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Solicite nosso catálogo completo, com mais de 300 títulos, onde você encontra as melhores opções do bom livro espírita: literatura infantojuvenil, contos, obras biográficas e de autoajuda, mensagens espirituais, romances palpitantes, estudos doutrinários, obras básicas de Allan Kardec, e mais os esclarecedores cursos e estudos para aplicação no centro espírita – iniciação, mediunidade, reuniões mediúnicas, oratória, desobsessão, fluidos e passes.

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Edição e distribuição

Editora EMECaixa Postal 1820 – CEP 13360 ‑000 – Capivari – SP

Telefones: (19) 3491 ‑7000/3491 ‑[email protected] – www.editoraeme.com.br

Capivari‑SP– 2013 –

Ficha catalográfica elaborada na editora

Vicente, (Espírito) Passos de um gigante / pelo espírito Vicente; [psicografado por] Mônica Aguieiras Cortat – 1ª ed. outubro 2013 – Capivari, SP : Editora EME. 416 p.

ISBN 978‑85‑66805‑18‑5

1. Romance mediúnico. 2. Crença em Deus. 3. Chegada do Espiri‑tismo no Brasil. 4. Liberdade de pensamento. I. TITULO.

CDD 133.9

© 2013 Mônica Aguieiras Cortat

Os direitos autorais desta obra foram cedidos pela autora para a Comunidade Psicossomática Nova Consciência.

A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança”, colabora na manutenção da Comunidade Psicossomática Nova Consciência (clínica masculina para tratamento da dependência química), e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari-SP.

CAPA | André StenicoDIAGRAMAÇÃO | Victor Augusto BenattiREvISÃO | Editora EME

1ª edição – outubro/2013 – 5.000 exemplares

Sumário

Prólogo – resgate ................................................................................................ 9Teologia e ciência ............................................................................................. 19Família e “papos de anjo” ............................................................................... 29Dolores e Davi .................................................................................................. 39Infância .............................................................................................................. 47Missas e latim ................................................................................................... 57Atritos na escola ............................................................................................... 63Viagens e presentes .......................................................................................... 71Imigrantes, ajuda e preconceito ..................................................................... 85Materialismo ................................................................................................... 101Helena .............................................................................................................. 109Presentes e fé ................................................................................................... 121Sarau ................................................................................................................ 131Reflexões de seu Henrique ........................................................................... 135Partida e pedidos ........................................................................................... 143Lembranças de um funeral ........................................................................... 153Costumes russos e acertos de família .......................................................... 161Um novo livro na cidade............................................................................... 177Dolorido rito de adeus .................................................................................. 187

Eletricidade e novos planos .......................................................................... 197Loja nova, médiuns e cinematógrafo .......................................................... 207Zoltan, o médium ........................................................................................... 217Explicações no plano espiritual .................................................................... 233Conversa difícil ............................................................................................... 239Ideais e amor ................................................................................................... 251Saudades e rebeldia ....................................................................................... 269Vida sem Helena ............................................................................................ 275O baile .............................................................................................................. 281Davi .................................................................................................................. 297Segredos revelados ........................................................................................ 307“Coice de mula” ............................................................................................. 317Visitas e um pedido inesperado ................................................................... 321Visita ao cárcere .............................................................................................. 329Noivado e consulta ........................................................................................ 341Caridade de semita e conselhos de avô ...................................................... 347Ensinamentos espíritas e vestes de núpcias ............................................... 363O casamento .................................................................................................... 369Brigas de casal ................................................................................................ 375A morte e seus destinos ................................................................................. 387Reencontros ..................................................................................................... 401Considerações finais de Ariel ....................................................................... 411

DEDICATÓRIA

Para Flora, que tanto cuidou de mim quando precisei, e para Zu,

Zizi e Mini, que me alegram os dias.

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“Helena foi minha ponte para o mundo.”Vicente

“São os atos, e não as palavras que lhe mostram a verdade sobre uma pessoa.”

Seu Henrique

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PRÓLOGO – RESGATE

Narrativa de ariel

– “Luz... luz... luz!!!”As palavras me chegavam como um estilete, cortando o véu de meu en‑

tendimento! Olhei para Clara na esperança de que ela tivesse alguma ideia nova, sobre como ajudar àquela pobre alma que ali estava, carente de todo e qualquer conforto. Esperança vã... embora o cercássemos de atenção, o pobre homem parecia não nos ouvir nem nos enxergar. Pedia por luz em um desespero crescente, e parecia estar assim por muito tempo, dado o estado de seus trajes e sua fisionomia extremamente cansada e suja.

Os cabelos compridos e a roupa de uma época mais distante eviden‑ciavam ainda mais a longitude de seu desespero. Há quanto tempo havia desencarnado? Perdido no umbral há quantos anos? Trabalhava eu, junto de Clara e outros amigos, no resgate de almas já há um bom tempo, e sendo assim, claro que já tinha visto pessoas nas mais diversas situações, depois da desencarnação: havia as almas ainda no início de seu desenvolvimento, quando a inteligência ainda parecia brotar lentamente, havia as que vaga‑vam maldosamente pela nossa amada Terra, e que, às vezes, tornavam ao umbral. vingativas, errôneas, cruéis, avaras, tinha visto já entidades de todo tipo, mas aquele senhor, de presumíveis trinta ou quarenta anos terrenos, não me parecia mau: apenas cansado e em desespero profundo.

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Estava em um lugar lamacento, com vapores úmidos a cercá‑lo dei‑xando a impressão firme de um calor angustiante. A impressão do cheiro era extremamente forte e nada convidativa, o que nos nauseava e cons‑trangia. Um pouco ao norte, uma pilha de lixo produzida pelos habitan‑tes locais atraíam insetos de variados tipos, enquanto em torno de nós algumas entidades nos olhavam, entre a curiosidade e a desconfiança. Sabiam que não éramos dali, eu e Clara. No mundo espiritual, diferente do físico, não há espaço para enganos e tudo em nós diferia enorme‑mente do ambiente que nos cercava. Apesar disso, não tinha medo, ela tampouco: apenas um pouco de piedade brotava de nossos corações, e eu não pude deixar de pensar que graças ao Senhor não estávamos na‑quela situação triste. Como ouvindo meus pensamentos sombrios, Clara me confidenciou:

– Tem razão. O Senhor é benevolente conosco. Imagine o que é passar anos e mais anos em um lugar assim. É certo que pedindo verdadeiramen‑te a Deus, isso pode ser passageiro, pois sempre há um lugar na Colônia para os que realmente se arrependem! Que coisa triste pode ser o orgulho, não acha, meu bom Ariel?

Olhei o semblante de Clara, os cabelos finos e castanhos, muito lisos, presos atrás da cabeça por um delicado véu azul. Pude notar em seus olhos escuros a preocupação que dela se avizinhava a respeito de nosso resgate em curso, pois por mais que fizéssemos não conseguíamos nos co‑municar com aquele pobre senhor, que continuava a pedir: “Luz... luz...”

Tal desespero quase nos conduzia à inércia, pois em seguida ele come‑çou a soluçar dolorosamente, e a reclamar de sua condição de penitente, ainda que ela fosse autoimposta. À nossa volta algumas entidades pare‑ciam se divertir com a cena, chegando um senhor de idade a nos dizer:

– Não adianta falar com ele que não responde! Pensa que não tenta‑mos? É um inútil que chora e pede por luz! Já dissemos a ele: não há luz aqui, e é mesmo melhor que não haja! Quem quer ver tamanha podridão? Que Deus é esse que nos trata assim?

Observei mais de perto a pequena figura desse homem, nos seus ses‑senta e cinco anos terrenos, de nariz adunco e poucos fios de cabelo na

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cabeça luzidia. Sua barriga ainda inchada tombava à frente de seu corpo, acentuando um defeito de coluna que fazia com que se apoiasse em uma bengala marrom, de ponta de ferro tosco. vestia-se de forma lamentável, uma vez que se encontrava também bastante sujo, mas percebia‑se que não se tratava de pessoa que viesse de lar humilde. Ao contrário, dos de‑dos pendiam dois anéis de pedras e ouro, e do colete do amarfanhado ter‑no, pendia uma corrente também de ouro a carregar um relógio bastante castigado pelo tempo.

Notei as entidades em torno dele, agitarem‑se com seu desabafo, e ficarem mais encorajadas de se aproximar de nós. Observei Clara páli‑da, a olhá‑lo com o canto dos olhos e se preparando para dizer‑lhe algo, mas intervi:

– Não adianta falar-lhe de Deus e de Sua misericórdia, querida amiga. Este se crê dono da razão, cheio ainda de mágoa, orgulho e ódio. Deixe que o tempo se encarregará dele também, afinal, não se encarregou de nós mesmos?

Ela me sorriu, concordando. Sabemos que para todos há o perdão di‑vino, e que mais cedo ou mais tarde, quem sabe não voltaríamos para resgatar também este que agora nos afrontava? Lembrei-me do semblante formoso da senhora que nos procurara pela manhã, os cabelos castanhos claros, tingidos de prata em alguns pontos, os olhos verdes. veio ela bater à minha porta pedindo que resgatássemos seu único filho, já há muito tempo aprisionado no umbral pela sua própria teimosia e orgulho. Cha‑ma‑se dona Aurora, e não pude deixar de pensar que o nome era apro‑priado para senhora tão bela, e de traços tão finos.

O rosto sem rugas não revelava sua idade, e sentindo que emanava de sua alma valores morais edificantes, prestei atenção ao seu pedido, fa‑lando com meu supervisor que autorizou a minha busca, juntamente com Clara, que sempre me acompanhava nos casos mais complicados.

– Enquanto encarnado, meu filho foi bom, mas achava-se em tudo su‑perior aos outros! Nunca foi mau, nem prejudicou alguém propositada‑mente, mas o orgulho esteve presente em toda a sua criação, e ele acabou se perdendo – dizia-me dona Aurora angustiada, mas firme em seu propósito.

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Clara a observava penalizada. Conhecia bem as agruras de ser mãe quando ficava preocupada com sua filha, e teve por ela imenso carinho, pois percebíamos claramente que a culpa nublava o formoso semblante. Ela se desculpou:

– Meu amado vicente devia ter sido mais direcionado à religião. Tal‑vez a culpa seja um pouco minha, mas o pai também era de outra crença, e o destino o levou para o lado da ciência desde menino. Filho único, rico, não lhe faltaram mimos e elogios.

E o resultado não podia ter sido mais triste. Há décadas estava preso no umbral, vítima do próprio materialismo1. Lembrando-me agora de dona Aurora não pude deixar de pensar que seria muito fácil se pudéssemos mol‑dar os filhos conforme os nossos valores, mas eles, assim como nós são al‑mas únicas e pulsantes, donos das suas próprias verdades. Clara acalmou--a, dizendo que tudo faríamos para resgatar vicente, que finalmente pedia por luz, e que ela não perdesse as esperanças, afinal, casos bem piores já tinham tido solução. A bondosa senhora enxugava as lágrimas, e nos disse:

– Não conseguimos nos aproximar dele. As vibrações em torno são pesadas e asfixiantes, e ele mesmo, por crer apenas na matéria, se mantém preso, vítima da própria ignorância. Sempre acreditou que nada havia na vida após a morte, e agora tomba assim, por tantos anos, nessa angustiada solidão. Está confuso pois sente frio e calor, mas não consegue se comuni‑car com ninguém, pois para ele, nada há!

“Nada há...”, as palavras de dona Aurora se repetiam em minha men‑te, e eu tentava inutilmente achar uma forma de me comunicar com um ser, que pelas próprias crenças errôneas, se mantivera em absoluto desam‑paro desde a desencarnação. Já sem saber o que fazer, sentei-me ao lado de Clara, desanimado e confuso.

– Não sei mais o que fazer, minha boa amiga. Ele nega a presença de todos nós!

1 Nota da médium: na época materialismo não significava uma pessoa extrema‑mente ligada à matéria, mesmo porque Vicente estava longe disso, era generoso sempre que podia, mas sim pessoas que não acreditavam existir algo além do mundo material, físico, tornando-se assim agnósticos ou ateus.

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Olhando-me pensativa, vi um clarão em seus olhos brotar de seu ínti‑mo, ao que ela me segredou em voz baixa:

– Calma, Ariel, tive uma lembrança.E assim falando, para minha surpresa eis que vejo Clara ajoelhar‑se,

postando-se em oração. “Pede e lhe será concedido” tinha dito o divino mestre Jesus, e assim ela o fez, para espanto das outras entidades que já se aproximavam de nós. Aos poucos, vi formar-se ao lado direito dela, um vulto materializando‑se de extrema luz, que oscilava entre o amarelo, rosa e branco. vi então com certo alívio que assustados pelo fenômeno, os ou‑tros começaram a dissipar-se e fugir dali, ficando entre nós apenas o pobre vicente, Clara, eu e finalmente a ajuda esperada: Olívia.

Vestindo clara túnica branca, que mal chegava aos joelhos, a formosa menina me sorriu, e cumprimentou Clara já bem mais aliviada. Por fim, pousou os olhos castanhos esverdeados em Vicente, que continuava em seu desesperado apelo por luz. Observou-o por algum tempo em silêncio, e por fim nos perguntou:

– Que tem ele? Não me parece mau, é algo nos olhos, não é?Os cabelos cheios de cachos graciosos, entremeados por uma luz inte‑

rior a deixavam com um aspecto de anjo. O suave cheiro de jasmim tomou conta do ambiente, dissipando o fedor que antes existia. Ela parecia ter no máximo doze anos terrenos, como sempre, mas no ambiente escuro do umbral, seu brilho era ainda mais visível.

Por fim, vendo que ele também não a escutava, embora ficasse subita‑mente em silêncio, como a perceber algo, ela caminhou na direção dele e flutuando, postou as duas mãozinhas em torno de suas orelhas, deixando que delas se emanasse suave luz em tom de amarelo claro. Curioso, obser‑vei a entidade reagir a um estímulo externo, erguendo os braços magros para a frente a perguntar:

– Quem está aí? Parece que escuto algo, finalmente!Olívia sorriu para nós, e tirando as mãozinhas delicadas das orelhas

dele, esfregou‑as uma na outra como se a “recarregassem” de energia pura. Então, colocou-as nos olhos dele, como jatos de luz benfazeja, calan‑do a mim e a Clara, que sorria encantada com ela. Feliz, Clara me disse:

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– Sabia que ela nos ajudaria...Observei-a tirando as mãos dos olhos dele, no local onde antes apenas

a sujeira imperava, pude ver dois olhos claros e azuis, olhando fixamente para Olívia. Ele disse:

– Então minha mãe estava certa... anjos existem!Divertida, mas um tanto zangada, ela respondeu:– Não sou anjo... pelo menos não sou ainda!Sentado no chão cheio de lama, ele olhou em volta. Chorou copiosa‑

mente, num misto de pena de si mesmo e tristeza, e se dirigiu a nós:– Onde estou? Parece que há séculos me desespero na escuridão! Que

lugar é esse? O purgatório?Impossível descrever a nossa alegria de vê-lo finalmente comuni‑

cando-se! Afastada, sorrindo, Olívia nos observava dando as primei‑ras explicações a nosso novo hóspede. Sentindo que ela ia despedir - ‑se, perguntei:

– Olívia, como fez para que ele se curasse? Não ouvia nem enxergava nada há décadas. O que você fez?

Rindo um pouco, ela me respondeu, travessa:– Ora, Ariel, como queria que ele enxergasse e ouvisse com toda aque‑

la lama?Calei-me pensativo e sério. Então, depois de horas tentando nos comu‑

nicar com aquele pobre espírito enfermo, ela chega e me diz que “era só tirar a lama”? Lendo meus pensamentos, ela riu-se:

– Pois não dizem que “a fé remove montanhas”? Imagine o que não faz só com um pouco de poeira!

E assim despediu‑se de mim e de Clara, que cuidávamos agora de nosso novo amigo, finalmente resgatado à Colônia. Foi a primeira vez que estive com Vicente, e devo dizer que depois de quebradas algumas barreiras, ele se mostrou inteligente e inquisitivo como realmente era.

Tentamos levantá-lo, eu e Clara, para enfim transportá-lo à Colônia, para um tratamento em uma de nossas unidades. Não foi fácil. Décadas de quase imobilidade o haviam deixado muito trêmulo, e pude notar, ape‑sar da sujeira, uma coluna torta num corpo extremamente magro. Ima‑

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ginei que a “causa mortis” dali viria, pois ele se queixava muito de dor. Por fim conseguimos colocá-lo em uma maca improvisada, já que eu não esperava um homem de tão grande estatura, causando surpresa em mim e em minha companheira de viagem. Ela me olhou com os olhos escuros franzidos pelo esforço, e me perguntou pelo pensamento: “minha nossa! Quanto será que ele tem de altura?”

Tendo eu, que conservei minha última aparência terrena um metro e setenta e seis centímetros, calculei que nosso bom Vicente tivesse pelo menos um metro e noventa. Para minha surpresa, ele me respondeu pron‑tamente, um tanto encabulado:

– Sou alto mesmo! Meu pai tinha um metro e oitenta e dois, mas eu, tenho um pouco mais. Coisa de um metro e noventa e cinco... mas já fui maior. Acho que a morte me diminuiu.

Nosso amigo “gigante” se acomodou finalmente, e o transportamos sem muita dificuldade. Estranhei sua capacidade imediata de “ler pen‑samentos”, pois eu mesmo tinha levado um bom tempo para adquirir tal “dom”.

Expliquei‑lhe que o levaria para uma casa de tratamento, onde se sen‑tiria bem melhor, depois de limpo e tratado. Podia sentir sua curiosidade misturada com uma confusão natural, afinal, rápido chegamos aos por‑tões da Colônia, onde amigos prestimosos já nos esperavam, junto com dona Aurora, faces afogueadas, lágrimas escorrendo pelo rosto de puro alívio ao ver o filho muito querido:

– vicente! – disse ela. – Enfim está entre nós!!! Tanto tenho orado, filho querido, para que isso acontecesse.

Ele a olhou com um sorriso de alívio por ver alguém conhecido. De‑pois, como lembrando‑se de algo, perguntou:

– Mas, também está morta, minha mãe? Continua bela, mas quando morri a senhora ainda estava tão bem!

Ela lhe segurou as grandes mãos nas suas, pequenas e brancas:– Desencarnei há pelo menos oito anos, querido filho! você ficou

“adormecido” por mais de vinte anos terrenos! Mas, não fale em “morte”. É tudo ilusão, vicente! Estamos aqui bem “vivos” como pode notar.

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Vi no semblante dele a confusão mental que se instalou: “adormecido” por mais de vinte anos terrenos? Como podia ser isso? Lembrou-se das lições de materialismo que tinha cultivado durante toda a sua curta vida, e da certeza de seus mestres que sempre defenderam que com a morte, tudo se findava. Era tudo um engano, então?

Assombrado, fitava com os olhos muito azuis a estrutura dos muros da Colônia, o ar leve que ali se respirava, e o imenso prédio de linhas levemente gregas, que finalmente avistava: três andares, circundado por formosos jardins com fontes a jorrar água cristalina e pura. Esfregava os olhos tentando entender melhor o que se passava: não seria aquilo apenas uma ilusão criada por seu cérebro, que dava seus últimos sinais de inteli‑gência material?

Notando nele as dúvidas que atrasariam ainda mais seu desenvolvi‑mento e sua cura, resolvi falar‑lhe:

– E não seria “ilusão” também toda a sua vida material? A vaidade humana quase sempre nos cega, vicente! É hora de finalmente enxergar o que você sempre chamou de “consolo para os menos favorecidos e os tolos”. A vida após a morte é plena! Não tem todos os seus sentidos bem aguçados, alguns até mais do que quando estava “vivo”? Não sente dores, frio, calor, e até mesmo fome e sede? A matéria é apenas uma pobre esco‑la, meu bom amigo, aqui sim esse seu espírito poderá se maravilhar com as criações de Deus.

Senti nele um temor justificado, pois imaginou logo um Deus vingati‑vo, que o levaria para as “chamas” do inferno pela sua incredulidade. Foi a vez de Clara dar uma de suas suaves risadas:

– Ora, vamos! Não precisa ter medo! Também eu quando desencarnei fiquei meio desconfiada, afinal, não era muito de “ir às missas”. Deus é amor, vicente, e o amor sempre espera e perdoa os nossos enganos... só é preciso ter humildade para aprender, e fé.

Ao ouvir falar de humildade ele ficou meio cabisbaixo: nunca tinha tido semelhante virtude, que desde cedo confundira com “fraqueza”. Nossos amigos do plano espiritual chegaram prontamente, levando‑o para um tratamento, enquanto ficávamos com dona Aurora do lado de

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fora. Notando que sua alegria se mesclava com preocupação, tratei de tranquilizá‑la:

– Agora cuidarão dele, minha boa amiga. Como viu, não está em bom estado e precisará de muita atenção até que se recupere e possa viver co‑nosco. A despeito disso, sabe que poderá visitá-lo, não é?

Ela assentiu com a formosa cabeça, e dando‑me o braço a caminhar para fora da construção agradeceu‑me:

– Não tenho como expressar a minha gratidão, meu bom Ariel! Não fosse por você e Clara, quanto tempo mais ele ficaria preso, entre aquelas horrendas criaturas que o “vampirizavam” de tempos em tempos?

Expliquei a ela que a real “salvadora” no caso, tinha sido Olívia, res‑pondendo às preces de Clara. Ela sorriu:

– Olívia? Ouvi falar muito dela, mas ainda não a conheci... é mesmo linda como dizem?

Lembrando do formoso rostinho cercado por cachos castanhos claros, assenti com a cabeça.

– Pois leve a ela os agradecimentos desta mãe. Que situação horrenda se encontrava meu amado filho! Apesar de materialista, vicente nunca foi mau!

Sabendo que ela o olhava com olhos de mãe, concordei com a cabeça e fui com ela caminhando em direção a uma área mais residencial. Lembrei --a que em poucos dias poderia ver o filho, e conversar um pouco mais com ele. Dona Aurora sorria, satisfeita e feliz, agradecendo à bondade divina pelo filho finalmente resgatado. À nossa frente, um maravilhoso pôr do sol se desenhava, com luzes violáceas, azuis e douradas. Lembrei que na Terra já gostava de observar tal fenômeno natural, mas que ele parecia apenas uma pálida sombra comparado aos daqui, onde as cores pareciam ao mesmo tempo mais vivas, e mais translúcidas.

Deixando-a em sua residência, confortada e esperançosa, segui para a minha onde encontraria algum descanso. Geralmente não necessitava mais disso, mas o dia tinha sido ao mesmo tempo proveitoso, e cansativo.

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TEOLOGIA E CIÊNCIA

Ao contrário do que muitos pensam, na Colônia sempre há muito o que fazer para quem assim o deseja. Minha boa amiga Clara (autora do livro Cartas à Júlia) por exemplo, assim que chegou se dedicou a cuidar de crianças desencarnadas, pois algumas, embora fossem espíritos milena‑res na estrada terrena, por algum motivo se conservavam daquela forma. Assim que cheguei e me recuperei, dediquei‑me alguns anos a trabalhar no imenso prédio que descrevi, tanto em serviços mais humildes (banhar, limpar os enfermos), como depois nos mais complexos (passes de cura, nos quais tive apenas pequenos sucessos, visto que demandam um alto grau de desenvolvimento espiritual).

Depois de alguns anos, resolvi dedicar-me ao resgate de entidades no umbral. Não é uma tarefa fácil, pois impossível seria abrir as portas de nossa Colônia a qualquer tipo de entidade, visto que poderiam atra‑palhar o desenvolvimento alheio. O resgate me atraiu por ser uma das tarefas mais instrutivas que existem no mundo espiritual: no ambiente espesso do umbral habitam espíritos que vão desde atormentados por culpa, a alguns tão maléficos que parecem ser deformados. Para mi‑nha surpresa, no curso que recebemos para poder trafegar no umbral, a frágil Clara saiu‑se muito bem, e tornou‑se uma companheira bastante

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valiosa, já que era tão rica de fé, que quase nunca tinha medo do que via por lá.

Mas o melhor de trabalhar nessa tarefa, estava quando conseguíamos nosso intento, levando para a Colônia entidades que já poderiam conti‑nuar no seu curso de evolução, conforme a bondade divina. Fazer o bem sempre foi o maior dos prêmios e me dava grande alegria. Mas, como assim me era permitido, resolvi visitar o nosso estimado “gigante” depois de alguns dias de internação, e qual não foi minha surpresa ao vê‑lo lim‑po, e sentado numa de nossas camas de enfermaria.

Cheio da lama que empesteava seu corpo espiritual, ele já me pare‑cia alto. Mas assim limpo, cabelos cortados na nuca, com largos cachos já meio grisalhos no alto da cabeça, me parecia maior ainda! Pude final‑mente admirar‑lhe o aspecto físico, e devo dizer que me simpatizei de imediato com ele.

Os cabelos na juventude pareciam ter sido de um castanho claro, que depois foram entremeados pelas mechas brancas do tempo. Os olhos muito azuis eram pequenos em comparação ao resto do rosto, e sobrance‑lhas espessas os encimavam. O nariz era um tanto adunco, mesmo assim parecendo pequeno em comparação ao rosto e os lábios finos ainda es‑tavam meio ressequidos, mas o sorriso que me deu iluminou a sala, ace‑nando‑me com o braço comprido e os dedos esguios em minha direção:

– Senhor Ariel! Que bom vê‑lo novamente!Ainda estava bem pálido, mas nem de longe parecia aquele ser doente

que foi resgatado por mim e Clara. Fui em sua direção sorrindo de prazer ao vê-lo tão melhor de aspecto.

– Vicente! E então? Como se sente? Passou a dor na coluna?Ele pôs‑se de pé, ao que eu tive que “esticar” o pescoço para continuar

a conversa. Apontou para a coluna, bem menos torta, e me disse mui‑to animado:

– Mas, o senhor não acreditaria nas coisas que fazem por aqui! Como a medicina na Terra é atrasada, meu benfeitor! Por aqui nada de unguentos, ou remédios amargos que nos perturbam o paladar... ou ainda gotas que nos colocam a dormir indefinidamente!

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Claro que já tinha visto os métodos de cura utilizados no plano espi‑ritual, mas ao vê-lo tão animado, não pude deixar de estimulá-lo a falar.

– Pois cheguei aqui com a coluna que parecia mais uma imensa “vír‑gula” de tão torta! A dor era bastante intensa, mas olhe que aí me chega um senhor de aspecto bastante sério, primeiro me passando uma “repri‑menda” pelos meus gemidos que estavam incomodando os outros pacien‑tes. Depois, me pediu que relaxasse o corpo apesar da dor, e esfregando as mãos uma na outra fez surgir uma espécie de calor que aplicou na região doente, e como num passe de mágica, a dor foi passando.

Sorri comigo mesmo imaginando “quem” o tinha atendido, mas con‑tinuei escutando:

– É certo que não passou de todo, mas pelo menos pude dormir um pouco. Desde então já me deu algumas sessões e olhe que agora posso inclusive andar sem muito esforço! Uma maravilha!

E assim falando deu uns passos compridos, bem na minha frente, como a comprovar o que tinha me contado. Continuei a ouvi-lo com aten‑ção, curioso por saber de suas outras impressões:

– A comida é que eu estranhei um pouco. Quando cheguei a dor era tão grande que tinha me esquecido da fome, mas assim que o desconforto passou, que apetite me abriu! Pedi educadamente que alguém me trou‑xesse o que comer e uma moça bonita me sorriu, vindo para mim com uma tigela de louça branca cheia de um caldo leitoso. Olhei para ela meio decepcionado, pois acreditei que aquilo, diferença nenhuma me faria. O amigo não sabe, mas apesar da magreza, na Terra eu fui “um bom garfo”.

Sorri, pois imaginei sua reação diante da poção minguada de alimen‑to. Sentando-se na cama, ele me confidenciou:

– Não queria ser mal-educado. Deus me livre! Assim, peguei da tigela e levei-a aos lábios, sem muita esperança de saciar a fome. Qual não foi minha surpresa ao notar que estava saciado antes de terminar! Agradeci muito à moça, que me disse que voltasse ao repouso, pois logo estaria em condições de ter “alta”. Sono tranquilo me embalou, e agora, quando eles vêm me trazer o “caldo”, não me faço de rogado! Vou logo pegar a minha parte.

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Dei boas risadas com vicente, que a despeito do tamanho avantajado, algumas vezes parecia uma criança a descobrir as novidades do mundo espiritual. Sabendo da necessidade de silêncio naquela sala de recupera‑ção, convidei‑o a ir aos jardins da frente, para podermos assim conversar mais tranquilamente. Ele levantou-se, muito animado, pousando a mão imensa sobre os meus ombros com familiaridade:

– Podemos sair, então? Pois vamos! Não sabia que era permitido.E assim fomos, ele apoiado em mim, como se me conhecesse há longos

séculos. Andava ainda com alguma dificuldade, mas assim que atraves‑samos o portão que dava de frente ao jardim colorido da instituição, vi no seu rosto um deslumbramento que lhe tirou a fala por alguns instantes.

Primeiro ele aspirou o ar puro e translúcido da Colônia, depois bai‑xou os olhos para a infinidade de plantas que habitavam nossos canteiros, algumas em estágio de franca floração, em colorido intenso. Calado, con‑cordei com seu deslumbramento: mesmo depois de décadas na Colônia, a beleza de algumas obras do Criador ainda me tiravam o fôlego.

– Que espécies são essas? – perguntou-me ele. – Na Terra não há flores assim! Reconheço aqui e lá algumas margaridas, mas essas, parecidas com violetas, que diferentes!

Olhei meu bom amigo com simpatia, e dispus-me a tentar explicar o que já me tinha sido dito há muito tempo atrás.

– “A casa de meu Pai tem muitas moradas”, como dizia o nosso ama‑do Jesus. E em cada uma delas a bondade do Criador nos provê com o que precisamos para nossa sobrevivência e aprendizado. Mesmo na nos‑sa Terra tão querida, tudo tem uma razão de ser e existir. Essas plantas não existem apenas para nosso deleite e encantamento: a maior parte dela ajuda, ou mesmo cura um sem número de males. O homem é um tolo, que muitas vezes destrói ou sequer nota os benefícios quando busca pela riqueza material desenfreada. Acham-se todos muito inteligentes, mas são irresponsáveis quando levam o planeta ou o seu próximo à destruição para satisfazer seus vãos interesses.

Encantado, o “gigante” abaixava‑se a olhar mais de perto uma ou ou‑tra espécie, quando por nós passou enorme pássaro, de penas multicolo‑

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ridas, num voo solo e pousou num dos ramos das numerosas árvores do jardim. Ele sorriu ao avistar a bela criatura, e segredou-me:

– Não sei se o amigo sabe, mas muito me interessei por botânica e quí‑mica quando encarnado. Essas novas espécies são deslumbrantes!

– Assim que se restabelecer completamente, Vicente, poderá estudá ‑ -las aqui também. Temos cursos para os que se interessam. A ciência aqui é estimulada, e anda de braços dados com os estudos teológicos.

Ao ouvir isso ele arregalou os olhos azuis em profundo espanto:– Teologia e ciência andando juntas? Na Terra eram quase inimigas!

Tanto a religião atrasou a ciência e seus benefícios... e os medos que ten‑tavam nos infundir?

Sorri pensando na ironia de tudo aquilo, e respondi:– Pois quanto maior o empenho pela ciência, maior será a proximida‑

de de Deus. A ciência verdadeira luta pela verdade e o conhecimento, e quando usada para o bem mais aproxima o homem do Eterno. Se notares com cuidado, nossos maiores sábios, as mentes iluminadas de seu tempo, quase sempre sentiram a presença do Altíssimo muito mais do que seus religiosos. A verdadeira religião não deve punir a ciência, mas estimulá-la para feitos que gerem a paz e a alegria humana.

Ele me olhava assombrado. via em seus olhos azuis tantas perguntas e curiosidade, que resolvi incentivá‑lo com uma pergunta:

– Não concorda comigo, meu bom Vicente?Sentando-se num banco de pedras junto ao jardim, ele parecia refletir

sobre minhas palavras, quando finalmente disse:– De certa forma concordo, senhor Ariel, mas na Terra as coisas são

muito diferentes. A religião dominante emperra de todas as formas pos‑síveis quaisquer descobertas. Eu mesmo sou “cristão novo” (nome dado a antigos judeus que se converteram à fé católica, por conveniência, con‑vicção ou medo de represálias), mas nunca me simpatizei com a igreja. Minha mãe, dona Aurora, era católica devota. Já meu pai, mais agnóstico impossível! Dizia com todas as letras para quem quisesse ouvir que a vida começa na Terra, e termina na Terra. Como amava muito a minha mãe e sabia que sua postura os tornavam mais “bem aceitos” na sociedade local,

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respeitava‑lhe a fé, mas dizia com frequência que os padres só queriam saber era de seu dinheiro.

Ele calou‑se, como se tivesse medo de ter me ofendido de alguma for‑ma. Sorri para ele tranquilizando-o:

– Na realidade, Vicente, em todas as religiões existem os bons e os maus pastores. Seu pai podia não estar de todo errado...

Ele me olhou algo triste, e comentou:– Agora reconheço que existe vida após a morte, mas viu o que me cus‑

tou? Por não ir às missas como minha mãe sempre queria, fiquei por mais de vinte anos no “inferno”. Pois pareceram séculos, onde a dor, a fome e o frio me açoitavam quase sem misericórdia, entremeado por períodos de sono com ou sem sonhos, alguns bem pavorosos!

Ao ouvir tamanho absurdo, delicadamente discordei:– Não é bem assim, vicente. Na realidade você não estava no “infer‑

no”, embora pudesse assim parecer. A região onde você ficou por déca‑das, praticamente adormecido, chama‑se “umbral”, ou seja, é uma espécie de espaço entre a Terra e a Colônia.

Ele me olhou, tentando compreender:– Era o purgatório, então? Se o purgatório é daquele jeito, Deus me livre

do inferno! Esteve lá comigo, me resgatando, por acaso já viu lugar mais desconfortável ou mais feio? E aqueles seres horrorosos, demoníacos?

Referia-se sem dúvida aos que o cercavam durante seu sono autoim‑pingido, sugando‑lhe as energias vitais sem que ele se apercebesse e dei‑xando-o cada vez mais fraco. Finalmente entendi o meu bom amigo, que pensava sem dúvida em termos da fé católica tradicional, que condenava pela eternidade e punia sem descanso seus pecadores.

vicente tinha sido “vampirizado” por um longo período. Assim que almas menos evoluídas descobriram aquele ser que se achava destinado a “desaparecer”, passaram a “sugar” suas energias vitais sem sossego, mes‑mo porque ele não reagia. A ele pareceram pesadelos sem fim, e eu me vi tentando imaginar por onde começar para desfazer aquele lamentável engano. Respirei fundo e tentei explicar:

– Um sábio disse uma vez, que o céu e o inferno estão dentro de nós.

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Concordo com ele, pois mesmo eu aqui, seu novo amigo, já passei por alguns deles.

Apesar da minha observação bastante “filosófica” notei que ele não concordou nada comigo. Li em seus pensamentos que por sua escolha, nunca teria passado por todos aqueles horrores do umbral.

– Sempre foi amigo da leitura, não é mesmo, Vicente?Distraído assim de suas lembranças funestas, ele tentou sorrir e

me disse:– Ah, sim, nossa pequena cidade era bem servida de livros, e eles foram

preciosa companhia durante toda a minha vida. Nosso livreiro, o senhor Antônio era pessoa muito gentil, que sempre me guardava os livros que achava interessantes. Morreu quando eu tinha meus vinte e cinco anos, tinha verdadeiro amor pelos filósofos gregos e através dele, na adoles‑cência, tive acesso aos três maiores: Sócrates, Aristóteles e Platão. Fiquei realmente fascinado com as ideias gregas, e agora concordo um pouco contigo: é verdade, muitas mentes iluminadas acreditavam em Deus.

– Pois aqui temos vastas bibliotecas, nas quais acredito que você estará bem servido. Assim como vários cursos usados para o bem comum, pois como já te disse, a verdadeira ciência nos aproxima da fé. E, ao contrário de muitas de nossas escolas na Terra, aqui o questionamento é bem‑vindo, e estimulado.

Ao me ouvir contar essas novidades ele me olhou um tanto incrédulo. Então por aqui existem bibliotecas e cursos? A imagem que lhe passaram do céu como “descanso eterno” não lhe parecia nada com isso. Observan‑do seus pensamentos, eu lhe sorri:

– Ora vamos, meu bom vicente! Não lhe pareceria extremamente te‑dioso e sem sentido esse “descanso” eterno? A nossa amada Terra não passa de cópia primitiva da Colônia onde você se encontra agora. Claro que por aqui há escolas, cursos, e muitas outras coisas que o deslumbra‑rão. Tecnologias futuras de nosso amado planeta nascem na maior parte das vezes no plano espiritual. Quando estiver melhor, eu lhe mostrarei.

Ele me sorriu bastante animado com a perspectiva, e me segredou:– Minha mãe disse que logo terei “alta”, e solicitou permissão para que

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eu pudesse morar com ela, o que foi concedido. Sei que você é ocupado, Ariel, pois ela me contou que trabalha com os “resgates”, mas poderia me mostrar as coisas por aqui? Sinto contigo imensa afinidade de pensamen‑tos, e não desejo ser nenhum peso para ninguém. Não me esquecerá?

Sorri para ele já como um amigo de outras eras.– Claro que não. Aliás, pensa que meu trabalho é apenas “resgatar es‑

píritos do umbral”? Terei imenso prazer de mostrar‑lhe a Colônia, e desde já, considere-me um amigo. Fique tranquilo que não o esquecerei, pois também simpatizei bastante contigo.

Vi surgir nele um sorriso tímido mostrando dentes que pareciam pe‑quenos demais para o rosto grande de meu amigo. Senti então que apesar da aparência não ser harmônica em seus traços (o nariz adunco, sobran‑celhas espessas, rosto anguloso e comprido) ele tinha lá seus encantos. Talvez vindos de uma curiosidade quase infantil e uma bondade que eu sentia desabrochar em cada nova conversa. Um tanto sem jeito, ele per‑guntou‑me:

– Tinha eu lá na Terra, uma pessoa que me é muito cara – enrubesceu como uma criança, mas continuou – chama‑se Helena, será que não está por aqui? Afinal, faz já bastante tempo que estou morto, não?

– Está “desencarnado”, e não “morto” – corrigi na melhor das inten‑ções. – A ideia de morte nos passa “inatividade”, logo é melhor acostu‑mar-se com novas palavras que expressam melhor sua condição. E temos por aqui muitas “Helenas”. Nossa Colônia é muito grande, mas se ela estiver por aqui, não tardaremos muito a encontrá-la.

vi nos olhos azuis uma pequena chama acender-se. Então, tinha um amor esse meu amigo? Tentaria localizá‑la, talvez dona Aurora me escla‑recesse seu paradeiro ou me explicasse de quem se tratava. Sentindo que ele começava a cansar‑se e que precisava de repouso, levei‑o para dentro da instituição, onde uma irmã me disse que tanto tempo de visita não era recomendável a quem saía de uma situação como a de vicente. Aceitando a reprimenda carinhosa, encaminhei‑me para a porta, ao que ele ainda me recomendou:

– Não deixe de vir me ver...e tente saber notícias de Helena...

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Saí do recinto pensando em como precisamos de amor, todos os seres. Fui à casa de dona Aurora, curioso, pois não sabia que Vicente tinha tido uma esposa, ou namorada. Às portas de sua casa, pequena e arrumada, ela me sorriu quando lhe perguntei sobre a moça, e me respondeu com algum mistério:

– Perguntou por Helena, então? Esse meu filho não toma mesmo jeito...

E para minha surpresa, desconversou como se não quisesse falar no assunto. Ciúmes de mãe? Talvez... mas convidando-me para tomar um caldo que tinha feito, ela me disse:

– Meu filho não teve uma vida muito comum, senhor Ariel. Talvez pela aparência física, afinal, ele era um “gigante” em nossos tempos. Não havia na cidade um que se comparasse em tamanho. Apesar disso, nunca deixou de ser carinhoso com as pessoas de quem gostava, e chegava mes‑mo a ser delicado no trato com todos.

Calei‑me, ouvindo e pensando que realmente o nosso Vicente era ca‑rismático quando queria, e incrivelmente simpático. Ela continuou:

– Ouvi dizer que o senhor e seus amigos estão enviando histórias de vida para a Terra, na intenção de passar ensinamentos e experiências. Meu filho tem um dom natural de se comunicar, mesmo sendo tão tími‑do. Quando criança aprendeu a ler muito cedo, e sua maior diversão era contar histórias aos seus amiguinhos que ainda não sabiam (ou não gos‑tavam) de ler.

– Gostaria que vicente contasse a sua história para nosso grupo?Ela suspirou:– Sempre fui muito religiosa, mas ele cresceu voltado para outros inte‑

resses. O pai era um tanto ausente, mas a ligação dele com meu sogro era muito forte. Acredito que sua história passará alguns ensinamentos que muito têm a ver com a vaidade e o orgulho humanos, assim como seus efeitos. Afinal, vaidade e orgulho ainda são duas características que de‑vem ser combatidas para a nossa felicidade e o nosso entendimento com o divino, não?

Notando a minha surpresa, ela continuou:

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– Mas não pense mal de meu filho tão amado! A lição dele foi mais que bem aprendida e acredito que ao contar a sua história, ele refletirá melhor sobre ela.

Guardei comigo as minhas impressões da formosa senhora, cuja apa‑rência física era tão diferente do filho, mas que se igualava a ele em caris‑ma e ternura. Mas tivemos de conviver e aprender muito, eu e vicente, até que ele se dispusesse a contar sua vida numa sala de leitura já bem conhecida, na qual até Olívia deu o ar de sua graça.

Ao olhar tantas faces curiosas, em nossa sala onde trabalhamos os romances que são enviados, depois de alguns meses no plano espiritual aprendendo e se recuperando, Vicente estacou de pronto, a perguntar‑me com o pensamento se todas aquelas pessoas ouviriam sua narrativa. Tam‑bém com o pensamento, disse‑lhe que não tivesse receio, que as coisas não eram como na nossa amada Terra e que não se preocupasse com julga‑mentos alheios. Meu bom amigo Olavo (espírito que ditou o livro Quando vier o perdão) aproximou‑se e disse‑lhe:

– Ora vamos, não tenha receio! Duvido muito que tenha uma história mais triste que a minha!

Encantado com a beleza, fidalguia e simpatia dele, vicente finalmente se aprumou na cadeira no meio do semicírculo, e respirou fundo. Com a ajuda de Deus, tentaremos reproduzi-la, tal como ele nos contou.