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    DOI: 10.4025/reveducfis.v23i3.15320

    Rev. Educ. Fis/UEM, v. 23, n. 3, p. 431-442, 3. trim. 2012

    A APRENDIZAGEM PROFISSIONAL NA PERCEPO DE TREINADORES DEJOVENS SURFISTAS

    PROFESSIONAL DEVELOPMENT PERCEIVED BY COACHES OF YOUNG SURFERS.

    Valmor Ramos

    Vinicius Zeilmann Brasil

    Ciro Goda***

    RESUMOO objetivo do estudo foi descrever a percepo dos treinadores sobre sua aprendizagem profissional no surfe interpret-lasem conformidade com a literatura especializada. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com estudos de caso mltiplos,envolvendo 11 treinadores com reconhecida competncia na formao de jovens em Florianpolis, Brasil. Os dados foramcoletados a partir de entrevistas estruturada e semi-estruturada. Para a anlise dos dados utilizou-se a tcnica de anlise decontedo. Os resultados mostram que os treinadores valorizam vrias fontes informais de conhecimento. O compartilhamentode conhecimentos, a soluo de problemas e a observao de outros profissionais foram essenciais para a construo doconhecimento profissional. Conclui-se que os profissionais aprendem a partir do engajamento espontneo no domnioespecfico da prtica do surfe de um processo de socializao dentro de um contexto sociocultural deste esporte.

    Palavras-chave: Educao fsica e Esporte. Formao do treinador. Surf.

    Doutor. Professor do Centro de Cincias da Sade e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina,Florianpolis-SC, Brasil.

    Livre Docente. Professor do Centro de Cincias da Sade e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina,Florianpolis-SC, Brasil.

    Mestre. Centro de Cincias da Sade e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianpolis-SC,Brasil.

    INTRODUO

    A aprovao das Diretrizes Curriculares

    Nacionais (Resoluo N 01/CNE/2002 eResoluo N 07/CNE/2004) definiu asorientaes gerais para a formao de futurosprofissionais de Educao Fsica, possibilitandos instituies de ensino superior do pas acriao de cursos distintos para formarprofissionais com Licenciatura ou Bacharelado.Relativamente ao primeiro, a perspectiva formar professores para intervir exclusivamenteno mbito da Educao Fsica escolar, enquantoo segundo o de habilitar profissionais paraatuar em diferentes formas de manifestao domovimento humano ou atividade fsica, fora docontexto escolar (jogos, danas, ginsticas, lutase esportes) (BENITES; SOUZA NETO;HUNGER, 2008; BETTI, 2005; BRASIL, 2004;HUNGER et al., 2006; PEREIRA; MOREIRA,2008)

    Nesse sentido, os cursos de formao debacharis passam a assumir algumasresponsabilidades na formao de profissionais,

    para atender demandas de interveno de ummercado de trabalho abrangente, vinculado aotreinamento esportivo, preparao fsica,avaliao fsica, recreao, orientao deatividade fsica e gesto na Educao Fsica eesportes, conforme Resoluo CONFEF n046/2002.

    Particularmente no mbito do treinoesportivo, Gilbert e Trudel (2004) destacam asdiferenas entre a formao de professores paraas escolas, em contraste com o processo atual deformao profissional para treinadores.Enquanto os professores possuem um sistema deformao de nvel superior, com vrios anos depreparao e com estruturas claramentedefinidas, a qualificao profissional dotreinador tem dependido muito mais dadisposio e responsabilidade pessoal do que de

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    uma estrutura de conhecimento formalmenteinstitucionalizada.

    Por outro lado, a busca pela qualificaopara a interveno no mbito esportivo temgerado dois direcionamentos importantes e inter-relacionados: O primeiro se refere reformulao e tambm criao de programasformais de formao ou certificaoprofissional, por entidades governamentais,associaes e federaes esportivasespecializadas (NORDMANN; SANDER, 2009;TRUDEL; GILBERT, 2006; WRIGHT;TRUDEL; CULVER, 2007). O segundodirecionamento se refere realizao de estudosempricos, para identificar as peculiaridades dos

    processos de aprendizagem dos profissionais eos conhecimentos construdos a partir dessesprocessos (ABRAHAM; COLLINS;MARTINDALE, 2006; CUSHION; ARMOUR;JONES, 2006; JONES; ARMOUR; POTRAC,2002).

    De modo geral, os estudos sobre oconhecimento dos treinadores tm sidorealizados pela combinao de mtodosqualitativos, para determinar o que eles sabemsobre como ensinar e como construram estes

    conhecimentos (DORGO, 2009; LEMYRE;TRUDEL; DURAND-BUSH, 2007). A inteno examinar a experincia e trajetria de vida detreinadores, descrevendo as crenas erepresentaes contidas na memria individualdesses profissionais e, desse modo, reconstruirnovos direcionamentos e balizamentos para odesenvolvimento dos prprios treinadores(GARCIA; PORTUGAL, 2009; JONES;ARMOUR; POTRAC, 2004).

    Grande parte desses trabalhos tem sidofocada em treinadores de alto rendimento,

    nomeadamente os estudos de Abraham, Collinse Martindale (2006); Fleurance e Cotteuax(1999), Gould et al. (1990), Irwin, Hanton eKerwin (2004), Jones, Armour e Potrac (2003,2004), Salmela (1995), Schempp, Templemton eClark (1998), Schempp et al. (2007). Emboraesses estudos tenham sido realizados emcontextos ou pases diferentes (Inglaterra, NovaZelndia, Austrlia, EUA, Frana, Canad), eem modalidades esportivas diversas, osresultados obtidos por meio de procedimentos

    qualitativos de pesquisa, mostraram que aspercepes dos treinadores quanto

    contribuio dos programas formais deaprendizagem profissional para a intervenopedaggica so dspares e, que a experincia de

    jogador e a discusso com treinadores tm sidofontes importantes de aprendizagem.

    No mbito do esporte para jovens, pode-secitar os estudos de Erickson et al. (2008);Gilbert e Trudel (2004), Lemyre, Trudel eDurand-Bush (2007), Ramos et al. (2011),Stephenson e Jowett (2009), Wright, Trudel eCulver (2007), cujos resultados tm evidenciadoque treinadores de jovens desenvolvem suacapacidade de interveno a partir de umnmero variado de fontes de conhecimento.

    De fato, as dificuldades com a formao de

    profissionais para a interveno no esporte tmse ampliado, tambm, em virtude do surgimentoe da institucionalizao de novas prticas dacultura corporal. H, neste contexto dinmico,novas opes de interveno para o bacharel emEducao Fsica que demandam, igualmente,conhecimentos pedaggicos especficos. A aoque se impe diante deste panorama contribuircom as entidades formadoras, sejam elas,Universidades, Associaes e Federaesesportivas, na criao de elementos que possam

    atender as expectativas de preparao ouqualificao para essas novas demandas.Neste contexto atual, portanto, oportuno

    destacar as prticas denominadas esportes denatureza, e em especial o surf, por suapopularizao e tambm seu nvel deorganizao institucional alcanados nas ltimasdcadas (DIAS, 2009). Alguns dados maisrecentes mostram que esta modalidade tem sidopraticada em mais de 70 pases, poraproximadamente 17 milhes de pessoas. NoBrasil, so estimados cerca de 2,7 milhes de

    praticantes (BASE et al., 2007; CARLET;FAGUNDES; MILISTEDT, 2007; MOREIRA,2009), configurando-se, desse modo, em umcampo de interveno importante para oprofissional de Educao Fsica.

    Algumas iniciativas de incluir o surf comomatria de ensino no contexto universitrioparecem reconhecer esta possibilidade deinterveno, fazendo surgir propostasestruturadas de formao em alguns pases,nomeadamente, Austrlia, Estados Unidos,

    Reino Unido, Portugal e Brasil (MOREIRA,2009). Por outro lado, Associaes,

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    Confederaes e Federaes especficas damodalidade tem elaborado seus prpriosprogramas de formao profissional. No Brasil,estas iniciativas so protagonizadas peloInstituto Brasileiro de Surf Ibrasurf,Confederao Brasileira de Surf CBS eAssociaes regionais da modalidade, citando,como exemplo, a Associao Catarinense deEscolas de Surf ACES.

    Levando em conta as alteraes conceituaise estruturais no mbito da formao deprofissionais de Educao Fsica e dos esportes,assim como as novas demandas para ainterveno nas diversas reas da cultura domovimento humano (ANTUNES, 2007;

    HUNGER et al., 2006; NASCIMENTO, 2002;SOUZA; MARTINELLI, 2009), o estudo que seapresenta tem como objetivo examinar aspeculiaridades do processo de aprendizagem dosprofissionais que atuam no ensino do surf, emescolas especficas para a iniciao esportivadesta modalidade. Especificamente, trata-se dedescrever e interpretar as percepes pessoaisdestes profissionais sobre a forma comoobtiveram seus conhecimentos para ensinar.

    Deve-se destacar que o profissional de

    ensino do surf recebe denominaes poucoconsensuais, sendo designado como professor,instrutor, treinador ou orientador de surf. Nesteestudo, adotou-se a denominao de treinadoresde surfpara designar os profissionais que atuamno ensino da modalidade. Esta umadenominao que parece ser mais coerente comaquela encontrada na literatura internacional,sobre os estudos na formao dos profissionaispara o ensino dos esportes para jovens (youthsports coaches).

    Os treinadores de esportes de jovens so

    reconhecidos por atuarem em contextosesportivos especficos que incluem o ensino de

    jovens para uma prtica esportiva recreativa(recreational sport coaching) e, tambm, umaprtica sistemtica para o desenvolvimento ouformao de jovens esportistas para aparticipao em competies formais na faseadulta (developmental sport coching). Ambosenfatizam o lazer, a aprendizagem especfica e aparticipao dos jovens no esporte, sobrepondo-se aos valores do rendimento desportivo

    encontrados no contexto do treinador de esporte

    de elite (elite sport coaching) (LYLE, 2002;TRUDEL; GILBERT, 2006).

    MTODOS

    Neste estudo adotou-se um delineamento depesquisa qualitativo, uma denominao maisabrangente que engloba uma diversidade deprocedimentos na qual o investigador recolhe asinformaes de forma direta, e as descreve apartir de uma anlise indutiva dos dados(DENZIN; LINCOLN, 1994). Utilizaram-setambm procedimentos de pesquisadenominados estudo de casos mltiplos, de

    carter descritivo interpretativo, conformeThomas e Nelson (1990) e Yin (2001).Para a incluso dos sujeitos, utilizaram-se os

    seguintes critrios: a) possuir o mnimo de cincoanos de experincia no ensino do surfem escolaespecializada; b) expressar motivao edisponibilidade para participar do estudo; c)estar atuando durante o perodo da pesquisa; d)dedicar-se integralmente ou prioritariamente aatividade de ensino do surf; e) estar cadastradona Associao Catarinense das Escolas de Surf-ACES f) possuir reconhecimento profissional

    diante dos seus pares, verificado por meio deconsulta direta aos dirigentes da ACES,treinadores formadores da ACES e a cada umdos treinadores que participaram do estudo, medida que se enquadraram nos itens a), c), d),e). O objetivo foi identificar quem elesreconheciam como bom profissional ou quetivesse demonstrado ao longo do tempo,qualidade no ensino do surf. Basicamente, elesforam indagados sobre quem era um bomprofissional e por qu? Estes critrios foram

    adotados a partir dos estudos de Gilbert e Trudel(2004) e Berlinder (2000). Foram investigados11 treinadores de surfpara jovens, sendo dez dosexo masculino e um do sexo feminino, comidade entre 28 e 52 anos.

    Relativo formao acadmica, trs sograduados em Educao Fsica e os demais emDireito (1), Filosofia (1), Histria (1), Turismo(1), Engenharia (2). Dois treinadores possuemformao no Ensino Mdio. Quanto experincia de prtica pessoal, todos osprofissionais praticaram a modalidade desde ainfncia, tendo uma experincia mdia de 27anos (min.20; mx. 40 anos). A experincia de

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    prtica profissional como treinador de surf foide 18 anos (min.8; mx. 30 anos). Todos osinvestigados estavam credenciados no ConselhoRegional de Educao Fsica e filiados associao de escolas da modalidade.

    Coleta dos dados

    Os dados foram coletados a partir deentrevista estruturada (GIL, 1995) esemiestruturada, aplicadas em local previamentedeterminado e reservado, de acordo com aconvenincia dos entrevistados. O roteiro deentrevista estruturada foi elaborado a partir deestudos de Ramos (1998), em que foramabordados temas sobre a identificao dostreinadores, nvel de formao, tempo e nvel deexperincia de prtica pessoal e profissional noensino do esporte. A entrevista semiestruturadafoi realizada na segunda etapa da coleta dedados, cujo roteiro foi organizado a partir daadaptao do estudo de Ramos (2008). Ainiciativa de adotar estes roteiros surgiu paraassegurar alguma validade de constructo econtedo ao roteiro de entrevista comtreinadores de surf, j obtida, anteriormente, noestudo sobre treinadores de jovens de

    basquetebol. Neste sentido, as perguntaspermitiram obter narrativas contextualizadas dossujeitos sobre suas biografias, particularmente, atrajetria da experincia de prtica pessoal eprtica profissional, episdios marcantes de suasexperincias, nvel de valorizao pessoal paraas experincias e onde cada um deles julga terobtido conhecimentos para ensinar.

    A entrevista desta natureza aproxima-se dequestionrio aberto, cuja formulao e ordemdas questes foram previamente estabelecidas,mas permitiram tanto aos investigadosfornecerem respostas longas, quanto aopesquisador intervir para estimular respostasmais completas e profundas sobre a temtica,conforme Ghiglione e Matalon (1997).

    As respostas emitidas pelos sujeitos dapesquisa foram captadas por meio de gravadordigital e armazenadas em microcomputador. Otempo mdio de durao de cada entrevista foide 60 min. Todas as entrevistas foram transcritasliteralmente, com o auxlio dos programasWindows Media Playere Word, e os resultados

    analisados com o QSR Nvivo. Para a transcrio

    de cada entrevista foi necessrio um intervalo detempo aproximado de 12h.

    Todos os participantes foram informadossobre os objetivos da investigao e assinaram orespectivo Termo de Consentimento para agravao e divulgao das informaes. Oprojeto foi avaliado por umComit de tica emPesquisa com Seres Humanos e, atende asnormas de pesquisa (Parecer n 187/2009-Udesc). Para preservar o anonimato dosinvestigados, adotaram-se letras e nmeros (T1,T2, T3), identificando no texto, os dados decada sujeito.

    Anlise dos dados

    Para classificar as fontes de conhecimentodos treinadores adotaram-se as definies deNelson, Cushion e Potrac (2006), denominadas,aprendizagem Formal, No-formal e Informal.Para classificar as situaes de aprendizagemdos treinadores de jovens, utilizou-se comoreferncia os estudos de Wright, Trudel e Culver(2007), Erickson et al. (2008). A anlise dosdados, portanto, foi realizada a partir dautilizao da tcnica de anlise de contedo comcategorias determinadas, a priori, para

    possibilitar o confronto dos dados encontradosneste estudo com estudos realizados em outroscontextos esportivos. Segundo Bardin (1979, p.44), anlise de contedo corresponde a umconjunto de tcnicas de anlise dascomunicaes utilizadas para explicitar esistematizar o contedo das mensagens. abusca dos significados, procurando conheceraquilo que est por trs das palavras sobre a qualse debrua. Este processo sugere trs etapasprincipais, definidas pelo autor como: a pr-anlise, na qual h a organizao dos dados e aescolha dos documentos a serem analisados.Neste caso, as entrevistas e transcries. Asegunda etapa do processo de anlise aexplorao do material, que consistiu nacodificao dos textos ou transcries brutas emrepresentaes de contedo, identificando asunidades de significado, em funo das classesde anlise. A terceira etapa est relacionada aotratamento dos resultados, onde foram realizadasa contagem da frequncia das unidades e aorganizao dos resultados. Para conferir

    validade descritiva e interpretativa dos dados,foram empregados procedimentos de checagem

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    pelos participantes, que consistiu naconfirmao dos sujeitos sobre as descries einterpretaes realizadas pelos investigadores(ALVES, 2002; ALVES-MAZZOTTI;GEWANDSZNAJDER, 2004; YIN, 2001)

    RESULTADOS

    As fontes de conhecimento para o ensino dostreinadores desurf

    Para classificar o modo como estesprofissionais obtiveram o conhecimento paraensinar, adotou-se a terminologia utilizada por

    Nelson, Cushion e Potrac (2006). Nestaperspectiva so consideradas trs possibilidades:A aprendizagem do tipo Formal, decorrente deum sistema de formao ou certificao,organizado institucionalmente por nveishierrquicos de conhecimento, realizado por umperodo de tempo de mdio ou longo prazo. Aaprendizagem do tipo No-Formal se refere oportunidade idealizada para fornecerconhecimentos para subgrupos particulares dapopulao, em perodos de tempo mais curtos,suprindo a ausncia de um programa formal. Otipo de aprendizagemInformal consiste em umaoportunidade mais livre de obteno doconhecimento, a cargo do aprendiz, decorrentede situaes e relaes de informalidade e depouca estruturao burocrtica.

    Tabela 1 Classificao das situaes deaprendizagem

    Contexto deaprendizagem

    Situaes de aprendizagem Fq.

    Formal Ps-graduao 1

    No- formalCurso da associaoCurso internacional 1

    1Informal Experincia

    Compartilhamento de informaesStios especializados naInternet

    ReflexoObservar outros treinadores

    Livros, revistas e filmes.

    383643

    Ao serem questionados sobre de ondeobtiveram o conhecimento que possuem sobre o

    ensino, os treinadores de surf indicaram novesituaes distintas de aprendizagem (Tabela 1).

    A situao de aprendizagem mais comum entreos treinadores se refere ao compartilhamento deinformaes entre eles (8). Ou seja, treinadoresde surf citaram que suas principais fontes deconhecimento e na qual se apoiam para realizarsuas tarefas de ensino, decorreram da troca deinformaes com outros profissionais. Estescompartilhamentos de conhecimentos ocorreramem [...] eventos sociais, festas [...] (T3),vinculados ao surf e tambm nas [...] relaescom outros treinadores [...] (T7), estabelecidasno contexto de prtica pessoal da modalidade.Intervalos de tempo, durante a participao emreunies de associao, tambm foram citadoscomo momentos importantes de aprendizagem.

    Alguns treinadores indicaram que buscamcontatar com outros profissionais de outrasescolas para uma [...] troca de informaes[...] (T6) e [...] feedback com outras escolas[...] (T10) sobre as prticas de ensino. Aindamais, treinadores indicaram que, em incio decarreira, foram auxiliados por amigos quecompartilharam seus conhecimentos, [...]explicando os primeiros passos [...] de [...]como passar a tcnica do surf (T1).

    Para Mallett et. al. (2009), este modo de

    interao entre as pessoas remete a um tipo deaprendizagem informal autoguiada, em que aaprendizagem ocorre sem mediao ouintermediao significativa de mentores,professores ou treinadores mais experientes.Nesta forma de aprendizagem informal, oesforo voluntrio e a autonomia de deciso doprofissional para buscar respostas aos seusproblemas da prtica de ensino so ascaractersticas mais marcantes.

    A segunda situao de aprendizagem maiscomum entre os treinadores est relacionada ao

    processo de reflexo (6) desencadeado noconfronto com os problemas ou dilemas daprtica. Para caracterizar esta forma deaprendizagem, estes treinadores indicaram queaprenderam [...] refletindo sobre sua prtica dodia a dia, na praia [...] (T2); [...] analisando eexperimentando sua prpria metodologia [...](T7); [...] refletindo sobre sua prtica com osalunos [...] (T6). Ainda mais, destaca-se oexcerto de um dos profissionais, ao explicar asua forma particular de aprender a ensinar na

    prtica:

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    Errar e aprender uma coisaestimulante para o ser humano.Aprender atravs do erro, atravs daexperincia e, quando voc passa a

    ajudar as pessoas, voc passa a criar ummtodo e, para facilitar o teu trabalho,voc vai simplificando e vaiaperfeioando o mtodo (T8).

    De forma sucinta, entende-se por reflexo, umtipo de pensamento que consiste em examinarmentalmente um determinado assunto e dar-lhealguma considerao consecutiva e coerente(DEWEY, 1979). Para os treinadores, o processoreflexivo contribui para a criao de novassolues ou novas estratgias de ao, constituindo

    repertrios teis para a resoluo de novosproblemas prticos ou desafios do cotidiano detreino (CASSIDY; JONES; POTRAC, 2004;GILBERT; TRUDEL, 2001, 2005).

    O conceito da reflexo aplicado formaoprofissional tem sido a via mais apropriada paraaquelas profisses em que os problemas estomal definidos, ou seja, os profissionais sosempre levados a agir sobre situaes incertas,singulares e conflituosas. O treinador, enquantoprtico reflexivo, no deve apenas resolver ou

    encontrar soluo a problemas pr-definidos,mas, antes de tudo, deve ser capaz de perceber oproblema (TRUDEL; GILBERT, 2006;GILBERT; TRUDEL, 2004).

    A terceira situao de aprendizagem maiscomum entre os profissionais investigados foi aobservao de outros treinadores (4). Nestaperspectiva, eles observavam outros treinadoresa atuar na tentativa de [...] comparar com a suametodologia pessoal [...] (T3). Ou ainda,observavam outros em situaes de ensino,dando mais ateno quele que [...] achava

    mais interessante [...] e possuidor de ummtodo legal [...] (T2).

    A observao pode ser classificada comoum tipo de aprendizagem informal guiada oumediada, na qual o treinador que est em buscade conhecimento observa algum, que, namaioria das vezes, um treinador maisexperiente ou detentor de um conhecimentosuperior sobre ensinar. Mesmo sendo informal,h algum direcionamento de aprendizagem nessasituao, porque o observador fica exposto a

    uma forma especfica de atuao do treinadormais experiente (MALLETT et al., 2009).

    A aprendizagem por observao tem sidointerpretada, tambm, a partir do fenmeno damodelao. A aprendizagem entendida dessemodo considera que a maioria doscomportamentos que uma pessoa dominadecorre da observao que realiza de outraspessoas mais prestigiadas ou tidas como modelopositivo ou que o observador possui admirao,afeto ou afinidade pessoal (BANDURA et al.,2008).

    Outras situaes de aprendizagem informalforam citadas pelos treinadores investigados,especificamente a experincia (3), uso dainternet (3), leitura de livros, magazines, filmesou documentrios com a temtica do surf(2). A

    experincia a que se referem indicada comoexperincias de vida dentro de um contextoespecfico de relaes, provenientes do seucontato dirio com a prtica do surf. Pode-seponderar que o termo experincia remete a umprocesso mais prolongado e complexo derelaes, derivada de vrias fontes deconhecimentos e geradora de um tipo deaprendizagem incidental, e ainda poucoconscientizada (irrefletidas) pelos treinadores,conforme Mallett et al. (2009). Assim, pode

    haver uma participao dessas experincias noconhecimento de ensino desses profissionais,mais do que eles mesmos tenham refletido ouexaminado, necessitando, portanto, de umexame mais detalhado em estudo posterior.Ainda mais, estudo com treinadores dereconhecida competncia tem mencionado que otempo elevado de experincia de prtica pessoaltem sido um fator determinante na construo doconhecimento profissional do treinador(TRUDEL; GILBERT, 2006).

    O uso da internet e, particularmente os sites

    especficos sobre surf, so indicados pelostreinadores como fonte de obteno deconhecimentos. So buscas a sites deassociaes, pginas pessoais, Facebook, ondeesses profissionais buscam confrontar sua formade ensinar, adquirindo conhecimento de todaordem, sejam eles sobre motivao de alunos,estratgias de interveno, progresso doscontedos. Conforme se verifica no excerto aseguir:

    Tenho mantido muita pesquisa nainternet. Site de escola de surf. Jvasculhei quase todos do mundo,

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    coloco escola de surf e surf school vaibuscando e sempre tem site que tuconsegue ter uma informao. J entreiem contato com alguns, pelo contato

    deles mesmos e Falei: - sou professorde surf aqui em Florianpolis, vi quetem uma foto de vocs fazendo talcoisa. Tem um ou outro que noresponde, mas at tenho tido bastanteresposta legal, tenho tido bastantecontato legal. O Facebook, agora,tambm tem sido fantstico, at tenhovisto as pessoas com vontade de dividirbastante informao, por exemplo, temo pessoal da praia A, que inventou oplano B de ficar em p. At ento nsfazamos pulando, a reparou-se que sea pessoa j deixasse o p de trsapoiado na prancha, o joelho meiocurvado, j como se fosse um apoio emtrs pontos (T3).

    Verificou-se que treinadores indicaramlivros como fonte de informao. Contudo, noforam citados livros que tratam especificamentede aspectos pedaggicos do surf. So poucasobras que contemplam aspectos do contextoespecfico ou cultura do surf, histria, fatos,

    fisiologia e temas ligados aos hbitos de vidados surfistas. Os filmes e magazines, por suavez, tm mais um carter informativo sobre surfe servem como fontes gerais de informao.Esse material requer um exame apurado, paraque se possa verificar como decorre o processode seleo e valorizao das informaescontidas nas revistas, por parte dessesprofissionais.

    O contexto formal foi citado apenas por umtreinador. O nmero de treinadores graduadosem Educao Fsica foi reduzido (3) e, mesmo

    eles, no destacaram a contribuio dos seuscursos formais no seu conhecimento sobre oensino. O curso de ps-graduao indicado foiem nvel de especializao e no foi promovidopor faculdade de Educao Fsica.

    Em relao aos cursos no-formais, asmanifestaes estiveram ligadas contribuioque estas iniciativas forneceram sobre adelimitao do campo de atuao, organizaolegal da profisso e algum balizamento daestrutura curricular.

    Embora os cursos de associao ou as fontesno-formais no tivessem sido citados como as

    fontes mais importantes para a construo doconhecimento para o ensino, treinadoressugerem que esta etapa deva ser consideradapelos novos profissionais, ingressantes na rea.Para eles, utilizar-se desse meio [...] encurtacaminhos [...] (T11), ou seja, nos ltimos anos

    j se percebe a criao e organizao de umconjunto importante de conhecimentosempricos sobre o ensino do surf, que podemlev-los obteno de xitos, seja na gesto doseu empreendimento ou na sua intervenopedaggica propriamente dita. De outra parte, acriao de associao especfica da modalidade recente e as atividades de formao (cursos,clnicas) podem ter surgido, aps muitos deles j

    estarem em atuao.

    DISCUSSO DOS RESULTADOS

    Os resultados deste estudo indicam que ocompartilhamento de informaes entre osprprios profissionais uma fonte importante deconhecimentos para o ensino do surf. Ocompartilhamento ou interao de treinadores,tambm foi uma forma de aprendizagemprofissional valorizada por treinadores de jovens

    de vrias modalidades, investigados porErickson et al. (2008), no Canad. No estudo, ainterao foi a segunda fonte mais importante deinformao, seguida pelo que eles denominaramde aprender fazendo (by doing).

    Tambm nos estudos de Lemyre, Trudel eDurand-Bush (2007); Wright, Trudel e Culver(2007), realizados no Canad, com treinadoresde jovens de hquei no gelo, futebol e beisebol,a interao foi um elemento muito valorizadopara a aprendizagem profissional. Nesses casos,

    as interaes ocorreram entre membrosvinculados a uma mesma associao desportiva,a exemplo do que ocorreu nesta investigaosobre o surf. Por outro lado, as interaes sociaisnesses estudos foram ainda mais amplas porqueocorreram entre membros do prprio clube,como administradores, assistentes de ensino,treinadores de equipes de jogadores adultos doclube e outros.

    Deve-se ressaltar, que nos estudos deWright, Trudel e Culver (2007), os treinadoresde jovens no trocavam informaes comtreinadores que fossem seus adversrios emcompeties, pela rivalidade presente no

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    contexto. Do mesmo modo, Gilbert e Trudel(2004), ao investigar seis treinadores de jovensno futebol e hquei no gelo, verificaram quetodos se deixaram influenciar pela rivalidade dascompeties e enfatizaram valores sociais decompetitividade em suas aes pedaggicas.

    Particularmente para este estudo sobre osurf, esta uma situao em que no hparmetros de avaliao, primeiro porque no sepercebeu uma estrutura formal e sistematizadade competio de jovens que envolvadiretamente as escolas e os jovens surfistas,colocando os treinadores em situao derivalidade. De outro modo, pode-se, ainda,especular que os valores sociais que os

    treinadores de surfpreconizaram em sua prticadiria, esto mais prximos do que deve serenfatizado no esporte de jovens, nomeadamente,a participao, o lazer e a aprendizagem dehabilidades, como sugerem Trudel e Gilbert(2006), Lyle (2002).

    Deve-se interpretar a situao deaprendizagem por compartilhamento, como umtipo de troca informaes que se desenvolveespontaneamente, a partir de um conjunto deinteraes sociais, dentro de uma rede de

    comunicaes estabelecida entre pessoas,imbudas por um mesmo propsito. Oconhecimento e a aprendizagem nessaperspectiva tm uma natureza social, na qual asinformaes viajam de uma pessoa para outra,utilizando-se da linguagem, nos dilogos. Cadaconversao que se estabelece constitui-se,tambm, em uma experincia individual, porquecada pessoa confronta os conceitos econhecimentos que possui, com o que a outraexpressa, reconstruindo ou acrescentando novosconceitos e conhecimentos ao seu repertrio

    pessoal (ALLE, 2000).Como afirmam Cassidy, Jones e Potrac

    (2004), Trudel e Gilbert (2006), a atividade dotreinador no se realiza em algum vcuo social.Por outro lado, ela se desenvolve em umambiente de experincias sociais complexas, queenriquecem e complementam as experinciasindividuais das pessoas. Muitos modos de aodos treinadores so construdos diretamente,durante as interaes pessoais de dilogo etambm de observao dos outros.

    A reflexo tambm foi uma situao deaprendizagem destacada nos resultados, sendo a

    segunda mais citada. De fato, os estudosrealizados para identificar as principais fontes deconhecimentos de treinadores de jovens tminterpretado a reflexo como um fatorfundamental e que complementa as demaissituaes de aprendizagem (GILBERT;TRUDEL, 2001, 2004; RAMOS et al., 2011;STEPHENSON; JOWET, 2009; WRIGHT;TRUDEL; CULVER, 2007).

    A aprendizagem profissional, nestaperspectiva, deve ser vista a partir de duasfacetas, uma externa que engloba todas asexperincias pessoais do contexto de vida e, umainterna, representada pelos processos dereflexo-na-ao, reflexo-sobre-a-ao e na

    reflexo-sobre-a-reflexo-na-ao.Resumidamente, a reflexo-na-ao ocorrequando pensamos durante uma ao que estamosrealizando; a reflexo-sobre-a-ao ocorre apsa realizao da atividade; e reflexo-sobre-a-reflexo-na-ao que um tipo de pensamentoretrospectivo sobre os processos anteriores(GILBERT; TRUDEL, 2001; SCHN, 2000).

    Este processo de construo doconhecimento a partir da reflexo foidenominado por Schn (2000) de conhecimento

    na ao, sendo investigado no mbito dosesportes para jovens por Gilbert e Trudel (2001).No estudo, os autores tentaram descrever acontribuio do processo reflexivo naaprendizagem profissional de seis treinadores defutebol e hquei no gelo. Os resultadosmostraram que a reflexo-sobre-a-ao foi o tipode reflexo mais importante em comparao sdemais. Os autores destacaram que essesresultados devem ser interpretados com cautela,devido a limitaes metodolgicas para seinvestigar um processo de pensamento, a partir

    da observao de comportamentos. possvel sugerir que, apesar de os

    objetivos deste estudo sobre os treinadores desurfestarem voltados descrio das fontes deaprendizagem profissional, pde-se verificarindcios de que o processo de reflexo-na-aofoi uma forma importante no processo deaprendizagem destes treinadores. Nos excertosdestacados no texto, verifica-se que asmetodologias prprias que desenvolveram,decorreram de um processo de tentativa de

    acertos e erros sobre as situaes do cotidiano.

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    Neste sentido, o processo de reflexo-na-ao, tambm pode ser considerado como umaprender fazendo e, caracteriza-se por umasequncia de tentativas ou hipteses que oprofissional elabora mentalmente, no intuito deresolver problemas de ensino, medida que elessurgem. Ao formular hipteses e obter xito naresoluo do problema, cria-se uma novaestratgia de ao que acrescentada suamemria, ampliando o seu repertriopedaggico de interveno. No caso dainadequao da hiptese (erro), novas tentativasso elaboradas at que ocorra uma hiptese queresolva o problema (acerto) e a obteno doxito (SCHN, 2000).

    Em relao aprendizagem por observao,Cushion, Armour e Jones (2003), Cushion eJones (2001), Gilbert e Trudel (2001), destacamque a experincia de prtica pessoal e aobservao so ainda as fontes de aprendizagemmais valorizadas por treinadores de jovens,sobretudo quando ainda esto em incio decarreira profissional. Os treinadores maisexperientes, quando so observados, influenciame deixam marcas nos treinadores mais jovens,que aceitam e aprendem voluntariamente ou

    involuntariamente, modos de ao maiselaborados.Estudos realizados por Stephenson e Jowett

    (2009), Ramos et al. (2011), no futebol ebasquetebol respectivamente, confirmam aprimazia do uso da observao, principalmenteno incio da carreira de treinadores de jovens.Porm, os resultados dos estudos de Erickson etal. (2008) e, particularmente neste estudo comtreinadores de surf, a observao no foimencionada na mesma ordem de importncia.

    De fato, pode-se considerar que a figura do

    treinador mais experiente, habitualmenteencontrada nos esportes tradicionais, no existiupara quase a totalidade dos sujeitosinvestigados, de modo a mediar informal ouformalmente alguma aprendizagem profissional.Os seus conhecimentos e habilidades para aprtica pessoal do surf, por exemplo, foramobtidos de forma autnoma, por tentativa e erroe sem que houvesse uma escola ou professorespecializado para ensinar o surf. Nestascircunstncias, houve a reduo da possibilidade

    da aprendizagem profissional que Mallett et al.(2009) denominaram de incidental e, na qual o

    jovem ou o aprendiz incorpora formas deensinar a partir da observao que faz dotreinador mais experiente.

    Segundo Trudel e Gilbert (2006), em umcontexto desportivo tradicional, as pessoaspassam por um processo de socializao desde ainfncia, contribuindo para tornar-se treinador:a) o jovem jogador, enquanto ainda aluno,aprende a partir da observao que realiza doseu treinador a ensinar. Pode-se acrescentar,ainda, que algumas modalidades esportivastradicionais fazem parte do currculo escolar,permitindo que um jovem aluno, nas aulas deEducao Fsica, observe seu professor a ensinarum esporte; b) posteriormente, no papel de

    auxiliar ou assistente, uma pessoa aprendeobservando e dialogando com o treinadorprincipal mais experiente a atuar; c) por fim,passa a observar outros treinadores adversriosou pares, j na funo de treinador principal.

    No caso dos treinadores de surfinvestigados, as duas etapas iniciais de umprocesso de socializao profissional, na qualocorre a aprendizagem incidental mediada (deobservar algum mais experiente a ensinar),ocorreram de forma pouco significativa e por um

    perodo curto de tempo, no podendo serconsiderado como uma influncia constante esistemtica, a exemplo do que ocorre nosesportes tradicionais mais estruturados. Assim,pode-se at afirmar que no ocorreuefetivamente. Isto fez com que essesprofissionais do ensino do surf passassemdiretamente de uma etapa de praticante atreinador de jovens, tendo que se valer,principalmente, do compartilhamento deinformaes dos amigos e tambm de umprocesso de reflexo-na-ao, para criarem suas

    prprias formas de ensinar.

    CONCLUSO

    O conhecimento pedaggico dos treinadoresde surf investigados foi construdo a partir deum conjunto variado de situaes deaprendizagem, a exemplo dos estudosdesenvolvidos na rea de esportesconvencionaispara jovens. Acredita-se que a variao de valoratribudo, pelos treinadores s situaes deaprendizagem, reflete as particularidadescontextuais de cada esporte.

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    Semelhante aos estudos na rea, as fontesinformais de aprendizagem ainda sopreponderantes no contexto de aprendizagemprofissional dos treinadores de esportes para

    jovens. Este resultado aponta para a necessidadede se contemplar conhecimentos do tipoprocessual ou prtico para as propostas deformao de treinadores. Aponta, igualmente,para a necessidade de se realizar estudosempricos que possam contribuir para a criaode repertrios teis de conhecimentos, para estepropsito.

    A aprendizagem profissional dessestreinadores decorreu de um processo individualde construo e reconstruo das experincias

    pessoais e profissionais. Este processo pode serinterpretado como uma atividade interna depensamento reflexivo, na qual a resoluo deproblemas da prtica cotidiana de ensino foifundamental para a criao de seu repertrio deensino. A construo do conhecimento foibalizada por um contexto sociocultural deprtica do surf, na qual as interaes entre os

    pares e a observao de outros profissionaisforam igualmente importantes.

    O engajamento espontneo dos

    treinadores de surf para a aprendizagem deum domnio especfico de conhecimento,nomeadamente o conhecimento prtico paraa resoluo dos problemas do cotidiano deensino, desenvolvido a partir das interaesentre pessoas ou profissionais quecompartilham os mesmos interesses, renemos elementos essenciais para sugerir que aaprendizagem destes profissionais temdecorrido dentro de uma estrutura socialtambm denominada de comunidade de

    prtica. A compreenso mais aprofundadadeste processo de aprendizagem, nestaperspectiva, exigir a utilizao deprocedimentos adicionais de pesquisa queneste estudo no foram contemplados, taiscomo, procedimentos de observaosistemtica, procedimentos de estimulaode memria e roteiros de entrevista aberta.

    PROFESSIONAL DEVELOPMENT PERCEIVED BY COACHES OF YOUNG SURFERS

    ABSTRACTThe aim of the study was to describe how coaches perceive their own professional development in surfing and interpret theseperceptions in line with the specialized literature. A qualitative study was conducted with multiple case studies involvingeleven competent coaches in forming young surfers in the city of Florianpolis, Brazil. Data were collected from structuredand semi-structured interviews. As for data analysis, we used the technique of content analysis. The results show that coachesvalue many informal sources of development. The knowledge sharing, the problem solving and the observation of othercoaches are essential to construct the professional knowledge. It is concluded that professionals learn from spontaneousengagement with the specific field of surfing and from a process of socialization within a socio-cultural context of this sport.

    Key words: Physical Education and Sport. Coaching. Surfing.

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    Recebido em 23/11/2011Revisado em 19/08/2012

    Aceito em 25/09/2012

    Endereo para correspondncia: Valmor Ramos. Rua Pascoal Simone, 358, Coqueiros, CEP 88080-350, Florianpolis,SC. E-mail: [email protected]