondeu, "O sábado foi feito para o homem e

não o homem para o sábado." (Mar 2:27) 

(J-4) Quando perguntado porque comiam com as mãos sem

lavar, Jesus respondeu, "Nada há fora do homem, que, entrando

nele o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que

contamina o homem." (Mar 7:15) 

(J-5) Quando perguntado quem era o maior, Jesus respondeu,

"Se alguém quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo

de todos." (Mar 9;35) 

(J-6) Quando alguém o chamou de "Bom Mestre," Jesus

retrucou, "Porque me chamas de bom?" (Mar 10:18) 

(J-7) Quando perguntado se o rico poderia entrar no reino de

Deus, Jesus respondeu, "É mais fácil passar um camelo por um

buraco de agulha, do que um rico entrar no reino de Deus." (Mar

10:25) 

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

(J-8) Quando alguém mostrou-lhe uma moeda com a inscrição de

César e perguntou, "É lícito pagar impostos a César ou não?

"Jesus respondeu, Dai a César o que é de César e a Deus o que

é de Deus." (Marc 12:17) 

(J-9) Quando uma mulher na multidão elevou sua voz e disse-lhe

"Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que

mamaste." Jesus respondeu, "Antes bem-aventurado os que

ouvem a palavra de Deus e a guardam." (Lu 11:27-28) 

(J-10) Quando alguém da multidão lhe disse, "Mestre, dize a meu

irmão que reparta comigo a herança," Jesus respondeu, "Homem

quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?" (Lu 12:13-

14) 

Estas estórias são bastante similares a um grande

número de anedotas contadas pelos Gregos sobre os fundadores

das várias escolas de filosofia. É evidente a propensão grega

pelas formulações rebuscadas, bem como pelo encantamento

com as réplicas inteligentes e com o humor satírico. Chamadas

de chreiai (úteis), anedotas como estas eram usadas para testar

professores, avaliando sua capacidade de manterem a

credibilidade diante de seus alunos, e de saírem incólumes de

situações desafiadoras.

Assim as chreiai eram "'úteis" para compor o que os

gregos chamavam uma "vida" (bios de onde retiramos

"biografia"). Isto é porque além do humor, havia outra importante

função para essas estórias. As chreiai eram capazes de revelar

55

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

uma impressão do caráter de um professor (ethos). As chreiai

criavam o que os especialistas chamam de uma situação

retórica, repleta de circunstâncias, oradores, discurso e

audiência. Isto significa que boas chreiai podem ser usadas para

representar uma escola de tradição. Pode-se verificar como as

chreiai foram postas a serviço das construções filosóficas, na

obra, Vida de Filósofos Eminentes, do escritor Diógenes Laércio,

no início do terceiro século. 

Anedotas do tipo das contadas sobre Jesus eram

freqüentes entre as tradições Socráticos e Cínicas. É portanto,

valioso comparar as estórias citadas com algumas anedotas

típicas dos Cínicos. Um jogo de escaramuças parece ter sido

jogado com os Cínicos por aqueles que tinham coragem para

enfrentá-los. Uma vez que os Cínicos viviam numa espécie de

alienação em relação à sociedade, demonstrando indiferença às

suas convenções mas na realidade totalmente dependentes dela

para seu viver, qualquer situação poderia servir para pegá-los em

uma armadilha.

O objetivo era flagrar o Cínico em uma atitude

inconsistente apontando a sua falta de completa independência

da sociedade. De maneira a vencer o desafio, o Cínico colocava

uma abordagem inteiramente diferente sobre a matéria deixando

a impressão de que o desafiador não tinha entendido a situação.

Vejamos alguns exemplos de Diógenes Laércio, numerados para

referência usando-se um C de Cínico: 

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

(C-1) Quando censurado pelo costume de andar em má

companhia, Aristenes respondeu, "Bem, os médicos atendem

seus pacientes sem pegar a febre." (DL 6:6) 

(C-2) Quando alguém disse a Aristenes, "Muitos elogiam você",

ele respondeu, "O que fiz de errado?" (DL 6:8) 

(C-3) Quando alguém desejava estudar com Diógenes, ele dava-

lhe um peixe e dizia para seguir atrás dele. Quando por

embaraço o estudante logo atirava o peixe fora deixando-o,

Diógenes ria e dizia, "Nossa amizade foi quebrada por um peixe"

(DL 6:36) 

(C-4) Quando alguém reprovava-o por freqüentar lugares

impuros, Diógenes respondia que o sol também entra nas

intimidades sem sair desonrado. (DL 6:63) 

(C-5) Quando perguntado porque suplicava a uma estátua,

Diógenes respondeu, "Para praticar em ser recusado" (DL 6:49) 

Os Gregos mediam a resposta pelo seu humor e

inteligência e uma certa lógica era envolvida em sair-se ileso do

anzol. Assim funcionava a lógica; um interlocutor colocava o

Cínico na berlinda (C-4): como você pode freqüentar lugares

socialmente inadequados (um eufemismo para casas de

prostituição)? O primeiro movimento era identificar a questão

enfatizada pelo desafio. Neste caso era a noção de ser

"contaminado" ao visitar um local "impuro", isto é, um local

57

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

socialmente inadequado. O segundo movimento era mudar o

foco e encontrar um exemplo de "entrada em local impuro" no

qual não havia contaminação. O sol, por exemplo, "entra" nas

intimidades sem ficar sujo.

A ausência inteligente de correlação entre os dois

exemplos criava o humor. Não havia o objetivo de um

ensinamento explícito. O interlocutor poderá, certamente, não se

vir a meditar sobre teorias de pureza ou impureza, mas ele

poderá muito bem se afastar rindo e deixar o Cínico seguir seu

caminho ou mesmo dar-se conta sobre a natureza arbitrária da

categorização de puro ou impuro quando usada para uma

circunstância social específica. Quanto ao Cínico, este tendo

aceito o desafio e tendo administrado a confusão momentânea

na lógica da situação foi capaz de escapar da armadilha. 

As anedotas atribuídas a Jesus operavam através da

mesma lógica. Em todos os casos os desvios Cínicos são uma

característica das réplicas de Jesus. As mudanças na ordem do

discurso são facilmente identificáveis.

Em J-1, a questão da contaminação é removida pela

mudança do foco das condutas de alimentação para a prática

médica. É muito parecida com a anedota sobre Aristenes em C-

1.

Em J-2 a discrepância tem relação com a ocasião na

qual o jejum é apropriado.

J-3 sustenta a distinção entre duas regras sobre o

trabalho nos sábados, uma a proscrição a outra a permissão.

Em J-4 a incongruência é criada pela justaposição de

condutas de alimentação com observações escatológicas. É

58

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

similar à resposta de Diógenes em C-4 confundindo

contaminação social com natural. As colocações em J-4 e J-5

sustentam a crítica a valores sociais comuns relacionados com a

classe social.

E a anedota de Jesus em J-10 é semelhante a um

grande número de anedotas Cínicas nas quais os estudantes são

duramente corrigidos por alguma má interpretação e conduzidos

de volta aos seus próprios recursos para enxergar melhor as

coisas e começar a estudar o método Cínico. Uma forma branda

desta posição do professor contra o futuro aluno é ilustrado em

C-3. 

Existem muitas chreiai de Jesus no evangelho de

Marcos. Em razão da forma que estas estórias terminam,

deixando com Jesus a última palavra, os especialistas

denominam essas passagens de estórias de pronunciamentos.

Marcos usava essas estórias com grande vantagem na

construção do seu evangelho, parcialmente porque elas se

constituíam nos blocos de construção para a "vida" (bios) que ele

queria escrever, parcialmente porque elas criavam um conflito, o

conflito básico da conspiração contra Jesus que Marcos queria

desenvolver e parcialmente porque este era o tipo de estória que

a própria comunidade de Marcos aprendera a contar sobre

Jesus.

Existem 28 estórias deste tipo no evangelho de Marcos.

Destas, doze estórias tratam de questões que dividiam o povo de

Jesus dos Fariseus. A maioria delas foi identificada pelos

estudiosos como estórias pré-Marcos, que foram contadas na

comunidade de Marcos antes de Marcos decidir usá-las na sua

59

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

vida de Jesus. Estas são as estórias que tem interesse para nós,

pois elas fazem um conjunto e podem ser usadas como janela

dentro de um ramo do movimento de Jesus que se opôs à

tradição da escola dos escribas e Fariseus. De acordo com a

velha tradição Grega, o povo de Jesus, da comunidade de

Marcos, imaginava Jesus como defensor de sua própria escola

de tradição e o pintavam contra os Fariseus dizendo chreiai . Isto

significava que eles se consideravam discípulos da Escola de

Jesus. 

A estória de pronunciamento que apresenta Jesus em

debate com os Fariseus todas endereçam questões que tem a

ver com a pureza. O conceito de pureza era básico para o

sistema social e de propriedade judeu. A partir de um grande

sistema legal, ético e da lei do sacrifício que foi desenvolvida

durante o período do segundo templo, os Fariseus tiveram

sucesso em separar uma pequena lista de práticas ritualistas que

eles poderiam realizar em casa. Isto, eles afirmavam, em estrita

observância das leis e tradições judaicas.

A lista incluía o dízimo, dar esmola, observância do

sábado (incluindo oração diária e um dia de jejum na semana),

limpeza (lavagem após atividades que traziam impurezas), regras

para as seleção e reparação da comida, regras a respeito das

pessoas com as quais se podia sentar à mesa.

Estas regras não deviam ser entendidas como leis,

porque os Fariseus não tinham autoridade oficial sobre nenhuma

instituição judaica. Elas eram sinais de piedade, de uma seita

progressiva engajada em redefinir o que significava ser Judeu à

sombra da destruição do templo. Elas eram, no entanto,

60

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

extremamente importantes para o reconhecimento de qualquer

judeu que desejava ser "puro", isto é, ser reconhecido na

comunidade judaica com leal às tradições dos judeus. 

Cabe aqui, para os que não estão familiarizados, uma

descrição de quem eram os Fariseus, erradamente há já algum

tempo, apresentados no linguajar de gíria brasileira, como uma

qualificação pejorativa. Tomando a descrição de Josefos (Guerra

dos Judeus 5:2) os Fariseus eram "um corpo dentro da

comunidade judaica que professava ser mais religioso que os

outros e pretendia explicar a lei mais precisamente".

Embora sejamos levados a pensar nos fariseus como

rigidamente ortodoxos eles eram, em certos aspectos, o

elemento progressivo no Judaísmo. De maneira a encontrar

novas condições após a queda do templo, os Fariseus se

colocaram a interpretar a lei. O desenvolvimento e manutenção

das sinagogas como um centro de adoração e instrução é uma

conquista dos Fariseus. Eles eram bastante admirados pelos

judeus que não eram filiados a nenhuma seita judaica. Os

Fariseus clamavam pela autoridade da fé e da instrução

enquanto os Saduceus, a classe alta da nobreza e de onde

saíam os sumos-sacerdotes, clamava por aquela do sangue e da

posição. 

Se fizermos uma lista das questões sob debate nas

estórias de pronunciamento da comunidade pré-Marcos o

resultado é uma notável correlação com as questões dos

Fariseus. Além das questões apontadas de J-1 a J-10 existe um

grande número de questões que se colocavam entre o povo de

Jesus e os Fariseus, tais como a legitimidade do divórcio, o

61

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pagamento de taxas, a lei Mosaica, a base da autoridade, os

sinais de honra e as causas das doenças e "espíritos impuros".

Portanto quer parecer que este ramo do movimento de

Jesus trabalhou sua autodefinição através de um violento debate

com os padrões Fariseus.

Porque isso? 

Mack explica isso afirmando que o cenário mais

adequado indica que alguns integrantes do povo de Jesus

continuaram a se considerar como judeus mesmo estando

inteiramente ligados no movimento de Jesus. Pode-se imaginar a

disseminação do movimento de Jesus nas regiões de Tiro e

Sidom onde uma das estórias de pronunciamento de Marcos

(Mar 7:24-30) foi elaborada. Alguns judeus atraídos pelo

movimento continuavam a participar da vida da sinagoga ou

pertenciam a famílias que continuavam. Naturalmente surgiram

conflitos com as próprias famílias e com os líderes das sinagogas

à respeito da lealdade às tradições judaicas.

Em certo momento as diferenças relativas principalmente

aos códigos de pureza Fariseu e as "impurezas" do povo de

Jesus tornaram-se uma questão crítica e algumas pessoas

tiveram que optar entre acompanhar o povo de Jesus ou desistir

da participação. Alguns relacionamentos familiares devem ter

ficado sob tensão. O grande problema era que ser "impuro" pelos

padrões Fariseus era justamente o ponto principal do

movimento. 

Embora as considerações de Mack sejam razoáveis ele

parece passar ao largo de um aspecto importante. O motivo da

62

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

resistência judaica aos Romanos era a religião judaica.

Igualmente o quadro apresentado no Novo Testamento é aquele

de uma instituição agregada ao "status quo". Não há indicação

no Novo Testamento de nenhum conflito entre a religião judaica e

o poder romano.

O objetivo claro dos evangelhos é apresentar a questão

revolucionária como sendo entre Jesus é o "Establishment"

judeu. O fato de existir uma Instituição Romana contra a qual

existiam forças revolucionárias é ocultado de maneira que a

instituição contra a qual Jesus se rebelava possa ser

representada como inteiramente judia. Existia é verdade, um

pequeno partido, os Saduceus, o quais eram colaboracionistas,

sustentavam a situação e aceitavam cargos oficiais sob os

romanos. O Sumo-sacerdote, propriamente, era Saduceu e é

importante que se note, era nomeado pelos romanos. Como

membro de uma minoria colaboracionista, ele era encarado com

suspeito pela grande massa da nação. A autoridade religiosa, no

entanto, não permanecia com os sacerdotes mas com um corpo

completamente diferente de pessoas, denominados Rabinos, os

líderes dos Fariseus.

Assim os evangelhos falham em não mostrar que com

relação ao povo a verdadeira instituição era o partido dos

Fariseus que sem posição de destaque político, cujos líderes

jamais receberam reconhecimento pelos romanos, constituía-se

na primeira e última resistência contra os romanos. A imagem

apresentada nos evangelhos sobre os Fariseus, colocando-os

como interessados apenas em salvaguardar suas posições é

inteiramente equivocada. 

63

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Assim Jesus tornou-se o mestre-fundador de um

movimento que trabalhou sua autodefinição no debate contra os

ensinamentos dos Fariseus. Isto nos dá um quadro

completamente diferente daquele mostrado pela comunidade Q,

ou como veremos, o povo de Tomé, a Congregação de Israel e

as colunas de Jerusalém. Um grupo particular do movimento de

Jesus investiu inocente e fortemente na idéia de pensar-se como

apto aos dois padrões, judaico e de Jesus.

Este grupo, e isto é uma questão da máxima relevância,

voltou-se para as práticas das escolas de tradição helenistas,

quanto a atribuir todas as razões para pensar da maneira que

pensavam, ao seu fundador. Eles não desenvolveram nenhuma

teoria ou mito da autoridade de Jesus como homem dvino,

salvador ou mártir da nova causa. Também, não desenvolveram

nenhuma visão apocalíptica de julgamento final ao final dos

tempos. O que fizeram, foi colocar Jesus no papel de legislador,

tal qual os escribas dos Fariseus, mas então desenvolveram sua

habilidade retórica de maneira a superar os escribas em seu

próprio jogo. 

Um instrumento excepcional surgiu quando este grupo

decidiu usar as anedotas de Jesus para registrar seu debate com

os escribas dos Fariseus. Quando se prepara uma chreiai os

argumentos são os de quem prepara não os dos protagonistas

da chreiai . Assim que o povo de Jesus desenvolveu as chreiai

com argumentos mais elaborados eles preferiram não tomar os

créditos pelos argumentos que encontraram. Ao invés, como na

tradição grega de atribuição de novos ensinamentos ao fundador

da escola, eles deixaram Jesus receber os créditos não só pelas

64

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

chreiai como pelos argumentos em seu favor. Isto resultou em

dar a Jesus dois pronunciamentos em cada chreiai elaborada,

com a última afirmação, invariavelmente, marcando um

pronunciamento da correção de seus pontos de vista.

Assim, ao final da chreiai sobre trabalho no sábado,

Jesus diz, "O sábado foi feito para o homem, não o homem para

o sábado". Assim, intencionalmente ou não, a Escola de Jesus

produziu uma auto-referência de autoridade para seu mestre-

fundador. 

No princípio esta caracterização de Jesus parece frágil,

se não tola, e a lógica da argumentação fraca. Mas, ao combinar-

se este estilo de auto-referência de Jesus com outros papéis

míticos para Jesus, resulta um símbolo de autoridade

extremamente impenetrável .

O evangelho de Marcos mostrará isto mais tarde. No

meio tempo, como pode a Escola de Jesus tomar seu espaço no

mundo, tendo se excluído de uma proeminente definição de

judaísmo, definição esta, que aparentemente, foi considerada

suficientemente importante, a ponto de se assumir muito

seriamente o desafio com os Fariseus?

Não sabemos dizer com certeza, pois temos apenas o

evangelho de Marcos como a próxima janela para dentro de seu

pensamento. Olhando através desta janela parece-nos que a

Escola de Jesus passou por um momento de desorientação e

ansiedade no processo de se tornar uma seita independente.

1 – Quando surgiram os Essênios:

65

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Estamos na Palestina.

Na terra dos Profetas, entre o primeiro século antes do

Cristo e o primeiro século após o Cristo, operam-se grandes

movimentos religiosos.

Agrupamentos diversos nascem da massa popular.

Encontra-se ai os zelotes, sicários, galileus, nazarenos,

batistas, levitas e outros grupos que nasciam por força de suas

aspirações religiosas.

Entre esses, um outro grupo do qual já se tinha

referência muito antiga, desde o lendário Egito, floresce ás

margens do Mar Morto, próximo de Jericó.

São os Essênios.

Entre os anos 150 a.C. e 70 d.C, aproximadamente, os

Essênios foram bem identificados, uma vez que viviam isolados

das demais comunidades, afastados da opulência de Jerusalém.

Preferiam o deserto da Judéia.

Ficaram poucos conhecidos, até o encontro dos

documentos do QUNRAM, no Mar Morto, a partir de 1974.

As ruínas de cinco mosteiros no deserto da Judéia são o

marco de sua existência em passado distante, além de outros

mosteiros dispersos por diversas regiões na Samaria e Galiléia.

2 – Noticias históricas:

Alguns historiadores famosos falam sobre os Essênios.

Entre eles, destacam-se Filon de Alexandria:

Os Essênios são como santos que habitam e muitas

aldeias e vilas da Palestina. Não se unem por clã familiar ou por

66

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

raça, mas sim por meio de associações voluntários, formadas

com intuito de melhor praticar a virtude e o amor entre as

criaturas humanas.

Nas suas casas jamais se houve grito ou tumulto. Cada

um, quando fala, cede a palavra ao outro. Este silêncio causa

grande impressão ao visitante.

Sabem eles moderar a cólera e conservar o equilíbrio.

Cumprem a palavra e sustentam a paz. O que dizem vale do que

um juramento um sacrilégio, porque só precisa jurar quem é

mentiroso.

Os que entram para a comunidade se comprometem a

não prejudicar ninguém; ser fiel com todos, especialmente com

os que tem poder, uma vez que ninguém ocupa cargos sem que

seja pela vontade de Deus.

Vivem muitos anos alcançando facilmente os cem,

possivelmente pela regularidade de vida. Suportam a dor,

fazendo-se fortes contra ela. Sabem que o corpo é perecível,

mas que a alma é imortal, vivendo ela no éter, de onde é atraída

para se ligar aos corpos como se estes fossem prisões.

Separadas da carne, libertam-se e elevam-se.

Muitos conseguem prever o futuro e é raro que se

enganem nas previsões.

Muitos não se casam, porque acreditam que matrimônio

é impedimento à vida simples. Outros, porém, afirmam que os

que não se casam recusam a melhor parte da vida, que é a

propagação da espécie.

A opinião do povo a respeito deles são pessoas

irrepreensíveis e excelentes.

67

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

3 – Aliança com Deus:

Os Essênios não concordavam com os doutores das leis,

que lideravam no templo de Salomão, quando ao sacrifício nas

oferendas no altar da raça.

Preferiam os rituais do batismo e o respeito aos

alimentos, que purificavam e comiam sempre em lugar especial.

Serviam o pão e o vinho, embora ocasionalmente

comessem carne.

A cadeira principal deixavam sempre vazia.

Reservaram-se, à espera do Messias.

Eles eram pacíficos.

Seus bens eram postos em comum e exigiam unidade

doutrinária.

Só falavam de uma espécie de guerra: a dos filhos da

Luz contra os filhos das Trevas, ambos muitos fortes,

empenhando-se em luta constante que se trava no interior de

cada criatura.

Embora descendentes dos hebreus, desligaram-se das

festas tradicionais do judaísmo, como a da Páscoa, dos

tabernáculos e outras mais. Transformaram a sua vida em

vivência litúrgica e não de detinham em inutilidades.

Viviam numa simplicidade muito rara entre as pessoas,

em todas as épocas.

A idéia da Aliança com Deus é profunda e rica entre os

Essênios, sendo, como realmente é, o centro de toda Bíblia,

68

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

porém no seu aspecto mais rico, ou seja, a Aliança como

expressão de amor.

4 – Ordens e afirmações:

Podemos encontrar os Essênios em duas diferentes

ordens: uma de vida monástica, junto ao Mar Morto, e outra

dispersa por toda a Palestina, Ásia e Alexandria, formando

grupos de dez filiados, cada um com um dirigente.

Os grupos próximos têm alguma interdependência,

chegando a somar cinqüenta ou cem.

No campo religioso, eles representaram o não

conformismo típico que combina uma inquietude interior com

disciplina quase fanática. São comparados aos primeiros

cristãos.

O Rei da Prússia, escrevendo a Voltaire, afirma: “Jesus

foi um Essênio”.

Gratz, em sua obra, afirma: “João Batista, era Essênio”.

Edmundo Wilson, jornalista do New York Times, em série

de reportagens sobre os documentos encontrados em 1947, no

Mar Morto, escreve: “O Convento, esse prédio de pedras, junto

ás águas amargas do Mar Morto, com seu forno, tinteiros e

piscinas sacras, túmulos, é, talvez, mais do que Belém e Nazaré,

o berço do cristianismo”

5 – Princípios:

69

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Os Essênios ensinam a piedade, santidade, vida familiar

e vida civil.

Ensinam a não jurar e não mentir.

Crêem que o homem é a causa de todo bem e de

nenhum mal.

O amor da virtude compreende desprendimento da

riqueza e estabilidade de tudo o que assegure bons costumes.

O amor aos homens exige benevolência, igualdade e

concórdia.

Ninguém possuí uma casa que não possa ser comum.

As vestes podem ser usadas por todos; o alimento para

todos é igual.

Os doentes sem recursos não ficam sem cuidados. Eles

têm, em comum, o que é necessário para tratá-los.

Respeitam os velhos e deles cuidam com suas próprias

mãos, como filhos gratos, ainda mesmo quando não sejam seus

próprios pais.

Habitam em aldeias, evitando as cidades pelas injustiças

a que seus habitantes estão acostumados.

Alguns trabalham na terra e outros nas artes, tornando-

se úteis a si e aos seus vizinhos. Não se preocupam em ajuntar

prata em ouro, nem grandes parcelas de terra para aumentar os

seus ganhos, contendendo-se com o que lhes forneça o

necessário para a vida.

Consideram grande abundância o Ter-se poucos desejos

e fáceis de serem satisfeitos.

Não há entre eles fabricantes de armas de guerra.

70

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Entre eles não há escravos; todos são livres; uns já

ajudam os outros. Condenam a escravidão, não apenas porque

destrói a igualdade, mas porque atenta contra o direito da

natureza que, como boa mãe, faz os homens irmãos, não apenas

de nome, mas na realidade.

Desprezam a lógica e as palavras complicadas como

inutilidades para adquirir virtudes. Preocupam-se, no entanto,

com a física e com a astronomia, quando estas ensinam a

existência de Deus e a origem do Universo.

Tem grande cuidado com a moral, tomando como guia as

leis dos antepassados.

Nos fins de semana estudam muito.

Um lê livros e o outro, entre os mais preparados, explica

aquilo que não foi facilmente compreensível, dada à simbologia

usada nos ensinamentos.

6 – Organização:

Os Essênios renovam no deserto de Judá, a experiência

vital da antiga peregrinação israelita nas planícies do Sinai. Sua

vida confirma o profeta Isaias(40.3): VOZ QUE CLAMA, NO

DESERTO, PREPAREI O CAMINHO DE SENHOR.

Entre eles estaria João, o Batista.

Historiadores da época se referem aos Essênios:

Eles se parecem com monges, estão sempre vestidos de

branco, com franjas azuis. Suas ocupações são de índole

71

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

prevalentemente espiritual, sempre com vistas à pureza pessoal.

E ao trabalho com Deus pelas comunidades.

Usam o Pentateuco (O Livro Sagrado) como base, o qual

utilizam com muito respeito. Afastam-se do mal e unem-se no

Torá (O Livro) e nos bens.

Obrigam-se, por compromisso solene, e avançar no

conhecimento.

Eles são destaques aos Instrutores, mais exigem que

estes sejam, igualmente, superiores nos costumes e nos

exemplos. Que pratiquem a Justiça, a Verdade, o Direito,

cultivando ânimo afável e modéstia. Que se mantenham de

espírito contrito, expiando as próprias faltas, pela prática da

justiça.

O poder do Instrutor independente de preparação

cultural. Assim, se não dor capaz de ensinar exemplificando,

qualquer leigo poderá desempenhar as suas funções.

Relatos mediúnicos dizem que a titulação – Essênios –

seria derivada de Essen, filho adotivo de Moisés, a quem o

legislador entregou o seu acervo para “continuidade da tarefa.”

Quanto ao fundador da comunidade, sabe-se apenas que era

conhecido por “Mestre da Justiça”.

 

7 – O Messias:

Antes dos manuscritos do Mar Morto serem encontrados,

dizia-se que todo povo judeu aguardava o Deus exclusivo da

Palestina. Contudo, após as revelações dos manuscritos, soube-

se que foi entre leis judeus Essênios que, pela primeira vez, se

72

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

ouvira falar na vinda do Messias Universal, que será Rei, mas

que todas as nações desfrutarão.

O cristianismo, nascido nesse período essênico, sofreu

as influências dessa época. Está patente, portanto, que os

Essênios foram ao que mais participaram na formação dessa

doutrina, o que pode ser visto pela sua conduta e também pelas

instruções que eram os que mais se assemelhavam àquelas

ensinadas por Jesus.

Os Essênios se espalhavam, também, por toda parte,

mesmo sem pertencer aos grupos definidos, afiliados apenas por

costumes e religiosidade.

O tema central Essênio dói sempre a Aliança, vivendo

com profundidade a gratidão. Sentem a manifestação de Deus,

não somente a propósito deles, mas de todos os homens do

mundo.

Poucos respeitam tanto a Aliança com Deus, como os

homens destes grupos.

8 – Origem dos cristãos:

Hempel, 1951, escreveu: Esclarecida a origem dos

cristãos. O cristianismo é apenas Essênio. Essênio ou cristão, dá

no mesmo.

Na terminologia, usos e costumes, característicos,

notam-se grandes semelhanças entre cristãos e Essênios.

Eis algumas:

73

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Jesus criticava os fariseus, igualmente como fazia João,

o Batista, e os Essênios. A maneira de expressão de João, o

Evangelista, André, Pedro, Natanael, era a forma comum entre

os Essênios.

Os Essênios pregavam a mansidão e a humildade, para

serem agradáveis a Deus. Foram essa, igualmente, lições e

exemplos dados por Jesus.

Os Essênios ensinavam o amor ao próximo como a si

mesmo. Jesus tratou o amor como fundamento entre as

criaturas.

Os Essênios ensinavam o amor ao próximo como a si

mesmo. Jesus tratou o amor como fundamento entre as

criaturas.

Os Essênios pregaram o “espírito da verdade” e a “vida

eterna”. Foram estas também palavras de Jesus.

Os Essênios falaram de um fundamento que não seria

abalado. Jesus chamou a Pedro de rocha que não seria abalada.

Os Essênios têm os hinos das “Bem Aventuranças”, a

idéia central usada por Jesus no Sermão do Monte.

Os Essênios se definem como membros da Aliança,

igualmente como se definiam os discípulos de Jesus. No

Qumran, onde viviam os Essênios, o conselho era formado por

doze membros, como doze foram os Apóstolos. A divisão do pão

e do Vinho pelo Superior, à hora da refeição, nos lembra Jesus.

Punham seus bens em comum. Assim também ensinou

Jesus quando desse ao jovem que o procurou: “Se queres ser

perfeito, vai, vende todas as tuas coisas e segue-me.”

74

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Jesus manteve o costume do batismo, prática normal

entre os Essênios.

Ambos, Essênios e cristãos, respiram o mesmo clima de

uma única matriz.

Toda história de Israel, sua evolução religiosa, é a base

do Novo Testamento. São derivados do mesmo tronco.

Podemos afirmar, com toda segurança, que os Essênios

prepararam o terreno para a sementeira e desenvolvimento do

cristianismo. Assim, a gratidão dos cristãos é por terem eles

facilitado o caminho.

Observa-se, agora, que os que quiseram ser os filhos da

Luz, e viver como tal, se apagaram quando chegou Aquele que é

a Luz Verdadeira, embora sem o terem, talvez, assim

reconhecido. Porém, mesmo depois que Jesus inaugurou no

Calvário a era de redenção, ainda por quarenta anos o vento

carregou as orações dessa comunidade.

Invadidos um dia pelas Legiões Romanas,

apressadamente os Essênios esconderam nas fendas e nas

grutas da região montanhosa, os seus escritos. Foram eles,

nessa invasão, mortos ou dispersos, para não mais voltar às

suas comunidades de trabalho e oração, que agora, descoberta,

põem nova luz na história das religiões.

Tinham, porem, já cumprindo a vocação, segundo Isaias:

“No deserto, preparei os caminhos do Senhor”.

75

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

O estudo dos primeiros movimentos cristãos está hoje

recebendo muita atenção dos especialistas e existe muito

material moderno desvendando esse passado, tão importante

para o mundo ocidental.

Tudo que sei, foi aprendido nas obras desses brilhantes

professores e estudiosos e apenas transponho aqui, em nosso

idioma, algumas dessas conclusões. Não considero nada como

de minha autoria, coloco em português as pesquisas que li,

estudei e que considero sérias e algumas questões necessitam

ser levantadas, posso estar com estes textos cometendo uma

serie de injustiças, principalmente com relação à figura de Jesus

Cristo, mas o sentido aqui exposto é de tentar mostrar, que após

a morte e sua ressurreição, os fatos podem ter sido manipulados.

Quando nos confrontamos com a idéia de escrever algo

sobre o Novo Testamento acabamos diante de uma situação

parecida com a conhecida estória do ovo de Colombo. O fato é,

que para a maioria das pessoas, o Novo Testamento é

apresentado como prova para o quadro convencional das origens

do cristianismo e o mesmo quadro convencional é tomado como

prova da maneira pela qual o Novo Testamento foi escrito.

O Novo Testamento é normalmente encarado como se

fosse um documento tipo carta-régia criado nos moldes de uma

constituição, como a nossa por exemplo. De acordo com essa

76

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

visão, todos os autores do documento estariam presentes na

aurora da nova religião, vivido os acontecimentos e

coletivamente escrito seus evangelhos com o propósito de lançar

as bases da Igreja Cristã que Jesus viera para inaugurar. No

entanto, a despeito dessa visão ser largamente disseminada, não

foi o que aconteceu.

Os especialistas localizaram os vários escritos do Novo

Testamento, em várias épocas diferentes e em várias localidades

num espaço de cem anos; das cartas de Paulo nos anos 50 do

primeiro século até os evangelhos de Marcos e Mateus nos anos

70 e 80, os evangelhos de Lucas e João no entorno da virada do

século e os Atos e outras cartas durante a metade do segundo

século indo até 140 ou 150 da Era Cristã.

Um outro complicador para a tradição é que os estudos

nos últimos 600 anos, e os avanços das pesquisas neste século

demonstraram, sem qualquer sombra de dúvida, de que com

exceção das sete cartas de Paulo e do livro das revelações,

escrito por um desconhecido João, os escritos selecionados para

inclusão no Novo Testamento, não foram escritos por aqueles

cujos nomes estão indicados. Muitos cristãos modernos

consideram este fato de difícil compreensão, pois se isso é

verdade, alguém está mentindo.

Uma boa maneira de entender este fenômeno é

considerar que:

- A maior parte da literatura nos primórdios da era Cristã

era anônima;

77

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

- Que o conceito de uma era apostólica pertence ao

segundo século;

- Que a posterior atribuição desta literatura, a nomes

associados com os apóstolos pode ser explicada de uma

maneira que não caracteriza desonestidade.

Não será fácil desmontar o quadro convencional, porque

os textos que deverão ser acessados estarão, intrinsecamente,

interligados com este quadro. Considere-se que os nomes que

temos para estes textos estão ligados às origens do mito do

Cristianismo e que não dispomos de outros nomes para

referenciá-los. Assim, teremos que nos referir a Marcos quando

nos referirmos ao "autor do evangelho de Marcos", e a Mateus

quando nos referirmos ao "autor do evangelho de Mateus". Existe

também uma outra razão pela qual não será fácil deixar de lado

este quadro convencional.

É que esta visão tradicional é suportada pela composição

do Novo Testamento e este tem sido o único conjunto de textos

disponível para imaginar e "documentar" este quadro, aliado ao

fato de que os cristãos investiram muito neste cenário e este

investimento tomou a forma de uma crença de que os

evangelhos são um relato histórico da verdade.

Aceitar o fato de que os cristãos antigos estiveram

engajados na elaboração de um mito, pode ser difícil para os

cristãos modernos. A conotação usual do termo mito é quase,

inteiramente, negativa e quando usada para descrever o

conteúdo dos evangelhos do Novo Testamento haverá,

certamente, um clamor. Isto porque, diferentemente, de quase

78

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

todos os mitos que começam com um, "era uma vez", o mito

cristão é colocado numa época e num local histórico. Portanto,

parece ser obrigatório a crença de que os eventos dos

evangelhos realmente aconteceram e que a estória não pode ser

um "mito".

Deve ser notado, e pode ajudar o entendimento, que:

- A montagem de mitos é uma atividade social normal e

necessária;

- Os mitos, elaborados pelos antigos cristãos são devido

mais a empréstimo e rearranjo de mitos admitidos como

verdadeiros, nas culturas do contexto, do que uma especulação,

simplesmente;

- Que os mitos que eles montaram faziam sentido, não

somente para sua época e circunstâncias, mas também pelas

experiências sociais das quais eles eram revestidos.

Como mitos podem fazer sentido?

E que tipo de sentido faz o mito cristão?

Esses são os desafios que temos para mostrar. E, para

vencermos este desafio, necessitaremos voltarmos no tempo,

investigarmos as condições dos primeiros movimentos cristãos

em relação ao rompimento da tradição dos fariseus e o grande

problema que os judeus tinham em mãos quando o segundo

templo foi destruído em 70 d.C. Não somente a sua história

antiga contida nos livros de "Moisés", mas também um imenso

edifício literário desde o período helenista documentava o

79

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

investimento intelectual dos judeus no estado-templo como

sendo esse o próprio objetivo da história humana, desde a

fundação do mundo.

Os cristãos também tinham um problema. Eles não

tinham o direito de assumir a história dos judeus como a sua

própria história. Mas os primeiros judeus-cristãos gostavam de se

sentir, eles mesmos, como o povo de Deus, herdeiros das

promessas de Israel, ou mesmo o novo Israel.

Comparem com o discurso atual da Igreja Universal do

Reino de Deus, que a partir de um crescimento espantoso, se

sente credenciada na comunidade evangélica, a representar um

novo Deus vivo, não o Deus da Bíblia, do passado, e assim,

reivindicar para o seu novo templo no Rio de Janeiro, sede

mundial, o título de templo do novo Israel. De certa forma, a

IURD está assumindo uma posição análoga aos primeiros

cristãos que rompiam com a antiga tradição, incluindo, em seu

ritual características únicas dentro das denominações

evangélicas.

Assim sendo, todos os primeiros mitos sobre Jesus,

simplesmente foram tentativas de pintá-lo, bem como seus

seguidores, com cores aceitáveis ao Israel épico. Mas essas

tentativas eram fantasiosas, de momento e incapazes de

competir com a lógica do épico judaico. O épico judaico era uma

história cujo objetivo era o estabelecimento do estado-templo e

não uma congregação cristã.

Quando o templo desabou, entretanto, e a lógica do épico

ficou em total desarranjo, os cristãos tiveram a chance de revisá-

lo em seu favor. Foi então que a revisão do épico judaico tornou-

80

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

se o maior foco para os primeiros redatores do mito cristão.

Exemplos disso podem ser vistos nos evangelhos do Novo

Testamento, todos eles iniciam suas estórias de Jesus ao final da

história de Israel. Isto aconteceu durante o fim do primeiro

século, período no qual a mitologia de Jesus como filho de Deus

brotou entre muitas comunidades cristãs. E então, do meio do

segundo século em diante o barulho começou. Tanto judeus

como cristãos queriam fazer a leitura da história de Israel em seu

favor e ambos necessitavam das escrituras judaicas.

OS MOVIMENTOS EM TORNO DE JESUS

Segundo Burton Mack, antes do estabelecimento do novo

culto em torno de Jesus, precisamos analisar os movimentos que

antecederam ao estabelecimento desse culto e que se

convencionou denominar de movimentos de Jesus. Neste ponto

é importante frisar duas correntes principais. A primeira na qual

Mack se encaixa que é a de considerar o nascimento destes

movimentos em torno da figura de uma pessoa histórica que

seria Jesus, embora Mack afirme não ser necessária a figura de

um Jesus Histórico para explicar estes grupos.

Nesta abordagem pode-se considerar que estamos

novamente diante do ovo de Colombo. Historiadores como Earl

Doherty, não aceitam essa posição, inclusive imputando Burton

Mack de culpa, por usar a própria estratégia que critica nos

historiadores ditos cristãos, embora seja ele mesmo, Mack, um

cristão. A outra corrente não aceita que esses movimentos

partiram de uma figura, no caso Jesus, e sim que todos esses

81

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

grupos, produzindo visões díspares entre si a partir de uma

matriz comum de ingredientes, acabaram por convergir numa

figura composta de um suposto fundador que refletia os vários

grupos sectários e que se tornou a corporificação de todos os

elementos do período.

Neste livro estaremos abordando a visão de Mack,

contrapondo as argumentações contrárias quando existentes e

sempre nos referiremos às citações, especialmente em Q e no

evangelho de Tomé, como sendo de Jesus, embora cientes que

muitas destas, senão a maioria, foi atribuída a Jesus como era do

costume das escolas no estilo grego de atribuir a sabedoria

evoluída, a seu fundador.

As culturas entraram em conflito nos tempos Greco-

Romanos, e o mediterrâneo Oriental explodia com uma mistura

pesada e volátil de povos, poderes e idéias. Três modelos de

sociedade estavam na cabeça de todos durante a era Greco-

Romana (segundo século Antes da Era Cristã até segundo

século E.C.); o antigo estado-templo Judeu, as cidades-estado

da Grécia (polis) e a república Romana.

A Galiléia foi governada pelos reis de Jerusalém somente

duas vezes nos mil anos que precederam a época de Jesus, por

breve período de tempo. No início dos reinos de David e

Salomão, por apenas 80 anos, posteriormente foi governada por

Tiro, Samária, Damasco, Assíria, Neo-Babilônia, Pérsia,

Ptolomeus, e Seleucidas antes de ser retomada pelos Judeus em

104. Não há nada que sugira que os Galileus estavam felizes

com essa anexação. O povo da Galiléia era Galileu e não Sírio,

Samaritano ou Judeu.

82

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Durante o período Helenista, A Galiléia foi introduzida na

linguagem, filosofia, arte e cultura Gregas, através da fundação

de cidades no modelo grego em localizações estratégicas acima

e abaixo do vale do rio Jordão, a leste do mar da Galiléia, ao

longo da costa marítima a oeste e, eventualmente, dentro da

própria Galiléia. Durante a época de Jesus havia cerca de doze

cidades Gregas dentro de um raio de 40 quilômetros de sua

cidade natal, Nazaré.

Sabemos, que a tentativa Grega de exportar Atenas foi

mal sucedida. Atenas, não era um produto de exportação. Ao

invés de realçar as grandes tradições da Grécia Clássica, as

cidades Helenistas geraram confusão ideológica e conflito

cultural. Desta maneira a mistura de povos, culturas e poderes

políticos era a característica mais óbvia e desafiadora daqueles

tempos.

Durante a dominação dos romanos o quadro não mudou,

pois embora estes sempre se mostrarem bons em manter a

ordem, e no desenvolvimento de melhorias com trabalhos

públicos, isto não era suficiente para criar uma cultura comum.

Nenhum dos povos subjugados era fascinado com a história,

religião e cultura romanas. Assim, a cidade do Tibre era

respeitada, mas não amada. Os romanos não inspiravam

lealdade e o império que criaram não tinha uma alma cultural. Lei

e ordem nunca foram suficientes para manter um povo

dançando.

O detalhamento do caldeirão cultural daqueles tempos

demandaria uma digressão fora do escopo deste pequeno livro e,

83

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

portanto, limitaremos a registrá-la, pois grande será o seu papel

na criação do mito cristão.

Jesus nasceu na Galiléia e aparentemente tinha alguma

educação a julgar por esses movimentos que o lembram como

seu fundador. Porém, é totalmente impossível relatar-se alguma

coisa dele como pessoa, e muito menos escrever sua biografia.

As "memórias" sobre ele diferem muito e todas possuem

características mitológicas e o melhor que se pode fazer é

ensaiar-se algumas conclusões, a partir dos ensinamentos

atribuídos a ele.

Estes ensinamentos pertencem aos movimentos que se

iniciaram em seu nome. Temos que inferir que tipo de mestre era

ele, a partir dos ensinamentos que foram desenvolvidos naqueles

movimentos. Ele com certeza tinha alguma intelectualidade,

porque os ensinamentos dos movimentos derivados dele são

carregados de idéias e pontos de vistas penetrantes. Ele não

criou um programa social para os outros seguirem ou uma

religião que sugerisse que os seguidores o considerassem um

Deus. Ele simplesmente falava coisas mais claras do que o

costume e fazia sentido quando falava da vida em seu mundo,

devendo com isto ter atraído outras pessoas, a juntarem-se ao

seu mundo.

O teor dessas falas pode ser visto nos ensinamentos de

Jesus que seus seguidores preservaram. Os ensinamentos são

na verdade uma coleção de aforismos sentenciosos, que

atingiram o coração das questões éticas. Uma análise profunda

desses aforismos revela uma interveniência de dois temas que

marcam a genialidade do movimento.

84

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O primeiro é um desafio bem humorado e irritante

destinado a empreender uma contracultura no estilo de vida.

Esses desafios eram lançados com toda seriedade, mas

marcados pelo humor. A mais próxima analogia desse tipo de

convite, para um tipo de vida fora da corrente principal, é

encontrada no discurso Cínico da época.

Um outro tema é o interesse em um conceito social

chamado "O Reino de Deus". Este conceito não foi trabalhado

com nenhuma clareza, mas da maneira como foi usado mostra

alguma coisa de visão social nos ensinamentos de Jesus. O

Reino de Deus referia-se a uma sociedade ideal, imaginada

como alternativa ao modo pelo qual o mundo estava vivendo sob

o domínio de Roma.

É interessante notar que, nesta fase, o Reino de Deus

dos ensinamentos de Jesus não era uma projeção apocalíptica

ou de um paraíso celeste de um desejo extramundo. Era

impulsionado por um desejo de imaginar de que deveria haver

uma melhor maneira de viver. Pelos aspectos culturais

mencionados acima a Galiléia parecia ser um lugar perfeito para

experimentos de crítica social, e tentativas de uma melhor

maneira de viver. Assim, os ensinamentos de Jesus podem ser

descritos como uma combinação criativa destes dois temas, ou

um desafio para os indivíduos explorarem uma noção de

alternativa social.

Se assim era, o gênio de Jesus foi deixar que a centelha

se difundisse entre duas sensibilidades culturais diferentes, a

Grega e a Semítica. Todos os ingredientes essenciais estavam

presentes: crítica social, visão alternativa social, soberania divina

85

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

e virtude pessoal. E, todavia, nada estava presente a não ser

idéias. Nada tinha sido explicitado. Tudo havia sido deixado para

mais conversas, conversas e experiências com as novas idéias.

E isto, foi exatamente, o que aconteceu. As conversas

sobre o Reino começaram com os ensinamentos de Jesus e

então atraíram cada vez mais pessoas. Não podemos saber ao

certo de que maneira esses grupos se formaram e como o

movimento do reino se espalhou de um lugar a outro. O que

sabemos é que, quando os escritos sobre Jesus começaram a

aparecer, as conversas sobre o reino resultaram na formação de

diferentes formas de associação. E então uma nova religião

começou a nascer.

Os movimentos de Jesus começaram na Galiléia, durante

os anos 30 e 40 do primeiro século da E.C. Grupos de pessoas

se juntaram em torno da combinação de três novas idéias que

estavam pairando no ar, desde a ruptura dos traços culturais

tradicionais da era Greco-Romana.

A combinação dessas três idéias gerava um grande

excitamento social.

A primeira era a noção vaga de uma sociedade perfeita

conceituada como um reino. Esta era uma noção usada por

muitos grupos para idealizar uma maneira melhor de viver. O

povo de Jesus se agarrou a esta idéia e agia como se o reino

que eles imaginavam fosse uma possibilidade real, a despeito

dos romanos. Eles o chamavam, de Reino de Deus.

A segunda idéia, era de que qualquer indivíduo, não

importasse seu extrato social, ou capacidade inata era talhado

para o reino. O povo de Jesus dizia: "venha, você pode, você

86

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pode viver como se pertencesse ao reino de Deus" e "Se você

vier, ou agir como tal, o reino de Deus, certamente, se espalhará

por todo o mundo".

A terceira idéia, era uma combinação das duas

anteriores. Consistia na idéia nova de que a mistura de povos,

era exatamente o que o reino de Deus deveria buscar.

Que poderoso conceito social deve ter formado esta

combinação de idéias, um corte nos limites sociais e culturais,

colocando abaixo um enorme apelo individualista com um

objetivo, inteiramente, social além de insistir que a ponte entre

um ideal inacreditável e sua materialização social poderia ser

construída.

E assim, o movimento de Jesus começou. Nos primeiros

quarenta anos somos capazes de identificar, pelo menos sete

correntes diferentes dentro do movimento de Jesus, embora elas

pudessem ser em um número bem maior. Temos sorte de

sabermos alguma coisa, pois esse era um período experimental

onde os grupos se expandiam tão, rapidamente, quanto

mudavam seus pontos de vista. No início, ninguém pensou em

registrar nada, além de existir muito pouco a registrar que não

fosse rumor ou conversa informal. O que temos escrito desse

período, chegou a nossos dias graças a uma combinação de

puro acidente histórico com a laboriosa investigação dos

estudiosos.

O acidente histórico consiste no fato de que algumas

tentativas de se escrever as coisas e compartilhar idéias foram

salvas, embelezadas e, eventualmente, retrabalhadas por

escritores posteriores, cujos escritos acabaram por serem

87

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

incluídos no Novo Testamento. Se isto não tivesse acontecido, a

maior parte do registro das memórias do primeiro período teriam

se perdido para sempre, porque nem os primeiros movimentos,

nem depois a igreja estavam interessados em manter essas

memórias antigas vivas.

Segundo Mack: do período inicial temos alguma

evidência documental que nos permite identificar cinco diferentes

grupos do povo de Jesus, além do grupo chamado "Família de

Jesus" do qual temos apenas algumas poucas indicações e a

Congregação de Cristo, que falaremos mais tarde. Mack se

refere aos cinco grupos, dentro do movimento de Jesus como:

- A Comunidade Q, a qual produziu Os Evangelhos de

citações Q;

- A Escola de Jesus, que produziu as estórias tipo

pronunciamentos pré-Marcos;

- Os Discípulos Verdadeiros, que produziram o evangelho

de Tomé.

- A Congregação de Israel, que produziu o conjunto de

estórias de milagres pré-Marcos;

- As Colunas de Jerusalém, sobre as quais, temos

apenas o relato de Paulo, na carta aos Gálatas.

Cada um destes grupos difere dos outros de forma

notável, mas todos eles compartilham algumas características.

Uma particularidade comum já foi indicada, qual seja o

investimento na idéia do Reino de Deus e o fato de todos

estarem engajados na formação de grupos. Outra característica

88

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

que eles podem ter compartilhado, embora de difícil

documentação em cada grupo, é a prática de reuniões para

fazerem refeições juntas e, obviamente, todos consideravam

Jesus como o fundador de seu movimento. Mas a despeito das

características comuns, cada grupo desenvolveu-se

diferentemente e as visões e práticas diferentes aplicadas são

umas evidências de que Jesus não legou um programa para o

lançamento de uma nova religião. A estrada de Jesus até a

religião Cristã que finalmente emergiu no quarto século, com o

mito de Jesus como filho de Deus solidamente colocado, é um

caminho longo e tortuoso. O Cristianismo não nasceu de uma

concepção imaculada. Foi o produto de miríades de momentos

de trabalho intelectual e negociação de acordos sociais, do povo

investido dessa experiência.

Esta descoberta tem sido difícil de ser aceita por muitos

Cristãos. Isto porque a idéia tradicional do começo do

Cristianismo coloca Jesus sabendo, antecipadamente, o que se

espera dele e dos seus discípulos, na tarefa de estabelecer a

religião Cristã. Nenhum grupo primitivo de Jesus encarava Jesus

como o Cristo, ou o próprio grupo como uma igreja Cristã. É

muito importante compreender que esses movimentos se

desenvolveram como escolas de pensamento, e não como

comunidades religiosas do tipo que se juntam em celebração ao

mito de Cristo. É muito importante nessa fase que o retrato de

Jesus mostrado nos evangelhos seja deixado de lado. Esta

imagem só ocorreu quando Marcos escreveu sua estória de

Jesus, depois da guerra Romano-Judaica.

89

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A COMUNIDADE Q

Segundo Burton L. Mack, os escritos da comunidade "Q"

são os primeiros registros que temos dos movimentos primitivos

de Jesus, e é um texto verdadeiramente precioso. Eles

documentam a história de um grupo específico do movimento

primitivo de Jesus, por um período de cerca de 50 anos, desde a

época em que Jesus tinha 20 anos até após a guerra Romano-

Judaica nos anos 70. O notável sobre este grupo é que ele se

desenvolveu dentro de uma comunidade, firmemente, interligada

e produziu uma vasta e grandiosa mitologia, simplesmente

atribuindo, mais e mais ensinamentos a Jesus. Eles não

precisaram imaginar Jesus no papel de um Deus ou contar

estórias sobre sua ressurreição dos mortos para honrá-lo como

um mestre. Em outras palavras eles não eram cristãos eram

simplesmente, uns grupos de Jesus.

OS ENSINAMENTOS DE “Q”

As camadas primitivas dos ensinamentos de Jesus em Q

são as menos interpoladas de todas as suas citações em

documentos existentes. Isto significa, que Q nos coloca mais

próximos do Jesus Histórico do que jamais poderemos estar.

Portanto, é enorme a importância de Q e do desafio

sobre a concepção popular das origens Cristãs é claro. Se a

visão convencional dos primórdios do Cristianismo está certa,

como podemos explicar esses pioneiros de Jesus. Será que não

90

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

entenderam a mensagem? Eram ignorantes do evangelho da

salvação ou os repudiavam?

Se, entretanto, os primeiros seguidores de Jesus

entendiam o propósito do movimento, da maneira descrita em Q,

como explicaremos a aparição dos cultos de Cristo, as

fantásticas mitologias dos evangelhos narrativos e o eventual

estabelecimento do culto e da religião Cristã?

Q nos força a repensar as origens do Cristianismo como

nenhum outro documento dos primeiros tempos. Após a

descoberta de Q, os evangelhos narrativos não poderia mais ser

visto como relatos dignos de confiança sobre os eventos

históricos que culminaram com o estabelecimento da fé Cristã.

Temos agora que considerar os evangelhos como resultados da

elaboração do primitivo mito Cristão. Como já dissemos, Q força

essa questão, porque não concorda com os relatos dos

evangelhos narrativos.

Q é oriundo da palavra alemã Quelle, que significa

"fonte". O texto obteve este nome quando historiadores

descobriram que tanto Mateus como Lucas usaram uma coleção

de citações de Jesus como uma de suas "fontes" para seus

evangelhos, sendo a outra fonte o evangelho de Marcos. Os

estudiosos sabiam a mais de 150 anos que alguma coisa como Q

tinha que ter existido, mas apenas recentemente tiveram a

certeza. Apesar de tudo, todos sabíamos qual o conteúdo do

documento porque os seus ensinamentos estavam lá, nos

evangelhos de Mateus e Lucas.

Uma vez que não tínhamos um manuscrito Q

independente que teria sido perdido na balbúrdia do início do

91

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

segundo século, um conhecimento profundo de Mateus e Lucas

seria necessário caso quiséssemos reconstruir o texto original

que eles tinham em comum. Foi uma surpresa, quando alguns

especialistas curiosos, começaram a reconstruir um texto

unificado e olharam Q como uma peça de literatura

independente, uma peça de literatura que tinha conduzido um

movimento de Jesus por meio século, antes de Mateus e Lucas

sequer pensarem em mesclá-lo com a estória de Marcos sobre

Jesus.

Um mundo Cristão, inteiramente, diferente veio à tona.

Uma vez que o texto de Q não é encontrado

separadamente, em nenhuma cópia do Novo Testamento,

teremos que nos referir ao seu conteúdo citando o capítulo e

versículo no evangelho de Lucas. A preferência de Lucas sobre

Mateus é devida ao fato de que Lucas não alterou a seqüência e

terminologia das citações tanto quanto Mateus alterou (assim Q

11:1-4 = Lucas 11:1-4).

Q coloca os primeiros povos de Jesus no foco, e o

quadro é tão diferente daquele que todos sempre imaginaram

que se torna surpreendente. Ao invés de pessoas se reunindo

para adorar um Cristo, como nas congregações Paulinas, ou

preocupando-se com o que significa ser um seguidor de um

mártir, como nas Comunidades de Marcos, o povo de Q estava,

completamente, dedicado às questões presentes sobre o Reino

de Deus e com o comportamento necessário para alguém

abraçá-lo seriamente.

Estudos recentes identificaram três camadas de material

de instrução em Q. Cada uma dessas camadas corresponde a

92

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

um estágio na história da comunidade Q. Isto permite rastrear a

história dos primeiros movimentos de Jesus acompanhando as

mudanças nas referências a respeito da idéias do Reino de

Deus. Nenhum outro texto ou conjunto de textos do primeiro

século nos preenche com as histórias inteiras de uma

comunidade "Cristã" primitiva. Os estudiosos agora se referem a

essas camadas como Q1, Q2 e Q3 .

A camada mais antiga, Q1, consiste, extensivamente, das

citações sobre a sabedoria de ser um verdadeiro seguidor de

Jesus. Q2, por outro lado, introduz pronunciamentos de

julgamentos proféticos e apocalípticos sobre aqueles que se

recusarem a ouvir os ensinamentos de Jesus. E, finalmente, Q3

registra uma retratação ao desgaste de encontros públicos para

tratar de idéias de paciência e piedade para os iluminados

enquanto esperam seu momento de glória num certo futuro no

fim da história humana.

Um fato notável sobre o material de Q é que ele advoga

por um estilo de vida evolucionário, transformando aforismos em

prescrições de comportamento. Uma injuriosa recriminação tal

qual "Deixa os mortos sepultarem os seus mortos, tu vai e

anuncia o reino de Deus", pode ser isolada no núcleo de um

pequeno aglomerado de citações, tornando-se um princípio de

comportamento adequado ao novo reino. Neste caso, o

comportamento recomendado é simplesmente o compromisso

com o reino (Q 9:57-62).

Podemos identificar sete temas no bloco Q:

93

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A maior unidade (Q 6:20-49) consiste de ensinamentos

de Jesus a respeito de a quem pertence o reino de Deus ("os

pobres, famintos, os que choram"), e como tratar os outros (“o

que quereis que os homens vos façam, fazei-lhes o mesmo a

eles"), e sobre julgamentos aos outros ("não julgueis e não sereis

julgados");

O segundo bloco de Q1 é sobre tornar-se um seguidor e

trabalhar para o reino de Deus (Q 9:57-10:11);

O terceiro é sobre ter confiança em pedir a Deus (o Pai)

(Q 11:1-13);

O quarto diz que não se deve ter temor de falar (Q 12:2-

7);

O quinto explica que não deve existir preocupação com

alimentação, vestuário e que o desejo por coisas pessoais é

tolice (Q 12:13-34);

O sexto ensina que como a semente e o fermento, o

reino de Deus crescerá (Q 13:18-21);

O sétimo fala sobre os encargos de ser um seguidor e

sobre as conseqüências de não levar o movimento a sério (Q

14:11, 16-24, 26-27, 34-35).

Se datarmos esse material em cerca de 50 d.C., na altura

dos primeiros vinte anos do movimento poderá se verificar, o que

o povo de Jesus vinha fazendo. Eles estavam profundamente

envolvidos em definir, exatamente, o que significava pertencer à

escola de Jesus. Com isto, eles despenderam um grande esforço

intelectual para encontrar argumentos para um determinado tipo

de atitudes e ações consideradas fundamentais para alcançar-se

o reino de Deus.

94

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Podemos definir o perfil do estilo de vida que eles

estavam recomendando? Se fizermos uma lista dos imperativos

que estão próximos aos núcleos das menores unidades de Q1

podemos começar a enxergar que um tipo de programa estava

na mente dos primeiros povos de Jesus.

A lista inclui os seguintes imperativos ou regras de

comportamento:

Ame os seus inimigos (Q 6:27);

Se apanhar numa face ofereça a outra (Q 6:29);

Dê a todos que pedem (Q 6:30);

Não julgue e não sereis julgados (Q 6:37);

Remova primeiro a trava do seu próprio olho (Q 6:42);

Deixe os mortos enterrarem os seus mortos (Q 9:60);

Eis que vos mando como cordeiros ao meio dos lobos (Q

10:3);

Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias (Q 10:4);

Dizei-lhes: É chegado o reino de Deus (Q 10:9);

Pedi e dar-se-vos-á (Q 11:9);

Não estejais apreensivos pela vossa vida (Q 12:22);

Buscais antes, o reino de Deus (Q 12:31).

Um programa com muitos riscos parecia estar em

andamento. Ricos, mau uso da autoridade e poder, hipocrisias e

pretensões, iniqüidades sociais e econômicas, injustiças e até

mesmo, lealdades familiares normais estavam, inteiramente, sob

suspeita. O reino ideal estava sendo estabelecido em

95

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

antagonismo aos costumes tradicionais, através da orientação de

que os seguidores de Jesus deveriam praticar a pobreza

voluntária, o afastamento dos laços familiares, a renúncia de

bens, a coragem de falar e aplicar a não-retaliação.

Um tremendo programa. Fazia esse programa algum

sentido?

A resposta é afirmativa. O estilo de vida do povo de

Jesus guardava estrita semelhança com a tradição grega da

filosofia popular característica dos Cínicos. Os Cínicos também

promoveram um afrontoso estilo de vida como maneira de criticar

os costumes convencionais e os temas dos dois grupos,

Cínicos e povo de Jesus, eram bastante coincidentes. Os

Cínicos ajudaram ao homem comum a ganhar alguma percepção

sobre a maneira como seu mundo funcionava, desta forma as

pessoas não encontraram problemas para entender o que o povo

de Jesus estava dizendo.

A diferença entre o povo de Jesus e os Cínicos era a

seriedade com a qual o movimento de Jesus encarava a nova

visão social do reino de Deus. Isto era reflexo da preocupação

judaica por uma sociedade trabalhadora real, como sendo o

contexto necessário para qualquer bem-estar individual. Foi esse

interesse em explorar uma visão social alternativa que afastou o

movimento de Jesus de um mero apelo Cínico. Pode-se ainda

detectar algum humor do tipo Cínico no estilo aforístico das

citações:

"Porque onde estiver o vosso tesouro ali estará também o

vosso coração" (Q 12;34);

96

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

"Pode porventura o cego guiar o cego" (Q 6:39);

"Porque qualquer que pede recebe" (Q 11:10).

Assim a fase inicial dos movimentos de Jesus devem ter

sido caracterizada por um espírito mais brincalhão do que aquela

caracterizada pelo material Q1 que chegou até nós.

Mas o processo de formação dos grupos, e a fase de agir

seriamente como grupos, estabeleceu uma atitude não-Cínica.

Todos os blocos do material de Q1 revelam uma tentativa

estudada de expressar um claro conjunto de códigos para o

movimento de Jesus como uma formação social, códigos estes

que giravam em torno de definir quem, realmente, pertencia ao

reino.

As instruções Q 10: 1-11, por exemplo, são direcionadas

para orientar um comportamento adequado quando se tivesse

que representar o movimento de Jesus em outra cidade. Estas

instruções mostram que existia uma rede de pequenas

assembléias de grupos, que poderia ser considerada como

suporte ao movimento. Assim, o período inicial de tentar um novo

reino por intermédio do estilo tipo Cínico, evoluiu para uma bem

mais complexa empreitada. O foco não estava somente no

estabelecimento de uma lista de códigos para definir um

verdadeiro discípulo, mas em estabelecer padrões para

reconhecimento e para os relacionamentos autênticos dentro da

comunidade dos companheiros seguidores de Jesus. A formação

social do povo de Jesus e a visão social do reino de Deus

começaram a se espelhar uma na outra.

97

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A motivação em Q2 é, drasticamente, diferente. O

processo de formação social tinha pagado o seu preço. Famílias

tinham sido separadas, um código de comportamento estrito

tinha sido estabelecido pelos demais Judeus para censurar ou

levar ao ostracismo o povo de Jesus, algumas cidades os

incitavam a se afastarem e alguns membros antigos decidiram

que o estresse era muito grande. A lealdade era nessa hora o

apelo principal, e alguns seguidores de Jesus tiveram que decidir

entre a família e o movimento. Aqueles que permaneceram fiéis,

a despeito das tensões sociais, encontraram novas razões para

dizer sim ao movimento de Jesus, mas a maioria dessas razões

era o lado secundário de argumentos extravagantes de

comparação com aqueles que eram considerados do lado errado.

"Mas ai de vós fariseus. Vocês são como sepulturas

bonitas por fora, mas cheia de poluição por dentro" (Q 11:42; cf

Mateus 23:27).

"E digo-vos que mais tolerância haverá naquele dia para

Sodoma do que para aquela cidade" (Q 10:12).

Assim, ao invés do estilo de crítica social através dos

aforismos alegres, característicos dos primeiros tempos de

experimentação social, ou mesmo do tom mais sério de instrução

que definiu o posterior desenvolvimento do povo de Jesus, a

comunidade Q adotou uma postura firmemente judicatória em

relação ao mundo. Pronunciamentos apocalípticos ameaçadores

do juízo final eram dirigidos contra aqueles que recusavam o

98

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

programa do reino. E assim o tempo para a completa realização

do reino foi adiado para o fim dos tempos (eschaton).

Os conflitos sociais refletidos em Q provavelmente

tiveram lugar durante os anos 50 e 60, embora algumas das

citações seriam de melhor entendimento como uma linguagem

cunhada nas sombras da guerra Romano-Judaica. Com este tipo

de linguagem soando em seus ouvidos, os escribas do

movimento de Jesus tiveram que rever seus manuais de

instrução sobre Jesus. Eles mantiveram os livros antigos de

instruções e sabedoria ética que hoje identificamos como Q,

porque esses haviam se tornado em ensinamento padrão para a

comunidade. Mas adicionaram material judicatório e profético

para promover o enquadramento na nova motivação. O novo

manual foi arranjado de maneira cuidadosa, tecendo o material

apocalíptico e judicatório no conjunto primitivo de instruções,

dando a impressão que o material original tinha sido preparado

com o juízo final em mente.

Entretanto, dois problemas conceituais tinham que ser

resolvidos para que essa revisão fosse realizada. O primeiro era

o fato de que o povo de Jesus tinha se acostumado a encarar

Jesus como um mestre de sabedoria e agora tinham que

imaginá-lo como sendo também um profeta apocalíptico. Isto

requeria uma grande mudança na caracterização.

O outro problema era que, tendo experimentado um

fracasso adiando a realização de sua visão até a data da

justificação, a comunidade tinha agora a obrigação de estar bem

segura de estar no caminho certo. Isto requeria um horizonte de

99

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

história bem mais vasto do que a comunidade jamais tinha

considerado ser necessário.

Ambos os problemas foram resolvidos com revisões

imaginativas da figura de Jesus e do seu papel na história épica

de Israel.

Estas revisões foram engenhosas.

O primeiro movimento foi introduzir a figura de João

Batista como profeta do julgamento e pregador do

arrependimento (Q 3:7-9).

O segundo movimento foi João prever "aquele que virá"

quem ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a palha com

fogo que nunca se apaga“. (Q 3:16-17).

Então, esses escribas deixaram João e Jesus falarem um

sobre o outro para ver o que cada um sabia do outro (Q 7:18-19,

22-28, 31-35). Como os escribas imaginaram, Jesus reconhece

João como o último dos profetas de Israel e assim "aquele que

virá", e João previu um ainda "maior" para vir, o qual,

obviamente, era Jesus. Jesus era "maior", de acordo com os

escribas, porque ele era tanto um sábio como um profeta. Ele era

um sábio pelo virtuosismo de seus ensinamentos em Q. Ele era

um profeta em virtude dos seus julgamentos apocalípticos que

breve seriam ouvidos de seus lábios.

A possibilidade espantosa oferecida por essa simples

história imaginária era que, como filho da sabedoria, Jesus

poderia saber o que Deus teria desejado desde o início da

criação. E como um profeta apocalíptico ele poderia saber o que

aconteceria no final dos tempos.

100

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Resultado: Jesus tornou-se o vidente da história passada e o profeta

do fim da história. Seus seguidores poderiam agora sentirem-se

seguros que eles estavam, exatamente, onde deveriam estar,

unidos com o grande plano de Deus para Israel e prontos para

assumir seus lugares quando o julgamento final ocorresse.

Esta solução engenhosa para seus problemas tem que

ser julgada como um golpe de gênio na criação do mito, não

importando o que se pense propriamente sobre o mito. Sobre o

João Batista histórico e sua relação com esse movimento, os

estudiosos ainda estão quebrando a cabeça entre várias opções.

O fato importante para nossos propósitos é que João entrou na

cena da imaginação da comunidade Q sobre Jesus como um

segundo estágio na criação do mito, de maneira a redesenhar o

próprio papel de Jesus.

As adições de Q foram feitas algum tempo depois da

guerra Romano-Judaica. Elas incluem o lamento sobre

Jerusalém (Q 13:34-35), a estória da tentação de Jesus (Q 4:1-

13), afirmações sobre a importância da lei Mosaica (Q 16:16-18)

e a promessa final aos fiéis:

"E vós sois os que tende permanecido comigo sentareis

no trono, julgando as doze tribos de Israel" (Q 22:28-30).

Q não é uma grande revisão do manual, mas introduz

algumas novas idéias sobre o relacionamento do povo de Q com

a história de Israel, e elevou a mitologia de Jesus ao nível de um

101

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

ser divino que poderia ser imaginado conversando com Deus

como seu Pai e debatendo com Satanás como seu tentador. O

Tópico em ambos os casos era a própria "autoridade de Jesus

sobre todo o mundo" (Q 4:6-7).

Tudo parece crer que a poeira do período Q2 havia

baixado e que o povo de Q teria afinado o tom de suas respostas

àqueles que lhes eram críticos. Talvez a guerra tenha se

encarregado dos antagonismos primitivos ou transformado a

paisagem cultural tão drasticamente, que a postura pré-guerra do

movimento se apresentasse então tola, mesmo para o povo de

Jesus.

Foi o livro de Q, no nível Q3, que atraiu a atenção de

outros grupos de Jesus, foi então copiado e lido por outra

geração dentro dos movimentos de Jesus e, eventualmente,

incorporado nos evangelhos de Mateus e Lucas e se perdeu até

recentemente para a história, quando então os estudiosos o

reconstruíram.

Historiadores da segunda corrente diferente de Mack,

considerando que se está apostando muitas fichas na primeira

camada de um documento não mais existente, construído a partir

de outros, Mateus e Lucas, escritos após meio século e algumas

revisões. Estes historiadores consideram que o Jesus, mestre

com o estilo dos Cínicos, é inteiramente ausente nas epístolas do

primeiro século, e, portanto, deveria ser examinada a

possibilidade de que esta camada de Q não pertencesse a

Jesus, e sim ser o produto de algum reduto Cínico que teria

encontrado seu caminho dentro de algum movimento de

102

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pregação judaica na Galiléia e somente mais tarde teria sido

anexada à idéia de uma figura histórica.

Questionam, igualmente, a incongruente mudança de

motivação da camada Q1 para a camada Q2, não considerando

adequadas às explicações de Mack, que as atribuiu às tensões

resultantes das rejeições. A visão convencional do Cristianismo

assumia uma visão apocalíptica no início e, gradualmente,

mudava para a linguagem da sabedoria quando o mundo não

acabava conforme se apregoava. Agora, a seqüência estava

disposta de maneira inversa. A mudança não era mais da

mensagem apocalíptica para o advento da instrução e da

sabedoria, mas da sabedoria para o apocalíptico.

Reafirmamos que esta mudança implica numa total

reconsideração das origens Cristãs e da maneira como a função

da linguagem apocalíptica foi entendida.

Na minha opinião um forte componente corrobora essa

segunda corrente, trata-se do desinteresse da comunidade Q

pelos destinos de seu fundador. Isto é certamente incrível. Se, o

mestre e fundador tivesse sofrido o destino relatado em

Jerusalém, seria crível que a comunidade ignorasse isto ou

permanecesse ignorante do fato?

Um fato marcante a respeito da comunidade Q é que eles

não eram cristãos. Eles não encaravam Jesus como o Messias

ou o Cristo. Eles não consideravam sua morte como um evento

divino, trágico ou redentor. E eles não imaginavam que ele fosse

ascender dos mortos para governar um mundo transformado. Ao

contrário, eles pensavam nele como um mestre cujos

ensinamentos tornaria possível viver com verve naqueles dias

103

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

turbulentos. Assim eles não se reuniam para cultuar em seu

nome, honrá-lo como um deus, ou cultivar sua memória através

de hinos, orações e rituais. O povo de Q, era um povo de Jesus,

não cristãos.

O desafio de Q ao conceito popular das origens do

cristianismo é claro. Se a visão convencional das origens do

cristianismo é correta, como explicar estes primeiros seguidores

de Jesus?

Teriam eles falhado quanto a compreender a mensagem?

Estavam ausentes quando o inesperado aconteceu?

Teriam seguido em ignorância ou repúdio ao evangelho

cristão de salvação?

Se, entretanto, os primeiros seguidores de Jesus

entenderam o propósito de seu movimento tal qual Q o descreve,

como podemos explicar o surgimento do culto de Cristo, da

fantástica mitologia dos evangelhos narrativos, e o eventual

estabelecimento da igreja e religião cristã?

Q força a questão de se repensar às origens do

cristianismo como nenhum outro documento da antiguidade

força. Os evangelhos narrativos não podem mais ser visto como

relatos fidedignos dos raros e estupendos eventos históricos na

fundação da fé cristã. Os evangelhos, agora teriam que serem

vistos como resultados da antiga fabricação de mitos cristãos.

Q força a questão, pois documenta uma história antiga

que não concorda com o relato dos evangelhos narrativos.

OS PRONUNCIAMENTOS

104

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Segundo Burton L. Mack, os evangelhos sinóticos

incluem muitas estórias sobre Jesus que os especialistas

costumam chamar pronunciamentos. Jesus é descrito em uma

certa situação; alguém questiona o que ele está dizendo ou

fazendo; e Jesus dá umas respostas satíricas, irônicas e às

vezes mordazes. Em muitos casos estas estórias foram

embelezadas para descrever a situação, explicar porque a

questão foi levantada e discriminar os opositores. Mas mesmo se

a passagem se transformar em um diálogo, Jesus tem sempre a

última palavra, e freqüentemente uma longa narrativa pode ser

reduzida a uma simples troca de desafios e respostas.

Vejamos alguns exemplos, numerados para referência

futura com J de Jesus como prefixo:

(J-1) Quando perguntado por que comia com os coletores de

impostos e os pecadores, Jesus respondeu, Aqueles que tem

saúde não precisam de médico”. (Mar 2:17).

(J-2) Quando perguntado porque seus discípulos não jejuavam,

Jesus respondeu, "Por acaso podem jejuar os amigos do noivo

enquanto o noivo estiver com eles?" (Mar 2:19).

(J-3) Quando perguntado porque seus discípulos colhiam grãos

no sábado, Jesus respondeu, "O sábado foi feito para o homem e

não o homem para o sábado" (Mar 2:27).

(J-4) Quando perguntado porque comiam com as mãos sem

105

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

lavar, Jesus respondeu, "Nada há fora do homem, que, entrando

nele o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que

contamina o homem" (Mar 7:15).

(J-5) Quando perguntado quem era o maior, Jesus respondeu,

"Se alguém quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo

de todos". (Mar 9;35).

(J-6) Quando alguém o chamou de "Bom Mestre", Jesus

retrucou, "Porque me chamas de bom?" (Mar 10:18).

(J-7) Quando perguntado se o rico poderia entrar no reino de

Deus, Jesus respondeu, "É mais fácil passar um camelo por um

buraco de agulha, do que um rico entrar no reino de Deus". (Mar

10:25).

(J-8) Quando alguém lhe mostrou uma moeda com a inscrição de

César e perguntou, "É lícito pagar impostos a César ou não?

Jesus respondeu, Dai a César o que é de César e a Deus o que

é de Deus". (Marc 12:17).

(J-9) Quando uma mulher na multidão elevou sua voz e disse-lhe

"Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que

mamaste". Jesus respondeu, "Antes bem-aventurado os que

ouvem a palavra de Deus e a guardam". (Lu 11:27-28).

(J-10) Quando alguém da multidão lhe disse, "Mestre, dize a meu

irmão que reparta comigo a herança". Jesus respondeu, "Homem

106

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?". (Lu 12:13-

14).

Estas estórias são bastante similares a um grande

número de anedotas contadas pelos Gregos sobre os fundadores

das várias escolas de filosofia. É evidente a propensão grega

pelas formulações rebuscadas, bem como pelo encantamento

com as réplicas inteligentes e com o humor satírico. Chamadas

de chreiai (úteis), anedotas como estas eram usadas para testar

professores, avaliando sua capacidade de manterem a

credibilidade diante de seus alunos, e de saírem incólumes de

situações desafiadoras.

Assim as chreiai eram "'úteis" para compor o que os

gregos chamavam uma "vida" (bios de onde retiramos

"biografia"). Isto é porque além do humor, havia outra importante

função para essas estórias. As chreiai eram capazes de revelar

uma impressão do caráter de um professor (ethos). As chreiai

criavam o que os especialistas chamam de uma situação

retórica, repleta de circunstâncias, oradores, discurso e

audiência. Isto significa que boas chreiai podem ser usadas para

representar uma escola de tradição. Podem-se verificar como as

chreiai foram postas a serviço das construções filosóficas, na

obra, Vida de Filósofos Eminentes, do escritor Diógenes Laércio,

no início do terceiro século.

Anedotas do tipo das contadas sobre Jesus eram

freqüentes entre as tradições Socráticas e Cínicas. É, portanto,

valioso comparar as estórias citadas com algumas anedotas

típicas dos Cínicos.

107

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Um jogo de escaramuças parece ter sido jogado com os

Cínicos por aqueles que tinham coragem para enfrentá-los. Uma

vez que os Cínicos viviam numa espécie de alienação em

relação à sociedade, demonstrando indiferença às suas

convenções, mas, na realidade totalmente dependentes dela

para seu viver, qualquer situação poderia servir para pegá-los em

uma armadilha. O objetivo era flagrar o Cínico, em uma atitude

inconsistente, apontando a sua falta de completa independência

da sociedade. De maneira a vencer o desafio, o Cínico colocava

uma abordagem inteiramente diferente sobre a matéria deixando

a impressão de que o desafiador não tinha entendido a situação.

Vejamos alguns exemplos de Diógenes Laércio,

numerados para referência usando-se um C de Cínico:

(C-1) Quando censurado pelo costume de andar em má

companhia, Aristenes respondeu, "Bem, os médicos atendem

seus pacientes sem pegar a febre." (DL 6:6).

(C-2) Quando alguém disse a Aristenes, "Muitos elogiam você",

ele respondeu, "O que fiz de errado?". (DL 6:8).

(C-3) Quando alguém desejava estudar com Diógenes, ele dava-

lhe um peixe e dizia para seguir atrás dele. Quando por

embaraço o estudante logo atirava o peixe fora o deixando,

Diógenes ria e dizia, "Nossa amizade foi quebrada por um peixe"

(DL 6:36)

(C-4) Quando alguém o reprovava por freqüentar lugares

108

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

impuros, Diógenes respondia que o sol também entra nas

intimidades sem sair desonrado. (DL 6:63).

(C-5) Quando perguntado porque suplicava a uma estátua,

Diógenes respondeu, "Para praticar em ser recusado". (DL 6:49).

Os Gregos mediam a resposta pelo seu humor e

inteligência e uma certa lógica era envolvida em sair-se ileso do

anzol. Assim funcionava a lógica; um interlocutor colocava o

Cínico na berlinda (C-4): como você pode freqüentar lugares

socialmente inadequados (um eufemismo para casas de

prostituição)? O primeiro movimento era identificar a questão

enfatizada pelo desafio.

Neste caso era a noção de ser "contaminado" ao visitar

um local "impuro", isto é, um local socialmente inadequado. O

segundo movimento era mudar o foco e encontrar um exemplo

de "entrada em local impuro" no qual não havia contaminação. O

sol, por exemplo, "entra" nas intimidades sem ficar sujo. A

ausência inteligente de correlação entre os dois exemplos criava

o humor. Não havia o objetivo de um ensinamento explícito. O

interlocutor poderá, certamente, não se vir a meditar sobre

teorias de pureza ou impureza, mas ele poderá muito bem se

afastar rindo e deixar o Cínico seguir seu caminho ou mesmo

dar-se conta sobre a natureza arbitrária da categorização de puro

ou impuro quando usada para uma circunstância social

específica.

109

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Quanto ao Cínico, este tendo aceitado o desafio e tendo

administrado a confusão momentânea na lógica da situação foi

capaz de escapar da armadilha.

As anedotas atribuídas a Jesus operavam através da

mesma lógica. Em todos os casos os desvios Cínicos são uma

característica das réplicas de Jesus. As mudanças na ordem do

discurso são facilmente identificáveis.

Em J-1, a questão da contaminação é removida pela

mudança do foco das condutas de alimentação para a prática

médica. É muito parecida com a anedota sobre Aristenes em C-

1.

Em J-2 a discrepância tem relação com a ocasião na qual

o jejum é apropriado.

J-3 sustenta a distinção entre duas regras sobre o

trabalho nos sábados, uma a proscrição a outra a permissão.

Em J-4 a incongruência é criada pela justaposição de

condutas de alimentação com observações escatológicas.

É similar à resposta de Diógenes em C-4 confundindo

contaminação social com natural.

As colocações em J-4 e J-5 sustentam a crítica a valores

sociais comuns relacionados com a classe social.

E a anedota de Jesus em J-10 é semelhante a um grande

número de anedotas Cínicas nas quais os estudantes são

duramente corrigidos por alguma má interpretação e conduzidos

de volta aos seus próprios recursos para poderem enxergar

melhor a coisa, e, começarem a estudar o método Cínico.

Uma forma branda desta posição do professor contra o

futuro aluno é ilustrada em C-3.

110

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Existem muitas chreiai de Jesus no evangelho de

Marcos. Em razão da forma que estas estórias terminam,

deixando com Jesus a última palavra, os especialistas

denominam essas passagens de estórias de pronunciamentos.

Marcos usava essas estórias com grande vantagem na

construção do seu evangelho, parcialmente porque elas se

constituíam nos blocos de construção para a "vida" (bios) que ele

queria escrever, parcialmente porque elas criavam um conflito, o

conflito básico da conspiração contra Jesus que Marcos queria

desenvolver e parcialmente porque este era o tipo de estória que

a própria comunidade de Marcos aprendera a contar sobre

Jesus.

Existem 28 estórias deste tipo no evangelho de Marcos.

Destas, doze estórias tratam de questões que dividiam o povo de

Jesus dos Fariseus. A maioria delas foi identificada pelos

estudiosos como estórias pré-Marcos, que foram contadas na

comunidade de Marcos antes de Marcos decidir usá-las na sua

vida de Jesus. Estas são as estórias que tem interesse para nós,

pois elas fazem um conjunto e podem ser usadas como janela

dentro de um ramo do movimento de Jesus que se opôs à

tradição da escola dos escribas e Fariseus.

De acordo com a velha tradição Grega, o povo de Jesus,

da comunidade de Marcos, imaginava Jesus como defensor de

sua própria escola de tradição e o pintavam contra os Fariseus

dizendo chreiai. Isto significava que eles se consideravam

discípulos da Escola de Jesus.

As estórias de pronunciamentos que apresentam Jesus

em debate com os Fariseus todas endereçam questões que tem

111

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

a ver com a pureza. O conceito de pureza era básico para o

sistema social e de propriedade judeu. A partir de grandes

sistemas legais, éticos e da lei do sacrifício que foi desenvolvida

durante o período do segundo templo, os Fariseus tiveram

sucesso em separar uma pequena lista de práticas ritualistas que

eles poderiam realizar em casa. Isto, eles afirmavam, em estrita

observância das leis e tradições judaicas.

A lista incluía o dízimo, dar esmola, observância do

sábado (incluindo oração diária e um dia de jejum na semana),

limpeza (lavagem após atividades que traziam impurezas), regras

para as seleção e separação da comida, regras a respeito das

pessoas com as quais se podia sentar à mesa. Estas regras não

deviam ser entendidas como leis, porque os Fariseus não tinham

autoridade oficial sobre nenhuma instituição judaica. Elas eram

sinais de piedade, de uma seita progressiva engajada em

redefinir o que significava ser Judeu à sombra da destruição do

templo. Elas eram, no entanto, extremamente importantes para o

reconhecimento de qualquer judeu que desejava ser "puro", isto

é, ser reconhecido na comunidade judaica como leal às tradições

dos judeus.

Cabe aqui, para os que não estão familiarizados, uma

descrição de quem eram os Fariseus, erradamente há já algum

tempo, apresentados no linguajar de gíria brasileira, como uma

qualificação pejorativa. Tomando a descrição de Josefos (Guerra

dos Judeus 5:2) os Fariseus eram "um corpo dentro da

comunidade judaica que professava ser mais religioso que os

outros e pretendia explicar a lei mais precisamente". Embora

sejamos levados a pensar nos fariseus como rigidamente

112

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

ortodoxos eles eram, em certos aspectos, o elemento

progressivo no Judaísmo. De maneira a encontrar novas

condições após a queda do templo, os Fariseus se colocaram a

interpretar a lei. O desenvolvimento e manutenção das sinagogas

como um centro de adoração e instrução é uma conquista dos

Fariseus. Eles eram bastante admirados pelos judeus que não

eram filiados a nenhuma seita judaica. Os Fariseus clamavam

pela autoridade da fé e da instrução enquanto os Saduceus, a

classe alta da nobreza e de onde saíam os sumos-sacerdotes,

clamava por aquela do sangue e da posição.

Se fizermos uma lista das questões sob debate nas

estórias de pronunciamento da comunidade pré-Marcos o

resultado é uma notável correlação com as questões dos

Fariseus. Além das questões apontadas de J-1 a J-10 existe um

grande número de questões que se colocavam entre o povo de

Jesus e os Fariseus, tais como a legitimidade do divórcio, o

pagamento de taxas, a lei Mosaica, a base da autoridade, os

sinais de honra e as causas das doenças e "espíritos impuros".

Portanto quer parecer que este ramo do movimento de Jesus

trabalhou sua autodefinição através de um violento debate com

os padrões Fariseus. Porque isso?

Mack explica isso afirmando que o cenário mais

adequado indica que alguns integrantes do povo de Jesus

continuaram a se considerar como judeus mesmo estando

inteiramente ligados no movimento de Jesus. Pode-se imaginar a

disseminação do movimento de Jesus nas regiões de Tiro e

Sidom onde uma das estórias de pronunciamento de Marcos

(Mar 7:24-30) foi elaborada. Alguns judeus atraídos pelo

113

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

movimento continuavam a participar da vida da sinagoga ou

pertenciam a famílias que continuavam. Naturalmente surgiram

conflitos com as próprias famílias e com os líderes das sinagogas

à respeito da lealdade às tradições judaicas. Em certo momento

as diferenças relativas principalmente aos códigos de pureza

Fariseu e as "impurezas" do povo de Jesus tornaram-se uma

questão crítica e algumas pessoas tiveram que optar entre

acompanhar o povo de Jesus ou desistir da participação. Alguns

relacionamentos familiares devem ter ficado sob tensão. O

grande problema era que ser "impuro" pelos padrões Fariseus

era justamente o ponto principal do movimento.

Embora as considerações de Mack sejam razoáveis ele

parece passar ao largo de um aspecto importante. O motivo da

resistência judaica aos Romanos era a religião judaica.

Igualmente o quadro apresentado no Novo Testamento é aquele

de uma instituição agregada ao "status quo". Não há indicação

no Novo Testamento de nenhum conflito entre a religião judaica e

o poder romano.

O objetivo claro dos evangelhos é apresentar a questão

revolucionária como sendo entre Jesus é o "Establishment"

judeu. O fato de existir uma Instituição Romana contra a qual

existiam forças revolucionárias é ocultado de maneira que a

instituição contra a qual Jesus se rebelava possa ser

representada como inteiramente judia. Existia é verdade, um

pequeno partido, os Saduceus, o quais eram colaboracionistas,

sustentavam a situação e aceitavam cargos oficiais sob os

romanos. O Sumo-sacerdote, propriamente, era Saduceu e é

importante que se note, era nomeado pelos romanos. Como

114

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

membro de uma minoria colaboracionista, ele era encarado com

suspeito pela grande massa da nação. A autoridade religiosa, no

entanto, não permanecia com os sacerdotes mas, com um corpo

completamente diferente de pessoas, denominados Rabinos, os

líderes dos Fariseus.

Assim os evangelhos falham em não mostrar que com

relação ao povo a verdadeira instituição era o partido dos

Fariseus que sem posição de destaque político, cujos líderes

jamais receberam reconhecimento pelos romanos, constituía-se

na primeira e última resistência contra os romanos. A imagem

apresentada nos evangelhos sobre os Fariseus, colocando-os

como interessados apenas em salvaguardar suas posições, é

inteiramente equivocada.

Assim Jesus tornou-se o mestre-fundador de um

movimento que trabalhou sua autodefinição no debate contra os

ensinamentos dos Fariseus. Isto nos dá um quadro

completamente diferente daquele mostrado pela comunidade Q,

ou como veremos, o povo de Tomé, a Congregação de Israel e

as colunas de Jerusalém. Um grupo particular do movimento de

Jesus investiu inocente e fortemente na idéia de pensar-se como

apto aos dois padrões, judaico e de Jesus. Este grupo, e isto é

uma questão da máxima relevância, voltou-se para as práticas

das escolas de tradição helenistas, quanto a atribuir todas as

razões para pensar da maneira que pensavam, ao seu fundador.

Eles não desenvolveram nenhuma teoria ou mito da autoridade

de Jesus como homem divino, salvador ou mártir da nova causa.

Também, não desenvolveram nenhuma visão apocalíptica de

julgamento final ao final dos tempos.

115

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O que fizeram, foi colocar Jesus no papel de legislador,

tal qual os escribas dos Fariseus, mas então desenvolveram sua

habilidade retórica de maneira a superar os escribas em seu

próprio jogo.

Um instrumento excepcional surgiu quando este grupo

decidiu usar as anedotas de Jesus para registrar seu debate com

os escribas dos Fariseus. Quando se prepara uma chreiai os

argumentos são os de quem prepara, não os dos protagonistas

da chreiai. Assim que o povo de Jesus desenvolveu as chreiai

com argumentos mais elaborados eles preferiram não tomar os

créditos pelos argumentos que encontraram. Ao invés, como na

tradição grega de atribuição de novos ensinamentos ao fundador

da escola, eles deixaram Jesus receber os créditos não só pelas

chreiai como pelos argumentos em seu favor. Isto resultou em

dar a Jesus dois pronunciamentos em cada chreiai elaborada,

com a última afirmação, invariavelmente, marcando um

pronunciamento da correção de seus pontos de vista. Assim, ao

final da chreiai sobre trabalho no sábado, Jesus diz, "O sábado

foi feito para o homem, não o homem para o sábado". Assim,

intencionalmente ou não, a Escola de Jesus produziu uma auto-

referência de autoridade para seu mestre-fundador.

No princípio esta caracterização de Jesus parece frágil,

se não tola, e a lógica da argumentação fraca. Mas, ao combinar-

se este estilo de auto-referência de Jesus com outros papéis

míticos para Jesus, resulta um símbolo de autoridade

extremamente impenetrável. O evangelho de Marcos mostrará

isto mais tarde. No meio tempo, como pode a Escola de Jesus

tomar seu espaço no mundo, tendo se excluído de uma

116

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

proeminente definição de judaísmo, definição esta, que

aparentemente, foi considerada suficientemente importante, a

ponto de se assumir muito seriamente o desafio com os

Fariseus? Não podemos dizer com certeza, pois temos apenas o

evangelho de Marcos como a próxima janela para dentro de seu

pensamento. Olhando através desta janela parece-nos que a

Escola de Jesus passou por um momento de desorientação e

ansiedade no processo de se tornar uma seita independente.

O EVANGELHO DE TOMÉ

Em 1945, após o final da 2a guerra mundial, uma coleção

de citações de Jesus foi descoberta juntamente com outros 50

manuscritos antigos, próximo ao vilarejo de Nag Hammadi, junto

a uma curva do Nilo, no Egito. No título do documento lia-se:

"Estas são as palavras secretas que o Jesus vivo falou e Judas

Tomé, o Dídimo, registrou". A assinatura no final aponta, o

Evangelho segundo Tomé.

Os estudiosos ficaram estupefatos com essa descoberta.

Ali estava um evangelho real, bastante similar a Q, provando que

o povo de Jesus tinha realmente produzidos evangelhos

constituídos de seus ensinamentos. Antes de Tomé essa era

uma construção dos estudiosos, a partir dos sinóticos para

chegar-se ao evangelho Q, não tendo existido um exemplar de Q

que tenha chegado às nossas mãos.

Os escritos tinham sido traduzidos do Grego para o

Copta, segundo estudiosos, no último quarto do primeiro século e

algumas das citações possuem conotação nitidamente gnósticas

117

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

tendo sido, portanto, difícil de se encaixar, no início, O Evangelho

de Tomé no quadro das origens cristãs. Segundo Mircea Eliade

em sua obra Histoire des Croyances et des Idées Religieuse

(traduzido em português e editado pela Zahar Editores em 1979),

o evangelho de Tomé seria a versão completa dos Logia

atribuídos a Jesus nos papiros de Oxirrinco e conhecida desde

1897. Mircea aponta as "origens judeu-cristãs de algumas

escolas gnósticas importantes". As pesquisas sobre a gnose e o

gnosticismo evoluíram bastante nos últimos anos, mas, suas

origens ainda suscitam dúvidas. A biblioteca descoberta numa

talha em Nag Hammadi deu lugar a inúmeros trabalhos.

A descoberta, o estudo e a publicação da Biblioteca de

Nag Hammadi, poderia ser usada como roteiro para uma

aventura cinematográfica digna de Indiana Jones, na qual

participaram governos, pesquisadores, comerciantes de

antiguidades, envolvendo-se em tramas, fugas, peripécias no

deserto e maldições proféticas.

Tal qual o evangelho Q, o evangelho de Tomé consiste

em citações de Jesus e ambos os documentos iniciam com uma

narrativa que estabelece o cenário para o resto do documento.

Em Q é a entrada em cena de João Batista que introduz Jesus

como uma combinação de profeta e sábio. O evangelho de Tomé

inicia com Jesus estabelecendo-se como a fonte de

conhecimento esotérico e na 13ª citação, Jesus afasta-se com

Tomé e troca com ele "três palavras". Quando Tomé retorna a

seus companheiros, eles perguntam o que Jesus disse a ele, e

Tomé responde, "Se vos disser algumas das coisas que ele me

118

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

falou, vós tomareis de pedras e me apedrejareis e o fogo sairá

das pedras e vos consumirá”. (TO 13).

Não existe nenhuma referência de onde se passa essa

cena, não existe em todo o evangelho nenhum interesse

biográfico em Jesus não sendo mencionado nada sobre a

crucificação ou ressurreição de Jesus. O Povo de Tomé, tal qual

o povo de Q, estava apenas interessado nos ensinamentos de

Jesus. Eles se consideravam os verdadeiros discípulos de Jesus.

A mensagem é fortemente de contra-cultura: afasta-se do

materialismo e direciona o leitor na direção de uma vida simples,

uma existência espiritual. Jesus aqui não é o Messias, mas um

reformador social radical, falando aos ouvintes para renegar os

valores vazios do mundo de negócios. No evangelho de Tomé

encontramos Jesus antes de ser Cristo, antes dos séculos de

disputas e embelezamentos eclesiásticos que criaram a figura

mitológica dos dias de hoje.

A primeira ação que se sugere é a comparação com o

livro Q. Sob os aspectos da forma ambos são, aproximadamente,

do mesmo tamanho apresentando o mesmo tipo de material;

aforismos, instruções de comportamento, parábolas e analogias

para explicar o reino de Deus seguidas de dispositivos para a

crítica aos que não aderirem.

É importante notar que um terço das citações possuem

paralelo em Q e 60 por cento delas são da camada Q1. Não

existindo indicações de que o evangelho de Tomé tenha copiado

estas citações de Q ou dos evangelhos sinóticos, parece claro

que a tradição de Tomé registrou citações de um período anterior

quando o movimento de Jesus compartilhava material de ensino

119

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

semelhante. Muitas das citações que não possuem paralelo em

Q, são enigmáticas e intencionalmente misteriosas. A conclusão

é de que, da mesma forma do que o evangelho Q, o evangelho

de Tomé documenta um movimento de Jesus com história

própria.

Desvendar esta história é um pouco mais difícil que no

caso do povo de Q. Isto, porque a segregação do evangelho de

Tomé em camadas históricas como foi feito para Q, ainda não foi

possível de ser feita. O conjunto de citações não evoluiu da

mesma maneira. Entretanto, é possível estabelecer-se algumas

observações sobre alguns tipos de materiais que devem refletir

estágios na história do povo de Tomé.

Iniciando-se com o último estágio, fica claro que uma

conotação gnóstica foi aplicada na coleção como um todo. A

primeira citação referindo-se a todas as citações diz:

"Quem quer que descubra a interpretação destas

citações não experimentará a morte". (TO 1).

Lendo-se a coleção, verifica-se que os ensinamentos de

Jesus procuram dotar os discípulos com o esclarecimento

(iluminismo) necessário a guiá-lo em relação ao seu destino,

sendo este iluminismo, diretamente, relacionado com o

entendimento individual da verdadeira identidade de cada um,

como ser espiritual.

Se o tópico é reino de Deus, a interpretação oculta é que

"o reino está dentro de vós e fora de vós" (TO 3), ou que está

"espalhado por sobre a Terra, e as pessoas não o vêem" (TO

120

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

113). Se questão é relacionada com o mundo, a interpretação é

que é um "cadáver" (TO 56) ou um mero "corpo" (TO 80) ou, um

"campo" que pertence a alguma outra pessoa (TO 21). Jesus não

se apresenta como um "professor" comum. Ao contrário, aqueles

que alcançarem a verdadeira interpretação dos seus

ensinamentos se tornarão tão iluminados como ele próprio e não

precisarão mais dele uma vez que enxergarão a luz.

"Eu não sou teu Mestre, porque tu bebeste da Fonte

borbulhante que te ofereci e nela te inebriaste". (TO 13).

"Quem beber da minha boca se tornará como eu. E eu

serei o que ele é. E as coisas ocultas lhe serão reveladas" (TO

108).

Então Jesus é o símbolo do iluminismo, a luz em si

próprio: “Eu sou a luz, que está acima de todos. Eu sou o Todo.

O Todo saiu de mim, e o Todo voltou a mim. Rachai a madeira -

lá estou eu. Erguei a pedra - lá me achareis”. (TO 77). Isto

significa que o verdadeiro discípulo deve "Olhar para o Vivo,

enquanto viver, para que não morra e deseje ver aquele que já

não pode ver" (TO 59). Mas "Se vos conhecerdes, sereis

conhecidos e sabereis que sois filhos do Pai Vivo” (TO 3). Um

discípulo que percebe que não pertence ao mundo mas ao reino

de Deus torna-se um "transeunte" com relação ao mundo (TO

42) e "um" com relação à união com o divino. E ao final da vida

haverá o retorno para o reino da luz de onde originalmente

viemos ao mundo ( TO 49 - 50)

121

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Sair com uma conotação gnóstica dos ensinamentos de

Jesus significa que o povo de Tomé tomou una decisão em

algum momento de sua história que o povo de Q não tomou. As

circunstâncias que acompanharam este desvio podem,

felizmente, ser discernidas no próprio texto do evangelho em

subtítulos que se apresentam do início ao fim. Estes temas

(subtítulos) caracterizam "os discípulos" de Jesus e as perguntas

que eles lhe fazem, algo completamente inexistente no livro de

Q. Os discípulos são referenciados de forma coletiva, mas Pedro,

Mateus, Jaime, Tomé, Salomé e Maria são mencionados pelo

nome. Jaime e Tomé são os garantidores da tradição. Salomé e

Maria dizem as coisas certas e representam os verdadeiros

discípulos. Pedro, Mateus e os "discípulos", coletivamente,

representam um grupo ou grupos do povo de Jesus dos quais

Tomé discorda.

Através do texto estes discípulos endereçam as

perguntas erradas e tem que ser corrigidos. Uma pergunta

constante que estes discípulos fazem é a respeito do futuro, de

quando o reino de Deus surgirá, e como eles saberão que ele

chegou. Fica claro que desejavam alguma interpretação

apocalíptica de Jesus. O interesse deles era tratado por Jesus

como interpretação errônea de seus ensinamentos que então

explicava que o reino já estava presente.

Outro tema tinha relação com o comportamento

ritualístico. Os discípulos desejavam saber sob jejum, oração, dar

esmola, limpeza, dieta e sobre a necessidade da circuncisão. Em

todos os casos Jesus tratava as perguntas como tolas, sem

importância e tratava de transformar a menção numa metáfora

122

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

para esclarecimento e auto-entendimento. Assim, por exemplo,

quando os discípulos perguntaram a Jesus, "Diga nos como será

nosso fim". Jesus respondeu dizendo, "Abençoado é aquele que

permanece no princípio; ele conhecerá o fim e não experimentará

a morte" (TO 18).

Não existe anúncio de apocalipse em Tomé, pelo

contrário, o Evangelho de Tomé vai à outra direção, em busca de

um "começo perfeito" ao paraíso reconquistado, completamente

alienado do mundo presente ele propõe um caminho para o que

seria um novo amanhecer da criação. O primeiro passo nesta

jornada às origens, mostra Jesus como a encarnação da

sabedoria divina, admoestando o mundo a encontrar seu

caminho perdido. Esta abordagem não só realça a perfeição da

criação como põe por terra qualquer clamor por uma solução

terminal.

Este material é nitidamente polêmico. O povo de Tomé

sabia que alguns grupos de Jesus tinham evoluído na direção de

comunidades apocalípticas e outros para comunidades judaico-

cristãs. Eles então se esforçavam para se distinguirem destes

dois grupos e o faziam através de Jesus, quando este contrariava

as teimosias de ambos. Para executarem isso desenvolveram

duas estratégicas retóricas diferentes. A primeira era

simplesmente negar: Não, tu não entendeste, "O que tu procuras

já chegou, mas tu não se dás conta" (TO 51). A outra abordagem

era utilizar uma citação que parecia afirmar o que o povo de

Tomé não queria que Jesus afirmasse, mas que era interpretada

de uma maneira diversa de sua interpretação aparente. Um

123

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

exemplo é a citação apocalíptica "Dois descansaram no leito, um

morrerá, o outro viverá" (TO 61).

Em Q, este dito aparece de uma maneira, inteiramente,

apocalíptica (Q 17:34).

No evangelho de Tomé, ao contrário, esta citação é

interpretada através do entendimento de Salomé que explica que

não existe referência ao final dos tempos (eschatom), mas ao

iluminismo envolvendo Jesus e ela própria, quando este deitado

à sua mesa ensinou-lhe o verdadeiro sentido de "morrer" e

"viver" (TO 61-62).

Podemos caracterizar, pelo menos, três momentos na

história do povo de Tomé. Começaram como um movimento de

Jesus que deve ter tido muito em comum com a fase mais antiga

do movimento Q. Em certo momento, se viram diante das

pressões de duas tendências, o cultivo de uma mentalidade

apocalíptica ou uma codificação de atividades ritualísticas

similares às práticas judaicas. Conseguindo resistir a ambas as

tendências, a comunidade de Tomé desenvolveu um caráter de

distanciamento do mundo social e cultivou uma noção de um

mundo de luz imaginário como seu mundo real. O mundo de luz

era imaginado como um remanso para as vicissitudes de um

mundo visto como ganancioso, violento e destrutivo. Muitos ditos

do evangelho de Tomé enxergam o mundo como um local onde

alguém pode ser "engolido" ou "comido vivo". A meta era

permanecer "intocável" às pessoas, eventos e preocupações que

motivavam e controlavam o mundo social.

E quanto à guinada tomada pelo povo de Tomé em

relação ao povo de Q e outros ramos do movimento de Jesus?

124

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Teria sido mais profunda do que a guinada do povo de Q quando

fez sua opção em direção a uma visão apocalíptica da história?

Provavelmente não. Tanto Q, como a comunidade de Tomé,

tiveram suas raízes na mesma combinação tensa de idéias

características dos ensinamentos de Jesus, uma chamada para

mudar o estilo de vida e para manifestar o reino de Deus. O

pessoal de Q era obcecado pela visão social que acompanhava o

discurso do reino de Deus. Já o pessoal de Tomé concentrou-se

mais no individualismo radical do desafio do novo estilo de vida.

Nenhum dos dois grupos logrou controlar e manter sob equilíbrio

as tensões originais, mas ambos desenvolveram caminhos que

eram entendidos como respostas aos tempos tormentosos.

Com relação aos aspectos sociais do reino de Deus,

aparentemente, o povo de Tomé deve ter tido um senso

comunitário a despeito da redução de todos os símbolos do reino

a metáforas intimistas. Os ditos são endereçados no plural aos

candidatos a discípulos; existem instruções de como enxergar e

tratar um outro como Verdadeiros Discípulos; e existem algumas

indicações de que o grupo estava interessado no significado

simbólico de alguns rituais, tais como o batismo e a comunhão na

mesa. Portanto, embora não possamos estar seguros de suas

práticas, a comunidade de Tomé deve ter se agrupado para

cultivar sua busca, pela transcendência pessoal.

É extremamente importante notar que o povo de Tomé

desenvolveu sua mitologia revestindo as citações de Jesus de

significado esotérico. Embora esses ensinamentos são

creditados a Jesus, sabemos que eles eram eventualmente os

ensinamentos da comunidade de Tomé, pois esta se

125

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

desenvolveu como uma escola de tradição helênica que

continuava atribuindo novas idéias ao fundador da escola. Alguns

especialistas têm se perturbado, com o uso do termo "Jesus

Vivo”, imaginando que possa se referir à mitologia da

ressurreição de Jesus da morte. Isto significaria que os membros

do povo de Tomé eram cristãos os quais transformaram o

salvador crucificado em um redentor gnóstico. É como se o povo

de Tomé tivesse conhecimento da mitologia cristã e

possivelmente usassem o termo "Jesus Vivo" com a intenção de

rechaçar esta mitologia. Mas não é o caso que sua visão de

Jesus como incorporação da "luz", "vida" e "sabedoria" fosse

dependente de uma mitologia baseada na ressurreição. Assim

Jesus tornou-se o símbolo encarnado do conhecimento e da luz

porque era isto o que seu ensinamento distribuía. Não havia

necessidade da realização de milagres, de profecias do fim do

mundo, de morrer na cruz como salvador ou ressuscitar para o

juízo final.

A segunda corrente citada considera que o fato de tanto

Q como o evangelho de Tomé, serem oriundos de duas

comunidades distintas, com nenhum interesse biográfico na vida,

morte e ressurreição de Jesus, deveria disparar alarmes para

dirigir a consciência dos historiadores a examinar a possibilidade

de que esses dois documentos se iniciaram como simples

coleções de ditos, desanexadas de qualquer relação com a figura

de qualquer Jesus.

AS ESTÓRIAS DE MILAGRES

126

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A vida de Jesus contada por Marcos é pautada pelas

estórias de milagres que Jesus realizou e das coisas miraculosas

que aconteceram a Jesus. Estas estórias pretendem fornecer a

impressão do poder divino influindo na história humana, na

pessoa de Jesus. Segundo Burton L. Mack, da mesma forma que

os pronunciamentos, Marcos usou os milagres baseando-se em

coleções de estórias antigas que possuíam uma interpretação

diferente. Esta interpretação pode ser observada em dois

conjuntos de cinco milagres, que tiveram sua origem num

movimento pré-Marcos.

Ao lermos o evangelho de Marcos, logo percebemos que

existem duas estórias sobre Jesus e os discípulos cruzando o

mar e duas estórias sobre Jesus alimentando a multidão. Esta

questão desencadeia outras questões sobre os milagres que

aconteceram ao redor desses dois eventos principais. (Mar 4:35 -

8:10).

Um estudo, efetuado por Paul Achtemeier em 1970,

mostrou que Marcos usou dois conjuntos de cinco estórias

milagrosas, tendo cada um deles sido, originariamente,

pretendido ser independente. Isto, não explica porque Marcos

usou dois conjuntos ao invés de um, mas sugere que deveria

existir um sentido ou razão na existência e uso dos conjuntos de

estórias independentemente da maneira que Marcos as usou

para ajudar a compor o seu evangelho. Isto, porque os dois

conjuntos seguem um mesmo padrão; primeiro um milagre sobre

travessia no mar, depois uma combinação de um exorcismo e

duas curas e finalmente um relato de alimentação de uma

multidão. Os dois conjuntos estão listados abaixo:

127

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Acalmando a multidão. Andando sobre o mar.(4:35-41) Mar (6:45-51)

O possesso de Gérasa. O cego de Betsaida.(5:1-20) (8:22-26)

A filha de Jairo. A mulher Sírio-Fení- cia.

(5:21-23, 35-43) (7:24-30)

A mulher com hemorragia. O surdo-mudo.(5:25-34) (7:32-37)

Alimentando 5000. Alimentando 4000.(6:34-44, 53) (8:1-10).

Os leitores terão que esperar, até chegarmos ao

Evangelho de Marcos, para obter a resposta do porquê da

necessidade de dois conjuntos de milagres ao invés de apenas

um. No momento, é o significado do padrão que queremos

compreender, pois ele nos fornecerá uma nova janela para

enxergarmos outro momento da formação do mito nos

movimentos antigos de Jesus.

Numa primeira avaliação estas estórias assemelham-se

aos relatos de milagres, especialmente as curas, típicas da era

Greco-Romana. Centenas desses relatos foram coletados para

comparação e o gênero é sempre exatamente o mesmo, sejam

os milagres contados sobre o santuário de Epidaurus, aos

reportados pelo Deus grego da cura, Asclépio, sejam aqueles

contados sobre Jesus. Mas dai, algumas diferenças começam a

serem notadas. Achtemeier e outros foram capazes de mostrar,

que embora as características formais das estórias individuais 128

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

correspondem à maneira como os milagres foram contados

durante o império Grego-Romano, o conteúdo das estórias de

Jesus trazia uma mudança especial. Os temas e alguns detalhes

pareciam ser reminiscências dos épicos de Israel. Uma travessia

milagrosa e uma alimentação milagrosa da multidão eram itens

clássicos na estória do Êxodo do Egito e os milagres do meio do

conjunto trazem a visão dos milagres de Elias e Eliseu, profetas

do povo durante as confusões originadas com a queda dos

reinos de David e Salomão.

Uma pesquisa que fiz na literatura judaica do período

mostra que eram usadas com freqüência referências à milagrosa

travessia do mar e a alimentação do povo judeu, com o Maná,

para lembrar a estória inteira do Êxodo. Para os milagres de Elias

e Eliseu existe alguma evidência da tradição popular sobre Elias

retornando para recuperar Israel nos tempos de convulsão social.

Portanto, começa a nascer a suspeita de que alguns grupos de

Jesus queriam retratá-lo com contornos de um fundador

parecendo-se de alguma maneira com Moisés e um pouco como

Elias.

Uma vez que o padrão e o simbolismo são desvendados,

uma terceira observação sobre o conjunto de milagres ganha

significação. Estamos nos referindo ao problema de que as

pessoas que recebem os milagres estão na margem da

sociedade judaica. Tratava-se de casos de doentes

desenganados, incluindo possessão demoníaca e morte. Uma

verificação acurada mostra que os personagens das estórias são

candidatos com pouca chance de serem resgatados pela

sociedade de Israel. Nenhum deles seria levado ao ostracismo

129

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pelas atitudes judaicas de então, mas todos eles estariam fora

das classificações quando os sacerdotes priorizassem os papéis

sociais de importância para a sociedade de trabalho judaica.

E se essas pessoas nas estórias foram escolhidas para

desempenhar um papel, tal qual Jesus foi retratado nos papéis

de Moisés e Elias? Mas que papel seria esse?

Este papel se configura como um maravilhoso mito sobre

a origem de um grupo de Jesus. Jesus, o fundador de um

movimento novo, seria como Moisés, os líderes da saída dos

filhos de Israel do Egito, e como Elias, o profeta cuja aparição

resgataria o legítimo papel dos filhos de Israel como povo de

Deus. No entanto esse fato demonstra que a congregação de

Jesus era conduzida e orientada para as pessoas socialmente

marginais que não se encaixava nos padrões do povo judeu.

Para que uma incongruente mistura de pessoas fosse legitimada,

de acordo com os padrões judaicos, seria necessária uma boa

quantidade de "milagres" de algum tipo. Assim os milagres

tinham o propósito de associar Jesus e as pessoas que o

seguiam, com Moisés, Elias e o povo de Israel. O resultado era

uma forte sugestão que os ouvintes ou leitores sofreriam,

imaginando o novo movimento de Jesus, como uma

Congregação de Israel.

Tão logo este ponto importante entra em foco, os

contornos do movimento de Jesus começam a surgir. O povo

etnicamente misto era congregado para as refeições em comum,

tinha líderes que se preocupavam com a associação e suas

necessidades, talvez possuíssem alguma metodologia de

distribuir alimentos entre os seguidores e poderiam estar num

130

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

processo de criar ritualismos e simbolismos para suas refeições

comuns. Eis aqui um movimento de Jesus, que prestou atenção

em seus membros, verificou a formação social em andamento,

deliciou-se com sua inovação, teve consciência de quão estranho

deveriam parecer para os outros, surpreendeu-se ao

imaginarem-se em comparação com outros povos, considerou

fascinante a comparação com "Israel", e divertiram-se tentando

vários cenários antes de estabelecer o conjunto de milagres que

personificava Jesus nos papéis de um Moisés e de um Elias.

Veja-se que não existe polêmica nestas estórias, como

se outras maneiras de pertencer a Israel fossem erradas, nem

nenhuma reivindicação de quanto ao movimento de Jesus ser a

única forma correta de ser judeu. Observe-se que não existe

referência de qualquer conflito que Jesus tenha tido com as

autoridades judaicas e nenhuma necessidade de pensar que este

povo tenha sido transformado pela mensagem de uma dramática

crucificação ou milagrosa ressurreição.

Foi uma audaciosa combinação de idéias que produziu

este conjunto de estórias, e também uma combinação que pode

ser imaginada para um movimento no norte da Palestina à busca

por um mito de origem. Moisés era o legendário profeta-rei de

especial significância para o épico Samaritano, e o ciclo de

estórias Elias-Eliseu era uma tradição do reino norte de Israel.

Moisés e Elias não eram propriedade privada dos judeus.

Uma vez, que a idéia de usar as estórias de milagre para

remodelar o movimento de Jesus como uma nova Congregação

de Israel estava em andamento, outros conjuntos de milagres

poderiam ser criados para ilustrar outras características dessa

131

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

congregação. Marcos soube fazer isso muito bem e conseguiu

vantagens para os propósitos do seu próprio evangelho, como

veremos mais tarde.

AS COLUNAS DE JERUSALÉM

132

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Em algum ponto, durante os primeiros vinte anos dos

movimentos de Jesus, formou-se um grupo em Jerusalém,

presumivelmente formado por Galileus. Eles não deixaram

nenhum registro ou documento escrito que tenhamos

conhecimento, mas fontes secundárias nos dizem alguma coisa

sobre eles. É importante que tentemos reconstruir aquilo que

podemos, simplesmente porque o quadro que a maioria de nós

possui em mente, é altamente mitográfico e frustrará nossa

reconstrução das origens cristãs, a menos que o submetamos a

alguma análise.

A referência mais antiga que temos está contida na carta

de Paulo aos Gálatas, escrita em 55 E.C. Nesta carta, Paulo nos

relata as duas visitas que fez aos "colunas" em Jerusalém com o

propósito de comparar seu evangelho com o deles. Infelizmente,

Paulo não nos conta nada do "evangelho" deles, mas faz menção

nominal a Cefas (Pedro), Jaime e João e discorre sobre a

questão principal da conversa. A questão tinha relação com a

aceitação dos gentios no movimento do reino de Deus e

especialmente se os colunas em Jerusalém exigiriam que um

gentio fosse circuncidado. É importante notar que essa é uma

questão que Paulo, especificamente, gostaria de ver respondida,

pois refletia sua preocupação com esse problema entre as

congregações que havia convertido e fundado. Não temos

sequer condição de saber se o grupo de Jerusalém teria pensado

alguma vez sobre essa questão e muito menos se teria

compartilhado as preocupações ou interesse de Paulo nesta

matéria.

133

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Do relato de Paulo, é significante o fato de eles haverem

concordado que os gentios não fossem circuncidados e que eles,

somente solicitaram a Paulo, que "se lembrasse dos pobres",

muito provavelmente uma referência a eles próprios e à sua

condição empobrecida. Isto não é muito para prosseguir, mas

nos permite imaginar que o grupo de Jerusalém deve ter sido um

movimento, não uma congregação cristã do tipo Paulina, uma

distinção a ser discutida, posteriormente, nas partes seguintes.

Estes aspectos do grupo de Jerusalém nos permitem

estabelecer o seguinte perfil para o grupo:

- Temos os nomes de seus líderes Cefas (Pedro), Jaime

e João;

- A localização em Jerusalém e o interesse em viver lá,

está claro:

- Existe a (aparente) aceitação de algumas práticas e

idéias judaicas, tais como código de pureza regendo as

companhias à mesa.

Nenhum outro movimento de Jesus compartilhava essas

características. Em todas as comunidades, seja a comunidade Q,

a Escola de Jesus dos pronunciamentos, ou a Congregação de

Israel era uma idéia integral o fato de Jesus possuir discípulos

(ou estudantes), mas nenhum desses grupos menciona Pedro,

Jaime, João ou qualquer outro discípulo pelo nome. A próxima

menção nominal desses discípulos após lidos na carta de Paulo,

e no evangelho de Marcos escrito nos anos 70, quando a estória

de Marcos os coloca em foco como estudantes que não

134

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

compreenderam seu mestre. O mesmo papel é desempenhado

por Pedro e "os discípulos" no Evangelho de Tomé. Estes

discípulos eram muito estúpidos para entender a mensagem do

reino que Jesus pintava. Temos que esperar até a estória de

Mateus, escrita nos anos 80 ou 90, para vê-los reabilitados como

estudantes aplicados de Jesus e para quem as chaves do reino

de Deus eram entregues (Mat, 17:17-19). Portanto, não sabemos

muito sobre as figuras reais de Pedro, Jaime e João, os Pilares

em Jerusalém.

Com relação ao interesse de Jesus em Jerusalém,

existem apenas duas citações dentro do material que temos dos

movimentos de Jesus que abordam essa questão, e ambas são

meramente observações marginais da destruição do templo em

70 E.C.

Uma é o lamento em Q3, “Jerusalém, Jerusalém, Quantas

vezes quis juntar teus filhos. Eis que vossa casa ficará deserta”.

(Q 13:34-35). A outra é a citação de Jesus que "prediz" a

destruição do templo. Esta é a citação mais problemática do

evangelho de Tomé, porque escrita no estilo de Marcos, parece

ser uma criação de Marcos (TO 71, Mar 14:58). Isto mostra que a

motivação para os colunas se estabelecerem em Jerusalém tem

que ser deixada à especulação, porque não há indicação que

nenhum outro grupo de Jesus tenha feito qualquer conexão entre

Jesus, o movimento de Jesus, o reino de Deus e a cidade de

Jerusalém.

Isto conduz a questão da aderência dos pilares ao código

de pureza judaico. Em todos os outros grupos do movimento de

Jesus a resposta quanto a essa questão era uma só: o povo de

135

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Jesus não seguia esses códigos. Havia, na verdade, uma

tendência a sentir-se orgulho de rejeitar estas práticas em favor

da respeitabilidade e autodefinição do grupo. Portanto, o que

fazer com o fato de que os colunas estivessem do outro lado

desta questão?

É extremamente difícil entender o que o grupo de

Jerusalém pensava. Não existe nada nos ensinamentos de

Jesus, ou nas estórias primitivas sobre Jesus que sugeriria uma

motivação para Jesus e seus discípulos dirigirem-se,

primeiramente, para Jerusalém, muito menos para Galileus irem

para lá após Jesus tê-la deixado.

E ainda existe uma outra questão, a estória de Marcos

não ajuda por três razões importantes:

A primeira é que a conspiração que ele inventou para

levar Jesus a Jerusalém somente poderia ser imaginada após a

guerra Romano-Judaica.

A segunda é que, se tivermos que aceitar a estória de

Marcos sobre a marcha de Jesus para Jerusalém, para

confrontar as autoridades judaicas constituídas, e ser morto por

representar uma grande ameaça ao estado-templo em virtude de

alguma coisa tão inócua como ensinar nos arredores do templo,

fica muito difícil imaginar que seus seguidores não fossem

também ameaçados ou mortos quando assumissem residência

em Jerusalém para promover o programa pelo qual Jesus foi

morto.

A terceira razão segundo a qual a estória de Marcos não

ajuda é que de acordo com o próprio Marcos, Jesus e seus

136

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

discípulos foram acusados de violar os códigos de pureza não os

guardando. Portanto, teríamos que vislumbrar outro cenário que

faça sentido com os dados que Paulo nos forneceu.

Marcos era tendencioso e crítico na imagem que produziu

dos discípulos o que significa que os discípulos, tal qual se

apresentavam, devem ter representado uma posição com a qual

Marcos discordava. Seria uma diferença de opinião em relação

aos códigos de pureza?

No evangelho de Tomé, Pedro e os discípulos

representam uma posição com interesse na manutenção dos

códigos de pureza judaicos. E isto está em concordância com a

caracterização de Paulo sobre os colunas em Jerusalém. Se

Paulo e o evangelho de Tomé estão certos sobre a questão dos

códigos de pureza, isto certamente se ajustaria com a posição

contra a qual Marcos estava escrevendo. Assim, embora não

possamos saber com certeza, parece que Pedro e companhia,

simplesmente, tiraram dos ensinamentos de Jesus, conclusões

sobre o reino de Deus que divergia dos outros grupos de Jesus.

Deve-se notar que o grupo de Jerusalém durou pouco

tempo. No final da estória de Marcos, Pedro e os discípulos são

ordenados a ir para a Galiléia para formar lá uma congregação.

Marcos pode ter sabido que Pedro e o grupo de Jerusalém não

estavam mais residindo em Jerusalém. Tradições posteriores

falam da ida do grupo de Jerusalém para Pela no centro da

guerra e Paulo menciona que Pedro, posteriormente, residiu em

Antioquia. Quanto a Tiago, sabe-se que ele foi martirizado no ano

62 E.C., durante o crescimento das hostilidades que precipitaram

o rompimento da guerra Romano-Judaica em 66 E.C. O que

137

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

restou, foram pistas fragmentadas de um grupo que residiu em

Jerusalém por um período, relativamente, curto de tempo.

Agora, colocando estas peças juntas, parece que Tiago,

que era irmão de Jesus, juntamente com Pedro e outros, fizeram

algumas ligações entre os ensinamentos de Jesus sobre o reino

de Deus e o reino-templo em Jerusalém. O que estas conexões

poderiam ter sido, permanece obscuro. Uma vez que

consideravam os códigos de pureza compatíveis com os

ensinamentos de Jesus, uma posição com a qual Mateus,

escrevendo muito tempo mais tarde, concordará, eles pareciam

para muitos, meramente, como uma seita farisaica. Talvez eles

se considerassem como fermento apropriadamente colocado em

Jerusalém para florescer os ideais de devoção e assim contribuir

para sua sustentação ou regeneração como cidade do grande

rei.

O lamento sobre Jerusalém, em Q, foi escrito,

exatamente, a partir desta perspectiva. Portanto, sabemos que

pensamentos como este eram possíveis dentro dos movimentos

de Jesus, mesmo se nem todos os sustentassem. Infelizmente

para os colunas, supondo que eles pensavam que os

ensinamentos de Jesus sobre o reino eram mais adequados em

uma escola em Jerusalém, a destruição da cidade significou

também o fim de sua missão.

O estabelecimento desse grupo por Mack é objeto de

muita crítica por alguns historiadores. Sabemos que O "Culto de

Cristo", segundo o professor Mack, se constitui na única e mais

antiga "resposta" a Jesus, antes dos evangelhos o transformarem

no filho de Deus. Temos que realmente ficar boquiabertos com a

138

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

distância que separa a mente de Paulo, daqueles que

consideravam Jesus apenas como um advogado contra as

práticas de pureza judaicas. Doherty chega a afirmar que toda a

teoria desmorona sobre o peso dessa consideração. Lembremos,

no entanto, que na definição dos cultos de Jesus, Mack afirma

que nenhum culto primitivo de Jesus o concebia como o Cristo.

Se os cultos de Jesus eram desenvolvidos através dos tempos

nas grandes comunidades de gentios, fora da Palestina, Doherty

considera inconcebível não ter sido avaliado por Mack, a

inadequação da conversão de Paulo neste quadro. Paulo não

parece demonstrar que, criticamente, suas crenças diferiam

muito daquela sustentada pelos colunas de Jerusalém. Quem

então transformou Jesus, no próprio coração de Israel, numa

divindade cósmica, adornando-o com mitologias helênicas tão

logo baixou à sepultura? Como podemos conciliar o fato de que

se o chamado grupo de Jerusalém não considerava Jesus como

divino, não atribuía nenhum significado à sua morte e

presumivelmente desconhecia a ressurreição, tal diferença de

opinião não tenha aflorado quando Paulo foi a Jerusalém para

"discutir o evangelho? Como podia Paulo se referir a eles como

"apóstolos antes de mim" e se estes não "pregavam um Cristo

redentor”?

O cerne de tais questionamentos está na conclusão, ou

pelo menos encaminhamento, da possibilidade de que um Jesus

histórico jamais tenha existido. Jesus seria uma obscura

personagem, talvez como o brasileiro Enri, que em Curitiba se diz

reencarnação de Jesus. Este personagem acabou sendo

escolhido para encarnar o fundador das seitas oriundas do

139

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

movimento social nascido com a dinâmica cultural daqueles

tempos.

Finalizando os movimentos de Jesus, não poderíamos

deixar de tocar num tópico que será abordado com maior riqueza

de detalhes, posteriormente, quanto chegarmos às cartas de

Paulo, mas dado à conexão com os colunas de Jerusalém vamos

mencionar aqui, de passagem. Na tese defendida por Marcelo

Carreiro, no tópico II.1, “Uma Conspiração Silenciosa”, consta o

seguinte texto:

"Como é estranho que todos os escritores cristãos do

primeiro século, com toda a devoção que eles mostram sobre

Cristo e a nova fé cristã, nenhum deles expressa o mais tênue

desejo de ver o local de nascimento de Jesus, de visitar sua terra

natal de Nazaré, os locais de sua pregação, a sala da Santa ceia,

a tumba de onde ele surgiu entre os mortos. Tais lugares jamais

são mencionados. Acima de tudo, não há a menor peregrinação

ao próprio calvário, onde a salvação da humanidade teria sido

consumada. Como um local como este não teria se tornado um

templo“.

Com relação a Paulo em sua visita a Jerusalém,

reportada na carta aos Gálatas, Marcelo escreve:

"É concebível que Paulo não desejasse correr para o

Calvário, para se prostrar ao solo sagrado sobre o qual passou o

sangue do senhor assassinado? Certamente, ele teria partilhado

dessa experiência intensamente emocional com seus leitores.

140

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Nem Paulo nem qualquer outro escritor de cartas do primeiro

século pronunciam um sussurro sobre tal coisa".

A Conspiração Silenciosa será mais detalhada quando

chegarmos aos escritos de Paulo e outros escritores do primeiro

século, sendo ela uma marca importante do mito cristão.

CONCLUSÃO

Muitos outros grupos podem ter se formado na esteira do

Jesus Histórico. Os poucos que discutimos são suficientes,

entretanto, para nos deixar ver a realidade dos primeiros

quarenta anos do movimento de Jesus, vamos citar alguns

passos.

No começo, Jesus era lembrado como um mestre que

desafiava os indivíduos a pensar como cidadãos do reino de

Deus. O conceito do reino de Deus era, aparentemente,

oportuno. Ele fazia as pessoas, que estavam conscientes

daqueles tempos tumultuados se agruparem, propiciando-lhes

um foro para debates e ação. Mas o conceito do reino, embora

direcionados sobre noções que já pairavam no ar e, portanto não

completamente vazias, eram no, entretanto, mais vagas e

sedutoras do que claras e programáticas. Assim os vários grupos

que se formaram eram experimentais. Eles experimentaram

grandes mudanças assim que atraíram outros por sua falação

sobre o reino, desenvolveram suas próprias práticas sociais e

identidade de grupo, respondendo às pressões e dando-se conta

de si próprios como uma pequena sociedade com grandes idéias.

141

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

A estratégia comum era atribuir a sabedoria que tinham adquirido

a Jesus, colocando-as sob a forma de instruções oriundas dele e

revisadas de forma a se ajustar à escola de pensamento que

estavam desenvolvendo. Fizeram exatamente como qualquer

escola helenista de filosofia teria feito. E o resultado deste

desenvolvimento foi que a voz e imagem de Jesus, seu fundador,

foi também repetidamente refundida. Como vimos, os retratos de

Jesus são estritamente diferentes à medida que transitamos de

um grupo para outro, dentro do movimento de Jesus.

FORMAÇÃO DO CULTO CRISTÃO - FRAGMENTOS

Os movimentos sociais mudam com o tempo. Isto

acontece em resposta às novas circunstâncias, mas, também

porque as experiências dentro de um grupo freqüentemente

introduzem novos padrões de comportamento e de pensamento.

Líderes sobem e caem, os humores vão e vêem e as estratégias

mudam, algumas vezes abruptamente. Olhamos fascinados,

porque a vida em grupos define a empreitada humana e as

pessoas no processo de mudança de padrões de vida e

pensamento sempre chamam a nossa atenção. Poderemos

aprender alguma coisa tanto sobre os outros como também

sobre nós mesmos. O aprendizado se torna especialmente

significativo se for focado na formação das comunidades

primitivas, cujas estratégias de convivência em comum ainda se

nos apresentam como legados, transferidos dos episódios da

fundação de nossa história cultural. Este processo de formação

142

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

social é, exatamente, o que observamos de forma privilegiada, à

medida que o culto Cristão surge a partir dos movimentos de

Jesus.

 Começando em algum lugar ao nordeste da Síria,

provavelmente na cidade de Antióquia, espalhando-se através da

Ásia Menor para dentro da Grécia, o movimento de Jesus, sofreu

uma mudança de conseqüências históricas. Foi uma mudança

que transformou o que estamos chamando de movimento de

Jesus no culto de um Deus, chamado Jesus Cristo. À primeira

vista, é difícil imaginar que o Culto de Jesus, fosse em alguma

época, o movimento de Jesus, tal a maneira drástica e rápida em

que parece ter acontecido a mudança. Mas, se detalharmos o

processo, calmamente, movendo-nos através dos complexos

desenvolvimentos de cerca de vinte e cinco anos de

experimentação social, e observando as pistas que os estudiosos

descobriram para explicar as razões que sustentam as

transformações que tiveram lugar, traremos à luz uma história

bastante compreensível.

  O Culto de Jesus se diferencia do movimento de Jesus

em dois aspectos principais.

Um é o foco sobre a significância do destino e morte de

Jesus. A morte de Jesus foi entendida como tendo sido um

evento que trouxe uma nova comunidade à existência. Este foco

sobre a morte de Jesus trouxe como resultado o afastamento da

atenção sobre os ensinamentos de Jesus e da noção de

pertencer-se à sua escola. Gerou em contrapartida, uma

elaborada preocupação com a noção do martírio, ressurreição e

143

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

com a transformação de Jesus em uma presença espiritual

divina.

A outra diferença foi a formação de um culto orientado

para aquela presença espiritual. Hinos, orações, aclamações e

doxologias foram compostos e utilizados quando os cristãos se

reuniam em nome de Jesus. Refeições e outros rituais de

congregação celebravam, tanto a memória de Jesus, como a

presença de seu espírito.

Estas características são distintas e apontam o culto de

Jesus como sendo, estritamente, diferente dos movimentos de

Jesus, conforme já observamos. Como explicar essas diferenças

tem sido a tarefa dos estudiosos que hoje já aprenderam o

suficiente para rastrear essas mudanças, que transformaram os

movimentos de Jesus no Culto de Jesus. Neste tópico,

estaremos apresentando a estória dessas transformações e

oferecendo explicações para os mitos e os rituais que estes

povos de Cristo produziram.

As evidências para estudarmos o culto de Jesus são,

principalmente, oriundas das cartas de Paulo, escritas durante os

anos 50. Se não fosse pela sua correspondência com estas

congregações, talvez nunca soubéssemos que estes cultos

existiam, pelo menos não em período tão antigo e, certamente,

sem o auxílio das vigorosas comunidades vivas que os

estudiosos foram capazes de reconstruir.

Quando se analisa este primórdio da religião cristã, assim

como o especialista cristão tem que se abster da fé para poder

fazer uma análise historiográfica, também os não-crentes, em

sentido oposto, tem que compreender o que significou para o

144

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

crescimento do cristianismo a exuberância do espírito de Paulo,

se visto por dentro de sua fé. Nós pouco saberíamos sem Paulo,

pois mesmo as comunidades cristãs mais antigas, que

continuaram o culto de Cristo não foram, capazes de

compreender a complexa mitologia dos primeiros Cristãos

refletidos nas cartas de Paulo. Se tivéssemos apenas as

tradições primitivas de Jesus para construir as origens cristãs,

nenhum estudioso moderno teria imaginado que algo como o

culto Cristão poderia ter se desenvolvido a partir delas.

Desta maneira, as cartas de Paulo são uma preciosa

dose de evidência do experimento social do primeiro século que

de outra forma nos seria inimaginável. Suas cartas são tão

importantes para o nosso conhecimento do culto Cristão como o

são os Manuscritos do Mar Morto para o nosso conhecimento da

comunidade de Qumram.

 Entretanto, as cartas de Paulo dizem muito mais sobre o

próprio Paulo e do seu entendimento do culto de Cristo do que

sobre o culto para o qual ele se converteu. Precisamos, pois,

distinguir entre os dois, se quisermos compreender o culto

Cristão como algo que já existia na ocasião em que Paulo o

encontrou. O culto Cristão marcava sua presença de modo a

gerar em Paulo, no primeiro contato, um sentimento contrário de

hostilidade. Porém, ele deve ter sido atrativo o suficiente para

causar sua conversão posterior. Teremos que explorar estas

cartas e a mente de Paulo para entender o culto Cristão refletido

nestas cartas.

Felizmente, uma boa quantidade de material textual do

culto está disponível através das cartas de Paulo. Isto pode

145

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

parecer estranho, uma vez que as cartas são claramente

compostas por Paulo. Mas a feliz circunstância é que Paulo

incorporou nestas cartas, não somente as idéias que havia

absorvido dos Cristãos, mas também fragmentos de sua

produção literária. Estes fragmentos de produção literária não

podem ser colocados juntos formando uma única e grande

composição e, portanto, não temos um texto composto dessas

primeiras comunidades. Mas as pequenas unidades que foram

preservadas compartilham um mesmo teor e manifesta outras

características literárias que o tornam um conjunto coerente.

Estes conjuntos poéticos nos dão suficiente informação, de

maneira a pintar uma figura interessante desse povo ao qual

Paulo odiava, mas não pode resistir. Dado que estas pessoas

foram as primeiras a usar o termo Cristo quando se referiam a

Jesus, podemos imaginá-los como os primeiros Cristãos.

Para isolar esses fragmentos das cartas de Paulo temos

que fixar nossa atenção detalhadamente nas idéias de Paulo e

no uso característico da linguagem. Quando ocorre em uma de

suas cartas, mesmo numa pequena unidade, uma variação da

maneira costumeira de Paulo se expressar é necessário uma

verificação acurada da unidade de texto, especialmente, nos

casos nos quais a pequena unidade se assemelha com poesias

seguindo regras antigas de composição. Nestes casos,

dificilmente, evitamos a suspeita de que Paulo tenha se valido de

empréstimos e muita criatividade para estabelecer seus

argumentos. Usando material que era familiar a estas

congregações, embora sob novo formato, Paulo atingia seus

propósitos atuando como um talentoso retórico. Esta atitude não

146

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

era incomum naqueles tempos, pelo contrário, o uso de material

da tradição sem, necessariamente, creditar as autorias era uma

prática comum entre os autores Greco-Romanos. Como fazê-lo

era ensinado nas escolas, e fazê-lo bem trazia as mais altas

honrarias.

Assim, tem sido possível identificar e colecionar um

número considerável de unidades literárias pequenas, que

refletem os pontos de vista e as realizações das congregações

Cristãs com as quais Paulo mantinha conversação. Quando se

olha conjuntamente para essas unidades literárias, vislumbra-se

um quadro compreensivo do culto Cristão.

Entre estas peças encontramos pequenas fórmulas de

credo sobre o significado da morte e ressurreição de Jesus

(como em Rm. 3:24-26 e Rm. 4:25) e bem elaborados sumários

do mito Cristão (como em, 1 Cor: 15:3-5). Aparecem também

poemas e orações de Cristo como um Deus (Fl. 2:6-11) e do

amor Agape como poder espiritual (1 Cor. 13:1-13). Aclamações

("Jesus é o Senhor," Fl. 2:11), motivações (tais como "Todas as

coisas me são lícitas," 1 Cor 10:23), e doxologias abundantes

(como por exemplo, "A nosso Deus e Pai seja dada glória para

todo o sempre," Fl 4:20), E existem extratos de alegorias das

escrituras que revelam uma enérgica atividade intelectual e de

escrita (como exemplo a alegoria da estória do êxodo em 1

Corintios 10:1-5 e dos filhos de Abraão em Gálatas 4:22-26).

A importância desses pedaços de composição literária é

enorme não só porque eles provêem evidência para as

congregações de Cristo para as quais Paulo foi convertido mas

também porque elas sustentam as hipóteses que precisamos

147

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

para explicar a transformação do movimento de Jesus em um

culto a Cristo.

Simplificadamente, o que aconteceu foi que o movimento

de Jesus se espalhou pelas cidades da Síria, Ásia Menor e

Grécia aonde atraiu não só judeus vivendo em diáspora bem

como a pagãos. Foram assim formadas, por aqueles que se

reuniam regularmente, células para discutir sobre o reino de

Deus. Surgiram patronos entre os que eram capazes de

hospedar estas reuniões em suas casas. As refeições tornaram-

se, naturalmente, a ocasião para as reuniões e comer junto

tornou-se a marca dos que pertenciam ao novo agrupamento. O

novo agrupamento desafiou de início preconceitos étnicos e

sociais devido à sua constituição missegenada e liberou

considerações precipitadas sobre novas maneiras de experiência

comunitária.

A proposta estava lançada. Participação nos

grupamentos que falavam do reino de Deus era o mesmo que

pertencer ao reino de Deus. E esta associação envolvia todos,

independente da identidade social costumeira. Assim, uma nova

mentalidade nascia. Era a idéia de que a participação em uma

comunidade devia ser definida tendo como base uma mesma

visão social compartilhada e não por marcas tradicionais de

identidade étnica ou classe social. Foi certamente esta

característica da nova formação social, que se tornou irresistível

a Paulo. Assim ele se expressou sobre isto tão logo conseguiu

vencer seus antagonismos à idéia; "Nisto não há judeu nem

grego; não há servo nem livre, não há macho nem fêmea, porque

148

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gl 3:28). Tal afirmação é,

naturalmente, um puro exagero, mas atinge o cerne da questão.

Mas lançar a idéia é uma coisa, e convencer-se a si

próprio e aos outros que ela é uma verdade é outra. A primeira

tentativa de ser mais preciso a respeito de identificar o reino de

Deus como o "povo de Deus" encontrou dificuldades. A razão

residia no fato de que esta noção estava enraizada no conceito

de Israel, e o conceito de Israel pertencia aos judeus. E os

gentios? Como apagar os limites étnicos? Como poderia a

tradição de Israel ajudar se ela transformava os gentios em

cidadãos de segunda classe? E supondo-se que a noção de

Israel fosse expandida para receber os gentios, como ficariam os

códigos tradicionais judaicos de rituais e de devoção? Seriam

eles ainda aplicáveis? Mesmo para os gentios? Seriam todos

eles ainda aplicáveis? E se não fossem, não estariam os cristãos

numa embaraçosa competição com as sinagogas da diáspora

aonde os judeus e gentios tementes a Deus tinham propostas

maiores em nome de Israel? Se assim fosse, como deveria ser o

argumento para que a proposta cristã fosse considerada razoável

e correta? Como deveriam ser os códigos de comportamento?

Quais seriam as marcas que distinguiriam aqueles que

pertencessem à comunidade cristã? O que na realidade fariam

os cristãos quando se reunissem?

Estas questões devem ter surgido e criado uma agitação.

Fazer uma proposta de que um grupo missegenado

representasse o plano de Deus para a reconstrução da

sociedade humana não era uma tarefa simples.

149

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Não temos registros de como esses debates foram

conduzidos. O que temos na realidade são apenas os resultados

acordados nas primeiras rodadas de negociações. Estes acordos

estão contidos nos fragmentos do culto Cristão que passaremos

a mostrar.

O MITO CRISTÃO

Os textos mais importantes para trabalharmos sobre a

lógica do culto cristão são encontrados nas cartas de Paulo aos

Corintios (1 Cor. 13;3-5) e Romanos (Rm. 3:24-26 e 4:25). Todos

enfocam o significado que os cristãos primitivos atribuíam à

morte de Jesus e cada um deles trás à luz uma visão distinta e

complementar do sentido de sua morte. Tomados como um

conjunto eles possuem todas as pistas que precisamos para

descobrir os fundamentos do mito. Cada um merece uma análise

específica.

1 Coríntios 15:3-5

Este fragmento tem sido chamado de Kérygma [4]

(proclamação ou evangelho) dos cristão primitivos, nele Paulo diz

ter recebido esta tradição e a passa em suas orações. Vejamos a

tradição:

Que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as

Escrituras;

150

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

E que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia,

segundo as Escrituras;

E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze.....

A primeira coisa a se notar é o fato deste texto além de

padronizado, ser cuidadosamente composto. Quatro eventos

estão em evidência (morte, sepultamento, ressurreição e

aparição), dois dos quais são fundamentais, a saber, a morte e a

ressurreição do Cristo. Cada um deles é introduzido através de

uma unidade redacional composta de modo a oferecer uma

interpretação para o evento. As unidades para a morte e a

ressurreição estão, formalmente, balanceadas, isto é, elas estão

compostas de linhas ou pensamentos que correspondem a linhas

similares na outra unidade. Esta característica é mais clara na

referência às escrituras, que é repetida em cada unidade, mas

também aparece como função retórica de cada evento

subordinado. O sepultamento enfatiza a realidade da morte de

Cristo, da mesma forma que a aparição credita a realidade da

ressurreição. Somente no caso do significado primário da morte e

da ressurreição é que existe um pequeno desbalanceamento,

uma vez que a morte ocorreu "por nossos pecados" enquanto a

ressurreição aconteceu "no terceiro dia". Esta fórmula

"querigmática" não foi criada em um momento de inspiração. Ela

reflete um longo período de trabalho intelectual coletivo, incluindo

acordos sobre a importância do foco na morte de Jesus como o

evento de maior significado para a comunidade, o que

representava este significado, o uso do nome Cristo ao invés de

Jesus, o pensamento de que Jesus tenha ressuscitado, a

151

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

importância da referência às escrituras e o tipo de argumentação

que faria com que os dois eventos dependentes se tornassem

reais (sepultamento e aparição).

De maneira a entendermos a linha de pensamentos

contida nesta formulação de credo precisamos explicar duas

mitologias que sustentam a lógica que permeia toda esta

argumentação. Uma é o mito grego da morte nobre. A outra o

mito judaico do mártir. O conceito grego da morte nobre pode ser

rastreado através da história do pensamento grego até suas

origens na honra devida ao guerreiro que morre por seu país (ou

povo, cidade ou leis). Com Sócrates a aplicação do conceito foi

estendida para abraçar a filósofos e mestres que sofreram

banimento e morte em razão de seus ensinamentos. Neste caso

a morte era considerada honrada se o mestre permanecesse fiel

a seus ensinamentos e morresse por eles. Este conceito da

morte nobre era absolutamente fundamental para a visão grega

de cidadania, da honra e da virtude.

A mudança do guerreiro para o filósofo enfatizou o

significado da morte nobre transformando a pessoa que morre

com nobreza em um mártir por uma causa. O requisito para

alcançar-se à virtude de uma morte como essa era a integridade

pessoal (com relação aos ensinamentos ou causas pelos quais

alguém se dispunha a morrer) e a resistência (ou lealdade à

causa mesmo diante da morte).

Em Blessings and Boundaries Interpretations of Jesus'

Death in Q - David Seeley sustenta que em Q14:27 está a mais

antiga interpretação da morte de Jesus nos escritos Q.

152

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Entre os círculos judaicos o conceito do mártir tomou

outra direção. Transcrita a partir da imagem antiga do guerreiro

que morre por sua pátria e simbolizando essa morte um sacrifício

oferecido em defesa de um povo, a idéia adquiriu para alguns o

sentido de que a morte de um mártir deveria ser eficaz. Com isso

quer se dizer que a morte traria um fim às circunstâncias que a

provocaram e contribuiria para reforçar a causa pela qual teria

perecido o mártir em questão.

Assim a história dos Macabeus que lutaram por uma

Judéia independente dos Seleucidas durante a metade do

segundo século A.C., foi gradualmente se transformando no

martírio dos sete irmãos que "morreram pela lei" e assim

garantiram a derrota do poder estrangeiro contra o qual lutaram.

O mito judaico do profeta perseguido era também popular

naqueles tempos. Variantes mais antigas do mito incluíam as

estórias de José, Ester e Daniel, bem como aparecem em muitos

Salmos que abordam os momentos de resgate dos piedosos em

desgraça. A trama inclui dois episódios principais. O primeiro é a

acusação injusta de deslealdade que coloca o profeta "nas mãos"

de um déspota estrangeiro que ameaça contra a sua vida. O

segundo episódio era a revelação ou descoberta da piedade e

lealdade do profeta pelo déspota. Esta revelação acabava por

resgatar o homem justo e promover sua elevação a uma posição

honrosa.

A história social dos judeus durante o último período do

segundo templo ameaçou seriamente o final feliz do velho mito

da sabedoria. Assim sendo, embora a honestidade exigia o

reconhecimento de que nem sempre o justo era resgatado das

153

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

perseguições, dos poderes estrangeiros e da morte, o conto foi

revisado para garantir ao justo um destino post-mortem,

projetando-se a cena do resgate para um outro tempo e lugar

(em algum outro mundo) depois da morte. O tratado denominado,

As Sabedorias de Salomão, um precioso documento do

pensamento e literatura judaicos, é um exemplo estrito de uma

meditação bem elaborada sobre esta variante do conto, que

acabou encontrando seu lugar na Bíblia cristã. Para qualquer

estudante que queira entender a mitologia dos antigos cristãos,

torna-se indispensável debruçar-se sobre as Sabedorias de

Salomão.

Ambos os mitos, seja o da morte nobre como a revisão

do mito do profeta perseguido, dependiam da morte do

protagonista. Pode-se verificar como eles podem ser facilmente

combinados e na realidade alguns aspectos das estórias de

Macabeus 4 e da Sabedoria de Salomão sugerem que foi

idealizada uma tentativa de fusão das duas tramas. O mito de

Cristo está também enraizado em uma combinação dessas duas

estórias, sendo a morte de Jesus retratada sobre a lógica do

martírio e o significado da ressurreição retirada do conto da

sabedoria. O ligeiro desbalanceamento entre os dois episódios,

que se nota no kérygma acima, é devido, parcialmente, à

diferença na lógica dos dois contos. Note-se que o significado da

morte de Jesus é creditado como sendo efetivo para a

comunidade ("por nossos pecados"), enquanto o significado da

ressurreição é somente relacionado ao próprio destino e honra

de Jesus.

154

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Três características do texto indicam que pensava-se no

mito do mártir enquanto o mito de cristo era idealizado. A

primeira é o significado crítico da frase "morreu por". Esta é a

única indicação sobre o objeto do kérygma . É a única afirmação

de propósitos, motivação ou efetividade do evento. Sem ela não

se saberia porque a morte de Jesus teria atraído tanta atenção.

Não é apenas mais uma interpretação de se encarar sua morte

dentro do culto. É a única interpretação, e ela aparece

repetidamente dentro das cartas Paulinas, aonde quer que seja

feita referência ao significado da morte de Cristo.

"Morrer por" é um termo técnico para expressar o

propósito do martírio. Aparece também repetidas vezes no

martírio dos Macabeus e somente faz sentido naquele contexto.

Não existe outro significado.

A segunda característica do mito de Cristo, que o

identifica como martirial, é o fato de que o propósito da morte

teria que causar efeito na comunidade cristã como um todo.

Nesse caso o propósito teria algo relacionado com "nossos

pecados". A formulação no plural é extremamente importante

indicando, como realmente acontece, que o martírio estava

sendo pensado em relação à comunidade como uma unidade

social. O aspecto da comunidade a exigir uma defesa por um

mártir é referido como "pecados". O uso do termo pecados trouxe

complicações para o entendimento do kérygma porque ele é tão

somente entendido com facilidade à luz da posterior visão cristã

sobre pecado, culpa e perdão ou redenção para os indivíduos. A

perspectiva de sua interpretação original ganha força quando se

nota que em outras referências da morte de Jesus o propósito

155

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

pode ser simplesmente expresso como "por vós" (no plural) sem

nenhuma menção aos "pecados". (1 Cor. 11:24; Rom. 8:32).

Qual foi então a intenção em caracterizar a comunidade cristã em

termos de seus pecados?

A palavra pecado aparece freqüentemente em textos

antigos judaicos referenciando comportamentos em desacordo

com a Tora. Tora referia-se ao estilo judeu de vida e pecado

referia-se à conduta em desacordo com esse estilo de vida,

códigos ou etiquetas. O termo entretanto, não se referia à

experiência religiosa individual, pecado ou a falha em guardar a

lei; a devoção ou lealdade à lei eram matérias objetivas e o termo

pecadores podia então ser usado para classificar as pessoas

cujos atos ou padrões não eram reconhecidos pela lei do Tora.

Encontramos, por exemplo, a organização dos

sacerdotes taxada como de "pecadores" aos olhos dos judeus

que viam nela uma violação do Tora. Encontramos também os

gentios como uma classe inteiramente classificada como

"pecadores", simplesmente, devido a seu estilo de vida não ser

governado pela lei judaica. Portanto, quer parecer que o uso do

termo “pecadores” , tanto no contexto martirial tal como no mito

de Cristo, referia-se ao estilo de vida do grupo, à constituição do

grupo ou à existência problemática em relação às normas

judaicas. Talvez, todas as três razões.

A terceira característica desse kérygma é a referência a

Cristo sendo "ressuscitado". A palavra grega para ressuscitar não

tem conotação mitológica. Heróis e homens divinos se tornavam

deuses de outras maneiras e as pessoas passavam para outra

vida sem ressurreição. Ressuscitar significava somente acordar

156

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

alguém de um sono ou levantar alguém. Usado aqui, como um

eufemismo, para trazer Cristo de volta da morte, ou ressuscitar

um corpo teria como resposta da maioria das pessoas, incluindo

tanto judeus como Gregos, um sonoro "O Quê?". Isto, porque

para os gregos a noção de imortalidade não incluía o corpo. A

imortalidade era entendida, se tanto, como a essência do espírito

(mente, psique e sabedoria) deixando o corpo. Para os judeus, a

imortalidade pessoal era uma idéia problemática, não facilmente

integrável com sua antropologia social e um cadáver era sinal de

impureza e morte. Os judeus supunham que espíritos dos mortos

partiam, não perambulavam ao redor do corpo e o encontro com

um cadáver vivo não era uma experiência considerada

agradável.

Havia apenas uma estória na qual as idéias de

ressurreição de corpos era considerada apropriada e isto era no

final do mundo, quando em alguns apocalipses judaicos, as

pessoas se levantariam de seus túmulos para presenciarem o

julgamento final. Portanto, medo e aversão seriam as reações

naturais de gregos e judeus ao ouvirem relatos sobre uma

pessoa levantar-se após ser morta e enterrada. Porque então a

ênfase no fato de Cristo ser ressuscitado?

A Martiriologia não requeria tal premissa para retratar a

nobreza ou efetividade da morte de uma pessoa. E aonde o

conto de sabedoria começou a se mesclar com o mito do

martírio, como parece ter acontecido em Macabeus e na

Sabedoria de Salomão, a reabilitação post-mortem do mártir era

esculpida em termos de transformação espiritual, nunca física.

157

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Isto significa que o significado da morte de Jesus como

um martírio para a causa Cristã forçou uma idéia nova e rara.

Mártires morriam por causas reais e já estabelecidas; Jesus teria

que morrer por uma causa ainda não estabelecida. Mártires

morriam nas mãos de forças externas; Jesus teria que confrontar

uma condição dentro da comunidade pela qual ele iria então

morrer. Considerando-se que ambas, causa e condição, eram

altamente questionáveis caracterizadas por pecados e

pecadores, a matéria torna-se ainda mais complicada. Desta

maneira não era suficiente o uso da lógica do martírio para

reivindicar a justiça da causa. Era necessário também confrontá-

la também com sinais claros de defesa do mártir. Esta era uma

tarefa difícil pois Jesus era um estranho mártir morrendo por uma

causa impensável. A única maneira de sobrepujar as

contradições implícitas era exagerar no drama e considerar o

evento do ponto de vista de Deus. O que seria melhor do que ter

o próprio Deus envolvido na ação? Quatro características do

kerygma são resultados diretos desta imaginação.

O primeiro aspecto da teologia do mito é o uso do termo

Cristo , significando que Jesus era imaginado como tendo sido

"ungido" ou aprovado por Deus para o serviço divino. Outro

aspecto é a caracterização da comunidade como "pecadores".

Uma terceira é o apelo "às escrituras", uma reivindicação

implícita que os maravilhosos eventos de Cristo estavam em total

concordância com o destino que Deus havia engajado e

projetado para a história de seu povo. E uma quarta, é que

aquele Deus tinha aprovado tanto Jesus como sua causa ao

ressuscitá-lo da morte. A voz passiva "ele foi elevado" contrasta

158

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

com a ativa "ele morreu por", indicando que um considerável

trabalho de preparação tinha sido dedicado aos tópicos de

operacionalização do drama. Portanto, foi a necessidade de

imaginar o envolvimento de Deus em um, de outra forma,

implausível martírio por uma causa bastante problemática, que

resultou na estranha e grotesca noção de Deus elevando Jesus

dos mortos.

Como veremos, o mito da ressurreição de Jesus atingiu

seu propósito e foi vitorioso, mas nem uma só comunidade cristã

primitiva estava satisfeita com seu nível literal. Era muito bruto

para isso e além do mais o assunto que realmente interessava

tinha pouco a ver com fantasmas e corpos. O que importava era

a causa pela qual Jesus tinha morrido.

Romanos 3:21-26

Este texto da carta de Paulo aos Romanos nos coloca em

contato com um período bastante primitivo do desenvolvimento

do mito cristão. Ele documenta um estágio no pensamento dos

cristãos primitivos que antecede as formulações refinadas do

kérygma . A morte de Jesus estava em foco e seu significado

como martírio tinha sido trabalhada sem nenhuma necessidade

de imaginar-se uma ressurreição. Paulo modelou a formulação

destas idéias a seu gosto acabando por substituir os ditos

originais com a forma pela qual os citou. Por sorte, os estudiosos

foram capazes de reconstruir o cerne da idéia nos fragmentos

pré-Paulinos. A reconstrução que se segue faz parte de um

estudo detalhado de Sam Williams em 1975:

159

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Nos tempos passados Deus ignorou os pecados dos

gentios.

Mas agora Deus considerou a morte de Jesus como um

meio de expiação por causa de sua fé (plenitude).

Ele fez isso para mostrar justiça, e justificar (ou fazer

justiça) para aquele cuja fé provém da própria fé de Jesus.

Quatro idéias convergem nesta interpretação da morte de

Jesus. A primeira é que Deus levou em conta o problema que

afetava a nova comunidade, no sentido de que a inclusão dos

gentios tinha que ser justificada. A segunda é que Deus

considerou a morte de Jesus como uma expiação pelos seus

pecados. A terceira é que a eficácia da morte de Jesus era

devida à sua fé. E a quarta é que aquele que aprende a ser fiel

segundo o modelo da fidelidade de Jesus está justificado aos

olhos de Deus.

A lógica desta mitologia é extremamente interessante. É

baseada em uma martiriologia na qual considera-se Jesus ter

sido "fiel" e a palavra para isso é pistis, um termo que aparece

nas estórias de mártires para expressar a virtude que lhes é

essencial. Significa algo como "comprometido" e em conjunto

com o termo "resistência" refere-se à firmeza dos mártires,

mesmo diante da morte. A causa pela qual Jesus é fiel não é

expressada, mas é possível que os cristãos primitivos iniciaram

essa linha de raciocínio imaginando Jesus ter sido fiel a seus

próprios ensinamentos e/ou à visão do Reino de Deus. Isto teria

sido um passo fácil a ser dado, imaginando-se que a morte

160

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

convinha para figura de um fundador cuja integridade era

inquestionável.

Assim podemos ver como foi alcançada a transição de

um movimento de Jesus para um culto de Cristo. De qualquer

maneira, esta martiriologia primitiva é sobre Jesus, não sobre o

Cristo. O fator que transformou este martírio em um evento que

justificasse a nova comunidade, e assim desse crédito à idéia de

que a nova comunidade era a causa de sua morte não foi

derivada das próprias intenções de Jesus mas da maneira pela

qual a visão de Deus sobre o evento era entendida.

Os termos estabelecidos para justificar a inclusão dos

gentios em um movimento que se auto-idealizava no modelo de

Israel, o povo de Deus, eram pecadores e justos. Como vimos

pecadores era uma designação genérica para qualquer um e

todos que não viviam de acordo com os padrões judeus de

devoção. Aqueles que atendiam ao padrão eram chamados de

justos. Assim, os termos trabalhavam em par e podiam distinguir

Judeus de gentios com relação à aceitação ou não-aceitação das

leis judaicas e dos padrões de virtude. Desta forma, os termos

eram completamente apropriados para a situação de um grupo

perturbado por sua constituição mista.

Tudo o que temos que fazer é notar que as palavras

justo, justiça e justificar (absolvido como justo), termos usado

nesta mitologia para registrar o julgamento de Deus sobre uma

comunidade, são todos análogos ao Grego dikaios , que significa

"legítimo" ou "certo". A imagem é aquela de um julgamento, na

qual Deus, o juiz justo, justifica os gentios como membros justos

da comunidade, somente se eles considerassem Jesus na forma

161

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

que a mitologia o retratava. Começamos então a perceber

alguma coisa do poder dessa persuasão que cativou a atenção

de Paulo. Estes, pelo menos, são os verdadeiros termos do

argumento que Paulo adornaria como seu evangelho.

A lógica essencial do mito cristão deve estar clara agora

e o trabalho intelectual investido na sua construção deve estar

também óbvio. Vemos o mito desenvolvendo-se, exatamente, no

momento em que o movimento de Jesus se transforma no culto

do Cristo. A necessidade de justificar a inclusão dos gentios,

mudou o foco de atenção de Jesus o mestre e seus

ensinamentos, para focalizar sua morte como um evento

dramático que estabelece a reivindicação do movimento em se

constituir no povo de Deus.

Deve ficar claro que o mito de Cristo não era uma

narrativa da paixão de Jesus, tal qual encontramos nos

evangelhos posteriores. Como martiriologia e especialmente na

sua forma "kerigmática", o mito cristão possui efetivamente um

potencial para tornar-se uma estória. Mas em sua primeira

concepção ele tem pouca relação com reminiscências históricas

e não possui nenhuma motivação para estabelecer este evento,

em qualquer contexto histórico. Somente a figura de Jesus, a

indicação de seu martírio, o envolvimento de Deus e seu

significado para a comunidade são de interesse. Imaginar mais,

privaria o kérygma de sua lógica. Poderia na verdade até destruir

sua lógica. Dado o propósito do mito, qualquer informação

suplementar na estória, para incluir circunstâncias sociais que

conduziram à morte de Jesus, quem o condenou à morte, porque

o fizeram e o que aconteceu a Jesus e àqueles ao seu redor,

162

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

transformaria a apresentação do mito cristão em um forum para

debates políticos, com distinções étnicas e questões acusatórias

fácil e perigosamente detonáveis.

Estas eram as verdadeiras questões que o mito tinha que

sobrepujar. Assim, apenas a motivação de Deus e seu martírio

tinham papel garantido nesta estória. Não existe a mais leve

sugestão, em qualquer texto do corpo Paulino, de que ele ou os

cristãos que ele convertera pensassem de Jesus ou de si

próprios como opositores aos regulamentos do templo em

Jerusalém, como Marcos dirá em seu evangelho. O kérygma e a

narrativa da paixão no evangelho de Marcos, são dois mitos

diferentes e incongruentes.

Podemos também notar que desde que estes mitos são a

primeira referência que possuímos sobre a morte de Jesus pela

cruz e desde que a estória de Marcos é dependente do mito do

martírio no kérygma nós não temos, realmente, condição de

saber nada sobre as circunstâncias históricas da morte de Jesus.

Na verdade, apesar de todo o estudo sobre os movimentos de

Jesus e sobre o culto do Cristo não somos sequer capazes de

afirmar, categoricamente, a existência histórica de Jesus e temos

que endereçar a possibilidade de nunca ter existido um Jesus

histórico. Não existe referência à morte de Jesus na cruz no

material pré-Marcos sobre Jesus. A única possível exceção é o

dito sobre "Quem não carrega a sua cruz e não me segue, não

pode ser meu discípulo" em Q 14:27 (kai ostiv ou bastazei ton

stauron autou kai ercetai opisw mou ou dunatai mou einai

mayhthv). Mas desde que "a cruz" entre Estóicos e Cínicos tinha

se tornado em uma metáfora para testar o brio das pessoas, esta

163

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

passagem não pode ser usada como prova positiva que o povo

de Q sabia que Jesus tinha sido crucificado.

O RITUAL DAS CEIAS

Outro importante aspecto das Congregações cristãs é o

retrato, pintado por Paulo, da comunidade à ceia em 1 Coríntios

11. O texto é familiar aos cristãos nos evangelhos sinóticos

quando a última ceia com os discípulos provê o roteiro para a

celebração cristã da Eucaristia e da Missa. Na imaginação cristã

o texto Paulino é baseado na recordação da última ceia em que

Jesus antecipa seu sacrifício, dando ao pão e ao vinho

significado simbólico e instruindo seus discípulos praticarem-no

em sua memória ( as ditas palavras de instituição).

1 Coríntios 11: 23-25

Este é outro texto ao qual Paulo denomina a "tradição"

que ele "recebeu" e passou aos Coríntios. A tradição lê-se como

se segue:

O Senhor Jesus , na noite em que foi entregue, tomou o

pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse:

 "Isto 'é o meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em

memória de mim".

Do mesmo modo, depois de cear, tomou o cálice

dizendo:

164

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

"Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; todas as

vezes que deles beberdes, fazei-o em memória de mim".

Surpresa pode muito bem ser a primeira reação de

qualquer leitor moderno deste texto. Mesmo após entender a

sofrida lógica do mito cristão, ninguém está, efetivamente,

preparado para esta chocante imagem de Jesus, calmamente

anunciando sua iminente imolação. Os estudiosos do Novo

Testamento não forneceram muita ajuda para que este quadro

fizesse algum sentido. Parte do problema é que a liturgia e

iconografia carregaram esta cena com as tintas da piedosa

devoção a um personagem totalmente divino apresentando

absoluta serenidade face à idéia de seu próprio sacrifício para

livrar o mundo da perdição. Esta imagem tende a frustrar a

análise crítica. Outra parte do problema é que o cenário

dominante das origens cristãs, automaticamente, coloca esta

cena no contexto da narrativa dos evangelhos e a trata como

histórica.

A tarefa da análise poderia ser imaginar como aconteceu,

como se ajustaria com o que sabemos do Jesus histórico, como

os discípulos teriam entendido e o que Jesus queria significar

com isto. Este conjunto de questões que partem do princípio que

esta cena aconteceu, não leva a lugar algum. Assim, a primeira

conclusão é que a cena não faz sentido como história. A cena

não é histórica mas imaginária. Foi uma criação da congregação

de Cristo em consonância com sua mitologia. As razões para a

mitologia são claras, o que precisamos agora entender são as

razões para imaginar-se esta imagem de Jesus à mesa.

165

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

O ponto de partida é a observação de que este ícone

retrata uma ceia. Uma vez que os antigos cristãos se reuniam

para a ceia e desde que Paulo usou este texto da ceia para dizer

algo sobre a maneira pela qual alguns Coríntios estavam se

comportando quando se reuniam para cear, a suspeita é de que

a imagem de Jesus se relaciona com a prática antiga da ceia dos

cristãos. Assim, tudo que temos fazer para compreender o texto

da última ceia é reconhecer que a formação social organizou-se

do modelo de associações, que as reuniões eram reconhecidas

como o momento em que o propósito do grupo era vivenciado e

que os símbolos escolhidos eram mais do que naturais. Não há

nenhum sentido em buscar-se um significado alegórico secreto

do pão e do vinho invocados nas palavras de Jesus. Tanto pão

como o vinho, bem como partir o pão e beber o vinho eram

símbolos básicos, com uma ampla gama de significados

metafóricos. Não são os símbolos, propriamente, mas a estranha

maneira que o significado martiriológico foi aplicado a eles que

causa tanta surpresa no ícone. A morte de Jesus foi um

"sacrifício" que selou uma "aliança" que fundou a comunidade

cristã e a comunidade cristã confirmou esta fundação fazendo de

sua ceia comum uma recordação daquele sacrifício.

Isto não significa que os cristãos tenham sido

demasiadamente solenes com o ícone que criaram. A descrição

de Paulo sobre o comportamento dos Coríntios durante as

reuniões mostra que eles não o eram. Desta maneira nosso uso

do termo culto não deve ser confundido com a altamente refinada

experiência ascética associada com o termo adoração . Este foi

um desenvolvimento cristão posterior. O que o texto demonstra é

166

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

que os cristãos primitivos meditaram sobre suas ceias realizadas

em comum e verificaram que seria a coisa certa para o povo do

reino fazer. Encontraram assim, uma maneira de confirmar isto

pela associação da ceia com o seu mito. O mito seria logo

lembrado nas duas importantes ocasiões das atividades

vespertinas e a ceia seria considerada como "comemoração" do

evento da fundação da comunidade. É esta ênfase sobre os dois

momentos da ceia e sua simbolização que sugeriu um ritual

primitivo. Como esse ritual era realizado, não sabemos.

Entretanto, um ponto deve ficar claro: Os textos da ceia em

Coríntios (e Marcos) não tinham a intenção de servirem de

roteiros para encenação dramática. A noção de sacerdotes

tomando o lugar de Jesus na encenação da "última ceia" não

ocorreu senão em algum momento do terceiro século.

O HINO DE CRISTO

Hino de Cristo é o nome que os estudiosos modernos

têm dado a um gênero de oração poética que aparentemente era

bastante popular entre os círculos dos primeiros cristãos. Existem

vários exemplos no Novo testamento (Fl. 2:6-11;Cl. 1:15-20;Ef.

2:14-16; 1 Tm. 3:16;1 Pd3:18-22;Hb 1:3; e Jo 1:1-18) e muitos

outros na literatura cristã posterior. O mais antigo desses

exemplos é o poema em Filipenses 2:6-11, outro fragmento pré-

Paulino:

Que sendo em forma de Deus, não teve por usurpação

ser igual a Deus.

167

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,

fazendo-se semelhante aos homens.

E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo,

sendo obediente até a morte, até a morte da cruz.

    Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu

um nome que é sobre todo o nome;

Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos

que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra.

E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor,

para glória de Deus Pai.

O hino contém duas estrofes, cada uma possuindo três

linhas dobradas. As estrofes balanceiam uma a outra de forma

que na primeira estrofe se descreve três estágios descendentes

(ou de humilhação) de uma pessoa "na forma de Deus",

enquanto que na segunda estrofe descreve-se três estágios de

exaltação (ou ascendentes). O padrão lembra o kerygma da

morte e ressurreição, mas o foco aqui, no hino de Cristo, não é

mais o martírio. A reflexão sobre a morte crucificado e a

ressurreição como um resgate do mártir não é mais o interesse

primordial. (Alguns estudiosos até ponderaram sobre isso em

virtude da frase "até a morte da cruz" no versículo 8, mas a

maioria concorda que foi Paulo quem introduziu esta linha).

Este novo mito com seu padrão descendente/ascendente

praticamente anula o kérygma . Ao invés de uma martiriologia, os

cristãos primitivos têm agora um mito de destino cósmico em

suas mãos. Assim o poema não é realmente sobre Cristo; é um

hino sobre Jesus Cristo como Senhor.

168

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

Esta é uma mitologia de escala cósmica. No mundo

Greco-Romano, Senhor significa soberano. Precisamos apenas

saber o nome do Senhor em questão para localizar seu domínio.

O Deus de Israel era o Senhor para os Judeus. Outros deuses

eram Senhores para seus povos. O poema diz que Jesus Cristo

é o nome do Senhor acima de qualquer outro Senhor. Esta é

uma estupenda reivindicação, clamá-la para Jesus, o mártir,

certamente viraria muitas cabeças. Assim, temos que nos

perguntar o que causou a idéia de que Jesus tivesse sido ou era

um Deus.

As pistas estão disponíveis nos mitos que estão

mesclados neste poema sobre Jesus. Os estudiosos

identificaram pelo menos três panos de fundo mitológicos para

esse poema. O primeiro é a estória da criança sábia que é

resgatada das forças que a aprisionavam. Que Jesus teria sido

uma criança sábia não era uma idéia nova, pois já estava

presente nas tradições sobre Jesus, como em Q, e era também

um ingrediente básico do mito cristão no kérygma . Na tradição

de Jesus , a idéia de Jesus como uma criança sábia não era

parte da martiriologia. Era baseada na extensão de seus

conhecimentos, conhecimentos estes que somente um homem

divino poderia possuir.

Uma segunda mitologia em cena era uma caracterização

romântica sobre o rei ou governante ideal. De acordo com este

romance, desenvolvido durante o período helenista, o

"verdadeiro" governante não tiraria vantagem de sua aparência e

poder divinos, mas os deixaria de lado de maneira a servir aos

interesses de seu povo. Note-se que os romances reais

169

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

compartilham o padrão humilhação/exaltação com as estórias de

sabedoria.

Uma terceira fonte para o hino de Cristo era um padrão

de mito comum a quase todas as culturas da época, que

estabelecia que os deuses desceriam dos céus, apareceriam às

pessoas como mensageiros, e então retornariam aos céus. Na

mitologia gnóstica isto era altamente desenvolvido. Aqui,

novamente, o padrão descendente/ascendente é o ponto de

correspondência com as duas mitologias anteriores.

Existe também a possibilidade que o livro de Isaias possa

ser uma quarta fonte para alguma das imagens no hino de Cristo.

O servo sofredor descrito em Isaias 52:13 - 53-12 tem a forma de

um servo, que foi humilhado, morto e exaltado. E o estilo de "se

dobrará todo joelho" e "toda língua jurará" traz um paralelo muito

próximo a uma reivindicação feita pelo próprio Deus em Isaias 45

(v. 23).

Ao percebermos que o hino de Cristo é um amálgama

desta três (ou quatro) mitologias, facilmente combináveis porque

possuem um padrão humilhação/exaltação comum, a meditação

refletida que deve ter ocorrido começa a aparecer na superfície.

A forma do kérygma evoluiu através das reflexões posteriores

sobre a nova perspectiva da natureza do ressuscitado. Pensava-

se na ressurreição como uma exaltação para a posição de

soberania. O resultado era que agora, a posição de Jesus

suplantava todos os reinos imagináveis, dentro de uma

perspectiva cósmica. Assim, Jesus podia ser cantado com o

Senhor de tudo.

170

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

  Entretanto, isto apenas torna claro o processo da

criação do mito, no sentido desse ou daquele arranjo de idéias

para produzir uma imagem poética orgânica. Não engaja os

fatores críticos ou circunstâncias sociais ou interesses de grupos

que tivessem motivado ou pleiteado por tal mito. Não responde à

pergunta porque as congregações cristãs primitivas desejaram

ou necessitaram fundir esses mitos.

Assim, precisamos notar que o culto de Cristo tinha

encontrado uma série de questões embaraçosas em função de

suas reivindicações extravagantes. Se eles não estavam mais

vivendo em acordo com os costumes de suas culturas herdadas

o que dizer de sua lealdade aos poderes constituídos

prevalecentes? Deveriam os cristãos observar as regras, os

governantes e os sistemas de autoridade que esperavam sua

obediência? Se não, que autoridade poderiam esses cristãos

primitivos reivindicar para viverem como se pertencessem a outro

mundo, outra ordem social? O hino de Cristo era sua resposta a

estas questões. É o canto de uma congregação que viria a

enxergar-se como parte de um "reino" que era superior e

independente dos reinos do mundo. O novo mito não era o

resultado de uma mera especulação ou de um desejo ardente de

possuir uma divindade protetora. Nem era o resultado de

experiências religiosas pessoais de algum visionário que poderia

"ter visto (o Deus) Jesus" , forma que alguns Cristão modernos

interpretam Paulo. Não. O mito imergiu enquanto lutando com um

conflito de autoridade. Era a resposta à ardente questão sobre

quem tinha o direito de definir procedimentos e controlar suas

obediências e fidelidades. Podemos estar seguros disso porque o

171

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

denominador comum de todos esses mitos não era a divindade

das figuras míticas envolvidas, mas sua soberania. O verdadeiro

absurdo das reivindicações de Jesus como o Senhor de todos,

sinaliza o embaraço que a questão da autoridade se colocou

primeiramente para estes cristãos.  

O hino de Cristo revela então que aqueles cristãos se

consideravam muito seriamente como uma sociedade alternativa.

Eles pensaram sobre as formas que suas congregações diferiam

de outras formações sociais e procuraram maneiras de expressar

o quanto sua visão de comunidade humana era melhor para as

pessoas viverem juntas no mundo. O hino de cristo era a

resposta a este pensamento crítico. Assim, também o hino de

Cristo era o resultado ao protesto dos cristãos terem apenas um

rei, Jesus.

Que reivindicação audaciosa! Comparado com outros

reinos do mundo ou mesmo com outros grupos com raízes em

antigas tradições étnicas, nacionais ou religiosas estes cristãos

não eram nada além do que células de pessoas desgostosas

experimentando uma nova noção social. Não tinham status,

poder ou tradição cultural próprias e clamavam um Senhor mais

exaltado que o imperador romano e tão exaltado como o Deus de

Israel. Tão absurdas e pretensiosas reivindicações traziam perigo

intrínseco para as boas relações com seus vizinhos. E era

exatamente esta audácia que recomendava o reino de Deus aos

primitivos cristãos como a melhor maneira de expressar sua

identidade e transmitir o que é que eles representavam.

  Considerar-se membro de tal reino pode ter sido uma

opção muito atrativa para aliciar pessoas e a transformação do

172

OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

movimento de Jesus em um culto de Cristo, não ainda de

adoração mas no qual Jesus Cristo era aclamado como o senhor

do universo, marca uma importante conjuntura do início do

cristianismo.

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OS ESSÊNIOS E O CRISTIANISMO

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