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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
FÁBIO JOSÉ BECHARA SANCHEZ
ALÉM DA INFORMALIDADE, AQUÉM DOS DIREITOS:
Reflexões sobre o trabalho desprotegido
SÃO PAULO
2012
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
ALÉM DA INFORMALIDADE, AQUÉM DOS DIREITOS:
Reflexões sobre o trabalho desprotegido
(versão original)
Fábio José Bechara Sanchez
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Sociologia.
Orientadora: Professora Doutora Maria Célia Pinheiro Machado Paoli
São Paulo
2012
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Aos companheiros e companheiras que vivenciaram e compartilharam o GT-8, e que mesmo diante da
experiência e histórias tão diversas, construíram um mundo comum.
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“Esse nada de particular que o caracteriza em sua função significante é justamente, em sua forma encarnada, aquilo que caracteriza o vaso como tal. É justamente o vazio que ele cria, introduzindo assim a própria perspectiva de preenchê-lo. O vazio e o pleno são introduzidos pelo vaso num mundo que, por si mesmo, não conhece semelhante. É a partir desse significante modelado que é o vaso, que o vazio e o pleno entram como tais no mundo, nem mais nem menos, e com o mesmo sentido”
Jacques Lacan – Seminário VII
“Ele está convencido da verdade de que não temos tempo de viver os verdadeiros dramas da existência que nos é destinada. É isso que nos faz envelhecer, e nada mais. As rugas e dobras do rosto são as inscrições deixadas pelas grandes paixões, vícios, pelas intuições que nos falaram, sem que nada percebêssemos, porque nós, os proprietários, não estávamos em casa”
Walter Benjamin
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RESUMO
Este trabalho busca compreender as formas de relações de trabalho que estão
à margem do assalariamento e suas consequências e perspectivas para a
relação entre estado e sociedade no que se refere ao mundo do trabalho. A
literatura tradicionalmente chamou os trabalhadores envolvidos nestas formas
de relações laborais de “informais” ou “atípicos”. Neste sentido, foram
tradicionalmente compreendidos, tanto academicamente como politicamente,
na chave da falta e da impossibilidade da política.
Contudo, se é verdade que do ponto de vista das instituições tradicionais
relativas ao mundo do trabalho (sindicatos, estado e suas formas jurídicas de
regulação do trabalho) elas de fato ainda são estranhas e não nomeáveis
senão pela falta, no contexto das transformações econômicas e políticas
ocorridas na últimas décadas, estas formas de relações laborais são
constitutivos tanto do atual modelo de acumulação como também criam novos
campos de conflitos, e a partir deles estão buscando se organizar
politicamente, construir identidade e colocar sua agenda para o trabalho.
Buscou-se assim, na primeira parte deste texto, compreender o significado
teórico e político que as formas de trabalho não assalariadas tiveram e tem
para o mundo do trabalho.
Na segunda parte, a partir de uma discussão centrada na chamada economia
solidária, se busca compreender a emergência desta nova realidade e a
constituição de novos sujeitos políticos no mundo do trabalho, com identidade e
agenda próprias.
Contudo, se por um lado, neste processo de constituição de novos sujeitos
políticos, estas formas de trabalho e seus trabalhadores ficam além da
informalidade, por outro, ainda não conseguiram ser reconhecidos, em sua
relação com o estado, como sujeitos portadores de direitos.
Palavras chaves: trabalho informal, sociologia do trabalho, economia solidária,
cooperativas, políticas de trabalho, direitos trabalhistas, trabalho desprotegido.
Email: [email protected]
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ABSTRACT
This work aims to examine the non-wage based labour relations and
understand its implications for the State and Society. These kinds of labour
relations have been referred to as "informal" or "non typical". In this sense, they
have been viewed academically and politically as lacking or unviable.
However, if it is true that from the perspective of the traditional labour
institutions (Unions, State, and the juridical forms of labour regulation) these
labour relations are aliens and cannot be characterized but for absence of the
key attributes that traditionally have defined labour, in the context of political
and economical changes that took place in the past decades, these labour
relations are an important part of the accumulation model and have generated
new fields of conflict and have been trying to get politically organized, building
identity and pushing forward with their agenda.
The first part of the work focus on understanding the theoretical and political
implications of the non wage based relations for labour relations in general. On
the second part, based on a discussion around "solidary economy', we try to
understand the emergence of this new reality and the development of new
political subjects with their own agendas and identities. However, although
these labour relations and its workers are not informal, they still not recognized
in their relation with the State as having rights
Key Words: informal labour, Sociology of labour, Solidary Economy, Co-
operatives, Labour policies, labour rights, unprotected labour
Email: [email protected]
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................9
CAPÍTULO I – “Trabalho Informal” e heterogeneidade estrutural..................23 1.1 - Retomada do Emprego Formal: inversão da tendência?....................34 1.2 - Mundo do trabalho e o “Transbordamento” institucional.....................37
CAPITULO II - formas de organização de trabalhadores não assalariado....46
2.1 Crise econômica e novos movimentos sociais: o duplo condicionante do
Re-surgimento da Economia Solidária no Brasil ........................................50
2.1.1 Transformações do Trabalho e a “década perdida” do ponto de
vista econômico..................................................................................51
2.1.2 Movimentos sociais e a década das “invenções
democráticas”.....................................................................................53
2.1.3 Transformações no trabalho, novo sindicalismo e economia
solidária...............................................................................................56
2.2 – Pequena História do Re-surgimento da economia solidária no
Brasil............................................................................................................60
2. 3 Excurso: Economia Solidária: entre o formal e
informal........................................................................................................64
CAPÍTULO III – Política Pública de Economia Solidária: construção de uma nova institucionalidade.......................................................................................70
3.1 - A Economia Solidária no Governo Federal.........................................79
3.2 - O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento......................84
3.3 - A Economia Solidária como Política Transversal e Intersetorial.........86
3.4 - Algumas Articulações Internacionais da Secretaria Nacional de
Economia Solidária .....................................................................................95
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CAPÍTULO IV - Lei e Direitos: o instituinte e o instituído na economia solidaria ................................................................................................................................101
4.1 - Informalidade econômica dos empreendimentos econômicos
solidários no Brasil e o debate da forma societária mais
apropriada.................................................................................................102
4.2 - Lei Geral das Cooperativas .............................................................104
4.3 - Lei das Cooperativas de Trabalho ...................................................109
4.4 - “E da luta que se faz a lei”: a Lei da economia solidária ..................115
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................118 BIBLIOGRAFIA-..............................................................................................120 ANEXOS..........................................................................................................126
ENTREVISTA COM COORDENADOR EXECUTIVO DO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO.....................................................................127 ENTREVISTA COM ASSESSOR DA SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO...............................................................................................149 ENTREVISTA COM DIRETOR DE INSPEÇÃO DO TRABALHO.............171
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INTRODUÇÃO
Quem não escreveu sua assinatura, quem não deixou retrato
Quem não estava presente, quem nada falou
Como poderão apanhá-lo?
Bertolt Brecht
“Sentam-se em torno da mesa pelo menos 30 representantes de
entidades que congregam trabalhadores de áreas tão variadas quanto
representativas de todas as regiões do Brasil, do norte ao sul, do campo e da
cidade. A partir de uma contagem preliminar, com o apoio em números do
IBGE, supomos que estão ali representados em torno de 8 milhões de
trabalhadores. É um numero imenso e só podemos nos aproximar dele através
destas personagens com as quais estamos travando contacto:
responsabilidade grande de cada dos que ali estão, a de falar por seus
companheiros e, de certo modo, dar-lhes uma face humana com que podemos
trocar ideias
(....)
Á primeira vista há enormes distância entre artesões e empregados
domésticos, apicultores e caminhoneiros, camponeses e mineradores. O
encontro quer tirar a prova de que as distâncias não são intransponíveis: é um
encontro para estabelecer o traçado das estradas que nos unem e o desenho
das pontes que começam, hoje, a serem construídas. Aproximar experiências
tão desiguais de trabalho é um desafio que a SENAES começa a realizar.
O professor Singer dá as boas vindas, acolhe-nos e explica o que vem sendo
gestado no âmbito do governo federal para propor modificações na legislação
trabalhista. Fazemos parte de um grupo de trabalho –GT8 microempresas,
informalidade e autogestão – que se reunirá até novembro para discutir
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questões do trabalho, sindicatos, representação dos trabalhadores, direitos
sociais. Podemos negociar diferentes medidas e pleitear mudanças legislativas.
Importância da reunião que talvez, pela primeira vez, reúne trabalhadores de
áreas tradicionalmente afastadas das decisões e dos debates sobre a
legislação.
Em seguida todos se apresentam, e já nas apresentações trazem os problemas
legais e ilegais que os afligem enquanto trabalhadores. Há toda uma fase do
Brasil que ninguém desconhece: pescadores, seringueiros, artesões
empregadas domesticas, ambulantes, garimpeiros, pequenos agricultores. Mas
também ai estão os povos indígenas, os descendentes de quilombos,
moradores de rua, profissionais do sexo. Todos cidadãos que ainda lutam para
obter reconhecimento do lugar que tem na economia do pais e pedir legislação
que de abrigo legal as suas atividades – profissões – com longa tradição na
sociedade e que, no entanto, são invisíveis do ponto de vista legal. Têm
existência de fato, mas não de direito. E essa é a tônica da grande maioria das
questões e dos problemas que são colocados.
O que pode unir grupos tão diferentes em torno de uma mesa de discussão?”
(Relato de Sylvia Leser da primeira reunião do Grupo de Trabalho 8 –
Microempresas, autogestão e informalidade do Fórum nacional do Trabalho,
realizada em 4 de setembro de 2003)
* * *
“O que houve em relação à micro e pequenos empreendimentos e ao problema
da informalidade? O que houve é que, paralelamente à constituição do Fórum
(Fórum Nacional do trabalho), foi criado o Conselho de Desenvolvimento
Econômico-Social, e havia, naquele momento, uma pressão muito grande
dentro do próprio governo para que se tratasse o problema da informalidade e
que se fizesse uma política orientada para micro e pequenos empreendedores.
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Nós fomos procurados pelo Conselho, e o Conselho acabou por incorporar
aquilo que originariamente seria a agenda do Fórum. Então, no Conselho, o
que nós fizemos? Nós fizemos, na verdade, uma discussão preliminar sobre os
problemas relativos à informalidade, às formas atípicas de trabalho (é o caso
das cooperativas de trabalho, das cooperativas de produção), e o problema das
micro e pequenas, que demandavam um tratamento específico.
Esses assuntos foram tratados no Conselho de Desenvolvimento Econômico-
Social, só que o Conselho operava de uma forma diferente do Fórum. Qual era
a lógica do Conselho? A lógica do Conselho, basicamente, era a seguinte: eu
só destaco como recomendação aquilo que for consenso. Então os consensos
firmados nesse âmbito foram consensos, eu diria, muito genéricos, porque o
que eles fizeram, em princípio, foi estabelecer uma agenda de temas que
deveriam, posteriormente, ser desdobrados no Fórum Nacional do Trabalho,
mas que não chegaram a ser desdobrados. Por quê? Em primeiro lugar,
porque a gente concluiu o processo de debate da reforma sindical, mas o
acordo firmado na mesa não foi sustentado no Congresso Nacional. Quando
nós fomos para o Congresso Nacional, nós praticamente fomos isolados.
(.....)
É. Ali havia essa preocupação? Qual era a nossa preocupação ali? Quer dizer,
qual era a preocupação que suscitou a criação desse grupo? É o seguinte: nós
precisamos admitir que há situações diferenciadas no mercado de trabalho que
merecem um tratamento diferenciado. É o caso das cooperativas, é o caso dos
micro e pequenos empreendimentos, é o caso dos empreendedores individuais
– é o caso das formas atípicas de trabalho.
Então nós precisamos avançar no sentido de identificar e categorizar esse tipo
de situação. E que tipo de tratamento diferenciado é possível dar a isso, que
não fira, que não caminhe no sentido da mera precarização, certo? Esse era o
debate.”
(Relato de Marco Antônio de Oliveira, coordenador executivo adjunto do Fórum
Nacional do Trabalho, sobre as motivações e objetivos para a criação do Grupo
de Trabalho 8 do Fórum Nacional do Trabalho)
12
* * *
Os relatos acima referem-se a dois olhares diferenciados sobre a
experiência do Grupo de trabalho sobre Microempresas, autogestão e
informalidade, que era parte integrante do Fórum nacional do Trabalho.
O primeiro relato nos fala da tensão existente entre uma ampla categoria
de trabalhadores e trabalhadoras que, como diz Sylvia Leser, são amplamente
conhecidas na sociedade Brasileira, mas que não possuem historicamente nem
visibilidade nos espaços públicos nem reconhecimento de seus direitos, ou,
nas palavras da observadora “Têm existência de fato, mas não de direito“.
Por outro lado, o segundo relato coloca a tensão que estas formas de
trabalho, chamadas de atípicas, trazem para as formas típicas de trabalho, ou
seja, aquelas que possuem uma regulação pública e visibilidade nos espaços
públicos de mediação dos conflitos relativos ao trabalho.
Desta maneira, um bom espaço empírico para analisarmos por um lado
as transformações por que passou o mundo do trabalho nas últimas décadas e
por outro a incapacidade das instituições democráticas de absorverem esta
realidade esta na analise do “Grupo de Trabalho 8 - Micro e Pequenas
empresas, autogestão e Informalidade”, o chamado GT-8, do Fórum Nacional
do Trabalho – FNT - que funcionou mais intensamente entre os anos de 2003 e
2004.
O Fórum Nacional do Trabalho foi instituído pelo governo brasileiro em
2003 buscando ser um espaço de dialogo social e de democratização das
relações de trabalho e tem (teve) como objetivo discutir, debater e encaminhar
proposições de questões relativas ao trabalho e mais particularmente as
reformas sindical e trabalhista no Brasil.
Tendo como objetivo ser um “espaço público” de discussão e elaboração
de uma nova estrutura sindical e de uma nova legislação trabalhista para o
país, o Fórum Nacional do Trabalho -FNT - como espaço de participação
social, conforme recomendação da OIT (Organização Internacional do
Trabalho) – foi estruturado quase em sua totalidade no modelo tripartite, ou
seja, representação do governo, representação de trabalhadores (centrais
sindicais) e representação patronal (confederações patronais). Afirmamos que
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foi quase exclusivamente organizado desta maneira porque houve uma
exceção, o GT – 8.
O GT-8, diferentemente dos outros sete Grupos de Trabalho do FNT1,
buscou reunir categorias que não possuem representação institucional no
modelo típico de representação e participação social do mundo do trabalho -
caracterizado pelo tripartismo e paridade entre sindicatos de trabalhadores (em
sua grande maioria assalariados), representação patronal e governo –
buscando trazer para o FNT a pauta e a percepção destes trabalhadores não
assalariados, envolvidos em formas de trabalho atípicas, sobre a reforma
sindical e trabalhista.
Formavam o GT8 inúmeras entidades, de caráter local e nacional, que
representavam trabalhadores das mais diversas categorias econômicas e
formas de relações de trabalho, mas que possuíam um traço comum: não
serem assalariados.
Para efeitos de analise, as entidades que representavam os trabalhadores
não assalariados podem ser separadas em três grandes grupos: 1) entidade
que representam trabalhadores organizados em cooperativas e empresas
autogeridas (Estiveram presentes não só representantes de cooperativas e de
confederações de cooperativas ligadas ao cooperativismo tradicional que,
embora não generalizável, possuem no seu interior falsas cooperativas
utilizadas para burlar a legislação trabalhista; como também representantes de
entidades da economia solidária, fortemente ligados aos movimentos sociais e
sindicais e chamados por alguns de “novo cooperativismo”, por buscarem
resgatar os princípios históricos deste modelo de organização surgido dos
movimentos operário inglês e francês; 2) entidades que representam
trabalhadores envolvidos em atividades produtivas em unidades familiares em
suas mais diversas formas: agricultura familiar, camponeses, merceeiros,
extrativistas, pescadores, marisqueiros, artesãos etc.; 3) entidades que
representam trabalhadores envolvidos nas mais diversas formas de trabalho
1 Os outros sete Grupos de Trabalho do FNT eram: GT 1: Organização
Sindical; GT 2: Negociação Coletiva, GT 3: Sistema de Composição de Conflitos; GT 4: Legislação Trabalhista; GT 5: Normas Administrativas sobre Condições de Trabalho; GT 6: Organização Administrativa e Judiciária e GT 7: Qualificação e Certificação Profissional.
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atípico, desde os chamados informais, passando pelo empreendedorismo
individual, trabalhadores autônomos e “por conta própria”; como motoboys,
profissionais do sexo, garimpeiros, ambulantes, taxistas, trabalhadores
domésticos, catadores de material reciclável, caminhoneiros, entre outros.
Eram sindicatos, associações, movimentos, fóruns, confederações, que
nesta pluralidade representavam todas estas categorias2.
O primeiro ponto a destacar, é, por um lado, a própria existência destas
inúmeras entidades que pretendem representar estes trabalhadores. Apesar de
possuírem identidade política com as centrais sindicais (quando não
diretamente apoiadas por estas, como por exemplo o Sindicato dos
Trabalhadores Informais ou diversas entidades da economia solidária) e com
os trabalhadores assalariados, não se sentem representados por estes. Por
outro lado, sua pluralidade, diversidade e multiplicidade, sendo somente
algumas destas entidades que possuem algum caráter nacional e a sua grande
maioria, excluindo esta participação no FNT, não possuem visibilidade nos
espaços públicos. Apesar disto, podemos vislumbrar, a partir delas o
surgimento de entidades e movimentos que pretendem organizar e representar
2 As entidades presentes no GT – 8 representando os trabalhadores eram:
Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão, Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores, Rede de socioeconômica Solidária, Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil, Projeto Harmonia Companhia Industrial do Nordeste Brasileiro, Conselho Nacional de Seringueiros, Movimento Nacional de Pescadores, Federação de trabalhadores da Agricultura Familiar. Rede Abelha, Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura, Associação de pequenos agricultores, Associação de Caprinocultores do nordeste, Fórum de pescadores e marisqueiros do litoral do Ceará, Movimento dos Pequenos Agricultores, Coordenação nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Cooperativa de pequenos criadores e produtores de leite, Aliança Cooperativa Internacional, Confederarão Brasileira de Cooperativas de Trabalho, Movimento União Brasil Caminhoneiro, Federação Nacional de Taxistas e Transportadores Autônomos de passageiros, Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada, Aliança das cooperativas do Vale do Rio dos Sinos, Cooperativa paulista de motoboys, Movimento Nacional de catadores de Material Reciclável, Federação nacional de empregadas domésticas, Rede Nacional de Profissionais do sexo, Associação de empreendedores de Confecções e Assessórios do Estado do Pará, Associação dos Feirantes do Complexo Ver o Peso, Sindicato dos Trabalhadores Informais de São Paulo, Associação de usuários do banco do povo, Associação de merceeiros, Associação de Arte e artesanato Dedo de deus, Mão de Minas/Cooperativas e associações de artesões, Fórum dos Empreendedores Populares, Sindicato das Indústrias Extrativistas de Minérios do Estado do Mato Grosso.
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trabalhadores não assalariados, dar visibilidade a suas reivindicações e a
tentativa de consolidar identidades políticas neste processo.
A motivação para a criação do GT-8 e a inclusão de representações de
toda esta miríade de trabalhadores que antes não tinham nenhum tipo de
incidência nos espaços públicos de discussão e regulação do mundo do
trabalho se deu por pressões que vinham de toda uma gama de categoria de
trabalhadores cuja identidade - além de não possuírem sua contra parte
patronal seja por estes estarem difusos (caso típico das trabalhadoras
domésticas), seja por serem formas autônomas de trabalho - não se
enquadrarem no modelo tripartite e, até certo ponto, não se sentirem
representados pelas grandes (ou pequenas) centrais sindicais. Eram assim
entidades que até então nunca tinham participado de nenhum espaço público
relativo aos temas vinculados ao trabalho.
Assim, uma primeira dimensão da participação destas entidades é
justamente o caráter inédito e de novidade de sua participação em um espaço
como o Fórum Nacional do Trabalho:
A nossa participação é quase um privilegio e temos que aproveitar
essa oportunidade.
Representante do Sindicato de Motoboys de São Paulo
A avaliação é positiva para o nosso segmento. Nós nunca tivemos
gente de governo sentado conosco discutindo essas questões. A
área de mineração está muito atrasada em relação a outros
segmentos.
Representante de sindicato de garimpeiros e pequenos
mineradores do estado do Mato Grosso
Assim, para dar espaço de participação a estas categorias, o GT 8 foi
instalado em outubro de 2003 e funcionou até dezembro de 2004, data na qual
todo o Fórum Nacional do Trabalho passa a “hibernar” devido à finalização de
uma proposta de reforma sindical, que é encaminhada ao congresso nacional,
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e ao “congelamento” da discussão sobre a reforma trabalhista3.
Podemos afirmar que, além de não se enquadrarem no modelo tripartite,
todos estes trabalhadores e trabalhadoras possuem características comuns e
que estava condensada na principal reivindicação que traziam: a reivindicação
de que suas atividades fossem reconhecidas pelo estado. Eram motoboys,
artesões, garimpeiros, produtores familiares, trabalhadores integrantes de
empreendimentos econômicos solidários, merceeiros, ambulantes,
profissionais do sexo, entre outros, com este mesmo discurso de buscar o
reconhecimento de sua profissão.
Qual é o sentido desta reivindicação? Ao ser questionados sobre o que
significava para eles este reconhecimento, uma vez que do ponto de vista
jurídico nada que é explicitamente proibido é permitido e que a regulamentação
de profissões é uma forma de exclusão, de dizer quem pode e quem não pode
exercer tal atividade, a resposta não deixou de ser surpreendente. Afirmavam
que, com a regulamentação de suas profissões, não queriam criar mecanismos
de exclusão de outros trabalhadores para o exercício das atividades, nem dar
ao Estado ou a qualquer outro ente o papel de “fiscalizar” suas atividades, nem
criar “corporações de oficio”. Esses trabalhadores explicitavam em suas
palavras que, ao reivindicarem a regulamentação, desejavam ser reconhecidos
como sujeitos de direitos e beneficiários de políticas publicas. Reivindicavam
assim que se tornassem visíveis, principalmente diante do Estado.
Uma das dimensões interessantes que este processo de participação
deste conjunto de entidades trouxe, por um lado, foi a constatação da
diversidade de pautas e temas que traziam, o que não permitia a construção de
identidades entre os participantes, como podemos observar nas falas abaixo:
Fico angustiada com a discussão concentrada na cooperativa de
trabalho. Nós somos de outras formas de trabalho, de associações,
3 Não vem ao caso aqui discutir o motivo do não prosseguimento das
discussões da reforma trabalhista mas seria importante destacar que esta não ocorreu
justamente por uma opção do governo em conjunto com as centrais sindicais diante a
situação de refluxo do trabalho assalariado e enfraquecimento do sindicalismo.
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de informalidade. Não estamos sendo contempladas. Somos quase
individuais, cada uma na sua residência, com dificuldades para
formalização. Temos que debater a outra pauta de interesse do
grupo.
Representante de Associação de Costureiras do estado do Pará
Entendo que estamos em um grupo de trabalho fundamental para
organizar os empreendimentos, para enfrentar a crise do mundo do
trabalho. As cooperativas surgem como alternativa a um modelo
econômico que expropria os resultados do trabalho. No entanto,
não me senti contemplado nas discussões do grupo na reunião
anterior. Temos que tratar das questões coletivas.
Representante de Feirantes do estado do Pará
O GT8 tem que ser um lugar de discussão e não um diálogo entre
surdos. Mesmo tendo pautas diferenciadas, precisamos articular o
que há de comum, construir propostas e levar para discussão com
as nossas categorias.
Representante do sindicato dos trabalhadores informais de São
Paulo
“Eles também sentiram que temos organização e temos
posicionamentos. Falta amarrar as questões comuns”.
Representante de associação de agricultores familiares do
nordeste
Assim, podemos perceber a partir destas falas de entidades presentes no
GT 8 uma dificuldade de agrupamento e de construção de uma identidade
comum entre estes trabalhadores devido uma diversidade de formas e
manifestações do trabalho atípico, justamente devido à existência daquilo que
poderíamos chamar de heterogeneidade estrutural nas formas de trabalho, ou
seja, o trabalho atípico agrupa formas bastante diferenciadas de experiências
de relações de trabalho.
Desta maneira, apesar da agenda que estava proposta ser comum,
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contribuições para transformações na legislação trabalhista e sindical,
Contudo, se pode perceber também, por outro lado, nas atividades do GT
8 alguns eixos de experiências em comum que levam a reivindicações em
comum, que passamos a abordar abaixo a partir das falas dos participantes do
GT 8.
Uma primeira constatação de um tema comum a todas as entidades
presentes no GT 8 diz respeito à falta de proteção no trabalho e de direitos a
que estão submetidos em suas atividades laborativas:
No ramo da mineração há muito abuso na questão da dispensa.
Muitos mineradores e empregadores não querem o vínculo
empregatício. O que existe é uma espécie de parceria entre o
minerador e o proprietário da lavra. Quando o minério é encontrado
e passa a dar rendimento, o proprietário manda embora o
empregado e explora a riqueza com a sua família. Esses
trabalhadores estão totalmente desprotegidos pela legislação
trabalhista.
Representante de sindicato de Garimpeiros e pequenos
mineradores do mato Grosso
Ocorre situação semelhante com taxistas. Os taxistas não
proprietários são explorados e sem nenhuma proteção.
Representante do sindicato de taxistas
Temos uma grande preocupação com os informais que estão
totalmente desprotegidos. É como se estivessem empregados, mas
sem direitos trabalhistas.
Representante de feirantes do estado do Pará
Parte desta constatação da falta de proteção vem acompanhada pela
constatação de que apesar de juridicamente classificados de autônomos, estão
numa situação de subordinação aos seus contratantes:
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Estou aqui representando 6 milhões de empregadas domésticos e
estamos reivindicando o tratamento igual a qualquer categoria de
trabalhador. Queremos que as diaristas sejam tratadas como
mensalistas. A diarista não pode ser vista como uma trabalhadora
eventual, pois existe uma subordinação. Os patrões não são
fiscalizados.
Representante do Sindicato das empregadas domesticas
A maior parte dos caminhoneiros é de autônomos e enfrentam a
dificuldade de não existir negociação coletiva para acerto do valor
do frete. Além disso, verifica-se a presença de intermediários nas
contratações de serviços. Aos caminhoneiros restam todos os
custos: pedágio, carga horária de trabalho criminosa, alimentação
inadequada, etc. Não é a toa que têm que trabalhar muitas horas
seguidas e carregar excesso de peso nos caminhões
Representante de sindicato de caminhoneiros
Os motoboys são explorados também pelos proprietários de frotas
de motos. Além disso, precisamos discutir a nossa contribuição
para uma reforma sindical e trabalhista, dada a nossa condição de
autônomos. Precisa definir inicialmente o que é ser autônomo. É
preciso ter uma legislação específica para evitar a picaretagem.
Precisa também estabelecer o limite de pessoas tidas como
autônomas em uma empresa familiar. No caso do motoboy que
possui uma moto e que trabalha informalmente para algum
tomador de serviço, não é reconhecido como relação de emprego.
No entanto está dada a condição de subordinação, deixou de ser
um trabalho de autônomo.
Sindicato dos Motoboys de São Paulo
Diante desta situação de precarização e de falta de proteção, as falas
destas entidades no GT 8 apontavam para a reivindicação da conquista de
direitos:
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Foi fundamental o nosso posicionamento em defesa da extensão
de direitos aos trabalhadores das cooperativas
Representante do Fórum de Cooperativismo Popular do Estado do
rio de janeiro
A maioria de nós está imbuída dessa vontade de formalização, de
sair da informalidade, mas também de garantia de direitos.
Representante da Agencias de Desenvolvimento Solidário da CUT
O que nós buscamos é dar voz, dar condições de sair da
informalidade e ter acesso a direitos.
Representante do Sindicato dos Trabalhadores Informais de São
Paulo
De fato, por não estarem contemplados e protegidos por um contrato de
trabalho, estes trabalhadores nunca foram juridicamente reconhecidos como
sujeitos portadores de direitos.
Apesar desta realidade jurídica, as entidades presentes no GT 8,
particularmente aquelas ligadas ao cooperativismo e a economia solidária, ao
discutirem a situação de precarização a que estão submetidos, a utilização da
forma jurídica das cooperativas para burlar a legislação trabalhista a partir da
criação de cooperativas fraudulentas e das dificuldades que estavam sofrendo,
em decorrência disto, por parte dos órgãos de fiscalização do trabalho
(Ministério Público do Trabalho e auditores fiscais do Trabalho) propuseram
que, no caso das cooperativas de trabalho, grande parte dos direitos
reconhecidos como sendo exclusivos para os trabalhadores assalariados
fossem garantidos para trabalhadores cooperados.
Apesar da grande discussão que esta proposta, a de estender os direitos
trabalhistas para os trabalhadores cooperados, acarretou tanto no GT 8 como
no Fórum Nacional do Trabalho como um todo, a proposição foi levada pelo
FNT ao governo federal, que negociou no decorrer de 2004 e 2005 com estas
entidades, em conjunto com o movimento sindical, um projeto de lei de
regulamentação das cooperativas de trabalho que possui como um dos seus
eixos a garantia dos direitos previstos no artigo 7° da Constituição aos
21
trabalhadores associados a cooperativas.
Assim, o GT 8 representou também a possibilidade de conquista de novos
direitos, construído e proposto por entidades que até então não estavam
acostumadas a participar de espaços públicos.
* * *
Durante décadas foi sendo construído um modelo de sociabilidade e seu
conseqüente modelo institucional que moldou a nossa maneira de pensar e
viver, ou, nos filiarmos (CASTEL, 1998) a sociedade. Este modelo, que teve
sua forma mais completa nos chamados anos de ouro do capitalismo (período
que vai do pós segunda guerra até os anos de 1970), teve nas políticas de
busca de pleno emprego de matriz keynesianas, na consolidação do estado de
bem estar social, na constituição de um modelo produtivo baseado no
Fordismo, os fundamentos desta sociabilidade e de uma determinada estrutura
institucional. Foi neste contexto e nesta sociedade estruturada e administrada
política e institucionalmente que se insere o tema da economia informal. Ela
era compreendida como a não integração de trabalhadores ao modelo típico de
relação de trabalho deste período, o assalariamento, e se manifestava
particularmente nos países da periferia do capitalismo.
Contudo, esta sociedade salarial, para utilizarmos o termo de Castel,
entrou em crise a partir de uma serie de processos de ordem política,
econômico e social que vem desmantelando este modelo anterior e
introduzindo um novo modelo de desenvolvimento e novos padrões de
sociabilidade. As mudanças de ordem econômica foram intensas a partir dos
processos de reestruturação produtiva e de mundialização da economia, que
enfraqueceu o poder regulatório dos estados nacionais e teve profundas
conseqüências para o mundo do trabalho.
Durante este período de transformação o fenômeno da chamada
economia informal se expande tanto quantitativamente como qualitativamente
(FREIRE, 2008). Contudo, como buscaremos discutir na primeira parte deste
trabalho, a economia informal não pode ser compreendida nos mesmos
22
patamares e com o mesmo significado do período anterior. Ela não é mais fruto
da não integração de uma parte da população ao contrato de assalariamento,
mas, como demonstra diversos estudos (particularmente o coordenado por
Alejandro Portes, Manuel Castells e Lauren Benton) a economia informal se
espalha para os centros dinâmicos do capitalismo sendo parte constitutiva
deste novo modelo de desenvolvimento surgido nas últimas décadas. Diante
deste fenômeno, como argumentaremos também, a própria utilização do termo
economia informal pode ser questionado, uma vez que nestas circunstancias
perde sua força explicativa.
Num segundo momento deste trabalho abordaremos como estas
mudanças nos processos sociais relativos ao trabalho não foram incorporados
pelas instituições democráticas, mostrando uma precedência destes processos
sociais em relação às instituições democráticas.
Por fim, numa ultima parte deste trabalho, a partir de uma discussão
centrada na chamada economia solidária, se buscará compreender a
emergência desta nova realidade e a constituição de novos sujeitos políticos no
mundo do trabalho, com identidade e agenda próprias.
Contudo, se por um lado, neste processo de constituição de novos
sujeitos políticos, estas formas de trabalho e seus trabalhadores ficam além da
informalidade, por outro, ainda não conseguiram ser reconhecidos, em sua
relação com o estado, como sujeitos portadores de direitos.
23
CAPÍTULO 1 “Trabalho Informal” e heterogeneidade estrutural
Também somos aquilo que perdemos” Alejandro González Iñárritu
A característica heterogênea e complexa da problemática da chamada
informalidade e as modificações que, como todos os fenômenos
socioeconômicos, sofreram com o passar do tempo, geraram inconvenientes
na utilização do termo para descrever os fenômenos sociais que busca
representar.
As imprecisões que caracterizam a sua conceituação se refletiu nno longo
debate, ainda inconcluso, da aplicação do conceito de informalidade a distintos
processos da economia e do mundo do trabalho. Isto pode ser representado
inclusive na utilização do termo para adjetivar diferentes coisas: economia
informal, trabalho informal, setor informal, precariedade do trabalho, etc.
Desta maneira, pretendemos a seguir fazer uma breve contextualização
histórica do conceito de informalidade de modo a nos aproximar da dificuldade
existente hoje para que ele seja uma ferramenta analítica de fato eficiente para
descrever a realidade do trabalho.
* * *
Os estudos sobre a economia informal não são recentes. A perspectiva
de analisar, no capitalismo, a condição de trabalhadores não inseridos no
modelo típico de produção deste sistema, o assalariamento, já esta presente
em Marx.
24
Como demonstra Paul Singer (2000a), Marx chamou estes trabalhadores
de “população relativamente excedente”, e a separou em três categorias. Uma
parte da “população excedente” seria composto de trabalhadores empregados
em alguma empresa, que são demitidos e tempos depois readmitidos por outra
empresa, ou seja, a concepção comum hoje de “desempregado”. Uma segunda
parte da população excedente seria composta pelos trabalhadores do campo
que imigrariam para a cidade em busca de trabalho. A terceira parte da
população excedente, e que mais se aproxima da utilização atual do termo
“informalidade”, é a população em ocupações que Marx chama de irregulares:
“A terceira categoria da população relativamente excedente,
a estagnada, forma parte do exercito ativo do trabalho, mas com
ocupação inteiramente irregular. Ela oferece assim ao capital uma
fonte inesgotável de força de trabalho disponível. Seu padrão de
vida cai abaixo do nível normal da classe trabalhadora e é
exatamente isso que a torna uma ampla base para ramos de
exploração específicos do capital. Caracterizam-na, o máximo de
tempo de trabalho e o mínimo de salário” (MARX,1982,p677).
Desta maneira, apesar de não utilizar os termos formal/informal para
caracterizar formas diferenciadas de inserção de trabalhadores no mundo do
trabalho, Marx utiliza o irregular, supondo, portanto, a existência de ocupações
regulares.
Contudo, apesar de antiga, foi no decorrer da segunda metade do século
XX que uma literatura mais estruturada passa a ser produzida sobre a
problemática, particularmente para compreender a realidade do trabalho nos
chamados países em desenvolvimento.
Desta maneira, os primeiros antecedentes da discussão da informalidade
na America latina remontam ao amplo debate sobre a marginalidade iniciado
na década de 1960. Nestes trabalhos, entendia-se como uma característica do
capitalismo periférico que vinha surgindo no continente a incapacidade do
25
sistema produtivo de absorver através do mercado de trabalho formal toda a
mão de obra disponível, dando lugar a existência de uma “massa marginal”
(NUN,MARÍN e MURMIS,1969) .
Paralelamente de desenvolve em nível internacional uma linha de
pensamento que identifica um setor marginal do aparato produtivo com
características particulares denominado “setor informal”.
Este conceito se introduz em 1972 no informe da organização
Internacional do trabalho sobre o Quenia, inspirado, por sua vez, em trabalhos
do antropólogo Keith Hart (1970) que identifica como parte do sistema
produtivo os informais, entendidos como “trabalhadores pobres” com
dificuldades de ingresso no setor formal devido a baixa produtividade de suas
ocupações.
Desta maneira, costuma-se identificar o surgimento do termo
“informalidade”, ou pelo menos quando adquire força explicativa, na década de
70 do século XX, a partir dos Informes da OIT. Para compreender todo leque
de trabalhadores que migravam do campo para a cidade e não encontravam
trabalho senão à margem de um sistema capitalista nascente, “ela (a
informalidade) foi proposta para analisar as dificuldades e distorções da
incorporação dos trabalhadores ao processo produtivo em contextos nos quais
o assalariamento era pouco generalizado”(MACHADO, 2004,142).
Esta conceituação da Organização Internacional do trabalho foi
recuperada e desenvolvida na America latina pelos trabalhos do programa
Regional de Emprego da America latina da OIT (PREALC). Os trabalhos da
PREALC conceituava os setor informal urbano a partir das características das
unidades de produção e da forma de produzir, entendendo este setor informal
como um resultado do funcionamento do capitalismo periférico no continente e
que é definido em oposição ao setor formal, ou ao trabalho formal.
Na perspectiva da PREALC, a informalidade abarcaria os trabalhadores
que estão em unidades produtivas de pequena escala no meio urbano, de
reduzido capital por trabalhador, com organização rudimentar, baixa
produtividade, escassa capacidade de acumulação e baixo utilização de
26
tecnologias, limitada divisão social do trabalho e predomínio de atividades
individuais que geralmente acarretam relações de trabalho familiares e
apresentam um escasso desenvolvimento de relações salariais.
A partir deste enfoque, o surgimento destas unidades econômicas do
setor informal e consequência da incapacidade de absorção da mão de obra
pelo setor “moderno’ e dinâmico da economia. Isto porque este setor moderno
utiliza tecnologias que diminuem a necessidade de trabalho, por um lado, e por
outro pelo acelerado crescimento da oferta de trabalho.
Desta maneira, em países, como os latinos americanos, com baixa
cobertura do estado na proteção dos desempregados (falta de seguro
desemprego, por exemplo) faz com esta população crescente de trabalhadores
sem emprego busquem suas próprias soluções, produzindo ou vendendo algo
que lhes permita obter alguma renda.
Neste sentido, a lógica que prevalece nestes setores é o da sobrevivência
e esta teria sido a história do trabalho na America latina e nos países em
desenvolvimento de maneira geral.
A perspectiva da PREALC foi a base do pensamento institucional e das
propostas de políticas da OIT para America latina durante décadas.
A partir desta sua origem, desenvolveram-se inúmeros debates teóricos.
Estes debates circularam em torno de duas compreensões distintas do
“fenômeno’ da informalidade: por um lado, na compreensão de que
informalidade representa a conceituação de um fenômeno jurídico, estar ou
não protegido por um contrato de trabalho, por outro lado, na compreensão, do
ponto de vista econômico, do lugar que se ocupa na produção, estando à
informalidade nos setores menos dinâmicos da economia (FIGUERAS ET
ALLI,2004; MACHADO,2003, NORONHA,2001; COMIM,2003). Atualmente a
OIT tem trabalhado com um conceito de informalidade, distinto dos anteriores.
Esta nova conceituação entende a informalidade como as situações de
trabalho que não garantem proteção social para os trabalhadores. Assim,
27
escapa-se de uma definição jurídica ou econômica para uma conceituação do
ponto de vista dos direitos e de acesso a cidadania4.
No Brasil, os mais significativos estudos que se debruçaram sobre a
temática dos trabalhadores não incluídos no assalariamento são dos teóricos
do subdesenvolvimento, tendo na CEPAL e em Celso Furtado os seus mais
proeminentes teóricos. Sua preocupação, como argumenta Comim (2003),
estava na heterogeneidade de nossa estrutura social em que, à margem de um
setor dinâmico do capitalismo com trabalhadores integrados organicamente e
com uma relação de trabalho protegida pelo contrato de emprego a partir do
modelo fordista, coexistia um grande setor “atrasado” e informal. Para os
Cepalinos, a questão estava em lutar contra essa heterogeneidade estrutural,
incorporando este campo submerso, informal, nos setores dinâmicos e formais
da economia.
“Este dualismo se expressava através de vários pares de
oposição: moderno versus atraso, capitalismo versus pré-
capitalismo, integrado versus marginal, formal versus informal e
assim por diante. Como resultado, mesmo nas grandes
economias, como a brasileira, mercados de trabalho
extremamente heterogêneos, com penetração limitada do
assalariamento, forma mais típica do modo de produção
capitalista e, em compensação, larga presença de formas não
tipicamente capitalistas, como a pequena propriedade rural,
familiar de subsistência, o auto-emprego urbano, o serviço
doméstico e toda uma miríade de modalidades informais de
subemprego. Esses, por sua vez, assentados em tecnologia
rudimentar, com baixa produtividade e reduzido capacidade de
geração de renda. Do outro lado, a moderna indústria, os setores
mais sofisticados dos serviços puxados por ela e o próprio estado
4 Seminário sobre Economia Informal, realizado pela Organização Internacional
do trabalho, em dezembro de 2007
28
criavam com a sua expansão um operariado igualmente moderno
e integrado e classes médias bem educadas e bem remuneradas,
com hábitos mais sofisticados de consumo. Aqueles tendendo à
marginalidade e à amorfia política, estes gozando o conjunto de
direitos e garantias da legislação trabalhista e social e política e
sindicalmente organizados. O caráter particular do
subdesenvolvimento reside, assim, em que sua superação não
pode ser resultado da introdução forçada dos elementos de
“modernidade” cujo resultado é a marginalização e não a
supressão do ’atraso’” (COMIM;2003,p.15/16).
No inicio da década de 1970, Francisco de Oliveira, em sua Critica a
Razão Dualista (2003) faz uma crítica ao modelo Cepalino, entendido por ele
como dualista. Este trabalho se tornou referência na discussão sobre o papel
da informalidade na economia de um país periférico como o Brasil. Segundo o
autor, a questão não é a dualidade, a existência de dois pólos opostos que não
dialogam, mas, sim, da funcionalidade do pólo atrasado, informal, em relação
ao pólo moderno e dinâmico da sociedade. Assim, os trabalhadores “informais”,
ou melhor dizendo, não incluídos no modelo fordista e assalariado, não são um
apêndice atrasado, mas são sim parte de um mesmo todo, com um papel
funcional na estrutura, a saber, diminuir os custos de reprodução da mão de
obra.
O importante a destacar em ambas as leituras é que elas observam uma
heterogeneidade estrutural: um setor tipicamente capitalista, tendo no modelo
fordista de produção e no assalariamento o cerne da organização da sociedade
e um setor formado por diversas formas não capitalistas de produção (familiar,
individual, etc.) convivendo em nossa estrutura social. A questão era como
combater esta heterogeneidade em busca de uma morfologia social mais
homogênea. Para os cepalinos era alcançar o verdadeiro desenvolvimento
econômico; para a análise marxista de Francisco de Oliveira era universalizar
direitos (numa leitura a posteriori) e, quem sabe, a partir das contradições do
capitalismo, superá-lo.
29
Naquele momento, o caminho traçado para a sociedade brasileira parece
ter sido a perspectiva da integração deste setor atrasado. Até meados da
década de 70 do século XX, existia, pelo menos, a perspectiva de que esta
população viesse a ser incorporada no assalariamento.
Este quadro se inverte drasticamente a partir dos anos 80 e
particularmente dos 90 do século XX, quando a tendência não é mais a da
inclusão no assalariamento daqueles que estavam à margem dele, mas, pelo
contrário, era jogar para a margem, para a informalidade e para as outras
relações de trabalho, aqueles que antes estavam incluídos no modelo “típico”
de organização da produção. Neste sentido, até segunda ordem, na atual crise
do trabalho e do modelo de desenvolvimento, a perspectiva de
homogeneização das relações de trabalho, de fortalecimento do movimento
sindical reivindicador de direitos e, portanto, do contrato social de trabalho
parece estar descartada.
Desde os anos 70 do século passado - quando tem início a crise dos
“anos de ouro do capitalismo” que foi pautado por políticas keynesianas de
busca do pleno emprego e de consolidação do estado do bem estar social -
assiste-se a um conjunto de processos que transformaram o trabalho de
maneira geral e tem colocado novas questões para as instituições, estatais ou
da sociedade civil, criadas em seu redor.
Muita tinta vem sendo utilizada no campo da sociologia e da economia do
trabalho para explicar estas transformações no mundo do trabalho e o próprio
papel do trabalho em nossa sociedade. Podemos afirmar que esta crise vai
além da crise do trabalho, é uma crise do modelo de desenvolvimento que
imperou principalmente durante a segunda metade do século XX e que moldou
política e institucionalmente nossa estrutura social.
Podemos destacar como causas desta crise do modelo de
desenvolvimento, por um lado, fatores de ordem econômico/produtiva, como a
crise do fordismo, a mudança do padrão tecnológico que diminui a necessidade
de trabalho, a expansão de novas formas de organização do trabalho, tendo a
flexibilização das relações trabalhistas como mote, a conseqüente adoção de
novas formas de organização industrial, baseadas em processos de
30
enxugamento das plantas e terceirização das atividades (meios e fins) das
empresas. Por outro lado, temos fatores de ordem política, como o
enxugamento do estado, particularmente de seu papel regulador do mundo do
trabalho a partir do ideário neoliberal, o enfraquecimento do movimento sindical
a partir do desmantelamento das bases operarias principalmente ocorridas em
decorrência do processo de globalização e conseqüente transnacionalização
das empresas, que passaram a instalar suas atividades em países com
movimentos operários mais fracos e regulamentação estatal mais brandas.
Todas estas mudanças deram origem a um novo modo de acumulação
(HARVEY, 1992) e a uma nova morfologia do trabalho (ANTUNES; 2003).
Esta nova morfologia do trabalho consiste justamente na crise do
assalariamento e o “enorme” crescimento da “informalidade” e das “outras
formas de trabalho”, muitas delas, se não a ampla maioria, formas de
precarização do trabalho, e outras nada mais do que o caminho para a
“heterogeneidade estrutural” e o crescimento dos outros modos de produção
não tipicamente capitalistas baseado no assalariamento (SINGER, 2000b), seja
a produção individual, coletiva ou familiar. O que há de comum em ambos os
casos é o fato de, a partir da flexibilização da produção, ficar à margem da
relação contratual do emprego que deu corpo a sociedade salarial e aos
direitos do trabalho.
Assim, podemos afirmar que todas essas outras formas de relações
laborais estão à margem do modelo que estruturou jurídica e institucionalmente
as relações trabalhistas e a própria sociabilidade no último século. Neste
sentido, o trabalho adquire uma nova morfologia e faz com que sejam revistos
os referenciais que nos fizeram compreender o mundo do trabalho no último
século.
Alguns autores têm chamado este fenômeno de “nova informalidade”
(Filgueiras, Druck e Amaral, 2004). Esta alcunha se explica porque não é mais
aquela informalidade decorrente da falta de integração de uma parcela da
população à sociedade salarial, mas sim da crise desta própria sociedade.
Neste sentido, a chamada informalidade hoje não é uma simples anomalia,
31
para utilizarmos um termo durkhainiano, mas se torna constitutiva da atual
configuração social.
Da mesma maneira, a informalidade não é mais um fenômeno
particularmente presente nos países da periferia do capitalismo, ou um
fenômeno ligado ao ‘subdesenvolvimento’, mas se prolifera e ganha dimensões
nos países centrais do capitalismo, justamente por ser um fenômeno ligado ao
atual modelo de desenvolvimento, como mostra o livro organizado por
Alejandro Portes, Lauren Benton e Manuel Castells chamado sugestivamente
The Informal Economy. Studies in Advanced na Less Developped Countries
(1989).
Contudo, é importante destacar que pelo menos no caso de países
periféricos como o Brasil, onde a heterogeneidade estrutural das formas de
organização do trabalho se aguçaram, a informalidade se tornou um termo que
busca explicar as transformações pelas quais passa o mundo do trabalho, mas
sem conseguir penetrar na diversidade deste mundo, pois, como afirma
Figueiras et alli (2004)
“Assim, sob o manto da informalidade, foram e são feitos
estudos sobre fenômenos de natureza distinta e que possuem
dinâmicas especificas, como por exemplo, as microempresas,
o trabalhador autônomo, o empregado assalariado sem
carteira assinada, o pequeno produtor, a economia
subterrânea ou submersa, o empregado doméstico, o
trabalhador terceirizado, o trabalho em domicílio, as
cooperativas de trabalho, as atividades criminosas,
etc...)(FIGUEIRAS ET ALLI,2004).
Ao agrupar de maneira ampla realidades tão diversas e abraçando tudo
que não esteja regulado pela relação contratual do emprego, o conceito de
informalidade perde sua força explicativa.
32
“Desde mais ou menos o fim dos anos 1960, quando
surge a noção de informalidade, até o inicio dos anos 1980, ela
era uma categoria cognitiva em torno da qual se constituía um
debate mais ou menos estruturado. Nas últimas décadas,
entretanto, ‘informalidade’ progressivamente se torna um mero
termo do léxico sociológico incorporado pelas camadas bem
informadas, perdendo a capacidade que durante um bom
tempo permitiu-lhe desempenhar aquele papel catalisador. De
fato, creio que até o observador mais desatento perceberá que
seu uso, ao mesmo tempo em que se universaliza, torna-se
cada vez mais trivial.....Assim, sua generalização, que confere
ao termo a aparência de um significado unívoco e de domínio
público, obscurece o fato de que o uso indiscriminado
descarna-o de substância analítica e força prática”.
(MACHADO, 2003,141).
Duas longas citações para corroborar que o principal conceito utilizado
hoje para categorizar as formas não assalariadas de trabalho, a informalidade,
perdeu hoje seu significado e não dá conta de explicar a atual configuração do
mundo do trabalho.
Por outro lado, as duas maiores pesquisas sobre o mercado de trabalho
no Brasil mostram que as categorias pesquisadas são: trabalhador empregado,
trabalhador por conta própria ou autônomos e empregadores. Grandes
categorias igualmente não explicativas, pois se baseiam mais no vínculo
jurídico do que na realidade sociológica do fenômeno. Desde que uma das
características das atuais transformações é a existência de formas de trabalho
à margem de qualquer conceituação jurídica, estas categorias se tornam
genéricas demais para explicar a realidade do mundo do trabalho.
Uma das principais conceituações jurídicas que busca enquadrar o
trabalhador a margem do contrato de emprego é a de autônomo. Autonomia é
33
um termo relacional, só se é autônomo em relação a algo. Assim, para a atual
configuração do modelo produtivo e conseqüentemente do mundo do trabalho,
consideramos o termo autonomia, do ponto de vista sociológico, um termo
bastante inexato frente aquilo que tradicionalmente se chamou com este nome,
sendo uma classificação jurídica vazia. Um motoboy, uma categoria que
poderia se aproximar desta conceituação, não tem um patrão fixo, mas será
autônomo? Num mundo em que a relação fordista se dilacerou e que, para
compreendermos o mundo do trabalho e as interdependências entre
compradores e vendedores de força de trabalho, não podemos apenas focar na
empresa, mas temos sim que focar na cadeia produtiva (LEITE; 2005), falar em
autonomia de um trabalhador frente o tomador de seu serviço parece um tanto
absurdo. Desta maneira, falar em trabalho autônomo nos termos que se
compreendia antes parece uma conceituação jurídica bastante esvaziada e do
ponto de vista sociológico, ineficaz
De fato, a percepção das dificuldades em categorizar estas outras formas
de trabalho tem aparecido em diferentes trabalhos acadêmicos. Cibele Rizek
(2005), em sua pesquisa sobre o setor químico em São Paulo, tira algumas
conseqüências metodológicas, entre as quais, uma das principais é que as
categorias informais e “trabalho autônomo” encobrem relações complexas com
os assalariados no contexto das atuais transformações no mundo do trabalho,
chegando a afirmar que “as categorias a partir dos quais eles são
contabilizados confundem pelo menos tanto quanto esclarecem os processos
de precarização historicamente presentes..”(RIZEK, 2005,61). Mais à frente, a
autora afirma:
“Parte das dificuldades parece resultar de uma
multiplicação de sentidos que confunde algumas categorias,
como, por exemplo, os processos de terceirização ou, ainda, os
“setores informais” compostos por trabalhadores temporários,
sem registro, autônomos, precarizados, etc. Outros elementos
advêm do fato de que utilizamos categorias operacionais e
conceitos debilitarios de uma ordem salarial recoberta por
34
formas contratuais para entender realidades que
crescentemente escapam dessas mesmas formas”(IDEM;70).
Como se pode ver, a autora percebe que as categorias utilizadas hoje
para compreender o mundo do trabalho estão calcadas numa relação jurídica
contratual e não dão conta da realidade. Por isso, os trabalhadores à margem
do contrato (de assalariamento) ficam fora das categorias existentes.
Mesmo que a proporção de trabalhadores informais (desprotegidos por
um contrato de trabalho publicamente regulado) não fosse tão diferente de
algumas décadas atrás, este contingente de trabalhadores, hoje, se torna um
novo problema para a reflexão sociológica porque não são os mesmos de
algumas décadas atrás. Seu papel e seu espaço na atual estrutura do mundo
do trabalho e da sociedade, de maneira mais ampla, são diferenciados e as
conseqüências teóricas e políticas de sua existência também o são. Como
afirmamos acima, se até o início da década de 80 do século XX, estes
trabalhadores informais tinham teórica e politicamente a perspectiva de serem
integrados através do assalariamento, hoje o quadro se inverteu.
Isto traz graves conseqüências para a perspectiva de construção de
direitos, integração social e constituição política da sociedade. Se durante boa
parte do século XX tivemos - seja como efetividade nos países centrais, seja
como projeto inacabado no Brasil (pelo menos para as forças democráticas) -
uma estrutura social e uma institucionalidade baseada na divisão clara entre
capital e trabalho, constituída de classes sociais antagônicas que encontravam,
na social democracia, espaços públicos de mediação dos conflitos, gerando o
que Francisco de Oliveira chamou o Modo de produção social democrata
(1998); hoje temos uma heterogeneidade estrutural nas formas de trabalho,
decorrentes do processo de globalização e reestruturação produtiva descritos
acima, que não foram ainda absorvidos nem discursivamente, muito menos
institucionalmente.
1.1 Retomada do Emprego Formal: inversão da tendência?
35
Em uma das seções de um grupo de trabalho que teve por objetivo
discutir as chamadas formas de trabalhos “atípicas” durante o V Congresso da
Associação Latino Americana de Sociologia do Trabalho, realizado em 2010,
uma pesquisadora brasileira colocou uma incomoda questão: diante as
tendências atuais do trabalho no Brasil, e mais especificamente do mercado do
trabalho, as pesquisas e estudos que diagnosticaram uma crise estrutural no
mundo do trabalho não foram exageradas?
Constatando o significativo crescimento do emprego formal no Brasil
(algo como 15 milhões de empregos de 2003 a 2010) e a conseqüente
inversão na tendência de crescimento das “outras formas de trabalho”,
demonstrado pelos números das últimas Pesquisas Nacionais (PNAD/IBGE), a
pesquisadora colocava a questão, que poderia ser sintetizada da seguinte
maneira: será que ainda é pertinente a excessiva preocupação com as formas
de trabalho atípico? Será que os diagnosticos de uma crise estrutural do
mundo do trabalho não teriam sido um tanto exageradas, decorrente do longo
período de políticas neoliberais, e passado o período mais agudo de
tempestade, estamos vendo que os diagnósticos foram um tanto catastróficos?
Será que vivemos de fato o fim da sociedade salarial?
É verdade que o Brasil viveu nos últimos anos uma inversão das
tendências da década anterior, que foi caracterizada por baixo crescimento
econômico, aumento preocupante do desemprego e diminuição dos postos de
trabalho formal. Entre 2004 e 2010 a economia cresce em média 4,5% ao ano,
segundo o IBGE, levando a uma retomada do crescimento, queda do
desemprego e crescimento proporcional do assalariamento em relação a PEA.
Desta maneira, se nos debruçarmos sobre os dados estáticos,
observaremos que, acompanhando o ambiente econômico nacional, a taxa de
desemprego esteve em significativa queda no período que vai de 2004 a 2010
(IPEA: Comunicado 76). Além disso, o mercado de trabalho obteve melhoras
com o crescimento econômico não apenas com a redução do desemprego,
como no significativo aumento da participação do trabalho assalariado formal
(com carteira assinada), como podemos observar na tabela abaixo:
36
Grau de Informalidade no Brasil (2001 a 2008)
54,5455,11
53,95
53,08 52,96
51,06
49,68
48,13
44
46
48
50
52
54
56
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração Machitti 2011.
Contudo, é importante destacar que além do crescimento econômico,
esse aumento da chamada taxa de formalização do mercado do trabalho foi
decorrência também da atuação dos órgãos responsáveis pela fiscalização do
trabalho no Brasil (Ministério Público do Trabalho e fiscalização do trabalho do
Ministério do Trabalho e Emprego).
De fato, houve uma significativa mudança na política dos órgãos
fiscalizadores do trabalho, que se tornaram mais atuantes, fazendo com que
quase 1/3 (aproximadamente 5 milhões e 200 mil trabalhadores5) dos 15
milhões de postos de trabalho formais criados entre 2003 e 2010 sejam na
verdade decorrentes da formalização de empregados precarizados (sem
carteira de trabalho assinada).
Desta maneira, é possível supor que com o crescimento econômico dos
5 Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego:
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A31190C16013123D5C0614EB8/resultado
s_fiscalizacao_2003_2011.pdf
37
ultimos anos, aliado com uma atuação mais vigorosa dos órgãos de
fiscalização do trabalho, houve uma diminuição significativa das formas mais
escancaradas de precarização do trabalho, particularmente as formas
chamadas pelas pesquisas de “trabalhadores empregados sem carteira de
trabalho assinada”.
Contudo, como já argumentamos acima, a heterogenidade das formas
de trabalho atualmente não se restringem ao que poderíamos denominar de
ilegalidade nas formas de contratação, ou seja, aos trabalhadores empregados
sem a carteira de trabalho assinada, mas sim a diversificação das formas de
integração e inserção de trabalhadores ao mundo do trabalho, provenientes
das mudanças produtivas e as transformações de ordem econômicas e
políticas que ocorreram nas ultimas décadas.
Desta maneira, mesmo diante os números acima, não é difícil supor que
mesmo num cenário otimista de crescimento econômico nos próximos anos,
ainda teremos um contingente considerável de pessoas ocupadas fora do
assalariamento e, portanto, o problema político da existência destas outras
formas de trabalho se manterá.
1.2 Mundo do trabalho e o “Transbordamento” institucional
Buscamos até aqui situar teoricamente o lugar da chamada economia
informal no contexto das transformações econômicos e políticas ocorridas nas
ultimas décadas que introduziu um novo modelo de desenvolvimento e
desestruturou as formas de sociabilidade até então conhecidas. Desta forma, a
“informalidade” não é fruto de uma modernização incompleta (TELES,2008),
mas é sim constitutiva deste modelo de desenvolvimento que emergiu da
reestruturação produtiva, da contra-reforma-neoliberal e da globalização
Uma das conseqüências destas transformações é que temos hoje um
modelo produtivo e uma miríade de formas de ocupação dos trabalhadores que
estão à margem de qualquer regulação publica, fazendo que aquilo que se
conseguiu no decorrer do século XX através da regulação pública do trabalho,
38
ou seja, arrancar o trabalho do puro campo do mercado, ou nas palavras da 1°
resolução da Organização Internacional do Trabalho de 1944, a construção de
uma concepção de que o “trabalho não deve ser apenas uma mercadoria”,
fosse perdida e tivéssemos, em parte, um retorno as condições do século XIX,
a força de trabalho sujeita a “mão invisível do mercado”.
De fato, a nova morfologia do trabalho vem acarretando para a questão
social em nosso país conseqüências amplamente conhecidas: destituição de
direitos, crise do sindicalismo, amorfia política dos sujeitos sociais, exclusão,
produção de “supranumerários” (CASTEL;2003).
Parte da conseqüência deste processo é a mudança na relação entre
estado e sociedade no que concerne ao mundo do trabalho. Por um lado, o
estado neoliberal declaradamente defendeu que o estado devia deixar a
regulação do trabalho ao mercado. No Brasil esta dimensão ganhou corpo em
toda discussão do custo da mão de obra, flexibilização do trabalho e uma
reforma trabalhista que pretendia flexibilizar os direitos individuais, colocando o
negociado sobre o legislado, sem avançar no fortalecimento dos direitos
coletivos, ou seja, na transformação da estrutura sindical.
Contudo, o que nos interessa aqui é prosseguir outro caminho de análise
nesta relação estado e sociedade. Pretendemos analisar como a própria
institucionalidade (o estado) a partir de todas estas transformações do mundo
do trabalho, não deu conta de enquadrar esta realidade em sua estrutura,
mantendo-se tributário de uma ordem salarial em crise.
Seguindo as trilhas apresentadas por Angelina Peralva (2008), que por
sua vez baseia-se em Tocqueville e Stuart Mill, existe não apenas uma
autonomia dos processos sociais em relação às instituições democráticas, mas
também uma precedência.
“A ideia não somente de uma autonomia, mas inclusive de uma
precedência histórica da dinâmica social democrática sobre as
instituições democráticas encontra, evidentemente, sua filiação mais
importante em Tocqueville, que as desenvolve,primeiro em A
democracia na América e depois em O Antigo regime e a revolução.
Ela encontra também um eco em seu parceiro intelectual da época,
John Stuart Mill : em um pequeno ensaio sobre a liberdade, Mill nos
39
propõe uma abordagem das instituições como “arranjos provisórios”
da democracia. Tais “arranjos” são permanentemente submetidos a
dois elementos de tensão complementares e opostos. Um primeiro
que remete à consistência do universo simbólico ao qual se referem
as práticas sociais -consistência que se mantém muito além de sua
funcionalidade própria, o que permite entender por que as
instituições resistem à sua própria obsolescência, como lembrou
Danilo Martuccelli (1995) através do tema da “defasagem”. O
segundo elemento de tensão remete aos efeitos de transbordamento
(inclusive os efeitos ditos de “violência”)dessas mesmas instituições
pela prática social. De um lado, as instituições se mantêm mais além
do sentido e dos compromissos que as explicam ; de outro, há toda
uma parte da vida social que lhes escapa, feita de iniciativas que
não podem ser explicadas do ponto de vista da relação com as
instituições, ou que não são institucionalmente enquadradas, ou
apenas em parte. Todas as democracias se vêem assim
periodicamente obrigadas a efetuar uma atualização de suas
instituições para reduzir a defasagem e limitar os transbordamentos,
sem que esse resultado jamais seja perfeito”. (PERALVA;2008, p 4)
Parece ser este processo de precedência da dinâmica social
representada por toda uma nova realidade decorrente das transformações por
que passou o mundo do trabalho que ainda não consegue ser categorizada
nem pelo discurso acadêmico, como vimos na primeira parte deste trabalho, e
muito menos pelo discurso jurídico-institucional. Desta forma, as instituições
públicas relativas ao mundo do trabalho não dão conta desta realidade,
aguçando o processo já existente de precarização.
Deste modo, cabe lembrar que a institucionalidade do Estado relativa ao
mundo do trabalho tradicionalmente esteve estruturada no modelo contratual
do assalariamento e tem nele sua razão de existência.
É interessante, neste sentido, percorrer a história do Ministério do
Trabalho do Brasil e as políticas de emprego no país (IE-CESIT,2005). O
Ministério do Trabalho foi criado no Brasil no ano de 1934 para assegurar o
cumprimento da nascente legislação trabalhista que buscava dar cobertura
40
legal e assegurava direitos para os assalariados. Estes, no seu crescente
processo de organização sindical, processo este regulado e dirigido pelo
Estado, tinha neste nascente Ministério o espaço de regulação (e controle) dos
sindicatos e a garantia e a fiscalização da legislação trabalhista.
Estas duas funções, que se estendem até hoje, foram, durante décadas,
os pilares do Ministério do Trabalho, refletindo, se não a perspectiva de
homogeneização da estrutura social no modelo capitalista do assalariamento,
pelo menos a perspectiva que apenas este modelo merecia a regulação do
Estado e a garantia de (alguns) direitos.
Na década de 1970 é criada no interior do Ministério do Trabalho e
Emprego algum tipo de política “ativa”, e não apenas regulatória, do mundo do
trabalho. É nesta época que se desenha o sistema público de emprego e as
políticas que lhe são constitutivas: intermediação de mão de obra e formação
profissional6. Na década de 80 surge o seguro desemprego e é criado o Fundo
de Amparo do Trabalhador (FAT) e na década de 90 estas políticas passam a
ter um canal institucional de decisão com participação social, com a criação do
CONDEFAT (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Todas estas chamadas “políticas ativas” estão baseadas no fomento ao
trabalho assalariado.
Este quadro passa a se inverter mais significativamente apenas em 2003,
quando o Governo Lula cria, no Ministério do Trabalho e Emprego, a Secretaria
Nacional de Economia Solidária e, em 2004, o Programa do Microcrédito
Produtivo Orientado, para fomentar o chamado empreendedorismo individual.
Ambas as políticas, em conjunto com algumas deliberações do CONDEFAT,
representaram abertura mais significativa do Ministério do Trabalho para as
outras formas de trabalho.
De fato, particularmente a criação da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES) no interior do Ministério do Trabalho ampliou tanto o foco
de atuação do Ministério do Trabalho como os sujeitos sociais com que o
6 A formação profissional é uma política antiga, mas até então exercida
principalmente pelo Sistema “S”. Apesar de serem instituições paraestatais, recebendo
recursos públicos, a sua gestão ficava (e fica) a cargo das confederações patronais.
41
Ministério passa a interagir. Nas palavras de um auditor fiscal do trabalho e
antigo servidor do ministério:
“Logo no início que foi criada a SENAES muita gente achava que a
SENAES e a SIT(Secretaria de Inspeção do Trabalho) iam bater de
frente. Até a criação da SENAES o termo economia solidária me era
estranho, o conceito, e eu achava estranho este publico estar no
ministério do trabalho. Tinha a visão de que em algum momento da
historio tudo mundo ou seria empregado ou seria
empregador.....Quando veio o governo Lula e teve a reformulação
interna do Ministério colocando a SENAES, que parecia bater de
frente com o que o Ministério vinha fazendo e trouxe esse público
que esta a margem do vinculo de emprego, de trabalhador na
concepção que a gente tava acostumado a ouvir. Hoje eu sei que
trabalhador e muito mais do que isso, mas havia uma visão dentro do
ministério de que trabalhador é quem tem vinculo de emprego. A
SENAES fez com que muda-se essa visão”.
Diretor de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e
Emprego.
Na mesma linha da constatação da ampliação do foco e do público com
que o Ministério do Trabalho e Emprego passa a trabalhar a partir da criação
da SENAES, podemos observar na fala de um ex-dirigente do Ministério:
A mudança é a seguinte: é que você tem... É aquilo que eu te
falei: você tem uma agenda nova no ministério do Trabalho. Quer
dizer, essa agenda... O problema do desemprego estrutural, da
informalidade, da precariedade do mercado de trabalho foi tratado
até então sob duas óticas, tá? A solução pela via do crescimento e
da formalização do emprego, ou a solução pela via da
empregabilidade, do auto-emprego, ou seja, na impossibilidade de
absorver esses contingentes. ....O dado novo na SENAES é que ela
vem e introduz a agenda do problema do informal, vamos chamar
assim, mas sob a ótica dos movimentos sociais. Quer dizer, ela traz
42
um... Ela não quer nem o caminho da precarização, ela não quer
nem o caminho do auto-emprego pela via da empregabilidade, como
se desenhou no governo [FHC], e ela nem tão pouco entende que
esses problemas desse segmento se resolve pela via da
formalização. Quer dizer, não, aqui tem uma natureza própria, e a
natureza própria tem a ver com o tipo de atividade, mas também com
a forma como essas atividades se estruturam em estreita relação
com movimentos sociais organizados. São os Sem Terra, são os
apicultores. São movimentos que, em alguma medida, são mais do
que movimentos...
Ex Secretário-Executivo do MTE
Contudo, apesar da entrada desses novos atores em cena nos debates
sobre o mundo do trabalho, todo espaço público institucional existente em torno
do mundo do trabalho está estruturado a partir do modelo tripartite e mesmo as
políticas que surgiram com foco no trabalho não assalariado são discutidas e
elaboradas por representantes dos trabalhadores assalariados.
De fato, do ponto de vista político, somente são reconhecidos como
sujeitos com direito à voz nos espaços públicos de mediação do mundo do
trabalho os sindicatos que representam quase que exclusivamente os
trabalhadores assalariados. Com a diminuição do número de trabalhadores
nesta categoria e a constante ameaça de desemprego, os sindicatos vêm
obviamente perdendo força nos últimos anos e enfrentando uma crise sem
precedentes (RODRIGUES,2002; ANTUNES,1999).
De fato, durante o período fordista, havia uma correlação entre identidade
de classe e construção de representação de classe que tinha incidência no
espaço público. Seguindo E. Thompson esta identidade muitas vezes era
construída através da própria conceituação jurídica, pois:
“Embora isso abarque uma grande parcela evidente de
verdade, as regras e categorias jurídicas penetram em todos os
níveis da sociedade, efetuam definições verticais e horizontais
dos direitos e do status dos homens e contribuem para a
autodefinição ou senso de identidade dos homens” (1987;358).
43
Assim, de uma relação dialética entre costumes, experiência e categorias
jurídicas se construiu no processo histórico a identidade de classe e com ela a
possibilidade de construção de representação política nos espaços públicos.
Desde a Constituição Federal até as leis e normas que regulam o mundo
do trabalho, as categorias jurídicas existentes para classificar a relação de
trabalho são: trabalhador empregado, trabalhador doméstico e trabalhador
autônomo. Os demais são relegados à extensa conceituação nada explicativa
da informalidade, entendida neste caso apenas como relação não formal de
trabalho, ou seja, sem nenhuma forma jurídica.
A conceituação jurídica é fundamental para a compreensão da atual
calamidade do trabalho. Uma vez que o único trabalho regulado é o
assalariado e somente os trabalhadores inseridos neste tipo de contrato são
sujeitos dos direitos trabalhistas, a ausência de conceituação jurídica acarreta a
inexistência de direitos a todos estes trabalhadores.
Neste sentido seria bom percorrer o discurso jurídico que dá corpo e
categoriza o mundo do trabalho.
O mais importante instrumento jurídico que regula hoje no Brasil o
trabalho é a tão conhecideda Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT),
instituída por Getulio Vargas na década de 1940. Já em seus primeiros artigos,
a CLT delimita e tipifica quem serão os trabalhadores reconhecidos
juridicamente:
Art. 3° Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços
de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.
Parágrafo único: Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e
à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Desta maneira, para se definir que trabalhador esta coberto pela lei se
observa quatro características: 1) pessoalidade: o trabalhador é contratado
como pessoa fisica, 2) assalariamento: pagamento continuo pelo trabalho
realizado, 3) continuidade: o trabalho não é eventual; e 4) subordinação na
prestação do serviço.
44
Fora desses requisitos, o trabalhador se encontra a margem dos direitos e
da proteção, ou como diria um diretor do Ministério do Trabalho e Emprego:
“A relação da Secretária de Inspeção do Trabalho com estes
trabalhadores, vamos chamar assim, em situação atípica, ou não formal
nos termos da legislação trabalhista (não são trabalhadores com vinculo
de emprego) sempre foi uma relação distante porque nos não temos a
competência de fiscalizar o trabalho deles. Então nossa relação sempre
foi, quando se depara com algum caso dessa situação, o que vai se
verificar e se não esta havendo apenas uma maquiagem para esconder
uma relação de emprego. Então a relação não é com o trabalhador em
si, mas com o tipo de vinculo em que ele esta trabalhando.....Se não
encontrou os requisitos previstos no artigo terceiro da CLT daí
abandonamos a fiscalização, porque não se constatou o vinculo de
emprego. Então a gente trata esses trabalhadores atípicos nesse
sentido, ele não faz parte do rol de cidadãos protegidos pela
fiscalização do trabalho”
Diretor de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e
Emprego.
No artigo 7° da Constituição Federal de 1988, no âmbito do capítulo sobre
os Direitos Sociais, consolidam-se na carta máxima da Republica os direitos
mínimos do trabalhador urbano e rural.
Mas que trabalhador os legisladores tinham em mente ao redigir este
artigo? Podemos supor, pelo lugar que ocupa o artigo no Título sobre Direitos e
Garantias Fundamentais, que estavam pensando em todo e qualquer
trabalhador, neste sentido, os direitos trabalhistas teriam caráter universal,
assim como saúde e educação.
Contudo, no final do referido artigo, em seu parágrafo único, percebemos
que nem todos possuem os direitos afincados, pois constam que o trabalhador
doméstico possuiria apenas “alguns” dos direitos. Já o trabalhador autônomo
não possui nenhum dos direitos elencados, pois, como afirma o mesmo diretor:
“Para a fiscalização isso (o trabalhador empregado sem carteira
45
assinada) que é o trabalho informal. O camelô de rua não é trabalho
informal. Ele é um trabalhador a margem de nossa competência, para
nos ele não é informal porque ele não tem vinculo de emprego, nesse
sentido para nós ele se aproxima muito mais do empregador”
Diretor de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.
Desta maneira, do ponto de vista do discurso jurídico, estes trabalhadores
envolvidos em outras formas de trabalho se aproximam mais de um
empregador do que de um “trabalhador”, por mais absurdo que possa parecer
comparar, por exemplo, um jardineiro com um empresário.
Apesar de representarem grande contingente populacional, na atual
configuração do mundo do trabalho surgida em decorrência da contra-reforma
neoliberal, estes trabalhadores são invisíveis do ponto de política e não são
reconhecidos pelo discurso político, no discurso acadêmico e no discurso
jurídico, tornando-os desprotegidos e a margem dos direitos.
46
CAPITULO 2
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DE TRABALHADORES NÃO ASSALARIADOS
As experiências de autogestão, ou seja, de gestão democrática e
participação direta e autônoma de trabalhadores na organização do trabalho e
da produção, tem uma história antiga no Brasil. Podemos localizá-las desde as
experiências organizativas de algumas das sociedades originárias passando
pela longa história de resistência camponesa e operaria dos últimos séculos.
Contudo, apesar de antigas, estas experiências foram marginais nos
processos sociais brasileiro, principalmente do movimento operário, no
decorrer do século XX, vindo a (re) surgir apenas nas ultimas décadas no
contexto de profundas transformações que ocorreram na sociedade brasileira,
particularmente, por um lado, as mudanças no mundo do trabalho e no modelo
econômico produtivo de desenvolvimento e, por outro, de uma intensa
transformação na sociedade civil brasileira, com o fortalecimento dos
movimentos sociais e emergência de novos sujeitos na arena pública,
decorrente do processo de democratização e “invenção democrática” das
ultimas décadas.
O que hoje vem sendo chamado de economia solidária, ou seja, formas
associativas, solidárias e democráticas de organizar as atividades econômicas,
já estavam presentes no Brasil em algumas comunidades indígenas -
sociedades sem estado, como diria Pierre Clastres (1978) - ou nas
experiências de resistência negra à escravidão no decorrer dos séculos XVI,
XVII, XVIII e XIX. As experiências mais significativas neste ultimo caso foram a
constituição de “quilombos”, onde a população negra, para resistir e escapar da
escravidão, se refugiava em territórios isolados constituindo comunidades
livres, em muitos casos baseadas na igualdade e na gestão democrática dos
seus integrantes, tendo no Quilombo de Palmares, que existiu no século XVII,
um dos seus grandes exemplos.
47
É provavelmente desta tradição das sociedades originárias e da
resistência negra à escravidão que a participação direta e coletiva de
trabalhadores na organização do processo de produção também permeia boa
parte das lutas camponesas no Brasil. Desde pelo menos a histórica
resistência do “povoado” de Canudos, no século XIX, passando pelas diversas
lutas camponesas no século XX7, o processo de participação dos trabalhadores
na organização da produção foi uma constante nas diversas lutas de
resistência camponesa até os dias de hoje.
De fato, assim como na Europa (COLE,1944), onde as experiências
cooperativistas tiveram sua origem na resistência operaria ao avanço do
capitalismo industrial, no Brasil as experiências associativas de participação de
trabalhadores no processo de produção também tiveram sua origem fortemente
associada a um amplo processo de resistência de trabalhadores. Num primeiro
momento, a resistência dos camponeses, no âmbito da sociedade agrário
exportadora, e depois, conforme o Brasil foi se industrializando no decorrer do
século XX, da resistência e lutas operárias.
Desta maneira, o movimento operário brasileiro, desde os seus
primórdios, foi também desenvolvendo suas experiências de autogestão,
apesar destas sempre terem sido marginais, pelo menos até recentemente.
As primeiras décadas do século XX marcam o inicio do movimento
operário brasileiro, fortemente influenciado pela imigração européia,
particularmente italiana e espanhola. Estes imigrantes, que vinham trabalhar na
nascente industria brasileira, em muitos casos já vinham formados pelo
pensamento socialista e principalmente anarco-sindicalista. Desta cultura,
principalmente anarquista, surgiram algumas experiências de empresas
autogeridas. Provavelmente o caso mais emblemático seja a criação de uma
empresa autogerida por operários anarquistas Italianos, que depois de um
movimento grevista na década de 1910 na companhia vidraçaria Santa Marina
e da sua posterior demissão, fundaram uma empresa autogerida no entorno da
cidade de São Paulo, onde se localiza hoje a cidade de Osasco. Apesar de ter
durado pouco tempo, esta experiência deixou marcas de uma cultura 7 Casos emblemáticos foram os de Formosa/Trombetas, nos anos de 1950, as Ligas Camponesas nos
anos de 1960 e o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, como veremos adiante.
48
autogerida e cooperativista, existindo naquela cidade ainda hoje um bairro
chamado sugestivamente de Rochdale, em referência a pioneira cooperativa
britânica do século XIX.
Contudo, apesar da cultura anarquista dos imigrantes italianos e
espanhóis, as experiências de autogestão no inicio do século XX foram
pontuais e marginais no movimento operário brasileiro em seu nascedouro,
principalmente devido a dois fatores predominantes.
Em primeiro lugar, como mostra Maurício Sardá (2008), o movimento
operário brasileiro já nasceu contaminado pelos embates e debates travados
no interior da II Internacional, onde as experiências de autogestão e de
cooperativismo eram entendidas como experiências fadadas ao fracasso ou a
degeneração quando empreendidas no interior do capitalismo. Assim, apesar
da cultura mais anarquista do que socialista dos pioneiros do movimento
operário brasileiro, eles já traziam na bagagem da Europa as resoluções da II
Internacional, priorizando a luta política através da estratégia e foco na tomada
do poder do estado e, portanto, da constituição de partidos e sindicatos do que
a luta econômica, a partir da organização de empresas de autogestão.
Além da cultura própria do movimento operário, que tinha na autogestão
e nas estratégias de participação de trabalhadores na organização do trabalho
um elemento apenas marginal, o principal fator que fez com que as
experiências de autogestão não se expandissem na sociedade brasileira foi o
intenso processo de incorporação dos trabalhadores ao trabalho assalariado
decorrente do processo de industrialização pelo qual passou o Brasil do
período que se entende dos anos de 1930 até o inicio dos anos de 1980 e que
levou a um continua integração ao assalariamento, a paulatina conquista de
direitos daqueles que conseguiam chegar a este patamar e a conseqüente
perspectiva de homogeneização das relações de trabalho em torno do
assalariamento.
Em 1930 ocorre no Brasil a ruptura política institucional com o projeto
agrário-exportador, e sobre a presidência de Getulio Vargas, se inicia um amplo
processo de industrialização, inicialmente na criação de industrias de base nos
anos de 1930 e 1940, e mais tarde, já nos anos 50, com a substituição de
importações e a criação da industria automobilística brasileira. O efeito deste
processo foi que durante décadas o Brasil crescesse numa espantosa media
49
de 6% ao ano.
Concomitante e conseqüência deste intenso processo de
industrialização aberto nos anos 30 há uma intensificação do processo de
Formação, no sentido thompsiano (XXXX), da classe operária brasileira.
Apesar do processo de organização do movimento operário brasileiro ter sido
extremamente regulado e dirigido pelo chamado “estado novo” de Getulio
Vargas, no que ficou conhecido como um processo de construção de uma
cidadania regulada (SANTOS,1979), neste período se consolida uma
legislação trabalhista e sindical brasileira que é o tijolo do inacabado estado do
bem estar e que significou, bem ou mal, a entrada no movimento operário na
arena publica, mesmo que regulado por um estado de matriz autoritária, e a
ampliação e conquistas de direitos trabalhistas.
Este amplo processo de industrialização e a continua ampliação do
trabalho assalariado, cada vez mais protegido, se não levou a homogeneização
das relações de trabalho em torno do assalariamento, uma vez que
historicamente entre 30 e 50% da população economicamente ativa brasileira
estivesse em ocupações ligadas a outras formas de trabalho ou na chamada
informalidade - fenômeno típico de economias subdesenvolvidas no decorrer
do século XX – fez, pelo menos, com que ate o final da década de 70 existisse
a perspectiva de que esta população viesse a ser incorporada ao
assalariamento.
Esta opção não era apenas das elites, mas do conjunto da sociedade
brasileira, inclusive da classe operária, que, como afirmamos, optou por lutar
por sua inclusão ao assalariamento e focando as suas energias e estratégias
na conquista e manutenção dos direitos, que ficaram restritos a esta única
forma de organização do trabalho. Isto fez com que as experiências de
participação direta dos trabalhadores na organização do trabalho saísse quase
que definitivamente da pauta e da estratégia do movimento operário brasileiro.
Desta maneira, entre 1930 e o inicio dos anos de 1980 existiram poucas
e pontuais experiências de autogestão, muitas vezes fomentadas por grupos
minoritários do movimento operário, como por exemplo o caso da Unilabor,
empresa de moveis criada no final dos anos de 1950 por operários e militantes
socialistas cristãos.
Fora estas experiências pontuais, o cooperativismo perdeu seu caráter
50
político-emancipatório nestes anos, mas, por outro lado, tornou-se uma
estratégia de organização da burguesia agrária brasileira. Desta maneira, o
cooperativismo ficou neste período atrelado a uma estratégia governamental
(principalmente na ditadura militar, nos anos 60 e 70) de modernização
conservadora do campo brasileiro, se transformando mais em um instrumento
de organização puramente produtiva (para ganhar escala e diminuir custos) da
burguesia agrária atrelada ao agronegócio, perdendo ainda mais espaço como
uma pauta e uma estratégia do movimento operário e perdendo a dimensão de
participação dos trabalhadores na organização do trabalho e da produção e a
radicalidade do projeto de autogestão.
Contudo, este quadro se inverte no último período, quando observamos
nos últimos 30 anos uma nova “onda” de criação de empreendimentos
econômicos baseados na associação dos trabalhadores e em sua gestão
democrática. Esta “nova onda” vem paulatinamente adquirindo maior presença
social, visibilidade e pertinência política, particularmente para a esquerda, na
sociedade brasileira, havendo hoje poucos movimentos sociais que não
fomentem ou debatam a economia solidária como estratégia de organização e
luta social. Além disto, cada vez mais as cooperativas e empreendimentos
autogestionarios têm se espalhado, existindo hoje milhares de
empreendimentos coletivos e democráticos, nos mais diversos setores
econômicos, sendo experiências concretas, e não mais apenas pontuais, de
participação direta de trabalhadores na organização do trabalho e da produção.
2.1 Crise econômica e novos movimentos sociais: o duplo condicionante do Re-surgimento da Economia Solidária no Brasil
A década de 1980 foi marcada no Brasil por dois processos
concomitantes e paralelos, um de ordem econômica e outro de ordem politico-
social, que foram determinantes para o processo de re-surgimento da
economia solidária no Brasil.
Se por um lado, foram anos que ficaram conhecidos pelos economistas
como a década perdida do ponto de vista econômico, com inflação galopante,
falta de crescimento, aumento exponencial do desemprego e estagnação, por
51
outro, ficou conhecido pelos cientistas sociais e marcado por ter sido uma
década de intensa “invenção democrática” e politização da sociedade
brasileira, que teve como grande marco todo o processo de emergência e
mobilização dos movimentos sociais em torno da luta pela redemocratização
após o longo período de ditadura militar, que trouxe novos sujeitos para a arena
publica, politizou novos temas e radicalizou a democracia no Brasil, abrindo
novos espaços de participação popular.
Foi deste duplo processo, uma intensa crise econômica que colocou os
trabalhadores e seus movimentos diante novos desafios, particularmente as
mudanças no mundo produtivo e o desemprego, e por outro, todo um processo
de mobilização e politização da sociedade brasileira, que re-surge as
experiências de empreendimentos autogeridos, de participação associada e
democrática de trabalhadores no processo de produção e que, enfim, se inicia
um novo ciclo da economia solidária no Brasil.
2.1.1 Transformações do Trabalho e a “década perdida” do ponto de vista
econômico
Como afirmamos acima, durante décadas foi sendo construído no Brasil
um modelo de sociabilidade e seu conseqüente modelo institucional que
moldou a nossa maneira de pensar e viver, ou, nos filiarmos (CASTEL, 1998) a
sociedade. Este modelo, que se iniciou na década de 1930 e se prolongou ate
o inicio dos anos de 1980, teve nas políticas de busca de pleno emprego de
matriz keynesianas, na ampliação dos direitos dos trabalhadores, na
constituição de um modelo produtivo baseado no Fordismo, os fundamentos
desta sociabilidade e de uma determinada estrutura institucional.
Contudo, esta sociedade salarial, para utilizarmos o termo de Castel
(1998), entrou em crise, no Brasil e no mundo, a partir de uma serie de
processos de ordem política, econômico e social que vem desmantelando este
modelo anterior e introduzindo um novo modelo de desenvolvimento e novos
padrões de sociabilidade.
De fato, por um lado, assim como em outras regiões do globo, as
mudanças de ordem econômica foram intensas no Brasil a partir dos processos
de reestruturação produtiva e de mundialização da economia. Podemos
52
destacar como causas destas transformações, por um lado, fatores de ordem
econômico/produtiva, como a crise do fordismo, a mudança do padrão
tecnológico que diminui a necessidade de trabalho, a expansão de novas
formas de organização do trabalho, tendo a flexibilização das relações
trabalhistas como mote, a conseqüente adoção de novas formas de
organização industrial, baseadas em processos de enxugamento das plantas e
terceirização das atividades (meios e fins) das empresas.
Por outro lado, houve fatores de ordem política, como o enxugamento do
estado, particularmente de seu papel regulador do mundo do trabalho a partir
do ideário neoliberal - que no Brasil passou a ser implantado a partir da Eleição
de Fernando Collor, em 1990, e se estendeu por toda a década de noventa e
inicio dos anos 2000- o enfraquecimento do movimento sindical a partir do
desmantelamento das bases operarias principalmente ocorridas em
decorrência do processo de globalização e conseqüente transnacionalização
das empresas, que passaram a instalar suas atividades em regiões com
movimentos operários mais fracos e regulamentação estatal mais brandas.
Todas estas mudanças deram origem a um novo modo de acumulação
(HARVEY, 1992) e a uma nova morfologia do trabalho (ANTUNES; 2003).
Esta nova morfologia do trabalho consiste justamente na crise do
assalariamento e o “enorme” crescimento da informalidade e das “outras
formas de trabalho”, muitas delas, formas de precarização do trabalho, e outras
nada mais do que o caminho para o crescimento dos outros modos de
produção não baseados no assalariamento (SINGER, 2000)8, seja a produção
individual, familiar ou coletiva. Assim, é neste contexto que experiências de
economia solidária passam a se intensificar no bojo das profundas
transformações no modelo de desenvolvimento, quando a perspectiva de
integração de trabalhadores através do assalariamento se esgota, milhares de
trabalhadores são jogados no desemprego ou em ocupações extremamente
precarizadas.
8 Segundo Paul Singer (2000), nas trilhas de Rosa Luxemburgo, o capitalismo como modo de
produção – baseado na divisão entre capital e trabalho– nunca chegou a ser completamente hegemônico,
particularmente numa economia periférica como a brasileira. A característica do momento atual é que
outros modos de produção emergem com força nos insterticios do capitalismo.
53
Neste contexto, a antiga pratica de auto ajuda e de associação de
trabalhadores volta como estratégia para enfrentar estes desafios.
No Brasil, aprofundando a crise da sociedade salarial e paralelamente a
ela, tivemos ainda o agravante nos anos de 1980 de uma intensa crise
econômica derivada das chamadas crise do petróleo nos anos 70 e da
conseqüente crise da divida externa, que levou a estagnação econômica nas
duas décadas seguintes. Este quadro levou a um desemprego em massa e
uma inflação galopante.
Desta maneira, a crise econômica das décadas de oitenta e noventa e o
tsunami neoliberal na periferia do sistema capitalismo resultou na introdução da
organização econômica dos trabalhadores, inicialmente como alternativa de
geração de trabalho e renda num contexto de desemprego em massa.
Mas este reencontro dos trabalhadores com as estratégias coletivas e
associativas de enfrentamento da crise econômica só foi possível devido a uma
reorganização da sociedade civil brasileira, como veremos a seguir.
2.1.2 Movimentos sociais e a década das “invenções democráticas”
Aliado a realidade econômica, temos a década de oitenta também como
um período importante na história dos movimentos sociais no Brasil, uma
década que, conhecida como a década perdida do ponto de vista econômica,
chegou a ser chamada por diferentes cientistas sociais como a década das
“invenções democráticas”, a partir da emergência de “novos atores”
(SADER,1988) na arena pública nacional e a emergência dos chamados novos
movimentos sociais, que foram sujeitos e protagonistas do processo de re-
democratização da sociedade brasileira.
Eder Sader (1988) em seu estudo sobre os novos movimentos sociais
brasileiros, identifica três grandes influencias, ou matrizes discursivas9, que
9 “As matrizes discursivas devem ser, pois, entendidas como modos de abordagem da
realidade que implicam diversas atribuições de significado. Implicam também, em decorrência, o uso de
determinadas categorias de nomeação e interpretação (das situações, dos temas, dos atores) como na
referencia a determinados valores e objetivos. Mas não são simples idéias: sua produção e reprodução
dependem de lugares e praticas materiais de onde são emitidas as falas” (SADER,p.143)
54
alimentaram a emergência destes novos movimentos sócias: a igreja católica
progressista influenciada pela teologia da libertação, as organizações de
esquerda que passam a repensar suas estratégias após o período da ditadura
militar e a emergência de um novo sindicalismo, mais combativo, independente
e democrático.
Estas três forças tiveram também, e não por acaso, participação
predominante no processo de recriação da economia solidária no Brasil nos
anos 80 e 90 do século XX e apoiaram e fomentaram diretamente as
experiências de participação dos trabalhadores na organização da produção.
A igreja católica progressista foi um dos elementos fundamentais no
processo de transformação da sociedade civil brasileira e constituição dos
movimentos sociais que emergiram na arena pública no decorrer dos anos de
1970 e 1980. Com influencia do Concilio do Vaticano II e a Conferência de
Mendellin de 1967 e a partir de uma teologia baseada na libertação, da opção
preferencial pelos pobres e pela aproximação da religião da ação política,
padres e lideranças da igreja católica passam a organizar as Comunidades
Eclesiais de Base – CEB´s.
As Comunidades Eclesiais de Base eram majoritariamente formadas por
grupos populares, fomentados por agentes pastorais, buscando organizar seus
membros para alguma ação coletiva, tendo o evangelho e a transformação
social como seu norte. No decorrer dos anos foram sendo criadas milhares de
CEB´s pelo Brasil, reunindo milhões de pessoas, nas regiões urbanas e rurais.
No contexto da intensa crise econômica dos anos de 1980, do aumento
significativo do custo de vida para a população mais pobre e a manutenção das
enormes diferenças sociais, as CEB´s passaram a ter no enfrentamento desta
realidade um dos seus eixos. O interessante a observar é que as CEB´s já
eram comunidades que possuíam em seu embrião formas organizativas que se
aproximavam da economia solidária, buscando a igualdade, inclusive
econômica, entre seus membros e funcionando democraticamente em suas
ações (SADER, 1988).
Assim como a igreja, as ‘organizações de esquerda” no Brasil passaram
por significativas transformações no decorrer das décadas de 1970 e 1980, que
abriram as portas para que a economia solidária entrasse na pauta e no
imaginário de parte da esquerda brasileira.
55
De fato, após 1968 (ELEY, 2005), passa a surgir no mundo, e no Brasil,
uma “nova esquerda”, que se desprende dos cânones da II Internacional. No
caso do Brasil, até o inicio da década de 1970 a esquerda estava
majoritariamente organizada em torno do Partido Comunista do Brasil,
extremamente burocratizado, ou tinha se engajado na luta armada contra a
ditadura militar através da criação de inúmeras organizações, geralmente
rachas do PCB, que ocorreram no decorrer dos anos 1960.
Com o desmantelamento destas organizações - fruto da intensa
repressão da ditadura militar - e dos acontecimentos de 1968 em escala
mundial, a esquerda brasileira passa no decorrer dos anos de 1970 por
intensas transformações. Os manuais leninistas são muitas vezes trocados por
Gramsci ou Rosa Luxemburgo. A agenda não é mais a constituição de grupos
de militantes disciplinados que mergulham na clandestinidade, mas sim a
aproximação com a classe operaria – que também esta se re-organizando
neste período – e com grupos populares, particularmente aqueles já
organizados em torno das CEB´s. A conquista da “hegemonia” passa a ser o
objetivo e os militantes se envolvem em intensos processos formativos com
grupos populares.
Neste processo intenso de transformação e reformulação, a idéia de
democracia adquiri força e passam a habitar o imaginário da esquerda. Autores
como Claude Lefort e Cornelius Castoriadis passam a ter influencia na
intelectualidade de esquerda e a critica ao “socialismo real”, apesar de antiga,
adquire mais força e se amplia10.
No Brasil, parte desta esquerda que se transforma, funda o partido dos
trabalhadores (PT), partido de esquerda que enraíza profundamente em seu
programa e em sua prática a democracia, não apenas representativa
parlamentar, mas também direta. Não é assim a toa que nos anos de 1990 o
10 Um dos principais intelectuais da economia solidária hoje no Brasil, Paul Singer, escreve
no inicio dos anos 1980 o Livro O que é Socialismo Hoje (1982), onde faz criticas a economia
centralmente planejada e já pensa em como organizar a economia de maneira democrática. No mesmo
período um grupo de militantes do Partido dos Trabalhadores organizam um jornal com o sugestivo nome
de Autonomistas, onde publicam experiências de autogestão e tematizam um socialismo com profundas
raízes democráticas
56
PT tenha incorporado em seu programa a economia solidária
Neste processo de transformação a esquerda retoma princípios e formas
de organização que haviam ficado perdidas durante grande parte do século XX,
como as idéias de autogestão e democracia econômica, passando a partir disto
a olhar com mais interesse e apoiar a organização de trabalhadores em
processos de autogestão.
2.1.3 Transformações no trabalho, novo sindicalismo e economia solidária.
Talvez uma das características particulares da economia solidária e das
experiências de autogestão no Brasil seja a presença marcante do movimento
sindical no decorrer da construção deste processo. Esta presença pode ser
explicada pela história recente do sindicalismo brasileiro.
Fortemente influenciado pela igreja e pelas organizações de esquerda,
no final dos anos 70 inicio dos 80 do século XX, o sindicalismo brasileiro
passou por uma intensa transformação, fazendo emergir o que ficou conhecido
como o “novo sindicalismo”, combativo e desvinculado do estado.
Este novo sindicalismo representou uma ruptura com as práticas
sindicais que vinham desde os anos 30, de um sindicalismo atrelado ao estado
e burocratizado. Não vem ao caso, para os objetivos e o espaço deste artigo,
analisar as condicionantes que levaram a transformação do sindicalismo
brasileiro e a emergência do “novo sindicalismo”, contudo, é importante
destacar que além de ter representado avanços importantes para o conjunto
dos trabalhadores, como a liberdade de greve e liberdade de ação sindical,
assim como a ampliação de direitos trabalhistas, o “novo sindicalismo” ocupou
importante espaço no cenário político brasileiro a partir do final dos anos 70 e
durante os anos de 1980, sendo um dos motores das “invenções
democráticas”.
No entanto, a década de 1990 trouxe significativas modificações nas
discussões realizadas pelo movimento sindical brasileiro: com a abertura do
mercado interno às importações a partir da adoção das políticas neoliberais no
inicio dos anos 90, que se entendeu por toda a década, houve uma redução de
cerca de 1,6 milhões de postos de trabalho na indústria brasileira levando
inclusive a um processo de desindustrialização nas regiões com forte presença
57
sindical.
Além disso, a intensificação do processo de transformação produtiva,
com o enxugamento das plantas industriais e a tercerização de atividades a
partir da mudança do padrão produtivo do fordismo ao toyotismo, levou ao
desmantelamento de importantes bases sindicais.
A precarização atingiu em cheio o sindicalismo brasileiro e o
desemprego tornou-se de massa, a ponto dos movimentos reivindicatórios dos
sindicatos cessarem, com a trágica exceção das greves de protesto contra
demissões coletivas. .
Essas transformações no mercado formal de trabalho trouxeram como
conseqüência o aumento do desemprego, que passou a ser a principal questão
discutida nas reuniões sindicais a partir dos anos 1990 (Parra, 2002).
É neste contexto, de enfrentamento das conseqüências da abertura
econômica, mudanças produtivas e políticas neoliberais, que o sindicalismo
incorpora em suas discussões a questão da economia solidária, enquanto uma
das alternativas para tentar solucionar ou minimizar a exclusão de milhares de
trabalhadores do mercado formal de trabalho.
Uma das principais reorientações no padrão de ação do movimento
sindical, particularmente da Central Única dos Trabalhadores – a maior e mais
representativa central sindical brasileira - consistiu, como argumenta Maria
Cecília Camargo Pereira (2009), na passagem de uma ação baseada na greve
e no confronto, presente desde o nascimento do ‘novo sindicalismo’ e que se
estendeu por toda a década de 1980, para um sindicalismo mais “participativo”,
ampliando propostas e ações e seu leque de atuação para além dos
trabalhadores assalariados. É neste contexto que a central adota uma
estratégia mais propositiva de ação, que se consubstanciou no que foi
denominado de “sindicalismo cidadão” (PEREIRA, 2009).
Contudo, a preocupação da Central Única dos trabalhadores com os
trabalhadores não assalariados pode ser encontrado nas próprias origens da
Central. Como um entrevistado nos relata, no próprio momento de criação da
CUT se discutia sobre a possibilidade da Central se aproximar do modelo da
Central Obrera Boliviana, onde, ao lado dos trabalhadores assalaraiados,
também estavam representados pela Central as outras formas de trabalho e os
movimentos sociais:
58
E aí a CUT nasceu com uma raiz muito forte, como o PT também, né?
Nasceu com uma raiz muito forte nos movimentos. E a CUT... Daí que tem
a questão da COB [Central Operária Boliviana], o modelo COB, se sim
ou não. Não. E daí o movimento social ficou fora, ficou só... Por isso que
tem essas duas origens. Agora, o movimento social... A COB tinha... O
desenho da COB é outro, os movimentos populares participam da Central,
por isso que discutimos, quando a gente montou a CUT, isso. Uma coisa
que valeria a pena, acho que não tem... Eu não vi ninguém desenvolver
isso... por que que... A COB é Central Operária Boliviana. Ela fazia, ela
pegava os movimentos sociais e os trabalhadores empregados.
Por isso que os movimentos ficaram... Por isso que a Anampo ficou fora, o
pessoal dos movimentos populares ficou fora aqui, dançou, né? E ficou
uma central dos trabalhadores, considerando trabalhadores como
trabalhadores de categoria, funcionais, tal.
Foi muito por aí! Porque tem uma coisa, sabe? A gente estava muito
preocupado em criar uma solidariedade com os... Nós tínhamos aquela
concepção... Acho que isso é bom de recuperar. Quer dizer, uma
concepção, que eu acho que isso deve ter sido motivo também, que nós
temos... A solidariedade de classe é a solidariedade operária, sabe? Quer
dizer, operário faz a revolução. Operário no poder. Nós tínhamos muito
essa coisa. Não é o trabalhador, é o operário. Então...
Isso não era aprendido, mas é uma questão que a gente achava que
quem... A ideia de que exploração só se faz dentro da fábrica, então é de
quem está sendo extraído a mais-valia... Aquela concepção clássica de
exploração. Esse cara que reage, esse cara que tem...
Entrevista com Diretor da ANTEAG
Contudo, apesar das discussões sobre uma central que representa-sse
tantos os trabalhadores assalariados como os a margem do assalariamento, a
CUT durante a sua primeira década de vida não se expandiu para o dialogo
com a formas não assalariadas de trabalho, vindo a realiza-lo somente quando
nos anos de 1990 se tem as transformações pelas quais a central passou.
Nesse sentido, as experiências da Central Única dos Trabalhadores no
59
campo do cooperativismo podem ser consideradas como um aprofundamento
do sindicalismo propositivo dos anos de 1990, ou, nas palavras de uma
importante liderança cutista:
‘Apesar da CUT ter o tamanho que tem, as centrais
sindicais lidam com os trabalhadores da formalidade, com
carteira assinada [grifos nossos]. E nós sabemos que atualmente a
maioria da PEA está no campo da informalidade. Uma grande parte
da informalidade cai para o campo da Economia Solidária, é
explorado em terceirizações, quarteirizações [...] É um campo pouco
entendido pela própria central sindical [...]. Os que estão tentando
sobreviver a partir de processos associativos ou cooperativados até
então não eram abraçados por nossa central sindical. A CUT é
inovadora nessa área também ao criar essa alternativa às vezes de
renda, às vezes até de sobrevivência. [...]. Mas o essencial é que
sempre uma cooperativa é um processo debatido coletivamente de
produção não capitalista”.
Entrevista realizada com sindicalista cutista e diretor da
agência de Desenvolvimento Solidário da CUT
Assim no decorrer da década de 1990, o Movimento sindical brasileiro,
aglutinado em torno da CUT, vai criando, como veremos a seguir, instrumentos
de apoio a participação dos trabalhadores no processo de produção, a partir do
apoio a autogestão e o fomento a economia solidária.
Este apoio se formaliza no 7º Congresso da Central Única dos
trabalhadores, realizado em 2000, onde fica deliberado:
“a ‘Economia Solidária’ tem se apresentado como uma
nova forma de se constituir alternativa de luta contra o
desemprego e diálogo concreto com os desempregados e
demais setores marginalizados pelas grandes cadeias
produtivas (...). Nesse contexto, a economia solidária e
particularmente as cooperativas, tornam-se mais do que
uma alternativa de geração de trabalho e renda,
60
representando uma contraposição às políticas
neoliberais”. (CUT, 2000: 33-34)11.
Podemos perceber, portanto, que diante as transformações do trabalho,
o movimento sindical brasileiro incorpora a autogestão e a economia solidária
como um instrumento de atuação sindical e de contraposição as políticas
neoliberais.
2.2 – Pequena História do Re-surgimento da economia solidária no Brasil
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, que entre os anos
de 2004 e 2007 realizou um levantamento em 52% do municípios brasileiros,
mostram que existem hoje mais de 22.000 empreendimentos de economia
solidária no Brasil, que reúnem mais de 2 milhões de trabalhadores que
desenvolvem seus trabalhados associativamente e democraticamente, através
de sua organização em cooperativas e associações. Estes empreendimentos
estão espalhados nos mais diversos ramos de atividade econômica -
agricultura, serviços, finanças, industria - e demonstram que as praticas de
participação direta de trabalhadores na organização do trabalho, através de sua
auto-organização e da autogestão, tem adquirido cada vez mais presença na
sociedade brasileira.
Os mesmos dados mostram que dos empreendimentos econômicos
solidários pesquisados, 1,8% foram criados antes da década de 80, 7,8% no
decorrer da década de 80, 34% no decorrer da data de 90 e 56,5% nos anos
2000. Este progressivo crescimento da economia solidária no Brasil desde a
década de 1980, assim como a diversidade da economia solidária brasileira,
pode ser explicada pelo continua processo de envolvimento de diferentes
organizações e movimentos sociais no apoio e fomento a organização dos
trabalhadores em empreendimentos coletivos e democráticos.
De fato, como vimos acima, é de uma intensa crise econômica, que se
11 Citado por Maria Cecília Camargo Pereira (2009)
61
aguça nos anos de 1990 com a onda neoliberal, e a crescente politização da
sociedade brasileira, que emerge a economia solidária no Brasil neste ultimo
período. Assim, fruto de uma estratégia de trabalhadores e trabalhadoras de se
auto-organizarem para enfrentarem um ambiente de intensa deteriorização e
precarização do trabalho formal assalariado, a economia solidária re-surge a
partir do apoio de diversas instituições – sindicais, religiosas, universidades,
ong´s, poderes públicos – que passam a apoiar a organização destes
trabalhadores.
Desta maneira, costuma-se considerar a Cáritas Brasileira, entidade
ligada a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, como pioneira no
fomento e organização da economia solidária do Brasil, a partir dos anos de
1980. Através do lançamento dos Fundos Solidários (poupança comunitário
com o objetivo de apoiar projetos produtivos) em 1981
(BERTUCCI&SILVA,2003) a Cáritas passa a apoiar os Projetos Alternativos
Comunitários – PACS –fomentando nas comunidades, geralmente ligadas a
comunidades eclesiais de base, grupos produtivos com base solidária.
De fato, foi na perspectiva de mudanças sociais mais abrangentes e no
bojo da criação e proliferarão das Comunidades eclesiais de Base que, não
somente a Cáritas, mas também outras entidades com fortes ligações com a
igreja católica passam também a atuar com a economia solidária no Brasil.
Este é o caso de uma serie de organizações não governamentais criadas por
congregações religiosas ou por militantes católicos, como a Federação de
Órgãos de Assistência Social –FASE – criada em 1961 por iniciativa de
entidades e pessoas ligadas a igreja católica e que incorpora a economia
solidária em sua estratégia de ação no inicio da década de 1990; o Instituto
Brasileiro de Analises Sociais - Econômicas – IBASE – criado em 1981 pelo
sociólogo Herbeth de Souza (Betinho), que lança na primeira metade dos anos
de 1990 uma mobilização nacional pelo combate a fome que colocou em sua
estratégia a economia solidária como forma de gerar trabalho e renda; o
Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul –PACS – criada em 1986 por
militantes com fortes raízes católicas e que passa também a ter uma forte
atuação na economia solidária no inicio dos anos de 1990.
62
Uma das características da economia solidária no Brasil é de como
paulatinamente ela vem sendo assumida por organizações da esquerda, seja
institucionais, como partidos políticos e sindicatos, seja não institucionais, como
parte dos movimentos sociais combativos, tendo como exemplos o Movimento
dos Trabalhadores sem terra (MST) ou os movimentos de moradia.
De fato, outra entidade pioneira na organização da economia solidária
no Brasil foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Em
meados dos anos de 1980, quando a partir de intensa luta pela reforma agrária
no Brasil, os militantes do MST conseguem conquistar as terras, passam a
discutir como produzir nas mesmas. Optam em formar cooperativas e
empresas coletivas, preferencialmente cooperativas integrais, que chamam de
Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA). A partir daí criaram a
CONCRAB, Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil, que
aglutina hoje algumas dezenas de empreendimentos econômicos solidários
ligados ao Movimento.
Depois do movimento dos trabalhadores sem terra, diversos outros
movimentos sociais colocam a economia solidária também em sua pauta, como
o movimento ambientalista, o movimento por moradia, o movimento de
mulheres, entre outros.
Como vimos acima, já na década de 1990, o movimento sindical
Brasileiro se engaja organicamente com a Economia Solidária. Primeiro com a
criação da Associação Nacional dos Trabalhadores e empresas de Autogestão,
em 1994, quando sindicalistas e assessores sindicais passam a apoiar a
recuperação de empresas por trabalhadores organizados em autogestão no
contexto de abertura econômica do pais no inicio dos anos 1990, que geraram
uma serie de quebras de empresas. Em 1999, a Central Única dos
Trabalhadores cria a Agencia de Desenvolvimento Solidário – ADS, com o
objetivo de aproximar o movimento sindical brasileiro da temática da economia
solidária.
Todo este processo de envolvimento do movimento sindical brasileiro
com a economia solidária faz com que tenha hoje uma serie de organizações
no campo da economia solidária que foram e são fortemente apoiadas pelo
movimento sindical, como é o caso da UNISOL/Brasil (União e Solidariedade –
Central de Cooperativas e Empreendimentos econômicos solidários do Brasil)
63
que representa cooperativas e associações, ou a UNICAFES ( União das
Cooperativas de agricultura familiar e economia solidária), que tem forte apoio
dos sindicatos de trabalhadores rurais, ou ainda a ECOSOL, uma central de
cooperativas de credito.
No ambiente acadêmico, parte da intelectualidade de esquerda passa
também a descobrir a economia solidária e a criar organizações em torno dela.
É o caso da criação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares,
que passam a organizar grupos de professores e estudantes universitários em
torno da temática da economia solidária e a envolve-los em trabalhos comum
com trabalhadores para criarem cooperativas e empreendimentos coletivos.
Todo o trabalho destas entidades e a ampliação da economia solidária
na sociedade brasileira faz com que, no final dos anos de 1990 e inicio do
2000, ela adquira força pública e política e passe a construir articulações e a se
organizar conjuntamente, principalmente a partir dos processos de organização
dos Foruns Sociais Mundiais de Porto Alegre. Este processo levou a que, anos
depois, em 2003, fosse criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, que
agrega toda a pluralidade e diversidade da economia solidária no Brasil.
A partir deste processo de crescimento e articulação da economia
solidária, ela se insere nas estruturas políticas partidárias, particularmente no
partido dos trabalhadores. A partir daí não apenas passa a integrar a plataforma
de grupos deste partido, mas a se constituir em políticas públicas, sendo que
no final dos anos de 1990 municipalidades e governos estaduais passam a
criar estruturas para fomentar a economia solidária.
A partir de 2003, o governo Federal brasileiro crie a Secretária Nacional
de Economia Solidária, no interior do Ministério do Trabalho, fazendo com que
esta instituição, até então quase exclusivamente focada na regulação do
trabalho assalariado, passe a ter uma atuação junto aos trabalhadores
associados, buscando constituir direitos para os mesmos e apontando para a
tentativa de construção de novas institucionalidades decorrentes das
transformações do trabalho e o ressurgimento do trabalho associado.
64
2. 3 Excurso: Economia Solidária: entre o formal e informal
O Sistema Nacional de Informação em Economia Solidária (Sies) do
Ministério do Trabalho e Emprego indica, a partir de dados coletados entre os
anos de 2005 e 2007, que grande parte dos empreendimentos econômicos
solidários (EES) mapeados não possui uma forma jurídica adequada para
desenvolver suas atividades econômicas.
De acordo com o Sies (QUADRO 1), mais de 50% dos EES estão
formalizados como associação. Como, desde 2002, o Código Civil, em seu
artigo 53, define associação como “a união de pessoas que se organizam para
fins não econômicos”, esses empreendimentos passam a ter uma série de
restrições para o desenvolvimento de suas atividades como, por exemplo,
dificuldade ou impossibilidade de emissão de notas fiscais.
QUADRO 1 – EES POR FORMA SOCIETÁRIA E ÁREA DE ATUAÇÃO
AREA URBANA %
AREA RURAL %
AREA URBANA-RURAL %
TOTAL %
GRUPO INFORMAL 4.564 57,45 2.271 28,58 1.109 13,96 7.944 37,19
ASSOCIAÇÃO 1.909 16,91 7.544 66,83 1.834 16,24
11.287 52,79
COOPERATIVA 865 41,30 570 27,22 659 31,47 2.094 9,79
LIMITADA 28 52,83 14 26,41 11 20,75 53 0,24
TOTAL 7.366 34,45 10.39
9 48,64 3.613 16,9 21.37
8 100
Outros 37% dos EES são informais e apenas aproximadamente 10%
65
deles estão formalizados como cooperativas que, supostamente, seria a forma
jurídica apropriada para a grande maioria dos EES devido suas características
organizacionais e políticas.
Se desagregarmos esses dados conforme as regiões nacionais,
veremos que as regiões com o maior número de empreendimentos informais
são o sudeste (58%) e o sul (46%).
Uma hipótese explicativa para esse fato, conforme podemos observar no
QUADRO I, é que os empreendimentos solidários informais são mais comuns
nas regiões urbanas do que nos territórios rurais, sendo que mais de 57% dos
grupos informais estão em áreas urbanas. Se somarmos a estes números os
empreendimentos atuantes em áreas urbanas/rurais, ele vai para 71%, ou seja,
apenas 29% dos grupos informais se encontram em áreas rurais.
O mesmo fenômeno pode ser observado em relação às cooperativas,
onde apenas 27% delas se encontram nas regiões rurais.
Em relação a distribuição conforme as regiões nacionais, o número de
cooperativas não se altera significativamente entre as grandes regiões, com
exceção da região sul, que possui a maior porcentagem de cooperativas
formalizadas (18%), e região norte, com o menor número (6%). As causas
para isso devem ser melhor exploradas, mas deve pesar para o fenômeno uma
maior consolidação do cooperativismo na região.
Por outro lado, inversamente a realidade encontrada entre os grupos
informais e cooperativas, as associações são mais frequentes no mundo rural e
nas atividades ligadas com a agricultura familiar, sendo que quase 67% delas
se encontram no mundo rural. É importante destacar neste sentido que um
numero significativo destas associações atuantes no mundo rural, quase 4.700
delas, ou 41% do total de associações, encontram-se na região nordeste.
Podemos assim afirmar que além de um fenômeno eminentemente rural, as
associações são eminentemente nordestinas.
Outra características interessante quando olhamos para os grupos
informais, associações e cooperativas é que a informalidade significa além de
um recorte urbano também um recorte de gênero. De fato, conforme podemos
observar no quadro 2, os grupos informais são mais frequentemente formados
por mulheres, as associações já um pouco menos e as cooperativas já são
majoritariamente masculinas.
66
No mesmo quadro 2 podemos observar que o mesmo se dá com o
numero de associados. Os grupos informais possuem em média menos
associados por empreendimento do que as cooperativas e as associações
ficam no “meio do caminho”.
QUADRO 2 – N° de associados conforme forma jurídica homens % mulheres % TOTAL %
GRUPO INFORMAL 74.853 43,58 96.884 56,41 171.737 10,68
ASSOCIAÇÃO 473.283 58,96 329.435 41,03 802.718 49,92
COOPERATIVA 461.226 72,93 171.123 27,06 632.349 39,32
LIMITADA 574 57,22 429 42,77 1.003 0,06
TOTAL 1.009.9
36 62,81 597.871 37,18 1.607.807 100
Desta maneira, apesar dos grupos informais representarem 37% do total
dos empreendimentos mapeados, eles agregam apenas 10% do total de
associados. Relação inversa do que as cooperativas, ou seja, apesar delas
representarem 10% do total de EES, elas agregam quase 40% do total de
associados.
Estes dados nos mostram que o grau de formalização é relacionado com
a capacidade dos empreendimentos agregarem mais ou menos pessoas.
Quanto maios o grau de formalização, a tendência é o empreendimento
agregar mais associados.
Relacionado com este dado e que terá impacto direto na reformulação
da lei do cooperativismo refere-se ao numero de associados por
67
empreendimento conforme sua forma jurídica, como pode ser visto no quadro 3
abaixo.
QUADRO 3 – N° de associados por empreendimento
n° associados Grupos
Informais associaçõ
es cooperati
vas Limitada
s total
1 a 6 2.928 391 79 35 3.433
7 a 19 2.868 1.772 171 6 4.817
20 a 100 1.959 7.542 1.215 7 10.723
100+ 189 1.580 629 3 2.401
Podemos observar que mais de 8.200 EES não possuem 20 associados,
e portanto não podem se formalizar como cooperativas conforme a lei que rege
o cooperativismo atualmente em vigor. Destes, mais de 4.800
empreendimentos econômicos solidários estão entre 7 e 19 associados e
portanto, poderiam ser transformados em cooperativas se fosse mudado a
necessidade de associados de 20 para 7 no momento de criação da
cooperativa.
Outra curiosidade é que entre as cooperativas, mais de 20% delas
também não possuem mais que 20 associados, o que indica provavelmente
que se formalizaram chamando “laranjas” não envolvidos com a cooperativa
para se formalizarem, uma pratica comum entre os empreendimentos
econômicos solidários que querem se formalizar como cooperativa mas não
possuem o numero mínimo exigido pela lei 5764/1971.
Do ponto de vista econômico, um importante fator de viabilidade dos
EES pode ser verificado nos indicadores referentes ao valor da produção
mensal total (VPM-T) e médio (VPM-M), quando observados de acordo com a
natureza jurídica desses empreendimentos.
As cooperativas apresentam um VPM-T de R$ 254.940.114,61. Esse
68
valor é bastante significativo tendo em vista que, apesar de representar apenas
10% dos EES cadastrados no SIES, as cooperativas são responsáveis por
mais da metade (51,9%) de todo o VPM-T contabilizado entre os
empreendimentos.
Na outra ponta, os EES informais, que respondem a 37% dos
empreendimentos cadastrados, geram apenas 4% do VPM-T.
No caso das associações, um tipo de formalização jurídica que enfrenta
limites para o pleno desenvolvimento de atividades econômicas, verifica-se um
VPM-T de R$ 180.165.567,54. Ou seja, mais da metade dos EES cadastrados
no SIES (55% são associações) são responsáveis por 36,7% do VPM-T.
O tipo de formalização também indica diferenças no Rendimento Médio
Mensal (RMM) obtido por trabalhadores e trabalhadoras nos EES. Do total de
EES, 50% declarou o valor do RMM. Entre as cooperativas, este índice foi de
65%, enquanto que 57% dos grupos informais fizeram essa declaração. As
associações apresentam o menor percentual, com 43% de declaração.
Presume-se que as associações têm maior dificuldade de gerar renda ou de
declarar a renda do seu associado, já que muitas vezes ela apenas presta um
serviço a este, que pode variar muito em valor e de acordo com o período do
ano de sócio a sócio.
Em relação ao desafio da viabilidade econômica, se observa no
mapeamento que 38% dos EES conseguiu obter sobras em suas atividades
enquanto somente 16% foi deficitário no último ano (isto é, não obteve
faturamento suficiente para pagar as suas despesas).
Ao mesmo tempo, 33%, embora não obtendo sobras, conseguiu pagar
as despesas realizadas.
Considerando os dados, verifica-se que as cooperativas têm o maior
percentual de situação superavitária (43%) e estão na média da situação de
déficit (17%). As Sociedades Mercantis colocam-se na média da situação
superavitária (38%) e estão um pouco abaixo da situação deficitária (14%). Já
os grupos informais têm superávit acima da média (40%) e déficit abaixo da
média (12%), o que indica que estão tendo alguma sustentabilidade apesar do
baixo faturamento mensal (VPM) e da baixa renda possibilitada aos seus
participantes (RMM).
69
A partir dos dados coletados, particularmente aqueles apresentados no
QUADRO 1, podemos reparar que ao observarmos o mapeamento da
Economia Solidária constatamos o que poderíamos chamar de um alto grau de
informalidade econômica da Economia Solidária no Brasil.
As conseqüências dessa realidade de informalidade econômica são
significativas para os EES e seus trabalhadores e trabalhadoras. Podemos
citar, entre elas, a impossibilidade de emitir notas fiscais, fazendo com que a
circulação de seus serviços e produtos fique restrita a pequenos circuitos de
consumo e dificultando a comercialização.
De fato, a partir dos dados sistematizados, se formos construir uma
gradação que vai da falta de forma jurídica (grupo informal) a forma jurídica
mais apropriada (cooperativa) passando no meio pelas associações, veremos
que quanto maior é a informalidade mais restrito é o universo de
comercialização dos produtos e serviços oferecidos pelos empreendimentos.
Desta maneira, grande parte dos grupos informais se limitam a realizar
suas vendas na própria comunidade ou no município que fazem parte.
Conforme se caminha para as cooperativas o numero de empreendimentos
que vendem em sua região ou no estado vai aumentando significativamente.
A informalidade também torna impossível acessar as já difíceis linhas de
financiamento e crédito, dificultando ainda mais o acesso ao investimento para
os empreendimentos econômicos solidários. Apesar da dificuldade de credito
ser generalizada para os EES, observamos que enquanto nas cooperativas
algumas conseguiram financiamento junto aos bancos públicos, nos grupos
informais são inexistentes e bem incomuns entre as associações.
Desta maneira, a informalidade dificulta também até mesmo, em alguns
casos, o acesso às políticas públicas. Um programa como o PNAE (programa
nacional de alimentação escolar), onde os agricultores familiares vendem seus
produtos para o estado, é bem mais comum nos grupos formalizados do que
nos não formalizados.
Dessa maneira, a informalidade econômica dos empreendimentos
econômicos solidários aprofunda e amplia as dificuldades concretas
apresentadas pelos EES como seus três principais gargalos para se
desenvolverem: comercialização, crédito e formação.
70
CAPÍTILO 3
POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA:
CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA INSTITUCIONALIDADE
Quando observamos as políticas públicas de trabalho no Brasil na
última década podemos verificar uma mudança na relação entre estado e
sociedade no que concerne ao mundo do trabalho. A partir da criação da
Secretaria Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e
Emprego, em 2003, novos sujeitos passaram a interagir com as políticas
públicas de trabalho e novas funções foram assumidas pelo Ministério.
Deste modo, cabe lembrar que a institucionalidade do Estado relativa ao
mundo do trabalho tradicionalmente esteve estruturada para atender apenas ao
trabalhador empregado e a relação contratual do assalariamento. Contudo,
este quadro passa a se inverter no Brasil mais significativamente em 2003,
quando o Governo Lula cria a Secretaria Nacional de Economia Solidária, que
representou a “abertura” mais significativa do Ministério do Trabalho para as
outras formas de trabalho.
Estas transformações no Ministério do Trabalho e Emprego e nas
políticas públicas de trabalho no Brasil são consequências das intensas
mudanças que ocorreram no mundo do trabalho nas ultimas décadas, que não
vem ao caso para os objetivos deste trabalho aprofundar, mas que significaram
uma crise da sociedade salarial, para utilizarmos um termo de Robert Castel, e
o crescimento de outras formas de relações de trabalho, entre elas aquela que
passou a ser chamada de economia solidária.
A economia solidária, entendida como as formas associativas e
democráticas de organizar a produção e o trabalho, ressurge no Brasil nos
anos de 1980 fruto de dois processos paralelos e concomitantes da sociedade
brasileira: por um lado, uma intensa crise econômica que, entre suas
consequências, leva ao desemprego em massa e a precarização do trabalho;
71
por outro, uma década marcada por um intenso processo de mobilização da
sociedade civil brasileira, o fortalecimento dos movimentos sociais e a
intensificação e radicalização de propostas e praticas democráticas, que fez
com que alguns analistas chamassem aquela década de anos de “invenções
democráticas”.
Foi no contexto destes dois processos que diversas entidades,
movimentos e instituições da sociedade civil passam a construir a economia
solidária no Brasil. Segmentos ligados à igreja católica progressista
(particularmente as comunidades eclesiais de base), movimentos sociais do
campo e da cidade, sindicatos, organizações não governamentais,
universidades e diversos segmentos do que ficou conhecido como os “novos
movimentos sociais” passam a apoiar, fomentar e construir a economia
solidária no Brasil.
Contudo, este intenso processo, que fez com que a economia
solidária se expandisse tanto quantitativamente como qualitativamente na
sociedade brasileira durante as décadas de 80 e 90 do século XX, demorou em
possuir apoio e correspondência institucional por parte das diferentes esferas
do estado brasileiro.
As primeiras políticas públicas de economia solidária surgem a
partir de experiências de governos municipais no final dos anos de 1990,
quando algumas prefeituras passam a desenvolver ações de apoio e fomento à
economia solidária. Contudo, apesar destas experiências pioneiras, elas ainda
eram pontuais e diversas na passagem dos anos de 1990 aos anos 2000,
assim como a própria organização e organicidade do movimento de economia
solidária na sociedade civil.
Foi, de fato, apenas com o fortalecimento e construção de uma
identidade comum do movimento de economia solidária que as políticas
públicas para o setor também passaram a se consolidar e ser encaradas mais
estrategicamente no interior do estado brasileiro.
Desta maneira, com o fortalecimento das organizações de
economia solidária no Brasil no inicio dos anos 2000 e com a vitória do
72
candidato Lula a presidência da republica, este movimento da sociedade civil
resolve convocar uma primeira plenária brasileira de economia solidária, que se
realiza em dezembro de 2002, com dois objetivos principais: 1) discutir o
fortalecimento do movimento da economia solidária na sociedade civil e; 2)
Propor ao futuro governo federal (que seria empossado em 1° de janeiro de
2003) que criasse uma política pública de economia solidária em âmbito
federal.
Nos debates daquela plenária e na visão de grande parte de seus
participantes, a economia solidária deveria, como política pública federal, estar
abrigada no ministério do trabalho e emprego por dois motivos principais, um
de ordem estratégica e outro de ordem tática.
Do ponto de vista estratégico, se entendia a economia solidária
como parte da luta histórica dos trabalhadores por novos modelos de produção
e de organização do trabalho. Neste sentido, sua política pública deveria
dialogar com as políticas de trabalho e com a perspectiva de transformação
institucional do Ministério do Trabalho para além de um ministério apenas do
emprego.
A parte este objetivo mais estratégico, do ponto de vista tático
acreditava-se que o ministério do trabalho era aquele que já possuía
instrumentos (como as políticas de qualificação sócio profissional e de credito
desenvolvidas a partir do fundo de Amparo ao trabalhador) e estrutura (como
as antigas delegacias regionais do trabalho, descentralizadas em todo o
território nacional) que poderiam fortalecer a economia solidária no Brasil e
consolidar a sua política pública.
A partir da carta encaminhada ao presidente Lula, o mesmo
decide acatar a reivindicação do movimento de economia solidária e em janeiro
de 2003 anuncia publicamente a criação da Secretaria Nacional de Economia
Solidária no interior do Ministério do Trabalho e Emprego12.
12 Apesar de não haver comprovação documental, interessante destacar que, ao que
parece, o presidente Lula já tinha projetos de criar ações de apoio a economia solidária no governo
73
A partir de seu anuncio, passa-se a construção da política pública
de economia solidária em âmbito federal e essa construção foi sendo realizada
em conjunto com as organizações do movimento de economia solidária que no
mesmo período estavam criando e consolidando o Fórum Brasileiro de
Economia Solidária.
Neste processo de construção conjunta, se foi acordando quais
seriam os principais objetivos da Secretaria Nacional de Economia Solidária,
que eram:
1) Ser uma secretaria que desenvolve ações diretas de apoio e fomento a
economia solidária no Brasil
2) Ser uma secretária que propiciasse a articulação com outras áreas de
governo e outras políticas (desenvolvimento territorial, reforma agrária,
sistema publico de emprego, assistência social, segurança alimentar,
etc.)
3) Ser uma política pública pautada pelo intenso dialogo com a sociedade
civil organizada e ser um exemplo de construção de uma política publica
com participação social.
Foi a partir destes grandes objetivos que se construí o Programa
Economia Solidária em Desenvolvimento no Plano Plurianual do Governo
federal, tendo por base a plataforma que vinha sendo construída pelo
movimento de economia solidária.
Desta maneira, a interação e dialogo com a sociedade civil organizada e
os novos sujeitos que emergiram no mundo do trabalho a partir dos anos de
1980 foram fundamentais na construção da política pública de economia
solidária no Ministério do Trabalho e Emprego. Este dialogo teve depois federal, mas não a partir do Ministério do trabalho e Emprego, mas sim criando uma diretória de economia solidária no Banco Nacional de Desenvolvimento econômico e Social (BNDES).
74
continuidade a partir das Conferencias Nacionais de Economia Solidária, que
reuniram em duas oportunidades distintas (2006 e 2010) delegados da
sociedade civil dos 27 estados da federação para dialogar e apontar diretrizes
para as políticas públicas.
Entre as diversas resoluções destas conferências, talvez aquelas que
mais chamem a atenção seja a ênfase na necessidade de consolidação
institucional das políticas públicas de economia solidária e do reconhecimento
do estado para este setor da sociedade.
Desta maneira, analisando as resoluções destas conferencias, podemos
destacar que a visão da sociedade civil organizada sobre as políticas publicas
para o setor apontam que estas políticas públicas devem, em primeiro lugar,
ser compreendidas como uma estratégia de desenvolvimento justo e solidário,
diferenciado do modelo de desenvolvimento predominante, em segundo lugar,
que estas políticas devem garantir o reconhecimento dos sujeitos sociais
envolvidos nele e, portanto deve apontar para a consolidação dos direitos do
trabalho associado e, por fim, que se deve garantir que a economia solidária
tenha acesso aos fundos públicos a quais tradicionalmente estiveram
excluídos.
Contudo, para a efetivação destas resoluções esta sendo necessário
uma transformação institucional do Ministério do Trabalho e Emprego, fazendo
com que o mesmo reconheça a existência de “novos atores” relacionados ao
mundo do trabalho.
De fato, do ponto de vista político, tradicionalmente são reconhecidos
como sujeitos com direito à voz nos espaços públicos de mediação do mundo
do trabalho os sindicatos, que representam quase que exclusivamente os
trabalhadores assalariados. Com a diminuição do número de trabalhadores
nesta categoria e a constante ameaça de desemprego, os sindicatos vêm
obviamente perdendo força nos últimos anos e enfrentando uma crise sem
precedentes.
A experiência da Secretaria Nacional de Economia Solidária vem
apontando para a transformação desta realidade, ao incorporar nas discussões
75
das políticas públicas de trabalho novos sujeitos, ou nas palavras de um antigo
dirigente do Ministério:
A mudança é a seguinte: é que você tem... É aquilo que eu te falei: você
tem uma agenda nova no ministério do Trabalho. Quer dizer, essa agenda... O
problema do desemprego estrutural, da informalidade, da precariedade do
mercado de trabalho foi tratado até então sob duas óticas, tá? A solução pela
via do crescimento e da formalização do emprego, ou a solução pela via da
empregabilidade, do auto-emprego, ou seja, na impossibilidade de absorver
esses contingentes. ....O dado novo na SENAES é que ela vem e introduz a
agenda do problema do informal, vamos chamar assim, mas sob a ótica dos
movimentos sociais. Quer dizer, ela traz um... Ela não quer nem o caminho da
precarização, ela não quer nem o caminho do auto-emprego pela via da
empregabilidade, como se desenhou no governo [FHC], e ela nem tão pouco
entende que esses problemas desse segmento se resolve pela via da
formalização. Quer dizer, não, aqui tem uma natureza própria, e a natureza
própria tem a ver com o tipo de atividade, mas também com a forma como
essas atividades se estruturam em estreita relação com movimentos sociais
organizados. São os Sem Terra, são os apicultores. São movimentos que, em
alguma medida, são mais do que movimentos...
Ex Secretário-Executivo do MTE
Desta maneira, com a criação da Secretaria Nacional de Economia
Solidária no Ministério do Trabalho e Emprego novas perspectivas
institucionais se abriram nas políticas de trabalho no Brasil. Contudo, estas
novas perspectivas não são mais do que a emergência de novos atores que
passam a tematizar a partir de perspectivas próprias as problemática do
trabalho e de suas políticas públicas.
* * *
76
A economia solidária ganhou grande expressão e espaço social nas
últimas décadas, dando azo a um vasto campo de experiências e iniciativas de
produção e reprodução dos meios de vida estruturados a partir da propriedade
coletiva dos meios de produção, da autogestão, da solidariedade e do
coletivismo. Esse desenvolvimento recente foi impulsionado pelas crises do
capitalismo, vivenciada de forma desigual e combinada tanto no centro como
na periferia do sistema e que afetou, com intensidade e ritmos diferenciados, o
conjunto da classe trabalhadora com o crescimento do desemprego, do
trabalho precário e ataques aos direitos sociais e trabalhistas arduamente
conquistadas.
Nessa conjuntura, a economia solidária apresentou-se como alternativa
inicialmente a partir de um conjunto de experiências isoladas, mas que confluiu
para articulações nacionais, iniciativas de formação de redes e cadeias
produtivas, associações de segundo grau, entidades de representação,
políticas públicas nas três esferas de governo e, na última década, também
buscou articular-se no plano internacional.
De forma geral, a expressão economia solidária vem sendo utilizado
para designar uma grande diversidade de atividades econômicas organizadas
a partir dos princípios de solidariedade, cooperação e autogestão, seja pela
recriação de práticas tradicionais, seja pela emergência de formas inovadoras.
Trata-se de um movimento que busca afirmar a sua identidade e plataforma de
luta e reivindicações, que ganha fôlego e se estrutura em princípios associados
a valores humanistas, materializados na efetivação de iniciativas econômica
solidárias de geração de trabalho e renda, instituições de assessoria e fomento
e políticas públicas nas três esferas de governo.
No Brasil, a diversidade da economia solidária abriga desde grupos
informais de costura ou artesanato até grandes fábricas recuperadas,
passando também por cooperativas urbanas de serviços, cooperativas de
agricultura familiar em assentamentos da reforma agrária, organizações de
finanças solidárias, ou redes e cadeias produtivas (mel, algodão, metalurgia
etc.), entre outros. Trata-se, fundamentalmente, de formas coletivas baseadas
na cooperação ativa entre seus membros, que buscam através da
77
solidariedade instituir iniciativas econômicas de geração de trabalho e renda
nas áreas urbanas e rurais.
Numa perspectiva histórica das lutas sociais no Brasil, pode-se sugerir
que este campo heterogêneo de experiências no campo da economia solidária
é também parte e decorrência do processo de democratização da sociedade
brasileira, enquanto movimento que possuíam como um dos pilares centrais a
defesa da participação da sociedade organizada nos rumos do país. A base
concreta desse movimento resulta de um processo de confluência de várias
vertentes autonomistas ou comunitaristas, como um vale para o qual
convergiram vários afluentes até formarem um único rio.
Dentre essas vertentes que formaram o campo da economia solidária no
Brasil, destacamos:
Uma das vertentes desse campo vem da experiência de organização
sindical e das formas associativas de resistência dos/as
trabalhadores/as brasileiros/as levadas à diante tanto no meio urbano
quanto no espaço rural. As experiências de empresas recuperadas e
as associações e cooperativas da agricultura familiar encontram-se
originariamente vinculadas a este campo de lutas, mas dele diferem
por irem além das estratégias de reivindicação e luta por direitos nos
marcos da divisão entre capital e trabalho, enfrentando diretamente a
questão da produção material de forma autogestionária; as
associações e cooperativas dos assentamentos de reforma agrária
derivam também desse campo, como luta pela terra e estratégia de
produção autônoma dos meios de vida;
Converge para o mesmo campo a vertente do trabalho comunitário das
igrejas, pastorais e instituições da sociedade civil no plano dos direitos
e do apoio às formas de desenvolvimento endógeno. Resulta daí um
imenso conjunto de experimentações no campo das organizações
comunitárias de produção, finanças solidárias, formação e assessorias
técnicas para o desenvolvimento local etc.;
Ainda que pouco estudada, deve-se considerar como vertente da
78
economia solidária as formas de organização dos povos indígenas,
baseadas na propriedade comum do solo, formas compartilhadas de
produção dos meios de vida e do cuidado coletivo com as crianças; Do
mesmo modo, deve-se considerar a influência africana que se
materializou na organização dos quilombos e outras comunidades
tradicionais, também resgatando formas coletivas de produção da vida
material e social;
Outro movimento foi o originado nas universidades e institutos federais de
educação tecnológica, que apoiaram pratica e teoricamente para o
desenvolvimento da economia solidária no Brasil, em especial o
movimento das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares;
Nos últimos anos, percebe-se um crescimento (ou desvelamento) de
experiências de produção, consumo, distribuição ou crédito que se organizam a
partir dos princípios da autogestão, do coletivismo, da solidariedade e da
propriedade coletiva dos meios de produção pelos próprios trabalhadores/as.
Esse vasto campo de experiências da economia solidária envolve ainda uma
pluralidade de entidades públicas, organizações da sociedade civil, setores do
sindicalismo, universidades e, mais recentemente, iniciativas de políticas
públicas nas diferentes esferas de governo que apoiam as organizações
econômicas solidárias e contribuem para sua expansão e fortalecimento.
A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), no
âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), possibilitou o
desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o fomento aos
empreendimentos econômicos solidários e a sua incorporação na agenda
pública enquanto alternativa para geração de trabalho e renda e estratégia de
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, estimulou para que diversos outros
ministérios e órgãos públicos introduzissem a economia solidária como eixo
estruturante transversal de políticas públicas de geração de renda e combate à
pobreza extrema no Brasil.
A seguir estaremos discutindo, em linhas gerais, como se deu a
construção da política economia solidária no âmbito do Ministério do Trabalho e
79
Emprego, durante o primeiro governo Lula, e seus significados políticos. A
partir desse quadro, apresentaremos as principais ações e diálogos
estabelecidos pela SENAES com outras políticas públicas setoriais, ou seja,
procuraremos retratar a intersetorialidade construída pela Política de Economia
Solidária no âmbito do governo federal. Ao mesmo tempo, apontaremos
algumas ações, programas de órgãos públicos que incorporaram no âmbito das
próprias políticas o tema da economia solidária como eixo estratégico,
independente das relações institucionais estabelecidas com a SENAES, o que
aponta para o potencial transversal da economia solidária no âmbito das
políticas públicas. Trataremos brevemente das articulações estabelecidas pela
SENAES no plano internacional, com Ministérios e órgãos públicos de outros
países. Por fim, teceremos alguns comentários gerais sobre a construção
destas múltiplas relações construídas pelas SENAES para projetar a economia
solidária como estratégia de desenvolvimento no âmbito do governo federal.
3.1 A Economia Solidária no Governo Federal
Não se trata aqui de apresentar um balanço de conjunto das ações da
SENAES nos seus oito anos de existência no governo federal, dado o conjunto
imenso de iniciativas e articulações realizadas nesse período. Também não
abordaremos a execução financeira da Secretaria, cujo orçamento foi acrescido
pelas parcerias institucionais realizadas e políticas desenvolvidas em conjunto
com outros ministérios e órgãos públicos.
Para o tema geral deste capitulo, que versa sobre as relações e políticas
de economia solidária construídas de forma intersetorial e transversal e as
relações internacionais da SENAES, cabe-nos tratar aqui da criação da
Secretaria no âmbito do Ministério do Trabalho, em meio à criação de outras
importantes organizações do movimento da economia solidária.
A Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e
Emprego foi criada em junho de 2003. Ela é parte da história de mobilização e
articulação do movimento da economia solidária existente no país. Nos final
dos anos 1990, com o surgimento nos anos anteriores de várias cooperativas,
empresas de autogestão e outros empreendimentos solidários, o espaço de
80
discussão e articulação nacional começou a ser formado durante as atividades
da economia solidária no I Fórum Social Mundial, quando as entidades
nacionais da economia solidária articularam-se em torno de um Grupo de
Trabalho Brasileiro de Economia Solidária. .
Este GT Brasileiro de Economia Solidária fortaleceu-se durante as
organizações seguintes do Fórum Social Mundial, até a eleição do candidato
do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República. Nessa
conjuntura, esse Grupo de Trabalho programou a realização de uma reunião
nacional, que contaria com a participação de gestores de políticas municipais e
estaduais de economia solidária, para discutir o papel da economia solidária no
governo que estaria por vir. Essa reunião foi realizada em novembro de 2002 e
decidiu convocar uma plenária nacional para deliberar e encaminhar as
propostas da economia solidária para o futuro governo federal e a própria
organização da economia solidária na sociedade. Nela decidiu-se também
elaborar uma Carta para o Presidente eleito, sugerindo a criação de uma
Secretaria Nacional de Economia Solidária, que deveria ser apresentada e
referendada pela I Plenária Nacional de Economia Solidária.13
Em dezembro do mesmo ano, na 1ª Plenária Nacional de Economia
Solidária, que contou com a participação de mais de 200 pessoas de todo o
Brasil, representando dezenas de entidades e empreendimentos, a Carta ao
Presidente Lula foi referendada e definiu-se pela realização da 2ª Plenária
Nacional durante a realização do o III Fórum Social Mundial, em janeiro de
2003, tendo como um dos objetivos prioritários a discussão da criação de um
Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES.
Na. 2ª Plenária, que contou com a participação de mais de 1000 pessoas,
definiu-se um processo de criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária,
através da realização de Encontros Estaduais que preparariam a discussão
nacional e elegeriam os delegados para a Plenária Nacional a ser realizada em
junho de 2003.
13 ‐ Nesta época, um documento materializou essa articulação, publicada no
âmbito do Fórum Social Mundial, chamado: Economia Popular Solidária: Alternativa Concreta
de Radicalização da Democracia, Desenvolvimento Humano, Solidário e Sustentável. Anteag;
Cáritas; CUT/ADS; FASE; IBASE; PACS; SEDAI/RS. Porto Alegre, 2002.
81
Assim, o FBES foi criado em junho de 2003, ao mesmo período em que
surgia a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária, que
constituíram os dois grandes interlocutores da SENAES na construção das
Políticas Públicas no plano federal, apresentando demandas, sugerindo ações
e acompanhando a execução das políticas públicas de economia solidária.
Apesar da importância que vêm adquirindo, esses empreendimentos
apresentavam (e ainda apresentam) grandes fragilidades e dificuldades para a
conquista da viabilidade econômica e sustentabilidade que conferisse as
condições para a conquista da autonomia e da emancipação dos trabalhadores
e trabalhadoras.
Muitas dessas dificuldades e contradições decorrem do próprio
desenvolvimento dessas iniciativas no interior do capitalismo. Obrigados a se
realizarem no âmbito do sistema produtor de mercadorias e apartadas até
então de qualquer interlocução com o estado, a conquista da viabilidade e
sustentabilidade dos empreendimentos acabam por encontrar os obstáculos
que se erguem nos processos de comercialização dos produtos (mercado), no
acesso a crédito e financiamento (capital) e na possibilidade de contarem com
assistência técnica e formação continuada (conhecimento). O movimento da
economia solidária no Brasil estava então consciente de que, para a superação
de tais obstáculos, seria necessária acessar e disputar fundos e recursos
públicos.
A criação da SENAES no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) foi uma decisão importante por situar as políticas de economia solidária
enquanto uma política de Trabalho, voltada especialmente para o trabalho
associado, coletivo e autogestionário. Tal decisão foi importante inclusive para
o próprio MTE, uma vez que este passou a elaborar e implementar políticas
públicas de apoio e fomento à formas de trabalho que diferem do (e são
inclusive antagônicas ao) trabalho assalariado, do emprego com carteira
assinada.
Para o Prof. Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária
desde a sua criação em 2003, o posicionamento da SENAES no âmbito do
MTE significou também a ampliação da responsabilidade do Ministério.
82
“Com a eleição de Lula à presidência, entidades e empreendimentos do campo da economia solidária resolveram solicitar ao futuro mandatário a criação de uma secretaria nacional de economia solidária no MTE. Explica-se a opção pelo MTE pelos estreitos laços políticos e ideológicos que ligam a economia solidária ao movimento operário. A demanda dos movimentos foi bem acolhida pelo então ministro Jacques Wagner, que muito contribuiu para que a Senaes pudesse se instalar e entrosar com as outras secretarias que compõem o MTE.
Convém lembrar que o MTE desde sua criação tem tido por missão proteger os direitos dos assalariados. Os interesses dos trabalhadores não formalmente assalariados não figuravam com destaque na agenda do ministério. Por isso, o surgimento da Senaes representou uma ampliação significativa do âmbito de responsabilidades do MTE, que passa a incluir o cooperativismo e associativismo urbano (já que pelo rural continua responsável o Ministério da Agricultura.”14
Tal decisão pela implantação da política no âmbito do governo federal foi
importante, entre outros fatores, pelo fato de afastar desde logo qualquer
possibilidade de que o campo da economia solidária ficasse circunscrito às
ações de corte assistencial, como medidas contingenciais resultante da crise
do sistema. Pelo contrário, situá-la no âmbito do Ministério do Trabalho
significou o reconhecimento de formas de trabalho e renda diferenciadas, cuja
natureza exige políticas específicas que podem e devem dialogar com as
outras políticas do campo social, sem se confundir ou subsumir às demais.
Nessa medida, não se trata de compreender a economia solidária como
políticas contingenciais e compensatórias de enfrentamento a momentos de
aguçamento das crises do capital, pois ela representa um projeto que coloca
em questão o modelo de desenvolvimento hegemônico e aponta para a
necessidade de construção de um novo projeto societal.
Desde a I Conferência Nacional de Economia Solidária (I CONAES,
2006), que o campo da economia solidária já vinha afirmando sua
compreensão de que, ante a incapacidade estrutural do capitalismo de retomar
14 ‐ SINGER, Paul. A Economia Solidária no Governo Federal. Revista Mercado de Trabalho. IPEA. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2004.
83
de forma sustentável o processo de crescimento, com a preservação do meio
ambiente e construção de uma perspectiva de futuro para a humanidade, a
economia solidária deveria ser afirmada como estratégia de desenvolvimento, e
suas políticas deveriam estar voltadas para o fortalecimento desse novo modo
de produção, comercialização, consumo e crédito baseado na cooperação, na
autogestão e na solidariedade.
Neste sentido, a II Conferência Nacional de Economia Solidária (II
CONAES, 2010) foi explícita ao entender que:
“Nos momentos de crise econômica aumenta o interesse pela economia solidária, suscitando o debate sobre o tema. No entanto, a economia solidária não deve ser considerada apenas como um conjunto de políticas sociais ou medidas compensatórias aos danos causados pelo capitalismo, nem como responsabilidade social empresarial. Seu desafio é o de projetar-se como paradigma e modelo de desenvolvimento que tem por fundamento um novo modo de produção, comercialização, finanças e consumo que privilegia a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e humano, a justiça social, a igualdade de gênero, raça, etnia, acesso igualitário à informação, ao conhecimento e à segurança alimentar, preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e responsabilidade com as gerações, presente e futuras, construindo um nova forma de inclusão social com a participação de todos.
Neste sentido, as políticas públicas de economia solidária podem ser medidas anticíclicas efetivas, estruturais e emancipatórias que possibilitam um conjunto de microrrevoluções.” (II CONAES, Brasília, julho de2010, p.14.)
Sendo assim, a compreensão de políticas públicas de economia
solidária do governo federal, através da SENAES, encontrava sua definição
enquanto estratégia de enfrentamento da exclusão e da precarização do
trabalho, sustentada em formas coletivas de geração de trabalho e renda, e
articulada aos processos participativos e sustentáveis de desenvolvimento
local, que apontassem para a emancipação social dos seus trabalhadores e
trabalhadoras.
84
3.2 - O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento
A partir da construção do Sistema de Informações em Economia
Solidária (SIES), e nas discussões para a realização do Mapeamento da
Economia Solidária no Brasil, a SENAES adotou os conceitos e categorias que
encontram convergência dos diversos atores que participaram desse processo.
Cabe destacar, especialmente, a idéia de que os empreendimentos
econômicos solidários possuem as seguintes características, conforme definido
a partir de amplo processo de discussão e que se consolidou no Sistema
Nacional de Informações em Economia Solidária - SIES:
Cooperação: é a existência de interesses e objetivos comuns, a união dos
esforços e capacidades, a propriedade coletiva dos bens, a partilha dos
resultados e a responsabilidade solidária sobre os possíveis ônus.
Autogestão: os membros das organizações exercitam as práticas
participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições
estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e
coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc. Os
eventuais apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de
capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o
protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação.
Solidariedade: o caráter de solidariedade nos empreendimentos é
expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados
alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de
capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; nas
relações que se estabelecem com o meio ambiente, expressando o
compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se
estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos
processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e
nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de
caráter emancipatório; na preocupação com o bem estar dos
85
trabalhadores e consumidores; e no respeito aos direitos dos
trabalhadores e trabalhadoras.
Dimensão econômica: é uma das bases para a reunião dos esforços e
recursos para a produção, o beneficiamento, o crédito, a
comercialização e o consumo, com o objetivo de gerar renda e trabalho.
Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, ao lado dos
aspectos culturais, ambientais e sociais, específicos da comunidade,
ultrapassando as ações de mero assistencialismo.(www.mte.gov.br)
De uma forma ou de outra, coube a SENAES, além de ações que
buscassem ao chamado reconhecimento do direito ao trabalho associado e
para dar concretude a esse direito, desenvolver políticas que resultassem no
fortalecimento, apoio e fomento a esses empreendimentos, tanto diretamente
através dos instrumentos próprios do executivo federal, como por meio de
articulações institucionais com outros ministérios e órgãos públicos.
O Programa Economia Solidária em Desenvolvimento foi criado em 2004
com o objetivo atender às principais demandas dos empreendimentos
econômicos solidários e “promover o fortalecimento e a divulgação da
economia solidária, mediante políticas integradas, visando a geração de
trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e
solidário”. De forma geral, suas políticas estiveram voltadas para garantir o
acesso a recursos e investimento nos empreendimentos (crédito,
financiamento, finanças solidárias etc.), a conhecimentos (educação, formação
e assessoria técnica adequadas) e a novos mecanismos para a
comercialização dos produtos (acesso à mercados, comércio justo etc.).
A implantação do Programa se deu em constante articulação com
entidades da sociedade civil, organizadas nacionalmente no Fórum Brasileiro
de Economia Solidária, e nos 27 estados da Federação a partir de Fóruns
Estaduais de Economia Solidária, que articulam os sujeitos que atuam nesse
campo. Este é composto principalmente por três grandes segmentos: 1) os
empreendimentos de economia solidária dos mais variados ramos e atividades
econômicas; 2) entidades de fomento e assessoria (ONG´s, Universidades,
sindicatos, etc) e 3) gestores públicos de economia solidária (de prefeituras,
86
das DRT´s e de governos estaduais).
Pode-se dizer que, uma das características das políticas implementadas
pela SENAES nesse período foi a construção de espaços de participação e
controle social das políticas. Essa perspectiva teve início com os Grupos de
Trabalho (GT's) entre SENAES e Forum Brasileiro de Economia Solidária nas
diferentes ações que vinham sendo construídas, e que significaram mais do
que um espaço de negociação entre sociedade civil e estado, pois
representaram um processo construído para o compartilhamento na
construção, elaboração e desenvolvimento das políticas e ações.
Um dos exemplos destes espaços, que inclusive se consolidou e
institucionalizou, sendo posteriormente incorporada em praticamente todas as
ações desenvolvidas pela Secretaria, foram as Comissões Gestoras Nacional e
Estaduais do SIES, ficando como uma importante experimentação de gestão
democrática do Estado, que precisa ser devidamente recuperada e estudada.
Cabe destacar, nesse caso, a importância que para a SENAES
representaram as parcerias com a Financiadora de Estudos e Projeto – FINEP,
e com a Fundação Banco do Brasil (FBB). Nos dois casos, e guardadas as
diferenças resultantes da natureza de cada uma das instituições (a primeira
pública e a segunda privada sem fins lucrativos), várias ações e políticas da
SENAES encontraram nessas instituições parceiros que executaram de forma
compartilhada e fizeram avançar o apoio aos atores da economia solidária.
Durante as duas gestões do Governo Lula, as políticas da SENAES
interagiram e construíram ações efetivas com vários ministérios e órgãos
públicos, além do diálogo constante com as outras Secretarias do Ministério do
Trabalho e Emprego. Em vários casos, essa cooperação com outros órgãos de
governo resultaram em parcerias efetivas através da construção de ações
conjuntas e/ou a integração de políticas em andamento. Em outras situações, a
interação com a SENAES resultou no estímulo para que outras pastas
incorporassem efetivamente nas suas ações e políticas a perspectiva da
economia solidária. Uma parte desse processo será apresentada a seguir.
3.3 - A Economia Solidária como Política Transversal e Intersetorial
87
No âmbito do próprio Ministério do Trabalho e Emprego, através do
Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, a SENAES interagiu e
dialogou com várias ações no âmbito das Políticas Públicas de Emprego.
Com a Secretaria de Inspeção do Trabalho tratou de construir
conjuntamente um entendimento comum de como impedir a utilização da forma
jurídica das cooperativas com o único objetivo de precarizar o trabalho, ao
mesmo tempo em que se buscou propiciar que as verdadeiras e legitimas
cooperativas de trabalho possam existir e se fortalecer. Como exemplo desse
trabalho foi a elaboração conjunta por essas duas Secretarias do MTE de
propostas para um novo marco regulatório para as Cooperativas de Trabalho,
estabelecendo-se para tanto um amplo debate com os auditores fiscais do
trabalho, explicitando-se o sentido da economia solidária e do legitimo
cooperativismo do trabalho, separando essa realidade do que se apresenta
apenas como fraude. Além disso, a SENAES dialogou com a inspeçao do
trabalho no sentido de construir alternativas inclusivas no âmbito das ações de
fiscalização e combate ao trabalho escravo.
Com a Secretária de Relações de Trabalho participou junto ao Fórum
Nacional do Trabalho -FNT, espaço público de discussão e elaboração de uma
nova proposta para a estrutura trabalhista no Brasil. Coube à SENAES
coordenar o chamado GT -8 do FNT, chamado de Micro e pequenas empresas,
autogestão e informalidade. O GT-8, diferentemente dos outros sete Grupos de
Trabalho do FNT15, buscou reunir categorias que não possuiam representação
institucional no modelo típico de representação e participação social do mundo
do trabalho - caracterizados pelo tripartismo e paridade entre sindicatos de
trabalhadores assalariados, representação patronal e governo - além de incluir
suas pautas nos trabalhos do FNT, especialmente na busca da construção de
marcos regulatórios que garantam o direito ao trabalho associado, coletivo e
autogestionário, resultando na incorporação naquele espaço institucional de
discussão do trabalho segmentos até então negligenciados pelas políticas
15 Os outros sete Grupos de Trabalho do FNT eram: GT 1: Organização Sindical;
GT 2: Negociação Coletiva, GT 3: Sistema de Composição de Conflitos; GT 4: Legislação
Trabalhista; GT 5: Normas Administrativas sobre Condições de Trabalho; GT 6: Organização
Administrativa e Judiciária e GT 7: Qualificação e Certificação Profissional.
88
públicas.
Com a Secretária de Políticas Publicas de Emprego, a SENAES se
relacionou ou se relaciona com o Programa Primeiro Emprego, com políticas
de micro-crédito e crédito aos empreendimentos solidários, e como o Plano
Nacional de Qualificação, entre outros. Avanços significativos foram obtidos
âmbito da Política de Qualificação Social e Profissional, onde a SENAES
construiu, em conjunto com a SPPE, ações para a construção de metodologias
e materiais didáticos para a formação de trabalhadores associados, através
dos Projetos Especiais de Qualificação (ProEsQ’s), e duas versões do Plano
Nacional de Qualificação Social e Profissional em Economia Solidária
(PlanSeQ EcoSol), em 2006 e 2008, abrangendo cerca de 16 mil trabalhadores
e trabalhadoras nas cinco regiões do país.
Além disso, a Secretaria Nacional de Economia Solidária dialogou com
diversos ministérios e órgãos do Governo Federal, especialmente da área
social, com o objetivo de ampliar o campo de acesso da economia solidária às
políticas públicas e estabelecer parcerias para o fortalecimento das ações e
políticas desenvolvidas pela própria SENAES. De uma maneira ou de outra, e
embora a Economia Solidária não tenha sido claramente definida como
estratégia central do governo federal neste período, o tema do trabalho
associado e a perspectiva de fortalecimento desse campo de práticas foi
incorporada e internalizada por vários órgãos e políticas públicas.
Em alguns casos, a economia solidária foi incorporada como tema
transversal enquanto perspectiva de organização de trabalhadores e
trabalhadoras associadas para a produção dos meios de vida. Em outras
situações, foram estabelecidas parcerias que resultaram em ações e políticas
intersetoriais, buscando o fortalecimento mútuo e a mobilização conjunta dos
atores dos campos sociais abrangidos.
Alguns exemplos de ações e políticas que incorporaram o tema da
Economia Solidária e passaram a adotá-la transversalmente ou que avançaram
para o estabelecimento de relações intersetoriais são:
Ministério da Saúde: a partir da Coordenação-Geral de Saúde Mental, a
SENAES interagiu fortemente no diálogo para a construção de alternativas de
geração de trabalho, renda e inclusão social para usuários do sistema de
89
saúde mental no contexto da luta antimanicomial. Neste contexto, dialogou
também no sentido de fortalecer as ações de geração de trabalho e renda
desenvolvidos nos Centros de Atenção Psicosocial (CAPS), contribuindo na
formação de gestores da rede de saúde mental e na articulação das
Cooperativas Sociais criadas nessa política com os atores da Economia
Solidária nos territórios. A SENAES e a Coordenação-Geral de Saúde Mental
cerraram fileiras na luta pela implementação de uma política pública federal
para as Cooperativas Sociais e pela construção e consolidação de um marco
regulatório para o setor. Como marco dessa parceria, destaca-se a realização,
em conjunto com outros órgãos de governo e organizações representativas do
Movimento da Saúde Mental e da Economia Solidária, da Conferência
Temática sobre Cooperativismo Social (2010).
Ministério do Desenvolvimento Social: O Programa Economia Solidária em
Desenvolvimento realizou inúmeras parcerias com os programas e ações do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Em primeiro
lugar, cabe destacar o esforço realizado para a construção das políticas de
Inclusão Produtiva, tanto com a Secretaria Nacional de Assistência Social
como com a Secretaria de Articulação Institucional e Parcerias. Houve
cooperação na construção de editais para prefeituras e governos estaduais
para ações no campo da inclusão produtiva na perspectiva da economia
solidária, desenvolvidas no âmbito da política nacional de assistência social,
enquanto busca de alternativas emancipatórias para os programas de
transferência de renda. Trabalhou-se também conjuntamente no apoio aos
Fundos Rotativos solidários, particularmente na região nordeste do país. Com a
Secretaria Nacional de Segurança Alimentar foram realizadas parcerias em
ações estratégias, como no campo da agricultura urbana, programa de
aquisição de alimentos (PAA), restaurantes populares e cozinhas comunitárias,
a partir do reconhecimento de que as estratégias possuíam identidade de
propósito e interesses comuns. Com o MDS foram realizados ainda
importantes diálogos no âmbito do Comitê Interministerial de Inclusão dos
Catadores de Materiais Recicláveis, no desenvolvimento de ações e políticas
para o fortalecimento da organização social e produtiva do setor da reciclagem
dos materiais. Além disso, buscou-se, desde o inicio do governo Lula, dialogar
90
no sentido de incorporar a economia solidária como uma ação estruturante e
emancipatória nas estratégias de segurança alimentar e combate a fome.
Ministério do Desenvolvimento Agrário: Tanto a SENAES como a Secretaria
de Desenvolvimento Territorial do MDA foram criações do Governo Lula e,
desde o início, encontraram grande disposição para o diálogo e construção
conjunta de políticas. Neste caso, foram realizadas importantes iniciativas no
âmbito dos Territórios de Cidadania, no apoio e fortalecimento das redes e
espaços de comercialização solidários, através das Bases de Serviços de
Comercialização da Agricultura Familiar, do MDA, e na discussão e
impulsionamento da regulamentação sobre comércio justo e solidário,
materializado no decreto presidencial assinado em 2010 pelo Presidente Lula.
Ministério da Cultura: O campo de possibilidades para o diálogo e construção
conjunta de políticas culturais para o trabalho associado é imenso, maior do
que se conseguiu efetivamente construir nesse período. Exemplo disso foram
as Teias, feiras de cultura e economia solidária que sempre tiveram forte
participação do movimento da economia solidária, com resultados políticos e
organizativos significativos, como por exemplo no diálogo que se estabeleceu
entre os Pontos e Pontões de Cultura e os atores da economia solidária. Não
obstante, tais iniciativas não resultaram em diálogos posteriores que dessem
prosseguimento à parceria institucional através de ações mais permanentes
entre a área cultural e a economia solidária. Outro diálogo importante realizado
pela SENAES com o Ministério da Cultura foi a realização de ações no âmbito
da extensão universitária, em parceria com o Fórum de Pró-Reitores de
Extensão das Universidades Públicas, que resultaram na Conferência de
Economia Solidária da Cultura, realizada em 2010 em Osasco/SP, envolvendo
a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária. O campo da
economia solidária da cultura apresenta vasto manancial de possibilidades
para o desenvolvimento de ações conjuntas das duas áreas, impulsionando e
fomentando articulações que já se vem realizando praticamente nos territórios.
Ministério da Educação: nos oito anos de existência da SENAES, o Programa
Economia Solidária em Desenvolvimento encontrou nas Secretarias do MEC
91
parcerias importantes e estratégicas para o fortalecimento da economia
solidária e ampliação do campo do trabalho associado no âmbito das políticas
educacionais. Em primeiro lugar, cabe mencionar as parcerias realizadas com
a Secretaria de Educação Tecnológica, materializada no Projeto Escola de
Fábrica, na incorporação do tema da economia solidária junto à ampliação da
rede de Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFET’s) e na absorção
do trabalho associado no âmbito do programa de certificação de saberes
profissionais (Certific). Com a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade foram realizadas parcerias efetivas em diversas
áreas, com destaque para a incorporação da Economia Solidária como eixo
estruturante do Programa Saberes da Terra e os Editais para apoio à
atividades de formação de professores de Educação de Jovens e Adultos em
Economia Solidária e construção de materiais didáticos (Resolução 51/2008
FNDE/MEC). Neste caso, foram aprovados 11 projetos de Universidades
Públicas e IFET’s para o desenvolvimento de projetos de formação de
professores de EJA em economia solidária, sendo que quase todos já em
andamento. Cabe mencionar ainda, nessa parceria, o avanço obtido nas
relações com a Secretaria de Educação Superior, especialmente no âmbito do
Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares –
PRONINC. Neste caso, além de participar do Comitê Gestor do PRONINC, em
conjunto com outros onze ministérios e órgãos públicos, além das duas redes
de incubadoras, a Secretaria de Educação Superior incorporou, em parceria
com a SENAES, o apoio às Incubadoras através do Programa de Extensão
Universitária - PROEXT, que vem ganhando importância e reconhecimento
social através de chamadas regulares com a mobilização crescente de
recursos. A parceria com o MEC tem sido igualmente fundamental para o
desenvolvimento de políticas da SENAES, como no caso dos Centros de
Formação em Economia Solidária, participando do Comitê Gestor Nacional e
contribuindo para o avanço das políticas de educação para o trabalho
associado.
Ministério de Minas e Energia: durante um período, a SENAES estabeleceu
um importante diálogo com os trabalhadores do setor mineral, principalmente
junto aos empreendimentos do setor da pequena mineração. A discussão da
92
organização econômica desse setor apontou caminhos para políticas do
ministério das minas e energia nesse seguimento, especialmente no que diz
respeito ao apoio e fomento ao trabalho associado dos garimpeiros. Outra
parceria se deu no âmbito do Programa Luz para Todos, com parcerias
realizadas para avançar na organização produtiva dos segmentos beneficiários
com o acesso à energia elétrica.
Ministério de Ciência e Tecnologia: cabe mencionar, neste caso, que as
parcerias mais efetivas se deram por intermédio da Financiadora de Estudos e
Projetos, através de ações no âmbito do apoio à ciência e tecnologia para o
desenvolvimento social. Já mencionamos a importância da FINEP para a
execução de várias políticas da SENAES, especialmente para o apoio ao
PRONINC, mas é importante ainda as ações desenvolvidas em conjunto com a
FINEP para o desenvolvimento da área das tecnologias sociais, tanto por
ações diretas como através da Rede de Tecnologias Sociais.
Como exemplo da tranversalidade alcançada pela Economia Solidária
nas políticas do Governo Federal nesse período, destacamos a resolução da 4ª
Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Sustentável, realizada em Brasília em 2010. Nos Anais dessa
Conferência, na parte destinada à Ciência e Tecnologia para o
Desenvolvimento Social (Livro Azul, pp. 89-95), as ações voltadas ao trabalho
associado apareceram da seguinte maneira:
“3. Estabelecer políticas e programas específicos para a difusão, apropriação e uso da C,T&I para o desenvolvimento local e regional e para estimular empreendimentos solidários.
Fortalecer e ampliar as Secretarias Municipais de C,T&I e instituir Conselhos de Desenvolvimento Local nos municípios. Elaborar planos diretores municipais para subsidiar a alocação de recursos e o uso de tecnologias inovadoras.
Estabelecer programas de C,T&I para o desenvolvimento local e regional, como aqueles voltados para incubadoras de negócios, industrias criativas, economia da cultura e desenvolvimento sustentável. Promover a formação e a capacitação de agentes de C,T&I para o desenvolvimento local nos municípios.
Promover a convergência social dos programas de C,T&I para o desenvolvimento social. Estabelecer políticas integradas de apoio, acompanhamento e avaliação para o desenvolvimento de tecnologias
93
sociais, extensão tecnológica, empreendimentos de economia solidaria, segurança alimentar e nutricional, inclusão digital, Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs), APLs, popularização e apropriação social da C&T.
Promover o apoio tecnológico para a inclusão produtiva, a agricultura familiar e os empreendimentos econômicos populares que levem a geração de emprego e renda. Utilizar o poder de compra do Estado, bem como acesso a crédito de forma geral, junto aos empreendimentos de economia solidária, a semelhança do que ocorre em relação as empresas. Promover a criação de incubadoras sociais para o fortalecimento de entidades que utilizem as tecnologias sociais.
Promover o desenvolvimento de ações convergentes entre órgãos governamentais para a implantação, manutenção e aprimoramento de CVTs e outros espaços não formais de qualificação profissional, promovendo a integração dos CVTs em redes, de forma articulada com as políticas publicas de desenvolvimento regional e de inclusão social, e em parceria com instituições do sistema de ensino e pesquisa.”
Estimular o setor empresarial a promover ações de responsabilidade social que contribuam para o atendimento de necessidades coletivas e para o desenvolvimento sustentavel.
Promover a extensão de marcos regulatórios concernentes as empresas para empreendimentos de economia solidaria e elaborar novos para facilitar a transversalidade de acoes em C,T&I nas PPPs e entre municipios, estados e governo federal.”16
Ministério das Cidades: existe um diálogo importante em andamento entre a
SENAES e o Ministério das Cidades para o apoio ao aos programas de
financiamento de moradias populares, principalmente pelo Programa de
Subsidio à Habitação de Interesse Social (PHS). Há um potencial considerável
para o avanço da economia solidária nessa área, em especial pelas
experiências existentes de construção de moradias populares em regime de
mutirão e autogestão. Um exemplo disso é ação que a SENAES desenvolveu
na cidade de São Paulo, apoiando a formação de Bancos Comunitários em
quatro mutirões com autogestão e que tem dado frutos positivos. Ao mesmo
tempo, essas experiências podem contribuir para o aperfeiçoamento e maior
16 ‐ Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável – Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia/ Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010. (Item: C,T&I para o desenvolvimento social. pp. 89 – 95)
94
efetividade das políticas governamentais nessa área, através do maior
envolvimento das comunidades beneficiárias nas definições construções das
habitações, planejamento dos espaços de geração de trabalho e renda e
equipamentos públicos, bem como para o controle social da política.
Pensamos que esses exemplos já demonstram o potencial da economia
solidária para a sua efetivação enquanto estratégia transversal na elaboração e
implementação de políticas públicas de geração de trabalho e renda, inclusão
social e combate à miséria, havendo provavelmente poucas políticas setoriais
do governo que não possam dialogar com estratégias econômicas solidárias na
perspectiva de fortalecer suas ações setoriais, bem como fortalecer este outro
modelo de desenvolvimento. Igualmente importantes são os casos em que
houve construções intersetoriais efetivas de políticas públicas, como nos casos
do MEC e do MDS, que revelam a importância das ações integradas para o
fomento ao trabalho associado.
Outras áreas de políticas públicas em que houve importantes diálogos e
construções intersetoriais com a economia solidária poderiam ser
mencionadas, como por exemplo: Com o Ministério do Meio Ambiente foram
realizadas inúmeras ações no campo da Agenda 21, fazendo confluir a agenda
ambiental com a economia solidária; com a Secretária Especial da Aqüicultura
e Pesca um diálogo foi iniciado para o apoio e fomento ao cooperativismo dos
trabalhadores da pesca; com a Secretária Especial de Políticas para a
Promoção da Igualdade Racial uma importante articulação foi realizada no
âmbito das políticas para as comunidades remanescentes de quilombos,
resultando em uma Conferência Temática sobre Etnodesenvolvimento (com
FUNAI, MDS, SEPPIR e SENAES); Com o Ministério do Turismo foi possível
iniciar ações concretas de apoio às formas de turismo solidário; com Bancos
Públicos, especialmente BNB e BNDES foram realizados importantes diálogos
para a ampliação da atuação dos bancos de desenvolvimento no apoio e
fomento aos empreendimentos econômicos solidários, seja através dos Fundos
Rotativos Solidários apoiados pelo BNB, seja através das relações
estabelecidas com o BNDES no âmbito do fomento às empresas recuperadas
e cooperativas de resíduos sólidos; no campo dos estudos e pesquisas, a
SENAES construiu importantes ações com o IPEA, que trouxeram
contribuições importantes para a qualificação das ações da secretaria.
95
Sendo assim, podemos dizer que a economia solidária conquistou, nesses
oito anos de implantação no governo federal, importante espaço no âmbito das
políticas públicas sociais, de trabalho, geração de renda, inclusão produtiva,
combate à miséria e à fome, cultura, meio ambiente etc., configurando-se em
uma importante conquista do movimento da economia solidária no Brasil e dos
movimentos sociais que possuem orientação emancipatória, para além do
capital e da sociedade contemporânea. Em que pese essas conquistas, seu
destino e consolidação enquanto política de Estado são ainda uma incógnita,
permanecendo na dependência da capacidade de mobilização e organização
dos atores desse campo para inscrever suas demandas imediatas e históricas
na agenda pública.
3.4 - Algumas Articulações Internacionais da Secretaria Nacional de Economia Solidária
Não é novidade que a economia social e solidária, ou apenas economia
solidária assim como conhecida no Brasil, vem crescendo nas ultimas décadas,
de diferentes maneiras, em todos os continentes. As diferenças históricas e
mesmo conceituais dessas experiências, que são de fato significativas,
decorrem das particularidades históricas da constituição da economia solidária
em âmbito nacional, e por se tratar de um processo de construção ainda em
aberto, tanto do ponto de vista das experiências nacionais, como do ponto de
vista de sua construção e articulação em âmbito internacional.
Longe de pretendermos realizar uma apresentação e analise do processo
de articulação internacional da economia solidária na ultima década17, é
importante o registro de que a experiência brasileira tem despertado cada vez
mais interesse e curiosidade pelo mundo afora. De fato, devido ao seu
crescimento exponencial, ao seu modelo institucional inovador, à diversidade
17 ‐ Destaca‐se, apenas, que um provável marco desse processo de articulação tenha sido
a realização do I Encontro da Globalização da Solidariedade, realizado em Lima, Peru, em 1997
e que deu origem a Rede Intercontinental de Promoção da Economia Solidária. Do ponto de
vista de entidades governamentais, no entatno, esse processo será iniciado apenas a partir dos
anos 2000.
96
de experiências, a articulação de fóruns de economia solidária e a abertura de
espaços institucionais cada vez mais ampliados no âmbito do aparato de
Estado, o “caso” brasileiro tem despertado importante interesse internacional.
Ao mesmo tempo em que se reforçam as articulações a partir da sociedade
civil, cada vez mais intensa e anterior a ultima década, o fato é que a criação
da Secretária Nacional de Economia Solidária no Ministério do Trabalho e
Emprego foi uma decisão política do primeiro governo Lula que ampliou o
espaço social internacional da economia solidária brasileira e fez com que a
SENAES fosse cada vez mais demandada para participar de espaços
internacionais de discussão, trazendo a sua experiência e acúmulos. São
exemplos de países que solicitaram a participação da SENAES em eventos e
espaços de cooperação: Venezuela, Equador, Argentina, Uruguai, Paraguai,
Bolívia, México, Cuba, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Portugal, Timor
Leste, Alemanha, Senegal, Moçambique, Angola, entre outros.
Nessa perspectiva de articulação internacional e, dentro dela, de integração
regional, a SENAES elencou algumas prioridades quanto ao seu
relacionamento com estruturas governamentais de outros países como nos
espaços de integração como de temas e estratégias que deveriam contar
nesse processo.
Em primeiro lugar, foi priorizada a articulação da SENAES no contexto da
integração regional, destacando particularmente a sua participação em
espaços institucionais do MERCOSUL. Nesse caso, a partir do dialogo com
outros entes governamentais e entidades da sociedade civil dos países do
CONESUL, a SENAES passou a fazer parte, a partir de 2007, da Reunião
Especializada de Cooperativas do MERCOSUL - RECM.
A RECM é uma reunião especializada que faz parte da estrutura
organizacional e institucional do MERCOSUL, tendo por objetivo subsidiar
tecnicamente as decisões do Grupo Mercado Comum – GMC, que é, abaixo
dos presidentes, o órgão executivo máximo do MERCOSUL.
Criada em 2001, a RECM contou com pouca participação do Brasil até
2007, quando era representada por setores ligados ao cooperativismo
tradicional. Foi apenas com a entrada da SENAES, e junto dela de outras
entidades da sociedade civil brasileira (UNICAFES e UNISOL), que a RECM
passa a incorporar em sua agenda a economia solidária.
97
A partir de então a SENAES tem se esforçando em desenvolver quatro
grandes eixos de ação no interior da RECM:
1. Integração político-cultural da economia solidária nos países da região: A
RECM tem buscado promover intercambio e espaços de articulação entre as
entidades da sociedade civil, como o chamado EMFESS – Espaço Mercosul de
Formação em Economia Social e Solidária. O EMFESS tem propiciado o
intercambio entre membros de empreendimentos econômicos solidários dos
países da América do Sul18. Além da participação no espaço EMFESS, a
SENAES tem buscado apoiar as iniciativas das entidades da região na
construção de articulações em comum, como no caso da Red del Sur,
articulação de entidades de representação de empreendimentos econômicos
solidários da América do Sul.
2. Mapeamento e construção da economia solidária na região: através do
fomento ao intercambio de informações sobre economia solidária nos países
do MERCOSUL, busca-se o compartilhamento dos bancos dos dados e a
construção de processos comuns de conhecimentos da economia solidária nas
regiões de fronteira. Nesse sentido, a SENAES esta participando do
levantamento de informações da economia solidária em quatro regiões pólos
das fronteiras com a Argentina, Uruguai e Paraguai. A perspectiva desse eixo é
a construção futura de um observatório da economia solidária para a região.
3. Integração socioeconômica solidária: busca propiciar o intercambio
econômico entre empreendimentos econômicos solidários dos diferentes
países, tendo como eixo o Comercio Justo e Solidário. Nesse sentido, esta em
estudo a criação de um escritório de comercio justo e solidário entre os países
membros da RECM.
4. Integração de políticas públicas: espaço destinado à troca de
experiências sobre políticas publicas de economia solidária e marcos legais.
Nesse caso, um dos avanços adquiridos nos período pela RECM foi a
aprovação do Estatuto do Cooperativismo do MERCOSUL, primeiro projeto
parlamentar aprovado pelo PARLASUL, em 2009, e que propicia que uma
18 Importante destacar que apesar da RECM, como afirmamos, ser um espaço institucional
do MERCOSUL, ela busca em sua atuação não ficar restrita apenas aos países membros, mas
envolver também os demais países Latino Americanos.
98
cooperativa de um país possa ter cooperados de outro. Outra iniciativa tem
sido a realização de Oficinas preparatórias de uma Conferencia Regional sobre
a Resolução nº 193 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dará
oportunidade para que sejam debatidas as políticas públicas que estão sendo
desenvolvidas para o setor na região.
Esses quatro grandes eixos foram construídos a partir da participação
brasileira na RECM, que vem norteando todas as ações internacionais da
SENAES em âmbito internacional. Dessa maneira, a SENAES tem participado,
ainda no âmbito Latino Americano, de reuniões da UNASUL e da ALADI
(Associação Latino Americana de Integração) e tem buscado apresentar essas
agendas como eixos estratégicos de cooperação.
É no contexto dessa participação internacional que a SENAES construiu
também uma importante de agenda de articulação com a Itália, colaborando
com o Programa Brasil Próximo, onde participam regiões italianas e a
Presidência da Republica do Brasil. Nesse contexto, a SENAES tem buscado
conhecer a antiga experiência italiana de cooperativismo e debater avanços
legais alcançados naquele país, como no tema do cooperativismo social,
cooperativismo de trabalho e aspectos tributários das cooperativas.
Por outro lado, a Itália e outros países europeus tem cada vez mais se
interessado pela economia solidária no Brasil e pelas suas experiências de
políticas públicas. Isso porque, ao que parece, tem encontrado na nossa
experiência possibilidades emancipátorias concretas que foram perdidas em
suas próximas experiências de cooperativismo e economia solidária.
Dessa maneira, a integração e articulação internacional que a SENAES
vem realizando, para além da agenda estratégica, buscou ser um fator de
articulação de um projeto político e emancipatório em âmbito internacional.
* * *
As experiências de autogestão e de economia solidária no Brasil vem
apresentando um crescimento significativamente nas últimas décadas, tanto na
sua dimensão quantitativa quanto na qualitativa, podendo-se afirmar que este
campo econômico, social e político já faz parte da história dos movimentos
99
sociais no Brasil, um patrimônio de conquistas que precisar ser devidamente
registrado e valorizado no âmbito dos movimentos emancipatórios..
A transformação destas experiências em políticas públicas e a conquista
de espaços governamentais responsáveis por fomentá-las e reconhecê-las tem
colocado novas questões para o conjunto do mundo do trabalho e apontam
para a possibilidade de construção de novas institucionalidades que superem
aquelas construídas no contexto da sociedade salarial, que tinham no
assalariamento o único modelo orientador dos processos de regulação pública
do trabalho.
Estas mudanças institucionais e as possibilidades de novos arranjos que
permitem que se considere a economia solidária como um novo modelo de
sociabilidade no Brasil dependem dos rumos que a economia solidária ira
tomar no próximo período. Depois de duas décadas de estagnação econômica
e desemprego em massa, o Brasil tem, nos últimos anos, retomando um novo
ciclo de crescimento econômico. Crescimento que significou a criação de
quase 15 milhões de empregos formais no período de 2003 a 2010 e que faz
com que, no início de 2011, a taxa de desemprego esteja próximo a 6%, o que
significa patamares considerados como muito próximos ao Pleno Emprego.
Desta maneira, se é verdade que um dos fatores predominantes de
crescimento da economia solidária no ultimo período foi a crise econômica e o
desemprego em massa que atingiu a sociedade brasileira nos anos 80 do
Século XX até os primeiros anos da década de 2000, a questão que neste
momento se apresenta é como a economia solidária irá se comportar num
contexto de significativo crescimento econômico e de volta da ampliação do
trabalho assalariado.
A economia solidária se transformou também no ultimo período e ao se
desenvolver foi deixando de ser parte de uma agenda apenas de resistência às
transformações no mundo do trabalho para se constituir em uma política e uma
estratégia de desenvolvimento, socialmente justo e sustentável. Desta maneira,
a economia solidária no Brasil tem feito parte de uma agenda que busca
pensar modelos alternativos de desenvolvimento sócio-economico, includente e
democrático, abrindo-se novos amplos horizontes para as lutas emancipatórias
para próximo período.
Como procuramos mostrar nesse artigo, os avanços do movimento da
100
economia solidária durante dos dois governos Lula foram significativos, sendo
inúmeras as áreas de governo e políticas públicas que incorporam o tema e
desenvolveram ações efetivas de apoio e fomento ao trabalho associado. Em
que pese a economia solidária não ter conseguido se impor na estratégia
central do governo neste período, conquistou espaços importantes e
demonstrou que é possível, a partir da ação do Estado em parceria com a
sociedade e os movimentos sociais, redirecionar o modelo de desenvolvimento
brasileiro para uma perspectiva emancipatória, tendo no trabalho associado,
coletivo e autogestionário o eixo estruturante para uma nova sociabilidade que
aporte uma perspectiva de futuro para além do capital e da sociedade
contemporânea.
101
CAPÍTULO 4
LEI E DIREITOS: O INSTITUINTE E O INSTITUÍDO NA ECONOMIA SOLIDARIA
“Es la lucha que hace la ley”, afirmavam os velhos anarquistas
espanhóis. Independente da veracidade da origem de tal ditado, ele se mostra
significativo para se analisar a discussão em torno do marco jurídico da
economia solidária.
Tendo re-surgido no Brasil na década de 1980, fruto, por um lado, da
intensa crise econômica que abateu o pais nas ultimas duas décadas do século
XX e que provocou desemprego em massa e, por outro, do intenso processo
de democratização da sociedade brasileira na mesma década de 1980, a
economia solidária tornou- se uma realidade social, envolvendo milhões de
trabalhadores e trabalhadoras em suas atividades; uma realidade econômica,
gerando riqueza e renda para inúmeras comunidades e territórios, rurais e
urbanos; e uma realidade política, com a constituição de movimentos e a
criação de organizações e a incidência cada vez maior do tema no espaço
público.
Contudo, apesar dessa realidade social, econômica e política, os sujeitos
da economia solidária ainda carecem de ser reconhecidos juridicamente. Tanto
os empreendimentos econômicos solidários, caracterizados pela autogestão,
cooperação e solidariedade, tem dificuldade de se formalizarem numa forma
jurídica apropriada para desenvolverem suas atividades econômicas, como
também os próprios trabalhadores da economia solidária estão a margem de
qualquer conceituação jurídica, se encontrando, quando reconhecidos, no
enorme limbo que é o conceito de trabalhador autônomo.
Em conjunto com a ausência de forma jurídica que reconheça essas
sujeitos e seus empreendimentos, e interligado a esse fato, as próprias
instituições estatais tem dificuldade de entender e desenvolver políticas
públicas que atendam as necessidades desses sujeitos e, mais do que isso,
efetivem o direito de trabalhadores e trabalhadoras de trabalharem
102
associadamente.
Essas questões vivenciadas pela economia solidária e a reivindicação do
movimento de economia solidária de ter reconhecido o direito de produzir e
viver associadamente, significa que mais do que uma discussão pretensamente
técnica. Os debates em torno do marco jurídico da economia solidária fazem
parte de um processo de construção de estratégias de mobilização, construção
de identidade e organização e, acredito que tem sido e deve ser nesse sentido
que o tema do marco jurídico da economia solidaria deva ser entendido.
4.1 - Informalidade econômica dos empreendimentos econômicos solidários no Brasil e o debate da forma societária mais apropriada.
O Sistema Nacional de Informação em Economia Solidária – SIES - do
Ministério do Trabalho e Emprego indica, a partir de dados coletados entre os
anos de 2005 e 2007, que grande parte dos Empreendimentos econômicos
solidários –EES - mapeados não possui uma forma jurídica adequada para
desenvolver suas atividades econômicas.
De acordo com o SIES, mais de 50% dos EES estão formalizados como
associação. Como, desde 2002, o Código Civil, em seu art. 53, define
associação como “a união de pessoas que se organizam para fins não
econômicos”, esses empreendimentos passam a ter uma série de restrições
para o desenvolvimento de suas atividades como, por exemplo, dificuldade ou
impossibilidade de emissão de notas fiscais.
Outros 36% dos EES são informais e apenas aproximadamente 10%
deles estão formalizados como cooperativas que, supostamente, seria a forma
jurídica apropriada para a grande maioria dos EES devido suas características
organizacionais e políticas19.
19 Se desagregarmos esses dados conforme as regiões nacionais, veremos que as
regiões com o maior numero de empreendimentos informais são o sudeste (58%) e o sul (46%). Uma hipótese explicativa para esse fato, que precisaria ser explorada, é que os empreendimentos solidários informais são mais comuns nas regiões urbanas do que nos territórios rurais. Por outro lado, o numero de cooperativas não se altera significativamente entre as grandes regiões, com exceção da região sul, que possui a maior porcentagem de cooperativas formalizadas (18%), e região norte, com o menor numero (6%). As causas para isso deverão ser melhor exploradas.
103
Desta forma, ao observarmos o mapeamento da Economia Solidária no
Brasil constatamos o que poderíamos chamar de um alto grau de informalidade
econômica da Economia Solidária no Brasil.
As conseqüências dessa realidade de informalidade econômica são
significativos para os EES e seus trabalhadores e trabalhadoras. Podemos
citar, entre elas, a impossibilidade de emitir notas fiscais, fazendo com que a
circulação de seus serviços e produtos fiquem restritos a pequenos circuitos de
consumo e dificultando a comercialização20. A falta de CNPJ torna impossível
acessar as já difíceis linhas de financiamento e credito, dificultando ainda mais
o acesso a investimento nos empreendimentos, e a informalidade dificulta até
mesmo, em alguns casos, o acesso as diversas políticas públicas.
Dessa maneira, a informalidade econômica dos Empreendimentos
econômicos solidários aprofunda e amplia as dificuldades concretas
apresentadas pelos EES como seus três principais gargalos para se
desenvolverem: comercialização, credito e formação.
Diante essa realidade e como propostas para enfrentá-la se constituirão
dois grandes campos de discussão entre os sujeitos da economia solidária. Por
um lado, propostas relativas a necessidade de constituição de uma forma
jurídica própria e especifica para os empreendimentos econômicos solidários.
Por outro, a percepção de que, mesmo que não atingisse a totalidade dos
EES, devido a sua diversidade, a forma jurídica mais apropriada para os EES
se formalizarem e que abarcaria a grande maioria dos mesmos, seria as
cooperativas, devido seu histórico, seus princípios e suas características. Além
do mais, as cooperativas possuem direitos específicos reconhecidos na carta
constitucional, como em seu artigo 174°, que afirma que o estado apoiará o
cooperativismo, e que não deveria ser abandonado. Portanto, a estratégia
deveria se focar em mudanças na Lei do cooperativismo, de forma a re-
aproximar essa forma de organização de suas origens históricas e propiciar
que EES se formalizassem como tal.
20 Estas restrito a circuitos curtos não é negativo pelos circuitos curtos em si
(esses tem se demonstrado como elementos importantes para alavancar estratégias de desenvolvimento comunitário e para o fortalecimento dos próprios empreendimentos) mas pelo fato de estar restrito, ou seja, não haver a possibilidade de escapar deles.
104
Os debates sobre essas duas possibilidades, apesar de não
necessariamente excludentes uma da outra, foram (e ainda são) intensos e
significarão a tomada de determinadas posições. Mais uma vez, mais do que a
simples discussão sobre como seria mais “fácil” e mais ‘eficiente’ conseguir
uma forma jurídica apropriada para desenvolver suas atividades, o debate
circulava em torno de posicionamentos políticos, formas de construção de
identidade e em que campo de conflitos se estará atuando.
Se, por um lado, entrar no debate do cooperativismo significava envolver-
se numa serie de disputas com aquele que ficou chamado de “cooperativismo
tradicional”, ou seja, principalmente as cooperativas agrários exportadoras
fomentadas dentro da estratégia de modernização conservadora (FARIA,
XXXX) emprendida principalmente no período da ditadura militar, significava
tambpem envolver-se num conflito onde se reinvindicava a retomada dos
princípios e valores cooperativistas ligadas a historia da luta dos trabalhadores
e trabalhadoras e do movimento operário. Mais do que isso, pelas próprias
configurações sociológicas do campo do “cooperativismo tradicional” com o
campo da economia solidária, era instituir uma nova arena de conflitos da luta
de classes.
Por outro lado, posições que acreditavam que, a parte essa arena da luta
de classes, deveríamos caminhar para a constituição de uma identidade
própria (e especifica) da economia solidária e portanto a luta jurídica deveria
caminhar para a proposição e construção de uma forma societária própria da
economia solidária que desse identidade especifica para essas formas de
organização.
Não vem ao caso aprofundar as origens e conseqüências políticas e
teóricas de cada uma dessas posições, pelo objetivo e espaço desse artigo.
4.2 - Lei Geral das Cooperativas
O Cooperativismo e a cooperação, tanto como estratégia de luta como
forma de organização, tem uma história antiga no Brasil, tendo surgido a partir
da emigração européia, ainda no século XIX.
Tendo sua origem localizada na Europa no contexto da segunda
105
revolução industrial, como forma de resistência à exclusão perpetrada pelo
avanço do capitalismo industrial a partir da organização econômica de
trabalhadores em empreendimentos coletivos e democráticos (SINGER,1998),
o cooperativismo rapidamente se espalhou pelo movimento operário europeu
daquele período. Dessa maneira, os trabalhadores emigrantes vindos da
Europa trouxeram na “bagagem” essas experiências e começaram a organizá-
las no Brasil.
Fruto destas experiências no século XIX, as primeiras legislações
cooperativistas brasileira surgiram no inicio do século XX, ainda na república
velha. Em 1907 o governo federal publica o Decreto nº 1.637, que pela primeira
vez introduz as cooperativas como uma espécie de sociedade comercial no
arcabouço jurídico nacional. Não é por acaso que o referido Decreto nº
1.637/1907 tem por objetivo tanto as cooperativas como os sindicatos
profissionais, uma vez que as cooperativas na época ainda eram bastante
vinculada ao movimento operário.
Contudo, apesar de antigas e no inicio vinculadas com as formas de
organização da classe trabalhadora, no decorrer do século XX o
cooperativismo se transforma no Brasil (assim como em outras regiões do
mundo) e fica restrito a poucos setores econômicos e não mais parte da
organização da classe trabalhadora.
De fato, principalmente durante o período do Regime Militar (1964-
1985), o chamado sistema cooperativo nacional, sob a Lei 5764/71, deveria ser
uno, coeso e homogêneo por força da determinação legal, que impunha a todo
cooperativismo um único figurino político-ideológico e uma única direção.
Este tipo de organização vertical e autoritária sofre rude golpe quando a
Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de organização e veda
explicitamente a intervenção do Estado no funcionamento das cooperativas. A
OCB perde suas prerrogativas públicas e se torna entidade privada, embora
tente manter seus poderes de órgão controlador federal do cooperativismo.
Retirada a camisa de força legal, cria-se a possibilidade de
diversificação do cooperativismo brasileiro. E esta possibilidade se realiza, a
partir dos anos 90, sob os efeitos da crise social do desemprego em massa e
da exclusão social. Ao lado do cooperativismo tradicional, surgem cooperativas
de empresas recuperadas pelos empregados, de assentamentos de reforma
106
agrária, de humildes prestadores de serviços nas periferias das metrópoles, de
catadores de material reciclável, de camponeses e de artesãos empobrecidos.
Este novo cooperativismo contrasta com as grandes e prósperas
cooperativas agropecuárias, que reúnem milhares de pequenos, médios e
grandes proprietários rurais e disputam os mercados nacionais e internacionais
com os grandes conglomerados capitalistas. Nesta disputa, as cooperativas
acabaram por assimilar a estrutura e a estratégia gerencial dos seus rivais
capitalistas, perdendo contato com suas origens operárias, camponesas e
artesanais. Hoje elas atuam como grandes empresas, o que explica que a OCB
recentemente se tenha transformado em sindicato patronal das cooperativas.
As concepções de cooperativismo destes dois setores diferem
profundamente: o cooperativismo empresarial timbra em ser moderno e de ter
abandonado conceitos que considera “ultrapassados”, como por exemplo de
que a cooperativa singular é uma sociedade de pessoas físicas; já o
cooperativismo ‘proletário’ quer recuperar os valores de origem, quando as
cooperativas também eram formadas por gente pobre e marginalizada. Esse
“novo cooperativismo”, aqui entendido não como uma forma jurídica, uma vez
que a atual legislação impede muitas vezes esses empreendimentos de se
formalizarem, mas como realidades de fato, passaram a ser conhecido nas
ultimas décadas como Economia Solidária.
Parece que os principais motivos para esse alto grau de informalidade e
a não formalização como cooperativa devem-se aos seguintes fatores:
1) número mínimo de pessoas necessárias para a formalização da
cooperativa –
A lei 5.764/71 exige que para se formalizar uma cooperativa tenha pelo
menos 20 associados. Esse número pode fazer sentido para uma cooperativa
agrícola agro-industrial ou para uma cooperativa de credito, que teria
dificuldade para se viabilizar financeiramente com um numero menor de
associados. Contudo, considerando as características dos empreendimentos
econômicos solidários, esse numero de torna excessiva, alem de injustificável.
De fato, se considerarmos a realidade de muitas das cooperativas de trabalho
(serviço ou produção), formadas muitas vezes em ambientes urbanos, com
laços comunitários distintos dos ambientes rurais, e que economicamente não
107
se viabilizam com grande numero de pessoas, exigir 20 associados parece ser
absurdo e sem justificativa razoável. A experiência internacional de países com
tradição cooperativista, como Itália ou Espanha, não exigem mais que 3 sócios
para se formalizar uma cooperativa. No Brasil, parece que, com percalços, as
entidades representativas do cooperativismo chegaram a um acordo que o
numero necessário seriam 7 associados. Tomando por base os 21.000
empreendimentos econômicos solidários mapeados pelo SIES, mais de 5000
deles estão na faixa de 7 a 19 associados e somente por esse critério,
impedidos de se formalizar.
2) dificuldades e excesso de burocracia no registro das cooperativas
Os EES tem dificuldades para registrar-se como cooperativas pelo
excesso de burocracia no ato do registro. Apesar de uma certa confusão
gerada a partir do Código Civil de 2002, onde não é mais homogênea o local
de registro das cooperativas (Cartório ou Junta Comercial), a realidade é que
em grande parte dos estados é obrigatório o registro nas juntas Comerciais.
Além de extremamente burocratizadas, em muitos estados, a partir de
legislações estaduais, a Junta Comercial delega a responsabilidade de
avaliação do registro a vogal indicado por uma entidade privada de
representação (Organização estadual das Cooperativas, ligada a Organização
das cooperativas brasileiras). Esta realidade faz com que critérios não
republicanos contem na hora do registro, existindo inúmeros casos de grupos
que economia solidária que não puderam se registrar por se recusarem a se
filiar a entidade. Além disso, em grande parte dos Estados o registro só pode
ser feito na capital e os empreendimentos estão majoritariamente no interior,
aumentando o custo da formalização. Como afirmamos, somados aos custos e
exigências, muitas vezes os empreendimentos são obrigados a se registrarem
em alguma entidade privada de representação.
3) questões tributárias ao se formalizarem como cooperativas
A partir da formalização os EES passam a ter que arcar com uma série de
custos tributários e em grande parte não estão suficientemente consolidados
para fazê-lo. Este fato somado a já presente fragilidade econômica de muitos
dos empreendimentos torna premente discutir uma espécie de imposto
108
progressivo conforme o porte e o publico da cooperativa, aos moldes do que
ocorre com as micro e pequenas empresas, senão a própria aceitação que
cooperativas sejam incluídas na lei 123/2006 (Super Simples) conforme
proposto pelo deputado Pepe Vargas e em tramitação no Congresso Nacional.
De fato, a realidade é que ainda se carece da adequada conceituação e
definição de ato cooperativo, conforme indicado pela CF. A CF (art. 146) prevê
o “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo” e uma Lei Complementar
que o defina, ainda não aprovada pelo Congresso. Hoje a definição de ato
cooperativo se dá por instruções normativas da Receita (ou via decisão judicial)
e mesmo assim apenas para setores economicamente mais consolidados do
cooperativismo, como as cooperativas agrícolas ou as cooperativas de credito.
As cooperativas de trabalho, por outro lado, carecem de uma definição
adequada de ato cooperativo o que faz com que, hoje, muitas vezes não
apenas não tenham um tratamento adequado, como sejam “bi-tributadas”, caso
no INSS nas cooperativas de produção e o ISS nas cooperativas de serviço,
onde a cooperativa paga o tributo como pessoa jurídica e o cooperado como
autônomo. Com essa realidade, a atual estrutura tributária favorece a elisão e
sonegação para alguns segmentos economicamente consolidados, e dificulta o
fortalecimento de outros, em especial os ramos ligados aos movimentos sociais
Desta maneira, é necessário desenvolver instrumentos que busquem
ultrapassar esses desafios apontados acima realizando não apenas uma
reformulação da chamada Lei Geral do Cooperativismo mas a criação de uma
marco jurídico amplo que de conta da atual realidade das experiências
brasileiras, trazendo para o campo do direito aquilo que já se apresenta como
uma realidade social e econômica..
De fato, a Lei que regulamenta o cooperativismo atualmente em vigor
(5.764/71) foi redigida no período da ditadura militar quando a realidade do
cooperativismo brasileiro quase se resumia às cooperativas agroindustriais.
Com a ampliação e diversificação do cooperativismo brasileiro em um novo
contexto histórico, tanto do cooperativismo como da sociedade brasileira pós
Constituição de 1988, faz-se premente a construção de um novo marco
regulatório para o cooperativismo.
109
O próprio Governo Federal, na Gestão do presidente Lula (2003-2010)
percebeu essa necessidade e encaminhou ao Congresso Nacional minuta de
projeto de lei no sentido de subsidiar os Senadores para a construção de uma
nova Lei Geral do Cooperativismo, assim como dois Projetos de Lei do
Executivo que propõem um novo tratamento tributário para o cooperativismo
brasileiro.
4.3 - Lei das Cooperativas de Trabalho
O esforço de construção de um novo marco regulatório especifico das
cooperativas de trabalho tem uma dupla motivação: por um lado reconhecer e
conceituar juridicamente as cooperativas de trabalho, lhes possibilitando
segurança jurídica, uma vez que a legislação cooperativista em vigor hoje no
Brasil, a Lei 5.764 de 1971, não dá conta de regular a realidade das
cooperativas de trabalho que crescem e proliferam a partir dos anos 80 do
século XX.
Por outro lado, busca-se regular as cooperativas de trabalho para brecar
o processo de precarização do trabalho que se abriu através da utilização
desta forma jurídica para burlar a legislação trabalhista.
Na verdade, a discussão de fundo em torno do controvertido artigo 7° do
anteprojeto – aquele que busca salvaguardar os direitos trabalhistas aos
trabalhadores associados de cooperativas – é se cabe construir uma legislação
especifica para as cooperativas de trabalho, relacionando-as ao direito do
trabalho e ao mundo do trabalho, ou não. Na verdade, desde a criação da
SENAES, sempre foi esta a sua posição: cooperativas de trabalho estão
inseridas nas dinâmicas e conflitos próprios do mundo de trabalho, e
necessitam assim de uma regulação própria que as faça dialogar com este
mundo.
Ou seja, podemos dizer que só tem sentido o esforço empregado pelo
ministério do trabalho para propor uma regulamentação das cooperativas de
trabalho devido à relação que estas têm com o chamado mundo do trabalho e
com os processos e modificações que este vem passando nas últimas
décadas, particularmente o processo de precarização do trabalho e a cada vez
110
maior fragilidade dos direitos trabalhistas.
Todos os direitos trabalhistas são irrenunciáveis, porque se o detentor do
direito, o trabalhador, pudesse abrir mão de algum deles ele o tornaria uma
conquista contratual, a ser perenemente renovada e não mais um direito
universal de todos os trabalhadores. Perante a lei, a violação do direito
trabalhista é um delito, não importa se ela ocorre com a anuência do próprio
trabalhador.
Mas, a lei por si só é incapaz de impor o seu cumprimento, se não houver
por parte do trabalhador forte resistência contra qualquer violação de seus
direitos legais. O que aconteceu de fato enquanto houve algo equivalente ao
pleno emprego, ou seja, uma demanda por força de trabalho tendente a
ultrapassar sua oferta. O que, sem dúvida, ocorreu nos mercados de trabalho
urbanos durante o período de intensa industrialização (até 1980
aproximadamente). Naquele período, os empregadores não só cumpriam a
legislação mas ofereciam benefícios adicionais, no esforço de atrair a mão de
obra.
A situação mudou radicalmente desde então, como ninguém ignora. O
emprego assalariado se tornou raro, a demanda por força de trabalho ficou
muito abaixo da oferta. Para o trabalhador ficou muito caro recusar trabalho só
porque não estava protegido de acordo com a lei. Com a cumplicidade dos
trabalhadores desempregados, a precarização tornou-se ubíqua apesar dos
esforços da fiscalização, da procuradoria e magistratura do trabalho. Ela
assume inúmeras formas, uma das quais é a falsa cooperativa do trabalho.
Acabar com ela (se isso fosse possível) certamente não acabaria com a
precarização, ela apenas assumiria outras formas, possivelmente mais
insidiosas.
Para combater a precarização, a fiscalização do trabalho e parte da
justiça do trabalho procura delimitar uma área do mercado de trabalho como
sendo exclusiva do trabalho assalariado por suposto protegido. Outra área
seria própria do trabalho autônomo, dentro qual estaria o trabalhador
cooperador, ou seja, o autônomo associado.
A distinção é nebulosa porque qualquer prestador de serviço tem de
subordinar sua atividade aos desejos de quem lhe compra o serviço. Mas, além
disso esta distinção cria um mercado de trabalho monopolizado pelo capital, ou
111
seja, qualquer pessoa que queira vender seus serviços nesta área do trabalho
dito “subordinado” têm de encontrar um empregador que o contrate. O que fica
patente no caso do TAC da União com a justiça do trabalho: a maior parte do
mercado público de serviços terceirizados fica proibida a cooperativas; só
intermediários de mão de obra capitalistas têm acesso a ele.
Desta maneira, o direito à auto-organização do trabalho fica prejudicado.
Se por acaso uma prestadora de serviços capitalista quebrar, os seus
empregados ficam impedidos de assumi-la porque se ela se tornar cooperativa
ela fica proibida de “intermediar mão de obra”. A liberdade de organização é
assegurada pela Constituição (art. 5º), mas isso é de menos. A questão é
moral e política: é inconcebível que diante de dois modos de produção rivais –
o capitalista e o autogestionário – grande parte do mercado fique excluída da
opção pelo segundo. Se ao menos houvesse outra área em que a empresa
capitalista estivesse excluída, poder-se-ia pensar em justiça. Mas, nem isso há.
O trabalho explorado pelo capital é imposto como o normal, face ao qual o
trabalhador não tem a opção de trabalhar por conta própria. Se não houver
emprego, isto é, demanda por sua força de trabalho, sua única opção é ficar
desempregado.
É preciso garantir ao trabalhador cooperador os direitos humanos do
trabalho, que devem ser tão irrenunciáveis para ele quanto para o assalariado.
No nosso mundo jurídico o trabalhador de uma cooperativa é classificado
como um trabalhador autônomo e por sua vez este é entendido mais próximo
de um empregador do que de um trabalhador. Argumenta-se assim que, por
ser autônomo, e portanto “senhor” de seu trabalho, não cabem a estes
trabalhadores os direitos do trabalho. Caímos ai numa serie de armadilhas
jurídicas e conceituais que estão longe da refletir a realidade. Dizer que um
trabalhador ambulante é um empregador já parece algo um tanto absurdo,
ainda mais o de uma cooperativa, que tem que coordenar seu trabalho com os
outros trabalhadores e com os compromissos assumidos pela cooperativa.
O trabalhador de uma cooperativa de trabalho é ao mesmo tempo dono
“associado” da cooperativa e trabalhador da mesma. Assim, não pode ser
confundido nem com o trabalhador empregado, pois é “dono do negocio” nem
ao trabalhador autônomo, pois ele “trabalha para a cooperativa”. É neste
sentido que a experiência internacional vem chamando o trabalhador
112
cooperado como possuindo uma dupla condição: o de dono e de empregado
da cooperativa.
A Organização Internacional de Cooperativas de Produção industrial,
artesanal e de serviços - CICOPA, a partir da Recomendação 193 da OIT,
afirma: “A relação do sócio trabalhador com sua cooperativa deve ser
considerada como distinta da do trabalho assalariado dependente convencional
e do trabalho autônomo”. A mesma CICOPA indica que os Estados nacionais
“reconheçam em suas legislações que o cooperativismo de trabalho associado
está condicionado por relações trabalhistas e industriais distintas do trabalho
dependente assalariado e do auto emprego ou trabalho individual independente
e aceitem que as cooperativas de trabalho associado apliquem normas e
regulamentos correspondentes”.
Ao realizarmos estudos de legislação comparada podemos observar que
estas diretrizes propostas pela CICOPA encontram correspondência em
legislações nacionais. Assim, a própria OIT fez um inventario de legislações
nacionais e regionais onde formulações semelhantes a da CICOPA estão
presentes. Só como exemplo, em estudo de consultor da OIT sobre a
legislação cooperativa na França, este afirma: “...as cooperativas estão em
geral fundadas sobre o principio da dupla condição....Enquanto associado, o
cooperador participa do lucro econômico, enquanto assalariado ele é regido
pelo direito do trabalho e se beneficia de sua proteção.....Se for fazer uma
analise estritamente jurídica, esta claro que com exceção das regras
particulares expostas na 1° parte, todo direito do trabalho aplica-se à
Sociedades Cooperativas Operárias de Produção”.
Não cabe repetir outras legislações semelhantes, que são diversas (Itália,
Espanha, Turquia, etc.), mas afirmar que a compreensão dos trabalhadores
cooperados como sendo trabalhadores que possuem uma dupla condição, a de
donos associados da cooperativa e de trabalhadores da mesma, podendo e
devendo assim incidir sobre os mesmos obrigações e direitos da legislação
trabalhista, é algo comum dentro da legislação de outros paises.
Apesar deste fato ainda não ser realidade no Brasil, ele não é estranho,
uma vez que na própria constituição brasileira de 1988, em seu artigo 7° os
direitos são elencados para todos os trabalhadores, ou não teria sentido o
artigo 7° estar no capítulo sobre os direitos fundamentais da Constituição
113
Federal. O que resta é nesta legislação sobre a regulamentação das
cooperativas de trabalho efetivarmos este direito fundamental para os
trabalhadores cooperados.
De fato, só tem sentido propor um projeto de lei para as cooperativas de
trabalho se formos buscar através deste projeto coibir o processo continuo de
precarização do trabalho.
O instrumento utilizado até agora para combater a precarização através
das cooperativas de trabalho é restringindo estas de atuarem em alguns
mercados, particularmente o de serviços. Assim, como afirmam alguns, as
cooperativas só podem funcionar através de “trabalho novo”, ou seja,
argumentam que onde existe trabalhador subordinado (empregado celetista),
cooperativas estão proibidas de inserir-se. Alem de isso levar a uma reserva de
mercado para as empresas tradicionais, vai em movimento contrario a
qualquer política de desenvolvimento do cooperativismo, restringindo o lugar
destas “às margens” e as situações de crises.
O artigo 7° do anteprojeto busca resolver este duplo problema: por um
lado criar um mecanismo para combater a precarização, por outro garantir o
direito ao trabalho associado. Realiza isto ao entender os direitos trabalhistas
como direitos humanos. Ou seja, os direitos do trabalho são irrenunciáveis, não
podendo ser “negociados em contrato mercantil” e sim serem regulados. Só
assim será possível combater a precarização.
Os principais argumentos contra esta proposta do artigo 7° do anteprojeto
são de três ordens: uma conceitual, outra jurídica e outra econômica.
Conceitualmente questiona-se qual a caracterização do trabalhador
associado. Argumenta-se que ele é um autônomo que não pode e não deve ter
heterônomias em seu trabalho. Qualquer obrigação imposta a estes
trabalhadores iria ferir sua autonomia e sua capacidade empreendedora. O
limite deste argumento é que as cooperativas de trabalho nada tem a ver com a
legislação trabalhista, por serem trabalhadores autônomos associados, donos
de empresas, e que portanto o que a deve regular é o código civil e não a
legislação trabalhista. Estamos argumentando, ao contrario, que o trabalhador
cooperador tem uma dupla condição, de associado da cooperativa e de
trabalhador na mesma. Neste sentido, ele não se confunde com o trabalhador
autônomo nem com o trabalhador empregado.
114
Juridicamente argumenta-se em primeiro lugar que a legislação
trabalhista existe apenas para regular a relação capital/trabalho, e a situação
de hiposuficiencia do trabalho em relação ao capital, cabendo assim sua lógica
apenas para o trabalho subordinado. Este argumento não se sustenta em
primeiro lugar, quando aceitamos a dupla condição do trabalhador cooperado,
ou seja, ele não é autônomo em relação a assembléia, ele tem que coordenar
seu trabalho com os outros associados e com os contratos estabelecidos. Mas
acima de tudo não se sustenta se entendermos o direito do trabalho como um
direito humano, ou seja, de caráter universal, que parece ser o caminho
seguido pelas organizações internacionais e pelo próprio Brasil quando prevê
os direitos do trabalho nos direitos fundamentais do cidadão, ou seja, de todos.
Um outro argumento jurídico diz respeito à necessidade de distinção clara
entre o trabalhador subordinado, conforme previsto no artigo 2° e 3° da CLT e o
trabalhador de uma cooperativa. Afirma-se que ao se expandir os direitos para
os trabalhadores de cooperativas a capacidade de realizar estas distinções
será mais difícil. Isto pouco importa, se ambos forem sujeitos dos mesmos
direitos.
Um último argumento diria respeito a inconstitucionalidade do artigo, uma
vez que a constituição federal versa que não haverá intervenção do estado na
cooperativa. Na nossa compreensão este artigo versa a não interferência na
dinâmica e na vida interna da cooperativa. Se não fosse assim e se fossemos
levar este artigo ao pé da letra, o estado não poderia construir nenhuma
legislação para as cooperativas, pois qualquer delas, mesmo que seja
obrigando a realização de assembléias anuais, seriam intervenções do estado
na cooperativa. Como não é esta nossa compreensão, entendemos que o
estado não deve intervir nas dinâmicas e decisões das cooperativas, mas não
pode se furtar a regula-las e estabelecer regras, alias, como o próprio estado já
faz de maneira mais extensiva junto as cooperativas de crédito.
Por fim, existem os argumentos de ordem econômica, ou seja, que as
cooperativas de trabalho, ou a grande maioria delas, não sobreviveriam se o
artigo 7° fosse colocado em prática imediatamente. Este argumento nos convenceu. Não é nossa intenção inviabilizar as cooperativas de trabalho, mas
sim trabalhar para seu desenvolvimento e consolidação, não restringindo o
mercado para as mesmas, e tão pouco aceitando que sejam utilizadas para
115
precarizar o trabalho. Foi neste sentido que propusemos períodos de carência
para as cooperativas sem condições econômicas de cumprir as obrigações
alinhadas no artigo 7°, e que se atrelasse ao mesmo o Programa Nacional de
Fomento ao Cooperativismo de Trabalho (PRONACOOP), tendo em vista
habilitar estas cooperativas a proporcionar condições de trabalho decente a
seus membros.
Cumpre notar que o PRONACOOP é o prosseguimento lógico das
políticas de fomento, que a Senaes vem desenvolvendo desde a sua criação. A
Secretaria dá apoio material a incubadoras tecnológicas de cooperativas
populares e diversas outras entidades que assistem cooperativas de trabalho a
superar óbices ao seu desenvolvimento econômico. Há considerável know how
acumulado na UNITRABALHO, na Rede Universitária de Incubadoras de
Cooperativas Populares, ANTEAG, UNISOL-BRASIL, Agência de
Desenvolvimento Solidário, Cáritas, Ibase, Fase, PACS etc. o que torna muito
provável que – ao cabo de alguns anos – a grande maioria das cooperativas,
hoje hiposuficientes, se torne capaz de cumprir as obrigações trabalhistas.
Reina consenso entre todos os interessados – sindicatos, cooperativas de
trabalho e seus órgãos de representação, auditores, procuradores e
magistrados da Justiça do Trabalho – de que cooperadores tanto quanto
assalariados devem gozar os direitos que lhe são assegurados pela
Constituição. A questão em aberto é como uma lei regulamentadora do
cooperativismo do trabalho pode melhor contribuir para este objetivo.
4.4 - “E da luta que se faz a lei”: a Lei da economia solidária
Outro campo de discussão e atuação que se constitui em torno do
chamado marco jurídico da economia solidária
Já há aproximadamente três décadas a economia solidária vem
crescendo no Brasil como uma forma de organizar a atividade econômica
baseada no trabalho associado, na propriedade coletiva dos meios de
produção, na cooperação e na autogestão. Como tal, uma parcela
significativa da população brasileira tem se organizado em empreendimentos
econômicos solidários, gerando assim trabalho e renda, combatendo a
116
pobreza e propiciando modelos de desenvolvimento sócio-econômico
includentes, justos, sustentáveis e democráticos. Contudo, este importante
movimento de parcelas crescentes da sociedade brasileira ainda carece do
reconhecimento de seus direitos e de políticas públicas que fomentem este
instrumento e política de desenvolvimento.
As primeiras políticas públicas de economia solidária remontam à
segunda metade dos anos 1990, quando municípios e governos estaduais
passaram a criar estruturas e desenvolver programas e ações com vistas a
apoiar e fomentar a economia solidária. A partir de 2003, também o Governo
Federal passa a desenvolver políticas estruturadas para apoiar a economia
solidária no Brasil.
Desde que estas políticas começaram a ser desenvolvidas, um tema
permanente tem sido como institucionalizá-las, ou seja, como fazer com que
estas políticas sejam incorporadas pela estrutura do Estado, para que, ao
invés de políticas de governo, muitas vezes transitórias, se perenizem como
políticas de Estado.
Contudo, é importante destacar que institucionalizar uma política é muito
mais do que lhe dar permanência no tempo. Mais do que uma estratégia
particular de um governo, trata-se de compreendê-la enquanto direito dos
milhões de homens e mulheres que vivem e fazem a economia solidária no
Brasil, e, portanto, enquanto dever do Estado de dispor dos instrumentos que
efetivem este direito.
A história recente do Brasil também mostra que a lei em si não cria a
realidade. Porém, a lei é a representação de uma realidade de lutas e
processos históricos de mobilização social. Por isso, ela é um importante
instrumento de luta para que a sociedade civil organizada possa reivindicar o
reconhecimento de direitos perante a estrutura do Estado.
Neste sentido, a presente proposta pretende ser uma síntese do que os
diferentes sujeitos sociais esperam da ação do Estado em relação à
economia solidária. Ela apresenta uma agenda para que o Estado brasileiro
atue no apoio à economia solidária.
O primeiro grande objetivo de um projeto de lei para institucionalizar uma
política nacional de economia solidária seria o de reconhecer a economia
solidária e o trabalho associado como um direito, constituindo um instrumento
117
de mobilização que propicie que segmentos da sociedade reivindiquem este
direito perante o Estado. Mas não podemos esquecer um segundo grande
objetivo de uma lei desta natureza, que é o de dar condições jurídicas para
que o Estado desenvolva suas ações de apoio e fomento à economia
solidária.
Importante destacar que a própria constituição federal, em seu artigo
174° afirma que o governo federal deve apoiar o cooperativismo e outras
formas associativas, vindo este projeto de lei de iniciativa popular no sentido
de garantir este direito conquistado.
118
Considerações finais
Como vimos, as experiências de autogestão e de economia solidária no
Brasil tem tido um aumento quantitativo e qualitativo significativo nas ultimas
décadas, já fazendo parte da história dos movimentos sociais brasileiros no
último período.
A transformação destas experiências em políticas públicas e a conquista
de espaços governamentais responsáveis por fomentá-las e reconhecê-las tem
colocado novas questões para o conjunto do mundo do trabalho e apontam
para a possibilidade de construção de novas institucionalidades que superem
aquela construídas no contexto da sociedade salarial, que tinham no
assalariamento o único modelo de algum tipo de regulação pública do trabalho.
Contudo, estas mudanças institucionais e as possibilidades de novos
arranjos que possibilitem considerar a economia solidária como um novo
modelo de sociabilidade no Brasil dependem dos rumos que a economia
solidária ira tomar no próximo período.
Depois de duas décadas de estagnação econômica e desemprego em
massa, o Brasil tem, nos últimos anos, retomando um novo ciclo de
crescimento econômico. Crescimento que significou a criação de quase 15
milhões de empregos formais no período de 2003 a 2010 e que faz com que no
ano de 2010 a taxa de desemprego esteja na faixa de 7%, o que significa
patamares próximos do Pleno Emprego.
Desta maneira, se é verdade que um dos fatores predominantes de
crescimento da economia solidária no ultimo período foi a crise econômica e o
desemprego em massa que atingiu a sociedade brasileira nos anos 80 do
século XX até os primeiros anos da década de 2000, a questão que fica é
como a economia solidária ira se comportar num contexto de significativo
crescimento econômico e de volta da ampliação do trabalho assalariado.
Contudo, a economia solidária se transformou também no ultimo período
e ao se desenvolver foi deixando de ser parte de uma agenda apenas de
119
resistência as transformações do trabalho para se constituir em uma política e
uma estratégia de desenvolvimento, socialmente justo e sustentável. Desta
maneira, a economia solidária no Brasil tem feito parte de uma agenda que
busca pensar modelos alternativos de desenvolvimento sócio-economico
includente e democrático, e enquanto tal, abri-se novos horizontes para o seu
desenvolvimento.
120
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• Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) - www.ipea.gov.br
125
Lista de entrevistas
� Bruno Ribeiro – Advogado trabalhista, liderança do movimento de
economia solidária e Conselheiro no Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social representando a Economia Solidária
� Leonardo Soares de Oliveira - Diretor do Departamento de
Fiscalização do Trabalho
� Luigi Verardo – Diretor Executivo da Associação nacional de
Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionária
(ANTEAG)
� Marcelo Campos – Assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho
� Marco Antonio de Oliveira – Secretário-Adjunto da Secretaria de
Relações do Trabalho (2003 a 2006), Secretário Executivo do MTE
(2006-2007) e Coordenador adjunto do Fórum Nacional do Trabalho
� Pedro Cristofoli – assessor Confederação das Cooperativas de
Reforma Agrária do Brasil do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(CONCRAB/MST).
126
ANEXOS
ENTREVISTAS
127
ENTREVISTA COM COORDENADOR EXECUTIVO DO FÓRUM NACIONAL DO TRABALHO
Logo depois, acho que em 2006. Por aí, 2005, 2006. Eu não sabia. Então tem uma análise. E os resultados do Fórum Nacional do trabalho, que na verdade é uma coletânea de depoimentos de pessoas que participaram do fórum. O material está muito mal editado, porque eram falas transcritas e houve muito pouco cuidado na revisão desse material, então eles está, eu diria, com a qualidade duvidosa. Mas ali você pode ouvir, fala de vários participantes a respeito do que foi a atividade do Fórum. Mas, basicamente, o Fórum foi concebido em função de um entendimento de que a gente deveria, em primeiro lugar, fazer uma inversão na pauta do debate a respeito da reforma trabalhista. Durante toda a década de 90, e especialmente no governo Fernando Henrique houve uma ênfase muito marcante em medidas voltadas especialmente para a alteração das condições de contratação, uso e remuneração da força de trabalho no âmbito da legislação individual do trabalho. O foco era a legislação individual do trabalho. Basicamente, o que se queria? Alterar as modalidades de contratação. Nesse caso, se instituiu o contrato por prazo indeterminado. Outra preocupação era dar conta do problema do desemprego, que era tratado à luz do teoria do capital humano, segundo o conceito de empregabilidade. Quer dizer, a preocupação era a seguinte: nós temos um problema de desemprego estrutural, mas o desemprego não decorre essencialmente de um problema de crescimento econômico, ele decorre, na verdade, de um estrangulamento próprio do mercado de trabalho dado o perfil da mão‐de‐obra disponível e dada a sua capacidade de fazer frente às demandas desse mercado. Isso gera um problema não de baixo crescimento econômico, mas de oferta de mão‐de‐obra qualificada. Em função disso, qual era a preocupação? Elevar a empregabilidade. Então, toda ação de tratamento dos problemas do mercado de trabalho tinha essa ênfase. De um lado foi flexibilizar o regime de contratação, seja sobre contratação a prazo determinado, seja formas de contratação temporária. Tentou‐se várias coisas nesse sentido, nenhuma delas para os trabalhadores do quadro efetivo, do ponto de vista de impacto na geração de emprego ou da redução do próprio custo do trabalho. De outro lado, a ideia de atacar os problemas do mercado de trabalho por meio do quê? Do investimento pesado em qualificação profissional, para elevar os níveis de empregabilidade. A velha e famosa frase do Amadeu, que diz que nós não tínhamos um problema de desemprego no Brasil, nós tínhamos problema de empregabilidade. Então o foco estava fundamentalmente no quê? Só um parêntese. Eu sou isso ainda hoje. Você ouve? Tanto o secretário de Políticas Econômicas do ministério da Fazenda, Era exatamente essa visão. É, os caras têm essa visão, que é uma visão conservadora, neoclássica. Quer dizer, é aquela coisa: o problema é do trabalhador. O problema é que o trabalhador não está atendendo as necessidades reais... Se você tem uma mão‐de‐obra qualificada, de qualidade, educada, ela é capaz de induzir a uma dinâmica econômica e ser fator de expansão do próprio mercado de trabalho. Inverte um pouco a equação aqui. Esse discurso foi um discurso que começou a se difundir nos anos 90. EU diria que ele inclusive foi comprado pelo governo Lula, por parte do governo Lula, essa coisa da empregabilidade.
128
Falava‐se muito em empregabilidade, ainda no início do governo Lula. Mas, fundamentalmente a ideia que existia era essa: “nós temos que fazer uma reforma trabalhista”. E o foco da reforma trabalhista tem que ser o quê? A flexibilização da legislação individual do mercado de trabalho, tendo como objetivo o quê? Reduzir custos, aumentar a empregabilidade e, dessa forma, diminuir o espaço da informalidade. Essa é a aposta. Nada disso se comprovou na prática, primeiro porque as medidas que foram adotadas foram tópicas. Na minha tese de doutorado eu relaciono quais são essas medidas que foram adotadas. Se você quiser, depois eu te passo. É um capítulo que trata... Não foi publicado? Não, ela foi publicada só... Eu peguei o seu livro falando do Estado e políticas de emprego. É, mas aquilo é anterior. Isso é anterior, não é? Mas eu tenho... Na tese de doutorado eu tratei da reforma no governo Fernando Henrique. Tem um capítulo das iniciativas de reforma no governo Fernando Henrique. O que você vê é o seguinte: houve várias tentativas, mas foram ensaios que não avançaram, certo? Eles se resumiram, basicamente, a duas coisas: algumas medidas tópicas (tentou‐se algumas mudanças de meio, que esbarraram no Congresso, e, diante da resistência, buscou‐se dois caminhos); ou mudanças nas medidas de natureza administrativas – quer dizer, o ministério, via Portarias, foi quebrando, por exemplo, o controle da fiscalização do trabalho, foi quebrando o regime de jornada, foi criando modalidades de contrato de acordo com as brechas existentes na lei, tá? Ou então o Tribunal Superior do Trabalho, a Justiça do Trabalho foi formulando a jurisprudência, no caso daquelas demandas judiciais que, na prática, se traduziram numa flexibilização do direito, mas a norma jurídica praticamente se manteve intacta, tá? Acho que vale a pena você olhar pra você ter uma ideia. Então, quando a gente entrou, qual era a preocupação? Em primeiro lugar, fazer uma inversão da pauta do debate. Ou seja, nós precisamos deslocar o debate da reforma trabalhista para reforma sindical. E qual é o conceito? O conceito básico é o seguinte: “nós temos que fazer uma reforma, nós admitimos a necessidade e a possibilidade de uma reforma, mas desde que ela tenha um caráter sistêmico. Em que sentido? No sentido de que se faça um esforço de fortalecimento do direito coletivo para que se abra espaço para mudanças no direito individual. Traduzindo de outra forma: só se pode falar em migrar da lei para o contrato, que era a base... Por exemplo, o grande projeto do Fernando Henrique era pactuar sobre a lei, certo? Ou seja, nós vamos fazer o quê? Havendo um acordo, prevalece o acordo sobre a lei. Então o que a gente dizia era o seguinte: só tem sentido a gente favorecer, fortalecer o espaço da negociação do coletivo em detrimento do regramento extensivo do direito individual por meio da lei se houver sindicatos fortes, organizados, com poder de contratação e com presença no mercado de trabalho, que é o espaço onde se define, na verdade, a relação contratual. Então nós propusemos o quê? Inverter a pauta. Começar pela reforma sindical, trabalhando com a seguinte ótica: vamos fortalecer a organização sindical. E isso implicava o quê? Reconhecer as centrais sindicais. Dois: vamos ampliar o espaço de negociação coletiva. Isso implicava o quê? Em admitir a possibilidade de contraltos em diferentes níveis de representação, não apenas o contrato por categoria profissional, como existe hoje. Quer dizer, então a ideia de ter um sistema de contratação coletiva que fosse mais abrangente e que supusesse a possibilidade de você contratar não apenas o sindicato de base, mas no ramo profissional, no nível federativo. Enfim, ampliar o espaço de contratação. E vamos assegurar o espaço da representação do local de trabalho, de tal maneira que eu desloque o terreno da definição dos contratos do âmbito da relação direta entre sindicatos patronais e trabalhadores, para o espaço da empresa, sem prejuízo dessa relação, e favorecendo a solução de conflito também no âmbito da empresa e não no âmbito da justiça de trabalho. Ou seja, isso implicava o quê? Em rever o poder normativo da justiça do trabalho,
129
isso implicava em conferir poder de negociação para empresas e trabalhadores, implicava um novo arranjo institucional na relação entre sindicato, empresa, trabalhadores organizados por local de trabalho e demais níveis de representação. Então era um novo arranjo institucional que se propunha. E o que a gente conseguiu num primeiro momento? Como era um governo que estava no início, a gente conseguiu trazer os atores para essa agenda. Ou seja, vamos discutir a reforma sindical. Nós nos comprometemos com os empresários, e os trabalhadores aceitam discutir a reforma trabalhista, desde que se avance nesse terreno. Os empresários, obviamente, não queriam essa agenda, eles queriam discutir primeiro a [reforma] trabalhista e depois a sindical. Então, a nossa intenção qual era? Vamos concluir esse processo aqui para dar início ao processo de discussão da reforma trabalhista propriamente dita, através do quê? Da constituição de grupos de trabalho específicos que tratariam dos temas do direito individual: condições de contratação, condições de remuneração, condições de uso da força de trabalho. E regimes especiais. Aí entraria micro e pequenas empresas, a questão da formalização. Fundamentalmente, essa era a ideia. O que houve em relação à micro e pequenos empreendimentos e ao problema da informalidade? O que houve é que, paralelamente à constituição do Fórum, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico‐Social, e havia, naquele momento, uma pressão muito grande dentro do próprio governo para que se tratasse o problema da informalidade e que se fizesse uma política orientada para micro e pequenos empreendedores. Nós fomos procurados pelo Conselho, e o Conselho acabou por incorporar aquilo que originariamente seria a agenda do Fórum. Então, no Conselho, o que nós fizemos? Nós fizemos, na verdade, uma discussão preliminar sobre os problemas relativos à informalidade, às formas atípicas de trabalho (é o caso das cooperativas de trabalho, das cooperativas de produção), e o problema das micro e pequenas, que demandavam um tratamento específico. Esses assuntos foram tratados no Conselho de Desenvolvimento Econômico‐Social, só que o Conselho operava de uma forma diferente do Fórum. Qual era a lógica do Conselho? A lógica do Conselho, basicamente, era a seguinte: eu só destaco como recomendação aquilo que for consenso. Então os consensos firmados nesse âmbito foram consensos, eu diria, muito genéricos, porque o que eles fizeram, em princípio, foi estabelecer uma agenda de temas que deveriam, posteriormente, ser desdobrados no Fórum Nacional do Trabalho, mas que não chegaram a ser desdobrados. Por quê? Em primeiro lugar, porque a gente concluiu o processo de debate da reforma sindical, mas o acordo firmado na mesa não foi sustentado no Congresso Nacional. Quando nós fomos para o Congresso Nacional, nós praticamente fomos isolados. Dentro das confederações, não é? Na verdade não foram só as confederações. Na verdade, é o seguinte: as confederações foram o artífice da resistência porque houve uma política, na época, de deixar... de não colocar as confederações na mesa. E essa decisão de não colocar as confederações decorria de uma orientação, na época, baseada na ideia de que as confederações, pela natureza delas, elas se oporiam a qualquer mudança – o que estava correto, certo? Quer dizer, a ideia de caminhar uma ideia envolvendo as confederações... Só uma pergunta. Você falou motivação da reforma sindical e o projeto disso, que resgata, de certa maneira, o projeto do novo sindicalismo do...? É. Fundamentalmente, qual era a ideia? Era o seguinte: nós temos uma agenda... A agenda fundamental era a agenda de promover uma agenda de reforma sindical alicerçando essa reforma com base nos preceitos da Convenção [ininteligível] [14’11] da OIT, da valorização da organização por local de trabalho, da contratação coletiva de forma articulada, em caráter permanente, não apenas em caráter compulsório, por ocasião da nota[?] base. Enfim, era toda a agenda do chamado novo sindicalismo, só que numa lógica que não era uma
130
lógica estrita do novo sindicalismo. Qual era a ideia? Era o seguinte: não adianta a gente ver qual é a agenda da CUT, porque nós não vamos conseguir implementar. Então o que nós vamos ter que fazer? Nós temos que construir o caminho possível para a reforma. O caminho possível da reforma é um caminho de negociação. Ou nós forjamos um consenso entre empregados, empresários e trabalhadores a respeito dessa agenda de reforma, ou não há chance desse assunto prosperar no Congresso Nacional, tá? Então, qual foi o entendimento? Nós temos que construir uma via pragmática de reforma, buscando o quê? Avançar no sentido de ampliar o espaço de liberdade sindical, fortalecer as centrais, assegurar o espaço de representação sindical na empresa, de organização dos trabalhadores na empresa, não necessariamente sob a forma do delegado sindical, e ampliar o espaço de negociação coletiva. Nós temos que avançar nesse sentido, certo? Só que não é simplesmente a Convenção 87, não é simplesmente a 158 – ratificar as convenções da OIT –, é construir um caminho negociável, que faça um esforço entre aquilo que era o nosso desejo e aquilo que era o possível naquele momento. Esse foi o caminho tentado. Esse caminho suscitou resistência dos dois lados: de um lado, da parte dos adeptos da reforma pura e simples do [palavra ininteligível] [16’10]. Então, por exemplo, os adeptos defensores da liberdade de autonomia sindical, nos termos da Convenções Internacionais da OIT, bateram duro, dizendo: bom, o que o governo está querendo fazer é um remendo. De outro lado, aqueles que queriam manter o regime de unicidade se aferraram à defesa do regime de unicidade dizendo exatamente o contrário: o que o governo está querendo fazer é introduzir o regime de liberdade sindical de caráter neoliberal. Então nós começamos a apanhar dos dois lados, e os atores da mesa, por sua vez, tinham uma desconfiança muito grande. Essa desconfiança foi se reduzindo e foi se criando um espaço aí de entendimento e de negociação, só que fundamentalmente a natureza da reforma que se pretendia fazer nos colocou numa situação, que era a seguinte: ela implicava uma repactuação de poder em cada um dos campos. O que se propunha, por exemplo, era o seguinte: o regime de contratação em diferentes níveis implicava em empoderar as federações de ramos patronais e trabalhadores, em definir novas formas de organização patronal e trabalhadores. O fim da contribuição sindical e criação da contribuição negocial, por exemplo, implicava em rever o financiamento. Dava poder à Central, mas implica rever recursos para sindicatos, federações e confederações oficiais, tanto do lado dos trabalhadores, quanto do lado patronal, certo? Na verdade, o que acontece? Ali, ao mesmo tempo em que você tinha gente na mesa disposto a negociar, a força de resistência à mudança estava presente em todas as partes: em quem estava na mesa e em quem não estava na mesa. Então, os caras que sentaram para negociar muitas vezes... Quer dizer, fechavam o acordo, chegava lá na CNI[?] e os sindicatos da CNI roíam a corda, entendeu? O que aconteceu? A gente firmou um consenso, mas foi um consenso muito frágil politicamente. Basicamente, a fragilidade refletia o quê? O peso daquelas entidades na própria mesa de negociação. Então os acordos que a ACMI eventualmente topou fazer, que a CNF topou fazer, que a CNA ou a CNC toparam fazer, eles depois não foram sustentados na hora que foi para o Congresso. O que diziam essas confederações? “Nós só topamos que esse assunto tramite se o projeto for encaminhado simultaneamente com a reforma trabalhista.” Então ela topou fechar o acordo da sindical, mas a hora que foi para o Congresso, ela diz: “Não, nós só admitimos a tramitação do projeto se vier a reforma trabalhista. As confederações trabalhistas que ficaram de fora adotaram uma linha de resistência aberta e, em torno dela, passaram a gravitar todo o tipo de organização: PC do B, Com Lutas. Juntou tudo. Juntou a ‘esquerdalha’ com a ‘pelegada’ e fizeram uma frente no Congresso com forte poder de lobby aos deputados para barrar a tentativa de mudança, e a Força Sindical e a CUT, diante desse cenário, que eram os dois atores mais interessados na reforma, tiraram o pé. Quando os empregadores não sustentaram o acordo, na verdade obstruíram a possibilidade
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de tramitação disso no Congresso, quando o poder de lobby das confederações que não tinham representação, mas tinham força no Congresso Nacional... Quando esse poder de lobby se impôs perante os parlamentares e quando a Força e a CUT recuaram (a CUT foi a primeira a recuar, a Força ainda deu a cara, mas quando a CUT recuou, a Força se retirou), o governo ficou pendurado na brocha[?] [20’28], então a reforma não caminhou. E, ao não caminhar a reforma sindical, toda a agenda posterior se esvaziou. Então, praticamente o Fórum se encerra ali. Ele ainda manteve uma tentativa de diálogo no tema da reforma para os servidores públicos... Tinha a questão do trabalho no fim de semana, não tinha? Basicamente se fez o quê? O que aconteceu foi o seguinte: nos temas da informalidade, do trabalho atípico, micro e pequenas empresas, o trabalho se circunscreveu ao Conselho e tudo o que se fez ali foi forjar conceitos, princípios muito genéricos. Então a discussão não avançou. O que se passou? Foi um assunto positivo [ininteligível] [21’14]. Foi do Fórum que surgiu o projeto de lei das contrativas de trabalho e que limpou um pouco aquela área precarização... É. Ali havia essa preocupação? Qual era a nossa preocupação ali? Quer dizer, qual era a preocupação que suscitou a criação desse grupo? É o seguinte: nós precisamos admitir que há situações diferenciadas no mercado de trabalho que merecem um tratamento diferenciado. É o caso das cooperativas, é o caso dos micro e pequenos empreendimentos, é o caso dos empreendedores individuais – é o caso das formas atípicas de trabalho. Então nós precisamos avançar no sentido de identificar e categorizar esse tipo de situação. E que tipo de tratamento diferenciado é possível dar a isso, que não fira, que não caminhe no sentido da mera precarização, certo? Esse era o debate. Eu não tenho mais a memória viva desse debate. Eu não lembro mais. Eu sei que a gente conseguiu avançar, mas os consensos foram muito genéricos. Posso...? Porque daí vem uma questão, não é? Você falou dos anos 90, e o que vinha da pressão de uma reforma trabalhista. Isso. Nos anos 90, enfim, além das reformas do governo, teve uma reestruturação do mundo do trabalho: diminuição, desindustrialização, teve o setor terciário. Isso. E as formas precárias de trabalho que surgem daí. Isso. Então vem como pressão, como justificativa para fazer a reforma trabalhista. Isso. Então há uma crise do contrato, digamos assim, do trabalho, e fala: “Olha, pra resolver, vamos flexibilizar.” Por isso que a minha questão. Quando surge, os micros e pequenos empresários vêm com uma pauta clara do simples trabalhista – como eles chamavam – etc. Isso. Houve a compressão disso daqui, porque ele pode ser utilizado nos dois lados, não é? As formas atípicas é: então vamos flexibilizar porque tem aí 30% da APEA[?] [23’17], 40%, que não... Na verdade, aqui o que acontece? É que você tem, primeiro, um problema, que é um problema de precariedade, que é anterior ao que ocorre nos países capitalistas avançados.
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Quer dizer, você convive com um mercado de trabalho, que... Qual a característica do mercado de trabalho? Apesar de você ter uma legislação extensa e detalhada de proteção ao trabalho, você tem uma fragilidade muito grande do poder de contratação dos sindicatos e de solução de conflitos, por meio da representação coletiva. Então, quer dizer, a legislação extensiva detalhada no âmbito do direito individual, mas é frouxa no âmbito do direito coletivo. E o fato dela ser frouxa no âmbito do direito coletivo reduz o grau de efetividade do direito individual. Esse era o diagnóstico. Então esse era um problema estrutural da legislação brasileira. O Estado atua suprindo, tratando o trabalhador como insuficiente, que é o conceito clássico do direito do trabalho, certo? Então ele exerce uma tutela e essa tutela se dá substancialmente pelo âmbito, pela ótica do direito individual, e onde há conflito, seja ele de interesse, seja ele de interpretação da norma jurídica, esse conflito, na maior parte das vezes, se resolve na esfera do poder judiciário, por meio da justiça do trabalho. Então você tem o problema dessa legislação. Essa legislação... Esse é um problema de ordenamento jurídico. Você tem um outro problema, que é a estrutura do mercado de trabalho brasileiro, que é um mercado de trabalho altamente flexível. Por que flexível? Porque apesar de você ter todo esse aparato legislativo, as condições para contratação e demissão são relativamente vantajosas, ou seja, você contrata e demite a qualquer tempo. O custo da contratação e da demissão, na verdade, não é tão alto assim, primeiro porque você está numa economia de baixos salários. Segundo, o custo efetivo, aquilo que muitas vezes é contado como custo... se fala que é o dobro da folha, porque nesse cálculo está embutido o quê? Férias, 13º, formas de regularização do trabalho que, a rigor, é um salário. O que é encargo propriamente dito é 35%, certo? Isso que é encargo. FGTS, PIS‐PASEP, salário educação, a contribuição previdenciária – esses são os encargos. Então, fundamentalmente, o que acontece? Você tem uma economia de baixos salários, você tem um mercado de trabalho flexível, no que diz respeito às condições de contratação e de remuneração, certo? Você contrata e demite sem qualquer barreira legal. Tem um custo, mas esse custo é monetário e é relativo, se você considerar o padrão regulatório. Do ponto de vista da relação contratual na empresa, a relação direta com o empregador, o poder de interveniência do sindicato é baixíssimo. Do ponto de vista do uso da força de trabalho, a mesma coisa, quer dizer, o sindicato não tem nenhum poder, ou tem muito pouco poder, a não ser no caso dos grandes sindicatos, de discutir o leque, a ocupação funcional do trabalhador. Na Europa, o cara negocia, mas não negocia só salário, ele negocia o seguinte: o cara está na função, ele negocia o leque salarial. O cara saiu daqui e veio para cá, isso aqui está regrado por contrato coletivo. Então aqui se fala em rigidez, mas na verdade é uma rigidez aparente. Há um emaranhado legislativo que muitas vezes dificulta e gera um passivo trabalhista. Essa é uma ingenuidade com o trabalhador, certo? Mas muitas vezes esse passivo trabalhista é algo que é buscado pelo empregador, porque ele prefere postergar o custo de demissão, do que fazer frente aos encargos dessa demissão. Por quê? Porque o custo do passivo é mais baixo que os encargos que ele julga elevados. Você tem um problema, que é o seguinte: você tem um mercado de trabalho estruturado dessa forma. Tradicionalmente heterogêneo. É flexível, certo? É uma economia de baixos salários, é um mercado de trabalho relativamente flexível, quanto às funções de uso, contratação e remuneração da força de trabalho e ele é heterogêneo na sua composição. Ou seja, você tem o empregado formal com carteira assinada, você tem um emprego precário das mais diferentes naturezas e essa precariedade não é uma precariedade que está associada ao processo de reestruturação produtiva. O que é novo a partir da década de 90 é que aqueles setores que se estruturaram ao longo das décadas anteriores, que foram beneficiados em alguma medida por esse aparato legislativo,
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que tinha algum tipo de proteção social, que estavam no mercado formal de trabalho, carteira de trabalho, sindicato forte e algum poder de contratação, alguma proteção contra demissão, esses setores começam a ser alvo de um processo de reestruturação. Só que o processo de reestruturação que ocorre no Brasil não ocorre da mesma forma que ocorre na Europa. Na Europa, você tem um mercado de trabalho mais homogêneo, você tem um grau de formalização muito maior, você tem entidades sindicais com forte presença negocial e institucional, você tem um pacto de... você tem uma solução de compromisso que está na base do estado de bem‐estar social que confere aos sindicatos um poder de contratação e de diálogo institucional que não existia aqui, no caso do Brasil. Você não tem nada parecido com isso aqui. E o fenômeno da pobreza é um fenômeno de tipo novo; é uma nova pobreza. São formas novas de precarização. É óbvio que países como Portugal, Espanha, houve uma situação mais semelhante a do Brasil, mas os países da Europa centro‐ocidental, o problema de reestruturação que eles vivem é um problema de outra natureza: está associado ao processo de reestruturação das empresas em busca de produtividade e de direcionamento para o mercado externo; está associado ao processo de reforma do estado de bem‐estar social e atinge, sobretudo, esses setores homogêneos do mercado de trabalho. E, na franja, vamos pegar o quê? Vamos pegar os imigrantes, vamos pegar os jovens que estão tentando ingressar no mercado de trabalho, vamos pegar os idosos, que começam a enfrentar problemas de permanência no mercado de trabalho. É um problema de outra natureza, tá? E, de fato, ali se opera um processo de reestruturação das empresas. No Brasil, o que vai acontecer? Não há propriamente uma reestruturação do parque produtivo brasileiro. O que você tem é uma abertura indiscriminada à concorrência externa, uma exposição à concorrência externa, que não é coletiva e nem gradativa, ela ocorre de [palavra ininteligível] [31’14]. Segundo, você tem uma desestruturação dos setores das cadeias produtivas. Então aqueles segmentos que estavam estruturados, que tinham, em consequência disso, um mercado de trabalho também organizado, com maior grau de formalização – esses setores passam a ser alvo do quê? Da precarização. Então não é porque houve introdução de inovação tecnológica que suprimiu força de trabalho. Simplesmente essas cadeias começam a se desarrumar. O setor têxtil, o setor automobilístico, indústria química, bens de capital. Tem toda uma série de setores da cadeia produtiva que o país... Esses setores em que o país tinha complexos industriais relativamente integrados e diversificados vão se desestruturando ao longo da década de 90, e trabalhadores que até então tinham carteira assinada se tornam desempregados ou migram para a informalidade, para a precariedade. É o exemplo do cara que sai da Volks e vai vender crochê na porta da Volks, tá? Então você tem esse problema e você tem o fato de que você já tem contingente de trabalhadores que já estão na precariedade, ou seja, que já não conseguiam estar no mercado de trabalho. Você tem trabalhadores que deixaram o mercado formal e que passam a competir com trabalhadores que já viviam sob a precariedade e que estavam buscando o quê? Solução através de outro emprego e de serviços precário; é o cara que vende coxinha, é o cara que tem um carrinho de cachorro‐quente, é o cara que... tá? Então o espaço da informalidade e da precariedade se amplia, certo? Mas ele já era um problema estrutural pré‐existente. Mas até... Me corrige. Até os anos 80, o mercado heterogêneo, no Brasil, sempre existiu, mas não era um problema para o Estado, digamos assim. O problema era a integração. Como havia um contínuo de crescimento econômico etc., o problema, a CEPAL[?] [33’29]... Não, era um problema. Era um problema. O problema é que... Ele não era um problema que afetava, ele não era um problema que se tornou explosivo, por quê? Porque, até a década de 80, você tem uma trajetória de crescimento econômico. Então, toda a vez que você cresce... Porque o problema é como integrar essas pessoas no...
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E amplia o espaço da atividade econômica estruturada, você amplia a chance de incorporação ao mercado de trabalho. Segundo, você viveu ao longo desse processo uma mobilidade social que foi uma mobilidade seletiva (ela incluiu alguns e excluiu outros), mas você vê um processo de mobilidade social ascendente. Quer dizer, muitas pessoas vão sendo incorporadas ao mercado formal de trabalho, vão tendo acesso à renda, a consumo, a bem‐estar. Isso fez com que o problema da exclusão não se tornasse explosivo. Por quê? Porque a atividade industrial urbana está expandindo, você está absorvendo aqueles contingentes que vêm das áreas rurais e dos grandes centros urbanos, supre a necessidade de mão‐de‐obra do mercado de trabalho, tem um exército industrial de reserva suficientemente grande para manter esse contingente numa economia de baixos salários; a legislação trabalhista protege, dá uma base de proteção social a esses trabalhadores e, ao mesmo tempo, ela não amarra chances de crescimento econômico e de lucratividade das empresas pelos fatores que eu mencionei, porque ela não emperra contratação e demissão a qualquer tempo. Isso permite o quê? Um mercado de trabalho que é sazonal; alta rotatividade de mão‐de‐obra e um mercado sazonal. A atividade econômica expande, aumenta o volume de contratação, tendo uma retração, aumenta o desemprego. Mas como você vem numa trajetória de crescimento, você convive com o desemprego aberto, você convive com o desemprego desalento, que é aquela situação do cara que já desistiu de procurar (que é o desemprego oculto). Mas você tem um colchão amortecedor disso aqui, que é o próprio crescimento econômico e a capacidade que isso gera não só de absorção de mão‐de‐obra no mercado de trabalho, mas da renda que vaza do trabalho estruturado para o trabalho precário. O que é isso, por exemplo? É o exemplo da coxinha. Só é possível o cara vender coxinha na porta da Volks porque tem o cara da Volks que compra coxinha. Então se o mercado formal de trabalho está em expansão, o emprego precário, o auto‐emprego, a ocupação em serviços, essa variedade de serviços que você conhece melhor do que eu, ela tem condições de se reproduzir e de gerar formas alternativas de ocupação e de renda. Por quê? Porque está vazando renda do setor estruturado da economia. Ela não gera em si mesmo renda, mas ela absorve a renda desses setores e ela é capaz de se beneficiar desse dinamismo. Em 90, o que acontece? Em 90 é o seguinte: é o exemplo, é o cara que sai da Volks e tinha um cara aqui vendendo coxinha. Sai mais um, sai mais dois, que vão vender coxinha. Você tem três vendendo coxinha na porta da fábrica; um vendendo coxinha, um cachorro‐quente e outro salgadinho. Só que esses dois aqui deixaram de comprar, eles passaram a vender, certo? Entendeu? Então a renda disponível para o consumo, nessa área aqui, ela diminuiu. O trabalhador que comprava passou a vender e o número de pessoas que eu tenho empregada em condições de comprar diminuiu. Aumenta o espaço da precariedade e diminui as chances de você gerar ocupação e renda por meio da ocupação precária e informal, você entendeu? – o que se inverte agora novamente. Como você está com uma expansão do emprego formal, as atividades ditas precárias, ou informais, ou o pequeno empreendimento tendem a se expandir. Mas daí a pergunta (porque tem esse caso da coxinha). Mas também a precariedade foi... Ela não ficou só marginal ao processo econômico, mas ela foi para o centro do processo econômico, no seguinte sentido... [Interrupção da entrevista] Enfim, você tem o caso da terceirização, que leva... Dentro de uma mesma planta industrial tem o cara contratado, tem o cara da cooperativa... Isso. Eu pergunto isso porque compensar regulação do trabalho numa forma tão... Então, a terceirização o que é? Nada mais é do que uma tentativa de transferir custos para
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terceiros; de ganhar agilidade e competitividade, mas, ao mesmo tempo, de transferir custos. Quer dizer, ela não é nova, ela já existia. O que muda, dos [anos] 80 para os 90, é que os setores duros passam a ser alvo da terceirização. Isso vai ocorrer tanto nas empresas públicas quanto no setor privado. Começa a haver esse processo de terceirização de atividades, envolvendo não só atividades meio (vigilância, limpeza, alimentação, transporte), mas também as atividades da própria planta industrial. Isso aqui basicamente se expande ao longo dos anos 90. E o debate aí qual é? Como é que você regra a terceirização. Voltando ao tema do Fórum, o que você pode dizer é o seguinte: o que avança, o que eu acho que tem de meritório o trabalho do Fórum nessa discussão? Primeiro, o seguinte: em alguma medida a gente consegue demarcar uma agenda, civilizar o debate, melhor dizendo, sobre a formalização do mercado de trabalho, o tratamento a micro e pequenos empreendimentos, à cooperativas de trabalho e à própria terceirização. De alguma maneira, eu acho que olhando retrospectivamente, o Conselho de Desenvolvimento Econômico‐Social demarca um pouco uma linha de recomendações que, apesar de genéricas, definem a forma futura de tratamento desses temas. Segundo, a gente consegue avançar nesses assuntos, depois, topicamente. Vai acontecer no caso das cooperativas de trabalho, vai acontecer no caso da... basicamente das cooperativas. E se... A terceirização se iniciou... Do negócio de trabalho aos domingos. E a terceirização até hoje não se equacionou, mas também não houve um desregramento total da terceirização, certo? Então persiste como um problema, tá? Mas no que concerne à micro e pequenos empreendimentos, havia ali nessa discussão do simples trabalhista, havia toda uma discussão que aí de encontro da agenda do encontro pactuado sobre a lei, que era criar um regime especial, diferenciado, para micro e pequeno e empreendedor individual. Eu acho que a gente consegue avançar nesse sentido... Quer dizer, se conseguiu avançar na legislação micro e pequenas empresas e se conseguiu avançar no que diz respeito ao meio (ao micro empreendimento individual) sem que isso implicasse numa quebra da legislação trabalhista naquilo que ela tinha de essencial. Você mudou, por exemplo, a alíquota de contribuição de INSS, no caso do meio, mas isso, na verdade, possibilitou um aumento da formalização, sem prejuízo dos regimes voltados para o mercado formal de trabalho. No caso da micro e pequena empresa, mesma coisa. Quer dizer, você não alterou substancialmente a legislação do trabalho nesse caso. Posso fazer uma pergunta? Fala. Eu sei que você tem horário também. A ideia (então, na verdade, tinha esse ambiente explosivo, com essas outras formas) foi trazer para dentro da pauta do Fórum Nacional do Trabalho, mas de uma maneira que você chamou de civilizada. Isso. Organizar essa pauta. E eu lembro, num primeiro momento, aglutinou micro e pequena empresário e a genérica informalidade que, para mim, quando eu participava lá, parecia que o micro e pequeno empresário era o patrão que não tinha só contraparte sindical, e o resto era variado; tinha de tudo, mas era o trabalhador que não tinha... Não, micro e pequeno tinha contraparte. Mas que não estava sentado na mesa no Fórum, não é?
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É porque ali... Tanto que vocês propuseram separar depois em dois grupos. Isso. Essa que era a minha impressão. Micro e pequeno empresário vinha com uma pauta, mas o trabalhador que é o empregado dele não estava... Porque a pauta do micro e pequeno, o que era? Era fundamentalmente o quê? Eles queriam... O simples trabalhista queria o quê? Eles queriam o seguinte: lima as contribuições previdenciárias e trabalhistas, que é o regime diferenciado. [Entrevistado atende o celular] Eles queriam simplesmente o seguinte: eles queriam limar a legislação do trabalho. O diagnóstico é o seguinte: para avançar, a micro e pequena empresa é geradora de emprego. Mas o problema da geração do emprego decorrer do custo do trabalho. Para que a micro e pequena empresa expanda e atenda a necessidade de geração de emprego, para fazer frente à necessidade de formalização do mercado de trabalho, nós temos que reduzir o custo do trabalho. Então, o que eles queriam? Eles queriam o seguinte: lima férias, lima 13º, lima FGTS, lima contribuição previdenciária; reduz drasticamente a contribuição previdenciária e faz a remuneração direta ao trabalhador. Eles queriam a selvageria. Essa era a agenda dos micro e pequenos. Por que a gente separou? Porque isso aqui era uma agenda que dizia respeito às regras do emprego formal, certo? Outra coisa era cooperativas de trabalho. Mesmo assim, ali havia uma tensão das cooperativas de trabalho de natureza social, como era o caso de cooperativas constituídas a partir de empresas falidas, em recuperação, ou cooperativas de caráter associativo e as cooperativas do tipo COOP, não é? De trabalho? Da associação lá, que eram cooperativas que, na verdade, tinham o papel de promover terceirização. A ideia era um pouco traçar uma fronteira entre esses dois campos. Porque qual era o nosso problema ali? Nós estávamos no fio da navalha. De um lado tinha um problema real e havia uma pressão dentro do governo para que houvesse um tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas e empreendedores individuais. De outro lado, nós não podíamos atender a essa demanda de uma maneira que abrisse campo para uma flexibilização do regime mercado, não só porque haveria uma resistência muito grande da parte das centrais sindicais, dos trabalhadores organizados, como a gente não concordava com isso. Mas dentro do governo, sobretudo na área da Fazenda, havia uma pressão brutal para que se impusesse esse caminho: quebrar a legislação do trabalho aqui, certo? Então havia essa resistência. A gente estava no fio da navalha, rebolando de tudo quanto é lado. De outro lado, a gente queria dar um tratamento diferenciado às cooperativas de trabalho, mas separando o que era cooperativa do regime de terceirização, admitindo o regime de terceirização, mas regrando o regime de terceirização, nem do jeito que queriam os trabalhadores, nem do jeito que queriam os empresários. Na verdade, nós estávamos diante ali de uma agenda que era muito extensa e que, como eu te disse, foi se esvaziando na medida, em primeiro lugar, em que a gente não conseguiu avançar na reforma sindical. A reforma sindical parou no Congresso. Consequentemente, o Fórum perdeu credibilidade, certo? Então isso esvaziou a agenda da reforma da legislação laboral propriamente dita, nas suas diferentes frentes. Em segundo lugar, na medida em que foram se construindo soluções tópicas para cada um desses temas. Para cooperativas de trabalho, a gente construiu uma solução ad hoc. Lembra que tivemos lá várias conversas para o tema das cooperativas. Trabalho aos domingos, fez‐se uma negociação separada da questão do trabalho aos domingos. Terceirização, criou‐se um
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espaço de negociação nesse âmbito. A lei geral da micro e pequena empresa atendeu, em alguma medida, as preocupações mais candentes do setor esvaziaram a agenda na área trabalhista, ainda que possa haver até hoje pleitos nesse sentido. Criação do meio, mais recente; abriu espaço de formalização do empreendedor individual, com contratação de até um empregado. Isso tudo aqui de alguma forma deu vazão a essa agenda. E o fato de o país ter retomado a trajetória de crescimento recolocou aquela condição de lá de trás. Ou seja, você criou um espaço, primeiro, para o aumento da formalização. Segundo, gerou um estímulo a essa cadeia de negócios que gravitam em torno do emprego formal, com um fator a mais, com um dado novo, que é o seguinte: a partir daqui você passou a contar com instrumentos de estruturação dessas atividades muito mais eficazes. Então você tem o estímulo ao crédito voltado a baixa renda (o cara vai tomar crédito, não só micro‐crédito produtivo orientado), mas, sobretudo no segundo governo, o crédito a população de baixa renda. O cara começa a tomar crédito, e ele toma crédito para o consumo, mas ele toma crédito também para comprar o freezer para fazer o salgadinho e vender. Segundo, você tem uma série de programas governamentais que vão começar a apoiar essas iniciativas para que elas se estruturem como empreendimentos de natureza social. É o caso do [Programa] Economia Solidária, é o caso daqui, com todos os problemas que possam haver, é o caso de todas as ações que começam a gravitar em torno do Bolsa Família. Quer dizer, elas vão cumprindo uma função estruturadora dessas atividades. Não apenas você tem um mercado formal de trabalho em expansão e uma renda que vaza para a informalidade, como você tem políticas que vão propiciando a esses segmentos se estruturarem alternativa. Ou seja, você cria... Aquilo que era um desejo do governo Fernando Henrique, que era fomentar formas alternativas de ocupação e renda, se amplia nesse espaço porque você tem crescimento e você tem políticas que vão induzindo a esse processo. Duas perguntas, eu faço, por causa disso. Já tinha no governo Fernando Henrique... [Risos] Não sei se eu estou viajando, mas... Concordo com você. A questão do empreendedorismo já é colocada no Fórum do governo Fernando Henrique. Isso. O Brasil empreendedor que teve etc. Como estratégia exatamente igual para o emprego. A própria AIT começa a ter recomendações sobre auto‐emprego. Não é novo. Não nasce nesse governo. Só que você começa a entender, por exemplo, a estratégia dos trabalhadores, você começa a fazer uma pauta (é uma afirmação com pergunta) muito mais empresarial do que de regulação do trabalho propriamente dito. É a questão do crédito, do acesso à tecnologia etc., só que você não pensa a regulação do trabalho como um todo para esse segmento. É, fundamentalmente é isso. Por isso que eu falei: você desafoga a agenda trabalhista, ela vai perdendo... Ela deixa de ser vista como um problema. Isso confirma a tese de que o custo do trabalho no Brasil não é tão elevado assim, de que você não tem um problema de rigidez. É uma rigidez formal, ela cria embaraços, mas ela não cria impedimentos à expansão da atividade econômica. Quando você fala desafoga, e aí você falou a estratégia do Fórum, em relação à reforma trabalhista, toda a questão era a resistência, era manter a não ampliação pelo próprio contexto, mas sempre foi uma coisa de... Resistir.
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De resistir e não deixar... Avançar. Avançar. Você está falando em relação à reforma trabalhista? O debate, desde os anos 90, até hoje. Isso. A estratégia era resistir. O que nós tentamos fazer foi o quê? Inverte a pauta, traz o debate sobre o direito coletivo para frente, assegura condições de contratação, regulação e uso da força de trabalho mais decentes, por meio de um protagonismo dos sindicatos, como ator de negociação e solução de conflitos e admite, a partir daqui, a possibilidade de flexibilizar e de mudar a lei. Então, para a discussão nossa, nós dissemos assim: meu problema não é se está na lei ou se está na lei. O problema é o seguinte: eu admito a possibilidade que não esteja na lei. Por exemplo, para sindicatos de grande poder de fogo, como os metalúrgicos de São Bernardo, os químicos, petroleiros – para eles, muitas vezes, a garantia legal é uma alarra[?] [53’05]. Ele pode avançar. Aí vem o fiscal do trabalho e diz o seguinte: “Ó, isso aqui fere a lei.” Ele vai lá e anula o acordo que, para ele, é vantajoso. Ele quer o acordo, a empresa quer o acordo, só que ela não pode avançar porque gera um passivo. Por quê? Porque esse cara tem poder de contratação e ele já forjou o entendimento da empresa e que o resultado da negociação, para ele, se torna muito mais pautável do que a progressão legal. Então muitas vezes ele... Entendeu? Ele quer avançar ali. Ele quer avançar e a legislação emperra. Para esse cara, a legislação... Ele admite a possibilidade da mudança. Qual era o único problema? O problema é que nem todo mundo vive essa situação. Então o que nós estávamos tentando? Vamos fortalecer o problema de resolução de conflito por meio do sindicato, vamos ter uma presença forte de organização local de trabalho. Aonde eu tiver isso aqui, eu tenho a possibilidade de mudança na lei. Então tudo bem, certo? Agora, o que os empresários queriam? Eles queriam o seguinte: vamos estabelecer uma regra assim, pactuada sobre a lei, mas sem essas garantias. Então, de um lado você tinha uma resistência patronal porque isso implica o quê? Empoderar o sindicato. Você está empoderando o sindicato. O sindicato passa a ser o ator forte da negociação coletiva e, por consequência disso, isso é um poder político na sua realidade, não é apenas o poder de contratação puro e simples. Você falou do caso europeu. No caso europeu, isso aqui dá mais certo por causa também da homogeneidade do mercado de trabalho. Não só por causa da homogeneidade, porque isso foi historicamente construído no pós‐guerra. Isso fez parte do acordo de reconstrução do pós‐guerra. Os sindicatos foram atores da resistência e foram atores da reconstrução democrática, e como parte do pacto de reconstrução, explícito ou implícito, os sindicatos ganharam peso tanto na contratação, quanto na vida político‐institucional dos países. Você olha para qualquer país da Europa, as grandes organizações sindicais têm uma força institucional muito grande, então isso fez parte do esforço de reconstrução. A homogeinização ocorreu, em grande medida, porque os sindicatos foram protagonistas desse esforço, não o contrário, certo? Porque no pós‐guerra os sindicatos passaram a participar das soluções de construção de estado de bem‐estar. Todo o esforço de consolidação do bem‐estar social que se seguiu no pós‐guerra teve os sindicatos como parte desse esforço, seja na construção da política de contratação coletiva, seja na definição dos benefícios sociais, que são formas indiretas de salário. Toda a vez que eu crio uma rede de proteção social, eu estou criando salário. É um salário indireto. Esse salário indireto torna possível a renda salarial direta disponível para o consumo. O círculo virtuoso, que os keynesianos tanto falam, do pós‐guerra, se construiu graças a uma solução de compromisso que envolveu a participação dos sindicatos.
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Aqui, o que acontece? Aqui o que a gente estava tentando em alguma medida era uma pactuação... Isso implicava uma repactuação de relação de poder entre sindicatos de trabalhadores e empregadores em que você mudaria o arranjo, certo? Agora, como você tem uma institucionalidade que é muito centra no monopólio da arrecadação, é muito difícil mudar. Ninguém abre mão do monopólio da arrecadação da representação, nem os empregadores. Os empregadores também não querem porque tem um establishman e uma burocracia sindical, de ambos os lados, que está estruturada, que está montada. O que se fez depois do Fórum foi piorar isso. Por quê? O que você fez? Você consolidou a representação das centrais sindicais e deu a elas o acesso ao imposto sindical. Então a possibilidade de você mudar, fortalecer... Porque qual era a ideia? Acaba com o imposto e cria contribuição negocial. Quem contrata tem acesso à contribuição, certo? E você migra de um regime para outro gradativamente. A ideia era fazer isso em cinco anos. Então, o que acontece é o seguinte: aqui, na verdade, do ponto de vista das relações de trabalho, não consegue fazer isso aqui. O sistema brasileiro, que já é um híbrido, se torna mais híbrido ainda. Vira um monstrengo. Num cenário como esse, que é um cenário de expansão da atividade econômica, de formalização de emprego, de crescimento dos cenários, os sindicatos, particularmente as centrais sindicais, nadam de braçadas. Agora, num cenário de retração econômica, de possível retração econômica, de baixo dinamismo do mercado de trabalho, os problemas da precarização, da flexibilização vão se recolocar em alguma medida – e se recolocam. O que é o novo aqui é isso. Quer dizer, nós não resolvemos, os problemas estão aí, o cenário de crescimento da atividade econômica e de formalização do emprego desafogaram essas questões. De certa forma, o que o governo Lula fez foi um pacto. O governo Lula fez um pacto, não foi um pacto... O tão desejado pacto que o Sarney tentou lá atrás, que depois o Collor veio e tentou... ÉW que o Fernando Henrique nunca esboçou e o Lula fez na prática, Ele acomodou os interesses dos empresários, dos empregadores, dos empresários do grande capital financeiro, dos trabalhadores do emprego público, dos trabalhadores organizados. Abriu espaço para a ascensão dos debaixo. Acomodou, certo? E isso só foi possível porque o país está crescendo. A participação... Cresceu a renda nacional, mas a participação na renda do trabalho em relação ao capital não se alterou substancialmente. Você não tirou daqui para lá, entendeu? Então é isso que eu falei, quer dizer, você construiu outros caminhos. É isso que você falou: é o caminho do crédito, é o caminho da regulamentação do meio, é o caminho da lei da micro e pequena, do super simples, que foi uma mudança aí que se alterou, mas que não alterou substancialmente o arranjo. Eu acho um avanço, e acho que inclusive esse avanço denota que não há necessidade de você fazer uma mudança tão drástica na legislação para você conseguir fazer essas mudanças. Um dos erros do Fórum foi justamente tentar fazer uma mudança global, porque você desperta tantas reações, tantas resistências que você não avança. Quer dizer, o que se fez depois foi sempre pela linha de diminuir[?][60’51] a resistência. No início do governo Lula, o Roberto Setubal, que é uma figura em suspeito, você viu a declaração que ele deu sobre a questão das reformas? Ele disse: “Não precisa de reformas para crescer. Não precisa de reforma previdenciária, não precisa de reforma trabalhista.” Porque o custo dessas reformas trabalhistas é tão alto que é preferível não fazê‐las. Porque é o seguinte: a hora que você faz um processo de reformas dessa, você paralisa o país, você gera incerteza, você inibe investimento e o resultado é incerto, e o alcance da reforma normalmente é limitado. Quer dizer, você vem com um projeto grandioso e o efeito é isso aqui. Aí eu falei: Então nós não precisamos disso aqui. “Vamos ser pragmáticos.” Foi essa a palavra que ele usou. “Vamos atuar pragmaticamente. Nós temos capacidade de absorver os custos, não precisamos de reformas estruturais. Mas, enfim...
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Posso fazer uma última pergunta? Claro. Eu não sei se eu estou te ajudando, porque eu estou delirando aqui! [Risos] Não, esta ajudando bastante! Está muito! É? Pegando... Talvez na perspectiva das políticas públicas ativas de emprego, qual a sua opinião (pode ser sincero) da criação da SENAES e do PMPO, depois, no ministério do Trabalho? Como é que eu acho com relação ao SENAES? Eu acho que o problema das SENAES é o seguinte: a SENAES traz uma novidade para a agenda do ministério do Trabalho e ela gera uma desconfiança e uma resistência. Primeiro, por quê? Porque o ministério do Trabalho se estrutura, ao longo do tempo, em função basicamente do emprego formal. Ele foi concebido, na sua origem, toda a legislação... Essa é a grande sacada do Getúlio. O que o Getúlio faz? Ele estrutura... Ele não só estimula a expansão da atividade industrial urbana, como ele estrutura o mercado de trabalho para fazer frente a ela, certo? Ele cria uma legislação de proteção ao trabalho, ele exerce uma tutela sobre o sindicato, que inibe a possibilidade dessa mão‐de‐obra fugir o controle patronal e do próprio Estado, mas ele, ao mesmo tempo, assegura a esse trabalhador o padrão de dignidade que o empregador privado se recusava a oferecer. Existe essa regulamentação, ao contrario do que se imagina. E, ao mesmo tempo, ele desafoga a tensão no campo, onde estava o maior problema, sem mexer na questão agrária, sem mexer no problema da terra. Por quê? Porque ele vai atraindo esses contingentes para as áreas urbanas, resolve o problema da mão‐de‐obra da indústria, resolve o problema dos salários, do padrão salarial, desafoga a tensão no campo e deixa intocado o problema agrário. É uma solução modernizadora, por um lado, e conservadora por outro. Essa é a grande sacada do Getúlio. Quer dizer, a legislação, quando ela vem, ela tem um efeito modernizador, de proteção. Por isso que é uma bobagem falar que é uma mera transposição da carta do lavoro, que é fascista. O Lula falou isso inúmeras vezes. Isso é um disparate! Tanto ela tem um efeito protetivo, seja para o sindicato, seja para o trabalhador individual, que ela permanece viva até hoje. Obviamente, em torno disso tudo se cria todo um aparate depois, que vai gerando todo o tipo de problema, mas, na essência, é isso aqui. Já me fugiu a pergunta que você me fez. O sentido da SENAES e dos...? Então, a SENAES... O que você está tendo aqui? Você está tendo um novo momento em que se procura dar conta dos problemas da informalidade por uma ótica diversa, uma ótica diversa da ótica profissional. Ou seja, não vamos resolver. Até então, qual era o debate? Só existe uma forma de resolver o problema da precariedade e da informalidade: expandindo o mercado formal de trabalho, certo? Então ela é uma forma diversa disso. Segundo, ela também é uma forma diversa do tratamento dado pelo governo Fernando Henrique, que era a solução da empregabilidade, pela via da empregabilidade. Então você gasta dinheiro com formação profissional e... O cara que encontra uma forma de se virar, certo? Não é nenhuma coisa, nem outra. É uma tentativa, na verdade, de absorver uma dinâmica que tem origem nos movimentos sociais. Acho que esse que é o dado novo. Qual é a questão que me parece crucial na SENAES? Como é que eu via? Eu via um alto grau de ideologização da economia solidária. Eu acho que tem uma visão que está muito uivada de uma ideia de sociedade, como se a economia solidária fosse portadora de futuro, de uma ideia futura de sociedade. Então isso aqui para mim é um limitador da ação na história da economia solidária. Segundo, uma visão que limita o espaço da atividade da economia solidária... Como eu te diria? É como se... Eu estou vendo de fora. É como eu via e como era visto lá. É como se a
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economia solidária... Por exemplo, na época se falava em bancarização. O professor dava pulos quando se falava em bancarização. Quando se pensava em sistemas de crédito, se pensava muito restrito ao micro‐crédito produtivo orientado, aos sistemas tipo banco monetário, aos sistemas de troca simples. Então é o seguinte: eu produzo, eu consumo insumos de alguém que também produz alternativamente e eu vendo para alguém que também faz parte desse circuito. Então isso, na minha visão, sempre limitou muito o campo de ação da economia solidária. A economia solidária era vista numa ótica, por isso que eu falo, ideologizada. “Ó, são aqueles caras que são ligados aos movimentos sociais que conseguiram estruturar empreendimentos, iniciativas sociais, mas que temem o lucro, temem a possibilidade de que aquilo ali se estruture como um negócio. Então, essa passagem da atividade de economia para o empreendimento econômico estruturado com capacidade de gerar não apenas uma receita, e porque permite a reprodução daquele negócio, mas que possa dar escala e agregar valor ao negócio, dentro de uma economia de mercado isso sempre foi uma fronteira, eu diria delicada, dentro da SENAES. Eu não sei como esse debate era travado lá dentro. Ele existe até hoje na verdade na sociedade... É, mas a sensação que eu tenho é que esse é um divisor de águas que a SENAES não enfrentou e é um limitador da sua ação. Por quê? Porque a tendência natural... Quer dizer, quando você começa dinamizar o acesso ao crédito, a oferecer a oportunidade de incubação de pequenos negócios, a fazer transferência tecnológica, via tecnologia social, ou apoio a inovação, enfim, a organizar esses empreendimentos de natureza social, a possibilidade que esses empreendimentos se estruturem e tenham perenidade depende muito da capacidade deles de se vincular a arranjos produtivos locais, a cadeias produtivas cujo sucesso depende do mercado. Ou eles estão vinculados a uma economia de mercado, ou a chance deles se estruturarem e se reproduzirem diminui. E um determinado momento em que esses empreendimentos devem se defrontar com um problema, que é o seguinte: como é que eu...? Porque é o seguinte: é da lógica do mercado. Ou você se estrutura como um empreendimento, ou você é absorvido. Ou então você vai ter que ser subsidiado o tempo todo, e a capacidade de subsidiar esses empreendimentos é limitada, entendeu? Então chega um dado momento, que é o seguinte: ou eu estruturo isso aqui como um negócio em condições de competir no mercado e oferecer um diferencial de qualidade de produto, de qualidade do ponto de vista ambiental, de qualidade do ponto de vista das condições de trabalho, do ponto de vista do preço, etc., etc., ou isso aqui fica restrito a um universo muito limitado. Esse é o sentimento que eu tenho ao termo da economia solidária. Cria‐se uma fronteira muito grande entre micro e pequenos empreendimentos que tem a ótica do mercado, sobretudo o trabalhador individual que vai, que monta a sua empresa e quer... Ele quer transformar aquilo em empresa. E esses empreendimentos de natureza social, que estão operando numa lógica que não é apenas uma lógica do empreendimento [palavra ininteligível] [70’30], é uma lógica de intervenção social vinculada a movimentos e com uma visão ideológica, no bom e mal sentido da palavra, quer dizer, que impõe uma trava essa é a visão que eu tenho. Acho que a economia solidária, ela... Num primeiro momento, a secretaria, acho que ela cumpre o papel de estruturar e de focalizar as demandas desses movimentos, de definir instrumentos de políticas públicas para esses, de definir, tornar acessível a esses movimentos esses instrumentos de políticas públicas, mas ela vai se deparar em algum momento com essa questão, certo? Ou seja, avançar no terreno da economia solidária implica em você equacionar esse problema. Como é que você mantém uma sociedade cooperativa, como é que você estrutura uma cooperativa de trabalhadores ou um empreendimento social e, ao mesmo tempo, preserva o seu caráter social e, ao mesmo tempo, faz desse empreendimento um empreendimento
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lucrativo, em condições de... De entrar com força. É, porque senão você fica ali, certo? Esse é o entendimento que eu tenho. Agora eu estou... Foi quando você disse que se perdeu [na resposta]. Você estava falando que a criação da SENAES representou uma ampliação no ministério do Trabalho, uma mudança no ministério do Trabalho. Isso. Dai você foi para o Vargas. Sei. Daí, para o ministério do Trabalho, o que você acha que significou a criação disso? A mudança é a seguinte: é que você tem... É aquilo que eu te falei: você tem uma agenda nova no ministério do Trabalho. Quer dizer, essa agenda... O problema do desemprego estrutural, da informalidade, da precariedade do mercado de trabalho foi tratado até então sob duas óticas, tá? A solução pela via do crescimento e da formalização do emprego, ou a solução pela via da empregabilidade, do auto‐emprego, ou seja, na impossibilidade de absorver esses contingentes. Porque qual era a tese? Bom, nós estamos num processo de reestruturação que poupa mão‐de‐obra, que intensiva a inovação e que, portanto, vai limitar a capacidade de absorção no mercado de trabalho, certo? A única possibilidade de continuar a expandir e de gerar renda é através de outras formas de ocupação. Então veio por aqui. O dado novo na SENAES é que ela vem e introduz a agenda do problema do informal, vamos chamar assim, mas sob a ótica dos movimentos sociais. Quer dizer, ela traz um... Ela não quer nem o caminho da precarização, ela não quer nem o caminho do auto‐emprego tucu[?] [73’35] pela via da empregabilidade, como se desenhou no governo [FHC], e ela nem tão pouco entende que esses problemas desse segmento se resolve pela via da formalização. Quer dizer, não, aqui tem uma natureza própria, e a natureza própria tem a ver com o tipo de atividade, mas também com a forma como essas atividades se estruturam em estreita relação com movimentos sociais organizados. São os Sem Terra, são os apicultores. São movimentos que, em alguma medida, são mais do que movimentos... Não são apenas organização de uma atividade produtiva com a finalidade de gerar renda, de gerar ocupação e renda, elas têm propósitos sociais. Então esse é o dado novo, que eu acho. Eu estou pensando alto aqui com você agora. Gostei da leitura. Entendeu? Esse é o dado novo. Então isso aqui traz... Quer dizer, de alguma forma você tem um ator novo no ministério do Trabalho. Porque até então quem são os atores? As organizações sindicais de trabalhadores e empregadores e a inspeção do trabalho, os fiscais do trabalho, que são os atores por excelência da política governamental, certo? E com uma visão bastante conservadora do que é a legislação do trabalho. É um outro problema da outra frente. Os caras: “É o que está na lei, é o que está na lei, é o que está na lei.” Nenhuma das discussões [ininteligível] [75’05] para construir o caminho para o negócio das cooperativas. Então entra... Qual é o problema que eu vejo? Isso aqui traz um dado novo e a possibilidade de você construir um caminho novo de tratamento dos problemas associados ao mercado... à informalidade, sob a forma do quê? Do trabalho cooperativado, das associações de produção, do empreendedorismo de natureza social. Enfim, chame como quiser. E ele esbarra, ao mesmo tempo, no quê? Nos marcos políticos e ideológicos em que esses atores se movem. Isso que eu chamei de uma ideologização que eu julgava excessiva. Chega um determinado momento que
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o seguinte: ou você alavanca o crédito, ou esses setores não se expandem. Você não vai alavancar isso com micro‐crédito produtivo. Quando é que o governo deu o grande salto aí? Quando o Lula chamou o Banco do Brasil e a Caixa e falou assim: “Crédito para a baixa renda.” Certo? E o cara do Banco do Brasil falou assim: “Não, não dá para fazer.” / “Como não? Então o outro faz.” Quando você vê a estrutura... Agora, não adianta. Porque você estruturou programas. Se você fica lá... O cara estruturou o programa da Caixa... Qual foi a grande sacada desses caras? – do Boddy Chap[?] e, hoje, o da... aquele cara que apoiou a Marina? O... A Marina? O que foi vice da Marina. O Leal. Guilherme Leal. Ele é dono do que mesmo? Da Natura. Natura. Esse cara entrou num segmento, que é o segmento justamente desses movimentos, e virou um empreendimento de milhões, certo? Quer dizer, em alguma medida, o que acontece? Ou você estrutura esse negócio, ou então chega uma hora que você não tem capacidade de competir com esses caras, tá? E a capacidade daqueles governos sobreviverem... Por mais transferência de tecnologia que você faça, por mais subsídio que você dê, chega uma hora que aquilo ali... É que a minha leitura da SENAES, da história da SENAES é que os empreendimentos, para eles avançarem, eles precisavam de três grandes coisas: assistência técnica, formação, um mercado mais estruturado, que não esse que você falou, circuitos curtos, de... Essa foi a crítica que se fez ao professor. Ele trabalha numa lógica do circuito troca simples, entendeu? Então... certo? Eu acho que o eixo, até para... E o terceiro, que você falou? É o investimento: crédito etc. Tá. Crédito, financiamento, fomento. Eu acho que a gente conseguiu, bem ou mal, construir uma rede de assistência técnica, formação; mercado, não conseguimos sair, mas o mercado... Como marxista, eu acho que o mercado se resolve também com implementação produtiva. Claro, claro. Diz uma velha máxima do Kalecky, que é o investimento que determina a poupança, não é a poupança que determina o investimento. Exatamente. E a gente não conseguiu destravar essa trava do investimento. Você tem que destravar essa trava, mas tem quer ter um olhar de mercado. Não tem jeito, certo? A não ser que você fale... Eu lembro de uma discussão que eu tive com a Sonia. Eu falei: “Sonia, vocês estão achando o quê? Que as cooperativas vão se... O embrião da sociedade socialista do futuro fala isso mesmo. Não dá, entendeu? Não dá! Porque, tudo bem, a gente pode acreditar em tudo, mas não tem. Eu não vejo viabilidade... Meu sonho seria esse! [Risos]
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Mas eu acho que na política pública não é usar o foco para isso... [Risos] Tudo bem! É esse o problema que eu estou falando, que é o grande desafio. Porque como não é um ator... Não se trata apenas... Esse é o problema: não se trata apenas de um trato de um indivíduo ou de uma coletividade que quer estruturar um negócio. É um ator social que tem uma agenda, ou que partilha uma agenda política que transcende o âmbito do seu empreendimento social. Ele está vinculado ao MCT, tá vinculado às pastorais, está vinculado ao próprio movimento cooperativista. Tem os mais diferentes enraizamentos, há grupos políticos partidários. Tem um ideário político, tá? Então isso precisa ser tratado na equação, em alguma medida, certo? Agora, se você... Porque é o seguinte: o que nós estamos fazendo nesse governo não... é tudo, menos socialismo. A revolução burguesa no Brasil. Eu queria que fosse uma revolução burguesa, ãhn? [Risos] Mas avançou. Avançou! Avançou. Avançou, mas o Lula... O Lula fez uma equação. O Lula foi um... A equação do Lula é bastante conservadora, se você pensar. Eu acho que sim. E salvadora. O Lula montou... A grande habilidade do Lula... Vitoriamente, mas conservadoramente. É, é conservadora, entendeu? O que o Lula fez? A questão é a seguinte: o Lula consegue abrir um espaço nos de baixo... Quer dizer, a desigualdade de renda nesse país é uma coisa tão brutal, a dificuldade de acesso a bens, serviços, serviços, políticas é tão enorme que qualquer espaço de mobilidade social que se abra implica numa melhoria dos de baixo, para eles, brutal. Está certo? É. Isso o Lula fez. Quer dizer, o que o Lula fez? Ele conseguiu, de alguma forma, trazer os debaixo, e trouxe os debaixo fundamentalmente pela via do consumo. Isso é fundamental para você estruturar uma economia de massas. Mas o problema mais fundamental, que eu acho que a Ana Fonseca está tratando agora, é o seguinte: bem‐estar não é só acesso a mercado de trabalho, é acesso a provisão de serviços públicos de saúde, educação e o cacete a quatro, e a cidadania entendida no seu sentido amplo – cidadania política, civil, mas também social. É uma pauta de direitos sociais que não se limita ao acesso à renda, ou o acesso à renda para o consumo, como fez esse governo. Isso foi fundamental, porque a... O cara quer comprar. Ele nunca teve nada, ele quer um carro, quer uma televisão. Eu não tenho uma televisão de plasma. Se você for na favela de Heliópolis, você acha um monte de TV de plasma, tá? Hum, hum. Só que é o seguinte: qual é a questão? Esse... A participação dos debaixo na renda nacional, para se alterar substancialmente, você vai ter que repactuar a participação dos de cima. Você vai ter que tirar dos de cima para os debaixo, certo? Em algum momento essa equação... O espaço para isso aqui vai se reduzindo, para a acomodação dos de baixo. Segundo, essa coisa de você inserir por essa lógica do mercado de trabalho e pela lógica do consumo vai esbarrar no próprio padrão de consumo. Esse padrão de consumo é insustentável. Não dá para você produzir carro, televisão, geladeira... Não é que não dá. Isso,
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do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, das condições de reprodução do próprio capitalismo, é insustentável. É insustentável aqui, é insustentável na Índia, na China. Aqui em São Paulo, economicamente, está se tornando inviável. Inviável. Se torna inviável a vida, certo? Então, quer dizer, vai chegando num dado momento que você vai ter que por em questão o padrão de consumo. Aí que você... Por exemplo, tem um nicho para esse tipo de coisa. Você pode ter uma visão de mercado, não ter uma visão tão ingênua de que está à margem do mercado, porque a margem do mercado, ou você consegue... Isso é o que tentou o socialismo utópico. Guardada as proporções, é disso que se trata. Você cria comunidades fechadas. Só que isso é o seguinte: a capacidade de auto‐reprodução disso é limitada. Segundo, a pressão do mercado é tão avassaladora que, das duas, uma: ou ela absorve isso aqui ou isso aqui se extingui. Então, quer dizer, você tem que ter uma visão de mercado, mas você pode operar sob uma visão diferente. A questão da qualidade do produto, da sustentabilidade, da preservação ambiental, das condições de trabalho, de preservação. Enfim, tem toda uma agenda aqui que, hoje... Não apenas uma agenda de interesse político, é fator de... Isso se pode traduzir em valor agregado. Hoje o mercado europeu está comprando produto ecológico. Só que é o seguinte: se você não estrutura, se a associação agro‐ecológica não vai lá e se estrutura para atender a escala desse mercado, vem um empreendedor com visão de mercado e monta uma grande rede e engole esse cara, certo? Ele não tem chance. Mais uma última questão mesmo! Fala! [Risos] Você falou em entrar em cadeias produtivas etc. Uma das transformações, me parece, é que o capitalismo estourou muito mais em cadeias [ou cadeiras?] [75’] no mercado de trabalho, até para a questão das micro e pequenas empresas, terceirização etc. Certo. E as cooperativas, os empreendimentos, toda a informalidade na verdade não estão à parte, mas estão incluídos em grandes setores. É. Hoje, uma questão da pobreza é que o cara vende lá o CD na... Mas é o CD que é produzido na China. É uma pergunta... Mas você pode responder rápido. Hoje o contrato de trabalho está restrito ainda numa relação tributária, digamos, do fordismo, da planta industrial. É possível pensar um contrato de trabalho mais amplo? Em que sentido? Um trabalho amplamente regulado, que abarque toda a cadeia produtiva, não apenas o... Não sei! [Risos] É, não sei... [Risos] Eu não entendi a pergunta. A pergunta é a seguinte:... Dá um exemplo. Nas cooperativas, por exemplo, na lei das cooperativas a gente consegui fazer isso com as cooperativas, ou seja, os custos para a cooperativa têm que... Não pode cobrar menos do contratante, no caso de... do que se fosse um trabalhador empregado.
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Certo. E ela tem que cumprir com os trabalhadores da cooperativa um mínimo social básico... A cooperativa não está separada. Ela está disputando, na verdade, mercado... Mercado. Isso. Com o trabalhador assalariado, inclusive. O que ela fazia era uma concorrência desleal e... Aquilo [ininteligível] [76’30]. Isso. É possível pensar e se expandir isso daqui para outros...? Ou seja, é possível pensar uma regulação pública do trabalho para além do assalariamento, você acha? Eu acho que, em tese, é possível pensar uma regulação pública do trabalho para além do assalariamento, mas... Não em tese. [Risos] É em tese porque é difícil você falar assim. Quer dizer, em tese, é possível pensar, certo? Agora, o que é característico das iniciativas nesse âmbito é que todas elas são ações de natureza muito definidas, certo? Se você olhar para as experiências dos países europeus, por exemplo, quando há tentativa de regulação nesse âmbito, ela é uma regulação especifica. Uma norma social que trate essa questão... Porque é o seguinte: você está tratando um universo muito heterogêneo, de formas muito diversas, em estágios completamente diferentes de evolução. É mais fácil você... Por exemplo, tem uma norma para cooperativa, uma norma para terceirização, uma norma para contratação por micro e pequenos empreendimentos, do que você imaginar uma regulação pública geral sob a forma de uma legislação ampla. Não, daí eu acho que... Entendeu? Eu estou pensando alto com você aqui. É um exercício de especulação, mas eu tendo a imaginar o seguinte: é muito difícil você avançar nesse terreno por meio de um regramento amplo. A própria legislação laboral se construiu a partir de leis esparsas, certo? Com todo o mundo foi assim. Você construiu códigos do trabalho na Europa, no pós‐guerra, mas você tem todo um histórico de luta social e deis esparsas que vão embasar a construção desses códigos de trabalho. No Brasil, você tem uma lei que se chama consolidação das leis de trabalho, não foi uma consolidação por acaso, porque ela se inspirou em toda uma legislação esparsa, anterior e você vem e consolida; consolida, amplia o alcance. Legislação previdenciária. Como começou legislação previdenciária no Brasil. É uma lei de fundo de pensão dos ferroviários, de [19]23. A lei dos assistentes do trabalho é uma lei da legislação de XIX, se não me engano, também do setor ferroviário. Você tem toda uma legislação, que depois você vem e consolida. Então pensar num regramento social amplo para essas formas diversas de ocupação e trabalho depende muito do alcance social que essas atividades consigam ter no curso dos próximos anos. Eu acho que o caminho para isso é o caminho das legislações específicas. Quer dizer, é mais provável que você consiga avançar topicamente e lá na frente você possa até traduzir isso numa legislação de amplo alcance, do que imaginar que você vai fazer uma regulação social pública ampla. Porque cada... Não, eu acho que ele pode... É, eu estou pensando... É que minha preocupação hoje é que você tem formas de contratação de assalariado que está com... tanto... Executivo de empresa, muitas vezes é PJ ao invés de ser... É. PJ, na verdade, é muita tentativa de quebrar isso, por exemplo. PJ é um exemplo disso. Mas tem PJ e PJ, porque PJ virou... A Globo contrata todo mundo com PJ.
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Exatamente. Certo? Mas isso, pela justiça... Mas ela não reclama porque estão... Como a Globo. Mas virou um passivo enorme, certo? Então... Agora, o que eu acho que é possível é o seguinte: é você prever a possibilidade de diferentes modalidades de contratação. Então você ter um contrato para o mercado formal estruturado, um contrato para esses segmentos diferenciados. Mas essa é uma equação difícil de ser fechada, primeiro porque cada frente dessa aqui... Veja o caso da... Você não consegue fechar contratação para terceirizados. O debate dos terceirizados está aberto até hoje. Hoje ele ainda não está apresentando lá para a Dilma o... Entendeu? Quantos anos faz que está isso? Faz dez anos que está essa brincadeira, certo? Então, quer dizer, você pode imaginar isso aqui. Qual é a equação difícil de fechar? Como é que você, por exemplo, regra a terceirização, sem engessar a terceirização, mas ao mesmo tempo sem fazer da terceirização um instrumento de flexibilização do mercado formal, daquelas atividades fim? Essa é a equação. Dependendo da solução que você dá, você mata a terceirização. Dependendo da solução que você dá, você inviabiliza, você cria um embaraço para o trabalhador formal. Então aqui tem um tensionamento entre essas duas áreas. A mesma coisa que você pegar o caso que você citou da PJ. A pessoa jurídica... Em vários casos, o próprio trabalhador quer a pessoa jurídica, mas em outros casos a pessoa jurídica é a maneira que a empresa encontrou de burlar. No jornalismo é a mesma coisa. Como é que isso é resolvido hoje? Onde tem relação de subordinação prevalece a legislação formal, mas essa resposta... Porque a legislação nem sempre pega essa heterogeneidade. Eu penso, por exemplo, no caso também do GT8 dos motoboys. Eles são entendidos como autônomos, só que vendem o seu serviço como PJ. E eu, na época, conversando com eles, eu lembro: nenhum juiz daria contratação porque ele é dono da moto, então... Ele é um empreendedor individual. Ele pode ser... Ele é empreendedor individual, mas ele tem uma subordinação extrema do contratante do serviço, que determina hora, determina em quanto tempo ele vai de um lugar para outro. É. O que você poderia... Quando a gente apostou na ideia da negociação coletiva é justamente isso. Porque se você tem instrumento [palavra ininteligível] [92’40]... Você tem associações de motoboys. A associação de motoboy negocia os parâmetros, estabelece, via contrato coletivo, o seguinte: os parâmetros para cumprimento da jornada, como... Porque ele... Essa é a dificuldade, certo? Na lei fica muito difícil fazer isso, porque a rigor a lei já existe. Você poderia fazer o quê? Aplicar a lei. O que faria o advogado, pegando o caso do motoboy? Ele iria caracterizar o vínculo e a subordinação. O cara é obrigado a cumprir jornada, o cara... entendeu? O cara responde diretamente a um único... Isso que é mais difícil. Nesse caso ele não responde, não é? Então. Ele responde para vários... Então, se ele trabalha para vários... O que você poderia ter? O que você poderia ter era o seguinte: era uma associação de motoboys fixar, junto com os demandantes, ou estabelecer através de uma interveniência do poder público... Aí nesse caso, sim, mas é um... entendeu? É um segmento específico. Aí você olha para o segmento e diz assim: “Bom, aqui é o seguinte: nós vamos estabelecer algumas regras que vão disciplinar a contratação dos serviços de
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motoboy. Os motoboys, para serem contratados pelas empresas... As empresas têm que obedecer aos seguintes quesitos, que vão zelar pela segurança, pela presteza do serviço e pelas garantias do motoboy. A empresa tem garantia do serviço, o motoboy tem garantia da sua remuneração – o [palavra ininteligível] [94’33] e você tem critérios, ou seja: “Olha...” Agora, isso você tem que olhar o setor e ver o que é importante regrar? O importante é regrar o seguinte: só vai ter condições de atender tantos pedidos por dia. Ou o atendimento de pedidos estará sujeito a uma jornada mínima, ao período mínimo de cobertura de 20, 30 minutos. Eu estou especulando. Aí você vem e pode criar algum tipo de norma, alguma coisa para regrar isso aí. Mas não... Não vejo como você fazer isso por meio de... Quer dizer, fazer, por lei... A lei aceita tudo. O problema é o seguinte: você começa a amarrar, amanha ou depois o próprio motoqueiro não quer porque não consegue emprego, e para o empregador aquilo deixa de ser uma solução, entendeu? É o problema. É que era o problema que a gente tinha... Mas tem que pensar também em quem é que paga os custos disso, na verdade. Como é que eram os problemas que a gente tinha, por exemplo, com o problema da jornada de almoço, tá? O pessoal dizia o seguinte: o empregador e a empresa queriam reduzir a jornada para 45 minutos, para ter a manhã de sábado livre, para não trabalhar sábado. Aí vem a fiscalização e diz: “Não. O horário de almoço tem que ser pelo menos 1 hora.” Pelo menos 1 hora, 1 hora e meia. Acho que era 1 hora e meia. Ele diz: “Eu não quero uma hora e meia de almoço, primeiro porque tem refeitório, segundo porque eu não saio da empresa, terceiro porque eu posso sair mais cedo e não preciso trabalhar no sábado. Então o que a gente estava querendo fazer? Manter a lei, manter a norma geral e excepciona a contratação coletiva. Onde? Onde os trabalhadores estiverem organizados na empresa e forem ouvidos. Houve uma consulta aos trabalhadores, os trabalhadores querem reduzir horário de almoço para 45 minutos... Porque nenhum de nós gasta 2 horas para almoçar, você concorda? Eu, em meia hora... Entendeu? Então é o seguinte: vamos reduzir, tá? Tripudia. Esse tipo de coisa... Por exemplo, não adianta você tentar resolver esse tipo de coisa na lei. Ou você cria mecanismos de contratação, estrutura essas contratações e dá a possibilidade de você regrar e ao mesmo tempo ter flexibilidade (poder modular o segmento, porque as situações são as mais diferenciadas possíveis) ou, do contrário, toda a tentativa de legislação, ou ela é especifica para aquele segmento, ou o alcance social dela se dilui, ou ela vira uma amarra – ela começa a engessar –aí o próprio cara que buscou a lei muitas vezes fala: “Isso aqui me criou um embaraço.” Mas, é isso. Ajudei? Bastante! Mais do que imagina.
FIM DA ENTREVISTA
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ENTREVISTA COM ASSESSOR DA SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO
Enfim, ... Eu fiz, semana passada, uma entrevista com o Marco. Aí pensei em fazer com você, uma vez que você, também com a gente, teve um histórico. Claro. Então, primeiro... Talvez seja mais um bate‐papo, eu não tenho... Sim. Mas saber... Primeiro essa pergunta: como que você acha que a regulação hoje que regula o trabalho, o mundo do trabalho, entende o trabalho atípico, que é muito diverso. O trabalho atípico é... Aí há uma questão que se coloca, para mim, na frente. O que seria o conceito de trabalho atípico, para a legislação? Eu acredito que, para a legislação, não há, vamos dizer assim, atipicidades no trabalho, não é? O que há é uma caracterização jurídica de formas de trabalho, sendo que a forma predominante, no caso brasileiro, e ai por uma herança cultural e jurídica do modelo europeu, principalmente italiano, a forma prevalente de trabalho no ordenamento jurídico é a relação de emprego. Então esse é o contrato: privilegiado... a forma contratual privilegiada. É sobre ela que o conjunto da legislação trata e aborda. As estruturas do mundo do trabalho estão vinculadas a essa modalidade de trabalho porque ela, historicamente, se reportou a quase totalidade das relações de trabalho genericamente existentes, na realidade. Então tudo se ocupava dela. A partir da década de 80, no Brasil, isso sofreu um processo de mudança principalmente na segunda parte... na parte final da década de 80, com força na década de 90, nós só vamos ter, digamos assim, uma relativização disso nos anos 2000 em diante, na última década. Isso se deu em que contexto, em que cenário? Anteriormente a esse processo, você tinha uma relação dominante, que era a relação de emprego – e ainda o é – protegida pela CLT, com todas as suas formas contratuais claramente definidas, a figura do empregador muito fácil de ser identificada, a figura dos empregados também muito fácil de ser identificada. A partir da década de 80, dentro daquele processo de globalização, que aí no mundo do trabalho ele vai, ele acabou tendo conseqüências bem claras e fáceis de definir, com a introdução de práticas precarizantes no mundo do trabalho, e essas práticas precarizantes normalmente elas se travestiram e se utilizaram de denominações que buscavam afastá‐las da denominação típica, ou seja, da relação de emprego. E aí você poderia dizer: juntamente com a criação dessas formas atípicas surgiram, é claro, os postuladores da sua defesa, conceituando e fazendo a defesa delas, não é? O que se buscou na década de 80 e na década de 90 era uma justificativa que do ponto de vista de... O modelo trabalhista brasileiro estava ultrapassado, equivocado e precisaria ser mudado principalmente em relação às demandas colocadas pelo processo de globalização, e que a solução para isso, a modernidade para isso era você, de alguma forma, romper com o conceito de patrão e empregado existente e dominante na realidade brasileira. Ou seja, romper o conceito padrão de relação de emprego e introduzir novas formas que dessem maior flexibilidade, maior agilidade ao mercado de trabalho. Essa é uma faceta. Então vão surgir aí terceirizações ilícitas, sindicatos de trabalhadores avulsos, não agasalhados pela legislação, que não poderiam existir; você vai ter empresas de trabalho temporário oferecendo mão‐de‐obra em locais que não poderiam existir, que seriam de típica relação, ou onde fosse proibida a terceirização de mão‐de‐obra; você vai ter o surgimento de estágios fraudulentos, e aí você vai ter pelo menos umas 3 ou 4 modificações da legislação do estágio; e
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você vai ter um fenômeno, que aí você conhece muito bem e perfeitamente, que é a utilização de cooperativas, também para burlar a relação de emprego. Então, assim, surgem, a partir da década de 80, e ainda existem hoje, uma série de formas de contratação que vão aí ter denominações variadas. Hoje, por exemplo, é o PJ – pessoa jurídica individual, não é mais fundamentalmente as cooperativas. Então vão surgindo... Está crescendo muito as PJs? Muito, muito. As cooperativas diminuíram e as PJs estão crescendo. As PJs... Desculpe a curiosidade, as PJs...? Porque já existe faz tempo, mas eu conhecia as PJs num nível profissional dos de cima. Intelectual e superior. Não, hoje não. Hoje ela está banalizada. Executivo etc.? Isso. Hoje um grande apresentador da rede Globo, um Cid Moreira, e tal. Eu tive amigos que trabalhavam, sei lá, em administração de escola. É, mas começou muito também no setor de comunicação, nessa área de jornalismo, tal. Jornalismo. Exatamente. E hoje... Mas hoje não. Hoje, assim, você pega a área de informática, você pode chegar em determinadas empresas, está todo mundo PJ. Ah é? É. E todo mundo absolutamente subordinado. Às vezes você entra em determinados espaços de trabalho, em empresas de informática, de tecnologia, que você não tem ninguém que é empregado, todo mundo... Você tem 100, 200 trabalhadores sentados no seu escaninho – são PJs. Nós já os identificamos no passado como cooperados, não mais, porque formou‐se a jurisprudência, que descaracterizaria facilmente esse tipo de fraude, e aí você foi migrando. Foi uma denominação nova, até que você consiga combatê‐los. Então teve muito disso. Muito disso não. O que foi predominante a partir da década de 80, como novidade no mercado de trabalho brasileiro, foi a tentativa de fraudar a relação de emprego e aí buscando formas diversas, entre elas cooperativa. Mas também teve outro tipo de coisa, por exemplo, experiências auto‐gestionárias de trabalho, e aí, no caso das cooperativas, surgiram também de forma positiva. Mas isso é minoria. Por exemplo, associação de catadores de lixo, que no início começaram nem como cooperativas, mas como associações mesmo. Algumas migraram, se transformaram em cooperativas e realmente foram formas, foram novidades e formas diferentes de organização do trabalho e que não necessariamente tem, vamos dizer assim, uma recepção do ponto de vista institucionalmente jurídico, da institucionalidade jurídica, tá? Às vezes... Não tem isso aí? Eu acredito que... Pelo menos eu vejo dessa forma, não é? Por exemplo, uma associação não se presta muito ao papel de organizar, por exemplo, a mão‐de‐obra de catadores de lixo, mas seria mais para fazer a defesa deles, em aspectos diversos, mas não para organizar mão‐de‐obra. Talvez... Agora como uma tipificação como trabalhador, que você disse. Sim. Teve uma tipificação homogênea, que é uma relação de trabalho... Emprego. De emprego.
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Quais outras? O trabalhador, do ponto de vista jurídico de uma cooperativa, ou mesmo de uma associação, seria classificado com autônomo? Seria classificado com autônomo. Quais tipificações na legislação, hoje, existem? Você tem uma tipificação que é a dominante, que ela atinge no mínimo mais de 80% da mão‐de‐obra hoje, que é a relação de emprego e que aí se enquadra lá na consolidação das leis de trabalho, e ela... Quando você fala 80%, é incluído aqueles que estão regulados pelo contrato e aqueles que estão precarizados? Que não... Isso. É, é o que vou dizer – ia dizer. Veja bem, dentro desse grande mundo, dessa grande massa de trabalhadores no Brasil, que estão em típica relação de emprego, você vai ter aqueles que estão formalizados e aqueles que estão informalizados, mas estão informalizados numa típica relação de emprego. E a legislação trabalhista ela é muito clara. O usufruto dos benefícios de uma relação de emprego, por parte do trabalhador, independem dele estar formalizado ou informalizado, mesmo que o contrato não seja formal, por escrito, que a carteira não esteja assinada, os direitos deveriam estar sendo pagos para ele. E se não foram durante o contrato, ele pode ao final, mesmo num contrato informal, procurar o ministério do Trabalho ou a justiça do Trabalho para garantir os seus direitos – e certamente o fará, não é? Grande parte dos trabalhadores se submete a um contrato informal, com a supressão de benefícios como o FGTS, recolhimento da previdência, mas quando ele sai, ele sabe que se ele for... Que ele deve ir à justiça, e ele vai na maioria da vezes. Então a maioria da relação do individuo com o trabalho se dá nesse marco da CLT e da relação de emprego. O que não está nessa relação são os considerados autônomos – em tese, autônomos. E o que é o autônomo? É aquele que não está numa relação subordinada, onerosa, não‐eventual, enfim, com todas as características de uma relação de emprego. E nesse feixe dos autônomos você vai ter diversas possibilidades: o cooperado é um autônomo, um profissional liberal; um dentista, um médico ou um advogado, todos são autônomos e eles podem vender o seu serviço para empresas ou para um cliente pessoal. E essas formas autônomas de trabalho vão se organizar de diversas maneiras, uma delas é a cooperativa, outra, talvez, uma associação, outra, talvez um escritório de advocacia. Você vai lá, eles estão organizados, mas são todos autônomos e vão prestar serviços. Mas, do ponto de vista jurídico, as duas classificações que têm é empregado ou autônomo? É. E o autônomo vai se dividir em diversas possibilidades. E têm alguns muito atípicos, não é? Como, por exemplo, o caso do estagiário, que ele nem é autônomo e nem é empregado. Mas é um empregado, não é? Mas para a legislação não é. Então ele não é considerado empregado porque ele não recebe, não recolhe previdência, não... Ele tem o seu caráter especial de aprendizado. É, tem. Que não acontece de fato. Isso. Exatamente. Ele acaba sendo fraudado e explorado, como qualquer outro trabalhador. Então você tem o trabalhador formal ou informal numa relação de emprego, que é o modelo dominante, protegido pela legislação hoje em vigor; você tem os autônomos – e aí os
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autônomos eles vão estar identificados com diversas denominações: de cooperado, profissional liberal etc. e tal. Porque se eu não estiver com a memória... Eu lembro que uma vez, conversando com a Ruth, ela falou dos autônomos e, quando a gente falou de cooperativa, ela falou: “Do ponto de vista do direito do trabalho, os autônomos se aproximam muito mais de um empregador do que de um trabalhador hiposuficiente.” Sim. Ele não é hiposuficiente, mas ele também não é dono dos meios de produção na sua... Essa é uma característica grande dos autônomos: eles não são donos dos meio de produção. Normalmente eles vão vender a sua força de trabalho, o seu conhecimento, para alguém que tem os meios de produção. Ele vai fazer isso de forma autônoma, não é? Algumas formas de organização dos autônomos garantirá a eles os meios de produção. Por exemplo, uma cooperativa garantirá, ao conjunto de autônomos que se filia a ela, os meios de produção para eles exercerem a sua autonomia. Mas, individualmente, nenhum deles é dono do meio de produção, não é? Eles são donos de forma coletiva. Então essa é uma característica realmente singular ao autônomo, na minha opinião. Ele não é protegido pela legislação do trabalho porque não é considerado hipo‐suficiente, portanto não é subordinado a um patrão detentor dos meios de produção, mas... Mas você não acha que ele é? Daí uma pergunta. Há autônomos e autônomos. Mas se pegar um exemplo, um que, para mim, no GT‐8 chama muito atenção, que eram os motoboys. Tem os motoboys, que são empregados etc., mas tem uns que... São livres. Trabalham com autônomos, são livres, 1 hora para cada... Sim. Eu lembro da liderança deles falando: “Ó, a gente, apesar de não ter um patrão fixo, a gente tem uma... Ele está pulverizado, mas a gente está subordinado aos contratantes do serviço.” Sim. Aí é que está. O liame que vai existir entre alguém subordinado e protegido pela legislação do trabalho e um trabalhador efetivo e genuinamente autônomo é muito... Vamos dizer assim: é um fio da navalha, para você fazer essa distinção. E por que é o fio da navalha? Porque você pode se apresentar como autônomo, ter um contrato formal como autônomo ou como prestador de serviço, e na execução do contrato você acabar se... sendo levado, na execução do processo, a um processo de subordinação. Então na relação que nasce autônoma e não subordinada ela pode, ao longo da prestação do serviço, acabar se tornando subordinada. Por exemplo, no caso de um motoboy. Se o motoboy, para exercer as funções dele, por exemplo, a entrega de correspondências para uma determinada empresa... Um determinado escritório de advocacia, ele tem uma série de documentações para entregar e resolve fazer isso através de um serviço de motoboy. Uma coisa é você entregar lá para a empresa de motoboy, através do seu prestador de serviço, toda a correspondência que tem que ser entregue durante aquele dia ou aquela semana. Outra coisa é alguém lá do escritório de advocacia ficar ligando para o motoboy todo o dia, controlando o horário dele (que horas que entregou, que horas que não entregou, como é que está fazendo a entrega), entendeu? Essa... O cotidiano da relação é muito complexo e pode levar à existência da subordinação. Essa subordinação então tem o caráter... (Que eu acho que como a legislação... Você me corrige, se não) da pessoalidade do mando. Isso. Exatamente. Porque o motoboy pode ser subordinado, mas não a uma pessoa, mas a uma situação...?
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É. Por exemplo, se uma empresa contrata um escritório... uma empresa de construção contrata um serviço de motoboy, ela vai contratar o serviço, mas não a pessoa do motoboy X ou Y para prestar aquele serviço. Se ela, no contrato, já estabelece que ela vai contratar o motoboy X ou Y, isso já fica complicado. Então vamos supor que o motoboy não está ligado a nenhuma empresa de motoboys, vamos dizer assim, a nenhuma associação de motoboys, a nenhuma cooperativa de motoboys. Eu sou motoboy e quero vender... Tem uma... Eu pus lá no jornal um anuncio... É, isso... Eu faço o meu registro como PJ, como pessoa jurídica individual, e identifico lá: “Sou um motoboy”, e vou vender o meu serviço no mercado. Já é complicado para quem vai contratar, não é? Porque ele vai fazer um contrato com uma pessoa física. É claro que é um PJ, mas atrás do PJ só está o quê? Uma pessoa física. Então já há aí uma possibilidade clara de descaracterização e se na prestação dele como pessoa física, no cotidiano, vai ser muito mais ele ficar recebendo ordem do se fosse um motoboy hoje, outro amanhã, outro depois. Então o exercício da autonomia de um trabalhador, se ela for exercida individualmente para o tomador de serviço, ela tende a ser mais facilmente caracterizada como relação de emprego, do que se esse indivíduo autônomo estivesse organizado coletivamente. A organização coletiva, para ele, o fortalece enquanto indivíduo prestador de serviço autônomo. Posso pegar outro exemplo, só para... Sim. Enfim, o taxista. Porque em Brasília é muito comum você ver os taxistas... que é um modelo típico de profissão autônoma, não é? Sim, claro. Por outro lado, quando você conversa com os taxistas, eles têm jornadas de trabalho de 24 horas, quando... Hum, hum. Ou mais, não é? Ou mais. Eles têm uma dependência não de um patrão, mas muitas vezes de um pagamento para aquele que é... Para o dono do carro. Pagamento para aquele que aluga o carro etc. Como que a legislação vê um caso desse, por exemplo? Porque de certa maneira ele não é um... Com certeza ele não é um empregado. Com certeza. Veja bem, no caso dos taxistas, com certeza um empregado ele não é. Colocando em tese a questão, não é? Porque o que acontece com os taxistas hoje? Você tem uma minoria de taxista que são proprietário do carro e da chamada placa – da autorização. Isso é minoria, que está nessa condição. A maioria de quem é taxista, ou seja, de quem está dirigindo os taxis nas ruas, é de diarista. Por quê? Porque se transformou um negócio economicamente rentável você ter a licença. Então você tem a licença, mas você não trabalha. Você não vai trabalhar com a licença. Tem indivíduo aí que tem 50 licenças – é claro que de uma forma dissimulada. Então ele não vai dirigir, ele tem um negócio de licença de táxi que ele vai alugar; de licenças e de carro. Ele aluga... Quem alugou, que é o taxista, vai pagar diária para esse empresário. Seria, em tese, possível você estabelecer uma relação de emprego? Dificilmente. Porque não é uma contratação do trabalho, por parte desse permissionário, dessa licença e tal, ele está alugando o carro claramente, alugando o carro e a permissão para uma diária, e o taxista vai fazer a jornada que ele quiser. O dono do carro lá e da permissão não vai impor a ele a jornada. Só para...
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Sim. Como quiser, entre aspas, não é? Sim. Porque a questão econômica... O mercado vai obrigá‐lo a fazer uma jornada, escorchante e tudo. Mas, assim, você pode ter uma pessoa nas piores condições de trabalho – nas piores –, mas isso não significa que juridicamente você vai considerar transformá‐la em empregado, não é? Ele pode realmente... Você não precisa transformar em empregado. Mas existe algum mecanismo jurídico que dê proteção para esse trabalhador? Porque não tem os vínculos de emprego, mas você percebe... Não há. Aí é que é o grande problema. Porque assim, a legislação brasileira não cuidou, ao longo desse processo de aparecimento dessas figuras do trabalhador autônomo, de legislar de forma a protegê‐lo. Não legislou, não é? Você tem, por exemplo, a figura do... Existem países que tem legislação sobre isso? Só por curiosidade. Eu acredito que a Itália, principalmente funcionários chamados para‐legais, que são aquelas figuras que estão entre o autônomo e o subordinado. A Itália tem essa experiência. Eu pergunto tudo isso porque eu acho que teve toda a pressão dos anos 80, 90, desemprego etc. e todo o movimento de flexibilização da legislação e precarização do trabalho. Sim, sim. Agora, houve concomitante uma mudança na estrutura produtiva que essa pessoalidade do emprego... A planta de fábrica tradicional fordista mudou. Mudou, claro. E daí é muito mais difícil você fazer essa linha divisória entre subordinação e autonomia. É verdade. É verdade. É interessante isso que você está falando porque, realmente, a forma de produzir das empresas mudou, passou a exigir um perfil diferente do trabalhador... Mas é incrível. Assim, porque todas as tentativas que se fizeram de mudança da legislação, na década de 80 até hoje, foram de precarizar a aplicação da legislação seletista da relação de emprego. Eu estou para dizer para você que elas não lograram sucesso. É como se fosse uma... uma tentativa, assim, uma guerra medieval de alguém derrubar um castelo desses medievais, de pedra e não conseguisse nem abalar minimamente as estruturas. Ainda bem! Porque senão... [Risos] É. Fizeram alguns pequenos estragos, depois causou grito, todo mundo achava que ia invadir, mas não conseguiram invadir. Então a legislação do trabalho hoje, fundada na relação de emprego, continua tão sólida quanto antes. E mais sólida ainda as instituições públicas que sobrevivem dela, tipo justiça do Trabalho. Vê aí como é que está a justiça do Trabalho, não é? Ministério Público do Trabalho, a própria inspeção do Trabalho, estão todas sólidas. Isso é um demonstrativo de como a legislação do trabalho continua sólida. É claro que muitas pequenas coisas foram introduzidas na legislação em algum momento e tiveram sucesso, do ponto de vista da precarização. Por exemplo, cooperativa de mão‐de‐obra foi utilizada durante um período com sucesso para precarizar. Mas como essas instituições funcionaram relativamente bem, logo depois de alguns anos começaram a levar pedrada e foram buscar outra coisa, que é hoje o PJ, buscaram estágio e tal. Mas o que eu queria dizer? Que apesar de ter havido essa tentativa de precarizar a legislação,
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não houve... Por parte de quem realmente está trabalhando como autônomo, e numa alternativa ao mundo do trabalho da relação de emprego, não houve quem propusesse um ordenamento jurídico disciplinador e protetivo para esse pessoal, talvez pela fragilidade que eles se encontram no conjunto do mundo trabalho. Taxista. Não tem mais desorganizado do que taxista, não é? E assim, quando você fala: “Como é que os taxistas estão organizados?” Você não tem a dimensão do nível de exploração que existe lá na prestação desse trabalho, entre teóricos taxistas e os verdadeiros taxistas. Ninguém... As pessoas não têm essa noção, acham que é tudo mundo a mesma coisa, quando fala que é taxista. Não é. Uns detêm carro e a permissão, nem dirigem o carro, e outros não detêm nada e só estão vendendo a força de trabalho e sendo explorados. Não serão, com certeza, socorridos pela legislação tradicional do trabalho, porque você não vai encontrar os elementos caracterizadores da relação de emprego e, ao mesmo tempo, eles não têm nenhum ordenamento jurídico que vai protegê‐los. Não tem. Em tese, o que deveria fazer um taxista? – esse que não é dono da permissão e do carro. Ele deveria se filiar a Previdência Social como autônomo (não é verdade?) e tomar o cuidado de todos os meses fazer o recolhimento previdenciário na sua condição de autônomo como taxista. Nunca fizeram. Então, se sofrem um acidente de automóvel, a pessoa não vai ter sequer seguro e a proteção previdenciária. Mas uma proposta... Não vai ter aposentadoria e tal. Inclusive se ele quiser fazer um seguro saúde, o seguro saúde não vai aceitar. Isso. Não vão aceitar. É, porque... É uma situação completamente... Exatamente, de risco e tal. Então, assim, algumas prefeituras, por exemplo, hoje exigem que o taxista, mesmo esse diarista, para ele estar dirigindo, ele tem que comprovar lá regularmente, de 6 em e meses, em ano em ano, a comprovação à contribuição previdenciária. Belo Horizonte é um caso desses. É um problema da previdência, mas não é um problema, por exemplo, de um cara [trecho ininteligível] [25’56]... Jornada. Não, não resolve. Ou condições de segurança e saúde. Não resolve porque você não tem nenhuma legislação que estabeleça jornada para autônomo. Você não tem. Você acha que dá para pensar nisso? Eu acho que deveria haver. Acho que deve e é uma necessidade, e é uma necessidade desse desen... Claro que a figura do taxista é muito mais antiga e anterior do que esse processo que nós estamos falando aqui que começou na década de 80. Eu estou pegando como exemplo o taxista, mas... É uma impressão. Sim. Inclusive como as mudanças foram limitadas no Brasil... Mas de qualquer jeito as mudanças produtivas, do ponto de vista econômico mesmo, do... Não acabou inteiramente, mas o fordismo dá uma mudada no Brasil e o toyotismo... Claro.
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Tem vários sociólogos do trabalho que falam: “Você não pode, para entender o mundo do trabalho, olhar apenas para a planta industrial, mas tem que olhar para a cadeia produtiva. Sim. É verdade. E na cadeia [produtiva] as pessoas se ligam de diferentes maneiras. Tem casos que você vai conseguir ver subordinação clara, e casos que não é clara a subordinação, mas há uma dependência do topo da cadeia. É, eu acho que uma tendência dos últimos anos, e ainda é uma tendência presente, é dos grandes empreendimentos dos empreendedores de tentarem, vamos dizer assim, passar para outros suas obrigações. É que tem terceirização mais selvagem, que é aquela mão‐de‐obra pura, mas tem um negócio... A mudança, a diminuição das plantas industriais e as micro e pequenas empresas, que ocupam aqui o... Claro. Você vê isso muito bem na indústria automobilística. Exatamente. Que não significa necessariamente informalidade da mão‐de‐obra. Ou também não significa necessariamente formas atípicas de trabalho. Mas a minha impressão é que, ao você colocar em micro e pequenas empresas, não vai significar necessariamente, mas a brecha de conviver informais, formais... É muito maior. Pessoas que não são consultoras poderiam ser caracterizadas como autônomos e não são. E não são. É esse o fenômeno, hoje, no Brasil, que é o fenômeno da terceirização. Ele existe, é crescente – hoje ele deve estar no seu maior momento, claro, com muito mais cuidado das empresas hoje, do que passado. Não no cuidado de... talvez no cuidado de buscar um modelo de terceirização que fique mais difícil para gente, da fiscalização e das outras instituições do mundo do trabalho, de descaracterizar, mas sempre no sentido de garantir maiores lucros e maior mobilidade para o sistema produtivo da empresa. Porque uma das características que ocorreu no Brasil, nessa questão da terceirização, é que a terceirização, em pouca medida, foi uma opção para garantir maior dinamismo no processo produtivo das empresas. No Brasil ela teve, e ainda tem, uma característica muito perversa, que é diminuir custos da mão de obra, não é? Isso é claro. E essa ainda é uma situação presente. No Brasil e no mundo, não é? É. Isso. Veja a Nike, que pôs sua planta industrial lá na Indonésia, para... Isso. Exatamente. Então, assim, é claro que quando você terceiriza, mas ainda terceiriza dentro do marco da relação de emprego, é claro que o terceirizado, provavelmente o acordo coletivo dele vai ser pior do que o da empresa tomadora, o salário base vai ser menor do que o da empresa tomadora, mas ele ainda vai ter a proteção social, vai ter o recolhimento do FGTS, a garantia previdenciária e tal. Menos mal. O problema é quando nesse processo você terceiriza e já nem terceiriza dentro do marco da relação de emprego, ou seja, terceiriza fora do marco – seja com cooperado, seja com PJ –, com as diversas formas de trabalho autônomo, porque aí realmente o trabalhador vai ficar num mundo de cão. E por que ele vai ficar num mundo de cão? Porque vai ser julgado tudo em cima dele em relação à responsabilidade, vamos dizer assim, de fazer um investimento
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previdenciário. Porque se ele não recolher a previdência, e a maioria deles não vai recolher, por quê? Porque não tem mesa[?] [30’25], não tem recurso o suficiente para fazer o recolhimento e sobreviver, então vai sempre jogar para o dia seguinte o recolhimento da previdência, não é? Vão ficar absolutamente desprotegidos, e claro que no cotidiano o acesso deles aos ganhos do mundo do trabalho são muito piores do quem está ainda sob a proteção da legislação de emprego. Então esse é o grande problema hoje. Você poderia falar assim: “Ah, com o desenvolvimento tecnológico, com o desenvolvimento do sistema de produção das empresas se permite mudanças e formas atípicas no mundo do trabalho, de relação entre quem vende o trabalho e quem compra.” Talvez possibilitasse, mas não houve, no Brasil, uma construção de legislação que disciplinasse esse pessoal, que dissesse: “Olha, a previdência deles pessoal vai ser da seguinte forma, os direitos deles são no mínimo esses, jornada tem ser minimamente disciplinada.” Não houve nada disso. Todas as tentativas que ocorreram foram no sentido, para dizer “não é trabalhador subordinado.” E aí vai se virar. É isso. De proteção para o trabalhador subordinado, você pega só a base das cooperativas. Aí você tem uma legislação minimamente protetiva, inclusive para as cooperativas de trabalho. Mas fora do arcabouço jurídico das cooperativas não tem mais nada, aí o cara está a própria sorte. Se ele for um trabalhador autônomo que vende grande conhecimento intelectual (um advogado, um médico), aí ele vai ter relativa capacidade de negociação. Mas se ele for um trabalhador autônomo de funções básicas, dentro do trabalho produtivo controlado, ele vai estar na miséria, como por exemplo o trabalhador na área de tecnologia. Vou te dar o exemplo de alguém que eu conheço e que trabalhava nessa área de comunicação. A antiga Brasil Telecom, que era estatal. Houve agora, não é? É, que depois virou Oi. Ele era praticamente trabalhador estatal, porque a empresa era estatal, antes do processo de privatização. Então entrou por concurso, aquela coisa toda. Tinha um ótimo padrão salarial etc. e tal, todos os benefícios, participação em lucro e o diabo a quatro. A empresa foi privatizada. Ele foi mantido na empresa, o padrão salarial se manteve, a categoria é relativamente estruturada e tal. Depois de alguns anos a empresa se reestruturou completamente. Então, por exemplo, todos os setores de inteligência que eram... que ficavam aqui em Brasília (a empresa era daqui), foram mandados para Santa Catarina e para o Rio de Janeiro. Qual foi a opção deles? Primeiro, demitiram uma grande parte. Simplesmente demitiram, com o pagamento de todos os direitos trabalhistas. A outra parte tinha que optar: ou você ia para Santa Catarina e para o Rio de Janeiro, ou pedia demissão. No caso dessa pessoa que eu conheço, pediu demissão. E aí o que ele fez? Ofereceu a mão‐de‐obra dele nessa área de telecomunicação aqui em Brasília. Ninguém se dignou a contratar como mão‐de‐obra... relação de emprego. O que ele teve que fazer? Todos os empregos, todos os trabalhos que eram oferecidos para ele, ofereciam desde que ele constituísse uma pessoa jurídica individual. Aí ele conseguiu. Mas o mais interessante nesse processo é que ele entrou com a pessoa jurídica individual, mas ele ficou de olho, para ver se aparecia alguma oportunidade como trabalhador formal, com proteção. Aí apareceu. Aí ele foi lá na empresa. O salário era um pouco menor do que ele ganhava como pessoa jurídica. Ele foi lá, entregou a carteira de trabalho e contrataram. Três dias depois... E saiu do contrato de pessoa jurídica. Três dias depois, o gerente daquela empresa onde ele trabalhava como pessoa jurídica... Chamou ele. Descobriu que ele estava trabalhando lá na outra empresa como empregado. Chamaram ele lá na empresa, que ele estava como [ininteligível] [34’28] e falaram: “Olha, você vai ter que pedir demissão e voltar para prestar o serviço à outra empresa porque nós temos um acordo de
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cavalheiro no setor empresarial, que ninguém aceita mão‐de‐obra noutra empresa.” Olha a sacanagem do mercado! Isso é pior do que escravo, não é? Pois é! E ele falou assim: “Eu vou ter que voltar, porque eu tenho que sobreviver.” Eu falei assim: “Olha, isso é pior do que ser escravo. Os caras são donos de você.” Que absurdo, não é? É absurdo! Então o mundo do trabalho, para essas figuras atípicas, não há qualquer legislação que dê segurança jurídica para essas pessoas. E segurança jurídica significa o quê? Segurança na sua vida. Se você sofrer um acidente de trabalho, você vai ter proteção; que a sua jornada vai ser minimamente, que você vai auferir ganhos minimamente compatíveis com o mercado. Não é nada! Não é nada! A pessoa está jogada às traças! Agora, por que você acha que não teve? Porque bem ou mal, eles são... Pegando nossa legislação trabalhista, surge lá com Vargas, num momento de industrialização intensa do país, e, até os 80, existia um projeto nacional de que... sempre teve lá os informais fora desse modelo. Hum, hum. Mas havia uma perspectiva de... De formalizar. De formalizar a integração deles ao... Nos anos 80, essa equação se inverte. Sim. Não mais na perspectiva de formalizar, mas de expulsar... De desformalizar. Desformalizar. Agora, apesar disso, havia um... Enfim, e a legislação trabalhista foi construída dentro de um projeto nacional, de um... Por que... Eu falei isso... Por que você acha que não há essa proteção? Porque não dá para conceituar juridicamente o informal? Não. Dá para conceituar. Você conceitua juridicamente o que você quiser, não é? Porque... Basta você conceituar determinado tipo de prestação de serviço, determinado tipo de trabalhador, criar uma roupagem jurídica para ele, dizer que ele é aquilo, que tem tais e tais direitos e tais e tais características. Quer dizer, a nossa legislação... Daí eu estou especulando. No trabalhador empregado é fácil fazer isso? Porque você tem de quem cobrar, que é o patrão. Mas na autônoma também. Você poderia criar uma legislação que, por exemplo, o recolhimento da obrigação previdenciária fosse feito pelo contratante já na assinatura do contrato, [ininteligível] [37’17] – enquanto durar esse contrato. Se pegar o caso dos taxistas, ele não tem um contrato... Não. O taxista não tem. Os taxistas realmente... Alguns casos não têm solução. O que você... Qual seria a solução para o taxista? A solução para o taxista é garantir que quem dirigisse fosse dono da permissão. Você não pode deixar esse escândalo que existe em relação aos taxistas, que o taxista não é dono do táxi, não é dono da permissão. Ele é um escravo, entre aspas, de quem é dono da permissão. A permissão do táxi não deveria ser permitida pelo poder público, pelo Distrito Federal, pelas prefeituras, como algo que pudesse ser utilizado como negócio. [trecho ininteligível] [38’02] não deveria, não é? Uma vez caracterizado isso, o cara deveria perder a permissão e a permissão deveria ser dada para quem? Para quem efetivamente
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estivesse dirigindo, não é verdade? Essa é a solução para os taxistas, não tem outra. Mas, para outros casos, há solução para a maioria dos verdadeiros autônomos. Eu não estou me referindo a quem está sendo precarizado e chamado de autônomo. Mas eu admito: há determinados tipos de trabalho que na característica da prestação pode ser feita como autônomo. O problema é: determinados trabalhadores autônomos, se você não criar uma condição para o recolhimento previdenciário para um disciplinamento mínimo de jornada, o indivíduo tende a deixar isso para trás, esquecendo isso. Então você tem que criar formas para garantir que isso aconteça, independentemente, talvez, da vontade dele, não é? Talvez aí, você tributando essas coisas e criando... Você não conhece nenhum projeto, pelo menos, que propõe isso? Não, não há. E eu vou dizer o porquê não há, na minha opinião. Nada se consegue, do ponto de vista de proteção para o indivíduo, sem mobilização – e aí independente das relações de trabalho. Por exemplo, as mulheres só conseguiram direitos como? Lutando. Indo para a rua e lutando. Muitas morreram, não é? E, assim, qualquer que seja, direito é conseguido pela luta, pelo lobby. No caso do mundo trabalho, historicamente, a legislação seletista produzida foi fruto do quê? Da mobilização dos trabalhadores em defesa da relação de emprego. E a legislação foi muito bem construída nisso. Com o ataque a essa legislação ocorrida a partir da década de 80, à que a força trabalhadora organizada se dedicou? A sustentar a legislação trabalhista, não é verdade? E a condenar esses modelos precarizantes. Ninguém com força de organização se mobilizou para criar uma legislação protetivas aos autônomos. Ninguém se mobilizou, não é? E por que você acha que não? Eu que não mobilizou porque esses trabalhadores efetivamente não são organizados. Mesmo se você considerar os trabalhadores ligados ao movimento cooperativo, dentro do movimento cooperativo há uma luta fratricida entre cooperativas agrícolas, empre... proprietários rurais e cooperativa de trabalho. Mesmo as cooperativas de trabalho você tem uns e outros, não é? É. Não há mobilização para fazer reivindicação e garantir realmente a aprovação de algo que discipline. Então, assim, o diagnóstico que eu faço hoje é que grande parte de quem se apresenta como autônomo hoje não é autônomo coisíssima nenhuma, é uma tentativa de fugir da relação de emprego. Mas quem realmente está como autônomo não tem um ordenamento jurídico moderno, contemporâneo que garanta a ele mínimas condições de trabalho no mercado, não é? Deixa eu pegar outros exemplo, só... Daí pensando porque a gente está falando de algumas categorias urbanas e... Agora, por exemplo, tem um leque da produção simples de mercadoria... Digamos, artesões, agricultura familiar são detentores do meio de produção, mas... Como você classifica? São frágeis. São frágeis, são independentes. Não dá para chamar que são classe patronal? Não são, até porque a maioria deles, a grande maioria ou totalidade não tem empregado. Pois é. E se organizam de alguma forma... Alguns não estão nem organizados coletivamente. Você pega, por exemplo, a grande maioria dos pequenos proprietários rurais no Brasil não se organiza coletivamente. O cara tem ali suas vaquinhas, seu cabritos. Ele sobrevive, não é?
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Sobrevive. Os que se organizam coletivamente, e por força dos movimentos sociais, e tal, dessas últimas décadas, ele já tem mais acesso à Pronaf, já tem mais acesso a formas coletivas para garantir maior produtividade. Então, assim, a solução é a organização coletiva. Mas você vai ter outras... Por exemplo, artesão. Também não tem organização nenhuma. Agora, as pessoas não se organizam por quê? Porque elas não têm um histórico de trabalho em coletividade, primeira coisa, e quando elas começam a trabalhar coletivamente, elas não têm um arcabouço jurídico muito favorável a elas. Vai organizar através de associação ou através de cooperativa? E, se você pensar, tanto a legislação de associações, quanto a de cooperativas são legislações bastante antigas que não dão conta dessa modernidade. Então, para essa nova realidade, nós tentamos aqueles projetos lá de cooperativa, colocar isso, colocar aquilo, mas nada disso mudou. Eu ainda tenho esperança que saia disso. Não, eu também! Mas, assim, eu tenho a consciência que... E se sair e você já tiver ido embora, eu vou te trazer aqui para a gente comemorar. [Risos] Será um prazer! Mas eu acho que não saiu por essa falta de mobilização, entendeu? Porque não há. É muito difícil você emplacar a legislação no parlamento se você não tiver mobilização. Porque, olha, aqui chega projeto de lei todo o dia, alguns tentando aumentar direito dos trabalhadores, ou seja, fortalecer esse modelo de relação de emprego, e chegam também um bom número de projetos que visam flexibilizar, precarizar. Semana passada mesmo nós estávamos trabalhando numa aí de um deputado, se não me engano de São Paulo, criando uma nova figura. Como é que ele falava, gente? Um trabalhador... Dentro da relação de emprego, mas que ele tirava contribuição previdenciária e FGTS do trabalhador, você acredita? – desde que tivesse até 24 anos. Se tivesse até 24 anos, você estava fudido! Você não ia ter nem FGTS, nem a contribuição previdenciária. Então aparece muito esse tipo de projeto. Bom, então como é que nós nos organizamos quando aparece esse tipo de projeto. Aqueles que estão dando benefício para os trabalhadores, de acordo, excelente projeto, pela aprovação etc. Porque essa é a nossa mentalidade – das instituições –, de fortalecer o modelo ao qual nós, inclusive, estamos vinculados e sobrevivendo dele. Quando chega um projeto precarizante desse, o que nós fazemos? Nós caímos de pau: é precarizante, visa... é inconstitucional etc. e tal. Mas não chega um projeto assim: “Ah, vamos disciplinar realmente o que é uma figura autônoma de trabalho, nas suas diversas nuances e possibilidades, e com o foco de preocupação, de dar o mínimo de sustentabilidade para o exercício dessa autonomia, porque não chega. Não chega. Vê se você concorda comigo. Porque tem um... Eu acho que o nosso projeto das cooperativas de trabalho foi isso. Enfim, tem um eixo para essas formas, onde eles estão envolvidos em atividades produtivas, como responsáveis por essa atividade. Agricultura familiar, cooperativas de produção etc.Hum, hum. Sim. E que daí um dos grandes eixos, que é o que a Helena Celeste[?] [45’40] é desenvolver políticas públicas que dêem capacidade produtiva, inclusive para propiciar condições mais decentes de trabalho. Claro. Agora, a gente caminhou pouco no sentido de... Não sei se é caminhar pouco ou se é possível caminhar numa proteção social desse trabalho... Eu acho que é possível.
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Para além da previdência, mas uma proteção... De jornada, de ambiente de trabalho... De ambiente. Sim. Eu acho que... Regulação mínima etc. Sim. Eu acho que, com certeza, há de se reconhecer. Essa foi uma preocupação do Prof. Singer desde o início, não é? Ele sempre tentou isso. Aquela coisa do artigo 7º lá no projeto de cooperativas. Mas aí é que mora o grande drama. Porque, assim, é possível você, no parlamento brasileiro, nesse modelo que nós temos, aprovar algo lá, sem que esse algo tenha um forte mobilização social e de organização para bancar? Talvez, se for... se você conseguir convencer o presidente a mandar uma medida provisória. Mas se você for fazer pelo método tradicional, que é mediar um projeto de lei e levar lá, você vai ser derrotado. Vai ser derrotado por quê? Porque você não vai ter acúmulo de força para garantir a aprovação disso. Acúmulo de força... Você tem dois acúmulos hoje, no mundo do trabalho, no Congresso Nacional: um, que é para tentar sustentar a legislação que está lá, da relação de emprego, e outro para tentar destruí‐la ou fragilizá‐la. É isso que você tem. Você não tem alguém propondo (com clareza ética, inclusive) algo positivo para os autônomos. Não tem. Deixa eu fazer uma pergunta em relação a isso. Porque eu... Daí é uma hipótese também que eu tenho. Daí essa figura... Por isso que eu estou chamando inclusive de trabalho atípico, mais do que autônomo, porque... pela diversi... Essa figura, ela... Muitas vezes vem o argumento daqueles que querem destruir a legislação trabalhista como argumento de pressão, falando: “ó quantos estão fora.” Então ele precisa flexibilizar para... Hum, hum. Claro. Para incluir. Então é uma figura incômoda, a minha impressão, esse trabalhador, pelo próprio direito do trabalho. É incômodo porque ele está fora de qualquer regulação e ele vem no argumento daqueles que querem... [José] Pastore é um dos grandes... O que você acha disso e... Porque na verdade você pensar em proteção deles é você inverter um pouco a equação, é você pensar em ampliação de... Ou não? Eu acho o seguinte: primeiro que tem muito discurso teorizando sobre essas questões, e esses discursos são variados e representam interesses variados, não é? Por exemplo, no caso do Pastore, que você citou, ele claramente faz uma defesa de desformalização da mão‐de‐obra, ou seja, ele acha que a CLT não responde mais aos anseios do processo produtivo, e tal, e que você tem que desformalizar a mão‐de‐obra. E aí é banalizar os direitos e todo mundo ficaria incluído na banalização, não é? A equação do Pastore é essa: é a solução pela banalização, não é buscar uma forma de elevar o patamar dos informais ao que os formais têm hoje. Não. É diminuir a dos formais e banalizar todo mundo. Ou seja, tem gente que propõe organizações coletivas de trabalho, de trabalho autônomo, numa perspectiva inclusive ideológica, se os trabalhadores estiverem organizados entre si, vendendo coletivamente a sua força de trabalho, eles vão estar melhor; estariam melhor do que subordinados. Em tese, é possível fazer a defesa. Agora, tirando os discursos do que tem ocorrido, na prática, como é que as coisas estão se dando? Como é que as forças interessadas estão se mobilizando? Do ponto de vista do trabalho autônomo, eu não vejo nenhuma força no sentido de criar um ordenamento jurídico protetivo desse... E eu não vejo de forma... vamos dizer assim, com vergonha, dizer que você tem que proteger o trabalhador autônomo, não é? Agora, você tinha que ter um ordenamento
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jurídico para protegê‐lo minimamente, mas não vejo ninguém trabalhando nisso, no sentido da proteção. E aí vamos esquecer até dos cooperativados, porque eles estão mais organizados, mas vamos pegar mesmo pequenos proprietários, pequenos artesãos, catadores de coco, enfim, essa multiplicidade. Então não há quem se preocupe com isso, e não há por quê? É porque é a parte mais pobre, é a parte menos organizada. E que é... Daí me corrija também: ela é útil para aqueles que querem destruir... Útil no seguinte sentido: nunca esqueço, acho que... Não sei se foi de você, ou da Ruth também, que eu ouvi da situação dos trabalhadores que são aliciados pelo trabalho escravo. Hum, hum. De que eles... Não sei como está hoje, mas havia uma contínua renovação. Ele era libertado para ir e voltar. O que, para mim, mostrava? Que não é um... Enfim, é por contingência econômica que essas pessoas são jogadas para essa situação degradante de trabalho escravo. Claro. Com certeza! E que faz uma pressão sobre todo o mercado, sobre o mundo do trabalho. Sobre o mercado. Claro, com certeza. Então, a pobreza e a situação degradante faz com que rebaixe todo o... Sim. É porque... Veja bem a questão do que o ocorre: sendo prevalente a relação de emprego, sendo ela dominante (e ela dominante a partir de determinados pressupostos – são os requisitos da relação de emprego), se você chega numa sala para fiscalizar, para verificar ali e na entrevista com aquelas pessoas que estão ali vem à tona os requisitos da relação de emprego, pouco se interessa o nome que está se dando ali; se é estagiário, se é cooperado, se é autônomo ou o diabo a quatro, qualquer dominação que tenha ali, não vai interessar, você vai estabelecer a relação de emprego, não é? Muito no que é apresentado como autônomo hoje (a grande parte apresentada como autônomo hoje, no mundo do trabalho), você vai fazer essa precarização, que é uma relação, de emprego. Mas muitas situações não são relação de emprego, e aí cada um vai ter a sua característica. Por exemplo, os taxistas, que você falou, você não vai resolver [o problema] aplicando a legislação de emprego, não é? Não vai. A solução teria que ser outra. Mas você pega, por exemplo, pequenos proprietários rurais, você tem que criar uma legislação. Se você quer protegê‐los e organizá‐los, você deveria criar uma legislação para isso. A legislação de cooperativas ou de associação dá conta disso? Eu acho que hoje não dá, a coisa é muito plural, muito diversa, mas ninguém propõe nada. Assim, por exemplo, no mundo rural, quem é que você acha que poderia ser um ator com ímpeto, para discutir essa questão e fazer sugestões? Eu acredito que a Contag. Eles não estão minimamente pensando isso – minimamente. O universo de discussão da Contag hoje, o universo de problematização deles é daquele mundo anterior a década de 80. Eles não estão preocupados com isso, passa distante, e eles é que deveriam... Então, assim, é muito complexo e eu vejo... Se você me perguntasse assim: qual o diagnóstico do Cepag[?] [53’45] – do que está hoje e para o futuro? Eu não vejo, não tenho muitas esperanças de que isso ocorra, de que venha a ser criada uma legislação que discipline minimamente o trabalho autônomo em toda sua riqueza de possibilidades. Não vejo. Não vejo porque não há pressão para que isso ocorra com qualidade. Há pressão para que ocorra sem qualidade, e aí piorar pode. Eu acho que pode piorar, mas melhorar eu acho difícil. Deixa eu fazer uma pergunta. A Emenda 3, lá, como é que está? Ah, não passou. Não. Nem tem...
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Mas estavam querendo colocar de novo o veto em votação, não é? É, mas... Não acredito. Não... Porque aquilo, com a PJ e etc., iria ser uma reforma...? Ah, ia! Com sucesso. Mas, assim, veja bem, nós já passamos por dificuldades muito grandes nesse processo e aprendemos muito com essas dificuldades, não é? Hoje, um setor empresarial, esse, vamos dizer assim, mais predador no mundo do trabalho, que faz precarizacao a qualquer custo, tal, eles estão numa situação realmente muito pior do que já estiveram. Hoje a jurisprudência é vasta, é fácil você descaracterizar, mesmo que utilize outras denominações para tentar fazê‐lo. Tanto é que grandes empresas hoje estão fazendo um processo de desterceirização, porque elas estão vendo que o custo disso, a médio prazo, para elas está sendo muito grande, e a própria baixa da mão‐de‐obra também. Então, é claro: estão fazendo uma desterceirização, mas não voltando ao padrão anterior também, é claro que com uma nova roupagem, tal. Mas elas estão tendo mais preocupação com isso, não é? Mas ainda há aquele fenômeno de expulsar o trabalhador para fora da empresa, o trabalho, por exemplo, a domicílio – pelo menos essa área de conhecimento e tecnologia. E aí o cara fica entregue ali. Não há nada regulamentando. Então eu vejo o cenário das figuras atípicas, fora da relação de emprego, seja quais forem, num cenário de dificuldade para o trabalhador. Em alguns casos, é péssimo, mas ainda há um mínimo de organização, como no dos cooperados etc. Mas em outros é vida de cão. E aí você pode pegar formas tradicionais, como dos taxistas, que você citou, mas tem outras formas dentro do circuito mais moderno da economia hoje da área de informática, telecomunicação e tal, que são coisas muito modernas e que para os trabalhadores foi uma situação terrível. É uma situação que é cada vez mais comum, não é? Cada vez mais comum, E você tem... E aí eu faço a crítica, por exemplo, na nossa categoria. Você tem superintendências onde a fiscalização é extremamente tolerante, porque você fazer um trabalho de descaracterização e terceirização dá trabalho, e tem muita gente que não quer ter trabalho, tem um subsídio garantido, e tal, e não vai fazer. Porque fazer um... Para você descaracterizar, terceirizar, você vai ter que fazer um relatório, pesquisar, trazer informações, articular, para depois dar a cacetada. Então faz de conta que não está vendo, infelizmente. Mas é terrível o que tem ocorrido, viu? Você falou da mobilização. Precisa de mobilização. Você não enxerga hoje, para além dos sindicatos dos trabalhadores, outros segmentos de trabalhadores organizados? Em tese, os cooperados, de cooperativa de trabalho. Em tese, não é? Já foram bem mobilizados, pelo menos, assim, institucionalmente as cooperativas de trabalho, através das suas federações, e tal, e dentro do marco jurídico [palavra ininteligível] [57’43], tiveram boa capacidade de mobilização. Eu sou prova disso, porque eu dialoguei com eles. Mas a OCB, ou você...? Não, fora do marco da OCB. Eu acho que a OCB tem capacidade mobilização, mais até do que os outros. Não só os trabalhadores. Mas os outros também sempre tiveram [ininteligível] [58’] etc. e tal. Agora, não sei se porque eu me afastei um pouco, mas, assim, seu senti que nos últimos anos houve um arrefecimento dessa mobilização, não é? Mas, em tese, tem uma estrutura feita que poderia garantir algum poder de mobilização e de buscar alguma coisa. Mas, assim, tirando isso, quem não[?] teria[?] [58’22]? Eu não consigo visualizar. Realmente é frágil.
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Eu vou fazer uma pergunta delicada. Pode ser sincero porque... Sim. Eu [trecho ininteligível] [58’34]. Claro! Não, fica à vontade. Como você viu...? Você é servidor do ministério... Sim. E está aqui antes. Como você viu a criação da SENAES, PMPO, dentro do ministério do Trabalho? Eu vi como oportunidade trazida pelo novo governo, com as características dele de forte mobilização social em torno da eleição e tal. E aquilo que eu te disse desde o início: das expectativas que eu tinha com relação ao governo, do reconhecimento que eu faço do avanço, mas, assim, de que minhas expectativas foram muito atendidas num patamar baixo. Eu achava que podia ter acontecido mais, não é? Eu acho que a criação da SENAES ela, vamos dizer assim, projetou, no início do governo Lula, aquela expectativa que todos nós tínhamos de um avanço muito maior do que ocorreu. E acho que... Assim, convivi com vocês mais intensamente num determinado período, nessa fase final menos, mas eu acho que é aquela coisa: para vocês terem tido sucesso, vocês tinham que ter um nível de convencimento e um projeto tal, diretamente ligado, por exemplo à presidência da República, do ponto de vista de fazer alguma legislação a toque de medida provisória, como era... Chegamos até a defender no caso das cooperativas. Não fazendo isso é realmente... Só se você for trabalhar através da secretaria, acúmulo de força do movimento, tal, mas realmente foi muito frágil. Porque o... Para mim, enfim, o ministério do Trabalho, dos mais antigos da Esplanada, ele foi construído para a legislação trabalhista que foi... A formal, a geração de emprego e tudo. Até os anos 70, acho que não tinha nenhum tipo de política ativa no ministério de... Era fiscalização e relações de trabalho. Daí começa a política ativa, intermediação etc. Sim. Nos anos 90, vêm o Planfor, que escancara tudo no conceito de empregabilidade, daí o auto‐emprego etc. Hum, hum. Eu estou contando isso porque eu acho que quando cria a SENAES e o próprio PMPO também no meio, eu imagino que deve, por causa desse histórico e que eu acho que é o foco do ministério, mas a gente deve ter trazido desconfiança para dentro do ministério de Trabalho. Trouxeram, trouxeram. Nós, no início, achávamos que íamos ter, que nós íamos ter um inimigo dentro de casa, não é? Por quê? Porque a nossa experiência da fiscalização com as formas autônomas e com as organizações que as representavam, era uma relação de conflito, porque na maioria das vezes a gente identificava mesmo fraude à legislação. Então, em determinados momentos, nós tivemos medo da atuação da SENAES. E depois nós compreendemos que estávamos equivocados. Às vezes o discurso do Prof. Paul Singer nos assustava, porque ele muitas vezes fazia um rompimento muito claro com o emprego formal, com o ordenamento jurídico ligado ao mundo formal e aí ele ia aproximar... Ele não fazia uma distinção também muito daquele pessoal da precarização – pelo menos para nós, como chegava aos nossos ouvidos. Depois a gente viu que não, até quando ele fez todo aquele esforço de levar o artigo
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7º para a lei das cooperativas. Dali é que nós realmente percebemos... Vocês viram positivamente aquele artigo 7º? Vimos positivamente porque veio na contra‐mão de quem... de, por exemplo, do Pastore, que quer derrubar a formalização e jogar todo mundo na vala comum, sem proteção. Ali nós sentimos realmente que o professor estava... tinha a preocupação, não é? E percebemos a importância que a SENAI passou a ter para a gente. E as SINAIS têm um papel importante, não é? Mas a avaliação que eu faço é assim: é que ela veio dentro daquela coisa da utopia, que se desejava fazer, das expectativas que a gente tinha com relação ao governo Lula, e aí ele contemplou aspirações da sociedade civil como um todo, de organizações sociais, de mobilização social, como inclusive aconteceu no trabalho escravo. Mas muito daquilo que a gente tinha expectativa não ocorreu, com certeza em relação a vocês aí. No [palavra ininteligível] [63’07] não ocorreu, mas a oportunidade foi dada e ainda está dada. A secretaria está aí, vocês têm um processo de mobilização de vocês e tal. Agora, eu entendo que vocês pagam o pato, enquanto estrutura governamental, de ter uma estrutura avançada que exigiria, para a efetivação dela, uma mobilização social mais razoável, porque ela não é sequer razoável. Para nós é muito fácil, não é? Para nós fazermos enquanto instituição pública a defesa da legislação formal e da relação de emprego é mais fácil, porque toda a estrutura trama a favor disso para nós. Por mais que você tenha mobilização no Congresso precarizante, a complexidade das instituições de defesa do mundo do trabalho formal é tão grande que, realmente, se a gente estiver minimamente organizado e atento, a gente não permite que ocorra, não é? Mas deixa eu fazer uma pergunta sincera. Você acha que cabe ao ministério do Trabalho cuidar do trabalho autônomo e não forma? Olha, sinceramente, eu acho que vocês estão no lugar errado. Eu acho que vocês deviam estar lá no MDS, porque é uma outra perspectiva, não é? Eu acho que quando você aproxima o trabalho formal e a instituição... aproxima o trabalho autônomo, informal... não o informal, o autônomo, da instituição do trabalho formal, você vai ter menos capacidade de atuar e de convencer, entendeu? Eu acho que é um dificultador. Eu acho que talvez vocês teriam mais sucesso se vocês estivessem no MDS, com o discurso de... vamos dizer assim: com a preparação de um arcabouço institucional, jurídico, para as formas não formais de trabalho, e isso estaria muito mais ligado ao processo de desenvolvimento social. Eu acho que aqui não é o lugar adequado, porque aqui é o espaço, por excelência, do trabalho formal, da relação de emprego. Nós vamos trabalhar, na inspeção do trabalho (e acho que as outras estruturas aqui) para que vocês sejam sempre o mais insignificante possível. Essa é a minha impressão. Mas, por outro lado, então eu lhe pergunto: nessa perspectiva que a gente estava falando anteriormente, de que é possível avançar, talvez, numa proteção do trabalho não empregado – os autônomos. Hum, hum. Daí para além do CNAES, não seria interessante o ministério do Trabalho se abrir para essas outras formas, no sentido de... Acho que sim. Seria interessante. Mas o desejado não é sempre o que acontece, não é? A análise que eu estou fazendo para você é uma análise fria, do que eu acho que acontece. Eu acho que a nossa estrutura é uma estrutura toda que trama pelo trabalho formal, principalmente a fiscalização, que ela depende disso para sobreviver. E aí ela tem toda a articulação dela com as outras instituições – com o judiciário e o ministério Público – e ainda
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tem articulação com as centrais sindicais, e os milhares de sindicatos do país que estão ligados, todos os seus interesses, ao trabalho formal. Quando você é um... representa um setor que trabalha com a questão dos autônomos e é colocado dentro dessa estrutura que defende, o cotidiano dela é da defesa do trabalho formal, eu acho que você já entra num... Assim, essa estrutura não vai te permitir muita mobilidade, sempre que puderem vão tentar te cercear o espaço. Então eu acho que, estrategicamente, seria melhor você estar num lugar mais dinâmico, mais aberto, que lhe permitisse maior grau de legitimidade, até para dialogar aqui com a área do trabalho formal. É uma impressão aqui que eu tenho. Eu posso estar equivocado, mas... Agora, do ponto de vista do que aconteceu nesse período, a sua avaliação é que não se avançou (daí a pergunta) numa ampliação da concepção do ministério do Trabalho nesse período, nesses últimos anos? É, eu acho... Qual a minha ideia de o porquê não avançou? Primeiro, eu entendo que, apesar de nós estarmos nos últimos 8 anos do governo Lula, e do Prof. Paul Singer ter sido nomeado aqui – e aí dentro dessa perspectiva do trabalho coletivo, autônomo e tudo –, todos os ministros que passaram por aqui eram ligados ao movimento sindical e com fortes compromissos com o trabalho formal. Então eu acho que todos eles sempre viram a secretaria SENAES... Mas você acha que há uma tensão entre o trabalho formal e o...? Eu acho que há. É? Eu acho que há por causa dessa questão da precarização, não é? Aí é que está a questão, porque ela está contaminada, então, assim... E aí eu sou bem sincero com você: nós tínhamos medo de vocês aqui dentro quando o professor [Paul Singer] veio para aqui. É, eu imagino. E é claro, toda a nossa... Eu imagino que tinha medo e eu acho que... Para mim foi muito positivo, mas todo o debate que a gente teve lá no começo... Refletia isso. Refletia. Refletia visões diferenciadas. Claro. É verdade. Então, assim, com certeza, o cenário para vocês aqui foi ruim, desde o início, porque os ministros eram muito ligados... eram todos ligados à CUT e ao trabalho formal. A Ruth tem uma parte de Economia Solidária também, não é? Tem, mas não com uma prevalência, como algo significativo. É quase como se fosse um adereço dentro da Central, não é? É uma coisa assim, para a primeira‐dama lá dentro da Central, entendeu? E você acha... Aí porque hoje isso daqui tem uma... Enfim, que eu acho importante. Importante não só... Isso aqui é um debate... Com as entidades da Economia Solidária, eu sempre falo isso: “Ó, a relação do trabalhador empregado e do trabalhador da Economia Solidária nunca pode ser uma aspiração de confronto. Hum, hum. Porque era um tema do [trecho ininteligível] [69’36] trabalho etc. Não dá para você disputar
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mercado com... e não... Sim. Por isso que eu... Você acha que há uma tensão...? Eu acho. Do trabalho formal com os outros...? Eu acho que há. Sinceramente, eu acho que foi um equívoco vocês terem vindo para a estrutura do ministério do Trabalho. Eu acho que ela mais prejudicou, do que ajudou. Continuo achando isso. Acho que vocês estão no lugar errado, como estratégia da Economia Solidária. Eu acho que como estratégia, do que eu imagino que se deveria ser da Economia Solidária, o melhor local para vocês estarem não é aqui. O problema... Daí dois problemas para essa discussão do mundo do trabalho: ao estar fora, você não acha que... Pergunto: mas ao estar fora daqui, construir uma estratégia fora, de pensar o mundo do trabalho como um todo, podia ser mais prejudicial para o trabalho formal...? Eu acho que não, até pelo que aconteceu nesses 8 anos, não é? Veja bem. Vamos supor que você estivesse numa outra área do governo – área do Desenvolvimento Social. Aí seria muito tranquilo você articular. Do ponto de vista do desenvolvimento social, da economia solidária, de setores da sociedade que estão excluídos da relação típica de emprego, seja ela formal ou informal, esses setores precisam de diálogo inclusive com o ministério do Trabalho, inclusive para produzir uma legislação, que é absolutamente carente, que não é uma legislação para proteger trabalhadores formais contra fraude, mas para proteger trabalhadores que estão numa típica relação de economia solidária, seja ela qual for, entendeu? É diferente. Aqui dentro vocês ficaram quase que numa relação de conflito com as áreas do trabalho formal (uma certa desconfiança) e, realmente, não houve construção de um projeto nesse sentido. Agora, você não acha que a gente avançou muito? Daí tirando... Avançou muito na relação dessas outras áreas? Não, não... Principalmente vocês. Acho que avançou. A nossa visão da economia solidária é outra hoje, nós fazemos a distinção entre o que é fraude ao mundo do trabalho e temos a compreensão de que realmente existe um espaço para mobilização, organização dos trabalhadores com características autônomas, com características de uma economia solidária, que são pequenos proprietários, pequenos empreendimentos. Temos essa visão, não é? E que isso não tem nada a ver com precarização do mundo do trabalho. É possível as duas coisas acontecerem plenamente. Mas, assim, apesar de termos essa percepção, isso não resolve, porque nesses 8 anos, do ponto de vista da economia solidária, não se avançou na criação de um diploma jurídico, de um arcabouço jurídico que permitisse... Não é o setor de Economia Solidária estar soltando foguetes, mas minimamente ter parâmetros. Não há. Não foi criado e eu acho que não será com esse acúmulo de força que está aí. Agora, vamos supor: o projeto de cooperativas de trabalho está lá para ser votado na Câmara, não é? Sim.
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Já passou por tudo etc., e aquele último, que acho que você acompanhou vendo a exclusão dos médicos do relatório... Sim, sim. Do projeto. E até eu quero ver se essa semana eu converso com o líder lá do governo, para tentar ver se coloca em votação. Mas aprovando o projeto das cooperativas de trabalho, você acha que dá um salto nessa...? Eu acho aquele projeto, se ele não sofre muitas modificações, eu acho que seria. É que ele não muda mais. É aquela última versão que você viu. É, eu acho que seria um salto, eu acho que positivo. Daí vem o... Você acha que seria possível aquele projeto não estando aqui dentro do ministério do Trabalho? Acho que seria. É suposição que... Eu acho que seria. Acho que seria. E eu acho que ele poderia não estar tão... Porque, assim, acho que é muito pobre, depois de 8 anos, a gente ter um projeto apenas para cooperativas de trabalho, não é? Acho que é pobre. Acho que aí a gente avançou um pouco. Mas ter um projeto para cooperativa de trabalho também é um avanço (e nós não temos lá), mas aprová‐lo é outra coisa. Porque na hora que ele estiver pronto para a votação, você vai ver, vai voltar todo aquele cenário. Ainda mais agora com esse acúmulo de forças da OCB, de unicidade da representação, entendeu? E aí fica todo mundo assim: “Ah, então é melhor não fazer nada.” Será que eu tinha mais... Eu tinha anotado coisas que eu queria... Cooperativas... É. Mas, assim, vamos ser otimistas, não é? [Risos] Falando sério, o problema das cooperativas, eu... O ano passado eu cheguei a ir algumas vezes ao Congresso, para tentar ver se votava ele, e o problema é que tinha muitas medidas provisórias trancando a pauta e ele não podia ir para aquelas extraordinárias, porque era matéria... Acho que desobstruindo... Eu conversei com o líder do PT e ele tem interesse em votar o projeto. A minha impressão é que por causa de pressão da base das cooperativas de trabalho; a OCB está tentando... Não sei, a OCB sabe que não é nada confiável no... Então, apesar do... Está há um ano lá parado na Câmara e não anda. Mas ano passado teve eleição etc. Eu tenho a esperança que a gente, no próximo período, consiga ter ele aprovado. Sim. Mas, Fábio, independente dessa análise toda, uma percepção que eu faço [tenho], e aí muito pouco ligada ao meu cotidiano do trabalho aqui dentro do ministério como auditor fiscal, é: eu sinto, nesses últimos 8 anos, uma mudança muito significativa, principalmente no que se relaciona à organização solidária de trabalhadores rurais, e não é porque a minha mãe mexe com fazendas lá em Minas e eu lido com essa área de alguma forma. O que mudou nesses últimos 8 anos em termos de economia familiar, de como os pequenos proprietários estão se organizando e estão avançando é uma coisa fabulosa, não é? Sim, eu acho que sim. Então eu percebo isso. No âmbito da agricultura familiar, acho que foi um salto e... Acho que também nessa área de artesanato tem muita coisa, não é? Mas...
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Deixa eu fazer uma... Como você vê o MEI? MEI? O Micro‐Empreendedor Individual? A legislação aqui da... Ah, sim! Bom, eu vejo como mais uma possibilidade. Porque ele tenta resolver a questão da formalização e do... Sim, sim. Mas é aquele problema: você coloca isso como alternativa para o indivíduo. Enquanto isso for uma alternativa para ele, para o pequeno e para o micro, ele nunca vai fazer essa... É difícil fazer. Ele pode até fazer a formalização e começar a contribuição também, e tal, mas depois ele não permanece. Você tem que criar possibilidades... O cara se filia, mas há... Assim, aquilo que é contribuição dele, para ele garantir os patamares mínimos de benefícios, como qualquer outro trabalhador, não podem vir, entendo eu, de uma atitude dele, individual. Tem que vir de um processo de, talvez com quem ele comercialize, e fazer o depoimento. Depende de quem cobrar, digamos assim? É, exatamente. Acho que se ficar em cima dele é muito difícil, porque qualquer estremecimento, do ponto de vista da economia de lucro, de venda dele, ele para, e aí é difícil. É por isso que quando pensa em formas de proteção para além do emprego (daí é uma impressão minha), no emprego, numa relação de contrato do emprego é mais fácil porque você tem de quem cobrar, que é o patrão. Isso, exatamente. Se não está cumprindo, quem vai pagar os custos inclusive é o... É. Nessas formas pulverizadas de relação (daí é a minha impressão pessoal), eu não consigo imaginar como você cobrar se não colocar o Estado como o fundo... Garantidor, é. Garantidor disso. É, não para todos. Porque, ó, quem vende, por exemplo, trabalho intelectual ou altamente especializado, e tal; quem tem realmente o que vender de forma qualificada no mercado está garantindo previdência privada, muito melhor inclusive do que as nossas aqui. Mas, assim, a grande maioria que está nesse processo é quem... Precisaria[?] [78’36] da reconstrução nessa ala do direito. É. Mas a grande massa de trabalhadores que está nessa base da economia solidária não tem essa capacidade. Então eles estão vendendo realmente, vamos dizer assim, do ponto de vista do valor de mercado, muito pouco. E ainda tirar desse pouco para garantir os benefícios previdenciários e tal? Ele não vai conseguir. Então eu acho que teria... A solução aí é o tal do fundo garantidor. Uma vez o indivíduo identificado e qualificado como tal (como autônomo solidário ali), o Estado garantia a ele um patamar mínimo. No mundo rural, isso já é presente com a aposentadoria rural. Isso. É uma razão, porque ela é absolutamente independente da contribuição. Acho que, sem dúvida. Aí você teria que ter um fundo garantidor, o que é quase multados e multantes, como o renda mínima que o Suplicy propõe, não é? Possibilidade de você, com inteligência, buscar fórmulas que garantam isso, tem. Mas alguém
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vai ter que pagar o pato se você quiser que funcione realmente. Alguma reforma tributária resolveria isso. É. Ou você vai ter que tirar do setor empresarial, do setor de capital, ou você... o Estado vai ter que fazer um fundo garantidor, não é? Por exemplo, vamos por lá o pré‐sal. Começa a produzir, tem recursos lá que vão ser destinados à área social e tal. De repente poderia ser... Só pensando algo assim. Mas enquanto você achar que é o indivíduo autônomo – o seu José ali, que vende um produto de artesanato, que ele vai todo o mês lá na Previdência recolher a previdência dele, ele não vai. É muita crueldade, não é? É. Não, eu acompanhei cooperativas. Porque é difícil de fazer isso. É difícil! A gente cobrava e pedia para ver números[?] [70’26], os livros etc. Mas na primeira crise que tem a cooperativa, o negócio, é a primeira coisa que eles deixam de... Porque se você numa legislação
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ENTREVISTA COM DIRETOR DE INSPEÇÃO DO TRABALHO / MINISTÉRIO DO TRABALHO
(Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT)
Bom, a relação da SIT – da Secretaria de Inspeção do Trabalho, com este público, com
estes trabalhadores, vamos chamar igual você falou, em situação atípica ou não formal,
nos termos das relações trabalhistas (não são trabalhadores com vínculo de emprego,
né?) sempre foi uma relação distante porque nós não temos a competência para
fiscalizar o trabalho deles.
Então a nossa relação sempre foi quando se depara com algum caso (o caso mais
comum era o de cooperativas, mas podemos nos deparar com outro qualquer) dessa
situação, o que vai se verificar é se não está havendo apenas uma maquiagem para
esconder uma relação de emprego. Então a relação, na verdade, não é com o trabalhador
em sim, mas com o tipo de vínculo que ele está tendo. Ele está prestando serviço de
alguma forma, seja de uma forma associativa ou, entre aspas, seja um vínculo de
empresa que está mascarado ali por diversos outros motivos.
Então a nossa relação sempre é, ao se deparar com esse tipo de público, verificar se
estavam presentes os requisitos da CLT, quando define o que é empregado. Se estavam
presentes, aí a gente desconsidera (isso você sabe) a situação que a gente encontrou –
uma situação que é a situação formal do contrato, o que for, e vamos verificar a situação
de fato que foi vista, a relação de emprego, tal. Se não encontrou os requisitos previstos
no artigo 3º, se não me engano, da CLT, aí nós abandonamos a fiscalização, porque não
é mais vínculo de emprego.
Mas a gente sempre tratou esse público nesse sentido. Ele não faz parte do rol de
cidadãos protegidos pela Inspeção do Trabalho. Aí é uma discussão até... Já passou pela
SIT mais de uma vez se pelo menos as questões das condições de trabalho, né? Não o
vínculo em si, mas o que seria o meio ambiente de trabalho.
Segurança e Saúde...
Segurança e Saúde. Se isso não estaria no bojo dessa competência da área de Inspeção.
Para isso, acontecia a história de alterar a legislação...
Porque isso daqui é um...
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Porque tudo é... Tudo da legislação trabalhista ela está ou decorre da CLT, e a CLT diz
que a nossa competência é para vínculo de emprego. Então a Segurança e Saúde é um
título específico da CLT. Aí tudo que decorre dali, que são as normas orientadoras[?]
[2’55] é para um público que tem vínculo de emprego, embora a gente já começou um
trabalho, em outra área, onde não há vínculo de emprego, que é o Trabalho Infantil. É à
margem, é...
Mas o trabalho infantil é ilegal, digamos.
É. Ele é proibido.
Ele é completamente proibido.
É totalmente proibido, mas acontece que há uma vertente que diz que nós só podemos
atuar nas atividades econômicas onde a gente identifica uma relação de emprego, e a
gente não pode atuar nas atividades econômicas onde isso não é identificado.
Exemplo: lixão, esses lixões onde o pessoal vai catar [material] para fazer reciclagem, o
que for, nós encontramos... sem medo de errar, 80% do público que está nesses lixões
eles não estão nem como trabalhadores, nem como empregados (eu vou usar o termo
empregado porque fica mais fácil, da CLT), nem nenhum tipo de associativismo que a
gente poderia incluir nesse público que a Senaes atua.
Eles estão simplesmente num trabalho tipicamente familiar. É pai, mãe – responsável
legal – e filhos trabalhando. Então ali o que tem é uma relação de família e, no máximo,
uma relação de trabalho, mas não tem uma relação de emprego.
Só que nós não estamos abandonando isso. À margem da legislação nós estamos
fazendo...
E aí qual é o instrumento que vocês utilizam?
A gente utilizou... O primeiro instrumento de todos foi trabalhar em parceria, porque
você não tem... O que materializa o nosso poder de polícia é a possibilidade de sanção, e
essa possibilidade de sanção o fiscal não tem de imediato, ele tem instrumentos que
podem virar[?] [4’40] função. Então ele tem o auto de infração, que aí, respeitado o
processo legal, com direito de ampla defesa do autuado, pode tornar-se uma multa. E ele
tem o embarco e interdição, que também não é uma sanção pecuniária, mas pode vir a
ser, porque aquilo lá vai ficar sem poder funcionar, até que as irregularidades em
segurança e saúde encontradas sejam sanadas.
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Então o fiscal tem esses 3 instrumentos – são 4, na verdade, e tem, e na questão do
Fundo de Garantia quando existe, constata-se o débito do Fundo de Garantia, então
lavra-se uma notificação de débito, que obedece o mesmo rito do auto de infração, ou
seja, tem amplo direito de defesa o notificado.
Materializando-se nesses 4, está ótimo. Você tem um poder de polícia ali que em algum
momento vai se materializar.
Quando você está no trabalho infantil e não encontra relação de emprego, você não tem
como usar nenhum desses 4, porque você não tem um empregador à quem entregar isso.
Então a gente costuma dizer: “Eu vou multar o pai e a mãe?” Eu não posso. Então o que
a gente descobriu era:...
Do ponto de vista ideal, poderia poder, não é?
Deveria poder. O que a gente faz é, aí nesses casos (é um trabalho que foi chato no
início, hoje não é mais, hoje o pessoal está super rápido até para fazer isso), construir
parcerias e construir o que a gente chamou de Rede de Proteção à Criança e ao
Adolescente.
Aí você vai para essas ações... Se você já sabe de antemão que você vai para uma feira
livre, aí você já vai com essas ações com os parceiros, então você...
Aí tem uma instrução normativa própria, dirigida aos auditores fiscais, mostrando para
eles o que eles têm que fazer, caso eles se deparem com essas situações de não-relação
de emprego, onde haja o trabalho infantil. Então ele lavra um termo de afastamento, e aí
esse termo de afastamento do trabalho ele pode entregar para o pai, para a mãe e para o
responsável, entrega esse termo, mas, ao tempo, está com ele assistência social, seja do
município, seja do estado; está com ele o Conselho Tutela, está com ele o Ministério
Público estadual. Então cada um pode agir no seu âmbito de competência.
E a gente teve um caso que o Ministério Público estadual propôs judicialmente a
desconstituição do pátrio poder, dizendo que o pai e a mãe estavam abusando dos filhos.
Então isso aí mostrou que o trabalho em parceria, o trabalho em conjunto dava certo.
Agora , lixão é um caso, até pelas condições de trabalho... Agora, trabalho infantil
na agricultura familiar, por exemplo, que é uma realidade...
É, esse é um outro problema nosso, porque esse não dá para nós entrarmos dentro da
casa. O lixão é ao ar livre, a feira livre é ao ar livre, é... Deixa eu ver, tem mais coisa...
trabalho em festas populares, tipo carnaval, peão boiadeiro...
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Sim,
Tudo isso é num meio que é ao ar livre, né? Essas festas juninas... Então o povo passa
ali, os meninos, catando latinha. Tudo isso dá para você agir.
Mas quando é na agricultura familiar, que existe... todo mundo quando lembra de
trabalho dentro do domicílio com criança lembra muito da agricultura familiar, mas a
parte de artesanato também é lotadíssima de criança trabalhando. E o artesanato
acontece aonde? Geralmente é ao redor...
Na casa.
É, mas ao redor dos grandes centros turísticos.
Certo.
Então não é bem dentro da cidade, mas naquelas cidades, naqueles municípios que estão
ali no círculo que envolve aquele lugar, ou nos grandes centros, especialmente mais
para fora dos grandes centros, nos bairros mais distantes. E ali também acontece o
trabalho a domicílio.
O problema desse trabalho é que a Constituição veda a entrada da inspeção do trabalho,
tendo em vista que o artigo 5º diz que o domicílio é inviolável. Então, até agora, a
Infração conseguir um mandato para entrar, judicial, a possibilidade ali de se esconder,
de no dia não ter nada é muito grande.
Idem para o trabalho doméstico. A mesma coisa de criança que trabalha no lar. Então a
gente ainda está tentando descobrir como agir nessa área. Tanto é que os números...
Que são setores típicos do que a gente chamou da produção familiar, né?
Sim. E os números da PNAD mostraram que onde hoje há maior concentração de
trabalho infantil é justamente nesses lugares aonde a gente não tem condições de entrar.
Nem nós e nem nenhum agente do estado.
Porque isso daqui... Se pegar o próprio lixão, artesanato e agricultura familiar, são
setores, digamos assim, tradicional onde o trabalho infantil existe, e setores
tradicional da produção familiar.
Sim.
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Você estava contando, eu estava lembrando, por exemplo, que eu fui uma vez
numa reunião em Limeira, em São Paulo, que a Câmara Municipal estava
organizando, porque lá tinha uma situação seguinte: o trabalho a domicílio para
grandes... Lá é um setor de bijuterias, de produção de bijuteria.
Sim! Lá nós temos denúncia, direto, de trabalho infantil.
Era uma situação... Por que o que é que fazem? Essa coisa da subcontratação.
Isso.
As mulheres fazem as peças em casa, com maçarico, etc., uma puta situação...
Sim. Fora os objetos cortantes, que toda hora elas se furam.
E com os filhos lá põem os filhos para fazer junto...
Afinal elas têm que entregar um “x “ no fim da semana, no fim do dia.
Ou seja, não é nesses setores tradicionais, mas está num setor de produção...
De produção capitalista normal!
Capitalista, dinâmico e etc. Nesses setores, como... Porque tem um contratante lá
do serviço, tem um cara que circula...
Sim.
Como vocês atuam?
Aí o que a gente está fazendo agora é começando a identificar o que a gente chama de
cadeia produtiva. É quem é o que está comprando, no final de tudo, aquele material.
Não os atravessadores, a gente vai ignorando os atravessadores.
E a gente acabou de identificar, isso está pegando. Eu vou falar o nome das empresas
aqui. Depois, se você quiser, você usa ou não. Mas está pegando no setor vestuário os
grandes magazines, C&A, Renner, Riachuello, Zara – porque eles estão fazendo a
mesma coisa. Agora que a gente está fazendo uma ação casada, por uma denúncia que
não tinha nada a ver com isso, que era uma denúncia de trabalho precário.
Uma auditora foi numa cidadezinha super pequena, numa cidade em Minas Gerais, e
conseguiu entrar na casa da mulher, não se sabe como que ela conseguiu, mas ela
conseguiu entrar. [Riso] É uma mulher que tinha no fundo do quintal uma oficina, onde
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a função dela era única e exclusivamente pregar etiqueta da C&A nas roupas que eram
produzidas na cidade. Então descobriu que o beneficiário final era a C&A. E ela já
notificou, já deu um alvoroço total! Já teve deputado aqui no ministro dizendo que a
economia da cidade vai acabar por causa disso... E a C&A já está em negociação,
fazendo...
Envolvemos o Ministério Público.
Um TAC.
Não vai fazer TAC. Já é uma negociação direta, de imediato cumprimento, que é o
mesmo que as Casas Pernambucanas fizeram em... Desculpa, que as Lojas Marisa
fizeram em São Paulo. Lá era exploração de bolivianos ilegais no país.
Os bolivianos...
É, descobriu que eles estavam fazendo roupa, que passava por um, por dois, por três
beneficiadores, mas quem era o beneficiador final era a Marisa.
Que é trabalho escravo urbano.
É, trabalho escravo urbano.
E aí, agora... A preocupação é porque essas lojas contratam a empresa “x “ para fazer,
essa empresa “x” subloca, e o outro subloca, que subloca, que subloca, aí, no final das
contas, ninguém está sabendo onde está fazendo, ou finge que não sabe.
Então agora a Marisa e a C&A têm um departamento de acompanhamento de onde é
feito, com fiscal deles que vai lá ver, e tudo – a partir dessa questão da fiscalização.
Na bijuteria, lá em Limeira, o pessoal começou a fazer a mesma coisa em São Paulo, já
identificando quem são os beneficiários finais do produto feito.
É, eu lembro que lá... Que daí é outra questão, não é... Quem que me chamou para
essa audiência? Foi a Câmara Municipal. Um vereador que está num diálogo com
deputados estaduais e com o próprio Ministério Público do Trabalho, com essa
preocupação. Era uma situação completamente precária e degradante de trabalho,
por outro lado a preocupação de que a renda dessas mulheres dependiam daquilo
ali.
Sim.
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Então eles estavam tentando ver uma...
Uma saída.
Uma saída.
É, essa é a nossa preocupação na roupa, que não é simplesmente falar, autuar a C&A, ou
a Zara, ou quem quer que seja, e impedir o resto. É tentar achar uma saída que seja legal
e que não impacte na questão da renda dessas pessoas também.
Sim.
Isso está sendo uma conversa longa com o Ministério Público do Trabalho, Ministério
Público Estadual; lá no caso de São Paulo com Polícia Civil, Polícia Federal, porque no
caso de São Paulo tem trabalhador estrangeiro.
Mas é uma situação complicada. Porque provavelmente a C&A contrata aquela
mulher numa cidade do interior é exatamente porque é um trabalho super baixo
remunerado.
Sim, lógico!
Se ele vai remunerar mais, ele vai...
Ela vai ter que subir o preço da roupa. Não tenha dúvida. Mas do jeito que estava o
trabalho não podia ficar, né?
Não, não. Isso! Eu...
Então, assim, há uma preocupação de saber o seguinte: é importante para esse
trabalhador essa renda que ele tem? É importante. Ele tem consciência que o trabalho é
degradante? Às vezes não. Às vezes não tem. No caso dos bolivianos eles tinham
consciência, mas eles se submetiam a isso porque eles não queriam voltar para a
Bolívia. Mas tem casos que a gente encontra, até mesmo trabalho infantil , que ninguém
tem consciência que aquilo é prejudicial.
No lixão, o que é que a gente faz, infelizmente? Pega umas fotos e mostra para os pais o
que acontece, porque o pai acha assim: “Não, não está doente agora.” Não, mas tem
doença que vai se manifestar daqui a 15 anos. Daqui a 15 anos, o menino que está com
6 tem 21.
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Uma situação que eu sempre... No debate da cooperativa de trabalho, por exemplo,
nessa coisa da lei, o que sempre aparecia era quando gente falava: “Não, não dá
para ter uma situação degradante de trabalho na cooperativa.”, alguns setores
falaram: “Não, mas a cooperativa é autônoma etc., e ela decide qual é a condição
de trabalho do...” Aí se falou: “Não, não é...” Porque a exploração não precisa ser
feita só por terceiro. E eu pegava o exemplo que a Ruth falava do trabalho escravo,
de pessoas que eram libertadas 4, 5 vezes de trabalho escravo...
E voltava!
Voltava – por uma situação econômica, de sobrevivência etc.
Sim.
Eu estou falando isso porque, enfim, tem uma dinâmica do processo produtivo que
está levando a esses processos de contratação, de...
Tem um colega fazendo uma pesquisa em São Paulo de produção de setor
automotivo, que parte da produção está sendo feita nas casas, na Heliópolis. Não
sei se você já ouviu falar.
Não! Eu nem sabia disso. Então deve ser das peças menores, talvez.
Peça menores, mas domiciliar também, para o setor automotivo, que é um setor...
Super organizado e preocupado com a imagem, né?
Super organizado. Pois é. Mas isso faz parte de uma reestruturação que aconteceu
no trabalho etc. Essas atuações estão conseguindo brecar essas mudanças, você
acha? Ou...
Isso é muito recente. No caso do... Eu vou primeiro falar do caso do trabalho infantil.
No caso do trabalho infantil, em alguns setores, como o de carvoaria, que tinha uma
situação semelhante, de trabalho familiar, a gente conseguiu, tá? A gente conseguiu,
mas isso é um processo, porque foi aonde começou tudo – um processo de 95 para cá.
Então olha aí quantos anos têm já: 15...
São 16 anos.
É. Então é um processo que demora, né? Isso tem consciência.
Esses processos agora, tanto na bijuteria, quanto no setor de confecções, é um processo
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novo, não tem 1 ano que começou.
Em setores de confecção o processo de precarização não é antigo.
É antigo. Assim como o setor de calçados...
A Levi’s...
Assim como o setor de calçados.
Calçados.
A mesma coisa Franca, Nova Serrana. Franca, em São Paulo, Nova Serrana em Minas.
Esqueci o nome da [empresa] do Ceará, o interior que faz.
Lá tinha cooperativa que fazia.
É, mas lá não tem mais. E na realidade eles falavam que era cooperativa, mas não é!
É, exatamente. O governo do Estado aqui que criou aquela...
É, que bancou tudo. Foi... Bom, pelo menos as grandes não estão mais com
cooperativas – as que se estalaram lá, tipo Azaléia, [nome inintelígel] [17´52] lénio...
Elas não estão mais. E, assim, foi uma situação ruim para nós, na época, porque o
ministério do Trabalho e o ministério Cultural[?] era contra todos, porque era contra o
estado, contra as empresas, contra os cooperados – contra tudo!
No final eles davam um exemplo que eu nunca vou esquecer desse exemplo, das
bicicletas, que no primeiro mês o estoque de bicicleta da cidade acabou porque os
trabalhadores receberam uma renda que eles não tinha, foram lá, e acidade é muito
plana, se desloca bastante de bicicleta, e compraram as bicicletas todas. Então eles
davam esse exemplo como magnífico. Mas quando chegou dezembro, que o cooperado
viu que... Ele achava que era trabalhador, né?
É.
Ele não tinha 13º, depois viu que não tinha férias, aí começou a ficar aquela coisa
esquisita para ele. E ele não era um cooperado nos termos de uma cooperativa, porque
nem ele sabia o que era isso. O governo do Estado montou, mas montou...
Esse que era o debate nosso na cooperativa de trabalho. Independente, mesmo que
180
fosse uma cooperativa legítima...
Tinha que ter mecanismos...
Ela não pode disputar com trabalhador assalariado, de... É um pouco isso. Essa
noção: “Ah...” Que é verdade. Eu não se você conhece os estudos do Jacob Lima, lá
das cooperativas de calçado?
Não.
Ele fez uma pesquisa, inclusive comparando as cooperativas do estado do Ceará,
que são as cooperativas de calçados do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do
Sul. E ele mostra, enfim, que de fato representou uma renda para esses municípios,
os trabalhadores etc. É que nem os chineses lá, que produzem não sei quanto. Para
eles, é lógico, está saindo da pobreza. Mas a consequência...
Sim.
Então representa uma renda, mas é um trabalho extremamente precarizado para
eles., é um trabalho que precariza todo o conjunto. Então as cooperativas lá do
Vale do Rio dos Sinos, que eram mais...
Organizadas, assim...
Organizadas, com uma renda mais digna para o trabalho degra... Começaram a
entrar em crise porque aqui no Ceará começaram a produzir com muito mais...
Então você tem que ter um instrumento de regulação disso, de fazer o...
Aí, assim, muita gente... Logo no início que isso... porque se foi criado a Senaes, isso
foi assim... como eu estou aqui há muitos anos, foi muito engraçado porque muita gente
achava que a Senaes e a SIT tinham que bater de frente, né? Isso ficou muito claro no
início do governo Lula, para mim. Não que bateu de frente, mas esse sentimento que
houve no seio, especificamente da fiscalização.
Mas houve um período de conhecimento muito...
Sim, sim. Aí teve... Lógico, a Senaes chegando, todo mundo era novo, e num mundo
diferente, que era o que a SIT vinha vivido todo o sempre. E aí é isso que você falou,
por exemplo, tem o medo do novo, obviamente, tem a resistência. E, ao mesmo tempo,
teve um período de autoconhecimento e também de conhecimento mútuo, porque tinha
181
que saber com o que se estava lindando e tal. Porque o primeiro...
Eu lembro que a primeira impressão era: “Ah, vai precarizar o mundo do trabalho.”, etc.
e tal.
Uma das primeiras coisas que a gente fez foi ir para todas as superintendências
fazer diálogo com a fiscalização.
Sim.
E era...
Era porrada, né? [Riso] Era duro.
Mas que eu acho... Daí um pouco essa pergunta. De fato, e quando criou a Senaes,
eu brincava sempre: o Lula ele sabia a tensão que ele ia causar. Porque é um pouco
o que você estava dizendo da fiscalização: o ministério do Trabalho sempre foi um
ministério do Emprego.
Sim, sim.
O foco dele sempre foi o...
Sempre, sempre foi!
Era a SIT, eram as relações de trabalho.
Todo mundo!
Porque o foco é o...
As relações de trabalho é o mesmo público da SIT.
É. Exatamente.
É o mesmíssimo público.
Que é o projeto da criação do ministério lá do Vargas, que era...
Isso!
Dar uma forma para aquela heterogeneidade de trabalhadores. E quem estava
fora disso, a perspectiva era incluir... Bem ou mal, era integrar no assalariamento.
182
Quando cria a Senaes, eu acho... Daí até uma pergunta pra você, na forma de
afirmação.
Sim.
Porque o ministério já vinha se transformando, me parece, no próprio governo
Fernando Henrique, dentro de um projeto específico, mas... A SPPE já vinha
trabalhando com grupos diversos – o Proger, etc. Mas quando cria a Senaes, cria
claramente uma área institucional do ministério que não tem foco no trabalho...
Formal, do assalariado.
Formal, assalariado.
Do seguro desemprego.
E etc.
Não tem foco nisso.
E por isso que eu brincava: o Lula sabia que ele estava causando essa tensão
dentro do ministério do Trabalho quando criou uma estrutura de 70, 80 anos, 70
anos, com...
Isso.
Uma história institucional que pega um novo, que... Então eu acho que causou esse
desequilíbrio, esse...
Sim. Não, houve um tensionamento, que...
Eu estou afirmando isso para perguntar como é que você viu a criação da Senaes.
Como você acha, para essa história do ministério do Trabalho, principalmente,
você, que já passou por diferentes períodos aqui dentro. Como que você a criação
do Senaes dentro do ministério do Trabalho?
Bom, primeiro eu vou confessar uma coisa: eu, até então, até a criação do Senaes,
confesso que o termo Economia Solidária me era estranho, entendeu?
Para muita gente, até hoje, é.
É, me era estranho, embora eu seja formado em economia, mas economia, assim...
183
Você é economista?
Sim.
Eu sempre pensei que você era advogado.
Também. [Risos] Mas eu me formei em economia primeiro. Foi com o curso de
economia que eu consegui fazer o concurso. Detalhe, só entre aspas: eu nunca ia
imaginar que eu ia trabalhar no mesmo lugar do livro que eu mais gostei de ler, que é
do Paul Singer! [Risos]
Introdução à Economia Política?
É! Eu falei assim: “Engraçado! Eu acabei indo trabalhar com alguém do autor do livro.
Primeiro então, assim, me soava estranho esse nome, o conceito. Eu estou falando muito
a minha visão mesmo. Mas, assim...
Eu vou confessar uma coisa que você não pode falar, eu vou negar...
[Risos]
Mas é, pra mim também me estranha.
[Risos]
Eu prefiro muito mais o nome economia autogestionária, alguma coisa assim.
Sim.
Mas enfim.
Bom, e o próprio conceito em si me soava estranho por causa disso. Eu tinha uma visão
de ministério do Trabalho... Aquela visão que você falou, que estava enraizada, que
estava consolidada, de 70 anos, né? O nosso público é esse. Então o que é que esse
pessoal veio fazer aqui? Porque eu tinha uma visão seguinte: que em algum momento
da história todo o público ia entrar dentro do... ou era assalariado ou era empregador.
Para mim não tinha outra visão, salvo as exceções do trabalhador avulso, do trabalhador
autônomo, e tal, mas que isso tudo a própria CLT fala o que que eles são, né? O
trabalhador avulso é nosso público também.
Mas eu não tenho medo do novo, então eu não... Embora eu achei estranho, mas eu não
participei do grupo da resistência, vamos dizer assim, entendeu? Porque eu sempre acho
a coisa interessante.
184
E como você disse, eu já estava aqui antes. Eu vim pra cá no governo FHC, no início do
governo FHC, e já tinha um processo de mudança, obedecendo os objetivos do governo
FHC, da turma que acompanhava ele, mas já tinha um processo de mudança do
ministério do Trabalho muito tímido, que prejudicava um pouco as DRTs, assim elas
acharam (assim esse nome), porque cada vez mais as DRTs ficavam somente como se
fossem fiscalização do trabalho e o resto não se passava por lá.
O setor, por exemplo, de Emprego e Salário, nada era feito nas DRTs, apenas balcão de
atendimento ao trabalhador, para emissão de carteira e para entregar seguro desemprego
– receber... Nem é... O pagamento era na Caixa, receber recurso porque o seguro
desemprego não saía. Então, quer dizer, a DRT era identificada pelo trabalhador como a
servical[?] [26’10] de fiscal, os outros assuntos... Codificação ninguém nem sabia que
isso era de DRT, porque no governo FHC ele foi potencializado, mas, ao mesmo tempo,
potencializado fora da unidade do ministério do Trabalho, então era órgão central
negociando direto com secretaria de estado do Trabalho.
Então já vinha um processo de retirada daquela questão de que o ministério do tinha que
trabalhar somente ele, não poderia ter parceiros, só podia ter com um público específico,
que era de trabalho, de trabalhador – trabalhador na concepção de vínculo de emprego.
Mas, por exemplo, a Qualificação já trabalhava num processo meio diferente. Embora
era com o estado, ela não se interessava em qualificar apenas para o vínculo de
desemprego, ela qualificava o trabalhador para o mercado de trabalho, independente de
onde ele fosse trabalhar – se ele fosse trabalhar autônomo e tal.
Obviamente ainda não tinha esse conceito aí da questão da economia solidária, nada.
Acho também que se tivesse o conceito também, o pessoal do FHC não aplicaria. O
negócio era falar que treinou não sei quantas pessoas, no final das contas, não
interessando se aquelas pessoas entraram ou não entraram no mercado de trabalho.
Quando então veio o governo Lula e houve essa reformulação interna do ministério, que
foi um processo grande dessa reformulação. Primeiro reformulou colocando a Senaes,
que foi um assunto totalmente novo, diferente e que em certos momentos parecia que
seria totalmente bater de frente com o que o ministério vinha fazendo há muito tempo,
né? Como você falou, era trazer um público pra dentro do ministério que não era... não
tinha nenhum tipo de oferta de serviço, se é que se pode chamar isso de serviço. Mas
não tinha um amparo dentro do ministério, não tinha como recorrer. Então trouxe esse
público que, de uma forma ou de outra, está à margem do que se define como vínculo
de emprego, como trabalhador, na concepção que a gente sempre estava acostumado a
185
ouvir, né? Que é difícil a gente ficar falando trabalhador... Hoje eu sei que trabalhador é
muito mais do que isso, mas se tinha uma visão muito restrita dentro do ministério, de
que trabalhador era aquele que tem vínculo de emprego, e ponto final.
Isso. Enfim, não era só do ministério, restrito. Toda a sociedade tinha essa visão.
Não, sim, mas a pergunta foi direcionada à... Eu acho que até hoje existe essa
dificuldade em compreender que trabalhador não é só vínculo de emprego, e a gente...
toda a vez, agora, que a gente vai fazer algum tipo de exposição, especialmente no
exterior, a gente fala... quando a gente fala do trabalhador, a gente entende o trabalhador
com vínculo de emprego. Aí dá um nó na cabeça de alguns quando a gente fala vínculo
de emprego e situação de trabalho. Aí o pessoal... A gente tem que dar exemplo pro
pessoal lá fora entender um pouco, porque muitos ministérios do Trabalho tem mais ou
menos o mesmo conceito, a mesma visão que o nosso ministério tinha antes.
Obviamente que quando teve alteração no regimento, na estrutura do ministério houve
um medo porque a gente vinha... medo da fiscalização, porque a gente vinha fazendo
aquele... o que a gente chamou de combate às cooperativas fraudulentas, independente,
porque a Senaes é muito mais que cooperativa, mas a associação foi imediata. A Senaes
e cooperativa foi uma associação imediata. E como a gente tinha uma tensão muito
grande, especialmente com a OCD, elas viram, com a entrada da Senaes, ela como uma
possível aliada.
Elas, as cooperativas?
Não. Eu estou falando a OCD, porque era a principal que brigava com o ministério do
Trabalho. Com o ministério do Trabalho não, desculpa, com a Inspeção do Trabalho.
Então ficou para nós, durante um tempo, uma carga muito grande de que Senaes era
igual à Cooperativa. Isso ficou até que...
Como você falou, aí teve esse processo de reconhecimento mútuo, a gente começou a
conversar, tudo. Lembra que o Fernando veio aqui várias vezes pra conversar com a
Ruth, conversou comigo. A gente... Cada um foi entendendo realmente... Você veio, o
próprio Paul Singer – as pessoas que trabalhavam antes, no início, e não estão mais aí.
Todo mundo conversou bastante aqui conosco e a gente foi entendendo essa situação e
foi tentando repassar isso para as superintendências, porque a gente sabia que ainda ia
ter um reflexo nas superintendências. Esse reflexo veio depois com... Mas aí já no
Luppi, né? Já no Luppi veio, mas era uma coisa que estava sendo construída pelos 3
186
ministros anteriores,.
É, aquela discussão de reformulação das DRIs.
Isso. Mas que implementou acabou sendo o Luppi. Foi o Luppi que fez. Eu falei:
“Gente, a coisa mais fácil de você saber é assim: o Luppi [ininteligível][31’42]. Aí, o
tempinho que teve, que ele passou pra fazer isso... Quer dizer, já tinham acumulado
antes.
Consultorias...
É. Eu não quero aqui desmerece-lo porque ele fez isso, mas acontece que o pessoal acha
assim: “Ah, os outros não fizeram.” Não fizeram porque não tiveram oportunidade, não
chegaram no momento pra fazer isso. Eu não posso desmerecer, igual você falou, o
tanto de gente que trabalhou em cima (milhares de reuniões que houve) para que essa
estrutura, lá na ponta, fosse modificada. E aí, sim, incluísse algum setor que mexesse
com esse público, que é o público-alvo da economia solidária.
E, para minha surpresa, vários auditores fiscais (foi surpresa para nós) se identificaram
com o tema e se propuseram a trabalhar com a economia solidária.
Teve até uma discussão, que eu não sei se é lenda ou se não é, porque nunca ninguém
confirma, com relação à troca da sede de Minas Gerais. A discussão é interessante. Não
sei se você sabe, o prédio da frente, que é o prédio da FACE, onde eu estudei Economia,
agora é do ministério.
Eu não sabia.
Ele era da UFMG, a UFMG estava fazendo uma doação pra Prefeitura de Belo
Horizonte. Já estava em processo super acelerado da doação, assim como ela tinha
doado outros prédios que não eram no campus. E quando o ministério do Trabalho
estava procurando um prédio, vieram primeiro, obviamente o ministério do Trabalho, o
DRT-Minas veio no ministério do Planejamento e verificou os prédios públicos que
estavam à disposição, e um deles era o da FACE, na frente. Não atrapalhei em nada a
questão dos trabalhadores que estavam acostumados a ir ali, porque é central, tudo mais,
tem facilidade de transporte coletivo. “Ah, então vamos...” Conseguiram. Fizeram uma
triangulação: o ministério fica com o prédio da FACE e a prefeitura fica com o prédio
da Prefeitura, porque a prefeitura, o negócio dela era colocar um trabalho, um serviço
interno.
187
Inicialmente ele queria colocar uma escola pública, mas aí foi desaconselhado lá, pela
questão dos professores (do conselho, alguma coisa) por causa do trânsito, da
dificuldade de criança ficar ali (não tem recreação), então resolveram mudar o destino
do prédio, então o destino que eles têm agora caberia. E a prefeitura interditou os
elevadores. Na verdade tirou os elevadores de lá porque eles não estavam mais
funcionando, ficou muito tempo parado, então eles não tiveram manutenção. Aí, o
Banco do Brasil – eu estou falando que isso tudo é lenda porque isso tudo ninguém
confirmou – disse que se interessava em reformar o prédio, mas desde que ele ficasse
com a loja do térreo. Era um prédio de esquina e ele queria ficar com a loja sem pagar
aluguel da maior loja da Rua Curitiba.
Isso o antigo prédio?
Não, o prédio novo. O prédio que seria a nova sede. Então o Banco do Brasil bancaria a
reforma do prédio inteiro, porque o prédio precisava de cabeamento de rede, mudar toda
a fiação elétrica, algumas divisórias e reformar a fachada. Ele faria absolutamente tudo,
colocaria novos elevadores e ficaria “x” anos (acho que seriam 25 anos na história) com
a loja embaixo. Aí falaram que não porque a loja embaixo ia ser uma feira permanente
de economia solidária. E foram até fiscais que defenderam isso, sabe?
Contra o Banco do Brasil.
Contra o Banco do Brasil. E, bom, nunca ninguém provou, mas isso é uma lenda que
correu lá.
Eu não conhecia essa história, mas eu lembro que tinha uma discussão do pessoal
de lá de criar um lugar de economia solidária...
É, então seria isso, entendeu? Seria nesse prédio. O prédio até hoje lá meio que
abandonaram porque o ministério não arranjou grana pra fazer a reforma. Agora quem
está à frente...
Isso foi quando?
Acho que tem 3 anos, no máximo. Deve ter 3 anos, no máximo.
Três anos?
É.
188
Ah, não! Então não. Porque eu lembro lá atrás, há uns 4, 5 anos, antes do Luppi,
que nas reuniões que a gente tinha aqui com o pessoal da superintendência (não sei
se era superintendente, assessores) eles falavam: “Não, a gente quer abrir um
espaço de comercialização” – e era o pessoal de meninas.
É, mas é... Então, essa ideia, assim, até hoje está lá. O pessoal ainda fala isso bastante lá.
E era o pessoal da fiscalização?
É. E quem “bateu” pra não ser o banco foi a fiscalização, foi o povo da fiscalização.
“Não, ali vai ser uma feira permanente de economia solidária.”
Depois aí teve a história – mas aí essa é verdadeira – que a Caixa se interessou por
reformar. Ela não queria essa coisa, ela queria outras questões, mas aí já era tarde
demais. Depois a Caixa não pode continuar.
O fato é que o prédio ainda está lá totalmente abandonado, foi emprestado para o Cine,
o Cine usa a sobreloja...
Ah, é? Não...
É, o Cine usa a sobreloja.
No final não utilizaram...
Não!! O prédio está lá vazio! Ele é 3 vezes em área ao prédio atual. São 12 andares
vazios, porque não tem elevador, sem manutenção, e só tem até a sobreloja. E o pior:
que qualquer pessoa com deficiência, cadeirante, não sobe porque não tem elevador.
Então a sobreloja tem que ser uma escada. Então montaram uma banquinha de
atendimento embaixo para pessoas idosas e com dificuldade de locomoção para atender.
E agora a gente soube que o governo do Estado quer ficar com 6 andares, que vai
reformar 6 andares pra lá. Mas aí a Ruth entrou em cena, porque agora ela tá lá, e ela é a
responsável por arranjar grana pra viabilizar a reforma do prédio. Então ela está em
negociações com o Ministério Público do Trabalho.
Bom, isso aí é só uma lendinha que teve, pra ilustrar mais ou menos o que eu te falei.
A medida que o assunto foi se entronizando no seio do ministério do Trabalho, muitas
pessoas foram quebrando aquela resistência inicial e, não vou dizer assim, abraçando a
causa, porque muita gente não foi trabalhar, mas pelo menos não mais falou mal, não
mais falou contra, e viu-se que não era nenhum bicho-papão, que ninguém estava aqui
189
pra defender coisas que eram contra lei.
Agora, não defender a coisa contra a lei, a gente sempre também quis combater as
cooperativas fraudulentas.
Sim, sim.
Mas do ponto de vista mais geral, continua um problema, né? O problema da falta
de proteção, de reconhecimento jurídico para essas formas de trabalho.
Continua. Isso eu não nego. Falta um marco legal que estabeleça não só qual é o tipo de
proteção que esse público vai ter e quem é o responsável por zelar por aquele
cumprimento dele. Porque não basta ter... Porque antes da Lei Pelé existia, da Lei do
Futebol. Tinha uma proteção enorme para os jogadores, mas não tinha ninguém, e nem
multa. Então ninguém era responsável por zelar... Ah, não. Tinha o poder Judiciário,
mas no Executivo não tinha absolutamente ninguém. Então multa não existia e não
tinha a quem recorrer para caso alguém estivesse descumprindo. Então depois, com a
Lei Pelé, mudou tudo, jogou pra fiscalização e tem multa.
Então você tem que ter primeiro um marco legal que estabeleça exatamente quais são as
condições de trabalho que esse povo tem. Por exemplo, eu acho que sempre foi uma
preocupação – e isso mais de uma pessoa da Senaes falou – com as condições de
trabalho, com o meio de trabalho (se está arejado, se não está). Ou seja, o que poderia...
A gente pode estabelecer: teremos que fazer um perfil de condições mínimas, uma
espinha dorsal de condições mínimas de trabalho, para que a gente fale àquela
cooperativa (digo cooperativa, mas pode ser outro tipo de empreendimento) que ela está
legal enquanto ambiente de trabalho, que aquilo ali não oferece perigo pro trabalhador.
Afinal, por exemplo, tem muito tipo de cooperativa ou de associativismos que
trabalham com lixo, então você tem que ter instrumentos pra proteção, porque você
nunca sabe o que vai encontrar, além do próprio lixo em si, tem a questão da putrefação
e tudo. Ele gera gases, elementos nocivos à saúde. Então, esse tipo de trabalhador tem
que ter, primeiro, capacitação pra saber lidar com aquele tipo de coisa, quais são os
prejuízos, caso ele não use um equipamento de proteção que pode causar, e a gente
sempre fala assim: “Não adianta...” Porque tem determinados níveis de trabalhadores,
porque tem determinados trabalhadores que têm níveis de instrução muito baixo e não
adianta você falar com ele que aquilo causa doença simplesmente. Você tem que falar
com ele que, às vezes, é uma doença que não se manifesta agora. É o que a gente fez
190
ano passado com os mineiros – mineiros de subsolo.
Sim.
Eles achavam que não tinha problema nenhum. “Ah não, eu estou ótimo. Eu estou
perfeito. Eu saio bem [da mina].” Aí o povo fala assim: “Não, olha aqui: em 15 anos...”
Aí a fiscalização explicava didaticamente, também pro povo não ficar com medo, o
porquê que ele tinha aposentadoria especial, e tal, com 25 anos. Porque com 30 morre,
né? Então... Aí mostrava que a doença poderia existir não agora, mas no futuro. Não sei
se você sabe, mas eles têm silicose, aí fica tudo petrificado.
Tanto que uma das empresas recuperadas[?] [41’52] mais antigas, hoje é uma
mineradora.
Ah, de... Que é própria... Que os trabalhadores assumiram[?] [41’59].
É de 86. Cooperminas, lá no Sul de Santa Catarina, em Criciúma.
Então eu acho assim: na hora que você definir essas condições – eu vou chamar de
mínimas aqui, pra dizer assim: esse aqui é o padrão mínimo. Isso tem que estar na lei.
Mas hoje a fiscalização... pegando o caso das empresas recuperadas, talvez seja um
caso mais... Nessa cooperminas, por exemplo, que é uma cooperativa, a fiscalização
não poderia autuar as condições de trabalho?
Não. Não poderia autuar porque não vai ter um empregador. O que ela pode fazer – e eu
acho que ela já até fez na Cooperminas (porque o processo de mina de subsolo o pessoal
trabalha há séculos nele, então a gente faz um acompanhamento de todas as empresas)
eles devem ir lá continuar olhando as condições de segurança e saúde, e aí notificando.
Embargar ele pode. O embargo, a interdição ele pode fazer, porque independe... Porque
embargo e interdição não é multa, é você simplesmente... Eu sempre falo embargo e
interdição porque eu nunca guardo o que é um e o que é outro, mas um é quando você...
Embargar acho que é quando se embarga toda obra, então é só em obra. E interditar
você interdita uma parte de alguma coisa, seja máquina, se equipamento, seja um setor,
que ofereça perigo ao trabalhador. Independente se tem vínculo de emprego ou não, aí a
fiscalização pode agir, porque aí é um prejuízo latente ao trabalhador, à saúde e à
segurança do trabalhador. Aí algumas coisas é perigo de vida mesmo, né? Então a
191
fiscalização pode embargar, pode interditar. Aí ela emite um laudo, uma notificação
dando os prazos pra se cumprir.
No caso de uma empresa normal, onde há o empregador, caso não cumpra aquilo nos
prazos, ela pode autuar.
No caso de uma cooperativa igual a essa que você falou, que é a Cooperminas que os
trabalhadores assumiram, aí ela não vai ter quem autuar. Provavelmente a fiscalização
encaminharia um relatório para o Ministério Público, porque aí o Ministério Público
pode agir nesse sentido.
Outro o dia o Rinaldo[?] [44’14] estava me falando que eles estavam tentando imaginar
nas novas normas já de introduzir, mas isso aí há uma resistência porque as normas são
construídas de forma tripartite. Aí é uma resistência da classe trabalhadora e
empregadora de incluir um público que não seja nem trabalhador nem empregador na
acepção do tema.
É, no próprio tripartismo...
É, há uma resistência nesse sentido. Assim, como não existe na lei, o pessoal estava
tentando colocar de uma forma as novas normas regulamentadoras não explicitamente,
porque aí o povo ia cair matando, porque não existe na lei, mas alguma coisa que diga...
Tanto é que, se você observar bem, as novas normas regulamentadoras não sai o
empregado, sai o trabalhador o tempo inteiro. Então quando você põe o trabalhador
você abarca todo e qualquer cidadão que está trabalhando, não é? E aí eles conseguem
fazer essas inspeções.
Obviamente não é o nosso público-alvo, tendo em vista a... Hoje a gente está com 2.000
e... menos de 2.900 auditores.
No Brasil inteiro?
Todo o Brasil[?] [45’22]... Isso aqui é um monte de aposen... Por que é que saiu?
Qual que seria o número adequado, hoje, no Brasil?
Segundo os números, segundo as regras atuais da OIT, seria, para cada 20 mil
[trabalhadores] PEA, 1 AFT. A PEA está em 105 milhões, 108 milhões, não sei. Isso dá
pouco mais que 5 mil auditores. Mas a gente teria uma defasagem aí de 2.200 auditores
hoje. É, mas no estoque a gente tem 600 vagas.
Isso significa que a gente teria que batalhar um PL, um Projeto de Lei, para criar 1.600,
192
se a gente fosse adotar essa regra da OIT. Nenhum país adota, nenhum país tem um
número que é considerado ideal, justamente pelas dificuldades de pagamento depois,
embora o Brasil seja o salário mais alto do mundo, em dólar.
Ah, é?
Não era, mas...
Dos auditores, é?
É, é o maior do mundo. Era a Espanha. Com a crise, que coincidiu com o Brasil ter
mudado a nossa forma de remuneração por subsídio, a gente passou na frente, mas era
2º lugar.
Então há uma preocupação na construção das novas normas, e nas normas que estão
sendo revistas ou ampliadas e tal, de colocar essa determinação do trabalhador, sem
especificar nada de vínculo de emprego, sem remeter ao artigo 3º da CLT. Se remete ao
artigo 3º, mesmo que coloque o trabalhador já matou, porque ela tem um conceito do
que que seria o trabalhador, não é? Embora na CLT fale “considera se é empregado”, já
remeteria de vez.
Então tem essa preocupação de colocar isso para que aquela norma atinja todo o
universo de trabalhadores existentes.
Vai começar a construir uma nova norma agora sobre abate de aves que pode existir,
porque a gente já sabe que já teve uma tentativa de uma recuperação (aí você sabe mais
do que eu) de frigoríficos menores...
De frigoríficos menores...
É, menores...
Eu conheci lá em Mato Grosso de boi. De aves não sei se...
Não, eu estou falando de aves, mas eu acho que é de aves, suínos e bovinos.
Começou a pegar lá com o Aquidauana. Vários frigoríficos pensaram em
recuperar... Teve alguma experiência.
É. O da ave. O ave ficou bem na minha cabeça por causa do problema da L.E.R deles,
que fica... A ave passa penduradinha e é na hora deles fazerem os cortes. Nessas
bandejinhas que vem só asa, só coxa e tal, então o trabalhador só fica com uma
193
machadinha na mão, fazendo: “tum, tum, tum”. E aí ele não consegue levantar o braço.
Tivemos uma assembleia que foi piada, mas aí piada de humor negro. Eles foram votar
e ninguém conseguia levantar o braço pra votar. Estava todo mundo com L.E.R. Todo
mundo, todo mundo!
E a empresa começava a ganhar contratos, especialmente contratos no exterior, e
começava aumentar a velocidade [da produção], então os caras aumentavam a
velocidade do corte. É aquele Tempos Modernos, do Carlitos. É a mesma coisa!
E foi muito engraçado, porque assim, é um exemplo que eu uso na minha... Eu dou aula
no curso de Novos Auditores. Então eu sempre dou esse exemplo. A religião salvou
uma empresa – os trabalhadores de uma empresa. Aí o pessoal fala: “Como?” Eu falo
pra eles o seguinte: “Eles conseguiram um mega contrato com o mundo islâmico, e eles
vieram... Eles vêm pra cá frequentemente fazer uma inspeção...”
Da maneira que é produzido.
É. Primeiro: o frango tem que ser abatido voltado para Meca. Então eles estiveram aqui,
fizeram a medição, [viram] onde que era, como que o frango tinha que ser abatido. Tudo
direitinho. Tem toda uma regra. E alguns trabalhadores... Logicamente que eles vieram
numa turma enorme e eles têm todo seu rito religioso. Então tinha os horários de parar,
colocar o tapetinho, ajoelhar, se virar para Meca. E alguns trabalhadores se converteram
ao islamismo – poucos – e esses trabalhadores paravam nas horas que tinha que fazer as
orações.
E quando eles eram demitidos, eles iam reclamar com o comprador, e o comprador
exigia que eles fossem recontratados e falavam que aquilo era uma discriminação
religiosa. E aí os outros trabalhadores (aí foi muito engraçado porque teve a intervenção
da fiscalização com o Ministério Público) começaram a se converter para o islamismo,
para não ter que... para eles terem as pausas que os que exerciam essa religião, porque
os que exerciam a religião muçulmana tinham a folga e os outros não. Então começou
um monte de gente a se converter. Aí aquilo ficou estranho, porque era uma conversão
quase que compulsória, não porque era um sentimento dele com uma religião nova, com
uma fé nova que ele estava professando, mas era por causa das pausas que os outros não
tinham. E aí o ministério do Trabalho fez um acordo com o Ministério Público do
Trabalho, conseguiram reduzir... primeiro, conseguiram a pausa para todo mundo e
reduziram a velocidade da máquina. E aí essa empresa, hoje, quase não apresenta
problema de L.E.R., aqui, primeiro por causa das pausas e, segundo, a velocidade está
194
diminuída. Então a religião acabou salvando esse tipo de trabalhador.
Então, nessa construção dessa nossa norma, por causa disso, o exemplo dessa empresa
vai ser muito usado na construção da norma, não só pelas pausas, mas porque ela
reduziu a velocidade da máquina, embora, obviamente ela reduziu compulsoriamente
porque o ministério Público do Trabalho ameaçou e o ministério do Trabalho também,
mas conseguiu a redução da velocidade máquina, para isso incluir na nova norma.
E essa norma era até uma preocupação que independe se é uma cooperativa de
trabalhadores que assumiu a empresa, se é um grupo apenas de um, ou outro nome
qualquer que venha a ter, ou se é um vínculo de emprego normal, porque a norma é pra
ser aplicada no setor de abate desses animais, e ali a norma é o que a gente diz de
requisito mínimos para que as condições de saúde e segurança sejam garantidas para
aquela pessoa que trabalha aqui.
Então as normas de segurança já estão com essa preocupação, embora tenha uma
dificuldade lá na frente de saber como proceder, caso não cumpra uma notificação de
embargo, uma notificação...
Qual seria o instrumento...
Qual seria i instrumento adequado. Óbvio que a gente tem uns loucos. A gente fala que
louco sempre tem que existir, porque eles inventam... igual uma louca agora na...
A gente teve uma grande campanha, porque essa semana é a semana contra o trabalho
infantil no mundo e nós decidimos fazer uma coisa, que agora foi copiada. Ontem eu
fiquei sabendo que 84 países copiaram o que o Brasil definiu em fevereiro. O mote
mundial é contra o trabalho infantil perigoso. É assim: o dia 12 de junho é o Dia
Mundial Contra o Trabalho Infantil, no caso brasileiro é o Dia Nacional também, por
lei, e um tema é sugerido anualmente. O tema desse ano é trabalho perigoso, que
coincidiu com o tema que o Brasil está trabalhando desde 2008, que é “A erradicação do
trabalho infantil nas suas piores formas – prioridade já.” E trabalho infantil perigoso é
uma dessas piores formas. E a gente elegeu feira livre. Então, assim, foram duas
eleições que mexeu um pouco: primeiro feira livre, onde não há vínculo de emprego,
então a gente teve que trabalhar com parceria) e, segundo, o mundo inteiro... o mundo
inteiro não, 84 países copiaram a campanha, inclusive a campanha de cartaz que a gente
disponibilizou no site para quem quisesse fazer download...
Eles usaram mesmo?
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O Paraguai, o México, Luanda...
Que legal!
Angola, Cabo Verde. Timor Leste pediu o cartaz, a gente mandou porque a gente
conseguiu fazer antes, a gente só tirou os logos embaixo.
Português também, né?
[Risos]
É, por que o dele não precisava mudar muita coisa, né?
E a OIT, lá em Genebra, ela gostou tanto dos cartazes que ela verteu os cartazes para
algumas línguas e colocou no site dela para quem quisesse fazer o download.
Eu quero ver!
Ele não está aqui ainda porque a ASCOM[?] não... Ele está no corredor. Depois, a hora
que você passar, você vai ver. São 4 cartazes: um com ferro, um com lixão... É que a
gente quis fazer trabalho infantil doméstico... todos os perigosos. O trabalho no lixão...
Tem mais 2 que eu não lembro quais são. Um que tem um agrotóxico, mostrando a
agricultura, seja ela qual for, pode ser familiar ou não.
Bom, com isso, uma louca... Por isso que eu tava falando. Tem uma louca colega nossa,
ela simplesmente foi numa feira, em Natal, e a feira era autorizada pela prefeitura.
Como ela retirou num único dia, numa única manhã mais de 60 crianças, afastou mais
de 60 crianças, ela quis autuar. Só que os feirantes eram tudo os pais das crianças. O que
ela fez? Autuou o prefeito. O que vai acontecer, ainda ninguém sabe! [Risos] Mas pelo
menos deu uma mídia local enorme, né? Ministério do Trabalho autua o prefeito.
Porque é um pouco isso que eu... É quem responsabilizar. Por isso que eu... Porque
eu estou pensando até no...
Sim, mas numa cooperativa não tem uma diretoria?
Tem uma diretoria ou a própria cooperativa.
Tem uma Cicopa, que é a Confederação Internacional de Cooperativa de
Trabalho, eles... Até foi a base da justificativa, e depois eu queria perguntar pra
você do chamado artigo 7º do nosso Projeto de Lei das cooperativas de trabalho,
que tenta colocar, obrigar as cooperativas a cumprir alguns direitos mínimos. A
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base, que a Cicopa defende isso, está na construção que eles fazem, de que numa
cooperativa o trabalhador tem uma dupla condição: ele é associado da
cooperativa, portanto um dono coletivo dela, mas também trabalha pra própria
cooperativa, então ele...
É quase dupla subordinação, não é?
Exatamente.
Não é dupla subordinação, ele é dono de si mesmo.
É um duplo vínculo. Ele é patrão de si mesmo, digamos assim.
Isso.
Mas... E, portanto, você pode autuar a própria cooperativa como a responsável
pelo trabalho dos seus cooperados. Então teria essa figura para ser autuada, que
daí, lógico, é a diretoria que vai responder, mas é a cooperativa como um todo.
É, cooperativa, toda ela têm CNPJ, então isso não é difícil.
Para uma cooperativa eu acho mais fácil pensar isso, mas...
É, porque eu falo cooperativa porque eu já não sei os outros nomes que têm.
Não, não, não. Cooperativa que eu estou pensando é para trabalho associado,
digamos assim. Pode ser uma associação, pode...
É, mas eles também tem CNPJ.
É que todos eles... Daí é uma pergunta. Todos esses trabalhadores... A gente está
falando muito de empresas, digamos assim, mas parte dos trabalhadores hoje
atípicos, informais (me corrige se eu estiver errado), acho que uma parte são
trabalhadores assalariados sem carteira, informais – daí com todos os vínculos lá
do artigo 3º da CLT e que não só deve, como vocês... Depois eu ia perguntar: uma
porcentagem dos 15 milhões dos postos de trabalho criados no governo do Lula foi
pela atuação de vocês, não é?
Sim, 5 milhões.
Cinco [milhões] foram vocês?
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É. Hum, hum.
Um terço foi formalização de...
Foi por aqui, é.
Isso daqui devia ser mais... [Risos]
É. A gente falou. Mas é porque há uma divergência nos setores aí das estatísticas com
relação a isso, que até eu concordo. Eu te respondo já a outra [pergunta], porque esse
assunto está bem fresquinho na minha cabeça.
Obviamente a Fiscalização foi responsável pela inserção de 5 milhões de trabalhadores,
no período do governo Lula, no mercado de trabalho, sob a ação fiscal, só que 5
milhões...
E eram trabalhadores com ocupação, que a atuação da Fiscalização...
Sim, isso. E que estavam sem a carteira assinada, tá? Tinham todos os requisitos do
vínculo de emprego e tudo, então...
Para a Fiscalização, isso que é trabalho informal, tá? O camelô de rua, para nós, não é
trabalho informal, para a Fiscalização.
Ele é o quê?
Ele é um trabalhador à margem da nossa competência. A gente não fala o que que ele é.
Ele é informal no sentido da economia, porque ele está ali na informalidade, porque não
recolhe imposto – aquela coisa toda. Mas, para nós, ele não é informal porque ele não
tem vínculo de emprego.
Uma vez... Poderia ser entendido como um autônomo, por exemplo, um camelô...
Sim. Poderia, poderia.
Um vendedor de cachorro-quente, ou um cooperado.
Uma vez a Ruth eu lembro que ela falou mais ou menos o seguinte: do ponto de
vista da fiscalização, da legislação, um autônomo se aproxima muito mais de um
empregador do que de um empregado.
Sim. Se aproxima muito mais. Se você for olhar...
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O que significa isso, “se aproximar muito mais”?
É que ele está muito mais para ser... Porque o empregador é dono de um negócio. No
caso, ele é dono de um negócio. O cara que vende cachorro-quente ele é dono da
barraquinha dele, da carrocinha dele, e ele tem a liberdade de estar a hora que ele bem
entender e sair a hora que ele bem entender daquele ponto que ele escolheu pra ele,
independente se tem alvará, autorização da prefeitura ou não. Aqui nós estamos
analisando ele...
Igual, por exemplo, esses vendedores que ficam em porta de show. Eles não tão ali com
autorização de prefeitura, de governo nem nada. Eles estão ali porque tem um show e
eles vão se eles quiserem. Se eles não quiserem, eles não vão. Então...
Entre aspas, né?
Sim, entre aspas, lógico. É porque precisam ganhar a grana. Eu estou falando assim: se
der algum motivo para eles não irem – ficar doente ou... Vou citar o exemplo do meu
irmão, que tinha uma carrocinha de cachorro-quente. Fizeram busca, poff! Foi embora
todo o cachorro-quente pré-produzido em casa, né? Então aquele dia ele não trabalhou.
Não foi por vontade própria, mas aquele dia ele não trabalhou. Ele teve o prejuízo dele,
mas ele não teve que dar satisfação para ninguém. Então é nesse sentido que ele se
aproxima mais ao empregador.
Porque eu ia falar um pouco isso. Eu vou pegar um exemplo: você tem os
empregados – os empregados informais do ponto de vista da fiscalização, sem
carteira; você pode ter os cooperados. Agora, você tem um universo de
trabalhadores que são entendidos como autônomos, que não tem o... Mesmo que a
fiscalização for lá, não vai vê os pressupostos do emprego e que... Enfim, essa
categoria cada vez mais aparece por causa da reestruturação produtiva etc., tem se
ampliado.
Você lembra do GT8? Era um Grupo de Trabalho dentro do Fórum Nacional de
Trabalho?
Não. Eu não participava do Fórum, então...
Dentro foi criado um grupo de trabalho que, na época, 2004, etc., chamado “Micro
e pequenas empresas – autogestão e informalidade”, e que reuniu de tudo lá
dentro, eu lembro. Reuniu profissionais do sexo, garimpeiros, cooperados, e uma
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das falas que mais me chamava atenção era a dos motoboys.
Hum, hum.
Eu até outro dia, pro meu doutorado, eu estava retomando essas falas e ele dizia o
seguinte:... O representante era do Sindicato dos Motoboys de São Paulo, ou
Cooperativa... não me lembro se era cooperativa ou sindicato. Mas ele falava: “A
gente, motoboy, é entendido como autônomo, contribui para a Previdência como
autônomo. Agora, do ponto de vista concreto, apesar da gente não ter um patrão
fixo, a gente tem horários de trabalho determinados pelos nossos contratantes.
Esses contratantes muitas vezes são pulverizados, mas exigem da gente que
entregue em tanto tempo. Então uma subordinação existe. Não é para um, pode
ser... Mas existe uma subordinação, existe uma continuidade do trabalho. Ou seja,
a questão da hipossuficiência também está presente, apesar de sermos autônomos
e...
Ou a mesma coisa (eu peguei o exemplo do Marcelo) dos taxistas, que aqui em
Brasília é muito... Os caras alugam carro de um terceiro, tem que cumprir
obrigação com esse terceiro, jornadas de trabalho de 24, 30 horas por dia. Ou seja,
eles não são empresários, eles não têm a liberdade de decidir fechar etc., mas não
tem nenhuma rede de proteção de condições de trabalho, de...
Não, não tem. O que, por exemplo...
Quando você fala no motoboy, eu lembrei de um caso que aconteceu em Salvador. É
como se fosse o Giraffa’s de lá. A Fiscalização considerou que eles eram todos
empregados porque tinha todos os pressupostos de empregado: ele tinha que cumprir
horário, ele tinha meta a cumprir por dia, ele tinha... Ele obedecia exatamente às
determinações da empresa, que era entregar em tantos minutos o produto, e tinha um
salário. Podia não ser chamado salário, mas ele tinha uma remuneração, que no caso
específico lá era por dia, e os caras, os motoboys, eles prestavam serviço para outras
empresas, não era somente para empresa de sanduíche. A fiscalização considerou aquilo
como “coisa”, foi até para a justiça e ganhou. A fiscalização ganhou a história lá de que
houve o vinculo
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