2014-10-18 anexo acórdão do tribunal da relação de lisboa. prevenção especial (1)

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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo: 548/12.4PTPDL-A.L1-9 Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REINTEGRAÇÃO Nº do Documento: RL Data do Acordão: 02-10-2014 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário: I- Não basta a prática de outro crime doloso, para desde logo concluir que as finalidades que fundaram a suspensão da execução de uma pena foram defraudadas; é necessário aferir se o juízo de prognose positiva que esteve na base da anterior condenação em pena de prisão suspensa na sua execução se deve ou não manter, dentro do quadro da factualidade e ilicitude espelhada nos factos que deram origem a essa anterior condenação. II- Quando o arguido acatou a ajuda que lhe foi prestada no período da suspensão da execução da pena, esforçou-se por dar um rumo diverso à sua vida assumindo obrigações familiares e mantendo hábitos de trabalho, geriu com senso os seus parcos recursos económicos para sustentar a sua família, o Tribunal não pode deixar de concluir por uma prognose positiva da reintegração futura do arguido. Decisão Texto Parcial: Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO. O Mº.Pº. não se conformando com o despacho que não revogou a suspensão da execução da pena em que o arguido M…R…. fora condenado nestes autos, vem do mesmo interpor recurso. Consta deste despacho, recorrido, o que a seguir se transcreve. Por sentença proferida no dia 18 de Julho de 2012, transitada em julgado, o arguido M…R…. foi condenado, pela prática de dois crimes de condução de veículo, um sem habilitação legal, outro em estado de embriaguez, ocorridos no dia 17 de Julho de 2012, além do mais numa pena única de 150 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob a obrigação de o arguido frequentar um curso de prevenção e de segurança rodoviária. No dia 1 de Julho de 2013 e por factos ocorridos no dia 29 de Junho de 2013, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, numa pena de um ano de

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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 548/12.4PTPDL-A.L1-9Relator: MARIA DO CARMO FERREIRADescritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA

REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENAREINTEGRAÇÃO

Nº do Documento: RLData do Acordão: 02-10-2014Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SMeio Processual: RECURSO PENALDecisão: NEGADO PROVIMENTOSumário: I- Não basta a prática de outro crime doloso, para desde logo

concluir que as finalidades que fundaram a suspensão daexecução de uma pena foram defraudadas; é necessário aferir seo juízo de prognose positiva que esteve na base da anteriorcondenação em pena de prisão suspensa na sua execução se deveou não manter, dentro do quadro da factualidade e ilicitudeespelhada nos factos que deram origem a essa anteriorcondenação.

II- Quando o arguido acatou a ajuda que lhe foi prestada noperíodo da suspensão da execução da pena, esforçou-se por darum rumo diverso à sua vida assumindo obrigações familiares emantendo hábitos de trabalho, geriu com senso os seus parcosrecursos económicos para sustentar a sua família, o Tribunal nãopode deixar de concluir por uma prognose positiva dareintegração futura do arguido.

Decisão Texto Parcial:Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação

de Lisboa:

I- RELATÓRIO.

O Mº.Pº. não se conformando com o despacho que não revogou asuspensão da execução da pena em que o arguido M…R…. foracondenado nestes autos, vem do mesmo interpor recurso.

Consta deste despacho, recorrido, o que a seguir se transcreve.

Por sentença proferida no dia 18 de Julho de 2012, transitada emjulgado, o arguido M…R…. foi condenado, pela prática de doiscrimes de condução de veículo, um sem habilitação legal, outro emestado de embriaguez, ocorridos no dia 17 de Julho de 2012, além domais numa pena única de 150 dias de prisão, suspensa na suaexecução pelo período de um ano, sob a obrigação de o arguidofrequentar um curso de prevenção e de segurança rodoviária.

No dia 1 de Julho de 2013 e por factos ocorridos no dia 29 de Junhode 2013, o arguido foi condenado, pela prática de um crime decondução de veículo sem habilitação legal, numa pena de um ano de

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prisão, substituída pela prestação de 365 horas de trabalho a favorda comunidade.

Nesta sequência, o Ministério Público promove a revogação dasuspensão da execução da pena, por preenchimento da hipótese legalda alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal, atenta acomissão de crime da mesma natureza no período da suspensão,revelando a falta de efeito preventivo deste instituto, concretamenteaplicado.

Dado o contraditório ao arguido, o mesmo veio defender-se,alegando que não foi condenado em pena privativa da liberdade nasegunda das condenações pois se encontra socialmente inserido, vivecom os pais idosos, dependentes e de quem cuida, está a frequentarum programa de ocupação, através do Centro de Emprego, pelo qualrecebe mensalmente 509,00€ e que usa para satisfazer asnecessidades familiares e o pagamento da pensão de alimentos aofilho, está inscrito em Escola de Condução, cumpriu o Curso dePrevenção e Segurança Rodoviária, está a cumprir a pena deprestação de trabalho a favor da comunidade, sendo a revogação dapena desproporcionada e contrária à reinserção social.

O tribunal ordenou que a D.G.R.S.P. elaborasse um relatóriosumário averiguando a realidade da alegação do arguido, o qual seencontra a fls. 73 e seguintes e que comprova a mesma e conclui pelapostura de forte colaboração com os Serviços de Reinserção Socialao longo do acompanhamento, cumprimento das obrigaçõesimpostas e positivo enquadramento sociofamiliar e profissional.

Cumpre apreciar e decidir:

Dispõe o artigo 56.°, n.° 1, b), do Código Penal que a suspensão daexecução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso,o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, erevelar que as finalidades que estavam na base da suspensão daexecução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Chegados a este ponto, cumpre questionar:

Cometeu o arguido crime durante o período da suspensão daexecução da pena? A resposta é afirmativa, uma vez que essasuspensão, atenta a data do trânsito em julgado da sentença, seprolongava até ao dia 1 de Outubro de 2013 e o crime foi cometido a18 de Julho de 2013.

A segunda questão é desdobrável em duas subquestões: quais asfinalidades da suspensão a execução da pena; e se as mesmas saíramgoradas com a prática daquele crime.

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As finalidades das penas são de prevenção geral e especial, emambos os casos positivas e negativas.

Se é certo que a prática do novo crime implica a violação daprevenção especial negativa e de prevenção especial positiva, não émenos certo que o cumprimento das demais condições da suspensãopermitiu ao arguido a tão desejada integração social, fundamentofuturo para uma conduta recta em sociedade. E assim mesmo foiponderado quando da escolha da segunda pena: o juiz dacondenação, ciente da possibilidade de a pena anterior vir a serrevogada, ainda assim evitou que o arguido fosse cumprir uma penade prisão por poder o mesmo reintegrar-se com uma pena nãoprivativa da liberdade. E a verdade é que o tem feito, estando hojesocial, familiar e profissionalmente integrado, nenhum beneficiohavendo para a sua reinserção social o cumprimento da pena deprisão aplicada nestes autos, pois que a revogação da suspensão nãoé um castigo, uma sanção, mas um meio de competir à reinserçãosocial, que já está sendo alcançada em liberdade, com um escolho nopercurso, é certo.

Em face do exposto e por considerar que não estãoirremediavelmente comprometidas as finalidades inerentes àsuspensão da execução da pena, entendo não a revogar e, constandoque já decorreu o seu período, declaro extinta a pena aplicada aoarguido pelo cumprimento, nos termos dos artigos 57.° do CódigoPenal e 475.° do Código do Processo Penal.

Notifique, com cópia, e remeta boletins ao registo criminal.

Dê conhecimento à D.G.R.S.P.”

***

É discordando do ali decidido, que o Ministério Público vem interpôrrecurso daquele despacho, formulando as conclusões que vãotranscritas:

1º É por demais evidente que se verifica a previsão do art. 56.°, n.° 1,al. b), do Cód. Penal, ou seja, que, no decurso do período desuspensão, o condenado cometeu crime pelo qual veio a sercondenado, e revelou que as finalidades que estavam na base dasuspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2° O que implica que tenha de ser revogada a suspensão da execuçãoda pena.

3° Pois o cometimento de crime idêntico durante o período desuspensão sem que tal facto acarrete qualquer consequência para ocondenado, equivale à total impunidade e absoluta ineficácia e até

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irrelevância da condenação, não se logrando obter qualquer dasfinalidades preventivas e ressocializadoras das penas.

4° Pelo que, ao não revogar a suspensão da execução da pena, adecisão ora recorrida violou o disposto nas disposições conjugadasdos arts. 40 n.° 1, 50.°, n.° 1 e 56.°, n.° 1, a). b), do Cód. Penal.

5º Não podendo este tribunal ficar refém de um outro juízo deprognose favorável, feito num outro processo de um outro Juízo.

6º E sendo as duas alíneas do n.° 1 do art. 56.° do Cód. Penalaplicáveis em alternativa, pelo que a não verificação dos pressupostosde uma delas não pode servir de fundamento para a não revogação dasuspensão da execução da pena com base na verificação dospressupostos da outra.

*

Nestes termos, revogando a decisão ora recorrida e substituindo-a poroutra que determine a revogação da suspensão da execução dapena,V. Ex. farão a costumada Justiça.

***

A estas alegações respondeu o arguido, formulando nas suasalegações as conclusões que vão transcritas.

1- Sendo que as conclusões do recurso interposto pelo M.P.delimitam o seu âmbito, constata-se que esse recurso cinge-se tão sóà parte do Despacho Judicial em que este considera que a suspensãoda execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido nestesautos não deve ser revogada.

2-Pois da segunda parte da Decisão contida no Despacho Judicial: “constando que já decorreu o seu período, declaro extinta a penaaplicada ao arquido pelo cumprimento nos termos dos artigos 57º CPe 475° CPP” o M.P. não recorre, nem sequer põe em causa aaplicação destas concretas normas pelo Despacho Judicial. E porconseguinte, esta parte da Decisão contida no Despacho Judicialrevela-se-nos transitada em julgado, afigurando-se-nos pois oradespido de utilidade este recurso do M.P.

3-Mesmo que assim não se entenda, mas sem concedermos, semprese diria que os alegados fundamentos que o M.P. invoca no seurecurso não podem “in casu” ser considerados bastantes para, nostermos do artigo 56°/1,b) CP se decretar a revogação da suspensão daexecução da pena de prisão aplicada

4-Para aplicar-se o art° 56°/1 ,b) CP- norma j. cuja aplicação épugnada e solicitada pelo M.P. na sua motivação de recurso- a Lei

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Penal não se basta com o cometimento de um facto ilícito, mas antesexige como requisito cumulativo: “ revelar que as finalidades queestavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, seraIcançadas”

5-Pois é de Lei, Direito e Justiça, crermos na reinserção social doindivíduo concreto, sendo esta a Principal e Fundamental finalidadede aplicação das penas, sendo que tal norma constante do art° 56°/1,b), assim como todo o nosso Diploma Penal tem como assente quequalquer pena de prisão, e ainda mais quando efectiva, é sempre a“ultima ratio”, só aplicada em último caso.

6-Nestes autos os factos ilícitos por que foi condenado o arguido empena de 150 dias de prisão suspensa na sua execução pelo período de1 ano sob a obrigação de frequentar um curso de prevenção esegurança rodoviária, datam já de 18-07-2012 tendo o prazo dasuspensão da execução da pena terminado em 1-10- 2013.

7-O M.P. promove em 17-12-2013 a revogação dessa suspensãotendo por base que o arguido cometera novo ilícito em 29-06-2013,cuja Sentença transitada em 16-09- 2013 condenara-o pelo mesmotipo de ilícito numa pena de 1 ano de prisão substituída por 365 horasde trabalho a favor da comunidade

8-O Arguido encontra-se efectivamente bem inserido social, familiare profissionalmente, sendo que vive com os seus pais já idosos, o paicom 82 anos (com sérias limitações na sua locomoção), aposentado, ea sua mãe com 78 anos de idade, acamada (visto não ter um dosmembros inferiores), portadora de algália e completamentedependente.

9- É o arguído quem desde sempre cuida dos seus pais (ajudando-osna sua higiene, alimentação e vestuário diários idas ao medico e lidesdomesticas enfim no dia-a dia), visto o seu irmão estar no Canada e asua irmã ser casada e viver com o seu agregado não tendo estesirmãos disponibilidade para cuidar dos pais.

10-A nível profissional, frequentou o Programa de Ocupaçãodesignado “Recuperar” desde 19Agosto de 2013, na Clínica do BomJesus, através do Centro de Emprego no qual está ínscnto; ajudaeconomicamente os pais, e ainda contribui sempre que pode com umapensão de alimentos (no valor de 50,00 euros mensais acrescidos dasdespesas escolares) a filho menor.

11-Encontra-se inscrito na “Escola de Condução Campos”, para obtertítulo que o habilite a conduzir veículos ligeiros; e nestes autos jácumpriu adequada e assiduamente a obrigação de frequência a suaspróprias expensas do Curso de Prevenção/Segurança Rodoviária, cfr.Plano de Reinserção Social.

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12- Após a promoção do M.P. de revogação da suspensão daexecução da pena de prisão ao arguido, foi ordenada nestes autos arealização de Relatório Social pelos Serviços de Reinserção Social(fls. 73 ss.), o qual comprova toda a situação pessoal, social, familiare profissional supra descrita e alegada pelo arguido no seurequerimento de 27-01-2014, e formula, com bastante actualidade,juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção social, frisando asua positiva inserção sócio-familiar e profissional, assim como a suapostura de forte colaboração com esses Serviços ao longo doacompanhamento por estes do cumprimento das obrigações impostasdurante todo o período de suspensão da execução da pena.

13-Todos estes factos supra explanados foram e bem tidos em contapelo Douto Despacho judicial recorrido, o qual conclui, comofacilmente é de concluir, que quanto às finalidades que estavam nabase da suspensão no presente processo, não se pode afirmar que nãotenham sido alcançadas.

14-O Despacho Judicial não comete atropelo ou violação de qualquernorma jurídica que seja. Aliás, muito bem fundamenta, sensata esabiamente, com respeito pela Lei e pela realidade do caso concreto eda vida, a sua Decisão de não revogação da suspensão da execuçãoda pena de prisão: “E assim mesmo foi ponderado quando da escolhada segunda pena: o juiz da condenação, ciente da possibilidade de apena anterior vir a ser revogada, ainda assim evitou que o arguidofosse cumprir uma pena de prisão por poder o mesmo reintegrar-secom uma pena não privativa da liberdade. E a verdade é que o temfeito, estando hoje social, familiar e profissionalmente integrado,nenhum benefício havendo para a sua reinserção social ocumprimento da pena de prisão aplicada nestes autos, pois que arevogação da suspensão não é um castigo, uma sanção, mas um meiode competir à reinserção social, que já está sendo alcançada emliberdade, com um escolho no percurso é certo. “(...)não estãoirremediavelmente comprometidas as finalidades inerentes àsuspensão da execução da pena”

15- Sufragamos inteiramente este entendimento do DespachoJudicial, e acrescentamos que se agora em meados de 2014 fosserevogada a suspensão da pena aplicada ao arguido, tal corresponderiana prática a uma segunda condenação nestes autos, na vertente depuro castigo para este cidadão.

16-Pelo exposto, o alegado fundamento que o M.P. invoca na suaMotivação de recurso, não deve “in casu ser considerado o bastantepara revogar a suspensão da execução da pena de prisão nos termosdo art° 56°/1 ,b) CP, sob pena de se assim se não entender, incorrer-sena violação dos arts. 56° e 50° CP, além de que uma eventualrevogação da suspensão seria descabida neste momento temporal e

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face a tudo o por nós supra exposto, e completamente contrária àalmejada reintegração do arguido já em grande medida alcançada.

17-Assim, atento o supra explanado, deve ser mantido o DoutoDespacho Judicial que decidiu nomeadamente pela não revogação dasuspensão na sua execução da pena de prisão em que foi condenado oarguido (art° 50° CP), devendo no mais improcedente o recurso orainterposto pelo M.P..

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o DoutoSuprimento de V. Exas. venerandos Juízes Desembargadores, deveser negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público,no mais devendo manter-se o Douto Despacho Judicial que decidiupela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão a quefoi condenado nestes autos o arguido, e já declarou além disso extintaa pena- tudo nos termos e com os fundamentos supra expostos.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Neste Tribunal, no visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex.mº.Procurador-Geral Adjunto emitiu o visto.

Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

II- MOTIVAÇÃO.

É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunalde Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, emwww.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusõesformuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de ProcessoPenal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac. do Plenário das secçõescriminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de28.12.95).

Como resulta do enunciado supra, o Mº.Pº./recorrente coloca emcausa a justeza do decidido no despacho judicial que não ordenou arevogação da suspensão da pena de 150 dias de prisão que havia sidoaplicada ao arguido nestes autos em 18/7/2012, e, suspensa na suaexecução pelo período de um ano.

Fundamenta a sua discordância do decidido, no facto de o arguido terpraticado no decurso do período da suspensão da execução da pena(terminava em 1/10/2013)- em 29/6/2013- um crime de conduçãoilegal, tendo sido condenado na pena de 1 ano de prisão, substituídapor 365 horas de trabalho comunitário. Assim extrai deste facto aconclusão de que o arguido “desperdiçou” a oportunidade que lhe foidada com a suspensão da execução da pena, “demonstrando com o

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seu comportamento que não está reintegrado na vida em sociedade,não tendo a suspensão da execução da pena nestes autos surtidoqualquer efeito”- fls. 31 destes autos.

Conhecendo.

***

Vejamos antes algumas considerações de ordem jurídica a fim demelhor enquadrarmos a questão que vem colocada.

Na versão original do Código Penal de 1982 consagrava-se arevogação da pena suspensa na sua execução como consequência docometimento pelo condenado, no decurso do período de suspensão,de crime doloso pelo qual viesse a ser punido com pena de prisão- onº 1 do art. 51º estabelecia que “a suspensão será sempre revogadase, durante o respectivo período, o condenado cometer crime dolosopor que venha a ser punido com pena de prisão”.

Nas alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, de 15 de Março,passou a dispor a al. b) do nº 1 do actual art. 56º:

“1 - A suspensão da pena de prisão é revogada sempre que, no seudecurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regrasdeconduta impostos ou o plano de reinserção social, ou[1]

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que asfinalidades que estavam na base da suspensão não puderam, pormeio dela, ser alcançadas.”

Nesta parte final “ revelar que as finalidades que estavam na base dasuspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”,determinou-se o afastamento automático da revogação da suspensãocomo mera decorrência do cometimento de um novo crime noperíodo da suspensão, deixando ainda de se exigir a natureza dolosado novo crime cometido e a condenação em pena de prisão.

Deixando-se totalmente afastado o automatismo do Código de 82, [2]a actual Lei exige do julgador uma apreciação das circunstâncias emque ocorreu o cometimento do novo crime, o que, ainda seráponderado segundo o critério dos fins das penas. Com efeito, o juizverificará se o cometimento do novo crime infirmou definitivamenteo juízo de prognose que justificou a suspensão da execução da pena,permitindo alicerçar a convicção de que a suspensão se revelainsuficiente para garantir o respeito futuro pelos valores jurídico-criminalmente tutelados ou se, pelo contrário, apesar da prática donovo facto criminoso, subsistem ainda fundadas expectativas deressocialização, sendo razoável admitir um comportamento futuro

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conforme com os ditames do direito.

É que, também o simples incumprimento, ainda que com culpa, dosdeveres impostos como condição da suspensão, deixou de justificar arevogação, passando a exigir-se que o condenado infrinja grosseiraou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou oplano individual de reinserção social (al. a) do nº 1 do art. 56º doCódigo Penal). Ou seja, deixando-se totalmente afastado oautomatismo do Código de 82, a actual Lei exige do julgador umaapreciação das circunstâncias em que ocorreu o cometimento donovo crime, o que, ainda será ponderado segundo o critério dos finsdas penas. Com efeito, o juiz verificará se o cometimento do novocrime infirmou definitivamente o juízo de prognose que justificou asuspensão da execução da pena, permitindo alicerçar a convicção deque a suspensão se revela insuficiente para garantir o respeito futuropelos valores jurídico-criminalmente tutelados ou se, pelo contrário,apesar da prática do novo facto criminoso, subsistem ainda fundadasexpectativas de ressocialização, sendo razoável admitir umcomportamento futuro conforme com os ditames do direito.

É que, o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveresimpostos como condição da suspensão, deixou de justificar arevogação, passando a exigir-se que o condenado infrinja grosseiraou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou oplano individual de readaptação social (al. a) do nº 1 do art. 56º doCódigo Penal).

No caso, e, percorrendo o teor do despacho judicial, desde logo sepercebe que o Sr. Juíz ao citar a ponderação do outro Sr. Juíz queaplicou a pena ao crime praticado pelo arguido no período dasuspensão da execução da pena anterior, quis apenas realçar a suaconcordância no que toca aos juízos de valor e prognose efectuadosquanto à reintegração social do arguido nesse processo e não ficar“refém” desses juízos, como parece ter sido entendido pelorecorrente.

Aliás, é bem visível o rigor da recolha de elementos no processo,nomeadamente sobre a personalidade e percurso de vida do arguido,antes da prolação da decisão de não revogar a suspensão da execuçãoda pena anterior, agora sob recurso.

Exemplo desta circunstância é a junção aos autos do Relatório Socialde fls.24 e 25 destes autos, datado de 18/2/2014, no qual se podemverificar os factos apurados sobre a situação pessoal, social e familiardo arguido, que resumimos:

a) -O arguido é separado e tem uma filha de menor idade que residecom a mãe e á qual o arguido presta regularmente ajuda monetária e

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alimentar, existindo entre todos um bom relacionamento;

b) -Vive com os pais, de 78 e 82 anos de idade, respectivamente, comdificuldades motoras e doentes, dos quais cuida com particularatenção;

c) - Desde Agosto de 2013 que frequenta a “Clínica do Bom Jesus”ao abrigo do programa “Recuperar” onde tem desempenho adequado,recebendo € 509,25, quantia que entrega em casa quase na suatotalidade;

d) - Quando acompanhado pela equipa de reinserção social “foiassíduo às entrevistas agendadas, nas quais revelou uma posturaadequada e de colaboração”;

e) -Nos dias 21 e 28 de Setembro de 2013 frequentou o curso de“Prevenção Rodoviária”, com assiduidade, tendo demonstrado “umapostura adequada no decorrer do Programa e sido participativo einteractivo com o grupo”;

f) -Encontra-se inscrito na Escola de Condução com vista a adquirir alicença de condução de ligeiros;

g) -não existe notícia de outros processos pendentes.

Conclui depois o referido relatório.

“ M….R….. revelou adesão ao cumprimento da medida que lhe foiaplicada, revelando ao longo da mesma, uma postura de fortecolaboração com os Serviços e tendo cumprido as obrigações que lheforam impostas. O tutelado desfruta actualmente de positivoenquadramento sócio-familiar e profissional, não se encontrandorecentemente referenciado noutros processos-crime.”

Na verdade, exigindo a lei tais requisitos materiais (acimamencionados) para a revogação, impõe-se ao Tribunal o dever derealizar as diligências que se revelem úteis, para além do exercício docontraditório, para uma decisão ponderada e justa, sendo certo que “ocritério material para decidir sobre a revogação da suspensão éexclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se asfinalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensãoainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma”[3] .

Ao que nos é dado perceber dos autos, foi realizado relatório social,ouvido o arguido sobre a sua situação e percurso de vida desde acondenação, com a finalidade de que o Tribunal pudesse perceber aevolução do arguido no seu percurso de vida, para aquilatar quanto aofuturo comportamento do mesmo.

E, foi assim com base na recolha destes elementos e, da sua avaliação

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que o Tribunal ponderou e decidiu pela não revogação da suspensãoda pena que havia sido aplicada ao arguido.

Com efeito, resulta do despacho recorrido, embora de forma simples,mas ainda assim suficiente em nosso entender, que o Tribunalrelaciona os factos criminosos entre si com a personalidade doarguido, e avalia de forma crítica o impacto que a nova condenaçãoteve sobre as finalidades que haviam justificado a suspensão daexecução da pena, apoiando-se na documentação e declarações dopróprio arguido devidamente comprovadas pelo Relatório Social.

Não basta portanto, a prática de outro crime doloso, para desde logoconcluir que as finalidades que fundaram a suspensão da execução dapena foram defraudadas, é necessário aferir se o juízo de prognosepositiva que esteve na base da anterior condenação em pena de prisãosuspensa na sua execução se deve ou não manter, dentro do quadro dafactualidade e ilicitude espelhada nos factos que deram origem a essaanterior condenação, ou seja, deverá verificar-se uma coincidência ouíntima relação entre os bens jurídicos de ambos os ilícitos, já que é ojuízo de prognose favorável de socialização e de prevenção “dareincidência” que determina a suspensão da execução da pena, e só ademonstração da sua posterior dissipação poderá determinar arevogação da suspensão.

E, também, não será o facto da condenação posterior ter sido tambémem pena de prisão ainda que substituída, que conduz de formaautomática a que se possa pensar que a prognose na recuperação doarguido já não é possível. Concluir, como pretende o recorrente, queo cometimento de novo crime no período de suspensão sem acarretara revogação da suspensão “equivale á total impunidade e absolutaineficácia e até irrelevância da condenação” é, salvo o devidorespeito, continuar a acatar a aplicação automática da legislação járevogada.

O primitivo juízo de prognose favorável ao afastamento do arguidoda prática de futuros crimes e à sua recuperação e integração social,foi-o com apoio no cumprimento de condições impostas e de ajudasocial. Passado algum tempo verificou-se que o arguido acatou aajuda que lhe foi prestada, esforçou-se por dar um rumo diverso à suavida, assumindo obrigações familiares e mantendo hábitos detrabalho, gerindo com senso os seus parcos recursos económicos. Oresultado não pode deixar de fundamentar uma prognose positiva. Asua submissão agora, ao cumprimento de uma curta pena de prisãotraria seguramente maior perigo de reincidência criminal para oarguido, que a aposta na sua reintegração, mesmo que a mesma tenhasofrido alguns “precalços” até agora.

Invocou o arguido na sua resposta ao recurso, que a 2ª. Parte do

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despacho recorrido não foi impugnada e, por essa razão teriatransitado em julgado, mas não tem razão. Primeiramente porque asegunda parte, que declara a extinção da pena aplicada ao arguido éconsequência de se ter entendido que não haveria que revogar asuspensão da execução da pena aplicada e que é o cerne da questãorecorrida. Depois porque o próprio recurso tem como objecto todo odespacho e não apenas uma parte autonomizada. E, também porque,processualmente não é admissível cindir o próprio despachorecorrido, que se não enquadra nos casos a que alude o disposto noartigo 402 e 403 do C.P.P.

Pelo exposto, temos por justa e equilibrada a decisão recorrida,improcedendo por isso o recurso do Mº.Pº.

III- DECISÃO.

Face ao exposto, acordam os juízes da 9ª. secção criminal desteTribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interpostoMº.Pº. e, manter a decisão na sua íntegra.

Sem custas.

Notifique.(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º,nº 2 do CPP)

Lisboa, 02/10/2014

Maria do Carmo Ferreira

Cristina Branco

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[1] Com a reforma penal de 2007 passou a dizer-se “plano dereinserção social”, em vez de “plano de readaptação social”

[2] É pacífico na nossa doutrina e jurisprudência que esta revogaçãonão é automática. (cfr.Ac.Rel.Porto de 1/2/2012, R.Lx de 28/2/2012 eda R.Guimarães de 22/3/2010).

[3] Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2.ªedição, 236.